5 O sistema G7/8 e a economia política da globalização II ... · No tocante à ajuda econômica...
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5 O sistema G7/8 e a economia política da globalização II: Da transição para o G8 para a formação do G20
5.1. Quarto ciclo: 1996-2002
Dando prosseguimento ao capítulo anterior, no quarto ciclo percebe-se
uma continuidade na preocupação com a transição da Rússia, o que culmina em
sua incorporação ao G7 (agora G8) oficialmente em 1998, em Birmingham. Um
elemento de destaque neste processo foi a cúpula especial sobre segurança
nuclear, proposta por Yeltsin e que ocorreu nos dias 19 e 20 de abril de 1996
(Nuclear safety & security summit, 1996). As questões de segurança ganham
destaque neste ciclo, principalmente no que diz respeito ao terrorismo
internacional, desde os ataques do al-Qaeda em 1996 às bases militares
estadunidenses na Arábia Saudita até os ataques de 11 de setembro de 2001.
Neste período o discurso da globalização permanece, mas agora pautado
pelas crises econômicas que vem desde a crise mexicana (1994-1995) – com
destaque para a crise asiática de 1997-1998. Além de apontar para um desgaste
do modelo neoliberal até então hegemônico, tal crise é fundamental pois a partir
dela tem origem, no âmbito do G7, aquilo que posteriormente ficaria conhecido
como G20. Além disso, é possível perceber a partir do quarto ciclo dois
processos distintos porém interligados: com o desgaste do modelo neoliberal
então vigente, há por um lado uma intensificação dos processos de resistência e
mobilização transnacionais, o que se desdobra para o G8, com a proliferação de
manifestações e protestos contra o G8 durante a realização das cúpulas, e por
outro, neste ciclo percebe-se a introdução de novas iniciativas nas cúpulas,
dentre as quais se destaca a política de outreach, ou seja, o convite aos líderes
de países em desenvolvimento e de ONGs para participarem de partes das
cúpulas. Tal política pode ser vista em um contexto de tentativa de restauração
da legitimidade que vinha sendo perdida desde o eclodir das crises, ou seja,
como um elemento dentro de um processo mais amplo de tentativa de revolução
passiva em escala global.
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Na cúpula de Lyon, de 27 a 29 de junho de 1996, tais questões
concernentes à reforma institucional foram mantidas, agora com uma pequena
inflexão: o foco seria no desenvolvimento, especialmente no que dizia respeito
ao Banco Mundial e às agências econômicas do sistema ONU. A ênfase, neste
contexto, era tornar a globalização em algo benéfico para todos, e neste sentido
determinadas mudanças foram implementadas (Group of Seven, 1996a). Assim,
percebe-se a continuação da preocupação com a estabilidade do sistema
monetário mundial que havia ganhado proeminência no ano anterior, em Halifax.
Neste sentido, no relatório feito pelos ministros de finanças do G7 foram
reafirmadas as decisões tomadas em Halifax, a necessidade de mecanismos
mais efetivos de vigilância macroeconômica e destacadas as mudanças feitas no
FMI. Contudo, é importante perceber que, mesmo em um contexto de demanda
por mudanças, também se reafirmam os elementos componentes de uma visão
de mundo neoliberal – destacando o crescimento não-inflacionário, a flexibilidade
das taxas de câmbio e a impropriedade de estruturas regulatórias bem como
intervenções no mercado de câmbio (G7 Finance Ministers, 1996).
Uma novidade desta cúpula diz respeito ao convite feito, pela primeira vez,
aos representantes do Banco Mundial, ONU, FMI e OMC para uma sessão
conjunta com o G7 e a Rússia (Group of Seven, 1996b). A ênfase no tema do
desenvolvimento levou tal cúpula a dar destaque para a questão do perdão da
dívida dos países pobres, tanto aos governos quanto às instituições
internacionais como FMI e Banco Mundial. Tendo como base uma iniciativa do
Reino Unido em 1994 tal questão foi prontamente incorporada pelo FMI e pelo
Banco Mundial como iniciativa HIPC (Países Pobres Altamente Endividados –
Heavily Indebted Poor Countries)1.
Além das questões relacionadas diretamente à temática do
desenvolvimento, em Lyon foram discutidas questões com relação à reforma do
sistema ONU – mesmo que em termos mais gerais –, ao processo de paz na
Bósnia-Herzegovina e ao crime organizado transnacional. No tocante à paz na
Bósnia-Herzegovina, o G7 reafirmou as conclusões adotadas na Conferência de
Implementação da Paz em junho de 1996 – poucos dias antes da cúpula –, em
Florença, destacando o papel do FMI, OSCE – Organização para a Segurança e
Cooperação na Europa –, IFOR – Implementation Force – e ACNUR – Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – no processo de
implementação da paz e de reconstrução do país (Idem, 1996c). Já no caso do
1 Para maiores informações sobre a iniciativa HIPC, ver http://www.imf.org/external/np/exr/facts/hipc.htm.
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crime organizado transnacional, a despeito dos relatórios produzidos por um
grupo de experts (Grupo de Lyon) desde 1995, pouca atenção foi dada em
função do ataque sofrido por militares estadunidenses na Arábia Saudita poucos
dias antes do início da cúpula (Idem, 1996d).
Assim como ocorreu em Nápoles, a cúpula de Denver, de 20 a 22 de junho
de 1997, é mais interessante pelos processos que iniciou do que pelos
resultados nela atingidos. As questões envolvendo a reforma das instituições
internacionais – como a ONU, por exemplo, que vinham sendo discutidas em
Lyon e Halifax, em Denver foram objeto de atenção mas com poucos resultados
efetivos (Idem, 1997a, §49-53).
Neste sentido, duas questões de destaque foram iniciadas em Denver:
primeiro, no que diz respeito à incorporação da Rússia: tendo em vista o
processo de expansão da OTAN para o leste europeu, os Estados Unidos
convidaram a Rússia para participar desta cúpula desde seu início, o que lhe
rendeu o título de “cúpula dos oito” – embora a incorporação definitiva da Rússia
só fosse ocorrer um ano depois, em 1998, na cúpula de Birmingham2. Segundo,
com relação à incorporação da África como objeto de atenção do G7. Dando
prosseguimento ao que havia ocorrido em Lyon (quando a ênfase se deu na
temática do desenvolvimento), em Denver a ênfase foi na questão econômica,
ou seja, na tentativa de levar a África a “participar plenamente na expansão da
prosperidade global” (Ibidem, §54). Contudo, neste caso a incorporação foi
decepcionante na medida em que as declarações e comunicados foram
significativamente vagos – o que não impediu que o tema retornasse à agenda
nas reuniões seguintes, ocupando um espaço significativo nas cúpulas
posteriores. Dentre outras razões, devido ao aniversário de 5 anos da Eco-92, a
questão ambiental também foi alvo das discussões. Contudo, em função da
discordância entre Estados Unidos e os países europeus, pouco se avançou
neste tópico.
2 Um desdobramento fundamental neste processo de incorporação da Rússia no mundo ocidental foi sua admissão no Clube de Paris em setembro de 1997, pouco tempo depois da cúpula de Denver, o que contribuiu significativamente para o sucesso de sua incorporação no sistema G7/8 no ano seguinte. Para maiores detalhes sobre o papel da Rússia no Clube de Paris, ver Storchak, 2006.
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Tabela 5.1
Crescimento anual do PIB (%)
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Estados Unidos 3,8 4,5 4,4 4,9 4,2 1,1 1,8 2,5 3,6 3,1 2,7 1,9 0,0 -2,6
Canadá 1,6 4,2 4,1 5,5 5,2 1,8 2,9 1,9 3,1 3,0 2,8 2,2 0,5 -2,5
Reino Unido 2,9 3,3 3,6 3,5 3,9 2,5 2,1 2,8 3,0 2,2 2,9 2,6 0,5 -4,9
França 1,1 2,2 3,5 3,3 3,9 1,9 1,0 1,1 2,5 1,9 2,2 2,4 0,2 -2,6
Alemanha 1,0 1,8 2,0 2,0 3,2 1,2 0,0 -0,2 1,2 0,8 3,4 2,7 1,0 -4,7
Itália 1,1 1,9 1,4 1,5 - 1,8 0,5 0,0 1,5 0,7 2,0 1,5 -1,3 -5,0
Japão 2,6 1,6 -2,0 -0,1 2,9 0,2 0,3 1,4 2,7 1,9 2,0 2,4 -1,2 -5,2
Mundial 3,4 3,7 2,4 3,3 4,3 1,6 2,0 2,7 4,1 3,6 4,0 3,9 1,6 -1,9
Fonte: Banco Mundial
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A incorporação de tais elementos não implicou o abandono das questões
econômicas pelo sistema G7/8. Assim, mesmo em um contexto de bonança da
economia estadunidense (Tabela 5.1), foi dada atenção para a questão do
emprego – que já vinha sendo discutido desde a cúpula de Nápoles, em 1994.
No tocante à ajuda econômica ao leste europeu – tema este presente nos
debates desde a cúpula de Paris, de 1989 – Denver marca uma inflexão, pois ao
mesmo tempo em que a Rússia passa a desempenhar um papel maior no então
G7, a ajuda econômica aos países do antigo bloco soviético deixa de ser um
tema relevante. Além disso, questões relacionadas à regulação financeira e ao
FMI – que vinham com ênfase desde Halifax – foram discutidas. Contudo, em
larga medida devido à calmaria da economia política global no período, não
houve progresso significativo (Group of Seven, 1997b; 1997c). Não obstante,
após a crise mexicana estava claro que outras crises poderiam acontecer. E isso
veio a ocorrer em 1997 na Ásia.
Devido às políticas de estímulo econômico então adotadas, no início dos
anos 1990 as taxas de juros dos países desenvolvidos estavam
significativamente baixas, o que levou os investidores a procurarem rendimentos
mais elevados naqueles que ficariam conhecidos como “mercados emergentes”.
Esta tendência se manteve durante a década de 1990: em 1990, o fluxo de
capital privado para tais mercados era de US$42 bilhões, enquanto em 1997 era
de US$256 bilhões (Krugman, 2009). Até a metade da década de 1990 parte
significativa de tais recursos foi direcionada à América Latina. Após a crise
mexicana, esses fluxos se dirigiram, na maior parte, para o leste asiático. Neste
período, a expansão do leste asiático parecia compensar o declínio da economia
japonesa. Tal expansão possuía algumas características peculiares, dentre as
quais se destacam: primeiro, assim como o modelo japonês, eram economias
com baixa propensão ao consumo e alta propensão à poupança, o que fez com
que estas se voltassem para o mercado externo, sendo as exportações –
principalmente para o mercado consumidor estadunidense – o motor do
crescimento econômico. Segundo, havia uma forte presença do Estado,
apoiando financeiramente as empresas, realizando investimentos em obras
públicas necessárias para a expansão da produção e regulamentando a relação
entre capital e trabalho em favor do primeiro.
No final dos anos 1990, tais economias não mais se encontravam no
mesmo processo de expansão característico dos anos anteriores. Já há algum
tempo a China emergia como uma grande potência econômica mundial, com
grande capacidade exportadora e ocupando uma parte cada vez maior do
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mercado estadunidense. Além disso, com o fim da Guerra Fria, alguns dos
privilégios econômicos outrora dados aos países do leste asiático foram
desaparecendo (Beinstein, 2001). Assim, a partir de 1996 o ciclo de
prosperidade da região – em especial da Tailândia, ponto inicial da crise – sofreu
uma reversão: os mercados externos de alguns produtos da região começaram a
perder sua capacidade de absorção e, além disso, entre março e agosto de 1995
os Estados Unidos iniciaram, junto com os governos japonês e alemão, uma
ação coordenada para desvalorizar o iene e o marco com relação ao dólar no
que ficou conhecido como “Acordo do Plaza invertido” (Brenner, 2003 e 2006).
Assim, anteriormente as economias do leste asiático haviam se beneficiado do
Acordo do Plaza devido ao fato de se encontrarem atreladas ao dólar; contudo,
na segunda metade da década de 1990 tal tendência se inverteu, com os
produtos oriundos de tal região se tornando menos competitivos. Tendo em vista
o fato das economias desta região serem altamente integradas ao mercado
financeiro global, além de possuírem características comuns em termos de
modelo desenvolvimento, a possibilidade do efeito contágio era altamente
significativa. Assim, quando em 2 de julho de 1997 o governo tailandês
flexibilizou sua taxa de câmbio, deixando o baht flutuar, era só uma questão de
tempo até a crise afetar os demais países da região.
Neste contexto, de 15 a 17 de maio de 1998 ocorreu a cúpula de
Birmingham. Após a crise asiática e as ações do FMI e do Banco Mundial no
sentido de conter tal crise, os ministros de finanças do G7 também se engajaram
com tal questão, buscando evitar que novas crises deste porte ocorressem. É
interessante notar que, em um relatório dos ministros de finanças do dia 9 de
maio de 1998, uma semana antes da cúpula, pela primeira vez se reconhece
que a “globalização (...) gera certos riscos” (G7 Finance Ministers, 1998a, §3).
Neste sentido, recomendações foram feitas com relação ao aumento da
transparência por parte dos Estados e empresas com relação aos seus dados;
acerca da necessidade de se ajudar os países a se integrarem na economia
mundial e se adequarem às necessidades para garantir o livre fluxo de capitais
em escala global; da necessidade do fortalecimento dos sistemas financeiros
nacionais; da responsabilização do setor privado por suas decisões de
empréstimos; e de um papel mais significativo das instituições financeiras
internacionais, em especial no que concerne ao seu papel como fórum
regulatório internacional3.
3 Ver também, neste sentido, o seguinte relatório: G7 Finance Ministers, 1998b.
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Em suma, é possível perceber neste contexto uma fratura no bloco
histórico dominante na medida em que são incorporados, no discurso dominante,
temas e questões até então deixados de lado. Não obstante, a despeito de tal
espaço aberto, o que se percebe não é uma ruptura, mas uma tentativa de
reforma do modelo vigente de inspiração neoliberal. Neste processo, é
fundamental perceber a mudança no espectro político nos países do G8 no
período – tendência esta que se consolida em Colônia, 1999 –, que em sua
maioria passavam a ser governados por partidos de centro-esquerda, revertendo
assim a tendência de centro-direita vigente nestes países nos anos 1980-1990.
Um dos impactos de tal questão foi a mudança na agenda das cúpulas, que
passam a incorporar de maneira mais explícita questões sociais e, como visto,
certas propostas de reforma do modelo vigente (Group of Eight, 1998a; 1998b;
1998c).
No tocante à questão do desenvolvimento, foi endossada a estratégia do
século XXI da OCDE para o desenvolvimento econômico e social bem como foi
dado apoio às iniciativas da OMS de combate à malária e à AIDS. Em especial,
ênfase foi dada ao perdão da dívida dos países mais pobres. Na semana
anterior à cúpula, ministros de finanças e de relações exteriores se reuniram e,
neste tópico, destacaram a importância da articulação conjunta dos países do
sistema G7/8 com OCDE, FMI e Banco Mundial na promoção do
desenvolvimento da África (Idem, 1998d). Além disso, durante a cúpula houve
uma série de manifestações em Birmingham em favor do perdão da dívida dos
países pobres até 2000 – campanha do Jubileu 2000. Neste sentido buscaram-
se na cúpula algumas medidas de promoção do desenvolvimento da África,
como a proposta de acelerar a iniciativa HIPC (Blair, 1998). Os resultados e
comprometimentos não foram satisfatórios para os manifestantes; contudo,
mesmo sem chegar a grandes resultados, em Birmingham foram estabelecidas
certas bases a partir das quais certas decisões seriam tomadas um ano mais
tarde, em Colônia.
Assim como a crise mexicana, a crise do sudeste asiático também se
globalizou e países como Brasil e Rússia sofreram as consequências da
especulação financeira que seguiu a crise. Neste processo, a cúpula de Colônia,
de 18 a 20 de junho de 1999, apresentou duas realidades distintas: por um lado,
em função da crise na Rússia, foram enfatizados os limites de sua incorporação
plena nas deliberações acerca da temática econômica nas cúpulas, uma vez que
ela se mostrava mais como parte do problema do que da solução. Por outro
lado, as questões relacionadas à temática da segurança – em especial ao
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Kosovo – não podiam ser resolvidas à revelia da Rússia, o que reforçava sua
relevância política e os limites e potencialidades da mudança do G7 para G8
(Group of Seven, 1999a; 1999b; 1999c).
Em função da crise asiática e de seus impactos e desdobramentos houve
várias articulações por parte dos ministros de finanças do G7 antes da reunião
de Colônia. Grande parte de suas decisões acerca das reformas que se faziam
necessárias – e que formaram a base das propostas encaminhadas à cúpula de
Colônia – derivavam de relatórios elaborados previamente pelo G22, um grupo
informal articulado pelos Estados Unidos e que reunia países asiáticos e em
desenvolvimento envolvidos na crise. Tal proposta apresentada em Colônia
possuía 6 elementos principais:
Primeiro, fortalecimento e reforma das instituições financeiras
internacionais. Neste ponto, três questões merecem destaque: (a) a criação do
Fórum de Estabilidade Financeira (FSF), cuja função seria aumentar a
cooperação e a coordenação no que concerne à vigilância e à supervisão do
mercado financeiro; (b) o comitê interino do FMI designado para lidar com tais
questões foi formalizado como Comitê Monetário e Financeiro Internacional
(IMFC), no qual o presidente do Banco Mundial teria assento bem como o
presidente do FSF – neste caso, como observador; (c) a proposta de criação de
um mecanismo informal entre os países mais relevantes para a economia
mundial, tendo como base o G22 criado em 1998. Não obstante, em função de
seu viés para a região do Pacífico, os europeus resistiram a tal ideia e tal
questão não foi resolvida em Colônia4. Segundo, aumento da transparência e
promoção das práticas mais bem sucedidas. Neste ponto foram reafirmadas as
medidas propostas no ano anterior em Birmingham. Terceiro, fortalecimento da
regulação financeira nos países industrializados. A ênfase neste ponto se dava
sobre investimentos de risco por parte dos bancos, instituições de alto nível de
alavancagem, como fundos de hedge, e centros financeiros offshore. Quarto,
fortalecimento de políticas macroeconômicas e sistemas financeiros em
mercados emergentes. Neste sentido, o ponto central era desencorajar a adoção
de taxas fixas de câmbio por parte de tais mercados, tendo em vista o ocorrido
no México, Brasil, Rússia e leste asiático. Quinto, melhoria nos mecanismos de
prevenção e gestão das crises envolvendo o setor privado. A grande inovação
neste ponto foi a criação da nova linha de crédito contingente no FMI (CCL), que
visava proteger aqueles países que estivessem adotando políticas monetárias
4 Deste processo emergiu o G20. Para maiores detalhes, ver, neste capítulo, a seção 5.3 – G20.
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austeras evitando, assim, o “efeito contágio” com relação à instabilidade
financeira. Sexto, promoção de políticas sociais para proteção dos pobres e mais
vulneráveis – destaque dado neste ponto ao papel do Banco Mundial e da ONU
neste processo (G7 Finance Ministers, 1999a).
Em Colônia a questão do desenvolvimento ganhou destaque, muito em
função da supracitada ascensão de governos de centro-esquerda. Assim, foi
proposta a “Iniciativa da Dívida de Colônia”, que recomendava ao FMI, Banco
Mundial e Clube de Paris o desenvolvimento e implementação de avanços na
iniciativa HIPC. Isso implicava “um perdão da dívida mais rápido, mais profundo
e mais amplo para os países mais pobres” e que “garantisse que mais recursos
[fossem] investidos em saúde, educação e outras necessidades sociais, que são
essenciais para o desenvolvimento” (Idem, 1999b, §2 e §4). A partir de tal
questão foi desenvolvida uma nova versão da iniciativa HIPC (Enhanced HIPC
Initiative); mesmo assim, a despeito de tais avanços, tal proposta não
correspondeu aos anseios dos movimentos sociais que, assim como em
Birmingham no ano anterior, se articularam em manifestações em favor do
perdão total da dívida. Relacionado a tal questão e extremamente interessante
neste ponto é notar a forma como a ideia de globalização é percebida. Neste
caso, após a crise asiática há o reconhecimento de que a globalização poderia
ter consequências negativas para amplos setores da população, o que
demandaria o fortalecimento “da infraestrutura institucional e social que possa
dar à globalização uma ‘face humana’ e garantir uma prosperidade cada vez
mais compartilhada” (Group of Eight, 1999d, §19).
No tocante à questão do comércio mundial, foi dado destaque à
conferência ministerial que iria ocorrer em dezembro de 1999, em Seattle, e à
sua importância na promoção do livre comércio. Embora maiores esforços não
tenham sido envidados no sentido de sua efetivação, é interessante notar os
impactos da ideia de “globalização com face humana” na menção feita à OMC:
“dado seu papel vital, concordamos ser importante melhorar sua transparência
para torná-la mais responsiva à sociedade civil” (Ibidem, §9). Tendo em vista os
eventos ocorridos nos Bálcãs bem como seus impactos para a Europa em geral,
alguns dias antes da cúpula foi dada atenção, em Colônia, à situação política
dos países do sudeste europeu, buscando-se assim a estabilidade política,
econômica e o respeito à democracia e aos direitos humanos em tais países
(Idem, 1999e).
No ano de 2000, a percepção de crise já havia diminuído, havendo assim
uma calma maior nos mercados financeiros e monetários mundiais. Por outro
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lado, no que concerne ao sistema mundial de comércio tal calmaria não se fazia
presente tendo em vista o fracasso da conferência ministerial ocorrida em
dezembro do ano anterior. Neste contexto é que ocorre, de 21 a 23 de julho de
2000, a cúpula de Okinawa. No tocante à arquitetura financeira mundial, devido
à supracitada calmaria e ao fato de ninguém naquele momento prever o estouro
da bolha do mercado “ponto.com” ainda em 20005, tanto o documento final
quanto o relatório dos ministros de finanças que lhe dá base em larga medida
não trazem nenhuma novidade; na verdade há apenas um relato acerca dos
avanços com relação à implementação daquilo que havia sido acordado no ano
anterior em Colônia – em especial no que concerne à reforma do FMI e dos
bancos multilaterais de desenvolvimento (G7 Finance Ministers, 2000a; Group of
Eight, 2000a). No que dizia respeito ao combate à lavagem de dinheiro e
questões relacionadas, foi incorporado o relatório apresentado pelos ministros de
finanças. O interessante de tal documento dizia respeito ao seu caráter inter-
institucional, uma vez que se baseava no trabalho desenvolvido pelo GAFI/FATF
sobre lavagem de dinheiro, da OCDE sobre competição fiscal danosa e pelo FSF
sobre centros financeiros offshore (G7 Finance Ministers, 2000b). No tocante às
questões políticas, destaque foi dado para o processo de paz no Oriente Médio,
ex-Iugoslávia e Coréias (Group of Eight, 2000b; 2000c).
Com relação à questão do desenvolvimento, o fracasso da conferência
ministerial da OMC no ano anterior foi fundamental para a importância dada
àquela temática, em uma tentativa clara de demonstrar a capacidade do sistema
G7/8 em lidar com as demandas dos países mais pobres e, consequentemente,
buscar a restauração da legitimidade que vinha sendo perdida desde meados
dos anos 1990. No que concerne ao perdão da dívida dos países mais pobres,
havia o interesse em aprofundar as políticas relacionadas à iniciativa HIPC (G7
Finance Ministers, 2000c; 2000d, §17-24); contudo, o problema maior era o de
que as metas colocadas em Colônia não haviam sido cumpridas, o que levou a
campanha Jubileu 2000 a denunciar os países do sistema G7/8. Além disso,
uma questão de destaque dizia respeito à Tecnologia da Informação. Neste
tópico, destaque foi dado para a participação dos países em desenvolvimento
em tais processos, e neste sentido foi criada uma “força-tarefa de oportunidade
digital” (DOT-Force), que deveria dar um relatório de suas atividades na cúpula
5 É interessante lembrar neste ponto que, entre março e dezembro de 2000, o Índice Nasdaq – índice estadunidense de ações, em especial de empresas da área de tecnologia – caiu cerca de 50%. Além disso, entre março de 2000 e junho de 2002 “as perdas nas bolsas mundiais ultrapassaram US$11,5 trilhões, sendo mais de US$5,4 trilhões, apenas nos Estados Unidos” (Cagnin, 2009, p. 152).
191
seguinte, em Gênova (Group of Eight, 2000a, 2000, §10-12). Houve também um
comprometimento, por parte dos países do sistema G7/8, com a redução das
doenças infecciosas que atingem os países mais pobres – em especial no que
concerne ao combate à AIDS, malária e tuberculose – no que ficou cunhado
como “iniciativa de Okinawa para as doenças infecciosas” (Japanese Minstry of
Foreign Affairs, 2000).
Além disso, a partir de 2000 o sistema G7/8 começou um movimento de
outreach, ou seja, tanto de “alcançar” aqueles que se encontravam de fora
quanto de “expandir” o sistema G7/8. Neste processo, a cúpula de Okinawa, em
2000, foi um marco: pela primeira vez países não-participantes do G8 foram
envolvidos tanto em encontros do G8 quanto em consultas pré-cúpula. Além
disso, pela primeira vez foi organizado um espaço oficial para as organizações
não-governamentais e movimentos sociais – tendo o sherpa japonês, Yoshiji
Nogami, se encontrado no início do ano em Londres com representantes de
ONGs (Bayne, 2005a)6; além disso, tal cúpula marca o primeiro engajamento
com países não-membros em algumas das discussões. Assim, foi convidado um
grupo de líderes de países em desenvolvimento, incluindo os presidentes da
Argélia, África do Sul e Nigéria.
Entres os dias 20 e 22 de julho de 2001 ocorreu a cúpula de Gênova. Tal
cúpula marca uma mudança no espectro político-ideológico das cúpulas, com a
ascensão de George W. Bush e Silvio Berlusconi ao poder nos Estados Unidos e
Itália, respectivamente. Em Gênova foi dado prosseguimento às discussões
acerca do combate à lavagem de dinheiro, aos centros financeiros offshore e aos
paraísos fiscais; além disso, foram discutidas as questões relacionadas ao
fortalecimento do sistema financeiro mundial – discussão esta relacionada à
reforma do FMI e dos bancos multilaterais de desenvolvimento –, o que já vinha
6 É importante destacar duas questões neste ponto. Em primeiro lugar, alguns autores denominam a inclusão de atores da sociedade civil no processo das cúpulas de downreach (inter alia, Kirton, 2009, p. 10). Não obstante, tendo em vista o contexto mais amplo de expansão do sistema G7/8, optou-se aqui por manter a expressão outreach para todos os processos que de alguma forma mantém relação com tal expansão. Em segundo lugar, tal movimento do sistema G7/8 em direção à sociedade civil não é visto como algo positivo por grande parte dos grupos e movimentos. No tocante especificamente à iniciativa de Okinawa, esta foi vista por muitos como extremamente coercitiva: o espaço disponibilizado era significativamente longe do centro de imprensa – ao qual foi negado acesso aos movimentos e grupos da sociedade civil –, o custo para utilização do espaço era alto e envolvia certos procedimentos de registro como fotos individuais, endereço, peso, altura, etc. – demonstrando uma política de vigilância com relação aos movimentos. Além disso, como notam alguns autores, tal mudança, embora em princípio aumentasse a transparência do sistema G7/8, no final das contas foi mais de forma do que de conteúdo (Bayne, 2005).
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sendo trabalhado pelos ministros de finanças e presidentes de bancos centrais
desde o final de 2000 (G7 Finance Ministers, 2000e; 2001a).
A despeito de tais discussões acerca do sistema financeiro mundial e do
fato de no ano anterior ter ocorrido o estouro da bolha do mercado “ponto.com”
e, em 2001, a crise na Turquia7, a ênfase da cúpula – que se destaca no
documento final – era “fazer a globalização funcionar para todos os nossos
cidadãos e especialmente para os pobres do mundo” (Group of Eight, 2001a,
§3); ou seja, o foco se deu nas questões relacionadas à temática do
desenvolvimento com destaque para a África. Neste sentido, outras questões
políticas acabaram tendo uma relevância secundária, aparecendo em
declarações separadas sobre o Oriente Médio, Macedônia e Coréias (Idem,
2001b; 2001c).
Em Gênova houve um aprofundamento do processo de outreach, tendo
sido convidados para uma reunião os presidentes de Argélia, Mali, Nigéria,
Senegal e África do Sul, além de representantes de El Salvador, Bangladesh e
de várias instituições internacionais8 com o objetivo de discutir a questão da
redução da pobreza. Neste sentido foi lançado, como uma espécie de resposta à
“Nova Iniciativa Africana” lançada em julho de 2001 na África do Sul (The New
African Initiative, 2001), o Plano de Gênova para a África – sendo que um grupo
ficou encarregado de apresentar um documento mais elaborado em Kananaskis,
no ano seguinte (Group of Eight, 2001d). Neste processo também se insere o
relatório final da “DOT-Force”, estabelecida no ano anterior, com o intuito de
ajudar os países mais pobres a terem acesso à tecnologia da informação. Tal
relatório foi produzido por representantes do G8 assim como dos países em
desenvolvimento, instituições internacionais, firmas privadas e ONGs9. Além
7 É importante perceber que a crise na Turquia não passou despercebida pelos ministros de finanças do G7: antes da cúpula a Turquia foi objeto de uma declaração e parte de outra mais abrangente (G7 Finance Ministers, 2001b; 2001d). 8 Organização das Nações Unidas (ONU), Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Organização Mundial da Saúde (OMS), OMC e Banco Mundial. 9 No total participaram 43 representantes, sendo 17 representantes governamentais (um de cada país do G8; um representante da Comissão Europeia; representantes de África do Sul, Bolívia, Brasil, Egito, Índia, Indonésia, Senegal e Tanzânia); 7 representantes de instituições internacionais (Conselho Econômico e Social das Nações Unidas [ECOSOC], União Internacional de Telecomunicações [ITU], OCDE, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [PNUD], Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento [UNCTAD], Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO], Banco Mundial); 11 representantes do setor privado (um de cada país do G8 e três redes globais – Global Information Infrastructure Commission [GIIC], Global Business Dialogue on e-Society [GBDE], Fórum Econômico Mundial [WEF]); 8 representantes do setor sem fins lucrativos (um de cada país do G8) (Digital Opportunity Task Force, 2001).
193
disso, desde o final de 2000 discussões acerca do alargamento e
aprofundamento da iniciativa HIPC vinham sendo feitas; contudo, não houve
melhora substantiva nos termos do perdão da dívida dos países mais pobres, o
que levou à crítica por parte das ONGs e movimentos sociais, assim como em
Okinawa no ano anterior. O mesmo pode ser dito para as discussões sobre a
questão do desenvolvimento como um todo: a ênfase em Gênova se deu muito
mais na confirmação de compromissos já estabelecidos em cúpulas anteriores
do que no estabelecimento de novos compromissos.
Dando prosseguimento ao que vinha ocorrendo há algumas cúpulas, e
tendo em vista o ocorrido em 1999 em Seattle, quando da conferência ministerial
da OMC, em Gênova houve manifestações e protestos em proporções muito
significativas. Em consequência, parte das discussões na cúpula foi voltada para
as cúpulas em si, ou seja, em como torná-las algo mais aceitável e menos
suscetível a críticas. Neste sentido, ênfase foi dada nos locais escolhidos para
as cúpulas – ou seja, a partir de então via de regra as cúpulas passariam a
ocorrer em locais de mais difícil acesso para os manifestantes – e no processo
de outreach como forma de restaurar a legitimidade do sistema G7/8.
A cúpula de Kananaskis, nos dias 26 e 27 de junho de 2002, ocorreu em
uma cidade afastada, o que acabou sendo relevante tanto para evitar a presença
de manifestantes quanto para garantir os procedimentos de segurança contra o
terrorismo. No que diz respeito especificamente ao terrorismo, os ataques
ocorridos em 11 de setembro de 2001 afetaram significativamente não apenas a
cúpula, mas o próprio processo do sistema G7/8. Neste sentido, em Kananaskis
ênfase foi dada ao combate ao terrorismo e às respostas que vinham sendo
dadas, desde Colônia, aos processos de globalização10. No tocante às questões
econômicas, o destaque se deu nas questões relacionadas ao desenvolvimento,
com pouca atenção sendo dada a outras questões econômicas. Embora tenha
sido feita menção à importância do combate ao protecionismo e à conclusão da
Rodada Doha no âmbito da OMC em janeiro de 2005 (Group of Eight, 2002a),
questões relacionadas aos sistemas financeiro e monetário mundiais – como a
crise argentina do final de 2001, por exemplo (G7 Finance ministers, 2001e) –
foram deixadas apenas para o âmbito da reunião de ministros de finanças e
presidentes de bancos centrais do G7.
10 “Nos encontramos em Kananaskis para nossa cúpula anual para discutir os desafios do combate ao terrorismo, o fortalecimento do crescimento da economia global e do desenvolvimento sustentável, e construir uma nova parceria para o desenvolvimento da África” (Group of Eight, 2002a).
194
Com relação ao processo de outreach, houve certo aprofundamento: os
mesmos países que estiveram presentes em Gênova – África do Sul, Nigéria,
Senegal e Argélia – e o secretário geral da ONU não apenas se encontraram
com os líderes do sistema G7/8 para discutir acerca do Plano de Ação para a
África, mas participaram de partes da cúpula. Tal plano de ação elogiava a Nova
Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD) e, assim como as políticas
de condicionalidade do FMI, destacavam a ideia de ownership, ou seja, a
importância de que tais políticas fossem incorporadas pelos países africanos
como se deles próprios fossem (Group of Eight, 2002b). Vinculado a esta
questão se encontram as discussões acerca do perdão da dívida dos países
vinculados à nova versão da iniciativa HIPC (Group of Seven, 2002). Foi
acordado, neste ponto, o aprofundamento da participação do FMI e do Banco
Mundial no processo, além de um aporte de US$1 bilhão por parte dos países do
G7 para suprir o déficit existente no fundo do Banco Mundial voltado para
financiar tal iniciativa (Group of Eight, 2002a). Além disso, foram discutidas
questões relacionadas à educação a partir de um relatório produzido pela força-
tarefa do G8 para educação e da importância de tal questão tendo em vista os
objetivos do milênio, além de um novo relatório da DOT-Force sobre inclusão
digital (Idem, 2002c; Digital Opportunity Task Force, 2002).
Outra questão de destaque em Kananaskis foi a questão do terrorismo.
Neste sentido, foram discutidas as medidas já existentes de combate ao
terrorismo – em especial no que concerne ao combate ao financiamento do
terrorismo (G7 Finance Ministers, 2001f; 2002a) – bem como novos instrumentos
necessários. Assim, dois novos instrumentos se destacam: primeiro, um acordo
na área de segurança do transporte, que destacava a necessidade de
articulação conjunta com OACI, Organização Mundial de Alfândegas (WCO) e
OMI (Group of Eight, 2002d). Segundo, um acordo sobre armas e materiais de
destruição em massa, com o objetivo de evitar que estes pudessem ser
acessados por grupos terroristas (Idem, 2002e).
Em Kananaskis também foram discutidas outras questões políticas; dentre
elas, destaca-se o papel da Rússia no G8: neste ponto foi acordado que em
2006 a Rússia hospedaria a cúpula do G8 (Idem, 2002f); além disso, foi dada
atenção à questão do Oriente Médio, do Afeganistão, das Coréias, dos Bálcãs e
da tensão entre Índia e Paquistão (Idem, 2002g; 2002h). É interessante perceber
neste ponto o impacto da questão do combate ao terrorismo no sistema G7/8:
tais temas políticos foram selecionados em larga medida devido à sua interface
com o terrorismo e/ou armas de destruição em massa (Bayne, 2005a; Baker,
195
2006). Neste sentido, percebe-se em Kananaskis um ponto de inflexão: embora
ainda seja uma cúpula na qual a questão da globalização tenha um espaço nos
debates, a partir desta cúpula a questão do combate ao terrorismo começa a ter
uma importância cada vez mais significativa nas cúpulas do sistema G7/8.
5.2. Quinto ciclo: 2003-2010
O quinto ciclo reproduz, em larga medida, grande parte das preocupações
presentes no ciclo anterior – exceção feita para a questão da incorporação da
Rússia no mundo capitalista. As questões de segurança permanecem
relevantes, com destaque para questões relacionadas ao terrorismo e ao Oriente
Médio. Outros temas, como perdão da dívida, ajuda à África e questões
ambientais ganham relevância no período. Uma questão de extrema relevância
neste ciclo – inclusive para a própria sobrevivência do sistema G7/8 – diz
respeito às discussões sobre a reforma de tal sistema: neste sentido, é neste
período que são trazidos à agenda a formalização dos “+5” – Brasil, África do
Sul, México, Índia e China como convidados para participar de certas discussões
no âmbito do sistema G7/8 – e, em larga medida em função da crise de 2008,
dado um destaque maior para o possível papel do G20 na nova arquitetura
financeira mundial. Tais questões ganham relevância neste período na medida
em que o modelo neoliberal permanece em débâcle – o que demanda o
aprofundamento de tentativas de revolução-restauração ou revolução passiva
em escala global.
O quinto ciclo se iniciou em meio a uma crise política: a guerra do Iraque
havia gerado uma fissura no meio do sistema G7/8, com Estados Unidos, Reino
Unido, Japão e Itália de um lado e Rússia, Alemanha, França e Canadá de outro
– o que acabou gerando sérias consequências para as relações transatlânticas e
para a coesão da União Europeia. Neste contexto, a cúpula de Evian, de 1 a 3
de junho de 2003, foi fundamental no processo de reaproximação destes
Estados.
A grande inovação apresentada em Evian foi o processo de
incorporação, na cúpula, de líderes de países em desenvolvimento11. Foram,
assim, convidados China, Índia, Brasil, México, Malásia e Arábia Saudita, pela
11 Como visto, a origem de tal processo de expansão (outreach) do G8 pode ser datada da cúpula de Okinawa, em 2000, quando países africanos começaram a ser convidados para participarem das cúpulas. Contudo, Evian pode ser vista como um marco na medida
196
sua relevância na economia internacional; e África do Sul, Nigéria, Argélia,
Senegal e Egito, pelo seu papel desempenhado no NEPAD (Group of Eight,
2003a)12.
A expectativa de baixo crescimento da economia internacional levou a
cúpula a se preocupar com tais questões, buscando assim restaurar a confiança
na economia internacional. Foram, assim, elaborados documentos com relação à
governança corporativa – em função dos escândalos que se somavam há alguns
anos –; à responsabilidade social das corporações; à implementação da
convenção da OCDE sobre suborno; às ações da ONU e da FATF contra
corrupção e lavagem de dinheiro; e à transparência na gestão financeira, tanto
por parte de empresas quanto de países em desenvolvimento (Idem, 2003b;
2003c). O interessante de perceber neste ponto é o acordo entre os membros do
G8 em um contexto pós-Guerra do Iraque, e não os instrumentos em si, dado
que em larga medida acabam se baseando ou em acordos voluntários por parte
dos envolvidos ou em instituições já existentes.
Não obstante, a despeito de tais questões, como o próprio processo de
outreach aponta, é possível perceber a agenda econômica em Evian dominada
por questões de desenvolvimento – com as discussões acerca das questões
relacionadas ao comércio sendo desapontadoras (Idem, 2003d). Neste
processo, destaque foi dado para certas questões relacionadas ao
desenvolvimento sustentável. Assim, tendo como base a Cúpula Mundial sobre o
Desenvolvimento Sustentável (WSSD), o 3º Fórum Mundial da Água e o
encontro de ministros de meio-ambiente do G8, ambos ocorridos meses antes
da cúpula de Evian, nesta houve discussões acerca dos seguintes tópicos:
acesso à água; à segurança do ambiente marinho e os petroleiros neste
processo; e do desenvolvimento de tecnologias para a promoção do
desenvolvimento sustentável (Idem, 2003e; 2003f; 2003g; 2003h).
Devido aos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, a partir de
Kananaskis a agenda de segurança das cúpulas do G8 tem aumentado
significativamente. Tal processo tem envolvido a combinação de elementos
políticos e econômicos, tais como políticas de apoio à África e desenvolvimento
estratégias anti-terroristas. Com relação à África, em Evian foi apresentado um
relatório sobre o processo de implementação do Plano de Ação para a África
acordado em Kananaskis no ano anterior (Idem, 2003i). Além disso, em termos
em que, a partir dela países em desenvolvimento começaram a ser “alcançados” pelo sistema G7/8 – que seria outro significado para o termo outreach.
197
mais específicos foram apresentados documentos acerca do combate a doenças
infecciosas, acesso a saneamento básico, combate à fome, financiamento do
desenvolvimento e perdão da dívida – neste caso, reafirmado o compromisso
com a nova versão da iniciativa HIPC (Idem, 2003a; 2003h; 2003j; 2003l). Já no
tocante às questões de segurança, as discussões tiveram como guia as
iniciativas estadunidenses, que buscavam o apoio do sistema G7/8 para
implementar e coordenar sua agenda de não-proliferação em um contexto pós-
11 de Setembro. Assim, o foco foi o combate ao terrorismo e à proliferação das
armas de destruição em massa, com destaque para Coréia do Norte e Irã.
Assim, foi criado o Grupo de Ação de Contra-Terrorismo (CTAG) para atuar em
cooperação com o Comitê Contra o Terrorismo da ONU (CTC). Os documentos
produzidos em larga medida afirmavam o compromisso com os tratados e
instituições já existentes. Em alguns pontos, como a diminuição das armas
químicas e nucleares do arsenal russo, foram apresentados os progressos a
partir do acordo feito na cúpula de Kananaskis, no ano anterior (Idem, 2003m;
2003n; 2003o).
Assim como ocorreu com a cúpula de Evian no ano anterior, na cúpula de
Sea Island, de 8 a 10 de junho de 2004, a guerra do Iraque permanecia como
tema central formando o contexto do encontro. Contudo, no mesmo dia em que
se iniciavam os trabalhos em Sea Island – 8 de Junho – o Conselho de
Segurança da ONU adotou uma resolução aprovando a formação de governo
interino no Iraque (Resolução 1546/2004). Tal aprovação foi fundamental para
dar as bases para uma das maiores inovações de Sea Island, a saber, a
iniciativa para o Oriente Médio. Originalmente, era de interesse estadunidense
que a cúpula tratasse do encorajamento a reformas econômicas e políticas no
Oriente Médio e no norte da África – o que encontrava apoio nos demais
membros do sistema G7/8, principalmente no que dizia respeito aos países
europeus, dada a proximidade de tal proposta ao programa da União Europeia
para o Mediterrâneo desde 1995, chamado processo de Barcelona. Assim, tal
iniciativa se concretizou em dois documentos: “Parceria para o progresso e um
futuro comum na região do amplo Oriente Médio e norte da África” e “Plano do
G8 de apoio à reforma”, que apoiavam reformas na região que fossem baseadas
em valores como liberdade, democracia e direito da lei (Group of Eight, 2004a;
2004b).
12 Marrocos foi convidado mas não compareceu, e a Suíça esteve presente pela sua cooperação no processo de organização da cúpula.
198
Tal iniciativa foi o mais próximo que se chegou, em Sea Island, do que
ocorreu em Evian em termos de outreach: a idéia era a de envolver líderes
regionais em tal processo de reforma, e para tanto estiveram presentes
Afeganistão, Argélia, Bahrein, Jordânia, Turquia, Iêmen, Gana, Nigéria, Senegal,
África do Sul e Uganda. Países em desenvolvimento como Brasil, China e Índia
não foram convidados pra a cúpula – a despeito do interesse dos líderes de
França, Reino Unido e Itália no convite aos “+5” ou parte deles.
No tocante às questões econômicas, o clima era de otimismo, com a
retomada do crescimento da economia mundial no período (Tabela 5.1) –
otimismo já presente em uma declaração anterior dos ministros de finanças do
G7 (G7 Finance Ministers, 2004). Neste sentido houve também um reforço da
necessidade de se avançar na liberalização do comércio no âmbito mundial,
através da finalização da Rodada Doha no âmbito da OMC (Group of Eight,
2004c). Por fim, houve um relatório acerca do que foi feito desde Evian no que
concerne o combate à corrupção (Idem, 2004d). No que diz respeito à temática
do desenvolvimento, destaca-se um plano de ação que buscava articular
empreendimentos privados e a erradicação da pobreza. A ideia de tal plano de
ação era facilitar os empreendimentos familiares e pequenos, garantir meios de
melhorar o clima para os negócios nos países em desenvolvimento, fortalecer o
mercado financeiro local e expandir o acesso ao microcrédito (Idem, 2004e).
Além disso, foi reafirmado o compromisso com o perdão da dívida dos países
mais pobres mediante a iniciativa HIPC, a necessidade do combate à fome e do
desenvolvimento rural na região do chifre da África bem como questões
relacionadas ao combate a doenças permaneceram na agenda – destaque para
AIDS e Pólio (Idem, 2004f; 2004g; 2004h; 2004i).
No tocante às questões políticas, ênfase foi dada ao combate ao
terrorismo e à não proliferação de armas nucleares. Em ambos os casos foi dado
continuidade a ações que já vinham sendo adotadas. Com relação
especificamente ao combate ao terrorismo, se retornou a uma questão que havia
sido colocada dois anos antes, em Kananaskis, sobre segurança do transporte
aéreo. Assim, em Sea Island foi lançada a Iniciativa para Viagem Internacional
Facilitada e Segura (SAFTI) (Idem, 2004j). Com relação ao combate à
proliferação de armas nucleares, houve referência aos progressos feitos desde
Kananaskis bem como o lançamento de um plano que buscava reforçar o que
havia sido colocado em Evian (Idem, 2004l; 2004m). Além disso, foi feita menção
à questão do Oriente Médio e do Sudão (Idem, 2004n; 2004o). Em suma, em
Sea Island importantes decisões políticas foram tomadas, dando prosseguimento
199
em larga medida à agenda das cúpulas anteriores desde Kananaskis. Por outro
lado, dado o fato de ser uma cúpula hospedada nos Estados Unidos em um
contexto pós-Guerra do Iraque com as preocupações ainda latentes no que
concerne às questões de segurança, e com a perspectiva de crescimento da
economia mundial no período, as questões econômicas ficaram relegadas ao
segundo plano. Além disso, ao contrário do que ocorreu em Evian, não foi dado
continuidade ao processo de incorporação de países em desenvolvimento como
Brasil, China e Índia – o que ocorreria a partir de 2005, em Gleneagles.
No dia 7 de julho de 2005 Londres foi alvo de atentados terroristas, e foi
neste contexto que ocorreu a cúpula de Gleneagles, de 6 a 8 de julho de 2005.
Embora tais atentados tenham levado a cúpula a dar uma atenção à questão do
terrorismo – destaque para a menção feita logo no início da conferência final
condenando os supracitados ataques (Idem, 2005a) –, ainda assim em
Gleneagles foi retomado o processo de outreach a partir de dois temas centrais:
primeiro, com relação à redução da pobreza da África, foram convidados Argélia,
Nigéria, Senegal, África do Sul, Etiópia, Tanzânia e Gana, além do FMI, ONU,
Banco Mundial e União Africana (UA). O objetivo neste tema era avaliar os
avanços feitos sob os auspícios do plano de ação para África lançado em
Kananaskis visando a cúpula da ONU sobre os Objetivos do Milênio que
aconteceria em setembro do mesmo ano (Idem, 2005b; 2005c). Neste processo,
destaca-se o papel de movimentos da sociedade civil, como a campanha “Make
Poverty History”13, que demandava a duplicação da ajuda à África, o perdão da
dívida e a melhoria do acesso dos países africanos ao comércio internacional.
Tal agenda não foi abordada em sua plenitude em Gleneagles, o que gerou por
parte destes movimentos – e de outros mais radicais – a crítica de que tais
reformas não haviam sido suficientes o bastante14.
Segundo, com relação às questões climáticas, foi restabelecido um diálogo
informal do G8 com os “+5” (Brasil, China, Índia, México e a África do Sul) e com
certos organismos internacionais: Agência Internacional de Energia (AIE), FMI,
ONU, Banco Mundial e OMC. Ênfase neste caso foi dada à redução das
emissões e ao desenvolvimento de novas tecnologias para lidar com o
aquecimento global. Além disso, foi estabelecido um fórum de discussão sobre
mudança climática, energia limpa e desenvolvimento sustentável entre o sistema
G7/8 e os “+5”, o que permaneceria em atividade até a cúpula de 2008 (Idem,
13 http://www.makepovertyhistory.org/. 14 Para um panorama sobre as críticas à cúpula de Gleneagles, ver Havier, et. al. (eds.), 2005.
200
2005d). É interessante perceber, neste ponto, como os “+5” tratam a questão do
desenvolvimento sustentável, ligando tal questão a temas recorrentes para os
países em desenvolvimento – como “fome e pobreza” e “a remoção das
barreiras comerciais aos produtos e serviços de interesse dos países em
desenvolvimento” (Joint declaration of the heads of state and/or government of
Brazil, China, India, Mexico and South Africa participating in the G8 Gleneagles
summit introduction, 2005, §5, §9 e §16).
Sobre a questão do comércio, houve intensas negociações não só entre os
países do sistema G7/8 mas entre eles e os “+5” (Bayne, 2005b). Ênfase foi
dada na conclusão da rodada Doha no final de 2006; não obstante, tal ênfase
não se traduziu em comprometimentos mais específicos por parte dos países do
sistema G7/8 (Group of Eight, 2005e). Além disso, questões relacionadas ao
Oriente Médio, Iraque, não-proliferação de armas nucleares, ao combate à
pirataria e ao desrespeito aos direitos de propriedade e ao terrorismo foram
objeto de atenção na cúpula (Idem, 2005f; 2005g; 2005h; 2005i; 2005j; 2005l;
2005m).
No ano seguinte, entre os dias 15 e 17 de julho, ocorreu a cúpula de São
Petersburgo, a primeira a ocorrer na Rússia. Nesta ocasião, os temas de
destaque foram energia, saúde e educação, o que aponta mais uma vez para o
processo de ampliação da agenda do sistema G7/8 ao longo das cúpulas. Com
relação à energia, assim como havia ocorrido em Gleneagles, no ano anterior,
ênfase foi dada ao diálogo com os “+5” (Idem, 2006a); no tocante à saúde,
destaque foi dado ao combate à AIDS, tuberculose e malária (Idem, 2006b); por
fim, no que concerne à educação, embora tenha havia menção à relação entre
educação e desenvolvimento, a ênfase se deu no papel da educação para a
formação de uma sociedade inovadora – relacionando, neste ponto, a questão
do respeito à propriedade intelectual (Idem, 2006c).
Além de tais questões, pouco antes do inicio da cúpula teve início a guerra
do Líbano, que foi também objeto das atenções em São Petersburgo. Neste
sentido, tendo como base os documentos e decisões tomadas acerca do Oriente
Médio em cúpulas anteriores, foi destacada a necessidade da paz e o papel a
ser desempenhado pelo Conselho de Segurança neste processo (Idem, 2006d).
Outras questões políticas que fizeram parte das discussões foram: o combate à
proliferação das armas de destruição em massa, a Coréia do Norte, o Irã e o
combate ao terrorismo. Neste caso, foi feita uma declaração conjunta de G8 e
convidados condenando os atentados terroristas que haviam ocorrido poucos
dias antes em Mumbai (Idem, 2006e). Além disso, foi reafirmado o compromisso
201
já feito em Evian, de fortalecimento da ONU como um ator fundamental no
combate ao terrorismo (Idem, 2006f; 2006g; 2006h; 2006i; 2006j; 2006l).
É interessante perceber o impacto indireto de tal cúpula na própria Rússia:
buscando reforçar suas credenciais como membro do clube, a Rússia
implementou algumas reformas liberalizantes, como a convertibilidade do rublo,
no dia 1 de julho, e a abertura da firma Rosneft, de petróleo, para o capital
privado, com ações sendo negociadas na bolsa de Londres e, assim, sujeita a
marcos regulatórios internacionais e regras de governança corporativa – além de
expor o interesse em privatizar algumas de suas firmas da área de geração de
energia (Kirton, 2006).
Em São Petersburgo foi dado sequência ao processo de outreach. Assim,
a despeito de certa relutância por parte da Rússia (Cooper & Jackson, 2007), a
partir de uma demanda por parte dos demais países do G8 foram convidados
novamente os “+5” – Brasil, África do Sul, China, México e Índia – tendo em
vistas as questões relacionadas à segurança energética. Neste processo, tal
questão foi relacionada à questão do desenvolvimento, enfatizando a
importância tanto do acesso a fontes alternativas de energia quanto da economia
de energia para garantir um desenvolvimento sustentável (Group of Eight,
2006f). Além disso, com relação aos atores da sociedade civil foi criado o Civil 8,
com o intuito de integrar ao processo de preparação da cúpula e discussão dos
resultados ONGs russas e de outras localidades – tendo havido inclusive um
discurso do presidente russo na época, Vladimir Putin, para líderes e
representantes de cerca de 650 ONGs (Kirton, 2006 e 2007).
Em São Petersburgo a África também foi objeto de atenção, mas em
menor ênfase do que nas cúpulas passadas. Mesmo assim, houve uma revisão
do progresso já feito pelas políticas do sistema G7/8 para a África bem como o
estabelecimento dos compromissos dos países do sistema G7/8 para dar
prosseguimento a tais políticas (Group of Eight, 2006m). Outras questões
também foram objeto de atenção: reafirmação da necessidade de concluir a
Rodada Doha no final do ano; reafirmação do combate à pirataria e ao
desrespeito aos direitos de propriedade intelectual, dando prosseguimento a algo
que já havia sido colocado em Gleneagles; combate à corrupção (Idem, 2006n;
2006o; 2006p).
No ano seguinte, entre os dias 6 e 8 de junho de 2007, ocorreu a cúpula de
Heiligendamm, que se estruturou a partir de três grandes eixos temáticos:
Em primeiro lugar, as questões concernentes à economia mundial
(“Crescimento e Responsabilidade na Economia Mundial”). Neste ponto foram
202
discutidas questões relacionadas ao comércio internacional, responsabilidade
social corporativa e a dimensão social da globalização, direitos de propriedade,
mercados financeiros, mudança climática e combate à corrupção (Idem, 2007a;
2007b).
Destaca-se neste ponto o processo de outreach. Em um contexto de
aprofundamento deste – seguindo em especial o que ocorreu em Evian e
Gleneagles –, a Alemanha foi além solicitando aos “+5” que, pela primeira vez,
enviassem representantes para um encontro pré-Heiligendamm em Berlim sobre
mudança climática, o que foi o passo inicial para o estabelecimento do “Processo
de Heiligendamm” (HDP – Heiligendamm Dialogue Process) (Joint statement by
the German G8 presidency and the heads of State and/or government of Brazil,
China, India, Mexico and South Africa on the occasion of the G8 summit on
Heiligendamm, 2007). Assim, na cúpula de Heiligendamm foi proposto o
estabelecimento de uma cooperação regular, estruturada e institucionalizada
entre o G8 e os “+5” – neste ponto também chamados de O5 (Outreach Five) –
além de OCDE e IEA, que acompanhariam tal processo que deveria durar dois
anos. Tal HDP buscava discutir questões da economia mundial que eram
consideradas centrais, em especial com relação a quatro temas particulares:
a. Desenvolvimento, com destaque para a África;
b. Investimentos internacionais;
c. Pesquisa e inovação, incluindo os direitos de propriedade intelectual;
d. Energia, com destaque para a questão da eficiência energética.
Em segundo lugar, as questões concernentes à África (“Crescimento e
Responsabilidade na África”). A ênfase neste ponto se deu na implementação
dos Objetivos do Milênio na África. Assim, foram discutidas questões
relacionadas à paz e a segurança na região, combate a doenças infecciosas,
perdão da dívida e crescimento econômico e investimento – com destaque para
o papel da boa governança e do setor privado para o crescimento econômico e
dos fluxos financeiros e comerciais – além da apresentação de um relatório das
atividades da Parceria do G8 para África (Group of Eight, 2007a; 2007c; 2007d).
Por fim, em terceiro lugar, as questões relacionadas à segurança e política
internacional (“Política Externa e Questões de Segurança”). Embora questões
regionais específicas tenham sido objeto de atenção – Oriente Médio, Irã, Iraque,
Afeganistão e Sudão, por exemplo –, destaque foi dado para questões
concernentes ao terrorismo e à proliferação de armas de destruição em massa.
203
Assim, foram produzidos documentos específicos acerca do combate à
proliferação de armas de destruição em massa e um relatório da parceria global
contra a proliferação de armas e materiais de destruição em massa estabelecida
em Kananaskis; um relatório sobre as ações do G8 no apoio e fortalecimento da
capacidade de combate ao terrorismo da ONU e, em especial, um documento do
G8 de contra-terrorismo – que dentre outras questões dava um papel central à
ONU no processo de combate ao terrorismo (Idem, 2007a; 2007e; 2007f; 2007g;
2007h; 2007i).
Embora já viesse se apresentando como um problema, quando da cúpula
em Hokkaido, de 7 a 9 de julho de 2008, ainda não havia se disseminado a
percepção acerca das proporções da crise que se apresentava15. Neste sentido,
em Hokkaido a ênfase não foi tanto na questão da economia mundial, embora tal
questão tenha sido objeto de atenção. Assim, no tocante às questões
econômicas, ainda havia certo otimismo com relação ao crescimento mundial e
aos benefícios da globalização e do livre-comércio – embora houvesse certo
receio de uma pressão inflacionária global devido à alta dos preços dos
alimentos e do petróleo (Tabelas 5.2 e 5.3). Neste sentido, ênfase foi dada na
necessidade de conclusão da Rodada Doha da OMC, de uma reforma do FMI
bem como do combate à corrupção e respeito aos direitos de propriedade
intelectual. Além disso, foi apresentado um relatório parcial acerca do HDP, cujo
relatório conclusivo seria apresentado no ano seguinte. Com relação a tais
questões da economia mundial – destaque para o aumento dos preços do
petróleo e dos alimentos – houve uma reunião dos países do G8 com líderes do
O5, Austrália, Indonésia e Coréia do Sul, além de representantes da ONU,
Banco Mundial, FMI, OCDE e AIE (Group of Eight, 2008a; 2008b; 2008c).
15 Contudo, sinais claros já se apresentavam naquele momento: desde o terceiro trimestre de 2005 já é possível perceber uma queda no boom habitacional nos Estados Unidos (Krugman, 2009); além disso, desde 2006 as taxas de juros dos contratos de hipotecas não tradicionais, nos Estados Unidos, foram de cerca de 2%-3% a.a. para cerca de 10%-15% a.a., o que levou a um aumento da inadimplência. Isto, por sua vez, graças às “interconexões criadas pelas técnicas de securitização”, fez com que “a crise do segmento subprime do sistema de financiamento residencial [se expandisse] em efeito cascata para diferentes mercados financeiros ao longo de 2007” (Cagnin, 2009, p. 161, 162).
204
Tabela 5.2
Petróleo (US$ por barril, em julho)
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
28,7 23,73 24,14 26,52 31,61 52,55 67,74 69,91 137,11
Fonte: US Energy Information Administration
Tabela 5.3
Índice de preços de alimentos
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
90 92 90 98 111 115 122 154 191
Fonte: Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
Um tema de destaque em Hokkaido – que já vinha sendo objeto de maior
atenção desde Gleneagles – foi a questão ambiental e a mudança climática.
Neste sentido, foram discutidas questões relacionadas à eficiência energética e
enfatizada a importância do comprometimento dos países em desenvolvimento
com tais questões (Idem, 2008d).
A questão do desenvolvimento, com destaque para a África, também foi
discutida em Hokkaido. Além das questões que já vinham sendo discutidas nas
cúpulas anteriores – combate a doenças infecciosas, Objetivos do Milênio,
doações, perdão da dívida dos países mais pobres, educação, paz e segurança
na região e o papel do investimento privado no desenvolvimento da região –, foi
incorporado, em função da alta nos preços dos produtos agrícolas em 2008, uma
discussão sobre segurança alimentar global, que deveria ser levada a cabo
pelos ministros de agricultura do G8 e retomada na próxima cúpula. Assim,
dando sequência ao processo de outreach, no dia 7 de julho houve uma reunião
do G8 com líderes de Argélia, Etiópia, Gana, Nigéria, Senegal, África do Sul,
Tanzânia e União Africana, além de representantes da ONU e Banco Mundial
para discutir questões concernentes ao desenvolvimento africano, cumprimento
dos Objetivos do Milênio e o problema do aumento do preço dos alimentos
(Idem, 2008e; 2008c). Já no que concerne às questões políticas, foram
discutidas questões relacionadas à Coréia do Norte, Irã, Afeganistão, Oriente
Médio, Sudão, Mianmar e Nigéria. Neste ponto ênfase foi dada no combate ao
terrorismo, às questões de não-proliferação de armas de destruição em massa e
ao crime organizado transnacional, além da crise no Zimbábue (Idem, 2008a;
2008f; e 2008g).
205
Antes de introduzir a cúpula de L’Aquila, é fundamental uma breve
exposição do contexto da economia política global naquele momento bem como
dos processos que levaram à crise de 2008. Em sua busca pela superação da
crise dos anos 1970 e pelo restabelecimento da lucratividade, os Estados Unidos
apoiaram a internacionalização dos bancos estadunidenses e a liberdade dos
movimentos de capitais. Tal curso de ação foi seguido de perto pelos governos
dos demais países de capitalismo avançado, que buscaram conter a inflação e
promover a desregulamentação do setor financeiro. Associado a este processo
nota-se uma crescente influência dos investidores na estrutura de funcionamento
das empresas nos Estados Unidos: uma vez que, neste contexto, a estrutura de
governança das empresas estadunidenses pode ser vista como baseada na
geração de valor ao acionista (Gowan, 2009), as empresas passaram a
aumentar suas aplicações em ativos financeiros. Assim, a participação dos
ativos financeiros na estrutura patrimonial das empresas estadunidenses passou
de “25,8% dos ativos totais (...), em 1970, para 49,3%, em 2005” (Cagnin, 2009,
p. 148).
Como visto, a partir dos anos 1980 nota-se a emergência, por todas as
economias capitalistas avançadas, de bolhas financeiras – em especial nos
mercados de ações, nas fusões e aquisições e nos imóveis comerciais – com um
aumento fictício do valor dos ativos em função da especulação. O resultado de
tal comportamento foi um aumento significativo do endividamento, por parte
tanto de empresas não-financeiras quanto de indivíduos. No caso destes, isso se
deu em larga medida no âmbito da economia estadunidense (mas com exemplos
similares em outros países desenvolvidos) como uma estratégia de garantir a
continuada expansão do sistema em um contexto de diminuição relativa dos
salários e aumento da produção. Contudo, tal estratégia expôs os bancos a uma
fragilidade financeira significativa, o que acarretou na crise do mercado de ações
estadunidense de 1987.
Para lidar com tais expansões financeiras os governos dos países
desenvolvidos adotaram medidas de restrição fiscal e monetária no final dos
anos 1980 e início dos anos 1990, cuja consequência foi uma diminuição da
demanda agregada da economia mundial, em especial em suas economias.
Dada tal diminuição do consumo interno nestes países, a saída encontrada
no período pelos produtores destes países foi a volta das atenções para as
exportações. Assim, a década de 1990 testemunhou o ponto mais alto da
relação entre o crescimento nas exportações e o crescimento do PIB no período
206
pós-II Guerra Mundial nos países da OCDE (Brenner, 2003)16. Contudo, só isso
não era suficiente: dado que um dos aspectos fundamentais das relações
hegemônicas que se estabelecem ao longo do século XX e XXI é a
“democratização do desejo” e a conseguinte centralidade do processo de
consumo para a reprodução de tal hegemonia (Agnew, 2005), fazia-se
extremamente necessário resolver o problema não apenas da criação da mais
valia, mas também o da sua realização (Kotz, 2009).
Assim, mais uma vez se viu um aumento dos empréstimos a partir de
meados dos anos 1990, o que garantiu uma recuperação, mesmo que modesta,
da economia mundial. No caso da economia estadunidense, entre os anos de
2000-2007 o PIB cresceu a uma taxa média anual de 2,32% enquanto a renda
pessoal disponível cresceu a uma taxa de 2,66% e o consumo a 2,94% ao ano
respectivamente (Kotz, 2009). Desde os anos 1980 é possível perceber uma
mudança significativa no sistema bancário estadunidense (Gowan, 2009), com
destaque neste ponto para o processo de aproximação entre os mercados
financeiro e imobiliário nos Estados Unidos, o que contribuiu para que os imóveis
residenciais passassem a ocupar um papel cada vez maior no processo de
geração de valor na economia estadunidense (Cagnin, 2009). Assim, para que o
aumento do consumo ocorresse foi de fundamental importância o setor
financeiro estadunidense, que a partir dos anos 2000 obteve uma alta
lucratividade a partir de financiamentos de hipotecas para amplos setores da
população através de uma série de “inovações financeiras” – hipotecas
subprimes, alt-A e outras17; estas, de maneira geral, promoviam uma
“socialização do risco” através de processos de securitização das hipotecas,
processos estes que contavam com o consentimento e aprovação das agências
de avaliação de risco que frequentemente premiavam tais processos com uma
avaliação AAA.
O problema é que tal processo de expansão da economia estadunidense
alavancado por empréstimos era insustentável no longo prazo: partindo de uma
série histórica que remete às primeiras tentativas de alavancar o crescimento via
empréstimos, é possível perceber que a dívida com habitação como percentual
da renda pessoal disponível aumentou nos Estados Unidos de 59% em 1982
para 77,5% em 1990, 91,1% em 2000 até atingir o patamar de 128,8% em 2007
16 É interessante perceber, neste período, a ênfase na defesa do livre-comércio por parte dos países desenvolvidos, cujo ápice foi a criação da OMC em 1995. 17 Para maiores detalhes acerca de como, a partir dos anos 1980, se deu o processo de financeirização dos imóveis nos Estados Unidos, bem como dos mecanismos criados em tal processo, ver Cagnin, 2009.
207
(Kotz, 2009). Ora, em um contexto de compressão histórica dos salários, tal
tendência não poderia continuar indefinidamente – como visto, a partir de 2006 é
possível perceber um aumento da inadimplência no segmento subprime do
sistema de financiamento residencial. Ou seja, o que se percebe é que não se
tratava de uma crise do mercado imobiliário estadunidense apenas, mas do
sistema financeiro em si: na verdade, o que deu origem à crise “não foi apenas a
escala da bolha da dívida, mas suas formas” (Gowan, 2009, p. 18). Além disso,
uma vez que se incorporem à análise os processos de internacionalização das
instituições financeiras estadunidenses a partir de meados dos anos 1970 e a
desregulamentação dos mercados financeiros e de capitais, fica fácil perceber a
capacidade de alastramento da crise contemporânea por toda a economia
mundial: segundo a Federação Mundial das Bolsas de Valores, “a
desvalorização da riqueza acionária global somou cerca de US$28,3 trilhões em
2008 (-46,5% em relação a 2007)” (Cagnin, 2009, p. 162).
Neste sentido, a ênfase da cúpula de L’Aquila18, 8 a 10 de julho de 2009,
foi inevitavelmente na crise financeira de 2008. Neste contexto já se nota uma
ampliação das articulações do sistema G7/8, com menção explícita em seus
documentos às decisões tomadas no âmbito do G20, nas reuniões de
Washington e Londres, em especial no que concerne ao “fortalecimento da
regulação financeira e a reforma das instituições financeiras internacionais”
(Group of Eight, 2009a). Em tal processo é dado destaque à necessidade de
“melhorar a governança internacional” (Ibidem, §1), enfatizando assim a
necessidade de que instituições como Banco Mundial, Conselho de Estabilidade
Financeira (FSB), FMI, OIT, OCDE e OMC, por exemplo, “trabalhem de maneira
coordenada” (Ibidem, §12). Além disso, buscando reafirmar a legitimidade do
sistema G7/8, foi adotado um mecanismo de prestação de contas, que deveria,
em 2010, “monitorar o progresso e fortalecer a legitimidade de nossas [G7/8]
ações” (Idem, 2009b, §3). É interessante perceber o fato de que outras questões
que já vinham sendo objeto de atenção nas cúpulas fossem lidas à luz da crise.
Isso ocorreu, por exemplo, com relação ao processo de outreach.
No que concerne à expansão do sistema G7/8 para a África, ênfase foi
dada nos impactos da crise sobre os mais pobres e reafirmados os
compromissos feitos pelos países do sistema G7/8, “incluindo aqueles feitos em
Gleneagles e mais recentemente na cúpula do G20 em Londres, de apoiar os
18 Originalmente, a cúpula de 2009 na Itália seria em Maddalena. Contudo, como um sinal de apoio às vítimas do terremoto que ocorreu em L’Aquila em Abril de 2009, a cúpula foi transferida para esta cidade.
208
esforços africanos em direção à promoção de desenvolvimento da boa
governança e da realização dos Objetivos do Milênio” (Idem, 2009c, §3). Houve
também um compromisso com relação às políticas de acesso a água e
saneamento básico na África, além do estabelecimento de uma iniciativa
relacionada à segurança alimentar (Iniciativa de Segurança Alimentar de L’Aquila
– AFSI), que em larga medida relacionava a crise alimentar anterior e a crise
financeira, destacando seus impactos deletérios para os mais pobres, e apoiava
as iniciativas que vinham sendo feitas no âmbito da ONU, FAO e Comitê Mundial
de Segurança Alimentar – além de destacar a importância da conclusão da
Rodada Doha, reafirmando assim a confiança no livre-comércio para resolver
tais problemas (Idem, 2009d; 2009e).
Já no que concerne ao HDP, na cúpula de L’Aquila foi apresentado um
relatório final sobre os resultados atingidos (Idem, 2009f). Após articulações do
G8+5 com vários países – Egito, Austrália, Coréia do Sul, Indonésia, Dinamarca,
Holanda, Espanha, Turquia, Argélia, Angola, Etiópia, Líbia, Nigéria e Senegal – e
organismos internacionais – ONU, FMI, Banco Mundial, AIE, OCDE, OMC, UA,
Organização Internacional do Trabalho (OIT), Organização das Nações Unidas
para Agricultura e alimentação (FAO), Fundo Internacional de Desenvolvimento
Agrícola (IFAD), Programa Alimentar Mundial (WFP) – foi decidido pela
continuação do processo, que passou a ser chamado de Processo de
Heiligendamm-L’Aquila (HAP – Heiligendamm-L’Aquila Process), que também
teria uma duração de dois anos, sendo os resultados parciais apresentados na
cúpula de Muskoka, em 2010, e os resultados finais na cúpula francesa (Nice)
em 2011. Em termos gerais, os temas propostos na Agenda do HAP são
basicamente os mesmos que vinham sendo discutidos no âmbito do HDP, com
destaque para a sugestão de incorporação da segurança alimentar –
reafirmando o compromisso feito na AFSI e a relevância que a questão vinha
ganhando desde Hokkaido (Idem, 2009g). Além disso, questões políticas
relacionadas à não-proliferação de armas de destruição em massa, contra-
terrorismo e Irã, Oriente Médio, Coréia do Norte e Mianmar dentre outros
também foram objeto de atenção (Idem, 2009h; 2009i; 2009j).
Ainda em um contexto de crise, ocorreu nos dias 25 e 26 de junho de 2010
a cúpula de Muskoka. Um elemento importante de se perceber é o fato de que
na cúpula de Muskoka o processo de outreach se voltou não aos países do O5,
mas a países africanos – Argélia, Egito, Etiópia, Malawi, Nigéria, Senegal e
África do Sul – e americanos – Colômbia, Haiti e Jamaica – com relação à
temática do desenvolvimento e do crime transnacional.
209
Tendo em vista todas as críticas que historicamente o sistema G7/8 vem
recebendo, em especial a partir dos anos 1990, nota-se que tal crise não diz
respeito apenas a uma crise material, mas também de legitimidade; em suma,
também abarca a esfera da subjetividade, o que remete a outro tema abordado
em Muskoka, que diz respeito ao processo de prestação de contas do sistema
G7/8. Desde a cúpula de Hokkaido vem ganhando destaque nas cúpulas “a
importância de demonstrar que o G8 é comprometido em relatar
transparentemente e consistentemente a implementação de seus compromissos”
(Idem, 2010a, §4). Assim, em L’Aquila foi solicitada elaboração de um relatório
com a prestação de contas das políticas voltadas para o desenvolvimento
adotadas pelo sistema G7/8, que foi apresentado em Muskoka – Muskoka
accountability report: Assessing action and results against development-related
commitments (Idem, 2010b). Em tal relatório foram abordados os seguintes
temas: ajuda internacional e sua efetividade, desenvolvimento econômico,
saúde, água a saneamento básico, segurança alimentar, educação, governança,
paz e segurança, meio ambiente e energia. Para a cúpula de Nice, em 2011, foi
solicitada a elaboração de outro relatório, neste caso especificamente sobre
saúde e segurança alimentar.
Embora a crise tenha sido um tema constante nas discussões e nos
documentos finais da cúpula, o que se percebe é um destaque para outras
questões, como desenvolvimento – que se deu de maneira articulada à questão
da África. Neste ponto ênfase foi dada na cúpula à implementação dos pontos 4
e 5 dos Objetivos do Milênio – redução da mortalidade infantil e melhoria da
saúde das gestantes, especificamente –, sendo lançada com este intuito a
“Iniciativa de Muskoka” (Idem, 2010a), além de menção à questão da segurança
alimentar. A questão ambiental também foi abordada, com destaque para a
sustentabilidade ambiental e as mudanças climáticas e suas conseqüências.
Embora tenha sido feita menção à questão do livre-comércio, com a defesa da
conclusão da Rodada Doha, tal questão era extremamente delicada dado o
contexto de reestruturação das economias, o que implicava certas medidas,
mesmo que temporárias, que poderiam ser chamadas de protecionismo (OCDE,
OMC e UNCTAD, 2009 e 2010).
Um elemento que ajuda a entender tal configuração temática é o fato de
que ambas as cúpulas do G8 e do G20 ocorreram no Canadá em datas muito
próximas: 25 e 26 de junho (G8) e 26 e 27 de junho (G20, em Toronto). Neste
sentido, poderia se perceber uma tentativa de separação de agenda, evitando
assim a sobreposição de temas nas duas cúpulas. Mesmo assim, para maiores
210
detalhes sobre o processo HDP-HAP e seu impacto sobre o sistema G8 deve-se
aguardar a cúpula de Nice, em 2011. Mas para uma melhor compreensão deste
processo de inter-relação entre G8 e G20 é necessário um breve histórico das
cúpulas do G20 – com destaque para as cúpulas dos líderes dos países após a
crise de 2008.
5.3. G20
5.3.1. Histórico: O processo de formação
Embora discussões sobre o estabelecimento de um lócus de discussão na
área financeira que incluísse o G10 mais alguns dos principais países em
desenvolvimento remeta ao encontro dos ministros de finanças e presidentes de
bancos centrais do G7 em Halifax, 1995 (Martinez-Diaz, 2007), suas origens
diretas datam da crise asiática em 1997-1998. Ora, deve-se ter em conta que
tais questões se encontram inseridas em um contexto mais amplo, no qual se
percebe não apenas a “ascensão do resto” (Amsden, 2004), mas também a
emergência de uma série de iniciativas por parte destes países emergentes –
dentre as quais se destacam a articulação do G20 agrícola19 e do IBAS20, para
19 “O G-20 é um grupo de países em desenvolvimento criado em 20 de agosto de 2003, na fase final da preparação para a V Conferência Ministerial da OMC, realizada em Cancun, entre 10 e 14 de setembro de 2003. O Grupo concentra sua atuação em agricultura, o tema central da Agenda de Desenvolvimento de Doha. O G-20 tem uma vasta e equilibrada representação geográfica, sendo atualmente integrado por 23 Membros: 5 da África (África do Sul, Egito, Nigéria, Tanzânia e Zimbábue), 6 da Ásia (China, Filipinas, Índia, Indonésia, Paquistão e Tailândia) e 12 da América Latina (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Cuba, Equador, Guatemala, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela)” (G-20). 20 O IBSA (ou IBAS) é uma aliança permanente entre África do Sul, Índia e Brasil que surgiu da Reunião Trilateral de Chanceleres do Brasil, da África do Sul e da Índia realizada na cidade de Brasília, no dia 06 de junho de 2003. Dentre seus objetivos pode-se destacar: 1) a consolidação de um bloco trilateral Sul-Sul visando o fortalecimento da capacidade política nas negociações comerciais internacionais desses países na OMC face aos países desenvolvidos; 2) a busca pela democratização da ONU, principalmente através da incorporação de novos países no Conselho de Segurança – dentre os quais devem estar Brasil, Índia e África do Sul; 3) a busca pela redução da pobreza como meio para aumentar a paz e a estabilidade internacionais; 4) o desenvolvimento de cooperação técnica em áreas como transporte, energia, infraestrutura, defesa e missões de paz, comércio e investimento, pequenas empresas e criação de emprego, ciência e tecnologia de informação, educação, saúde (direitos de propriedade intelectual, medicina tradicional, pesquisas epidemiológicas, vacinas, desenvolvimentos de produtos), bem como a criação de um fundo para alívio da pobreza e da fome (Oliveira, 2005 e IBAS).
211
citar alguns. Em última instância, a crise asiática explicita algo que se tornaria
notório nos anos 2000 mas que já emergia desde meados dos anos 1990, com a
crise do México: a saber, o fato de que as questões relacionadas à economia
política global e, em especial, ao sistema financeiro global não poderiam ser
resolvidas direta e exclusivamente pelo G7, sendo fundamental assim incorporar
os países emergentes em tais processos.
A questão que se colocava neste contexto dizia respeito a duas questões:
como e quem. Em função da crise asiática e de seus desdobramentos houve
várias articulações por parte dos ministros de finanças do G7 antes da reunião
de Colônia. Grande parte de suas decisões acerca das reformas que se faziam
necessárias – e que formaram a base das propostas encaminhadas à cúpula de
Colônia – derivavam de relatórios elaborados previamente pelo G22, um grupo
informal articulado pelos Estados Unidos e que reunia países asiáticos e em
desenvolvimento envolvidos na crise. Como visto anteriormente, dentre os
elementos principais presentes na proposta apresentada em Colônia – em
especial no que concerne ao fortalecimento e reforma das instituições
financeiras internacionais – destacam-se (a) a criação do Fórum de Estabilidade
Financeira (FSF); (b) a formalização do comitê interino do FMI como Comitê
Monetário e Financeiro Internacional (IMFC); (c) a proposta de criação de um
mecanismo informal entre os países mais relevantes para a economia mundial,
tendo como base o G22. Não obstante, em função de seu viés para a região do
Pacífico, os europeus resistiram a tal ideia e tal questão não foi resolvida em
Colônia.
Em suma, a ideia de G20 não era a única possibilidade disponível nem era
consensual entre os atores envolvidos naquele processo. Como fica claro a partir
do que foi decidido na cúpula de Colônia do G8, outras alternativas foram
trabalhadas na tentativa de ampliar o debate e o diálogo para os países em
desenvolvimento. Uma primeira opção era a ampliação do Banco para
Compensações Internacionais (BIS), incluindo países em desenvolvimento. Não
obstante, neste caso tal ampliação poderia não surtir o efeito almejado dado o
escopo e foco restrito e técnico dos comitês do BIS, liderados essencialmente
pelos presidentes de banco central. Outra opção era o Comitê Monetário e
Financeiro Internacional (IMFC), ligado ao FMI, cujo papel era aconselhar os
membros do FMI no que dizia respeito à gestão do sistema financeiro mundial. O
problema do IMFC era seu grau de formalidade, e o fato do FMI ter uma
influência muito grande na agenda e nas declarações de tal Comitê. Além disso,
existia a questão da representatividade: por estar diretamente ligado ao FMI,
212
havia no IMFC uma baixa representatividade dos países asiáticos e um excesso
de países europeus, o que incomodava particularmente os Estados Unidos.
Neste sentido, a ideia era manter o FMI com um papel relevante no processo
sem, contudo, ser o fórum privilegiado para discutir tais questões.
Neste sentido uma primeira alternativa buscada foi o G22 ou Willard Group
criado em 1998. Tal grupo foi criado pelos Estados Unidos e era composto por
ministros de finanças e presidentes de bancos centrais de países desenvolvidos
e em desenvolvimento21. Algumas reuniões foram feitas e, neste contexto, surgiu
em 1999 a proposta de expansão do G22 para um G33, que incorporaria
principalmente países do Oriente Médio, África e Europa22.
Neste processo algumas insatisfações ganharam destaque. Primeiro, no
que diz respeito à necessidade, segundo alguns, de que tais reuniões fossem
mais constantes, nos moldes do que ocorria com o G7; segundo, devido à
insatisfação com relação ao número de participantes do processo, o que
dificultaria significativamente o estabelecimento de um diálogo informal entre os
países nas questões relacionadas ao sistema financeiro mundial. Neste sentido
foi então estabelecido o G2023, um grupo mais permanente – embora informal –
no encontro de ministros de finanças do G7 em setembro de 1999. A ideia era
estabelecer um fórum deliberativo, que trabalhasse com base no consenso de
seus membros (Kirton, 2005). Embora estivesse intimamente ligado à crise
asiática do final dos anos 1990, também refletia mudanças significativas pelas
quais a economia mundial vinha passando nas últimas décadas: a crescente
inabilidade do sistema G7/8 de solucionar questões específicas da governança
financeira global, como ficou claro com relação à cúpula de Halifax, de 1995, e a
crise do México de 1994; à cúpula de Birmingham, de 1998, e a crise asiática de
1997; e à cúpula de Áquila, de 2009, e a crise de 2008, por exemplo, aponta
para a necessidade de se incorporar os ditos países emergentes em tais
processos. Neste sentido, uma vez que as atenções são voltadas para a
21 O grupo era composto por Canadá, França, Itália, Alemanha, Japão, Estados Unidos, Reino Unido (ou seja, o G7), Argentina, Austrália, Brasil, China, Hong Kong, Índia, Indonésia, Malásia, México, Polônia, Rússia, Cingapura, África do Sul Coréia do Sul e Tailândia. 22 Foram assim incluídos os seguintes países: Bélgica, Chile, Costa do Marfim, Egito, Marrocos, Holanda, Arábia Saudita, Espanha, Suécia, Suíça e Turquia. 23 Fazem parte do G20: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, França, Alemanha, Índia, Indonésia, Itália, Japão, Coreia do Sul, México, Rússia, Arábia Saudita, África do Sul, Turquia, Reino Unido, Estados Unidos e União Europeia. Além disso, o diretor do FMI, o presidente do Banco Mundial, o presidente do Banco Central Europeu e o responsável pelo IMFC e pelo Comitê de Desenvolvimento do FMI tem status de observador no G20.
213
economia política global desde os anos 1970, é possível perceber a crescente
relevância destes atores em termos de representatividade (tabela 5.4):
Tabela 5.4
Produto Interno Bruto em comparação ao total mundial
1970 1980 1990 2000 2008
G8 71% 64% 68% 66% 55%
G2024 83% 78% 80% 81% 76%
G5 8% 9% 7% 10% 14%
G20 sem G8 12% 14% 12% 15% 21%
Fonte: UNSTATS
Além disso, a partir de alguns indicadores de comércio mundial, é possível
notar que a importância sistêmica de tais países tem aumentado
significativamente nos últimos 10-15 anos, o que em certa medida acaba
convergindo com o período de intensificação da crise do sistema G7/8:
24 G20 sem União Européia.
214
Tabela 5.5
Exportação de mercadorias no comércio mundial
Ano
País/Indicador "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank
EUA 1º 12.3% 1º 11.9% 1º 10.7% 1º 9.6% 2º 8.9% 2º 8.7% 2º 8.6% 2º 8.3% 3º 8% 3º
Reino Unido 4.8% 5º 4.5% 5º 4.4% 5º 4.3% 6º 4.1% 6º 3.8% 8º 3.7% 7º 3.7% 7º 3.1% 8º 2.9% 10º
Japão 7.5% 3º 7.5% 3º 6.6% 3º 6.5% 3º 6.3% 3º 6.2% 4º 5.7% 4º 5.4% 4º 5.1% 4º 4.9% 4º
Canadá 4.2% 6º 4.3% 6º 4.2% 7º 3.9% 7º 3.6% 9º 3.5% 9º 3.5% 9º 3.5% 9º 3% 10º 2.8% 11º
França 5.3% 4º 4.7% 4º 5.2% 4º 5.1% 4º 5.2% 5º 4.9% 5º 4.4% 5º 4.1% 5º 4% 5º 3.8% 6º
Itália 4.1% 7º 3.7% 8º 3.9% 8º 3.9% 8º 3.9% 8º 3.8% 7º 3.5% 8º 3.4% 8º 3.5% 7º 3.3% 7º
Alemanha 9.6% 2º 8.7% 2º 9.3% 2º 9.5% 2º 10% 1º 10% 1º 9.3% 1º 9.2% 1º 9.5% 1º 9.1% 1º
Federação Russa 1.3% 20º 1.7% 17º 1.7% 17º 0,9% 17º 1.8% 17º 2% 14º 2.3% 13º 2.5% 13º 2.5% 12º 2.9% 9º
Total G8 36,8% 47,7% 47,2% 45,6% 44,5% 43,1% 41,1% 40,4% 39,0% 37,7%
Brasil 0.9% 28º 0.9% 28º 0.9% 26º 0.9% 27º 1% 25º 1.1% 25º 1.1% 23º 1.1% 24º 1.2% 24º 1.2% 22º
África do Sul 0.5% 36º 0.5% 38º 0.5% 38º 0.5% 38º 0.5% 38º 0.5% 37º 0.5% 39º 0.5% 39º 0.5% 38º 0.5% 40º
China 3.5% 9º 3.9% 7º 4.3% 6º 5.0% 5º 5.8% 4º 6.5% 3º 7.3% 3º 8% 3º 8.7% 2º 8.9% 2º
Índia 0.6% 32º 0.7% 31º 0.7% 30º 0.8% 30º 0.7% 31º 0.8% 30º 0.9% 29º 1% 28º 1% 26º 1.1% 27º
México 2.4% 13º 2.6% 13º 1.6% 12º 2.5% 13º 2.2% 13º 2.1% 13º 2% 15º 2.1% 15º 2% 15º 1.8% 16º
Total G5 7,9% 8,6% 8,0% 9,7% 10,2% 11,0% 11,8% 12,7% 13,4% 13,5%
Indonésia 0.9% 27º 1% 26º 0.9% 28º 0.9% 28º 9.8% 30º 0.8% 32º 0.8% 31º 0.9% 31º 0.8% 32º 0.9% 31º
República da Coréia 2.6% 12º 2.7% 12º 1.5% 13º 2.5% 12º 2.6% 12º 2.8% 12º 2.7% 12º 2.7% 11º 2.7% 11º 2.6% 12º
Argentina 0.4% 41º 0.4% 42º 0.4% 41º 0.4% 42º 0.4% 42º 0.4% 42º 0.4% 46º 0.4% 45º 0.4% 45º 0.4% 45º
Arábia Saudita 0.9% 25º 1.3% 20º 1.1% 23º 1.1% 23º 1.2% 23º 1.4% 19º 1.7% 18º 1.7% 17º 1.7% 18º 2% 15º
Turquia 0.5% 37º 0.4% 41º 0.5% 36º 0.5% 36º 0.6% 35º 0.7% 34º 0.7% 34º 0.7% 34º 0.8% 33º 0.8% 32º
Austrália 1% 24º 1% 25º 1% 25º 1% 25º 1% 26º 0.9% 26º 1% 27º 1% 26º 1% 27º 1.2% 23º
Total G20 (sem UE) 50,1% 62,5% 60,6% 61,7% 61,3% 61,1% 60,2% 60,5% 59,8% 59,1%
2007 20081999 2000 2001 2002 20052003 2004 2006
Fonte: Organização Mundial do Comércio
215
Tabela 5.6
Exportação de serviços no comércio mundial
Ano
País/Indicador "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank "Share" Rank
EUA 18.8% 1º 19.1% 1º 18.1% 1º 17.4% 1º 16% 1º 15% 1º 14.7% 1º 14.1% 1º 13.9% 1º 13.8% 1º
Reino Unido 7.5% 2º 7% 8º 7.4% 2º 7.8% 2º 8% 2º 8.1% 2º 7.8% 2º 8.3% 2º 8.3% 2º 7.5% 2º
Japão 4.5% 6º 4.8% 5º 4.4% 6º 4.1% 5º 3.9% 7º 4.5% 5º 4.5% 5º 4.4% 4º 3.9% 6º 3.9% 6º
Canadá 2.5% 11º 2.6% 11º 2.4% 11º 2.3% 11º 2.3% 13º 2.2% 14º 2.2% 15º 2.1% 14º 1.9% 20º 1.7% 20º
França 6.1% 3º 5.7% 3º 5.5% 3º 5.5% 4º 5.5% 4º 5.1% 4º 4.8% 4º 4.2% 5º 4.2% 4º 4.2% 4º
Itália 4.5% 5º 4% 6º 3.9% 7º 3.8% 7º 4.0% 6º 3.9% 7º 3.9% 6º 3.5% 7º 3.4% 8º 3.2% 8º
Alemanha 5.9% 4º 5.6% 4º 5.5% 4º 6.3% 3º 6.4% 3º 6.3% 3º 6.2% 3º 6.1% 3º 6.3% 3º 6.4% 3º
Federação Russa 0.7% 32º 0.7% 31º 0.7% 31º 0.8% 29º 0.9% 27º 0.9% 27º 1% 27º 1.1% 25º 0,9% 25º 1.3% 22º
Total G8 51% 50% 48% 48% 47% 49,7% 45,1% 44% 48% 42%
Brasil 0.5% 35º 0.6% 33º 0.6% 33º 0.6% 35º 0.5% 35º 0.5% 35º 0.6% 35º 0.7% 32º 0.7% 31º 0.8% 31º
África do Sul 0.4% 39º 0.3% 38º ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ 0.4% 40º ‐ ‐ 0.4% 40º ‐ ‐ ‐ ‐
China 1.8% 15º 2.1% 12º 2.3% 12º 2.5% 10º 2.6% 9º 2.9% 9º 3.1% 9º 3.3% 8º 3.7% 7º 3.9% 5º
Índia 1% 25º 1.2% 22º 1.4% 19º 1.5% 19º 1.4% 21º 1.9% 16º 2.3% 11º 2.7% 10º 2.7% 9º 2.7% 9º
México 0.9% 2.7 0.9% 27º 0.9% 28º 0.8% 30º 0.7% 30º 0.7% 32º 0.7% 32º 0.6% 35º 0.5% 36º 0.5% 39º
Total G5 4,6% 5,1% 5,2% 5,4% 5,2% 6,4% 6,7% 7,7% 7,6% 7,9%
Indonésia ‐ ‐ 0.3% 39º 0.4% 39º 0.3% 40º 0.4% 40º
República da Coréia 1.8% 14º 2% 14º 2.0% 14º 1.7% 16º 1.7% 17º 15% 15º 1.8% 18º 1.8% 20º 1.9% 18º 2.0% 16º
Argentina ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐
Arábia Saudita 0.4% 38º 0.3% 40º 0.4% 38º ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ ‐
Turquia 1.2% 19º 1.3% 20º 1.1% 24º 0.9% 28º 1.1% 26º 1.1% 26º 1.1% 26º 0.9% 28º 0.9% 29º 0.9% 27º
Austrália 1.3% 18º 1.2% 21º 1.1% 25º 1.1% 25º 1.2% 25º 1.1% 25º 1.1% 24º 1.2% 24º 1.2% 24º 1.2% 24º
20081999 2000 2001 2002 20052003 2004 2006 2007
Fonte: Organização Mundial do Comércio
Nota-se, assim, uma significativa “ascensão do resto” (Amsden, 2004)
desde os anos 1970 em contraposição a uma diminuição da participação dos
países do G8 na economia mundial: estes tiveram uma diminuição de
aproximadamente 22% em sua participação no total mundial das exportações de
mercadorias e de 17% no tocante às exportações de serviços (tabelas 5.5 e 5.6),
com destaque para o período dos últimos 10 anos. Em suma, o que se percebe
é uma crescente relevância dos países emergentes para o funcionamento da
economia política global, o que faz com que sua inclusão em certos mecanismos
de governança a partir do final dos anos 1990 se torne algo cada vez mais
impreterível. Neste sentido o G20 foi criado, inicialmente como uma reunião de
ministros de finanças, que teve um papel relevante nos processos e deliberações
após a crise asiática. Não obstante, um momento fundamental para tal
agrupamento de países ocorreu após a crise de 2008, quando o G20 passou por
um significativo processo de inflexão.
5.3.2. As cúpulas a partir de 2008
Em 2008, em um momento no qual se apresentava um processo de
esgotamento do papel e do propósito do G20, tendo em vista a distância que se
encontrava a crise para o qual ele fora criado, ocorreu uma nova crise, desta vez
com características distintas: uma crise não mais nos países em
desenvolvimento como as anteriores, mas no centro e com proporções e
desdobramentos mais amplos. Neste contexto foi dado um novo impulso ao G20,
em larga medida pelas mesmas razões que levaram à sua criação: a
necessidade de incorporação do “resto” tendo em vista a tentativa de construção
de uma saída da crise. Neste caso, o G20 se reconfigura em termos mais
robustos, passando a ocorrer, além da reunião de ministros de finanças, também
uma reunião dos líderes de tais países.
Em 15 de novembro de 2008 ocorreu a primeira cúpula de líderes do G20,
que tendo como pano de fundo e causa fundamental a crise iniciada no mesmo
ano, buscava “restaurar o crescimento global” (G20, 2008, §1), objetivo este que
estaria presente em todas as cúpulas seguintes. Neste sentido, desde a cúpula
de Washington um ponto central era
“uma visão compartilhada de que os princípios do mercado, o comércio aberto e os regimes de investimento e mercados financeiros efetivamente regulados promovam dinamismo, inovação e empreendedorismo, que são essenciais para o crescimento econômico, o emprego e a redução da pobreza” (Ibidem, §2).
217
O diagnóstico acerca das causas subjacentes da crise era bem definido: a
falta de mecanismos regulatórios suficientes para o setor das finanças no âmbito
mundial assim como a falta de uma política de coordenação macroeconômica
clara entre as maiores economias do mundo – desenvolvidas e emergentes –
deveriam ser objeto das atenções dos países no processo de superação da
crise. Neste sentido, em Washington temas como o uso de medidas fiscais para
estimular a demanda interna – desde que mantida uma “política que conduza à
sustentabilidade fiscal” –, auxílio às economias emergentes, fortalecimento da
transparência e responsabilidades das instituições financeiras privadas – e
associado a este processo um fortalecimento dos regimes regulatórios, o que
também ajudaria a combater o processo de lavagem de dinheiro – foram
destacados mas ainda sem uma indicação explícita acerca das políticas que
seriam adotadas neste sentido (Ibidem, §7).
Além disso, foi discutida a questão da necessidade da reforma e
capitalização das instituições financeiras mundiais, para que estas “possam
refletir de maneira mais adequada as mudanças nos pesos econômicos da
economia mundial, a fim de aumentar sua legitimidade e eficácia”. Neste caso
duas questões merecem destaque: primeiro, a ênfase dada ao FMI como um
ator relevante neste processo mas que necessita de passar por uma adequação
face às mudanças ocorridas na economia política global nas últimas décadas;
segundo, a ênfase dada na necessidade de reforma do Fórum de Estabilidade
Financeira (FSF), para que este passasse a ter uma representatividade maior
(Ibidem, §9).
É importante perceber neste contexto que, se por um lado há um
reconhecimento de que certas mudanças se fazem necessárias, por outro há,
explicitamente, uma reafirmação dos pontos fundamentais do modelo neoliberal:
“Reconhecemos que essas reformas só serão bem sucedidas se baseadas em um compromisso de princípios de livre mercado, incluindo a legislação e a regulamentação, o respeito pela propriedade privada, livre comércio e investimento, mercados competitivos e sistemas financeiros eficientes e regulados efetivamente. Esses princípios são essenciais para o crescimento e a prosperidade econômica e têm retirado milhões de pessoas da pobreza e elevaram significativamente o padrão de vida global. Reconhecendo a necessidade de aperfeiçoar a regulação do setor financeiro, precisamos evitar o excesso de regulação que dificulta o crescimento econômico e agrava a contração dos fluxos de capital, inclusive para os países em desenvolvimento” (Ibidem, §12).
Na medida em que a crise se mostrava cada vez mais disseminada e de
difícil combate por cada Estado de maneira individual, na cúpula de Londres, em
218
abril de 2009, foi reafirmado que “uma crise global exige uma solução global”
(Idem, 2009a, §2). Da mesma forma, neste contexto de crise os postulados
neoliberais foram reafirmados: “acreditamos que o único alicerce seguro para a
globalização sustentável e para a prosperidade crescente para todos é uma
economia mundial aberta baseada em princípios de mercado, regulação eficaz e
instituições globais robustas” (Ibidem, §3).
Algumas questões que passariam a compor as declarações do G20
começaram a ganhar um espaço a partir de Londres, com destaque para a
necessidade de garantir uma retomada dos empregos. Neste processo, medidas
excepcionais, desde que assegurada a “sustentabilidade fiscal de longo prazo e
a estabilidade de preços” seriam medidas importantes no processo de geração
de empregos (Ibidem, §11).
Segundo os países do G20, haveria a necessidade de restaurar a
confiança no setor financeiro através do desenvolvimento de um marco
regulatório e de supervisão mais eficaz. Isso seria fundamental para garantir a
“disciplina de mercado” e “apoiar a competição e o dinamismo” (Ibidem, §14).
Buscando avançar neste sentido, em Londres foi adotada a Declaração
Reforçando o Sistema Financeiro, que dentre outras questões destaca a criação
do Conselho de Estabilidade Financeira (FSB) em substituição ao Fórum de
Estabilidade Financeira (FSF). Enquanto este contava apenas com os países do
sistema G7, aquele inclui os países do G20, ex-membros do FSF, Espanha, e a
Comissão Europeia. Ora, em um contexto de crise como o daquele período,
ficava claro que, para que uma reforma efetiva do sistema financeiro mundial
pudesse ser implementada, era fundamental a inclusão dos países emergentes
em vários fóruns e espaços de deliberação.
Tal fórum deveria operar em conjunto com o FMI, que em Londres foi
capitalizado, juntamente com outras instituições financeiras, em cerca de
US$850 bilhões adicionais. Tais recursos tinham o objetivo de “(...) apoiar o
crescimento dos países emergentes e em desenvolvimento, ajudando a financiar
gastos anti-cíclicos, recapitalização de bancos, infraestrutura, financiamento ao
comércio, apoio ao balanço de pagamentos, rolagem de dívidas e apoio social”
(Ibidem, §17). Além disso, menção foi feita novamente à necessidade de
reformar as instituições financeiras mundiais com o intuito de prevenir crises
futuras e fortalecer tanto a relevância quanto a legitimidade de tais instituições.
Neste sentido, foi acordada a reforma das cotas do FMI e, em especial,
enfatizada a necessidade de que fosse concluída a revisão das cotas até janeiro
de 2011. No tocante ao Banco Mundial, também foi acordada a implementação
219
das reformas discutidas a aprovadas em outubro de 2008 (Ibidem, §20). Por fim,
a partir de Londres a questão do desenvolvimento dos países de baixa renda
começou a ganhar um espaço maior nos documentos, juntamente com as
questões relacionadas aos Objetivos do Milênio. Neste sentido, referência direta
foi feita aos compromissos firmados anteriormente no âmbito do sistema G7/8
com relação a tais questões.
Quando da cúpula de Pittsburgh, nos dias 24 e 25 de setembro de 2009, a
economia mundial dava sinais de estabilidade dos mercados financeiros e de
interrupção da queda das atividades econômicas. Neste sentido, menção foi feita
a tal questão na cúpula no intuito não apenas de gerar uma estabilidade ainda
maior nos mercados financeiros, mas também no sentido de manter a
cooperação entre os países do G20. Além disso, neste contexto destaque foi
dado mais uma vez à necessidade de, assim que possível, retirar a intervenção
extraordinária dos Estados da economia “mantendo (...) o compromisso para
com a responsabilidade fiscal” (Idem, 2009b, §10; 2009c, §2).
Em Pittsburgh ênfase foi dada no fato de que a recuperação da economia
mundial demandaria certa colaboração em termos de políticas
macroeconômicas, bem como o combate às práticas abusivas do mercado.
Neste sentido, houve em tal cúpula um comprometimento de que seriam
desenvolvidas, “(...) até o final de 2010, normas acordadas internacionalmente
para melhorar tanto a quantidade como a qualidade do capital bancário e
desencorajar a alavancagem excessiva” (Idem, 2009c, §13). Embora as normas
não tenham sido desenvolvidas, avanços neste sentido são identificáveis em
Seul (Idem, 2010f).
Começa em Londres uma preocupação com as instituições financeiras
sistemicamente importantes. Em Pittsburgh tal questão foi abordada e decidido
que até o final de 2010 mais detalhes das resoluções internacionais para lidar
com tal questão deveriam ser desenvolvidas (Idem, 2009c, §13). Além disso,
neste contexto também foi discutida a questão dos paraísos fiscais, da
corrupção, da lavagem de dinheiro, do financiamento do terrorismo e da
necessidade do aprofundamento dos meios de combate a tais questões.
Dando prosseguimento ao que foi colocado na cúpula anterior acerca da
necessidade de reforma do FMI, os países do G20 se comprometeram em
transferir pelo menos 5% das cotas de participação aos países emergentes e em
desenvolvimento. Além disso, no tocante ao Banco Mundial, foi enfatizada a
necessidade deste focar nas questões de segurança alimentar, segurança e
desenvolvimento humano, apoio ao crescimento e ao investimento em
220
infraestrutura nos países mais pobres e apoio ao financiamento para uma
transição para uma economia verde (Ibidem, §21 e §24). No que concerne às
questões de segurança energética e mudança climática, foi solicitado a algumas
instituições – AIE, OPEP, OCDE e Banco Mundial – um estudo sobre os
subsídios energéticos, que deveria ser apresentado na próxima cúpula do G20.
Com relação à questão da segurança alimentar, foi destacada a iniciativa
anunciada na cúpula do G8 em L’Aquila bem como os “esforços para
implementar a Parceria Global para Agricultura e Segurança Alimentar” (Ibidem,
§39).
No que diz respeito à questão do emprego, percebe-se um momento de
inflexão em Pittsburgh. Nesta ocasião, não só é dado destaque a esta questão
como também é enfatizada “a relevância da Conferência de Londres sobre
Empregos e da Cúpula Social de Roma (...), [da] recém-adotada Resolução da
OIT sobre Recuperação da Crise: um Pacto de Empregos Globais”. Além disso,
os países do G20 se comprometeram
“a adotar elementos-chave de seu marco de trabalho geral para avançar na dimensão social da globalização. As instituições internacionais deverão considerar os padrões da OIT e os objetivos do Pacto de Empregos em suas análises da crise e pós-crise, e em suas atividades de elaboração de políticas” (Ibidem, §46).
Ainda neste contexto, foi convocada uma reunião dos Ministros do
Emprego e do Trabalho para o início de 2010, com o objetivo de desenvolverem
a discussão a partir da reunião Ministerial da OCDE de Emprego e Trabalho
sobre a crise de empregos que ocorreria antes daquela reunião.
Na cúpula de Toronto, nos dias 26 e 27 de junho de 2010, foi reafirmada a
relevância do G20 como fórum privilegiado de discussão das questões
concernentes à economia global e à reestruturação da arquitetura financeira
global, bem como os êxitos que teriam sido alcançados a partir das decisões
tomadas nas cúpulas do G20 desde 2008. Contudo, destacam-se as questões
ainda não resolvidas, como a recuperação desigual e ainda frágil dos países, a
permanência dos índices de desemprego em alguns países e o impacto social
da crise. Em especial, ênfase foi dada à questão da sustentabilidade fiscal, tendo
em vista as preocupações que emergiram a partir da crise na Europa, que
atingiu Portugal, Espanha, Irlanda, Itália e, de maneira mais aguda, a Grécia. As
economias avançadas se comprometeram assim com a adoção de políticas de
ajuste fiscal com o objetivo de diminuir ao menos pela metade seu déficit fiscal
até 2013 e reduzir a relação dívida-PIB até 2016.
221
Assim como nas cúpulas anteriores, foi reafirmada a importância de
manter os mercados abertos e de se combate o protecionismo, dando à OMC,
OCDE e UNCTAD o papel de monitorar as políticas dos Estados e suas políticas
com relação ao livre comércio. Ora, de acordo com o G20, o livre comércio tem
um papel central para o crescimento global e para a criação de empregos. Neste
sentido, foi solicitado à OCDE, OIT, Banco Mundial e OMC um relatório com os
benefícios do livre comércio para o emprego e para o crescimento em Seul.
Ainda no tocante à questão do emprego, foram mencionadas as
recomendações feitas pelos ministros do trabalho do G20 que se encontraram
em abril de 2010 (G20 Labor and Employment Ministers, 2010) bem como as
articulações existentes entre OCDE e OIT nesta questão. Mas como colocado
antes, nas cúpulas anteriores, o foco se deu no crescimento, uma vez que,
segundo a perspectiva então prevalecente, “aumentar o crescimento global (...) é
o passo mais importante que podemos dar na melhora da vida de nossos
cidadãos, incluindo aqueles nos países mais pobres” (G20, 2010a, §9).
Em Toronto foi colocado que países com economias deficitárias devem
aumentar a poupança interna enquanto mantém os mercados abertos e
aumentam sua competitividade de exportação. Países superavitários, por sua
vez, devem empreender reformas para reduzir sua dependência da demanda
externa buscando, assim, fontes domésticas para seu crescimento. Além disso,
países emergentes superavitários devem
“aumentar a flexibilidade da taxa de câmbio buscando refletir assim seus fundamentos econômicos subjacentes (...). Taxas de câmbio orientadas pelo mercado que refletem os fundamentos econômicos subjacentes contribuem para a estabilidade econômica global” (Idem, 2010b, §12).
Destaca-se neste ponto a “guerra cambial” entre China e EUA, que
continuaria tendo repercussões para a próxima cúpula.
Foi enfatizada também a necessidade de se implementar reformas
estruturais nos países do G20 que garantam o crescimento de tais países. A
agenda de reforma possui quatro pilares, que em larga medida reproduzem e
aprofundam questões que vinham, de uma forma ou de outra, sendo discutidas
no âmbito do G20 desde a cúpula de Washington em 2008:
a. Fortalecimento do marco regulatório, baseado no novo regime global
para liquidez e capital bancário desenvolvido pelo Comitê da Basileia de
Supervisão Bancária (BCBS);
222
b. Criação de mecanismos de supervisão efetiva, com destaque para o
papel do FSB e do FMI neste processo;
c. Implementação de um sistema para lidar com situações de instituições
em crises financeiras, sem que isso gere ônus para os contribuintes em
geral, reduzindo, assim, o risco moral;
d. Transparência internacional, com destaque para o combate à corrupção e
à lavagem de dinheiro.
Assim como nas cúpulas anteriores, no que concerne às instituições
financeiras mundiais, foi dada ênfase na necessidade de fortalecer a
legitimidade, a credibilidade e a efetividade das mesmas, em especial o FMI e os
bancos multilaterais de desenvolvimento (BMD) – neste caso, destaque para o
Banco Mundial. Em Pittsburgh houve um comprometimento de aumento do
capital dos BMDs, o que ocorreu em Toronto (com um aumento de US$350
bilhões, o que significa um aumento dos empréstimos destes bancos de US$37
bilhões para US$71 bilhões por ano (Tabela 5.7). Foi também endossada a
reforma do Banco Mundial, que aumentou o poder de voto dos países em
desenvolvimento em 4,59%, além do reforço da necessidade de completar o
processo de reforma das cotas do FMI até a cúpula seguinte, em Seul.
223
Tabela 5.7
Aumento do capital dos Bancos Multilaterais de Investimento (BMD)
BMD Aumento de
capital
Empréstimos
anuais antes da
crise25 (em US$
bilhões)
Empréstimos
anuais após a
crise26 (em US$
bilhões)
AfDB27 200% US$1,8 US$6
AsDB28 200% US$5,8 US$10
EBRD29 50% US$5,3 US$11
BID30 70% US$6,7 US$12
BIRD31 30% US$12,1 US$15
IFC32 - US$5,4 US$17
Total 85% US$37 US$71
Fonte: G20, 2010a, §25; 2010d, §5
Em função dos problemas relacionados ao desemprego, na cúpula de
Seul, nos dias 11 e 12 de novembro de 2010, foi dado destaque a tal questão,
bem como à necessidade de acelerar o crescimento – e em especial nos países
de baixa renda. Neste sentido foi destacada a importância do livre comércio e da
abertura de mercados para o crescimento e o emprego, conforme relatório
conjunto da OCDE, OIT, OMC e Banco Mundial (OCDE, OIT, Banco Mundial e
OMC, 2010) bem como foi divulgado o Plano de Ação de Seul. Este incluía
acordos na área de políticas macroeconômicas, como consolidação fiscal onde
fosse necessário, estabelecimento de sistemas de taxas de câmbio mais
orientadas pelo mercado – refletindo assim os fundamentos econômicos
subjacentes – e a abolição de desvalorizações competitivas das moedas;
implementação de reformas estruturais que estimulem e sustentem a demanda
global, promovam a criação de empregos e aumentem o potencial de
crescimento. Tal plano dizia respeito a ações políticas em cinco áreas
específicas, a saber:
25 2000-2008. 26 2012-2020. 27 Banco de Desenvolvimento Africano. 28 Banco Asiático de Desenvolvimento. 29 Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento. 30 Banco Interamericano de Desenvolvimento. 31 Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – parte do grupo do Banco Mundial. 32 Corporação Financeira Internacional – parte do grupo do Banco Mundial.
224
a. Políticas monetárias e cambiais: reafirmava a importância da estabilidade
dos preços e de um movimento para um sistema de taxas de câmbio
determinadas pelo mercado, o que refletiria os fundamentos econômicos
subjacentes dos países e evitaria, assim, desvalorizações competitivas
das moedas;
b. Políticas comerciais e de desenvolvimento: reafirmava o
comprometimento com o livre comércio e livre investimento – reafirmando
também, assim, a importância da conclusão da Rodada Doha. Na
verdade, na medida em que os países em desenvolvimento ocupam um
espaço cada vez maior no comércio internacional, os objetivos de
crescimento, desenvolvimento e livre comércio se encontram cada vez
mais conectados. Neste sentido, o desenvolvimento dos países em
desenvolvimento e de baixa renda demanda algumas políticas que
resolvessem os seguintes gargalos: “infraestrutura, desenvolvimento de
recursos humanos, comércio, investimento privado e criação de
empregos, segurança alimentar, crescimento estável, inclusão financeira,
mobilização de recursos domésticos e compartilhamento de
conhecimento” (G20, 2010f, §7);
c. Políticas fiscais: deverão ser aplicadas conforme acordado em Toronto,
mas respeitando as circunstâncias de cada país;
d. Reformas financeiras: desenvolvimento de novos padrões, nacionais e
internacionais, para regulamentar a liquidez e o capital bancários, com
destaque para aquelas instituições “muito grandes para quebrar”;
e. Reformas estruturais: buscando garantir um aumento sustentável da
demanda global e a criação de empregos, foi acordada a adoção de
reformas do mercado para simplificar a regulação, reduzir as barreiras
regulatórias e aumentar a produtividade. Junto a este processo seriam
também necessárias reformas do mercado de trabalho e no
desenvolvimento de recursos humanos; reforma nos sistemas de
tributação, para aumentar a produtividade e os incentivos ao
investimento; inovações visando o desenvolvimento sustentável;
reformas para fortalecer as redes de proteção social; investimento em
infraestrutura para resolver certos gargalos estruturais e garantir a
manutenção do crescimento.
Nestas reformas, foram chamados, em função de sua expertise, FMI,
OCDE, Banco Mundial e OIT. É interessante perceber a menção feita, em tal
225
plano de ação, às questões relacionadas às taxas de câmbio. Além do problema
já identificado por alguns com relação ao valor do yuan e seu impacto na
economia mundial, na véspera da cúpula de Seul o Fed (banco central
estadunidense) anunciou que, nos oito meses seguintes, irrigaria a economia
estadunidense com US$600 bilhões. Em última instância, o G20 não resolveu tal
questão, mas apenas estabeleceu certos mecanismos para lidar com a mesma
na primeira metade de 2011, mediante o Processo de Avaliação Mútua (MAP)
acordado em Seul.
Dando sequência no que já vinha sendo objeto de discussão em Pittsburgh
e Toronto, em Seul foi acordada uma mudança na política de cotas do FMI
(Tabela 5.8). Foi também reafirmado o papel de destaque deste na reconstrução
da arquitetura financeira mundial: para tal, seria necessário o aumento da
capacidade de vigilância do FMI, bem como de seus dispositivos e linhas de
crédito visando assim a construção de uma sistema monetário internacional mais
estável. Neste processo, FSB e BCBS também seriam centrais, mediante o
estabelecimento de limites para a alavancagem dos bancos; no caso do FSB, foi
destacada a necessidade de uma maior articulação deste com o FATF no
combate à lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo.
226
Tabela 5.8
Distribuição de cotas – FMI
Ano
Cota/Voto Cotas Votos Cotas Votos
EUA 17,09% 16,74% 17,41% 16,48%
Reino Unido 4,94% 4,85% 4,22% 4,02%
Japão 6,12% 6,01% 6,46% 6,14%
Canadá 2,93% 2,88% 2,31% 2,21%
França 4,94% 4,85% 4,22% 4,02%
Itália 3,24% 3,19% 3,16% 3,02%
Alemanha 5,98% 5,87% 5,59% 5,31%
Federação Russa 2,73% 2,69% 2,71% 2,59%
Total G8 47,97% 47,08% 46,08% 43,79%
Brasil 1,40% 1,38% 2,32% 2,22%
África do Sul 0,86% 0,85% 0,64% 0,63%
China 3,72% 3,65% 6,39% 6,07%
Índia 1,91% 1,88% 2,75% 2,63%
México 1,45% 1,43% 1,87% 1,80%
Total G5 9,34% 9,19% 13,97% 13,35%
Indonésia 0,96% 0,95% 0,96% 0,95%
República da Coréia 1,35% 1,33% 1,80% 1,73%
Argentina 0,97% 0,96% 0,67% 0,66%
Arábia Saudita 3,21% 3,16% 2,10% 2,01%
Turquia 0,55% 0,55% 0,98% 0,95%
Austrália 1,49% 1,47% 1,38% 1,33%
Total G20 (sem UE) 65,84% 64,69% 67,94% 64,77%
2010*2009
Fonte: FMI
*Decidido em novembro de 2010, mas será implementado apenas em 2012.
Em consonância com as questões levantadas em Toronto, foi acordado em
Seul o chamado “Consenso de Seul”, no qual se destacam os seguintes
princípios:
a. Importância do crescimento econômico inclusivo e sustentável para a
redução da pobreza e desenvolvimento dos países de baixa renda;
227
b. Ausência de uma única fórmula para o desenvolvimento. Assim, os
países devem trabalhar como parceiros, respeitando as políticas
adotadas e desenvolvidas domesticamente como fundamentais para o
êxito da estratégia de desenvolvimento;
c. As ações devem priorizar questões globais ou regionais que demandam
ações coletivas e possuam o potencial para gerar um impacto de
transformação;
d. Ênfase no papel do setor privado na geração de empregos e riqueza, e
neste sentido na criação de um ambiente que gere possibilidades para a
expansão e para o investimento privados;
e. Maximizar as possibilidades de complementaridade na busca pelo
desenvolvimento, dando ênfase para as áreas nas quais o G20 possua
vantagem comparativa e possa, assim, agregar no processo de
crescimento sustentável;
f. Foco nos resultados tangíveis de impacto significativo para remoção dos
obstáculos ao crescimento dos países em desenvolvimento, em especial
os de baixa renda (G20, 2010g).
Neste processo, o Consenso de Seul destaca alguns pilares para que
realmente seja possível superar os gargalos existentes e, assim, garantir um
crescimento inclusivo e sustentável nos países em desenvolvimento. Dentre eles
destacam-se (a) a ênfase na necessidade de investimentos em infraestrutura; (b)
desenvolvimento de recursos humanos; (c) liberalização do comércio; (d)
incentivo ao investimento privado para criação de empregos; (e) segurança
alimentar; (f) crescimento com proteção social; (g) inclusão financeira; (h)
mobilização de recursos domésticos; (i) compartilhamento de conhecimento.
Por fim, certo processo de “outreach” do G20 é percebido, na medida em
que há menção explícita à cúpula de negócios que ocorreu nos dias 10 e 11 de
novembro também em Seul (Seoul G20 Business Summit) assim como à
necessidade de ampliar as relações do G20 com organizações internacionais,
sociedade civil, sindicatos e universidades – bem como decisões acerca do
processo de convite a países não-membros do G20 (G20, 2010f, §73).
228
5.4. Conclusão
Desde os anos 1970 a economia política global vem passando por uma
série de mudanças e transformações. Como visto no capítulo 2, neste processo
percebe-se a transição de um bloco histórico internacional para um bloco
histórico liberal transnacional. Por um lado, a partir da passagem dos anos 1970
para os anos 1980 tal bloco se consolida em termos hegemônicos, assumindo a
hegemonia em vários complexos sociedade civil/Estado ao redor do mundo em
um contexto de intensificação da globalização neoliberal. Não obstante, a partir
dos anos 1990 e das crises que a partir de então se apresentam, é possível
perceber que tal bloco histórico começa a se ver face a uma série de dilemas e
limites de expansão. Neste contexto, os dilemas que se apresentam não são
apenas de caráter material, mas também ideacional – o que apontaria em última
instância para o início de uma crise orgânica, o que demandaria assim uma série
de ações por parte de tal bloco histórico no sentido de restauração da liderança
hegemônica.
Extremamente elucidativo no entendimento deste processo mais amplo é
olhar para o sistema G7/8 – sua origem e desdobramentos ao longo do período.
A partir de tal leitura, seria possível identificar não apenas elementos
subjacentes ao processo de surgimento e evolução do sistema G7/8, mas
também certas nuanças no processo de desenvolvimento histórico e maturação
do supracitado bloco histórico liberal transnacional.
Contudo, antes de proceder com uma análise de como tal processo pode
ser visto a partir de uma perspectiva crítica, neogramsciana, algumas questões
eram fundamentais: neste sentido, fazia-se necessário apresentar o processo de
surgimento e desenvolvimento do sistema G7/8, até os processos e articulações
contemporâneos relacionados ao G20 e sua relação com os processos mais
amplos de desenvolvimento e evolução da economia política global desde os
anos 1970, quando do fim da Era de Ouro – o que foi o objetivo dos capítulos 4 e
5. Feito isto, é possível caminhar rumo a uma leitura crítica do sistema G7/8 e de
seus desdobramentos contemporâneos.