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O direito de morrer A Holanda está prestes a ser o primeiro país a legalizar a eutanásia e o debate sobre o assunto pega fogo no mundo todo. A gaúcha Eulália era uma senhora ativa que não parava em casa. Aos 63 anos, perdeu o marido. Dali em diante, sua vida mudou. Era vista pedindo a Deus que a levasse logo. Foi acometida de uma osteoporose e ficava cada vez mais tempo na cama, definhando, gemendo de dor. Com os anos, perdeu a lucidez e passou a confundir até os rostos mais familiares. Teve que começar a usar fraldas. E chorava com a humilhação de depender dos parentes para tudo. Matriarca de uma família de médicos, dona Eulália foi bem assistida. Aos 75 anos, seu quarto se transformou em um leito de hospital. Ela passou a se alimentar por sonda, a receber soro. Até que entrou em coma, vítima de mau funcionamento dos órgãos e da alimentação insuficiente. Um dia, um dos médicos da família observou seus reflexos e concluiu que, embora o coração continuasse batendo firme e a respiração não desse sinais de fraqueza, dona Eulália jamais se recuperaria do coma. A profissão lhe dava acesso a medicamentos controlados e ele conseguiu morfina. Um dos parentes aplicou a injeção no braço da doente. A respiração dela foi ficando cada vez mais espaçada. Quinze minutos depois, dona Eulália inspirou suavemente. Nunca mais soltaria o ar. Essa história é verdadeira, exceto pelo nome da paciente. Aconteceu em 1995. Se tivéssemos publicado o nome real de dona Eulália, os parentes dela poderiam ser processados por homicídio. A pena acabaria atenuada pelo fato de o crime ter sido cometido "por relevante valor social ou moral", como prevê o Código Penal. Mesmo assim, o médico que aplicou a injeção arriscaria passar de quatro a 17 anos na cadeia. Além disso, seria julgado pelo conselho de medicina local, que certamente cassaria sua licença e o proibiria de exercer a profissão. (No atestado de óbito de dona Eulália lê-se "morte natural".) Ninguém sabe dizer se casos como esse são uma raridade no Brasil ou se são, por aqui, tão comuns quanto na Holanda - onde pelo menos 3,5% das mortes anuais são apressadas por um médico. Lá, na terra dos moinhos e dos tamancos, a Câmara Alta (que equivale ao nosso Senado) prepara-se para votar, até maio, uma lei que vai legalizar a eutanásia - morte provocada pelo médico, com o consentimento do paciente, quando o sofrimento físico ou psíquico é incurável e insuportável - e o suicídio assistido - morte nas mesmas circunstâncias, só que provocada pelo próprio paciente. "A aprovação é quase certa, já que 92% da população é a favor da legalização da eutanásia", diz o professor de medicina social Gerrit van der Wal, da Universidade Livre de Amsterdã. Em novembro último, a Câmara Baixa daquele país (equivalente à nossa Câmara dos Deputados), já tinha votado a favor da nova lei. Mas, mesmo antes, eutanásia e suicídio assistido eram tolerados na Holanda. É que, em 1993, entrou em vigor uma lei que garantia que nenhum médico seria processado por realizar a eutanásia desde que seguisse algumas regras e que comunicasse tudo à Justiça. Em 1995, uma enorme pesquisa foi feita na Holanda. Os médicos tinham a garantia de que não seriam processados se falassem a verdade. O resultado: de um total anual de 140 000 óbitos, 3 600 tinham ocorrido por meio de eutanásia autorizada pelo doente, 400 por suicídio assistido e 900 por eutanásia não-consentida (sem a concordância explícita do paciente, por ele estar em coma irreversível, por exemplo, como aconteceu com dona Eulália - algo que a nova lei holandesa não prevê e que provavelmente continuará proibido naquele país). Enquanto isso, por aqui, ninguém toca no assunto. Nem nos corredores dos hospitais, nem nas salas dos tribunais nem nos laboratórios das universidades. Raramente se discute a eutanásia no Congresso ou nas páginas dos jornais. É como se essa questão, que desafia a ética e a medicina, não existisse. Só que ela existe. Como em qualquer lugar, no Brasil tem gente que acha que tem o direito de escolher como e quando quer morrer. E como em qualquer outro país, aqui se pratica a eutanásia. Em que medida, não é possível dizer. É que não há dados. Eis o grande problema causado pelo silêncio que se faz a respeito no país: a falta de informação. Como resultado, as opiniões sobre o tema, quando há, são poucas e pouco informadas. Uma sondagem recém-realizada pela Super na internet aponta um empate técnico no cenário brasileiro: 50,4% dos 14 915 internautas que responderam à enquete se puseram contra a legalização da eutanásia e 49,6%, a favor. No Canadá, 76% da opinião pública é a favor. Na Austrália, 81%. Nos Estados Unidos, 57%. Mais números relevantes: de acordo com uma grande pesquisa realizada em 1997 por várias universidades americanas em hospitais daquele país, 40% das pessoas morrem sentindo dores insuportáveis; 80% enfrentam fadiga extrema; e 63% passam por grande sofrimento físico e psíquico ao deixar a vida. Não há razões para crer que a situação seja diferente no Brasil, onde, pelo menos nas grandes cidades, se pratica o mesmo tipo de medicina e as causas de morte são semelhantes. Ou seja: a morte tem sido, na maioria dos casos, uma experiência dramática e dolorosa. Daí a importância de discutir a eutanásia: será que você tem o direito de morrer de outro jeito? Um dos motivos pelos quais não se fala muito a respeito, especialmente no ambiente médico, apesar de o tema interessar a todo mundo, é o dinheiro. Queiramos ou não, morrer custa caro. Definhar num hospital, sai, em média, 2 000 reais ao dia - seis vezes mais se for numa UTI. (Nos Estados Unidos, 75% das mortes ocorrem em hospitais e um em cada três pacientes terminais passam pelo menos 10 dias em UTIs.) Nos seus últimos seis meses, segundo Daniel Deheinzelin, diretor clínico do Hospital do Câncer, em São Paulo, o paciente torra, em média, com médicos, remédios e hospitais, mais do que gastou com saúde em toda a sua vida. Nos Estados Unidos, segundo pesquisa recente da Time/CNN, nada menos do que um terço das pessoas leva a família à falência ao morrer. "O fato, inegável, é que os recursos para a saúde são finitos e temos que decidir como gastá-los da melhor maneira possível", diz Daniel. "Ignorar essa discussão é hipocrisia." Ele se refere àqueles casos em que se sabe que o tratamento não vai resolver nada e em 10/03/2011 O direito de morrer - SUPERINTERESSA… …abril.com.br/…/conteudo_119235.shtml 1/8

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  • O direito de morrer

    A Holanda est prestes a ser o primeiro pas a legalizar a eutansia e o debate sobre o assunto pega fogo no mundo todo.

    A gacha Eullia era uma senhora ativa que no parava em casa. Aos 63 anos, perdeu o marido. Dali em diante, sua vida mudou. Era vista

    pedindo a Deus que a levasse logo. Foi acometida de uma osteoporose e ficava cada vez mais tempo na cama, definhando, gemendo dedor. Com os anos, perdeu a lucidez e passou a confundir at os rostos mais familiares. Teve que comear a usar fraldas. E chorava com

    a humilhao de depender dos parentes para tudo. Matriarca de uma famlia de mdicos, dona Eullia foi bem assistida. Aos 75 anos,

    seu quarto se transformou em um leito de hospital. Ela passou a se alimentar por sonda, a receber soro. At que entrou em coma,vtima de mau funcionamento dos rgos e da alimentao insuficiente.

    Um dia, um dos mdicos da famlia observou seus reflexos e concluiu que, embora o corao continuasse batendo firme e a respirao

    no desse sinais de fraqueza, dona Eullia jamais se recuperaria do coma. A profisso lhe dava acesso a medicamentos controlados eele conseguiu morfina. Um dos parentes aplicou a injeo no brao da doente. A respirao dela foi ficando cada vez mais espaada.

    Quinze minutos depois, dona Eullia inspirou suavemente. Nunca mais soltaria o ar.

    Essa histria verdadeira, exceto pelo nome da paciente. Aconteceu em 1995. Se tivssemos publicado o nome real de dona Eullia,os parentes dela poderiam ser processados por homicdio. A pena acabaria atenuada pelo fato de o crime ter sido cometido "por

    relevante valor social ou moral", como prev o Cdigo Penal. Mesmo assim, o mdico que aplicou a injeo arriscaria passar de quatroa 17 anos na cadeia. Alm disso, seria julgado pelo conselho de medicina local, que certamente cassaria sua licena e o proibiria de

    exercer a profisso. (No atestado de bito de dona Eullia l-se "morte natural".)

    Ningum sabe dizer se casos como esse so uma raridade no Brasil ou se so, por aqui, to comuns quanto na Holanda - onde pelomenos 3,5% das mortes anuais so apressadas por um mdico. L, na terra dos moinhos e dos tamancos, a Cmara Alta (que equivale ao

    nosso Senado) prepara-se para votar, at maio, uma lei que vai legalizar a eutansia - morte provocada pelo mdico, com o

    consentimento do paciente, quando o sofrimento fsico ou psquico incurvel e insuportvel - e o suicdio assistido - morte nasmesmas circunstncias, s que provocada pelo prprio paciente.

    "A aprovao quase certa, j que 92% da populao a favor da legalizao da eutansia", diz o professor de medicina social Gerrit

    van der Wal, da Universidade Livre de Amsterd. Em novembro ltimo, a Cmara Baixa daquele pas (equivalente nossa Cmara dosDeputados), j tinha votado a favor da nova lei. Mas, mesmo antes, eutansia e suicdio assistido eram tolerados na Holanda. que, em

    1993, entrou em vigor uma lei que garantia que nenhum mdico seria processado por realizar a eutansia desde que seguisse algumas

    regras e que comunicasse tudo Justia. Em 1995, uma enorme pesquisa foi feita na Holanda. Os mdicos tinham a garantia de queno seriam processados se falassem a verdade. O resultado: de um total anual de 140 000 bitos, 3 600 tinham ocorrido por meio de

    eutansia autorizada pelo doente, 400 por suicdio assistido e 900 por eutansia no-consentida (sem a concordncia explcita do

    paciente, por ele estar em coma irreversvel, por exemplo, como aconteceu com dona Eullia - algo que a nova lei holandesa noprev e que provavelmente continuar proibido naquele pas).

    Enquanto isso, por aqui, ningum toca no assunto. Nem nos corredores dos hospitais, nem nas salas dos tribunais nem nos laboratrios

    das universidades. Raramente se discute a eutansia no Congresso ou nas pginas dos jornais. como se essa questo, que desafia atica e a medicina, no existisse. S que ela existe. Como em qualquer lugar, no Brasil tem gente que acha que tem o direito de

    escolher como e quando quer morrer. E como em qualquer outro pas, aqui se pratica a eutansia. Em que medida, no possvel

    dizer. que no h dados. Eis o grande problema causado pelo silncio que se faz a respeito no pas: a falta de informao. Comoresultado, as opinies sobre o tema, quando h, so poucas e pouco informadas.

    Uma sondagem recm-realizada pela Super na internet aponta um empate tcnico no cenrio brasileiro: 50,4% dos 14 915 internautas

    que responderam enquete se puseram contra a legalizao da eutansia e 49,6%, a favor. No Canad, 76% da opinio pblica afavor. Na Austrlia, 81%. Nos Estados Unidos, 57%.

    Mais nmeros relevantes: de acordo com uma grande pesquisa realizada em 1997 por vrias universidades americanas em hospitais

    daquele pas, 40% das pessoas morrem sentindo dores insuportveis; 80% enfrentam fadiga extrema; e 63% passam por grandesofrimento fsico e psquico ao deixar a vida. No h razes para crer que a situao seja diferente no Brasil, onde, pelo menos nas

    grandes cidades, se pratica o mesmo tipo de medicina e as causas de morte so semelhantes. Ou seja: a morte tem sido, na maioriados casos, uma experincia dramtica e dolorosa. Da a importncia de discutir a eutansia: ser que voc tem o direito de morrer de

    outro jeito?

    Um dos motivos pelos quais no se fala muito a respeito, especialmente no ambiente mdico, apesar de o tema interessar a todomundo, o dinheiro. Queiramos ou no, morrer custa caro. Definhar num hospital, sai, em mdia, 2 000 reais ao dia - seis vezes mais se

    for numa UTI. (Nos Estados Unidos, 75% das mortes ocorrem em hospitais e um em cada trs pacientes terminais passam pelo menos 10

    dias em UTIs.) Nos seus ltimos seis meses, segundo Daniel Deheinzelin, diretor clnico do Hospital do Cncer, em So Paulo, opaciente torra, em mdia, com mdicos, remdios e hospitais, mais do que gastou com sade em toda a sua vida. Nos Estados Unidos,

    segundo pesquisa recente da Time/CNN, nada menos do que um tero das pessoas leva a famlia falncia ao morrer.

    "O fato, inegvel, que os recursos para a sade so finitos e temos que decidir como gast-los da melhor maneira possvel", dizDaniel. "Ignorar essa discusso hipocrisia." Ele se refere queles casos em que se sabe que o tratamento no vai resolver nada e em

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  • que ele levado adiante mesmo assim. "s vezes, isso feito para o mdico poder dizer famlia que tentou de tudo. s vezes, para

    cobrar mais", diz Daniel. "Antes de discutir a legalizao da eutansia, temos que ter a coragem de estabelecer critrios claros parainterromper tratamentos que no esto funcionando ou para no comear novos."

    Na Inglaterra, essa discusso est pegando fogo. O governo acaba de resolver que no pagar mais hemodilise para pessoas acima de

    65 anos. Os britnicos sabem que, com isso, muita gente vai morrer. Mas decidiram que o dinheiro, um recurso sempre limitado, seriamais til se investido, por exemplo, numa campanha antifumo, que tende a salvar um nmero bem maior de vidas. "No estou dizendo

    que os ingleses estejam certos", diz Daniel. "Mas no adianta fugir da discusso, como se houvesse leitos, mdicos e equipamento para

    todo mundo."

    Essa discusso, no Brasil, ainda entendida como sacrilgio. A maioria dos mdicos continua tentando at o final prolongar a vida do

    paciente, mesmo que isso signifique mais sofrimento. "Encher a pessoa de tubos e martiriz-la com tentativas hericas de reanimao

    quando no adianta mais nada serve mais conscincia do mdico do que ao paciente. egosmo", afirma a mdica Beatriz deCamargo, especialista em cncer infantil e ardorosa defensora do que chama de "morte digna". Beatriz se depara freqentemente com

    um dilema quando trata crianas: uma infeco que surge quando a doena j est na fase terminal. "Nesse caso, normalmente no

    tentamos cur-la. Tratamos apenas de dar conforto. Mas a deciso do paciente e da famlia. Quando eles querem, temos queesgotar todos os recursos."

    Mesmo alguns representantes da Igreja Catlica, que tem uma postura radicalmente contrria eutansia, admitem a relevncia desse

    tipo de discusso. o caso do padre Lo Pessini, membro da Ordem de So Camilo - o santo italiano que, no sculo XVI, cuidava dosdoentes terminais e cujos seguidores so conhecidos como "os padres da boa morte" ("boa morte", alis, o significado em portugus

    da palavra grega "eutansia"). "O tema interessante porque traz cena a questo da humanizao da morte", diz Pessini, especialistaem biotica (campo da filosofia que reflete sobre questes biolgicas). Pessini, que conviveu de perto, por 12 anos, com doenas

    terminais - era capelo do Hospital das Clnicas, em So Paulo -, refere-se tambm tendncia crescente da vida moderna, refletida na

    medicina tradicional, de virar as costas para a dor e a agonia. "Temos que aceitar que a vida tem um fim. No existe cura para amorte", diz. Por mais incrveis que sejam os avanos da medicina, por mais futuristas que sejam as luzinhas e os bip-bips das UTIs, a

    morte, como reza o ditado, chega para todos.

    A questo complica quando se comea a discutir quem que decide como e quando a morte deve acontecer. Para a Igreja, no hdvidas: Deus nos deu a vida e s cabe a Ele tir-la. No so s os cristos, maioria no Brasil, que pensam assim - quase todas as

    grandes religies acreditam na sacralidade da vida (veja quadro na pgina 50). Mesmo sem levar Deus em conta, no entanto, h outros

    argumentos usados freqentemente para negar ao indivduo o controle sobre essa deciso fundamental. "A vida no um bem prprio,pessoal. Trata-se de um bem comunitrio que pertence sociedade", afirma o jurista Celso Ferenczi, professor de direitos humanos da

    Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.

    Para ele, a eutansia no viola apenas a lei divina - uma afronta tambm lei humana. "O que se chama de morte piedosa vai contra adeclarao dos direitos humanos da ONU", diz. A declarao estabelece o direito fundamental vida. Esse tipo de direito inalienvel,

    ou seja, no se pode abrir mo dele. Como os direitos humanos so clusula ptrea de nossa Constituio, no podem ser modificados

    nem se todos os deputados votarem a favor - s uma nova Assemblia Constituinte teria poder para aboli-los. "A legalizao daeutansia seria inconstitucional", afirma Celso.

    "Essa interpretao da Constituio hipcrita. Na prtica, no h vida quando no h perspectiva de vida com qualidade", afirma o

    senador Gilvam Borges, do PMDB do Amap, autor do nico projeto de lei sobre o assunto tramitando no Congresso - um texto de 1996nunca colocado em votao. Ele prope que a eutansia seja permitida desde que uma junta de cinco mdicos ateste a inutilidade do

    sofrimento fsico ou psquico do doente. O prprio paciente teria que requisitar a eutansia. Se no estiver consciente, a decisocaberia a seus parentes prximos. Nem o senador tem esperanas de que o projeto vingue. "Essa lei no tem nenhuma chance de ser

    aprovada", diz Gilvam.

    Segundo o deputado federal Marcos Rolim, presidente da Comisso de Direitos Humanos da Cmara, "ningum quer discutir a eutansiaporque isso traz prejuzos eleitorais". Rolim, que do PT gacho, diz que, nos dois anos em que presidiu a comisso, jamais viu o

    assunto ser abordado.

    A situao bem diferente nos Estados Unidos. L, como aqui, a eutansia proibida. O suicdio assistido tambm ilegal em 49 dos50 estados - apenas o Oregon permite que os mdicos forneam os comprimidos letais. Mas ningum faz silncio - o tema mobiliza

    dezenas de associaes "pr-vida" (contra o suicdio assistido e a eutansia) e "pr-escolha" (a favor). Esses ltimos clamam pela

    liberdade do indivduo em decidir seu destino. Aqueles alertam para um risco: legalizar a eutansia abriria um precedente que acabariajustificando, mais adiante, a eutansia no-consentida. Da para a execuo sumria de deficientes e um novo holocausto, defendem

    os ativistas "pr-vida", seria um passo.

    O personagem mais famoso dessa guerra de opinies Jack Kevorkian, o "Doutor Morte". Mdico idealista para uns, psicopata paraoutros, Kevorkian conduziu a morte assistida de 130 pessoas e hoje cumpre pena de priso perptua no Estado de Michigan, Estados

    Unidos (veja quadro direita). Um outro soldado da causa "pr-escolha" Bry Benjamin, 76 anos, um clnico de Nova York

    especializado em sade pblica. No comeo dos anos 70, quando a discusso sobre eutansia era to velada nos Estados Unidos quanto hoje no Brasil, um casal de idosos o teria procurado. Os dois estavam com cncer e alegavam sofrer muito. Queriam que o mdico os

    ajudasse a morrer. Benjamin conta que sofreu para tomar a deciso, mas acabou concordando. (Para sorte dele, nenhum promotor se

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  • animou a process-lo.)

    De l para c, o mdico decidiu parar de desafiar a Justia, mas continuou orientando os que desejam morrer. "No h nenhuma leique me proba de conversar sobre a morte", diz. "Conversar", no caso, significa receber pacientes terminais e ensin-los a realizar o

    suicdio. "Eu no conveno ningum a morrer. Mas digo quais remdios eles devem tomar e onde eles podem encontrar as plulas", diz

    Benjamin. Esse tipo de assistncia, segundo ele, evita que o doente desesperado tenha que apelar para formas de suicdio maisdolorosas ou degradantes.

    Um dos casos que Benjamin acompanhou foi o de uma mulher de 38 anos que enfrentava longas e desconfortveis sesses de

    hemodilise havia quase duas dcadas. Um dia, segundo ele, ela o procurou e disse que no agentava mais: queria parar. Benjaminteria respondido que no poderia dizer a ela o que fazer, mas que, se ela no fosse mais hemodilise, ele a ajudaria a no sofrer.

    Assim como no Brasil, nos Estados Unidos o paciente tem o direito de recusar um tratamento, ainda que isso implique na sua morte. A

    paciente parou com as sesses e morreu em casa, assistida pelo mdico e, segundo ele, sem dor.

    Outro militante "pr-escolha" o escritor ingls Derek Humphry, um sujeito bem mais controvertido que Benjamin, embora no tanto

    quanto Kevorkian. Em 1975, quando Humphry trabalhava como reprter em um jornal de Londres, sua esposa Jean, depois de lutar por

    anos contra um doloroso cncer de mama, decidiu se render. Pediu ao marido que a ajudasse a morrer. Ele procurou um mdico queentrevistara anos antes para uma reportagem e pediu que ele conseguisse a "plula negra" (expresso usada para qualquer remdio que

    causa a morte.) Depois, deixou que Jean tomasse o veneno. S houve tempo para que ela murmurasse "adeus, meu amor" antes de

    adormecer. Seu corao parou em 50 minutos.

    Trs anos depois, Humphry escreveu o livro Jean's Way, contando essa histria. "Desde ento, tenho lutado para que todos tenham o

    direito de morrer com dignidade", diz. Em 1991, ele lanou outro best-seller: Final Exit, que saiu em 1994 no Brasil como Soluo Final.

    Nessa obra polmica, o jornalista vai alm de defender a eutansia - ensina como se matar, d as doses certas de cada medicamento esugere que o doente use um saco plstico na cabea, para que a asfixia diminua as chances de um suic dio malsucedido.

    Gente como Humphry, Benjamin e Kevorkian atraem a ira dos militantes antieutansia. Nos Estados Unidos, a polmica levada muitas

    vezes em clima de guerra. O panorama no muito diferente na Blgica, que se prepara para votar uma lei semelhante que est paraser aprovada na Holanda, ou na Sua, que aceita o suicdio assistido. Na Austrlia, o debate tambm quente. Em 1995, uma das

    regies do pas, o Northern Territory, chegou a legalizar a eutansia, mas s houve tempo para que duas pessoas morressem dessaforma. Em 1997, em meio a muitos protestos, o Senado australiano cancelou a lei. Na Amrica Latina, h um nico pas onde o debate

    est na mdia: a Colmbia. A Constituio dos nossos vizinhos amaznicos aceita a eutansia, mas a lei ainda no est em prtica porque

    no foi regulamentada. Enquanto isso, nenhum mdico colombiano pode ser processado por praticar a "morte piedosa". L, a julgarpor uma pesquisa recente realizada na internet, 54% da populao favorvel eutansia.

    "Eutansia se faz em toda parte. Ns, na Holanda, somos apenas os nicos a reconhecer e regulamentar", afirma o professor Van der

    Wal, da Universidade Livre de Amsterd. "Em algum momento, com a medicina cada vez mais capaz de prolongar a vida e cada vez maispessoas chegando velhice, todos os pases do mundo, inclusive o Brasil, tero que abordar o tema abertamente", diz.

    O mdico Marco Segre, presidente da Sociedade Brasileira de Biotica, concorda com Van der Wal. "Essa uma das discusses mais

    importantes para o futuro da medicina", diz. "O que est em jogo o respeito individualidade e a solidariedade com a dor. Nopodemos mais ignorar o debate." Segre defende a autonomia do paciente e se coloca favorvel eutansia, desde que ela seja

    decidida pelo prprio doente. "Mas entendo que os mdicos que lutam todos os dias contra a morte tenham dificuldade em se

    imaginar tirando a vida de algum", diz.

    o caso do neurocirurgio Jos Oswaldo de Oliveira Jnior, do Hospital do Cncer, em So Paulo. " mais fcil para um terico falar

    com naturalidade de eutansia", diz. " como um general falando da guerra. Para ns, soldados, que sujamos as botas na lama todo dia

    muito difcil pensar nisso. s vezes um familiar me diz que no sabe se reza para o doente viver ou morrer. Eu digo: 'Acenda duasvelas. Reze para que acontea o melhor para ele.' No d para decidir."

    Jos Oswaldo trabalha numa rea que era at h pouco tempo praticamente ignorada pela medicina e que hoje est adquirindo uma

    importncia enorme dentro dos hospitais: o combate dor. "Hoje conseguimos controlar a dor em 96% dos pacientes, usando drogasnovas e outras antigas que, no passado, eram vistas com preconceito, como a morfina. Nosso trabalho no dar mais dias vida - dar

    mais vida aos dias." compreensvel que um profissional como ele, que se dedica a proporcionar algum conforto aos desesperanados,

    no consiga encarar com tranqilidade a morte como alvio. "Morrer no uma opo teraputica. Quando o paciente diz 'me mata',ele quer socorro, no quer morrer."

    A nova nfase da medicina no controle da dor um dos melhores argumentos "pr-vida". Mas os defensores do direito escolha no

    se do por satisfeitos. " maravilhoso que hoje se consiga controlar a dor de quase todos os pacientes", diz o escritor Derek Humphry."Mas, mesmo assim, sobram 4% que vo sofrer. Esses tm direito a uma escolha."

    Outro avano da medicina que tem sido usado para combater a eutansia a melhor compreenso do crebro. "Pessoas que querem

    morrer geralmente esto deprimidas", afirma a psiquiatra Maria Teresa da Cruz Loureno, tambm do Hospital do Cncer. "E depresso uma doena que pode ser tratada com remdios cada vez mais eficientes." Assim como Jos Oswaldo, M aria Teresa est na linha de

    frente da batalha contra o sofrimento - s que o psquico. "Jamais tive um paciente que quisesse morrer de forma to firme que sua

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  • convico resistisse a uma longa conversa ou a remdios apropriados", diz.

    Mas, por mais que se trate a dor e a depresso, inevitvel que haja pacientes que continuem vendo o tempo de vida que lhes restacomo uma experincia horrvel e que desejem abrevi-lo. Ou seja, a questo de fundo persiste: independente do que a medicina

    possa oferecer, eles tm o direito de escolher o jeito e o momento de morrer? Indo mais longe: pacientes que no so terminais

    tambm podem recusar a vida que lhes oferecida? Veja o caso do ingls James Haig, relatado no livro Soluo Final. At os 24 anos,quando um acidente de moto o deixou paralisado do pescoo para baixo, ele era um atleta. James sabia que muitos tetraplgicos e

    quadriplgicos conseguem vencer a paralisia e encontrar razes para viver. Mas ele no est interessado: simplesmente decidiu

    morrer.

    Isso sem falar na tortura psicolgica. "No h nada pior do que a sensao de morte iminente. O doente sabe que vai morrer e isso

    no fcil", diz o oncologista paulista Riad Younes. Ele especialista no mais terrvel dos cnceres, o de pulmo, que lhe rouba 85%

    dos pacientes. J viu muita gente morrer. E conta que a maioria dos doentes terminais passa as noites em claro, no por causa da dor,mas pelo pavor de algo acontecer quando no houver ningum por perto para socorr-lo. Essa tenso, segundo Riad, muitas vezes

    insuportvel.

    O cncer de pulmo um assassino rpido - mata em meses. O que dizer de enfermidades lentas e ainda mais implacveis, como o Malde Alzheimer, que destri progressivamente o crebro? Essa doena leva, em mdia, oito anos para matar. E cruel. Nos ltimos trs

    ou quatro anos, o paciente perde a conscincia e definha at que alguma infeco impea a respirao. A questo: depois dessa fase,h alguma vantagem em manter o paciente vivo? "No", diz o neurologista Paulo Caramelli, do Hospital das Clnicas, em So Paulo. "Se

    encontrarem a cura, vai levar cinco anos para que comecemos a salvar vidas. E, mesmo assim, s nos casos novos. No vamos salvar

    quem j est em estgio avanado." Seria melhor se eles morressem ento? "No posso parar para pensar nisso. No cabe a mimdecidir."

    H doenas degenerativas que tornam o cenrio ainda mais assustador, como a paralisia supra-nuclear progressiva, que vai lentamente

    tirando da vtima o controle de seus movimentos. No final, deixa o doente na cama, com todos os msculos rgidos, incapaz de secomunicar ou mexer os membros, s que - suprema maldade - perfeitamente consciente. O neurologista Carlos Eduardo Altieri, do

    Hospital Srio-Libans, em So Paulo, tem uma paciente com esse mal. "O mximo de interao que ela consegue piscar os olhos. s

    vezes esboa um sorriso. Se h momentos em que ela preferiria estar morta? Honestamente, creio que sim", diz.

    Carlos Eduardo reconhece que s vezes torce para que o sofrimento da paciente termine logo. "Ela j teve infeces graves que no

    tratamos porque no queramos prolongar sua agonia alm do necessrio. Mas ela sempre escapa. Acho que no cabe a mim decidir

    pela sua morte - no tenho esse direito. E no cabe a ela tambm, porque no acho que ela tenha condies psicolgicas", diz. "E sena semana que vem encontrarem a cura? O que vou dizer para a famlia?"

    A medicina avana por caminhos imprevisveis. s vezes, a cura para um mal tido como invencvel est onde ningum tinha procurado,

    ainda mais agora que estamos entrando na era da manipulao gnica. "A mera possibilidade de que possa surgir uma chance para acura de um paciente depois de autorizada a eutansia me apavora", diz Carlos Eduardo. "O mdico se sentiria um assassino pelo resto

    da vida." O neurologista diz que acha muito perigoso que a eutansia seja vista com naturalidade, como se fosse um recurso mdico

    corriqueiro. "Um dia algum deve ter pensado em eutansia contra tuberculose ou contra sfilis. Se isso se transformasse em realidade,ser que haveria presso social para que a medicina encontrasse a cura para esses males?", diz.

    Outro risco apontado pela argumentao "pr-vida" o de que a eutansia mascare nossa prpria dificuldade em encarar a morte de

    frente. "Talvez seja uma iluso: queremos apenas nos convencer de que temos controle sobre a vida", diz a psicloga Maria HelenaBromberg, a primeira no Brasil a se especializar na difcil tarefa de preparar pacientes terminais e seus familiares para a morte. Mas

    Maria Helena acha que, no geral, as mudanas na Holanda e os reflexos, que inevitavelmente chegaro aqui, so positivos. "Precisamospensar mais nesse assunto. Temos que nos preparar para morrer - dizer aos nossos familiares de que forma queremos ser tratados, que

    procedimentos mdicos queremos e quais no queremos, para quem deixaremos as coisas de que gostamos. Isso tudo enquanto

    estamos bem e com sade." Para Maria Helena, s se poder legalizar a eutansia no Brasil depois que perdermos o medo de falar arespeito. "No uma deciso que se tome na ltima hora, com dor e medo. O problema tem que entrar na vida das pesso as antes de

    entrar na lei", diz.

    Enquanto isso no acontece - e provvel que ainda leve muitos anos para que acontea - ser difcil para qualquer um de ns decidircom tranqilidade de que lado estamos. Ou do lado que defende que o direito do indivduo de decidir sobre a sua vida - at mesmo

    para acabar com ela - sagrado. Ou do lado que acredita que sagrada mesmo a prpria vida, muito alm do foro de deciso que um

    indivduo possa ter. Seja como for, preciso romper com o silncio e comear a debater francamente a respeito, trocando o tabupela opinio informada.

    Para saber mais

    Na livraria: Soluo Final

    Derek Humphry, Civilizao Brasileira, Rio de Janeiro, 1994

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  • Problemas Atuais de Biotica

    Lo Pessini e Christian de Paulo de Barchifontaine, Edies Loyola, So Paulo, 2000

    Euthanasia and Physician-Assisted Suicide - For and Against

    Gerald Dworkin, R. G. Frey e Sissela Bok, Cambridge University Press, Estados Unidos, 1998

    Negotiating a Good Death - Euthanasia in the Netherlands

    Robert Pool, The Haworth Press, Estados Unidos, 2000

    Na internet:

    www.religioustolerance.com

    www.hemlock.org

    www.finalexit.org

    www.nvve.nl

    [email protected]

    Um sculo de luto

    1906Uma proposta para a regularizao da eutansia rejeitada no Estado americano de Ohio, dando incio polmica sobre o assunto

    1920

    O americano Frank Roberts envenena sua mulher com arsnico, a pedido dela, que sofria de esclerose mltipla. condenado priso

    perptua e morre na cadeia

    1934

    O Uruguai torna-se o primeiro pas do mundo a abrir a possibilidade para a eutansia no Cdigo Penal, quando libera da ameaa de

    priso o autor de "homicdio piedoso"

    1939

    A Alemanha institui o Aktion 4, um plano de eutansia para matar quem tivesse "uma vida que no merecia ser vivida". Crianasdeficientes fsicas e mentais passaram a ser mortas

    1940

    O plano alemo de eutansia no-voluntria se estende para adultos deficientes e depois para negros, judeus, ciganos e homossexuais.Hoje, muitos condenam a eutansia por medo de um novo holocausto

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  • 1971

    A mdica holandesa Geertruida Postma injeta uma superdose de morfina em sua me doente, matando-a. condenada a um ano de

    condicional, mas seu gesto inicia a discusso pblica do assunto e faz com que muitos mdicos admitam praticar eutansia

    1989

    Jack Kevorkian, o "Doutor Morte", estria sua "mquina do suicdio" na dona-de-casa Janet Adkins, de 54 anos, que sofria de Alzheimer

    1993

    A Holanda aprova uma lei que impede que os mdicos que pratiquem eutansia ou suicdio assistido sejam processados. Apesar disso,

    essas prticas continuam sendo consideradas crime

    1996

    Um projeto de lei legalizando a morte piedosa proposto Senado brasileiro. Jamais foi colocado em votao

    1997

    O Estado de Oregon torna-se o primeiro nos Estados Unidos a aceitar o suicdio assistido. Anos depois, o governo passa a pagar as

    famlias que optassem por abreviar a vida, como compensao pela economia que elas davam ao sistema de sade

    2000

    A Cmara Baixa do Parlamento holands aprova uma lei que legaliza a eutansia e o suicdio assistido. Agora falta passar pela Cmara

    Alta, que vota o assunto em abril ou maio de 2001

    Louco ou idealista?

    Jack Kevorkian ganhou o apelido de "Doutor Morte" quando ainda fazia residncia em patologia na Faculdade de Medicina, em

    M ichigan, Estados Unidos. J naquele tempo, sua fixao por assuntos mrbidos assustava os colegas: ele passava horas fotografando asretinas de moribundos, na tentativa de descobrir o momento exato em que a morte se torna irreversvel. Era um aluno brilhante, mas

    com idias bem heterodoxas. Props que os corpos de condenados morte fossem usados em experincias mdicas e fez testes comtransfuses de sangue de mortos para vivos. Kevorkian tambm pintor e mostra na sua obra o mesmo gosto por temas sombrios e

    horripilantes. Em alguns quadros, usou o prprio sangue como tinta.Todas essas esquisitices atrapalharam sua carreira. Nos anos 80,

    no havia nenhum hospital que o quisesse como funcionrio. O "Doutor Morte", ento, mandou imprimir cartes de visita que oidentificavam como obiatra (especialista em morte). Em 1989, anunciou para a imprensa a inveno de sua mquina do suicdio, uma

    estrutura de alumnio motorizada que, quando acionada pelo prprio paciente, injetava um tranqilizante que o punha para dormir.

    Depois de 1 minuto, aplicava um veneno no sangue e a morte vinha em outros 6 minutos.

    Em dez anos, 130 americanos morreram por meio dessa mquina. A imprensa foi inundada de acusaes de abuso - aparentemente

    Kevorkian matou muitas pessoas que poderiam ter sido tratadas de depresso e uma vez no interrompeu o suicdio de uma paciente

    que desistira de morrer. Muitas associaes "pr-escolha" condenam seu trabalho, por consider-lo radical demais e antiptico para acausa. Mesmo assim, ele foi absolvido de inmeros julgamentos. Depois de anos ajudando pacientes desesperados a acabar com suas

    vidas, o "Doutor Morte" foi finalmente condenado em 1999. A juza Jessica Cooper, ao proferir a sentena, disse: "O senhor teve a

    audcia de ir televiso desafiar o sistema judicirio a par-lo. Bom, considere-se parado". Kevorkian cumpre pena de priso perptuanuma penitenciria em Michigan, mas est recorrendo da sentena.

    "Eu gosto da vida"

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  • O pintor Chip Nichols tem 56 anos e est morrendo. Quando falou com a reportagem da Super por telefone, ofegava e tossia o tempo

    todo. Ele filiou-se a uma entidade que luta pelo direito morte e, graas a ela, conseguiu um remdio letal que pode tomar aqualquer hora. Talvez o frasquinho jamais saia de seu armrio, na casa onde mora num subrbio de Nova York. Talvez um dia ele decida

    que j sofreu demais e d um fim doena. Chip escreveu este depoimento para a Super:

    "Eu gosto da vida. Sempre gostei, mesmo nos momentos difceis. Em abril de 1999, foi diagnosticado em mim um adenocarcinoma - umtipo de cncer de pulmo. Havia vrias pequenas manchas, indicando metstase. Depois de dois anos, um pouco de radiao e 15

    meses de quimioterapia, minha situao piorou, mas lentamente. Meu sintoma mais bvio a falta de ar ao subir escadas.

    Quando recebi o diagnstico, minha esposa, meus filhos, meus parentes e eu ficamos apavorados. Uma das coisas mais terrveis que eupoderia imaginar tinha acontecido. Naquela semana, fiz duas coisas: entrei para o Gilda's Club, um grupo de apoio para o cncer, e

    ingressei na Hemlock Society, uma sociedade de assistncia ao suicdio fundada por Derek Humphry. Eu sabia que o grupo de apoio

    seria bom para mim: manteria minha parte doente em contato com o mundo e me daria a chance de ajudar outros. Ao mesmo tempo,quero ter a coragem de terminar minha vida quando o sofrimento para mim mesmo e para os outros parecer sem sentido.

    Toda minha vida ouvi histrias de mortes traumticas alm do que o luto exigia. Traumticas no s para a vtima mas tambm para os

    que ficaram. Ningum quer isso. Eu no sei o que o futuro vai me trazer. No sei como vou morrer, no sei qual ser minha percepofinal do mundo ou a que concluses chegarei, se que chegarei a alguma. S sei que tenho uma doena imprevisvel e terminal.

    Encontrei um conforto enorme ao saber que tenho o poder de decidir quando no quiser mais sofrer. A vida me foi dada e, com ela, a

    habilidade de fazer escolhas. Isso me parece uma parte natural do tecido da vida, do qual a morte uma parte. No vejo nenhumavirtude em deixar uma doena m ditar o meu fim. Talvez, ao escolher a morte, eu preserve a vida no que ela tem de mais bonito.

    Sou grato a todos que sofreram e morreram antes e, no processo, lutaram pelo direito de morrer. Eles fizeram com que eu gostasse

    ainda mais da vida."

    O que Deus quiser

    CristianismoEm 1980, o Vaticano divulgou uma Declarao Sobre a Eutansia, na qual reitera que "nada nem ningum pode de qualquer

    forma permitir que um ser humano inocente seja morto, seja ele um feto ou um embrio, uma criana ou um adulto, um velho ou

    algum sofrendo de uma doena incurvel, ou uma pessoa que est morrendo." Alguns cristos defendem o sofrimento na hora damorte como uma oportunidade para que os cristos se identifiquem com a agonia de Jesus.

    Judasmo

    O Velho Testamento fala na sacralidade da vida humana. A posio da maioria dos religiosos a de que a eutansia e o suicdioassistido so uma ofensa a Deus. Alguns lderes judeus, entretanto, acreditam que manter uma vida por aparelhos pode impedir que a

    alma entre no paraso.

    Islamismo

    O Alcoro diz: "No tire a vida que Al fez sagrada a no ser no exerccio da Justia". Os muulmanos vem a morte piedosa como um

    crime e um pecado.

    Hindusmo

    Os hindus tm a obrigao de respeitar os velhos e de cuidar deles at a morte. No se cogita tirar a vida de um moribundo.

    Budismo

    a nica das grandes religies a aceitar a morte piedosa, quando o sofrimento de se manter vivo pior que a morte. A deciso deve

    ser tomada caso a caso.

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