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CONTRIBUIÇÕES DE NORBERT ELIAS E LEV SEMIONOVICH

VIGOTSKI PARA PENSAR A EXCLUSÃO SOCIAL

Anna Maria Lunardi Padilha (UNIMEP-SP) Professora titular – [email protected] Maria Flávia Silveira Barbosa (USP –SP)

Doutoranda em Educação – [email protected]

Resumo Neste texto pontuamos as contribuições de Lev Vigotski e Norbert Elias para o debate sobre a exclusão/inclusão social. Adota-se como ponto de partida a noção de exclusão sob o senso comum: o que é exclusão? Quem são os excluídos, para a maioria das pessoas? A seguir, situa-se a problemática no contexto sócio-político-econômico atual, do Brasil e do mundo, na tentativa de compreender qual o sentido de se falar em inclusão e/ ou exclusão numa sociedade capitalista, neoliberal, globalizada. Busca-se, então, o concurso dos autores acima citados, por acreditar-se que, apesar das diferenças fundamentais em suas matrizes epistemológicas, podem iluminar certos aspectos essenciais acerca da questão tratada. Entre as principais contribuições que trazem esses autores, destaca-se a compreensão do indivíduo como ser que se constitui nas inter-relações sociais; e da exclusão como um problema que, estando além das individualidades, não pode solucionar-se apenas através da elaboração alguns poucos documentos oficiais; requer, por outro lado, profundas transformações na sociedade. Palavras-chave: Exclusão Social; Lev Vigotski; Norbert Elias

Introdução

Neste texto, procuramos mostrar as contribuições de Norbert Elias e Lev Semionovich Vigotski a partir de suas matrizes epistemológicas à temática da exclusão social. Consideramos pertinente buscar compreender, de início, o que, no senso comum, se entende por exclusão e quem são os excluídos. Ordinariamente, a maioria das pessoas pode se posicionar com relação a esse tema: exclusão é deixar de fora, deixar à margem; e excluídos são, portanto, aqueles que, de alguma forma ou por algum motivo não estão incluídos em um ou mais dos processos da vida social. Esses processos podem ser de natureza econômica (exclusão no mundo do trabalho, p.ex.), política (exclusão no âmbito das decisões que afetam a vida individual ou grupal, p. ex.), cultural (exclusão da e na escola, p.ex.) etc. Podemos também nomear alguns desses grupos excluídos: negros, índios, pobres, analfabetos, semi-alfabetizados, homossexuais, sem-terra e outros. Gostaríamos de apontar, ainda, alguns aspectos importantes do momento histórico em que vivemos e no qual polêmicas discussões sobre a exclusão têm caminhado em distintas vias teóricas e metodológicas.

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O que se tem, hoje, veiculado sobre inclusão/ exclusão social, está marcado por um lugar cultural-simbólico: vive-se a exclusão e fala-se de inclusão em um mundo guiado pela racionalidade capitalista, em uma configuração denominada de globalização e neoliberalismo.

Não há nações independentes, nem sistemas religiosos, nem escolas, nem indivíduos autônomos... O mundo sem fronteiras não ficou mais justo nem as riquezas ficaram mais bem distribuídas. A globalização é uma realidade ideal para o projeto neoliberal. A pobreza chegou a níveis insuportáveis, incontáveis... o desemprego deixou de ser fantasma para tornar-se uma doença incurável, um mal incontrolável – deixou de ser ameaça e se encarnou – tornou-se carne, pele, parte da vida, condição de morte, motivadora da violência e do desespero. Não há como amenizar, não há como dizer palavras mais brandas, mesmo acreditando que a esperança abre brechas, que a doença traz forças para vencê-la, que a solidariedade vai sendo constituída das mais diferentes formas, nos mais diferentes matizes... (PADILHA, 2004, p. 107-108).

Segundo Dupas (2000), a percepção de que a exclusão social está se agravando com a dinâmica capitalista “começou a se configurar quando os índices de desemprego e marginalidade cresceram significativamente na França e na Alemanha” (p.09). Os conceitos de exclusão e de inclusão social não se configuram, porém, da mesma forma em todos os tempos e lugares – são de naturezas diferentes, mesmo que as origens possam estar no processo de globalização da economia. Diferentes também são as conseqüências da exclusão e as formas de combatê-la ou de ultrapassá-la. No caso do Brasil, continua Dupas, a dramática urbanização, que vem acontecendo desde a segunda metade do século XX, gerou pobreza inclusive nas cidades médias e pequenas, deteriorando, precarizando a qualidade do trabalho e os esquemas de proteção social. “O Estado contemporâneo não se sente mais responsável pelo pleno emprego. [...]. Sem a proteção do Estado, o homem volta a sentir com toda força sua dimensão de desamparo” (p.223).

O Brasil e nós brasileiros ficamos de 1964 até 1985 sob um regime militar e antidemocrático. A (re)construção da democracia vem, desde então, ora engatinhando, ora ensaiando alguns passos, mas com muitas dificuldades. Se conseguimos voltar a ter o direito de voto e de organização, falta-nos muito para sermos uma nação democrática – falta a participação popular que vai além do depósito dos votos na urna; participação que vai além do acesso às informações pelos meios de comunicação. É deste lugar que queremos abordar o tema da exclusão ou inclusão social, exclusão ou inclusão escolar.

Quando são lembradas as resoluções governamentais, tanto em documentos oficiais quanto em propagandas na mídia, parece que o Estado está gerindo, coordenando, assumindo, liderando, resolvendo, amparando, fiscalizando, promovendo... mas não está! Frigotto (2000) evidencia que:

buscar entender adequadamente os dilemas e impasses do campo educativo, hoje é, inicialmente, dispor-se a entender que a crise da educação somente é possível de ser compreendida no escopo mais amplo da crise do capitalismo real [...], no plano internacional e com especificidades no nosso país. Trata-se de uma crise que está marcada por uma especificidade que se explicita nos planos econômico-social, ideológico, ético-político e educacional, cuja análise fica mutilada pela crise teórica (p.79 – grifos do autor).

O foco das análises, apenas indicadas neste texto, mostra a contradição entre o discurso da inclusão social que fomos apropriando dos documentos oficiais e do que a

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mídia tem veiculado e o que nos impõe o estudo mais aprofundado sobre os determinantes históricos e sociais da vida dos povos e de seus grupos sociais.

Enquanto acreditarmos ingenuamente que basta alguns indivíduos, grupos ou comunidades – que se colocam como possuidores de poder e decisão - assumirem o discurso de que a escola é para todos, que os deficientes são legalmente respeitados em suas peculiares necessidades, que as diferentes etnias e opções de vida têm os mesmos direitos e que, para tanto, o Estado tem proposto resoluções e promulgado leis que os garantam, não vamos caminhar muito em direção a uma efetiva conquista do que vem sendo chamado de sistema democrático ou sociedade inclusiva.

Apesar de conseguirmos identificar facilmente certos aspectos ligados à problemática da exclusão em suas variadas faces e nuances, é preciso ir além das aparências e tentar compreender seus determinantes fundamentais. É essa a nossa meta aqui. Ainda que não tenhamos a pretensão de esgotar plenamente o assunto, ao menos tentaremos contribuir para os debates nesse campo.

Contribuições de Lev Vigotski e Norbert Elias à reflexão teórica

Embora não seja uma tarefa fácil colocar lado a lado Lev Vigotski e Norbert Elias, será o seu concurso que chamaremos em suporte a nossas reflexões, por entendermos que ambos fornecem importantes contribuições para a compreensão da sociedade em geral e, em particular, para a compreensão da posição dos indivíduos na sociedade e nas relações de poder. Conquanto o objetivo aqui seja tratar da questão da exclusão, parece-nos inevitável trazer algumas informações sobre as matrizes epistemológicas desses dois autores.

Norbert Elias e Lev Vigotski viveram em tempos diferentes, apesar de terem seus nascimentos tão próximos: Vigotski nasceu 1896 e morreu em 1934, enquanto Elias nasceu em 1897 e morreu em 1990. Este último viveu muito mais e teve experiências mais recentes, mais contemporâneas às nossas. No entanto, um e outro deixaram estudos e conhecimentos que não podem ser desprezados por quem busca conhecer a sociedade do ponto de vista sócio-antropológico; por quem quer compreender o homem em suas relações concretas de vida social, no tempo e no espaço, portanto, na história da humanidade.

Para Vigotski, judeu russo, cuja obra é marcada profundamente pela matriz marxista, era preciso construir uma psicologia concreta do homem, ou seja, entender o desenvolvimento humano mergulhado na história, no processo histórico. As funções psíquicas são consideradas por ele de natureza social e cultural e o desenvolvimento dos indivíduos caminha da socialização para a individualização de funções sociais. Perguntava-se ele: como o coletivo cria as funções psicológicas propriamente humanas ou culturais? A personalidade, segundo Vigotski, é o conjunto de relações sociais entre as pessoas como membros de um grupo social definido e cria-se no coletivo (VIGOTSKI, 2000, p. 21-44).

Em seu texto “O significado histórico da crise da Psicologia: uma investigação psicológica”, escrito em 1927, afirma que deseja aprender, na globalidade do método de Marx, como é que se constrói a ciência, como se deve enfocar a análise da psiqué humana. Deixa claro que não acreditava na possibilidade de construir uma psicologia concreta em

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uma sociedade capitalista: “na futura sociedade, a psicologia será em realidade a ciência do homem novo. Sem ela, a perspectiva do marxismo e da história da ciência seria incompleta” (VIGOTSKI, 1991, p.406). Uma das marcas de Vigotski é o método por ele adotado em seus estudos sobre o humano – o materialismo histórico-dialético.

Elias, também judeu, nascido na Polônia, que na época fazia parte do território germânico, para a realização de sua tese sobre a vida na sociedade de corte francesa dos séculos XVII e XVIII, foi orientado por Alfred Weber, irmão de Max Weber. Seria possível dizer que Elias elaborou seus trabalhos em uma ampla perspectiva sociológica sem deixar de admitir as influências que recebeu de muitos autores, entre eles: Sigmund Freud, Alfred Weber, Karl Mannheim. Vivendo 93 anos, Elias escreveu obras que caminham pela Sociologia, Psicologia, História, Ócio, Desportos, ou seja, por vias interdisciplinares, adotando o método de análise histórica na elaboração de sua teoria, em uma perspectiva de longa duração.

Trabalha as noções de indivíduo e de sociedade como processos interdependentes: “a rede de interdependências entre os seres humanos é o que os liga. Elas formam o nexo do que aqui é chamado configuração, ou seja, uma estrutura de pessoas mutuamente orientadas e dependentes” (ELIAS, 1994a, p.249). E mais adiante acrescenta que o conceito de configuração é mais apropriado e frutífero para esclarecer o que ele chama de “sociedade”, exemplificando de forma um tanto poética: “as mesmas configurações podem certamente ser dançadas por diferentes pessoas, mas, sem uma pluralidade de indivíduos reciprocamente orientados e dependentes, não há dança” (p.250).

Exclusão como foco

Voltemos agora para a nossa questão específica, objeto de reflexão neste texto: a exclusão. Que contribuições trazem, se é que trazem, esses autores para o estudo e a compreensão da problemática da exclusão e dos excluídos?

É preciso admitir, primeiramente, as diferenças fundamentais que caracterizam o pensamento desses dois autores; por exemplo, as diferenças entre as fontes primárias subjacentes às suas reflexões e elaborações e a natureza de suas abordagens na compreensão do ser humano – em Elias, uma abordagem sociológica figuracional e em Vigotski, uma abordagem histórico-cultural da psiqué – conforme se pode observar pelas breves anotações que fizemos acima.

Também é preciso lembrar que Elias, apesar de não negar as contribuições de Karl Marx para a compreensão dos conflitos de grupos, aceitando que um grande passo no desenvolvimento da teoria sociológica foi dado com a constatação de Marx de que “os conflitos não surgem da má vontade ou da fraqueza de caráter de um lado ou do outro, mas de particularidades estruturais da sociedade em questão” (ELIAS, 2000, p.199-200), por outro lado, não aceita que todos os conflitos sejam de classe e que as diferenças no jogo do poder possam ser explicadas a partir do poder econômico. Essa é, em nossa opinião uma diferença considerável entre o pensamento de Elias e Vigotski, uma vez que este não fazia um uso esporádico dos pressupostos marxistas; pelo contrário, foi a obra de sua vida a construção de uma psicologia marxista, a qual ele considerava que seria a “verdadeira psicologia”. Não obstante, ambos podem sim contribuir para as análises sobre a questão da exclusão. Senão, vejamos.

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Em seu livro “Os estabelecidos e os Outsiders”, Norbert Elias (2000), usando uma pequena unidade social como foco da investigação, explora as minúcias do que chama “a sociodinâmica da estigmatização”, adotando um olhar microscópico para construir um modelo explicativo de uma figuração universal. Considerada uma pesquisa etnográfica, descreve uma comunidade da periferia urbana, na Inglaterra – Winston Parva (nome fictício) –, onde passam a conviver dois grupos distintos: o que já ali vivia há muito tempo e o que chega posteriormente e é estigmatizado como sendo composto por pessoas de menos valor. Segundo o autor, “a possibilidade de um grupo afixar em outro um rótulo de inferioridade humana e fazê-lo prevalecer era função de uma figuração específica que os dois grupos formavam entre si” (p. 23 – grifos nossos). É essa justamente a característica distintiva das análises de Norbert Elias, no tocante ao problema da exclusão: as relações interdependentes estabelecidas entre os indivíduos dos diferentes grupos (ou sociedades) definem diferentes configurações (quadros) sociais. Tais relações são entendidas como “relações de poder”, não só no sentido de detenção dos meios de produção (ou poder econômico), mas sobretudo como “diferenças no grau de organização dos seres humanos implicados” (p. 21). Em Winston Parva,

era graças a seu maior potencial de coesão, assim como à ativação deste pelo controle social, que os antigos residentes conseguiam reservar para as pessoas de seu tipo os cargos importantes das organizações locais, como o conselho, a escola ou o clube, e deles excluir firmemente os moradores da outra área, aos quais como grupo, faltava coesão. Assim, a exclusão e a estigmatização dos outsiders pelo grupo estabelecido eram armas poderosas para que este último preservasse sua identidade e afirmasse sua superioridade, mantendo os outros firmemente em seu lugar (p. 22).

Segundo o autor, não havia diferenças outras entre os membros dos distintos grupos – raça, credo, nacionalidade ou classe social etc – que pudessem justificar a segregação a que eram submetidas as pessoas do grupo considerado inferior. Apenas os distinguia o tempo de residência junto àquela comunidade e, conseqüentemente, em parte como decorrência dessa associação anterior, o nível de organização coletiva, de coesão e identificação, maior entre os integrantes do grupo mais antigo. Quanto ao impacto de processos estigmatizantes na constituição da personalidade dos outsiders, afirma Elias, mais adiante,

afixar o rótulo de “valor humano inferior” a outro grupo é uma das armas usadas pelos grupos superiores nas disputas de poder, como meio de manter sua superioridade social. Nessa situação, o estigma social imposto pelo grupo mais poderoso costuma penetrar na auto-imagem deste último e, com isso, enfraquecê-lo e desarmá-lo (p.24).

O sentimento de ser inferior vai sendo apropriado pelos membros do grupo excluído, pela mediação de palavras ou termos que são simbolicamente depreciativos. No jogo do poder, a opressão se dá no mundo inteiro. Vale assinalar, por exemplo, os pobres, os negros, os deficientes, os homossexuais, os detentos, os portadores do vírus HIV... que são considerados como tendo menor valor e são, em várias sociedades, desprezados e a eles são imputadas culpas.

Norbert Elias considera que a estigmatização social não pode ser entendida como posição individual de desapreço e nem ser tratada como simplesmente preconceito social buscado na personalidade de indivíduos. Em nossa opinião, é essa a maior contribuição desse autor, no que tange ao objeto de reflexão aqui tratado: colocar o problema da exclusão para além dos preconceitos individuais – concepção que muitas vezes é veiculada

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nos meios de comunicação e mesmo em documentos e discursos oficiais (quer dizer, de acordo com os termos de Elias, pelos grupos estabelecidos). Segundo o autor, “a chave do problema [...] só pode ser encontrada ao se considerar a figuração formada pelos dois (ou mais) grupos implicados ou, em outras palavras, a natureza de sua interdependência” (p. 23 – grifos nossos).

Em síntese, Elias, no livro ao qual vimos nos referindo, localiza o problema da exclusão no âmbito mais amplo das relações inter grupais e não no âmbito das relações inter individuais. Esse é um ponto fundamental a ser considerado quanto se quer atingir o entendimento dessa questão em sua essência.

Passemos agora às possíveis contribuições de Lev Vigotski ao nosso assunto. Esse autor não escreveu um livro dedicado à exclusão, mas deixa marcada sua posição a esse respeito em sua perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, cuja matriz marxista determina sua luta política contra os problemas da sociedade soviética, no seu tempo, após a Revolução de 1917.

Vigotski propôs-se a reformular a psicologia de sua época a partir dos fundamentos marxistas e a desenvolver caminhos para superar as dificuldades que enfrentava a União Soviética pós-revolução: alta taxa de analfabetismo; orfandade; diferenças culturais entre nações com distintos graus de desenvolvimento em seus modos de produção; carência absoluta de serviços para atender aos cegos, surdos, deficientes mentais e físicos (BLANCK, 1984). Cremos ser possível afirmar que, coerente com os pressupostos do marxismo, Vigotski considerava que o acesso de todos aos bens materiais e culturais da humanidade só poderia acontecer em uma nova organização da sociedade: prevista, planejada, almejada sob um outro ponto de vista – o da sociedade socialista. Ou seja, que a superação da exclusão viria, não pela via da inclusão das pessoas excluídas no modelo capitalista, mas pela via das transformações sociais mais profundas.

Não é possível compreender a possibilidade desse nosso raciocínio sem recorrer a uma análise do conceito de exclusão na obra de Marx, trabalho que encontramos minuciosamente realizado no livro “Marx e a exclusão”, de Avelino da Rosa Oliveira (2004). De acordo com esse autor, embora o termo exclusão conste já nas primeiras obras de Marx, como conceito está mais finamente elaborado nos seus últimos escritos, sobretudo n’O Capital. Diz Oliveira:

a leitura sistemática e aprofundada da teoria de Karl Marx tem a capacidade de desocultar os determinantes da exclusão, demonstrando que a exclusão está incluída na lógica do capital, ou ainda, dizendo de outra maneira, que o círculo entre exclusão e inclusão subordinada é condição de possibilidade dos processos de produção e reprodução do capital (p. 23-24 – itálicos do autor).

O esforço para entender melhor essa passagem revelar-se-á fundamental no sentido de ir além das aparências que o fenômeno da exclusão toma na sociedade atual e no senso comum. Segundo Oliveira:

no mundo das experiências cotidianas, no fluxo diário da percepção sincrética e imediata da realidade social, as formas fenomênicas que se reproduzem em nossas mentes, enquanto realizamos determinadas práxis históricas, não correspondem, portanto, ao que as coisas, em seu fundo oculto, são de verdade (p. 150).

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E, mais adiante, a maioria dos discursos sobre a exclusão social captura exatamente o que não está acontecendo. [...] por vezes, a exclusão social é usada para designar formas mais atualizadas de exploração, em outras ocasiões, refere-se à subordinação política; há momentos em que significa segregação, enclausuramento, separação, proteção providencial; noutros tem a ver com estigmatização. De qualquer modo, trata-se ainda de espoliações, esbulhos, repressões, sofreamentos, restrições, limitações, constrangimentos... Só mesmo pela reflexão sistemática, por um acesso filosófico mediatizado, que no linguajar marxiano é identificado como ciência, é possível superar essa aparência visível invertida (p. 150-151 – itálico do autor).

Empreendamos, então, a tarefa. O que significa afirmar que “a exclusão está incluída na lógica do capital”? De acordo com as reflexões elaboradas por Oliveira a partir de sua imersão no universo da obra de Marx, ao longo da história, o trabalhador foi sofrendo um processo gradativo de expropriação dos meios de produção, tornando-se cada vez mais excluído das novas formações sociais que se iam constituindo. Na seqüência desse processo, aparece a possibilidade de inclusão desse homem no mercado de trabalho, só que em condições muito desfavoráveis. Sua inclusão acontece, em aparência, como um homem livre que vende, por vontade própria, a sua força de trabalho em troca de salário; em essência, no entanto, esse fenômeno revela-se como a condição necessária ao desenvolvimento do capital.

O raciocínio exposto acima foi elaborado por Oliveira, ao tentar compreender o processo da gênese da mercadoria. Por isso, afirma ele:

a penetração no processo genético da mercadoria – tomada enquanto forma elementar imediatamente aparente das sociedades capitalistas e ponto de partida do processo analítico [de Marx, em O Capital] – revela que o homem – sujeito produtor da mercadoria – é excluído de sua rede lógica, enquanto ser complexo, de múltiplas determinações, e reincluído como ser unilateralmente determinado, depois de já haver sido irremediavelmente reduzido à condição de simples quantum econômico (p. 126 – itálicos do autor).

Vemos, desse modo, porque Oliveira diz que “exclusão e inclusão subordinada são as duas faces da mesma medalha, ou melhor, da mesma moeda” (p. 97 – itálicos do autor). Podemos ver, também, o fenômeno da exclusão revelado em sua essência, desmistificado, desvelado da aparência que, no senso comum, era entendida como essencial. E ainda, podemos entender porque afirmamos anteriormente que, a julgar pelos pressupostos marxistas que embasam as reflexões de Vigotski, para esse autor, a superação da exclusão não se dará pela inclusão dos excluídos no modelo social capitalista – pois, como nos mostrou Oliveira, isso já ocorre, de acordo com a lógica da reprodução do capital – mas pela superação dessa sociedade - através de profundas transformações.

Últimas palavras

Antes de finalizar, gostaríamos de fazer uma última colocação, mais a título de explicação: se vimos, durante toda a nossa exposição, falando de exclusão, sem nos referirmos à exclusão escolar propriamente dita, é porque acreditamos que esta última faz parte de uma totalidade complexa – a sociedade capitalista, e deve ser analisada como

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parte constituinte/ integrante dessa totalidade. A exclusão escolar não está desvinculada nem mesmo tem origens diversas das outras tantas formas de exclusão e, portanto, sua superação encontra-se atrelada à necessidade de profundas transformações sociais. Foi por isso que começamos tentando compreender o conceito de exclusão, primeiro no senso comum e depois com a ajuda de pensadores consagrados de diferentes campos do conhecimento.

Tanto Elias quanto Vigotski deslocam do individual para o social a questão da exclusão/ inclusão. Tanto para um como para o outro, trata-se de compreender a organização dos indivíduos em sociedade – trata-se da interdependência entre grupos sociais com impacto sobre a personalidade, sobre o valor que cada indivíduo atribui a si e a seu grupo. No caso dos deficientes, por exemplo, Vigotski lembra que a força determinante da sua exclusão dos bens culturais produzidos pela humanidade está, justamente, nas conseqüências sociais da deficiência e não nela mesma. Parafraseando Marx, o autor diz em Fundamentos de Defectologia: “nossa existência social determina nossa consciência” (VYGOTSKI, 1997, p. 179). E mais, é propositivo quando afirma que a educação de qualquer pessoa, deficiente ou não precisa ter metas e objetivos iguais – o que chamamos de visão prospectiva da perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano. O que vale para todos os que estão apartados pela violência da exclusão.

Neste texto, tentamos incorporar dialeticamente as contribuições de Lev Vigotski e Norbert Elias às reflexões sobre o problema da exclusão/inclusão. Dos estudos que realizamos, até o presente momento, destacamos como uma das mais significativas contribuições desses autores a idéia de que o fundamental nessa questão é entendê-la como resultado das relações sociais – embora esta expressão adquira conotações distintas em Vigotski e Elias, sobreleva o sentido de que são mais amplas do que apenas relações inter-individuais, envolvendo os aspectos econômico, político, ético etc da vida social – e que, portanto, as respostas, devemos buscá-las na transformação dessas relações.

CONTRIBUTIONS OF LEV VIGOTSKI AND NORBERT ELIAS FOR THE DISCUSSION OF SOCIAL INCLUSION

Abstract

In this paper we point to the contributions of Lev Vigotski and Norbert Elias for the debate about social inclusion/exclusion. As a starting point, we consider the commonsense notion of exclusion: What is exclusion? Who are the so called excluded? Then, we place the discussion in the present economic, social and political context, in Brazil and in the world, in an attempt to understand the issue of inclusion and/or exclusion in a capitalist, neo-liberal and globalized society. Next, we allude to the two authors, with the belief that, despite differences between their epistemological assumptions, they can illuminate certain aspects of this issue. Among the main contributions that they bring, we emphasize the understanding of the individual as a being constituted in social interrelationships, and the approach to exclusion as a problem that is located beyond the individualities; thus it cannot be solved through the elaboration of a few official policies, on the contrary, it demands deep transformations of society.

Key words: Social exclusion; Lev Vigotski; Norbert Elias

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