5. Da Idade da Temperança ao Ciclo de Vida Profissional ... · 91, a Política Nacional do Idoso...

36
113 5. Da Idade da Temperança ao Ciclo de Vida Profissional dos Professores De todas as realidades, [a velhice] é, talvez, aquela de que conservamos por mais tempo, ao longo da vida, uma noção puramente abstrata. (Michel Proust 84 ) É necessário, inicialmente, definir cronologicamente que categoria é essa. De acordo com as legislações vigentes, a terceira idade, termo mais contemporâneo para esta etapa da vida, inicia-se entre 60 e 70 anos de idade. O Estatuto do Idoso Lei nº 10.741/2013 85 institui como idoso o sujeito com idade igual ou superior a 60 anos. Para a Organização das Nações Unidas (ONU), a terceira idade é a fase da vida que começa aos 65 anos nos países desenvolvidos e aos 60 anos nos países em desenvolvimento. A Lei nº 8.842/1994 86 , que estabelece a Política Nacional do Idoso, define para efeito da lei, a pessoa maior de 70 anos. Portanto, há controvérsias em relação à idade cronológica que estabelece o início da terceira idade ou velhice. Para efeito desta pesquisa, será considerada idosa, conforme determina o Estatuto do Idoso, a pessoa com mais de 60 anos, tendo em vista que, nove professores estão na faixa etária de 60 a 69 anos de idade Augusto (69), Lúcia (69), Junior (69), Francisco (69), Maria (68), Eduardo (69) Antônia (67), Agostinho (64) e Manoel (60) ; seis professores têm entre 54 e 57 anos Helena (57), Luiz (57), Renato (57), Rafael (56), Virgínia (56) e Janaína (54); e, a mais jovem, a professora Carmen com 50 anos. 84 (Apud Beauvoir, 1990: 11). 85 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 26 Abr. 2015. 86 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 26 Abr. 2015.

Transcript of 5. Da Idade da Temperança ao Ciclo de Vida Profissional ... · 91, a Política Nacional do Idoso...

113

5. Da Idade da Temperança ao Ciclo de Vida Profissional dos Professores

De todas as realidades, [a velhice] é, talvez, aquela de que conservamos por mais tempo, ao longo da vida, uma noção puramente abstrata.

(Michel Proust84)

É necessário, inicialmente, definir cronologicamente que categoria é essa.

De acordo com as legislações vigentes, a terceira idade, termo mais

contemporâneo para esta etapa da vida, inicia-se entre 60 e 70 anos de idade. O

Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741/201385

– institui como idoso o sujeito com idade

igual ou superior a 60 anos. Para a Organização das Nações Unidas (ONU), a

terceira idade é a fase da vida que começa aos 65 anos nos países desenvolvidos e

aos 60 anos nos países em desenvolvimento. A Lei nº 8.842/199486

, que

estabelece a Política Nacional do Idoso, define para efeito da lei, a pessoa maior

de 70 anos. Portanto, há controvérsias em relação à idade cronológica que

estabelece o início da terceira idade ou velhice. Para efeito desta pesquisa, será

considerada idosa, conforme determina o Estatuto do Idoso, a pessoa com mais de

60 anos, tendo em vista que, nove professores estão na faixa etária de 60 a 69 anos

de idade – Augusto (69), Lúcia (69), Junior (69), Francisco (69), Maria (68),

Eduardo (69) Antônia (67), Agostinho (64) e Manoel (60) –; seis professores

têm entre 54 e 57 anos – Helena (57), Luiz (57), Renato (57), Rafael (56),

Virgínia (56) e Janaína (54); e, a mais jovem, a professora Carmen com 50 anos.

84

(Apud Beauvoir, 1990: 11). 85 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 26

Abr. 2015. 86 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 26

Abr. 2015.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

114

5.1. Nem jovens, nem velhos: onde se encaixam esses professores, em uma nova categoria etária?

Um acontecimento vivido é finito, ou pelo menos encerrado na esfera do vivido, ao passo que o acontecimento lembrado é sem limites, porque é apenas uma chave para tudo que veio antes e depois.

(Benjamin, 1994: 1587)

Os avanços da ciência em relação ao processo de envelhecimento

começaram no século XX com os estudos do médico vienense Nascher (1863–

1944), médico pioneiro nos estudos de gerontologia e geriatria, que se destacou

por suas pesquisas sobre o tema e criou em 1912 a Sociedade de Geriatria de

Nova Iorque. Mas, só no século XXI, como evidenciaram os estudos de Brandão e

Mercadante (2009) sobre longevidade e envelhecimento, as pesquisas sobre o

tema ganharam destaque no cenário científico mundial, desencadeando políticas e

ações voltadas para os idosos em todos os países.

As políticas e ações vigentes consideram o crescente aumento da

população idosa e, também, o aumento da expectativa de vida. Nesta perspectiva,

a Organização das Nações Unidas (ONU) referendou que o período de 1975 a

2025 é considerado a Era do Envelhecimento, em virtude da longevidade da

população idosa e à baixa natalidade em inúmeros países, dentre eles o Brasil.

Segundo Camarano (2004), o crescimento da população idosa está

relacionado a alguns aspectos, a alta taxa de natalidade do período pós-guerra, de

1950 a 1960, e a redução da mortalidade da população idosa em escala mundial.

Por outro lado, a redução da taxa de natalidade a partir da década de 80 fez com

que houvesse uma inversão da pirâmide etária com o expressivo aumento da

população idosa.

O envelhecimento da população é acompanhado pelo envelhecimento do

indivíduo, de outros segmentos populacionais, como a População

Economicamente Ativa (PEA) e as famílias (crescimento do número de famílias nas quais existe pelo menos um idoso, verticalização das famílias etc.). Esse

processo altera a vida do indivíduo, as estruturas familiares e a sociedade. (Ibid:

26)

87 BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da

cultura. 7. ed. Obras escolhidas, V.1. São Paulo: Brasiliense, 1994.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

115

O envelhecimento, segundo dados levantados pelo Instituto de Pesquisa

Econômica Aplicada (IPEA)88

, também é uma questão de gênero, 55% da

população idosa é formada por mulheres. Essa proporção se torna mais expressiva

quanto mais idoso for o segmento, o que é explicado pela maior mortalidade do

gênero masculino. De acordo com Camarano et al. (2004: 29), “o mundo dos

muito idosos é um mundo das mulheres”. Essa predominância feminina é maior

nas áreas urbanas.

As pirâmides etárias da população idosa no Brasil, segundo dados do

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)89

apontam uma evolução no

número de idosos nos anos de 1960 (Gráfico 1), 2000 (Gráfico 2) e 2010 (Gráfico

3). Segundo este quantitativo, em 1960 a população idosa no Brasil era de 3,3

milhões de brasileiros e representavam 4,7% da população. Na década de 2000,

14,5 milhões, ou seja, 8,5% estavam na faixa etária de 60 anos ou mais, e em

2010, 20,5 milhões, 10,8% da população brasileira, estavam nesta mesma faixa

etária. Esses dados evidenciam o envelhecimento da população nas últimas

décadas.

Seguem, abaixo, as ilustrações referentes aos dados do IBGE, sobre a

evolução do número de idosos no Brasil.

Gráfico 1: Número de idosos na década de 60.

Fonte: IBGE. Ano: 1960.

88 Ler mais em Camarano (2004). 89 Dados disponíveis em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/em-50-anos-percentual-de-

idosos-mais-que-dobra-no-brasil.html>. Acesso em: 13 Set. 2015.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

116

Gráfico 2: Número de idosos no ano 2000.

Fonte: IBGE. Ano: 2000.

Gráfico 3: Número de idosos no ano de 2010.

Fonte: IBGE. Ano: 2010.

Segundo projeção do IBGE (2003), no ano de 2040, a expectativa de vida

atingirá o patamar de 80 anos. Em muitos países desenvolvidos essa já é uma

realidade, como evidencia Bárbara Cobo90

(2012):

O envelhecimento da população é uma tendência e grande parte dos países

desenvolvidos já chegou nessa etapa, decorrentes do maior desenvolvimento

social e do aumento da expectativa de vida. Isso é fruto do avanço da medicina,

90 Reportagem disponível em: <http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/04/em-50-anos-percentual-

de-idosos-mais-que-dobra-no-brasil.html>. Acesso em: 13 Set. 2015.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

117

de melhoria nas condições de saneamento nas cidades, da diminuição da taxa de fecundidade, dentre outros fatores.

Os termos usados para designar as pessoas que estão nessa fase da vida –

velho, idoso, terceira idade, melhor idade – estão impregnados de ideologias e

evidenciam a representação social da velhice e do envelhecimento em diferentes

contextos e sociedades.

A trajetória dos conceitos e termos associados à velhice foi catalogada por

Peixoto (2006), na tentativa de entender as representações sociais e a imagem da

velhice na França e no Brasil. Segundo este autor, o termo vieux, velho, ou

veillard, velhote, possuíam significados sociais distintos no século XVIII. Veillard

não tinha uma conotação social negativa, visto que era utilizado para se referir aos

idosos mais abastados, com maior poder econômico, enquanto que o termo vieux,

até o final do século XIX, esteve associado à decadência e à incapacidade para o

trabalho. Essa concepção de velhice começa a ser modificada a partir da década

de 60 com a implantação de políticas sociais para a velhice e o prestígio alcançado

pelos aposentados com o aumento das aposentadorias e pensões na França.

No contexto brasileiro, na década de 60, de acordo com este mesmo

estudo, o termo “velho” surge com conotação negativa, uma forma pejorativa de

tratar o sujeito com mais de 60 anos.

O termo idoso aparece na literatura e nas políticas públicas para reduzir a

carga negativa atribuída a esta fase da vida e passa a ser utilizado nos documentos

oficiais e nas legislações.

O Brasil, a partir da década de 60, incorpora o termo idoso. Com a

Constituição Federal de 198891

, a Política Nacional do Idoso definida na Lei nº

8.842/9492

e o Estatuto do Idoso instituído pela Lei nº 10.741/200393

, começa a

surgir uma nova concepção de envelhecimento e políticas nacionais de respeito e

tolerância à terceira idade. Atualmente, conceitos como quarta idade, para os

91 Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> Acesso em: 15

set. 2015. 92 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8842.htm>. Acesso em: 15 set.

2015. 93 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 15

set. 2015.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

118

maiores de 75 anos, e quinta idade, após os 85 anos, já vêm surgindo na literatura

em virtude da longevidade em escala mundial.

Entretanto, não podemos desconsiderar que, o conceito de velhice, tal qual

o conceito de infância (Ariès, 1981), é construído socialmente. Na França dos

séculos XVI e XVII, não havia a concepção de infância como a concebemos hoje.

Assim, a categoria velhice passou por diferentes definições e tem concepções

distintas para cada cultura, sociedade e período histórico. Na Grécia antiga o

envelhecimento/a velhice era concebido/a como um período de sabedoria e

maturidade, como citou Beauvoir (1990: 135) ao descrever o diálogo estabelecido

entre Sócrates e Céfalo:

Céfalo convidou Sócrates para visitá-lo, desculpando-se por não ir procurá-lo,

pelo fato de estar velho e ser difícil sair de casa. Queria conversar com o amigo,

pois para Céfalo quanto mais amortecidos ficam os prazeres do corpo, mais crescem o deleite e o prazer da conversação. Sócrates aceitou o convite,

respondendo que lhe agrada muito conversar com pessoas de mais idade, que já

tinham percorrido um caminho que ele teria que percorrer. Assim, deu-se o início da conversa, quando Sócrates perguntou a Céfalo, como ele, já velho, sentia-se ao

atingir a fase que os poetas chamavam de o limiar da velhice. Céfalo respondeu

que muito bem, pois a triste cantilena, evocada por muitos, responsabilizando a velhice por todos os males, para ele era decorrente da própria vida e não da idade

avançada.

Esse diálogo evidencia que, a decrepitude muitas vezes atribuída à velhice

não está associada à idade, mas, sobretudo, é consequência da percepção sobre a

existência, da subjetividade, da forma de encarar a vida, das escolhas que são

feitas, do modo de ser e estar no mundo, enfim, como disse o sábio Céfalo, são

“decorrentes da própria vida e não da idade avançada.”.

Na idade média, vieillesse, velhice, como define Ariès (1981), começava

cedo. A representação da velhice era de um período de decrepitude, idade do

recolhimento, da devoção e da caduquice. Imagem que povoou o imaginário

ocidental até pouco tempo.

A imagem decrépita da velhice foi descrita por Beauvoir (1990:114):

Quão penoso é o fim do ancião! Vai dia a dia enfraquecendo: a visão baixa, seus ouvidos se tornam surdos, o nariz se obstrui e nada mais pode cheirar, a boca se

torna silenciosa e já não fala. Suas faculdades intelectuais se reduzem e torna-se

impossível recordar o que foi ontem. Doem-lhe todos os ossos. A ocupação a que outrora se entregara com prazer, só a realiza agora com dificuldade e desaparece o

sentido do gosto. A velhice é a pior desgraça que pode acontecer a um homem.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

119

É importante salientar que, a longevidade era um privilégio da nobreza até

o século XIX, principalmente para os homens. Segundo Beauvoir (op. Cit.), não

havia registros sobre o envelhecimento das mulheres neste período histórico. Na

Grécia antiga, os mais velhos eram os que detinham riqueza e poder, e eram

respeitados no plano político por sua sabedoria. No Renascimento há uma

inversão de valores e passa-se a admirar o corpo viril e a juventude, e,

consequentemente, há um desprezo pela velhice, ou pelo que ela representa.

Para Ariès (1981), cada época privilegia uma determinada idade, o século

XVII, a juventude; o século XIX, a infância; o século XX, a adolescência; e,

certamente, em virtude do aumento da população idosa no mundo, como apontam

as últimas pesquisas, e da baixa taxa de natalidade, o século XXI deverá ser o da

velhice, ou como defino neste trabalho, a Idade da Temperança. Temperança94

,

não só porque é uma fase de guardar o equilíbrio, como define o latim

Temperare, mas, também, porque para os professores desta investigação se

caracteriza como uma etapa de renovação de sonhos.

5.1.1. Quem são os velhos no mundo atual? De quem estamos falamos?

Todos os dias quando acordo

Não tenho mais o tempo que passou Mas tenho muito tempo

Temos todo o tempo do mundo. [...] Não temos tempo a perder. [...]

Temos nosso próprio tempo. [...] Somos tão jovens.

(Renato Russo, 1986)

Concebendo o processo de envelhecimento como resultado de um conjunto

de fatores que estão em constante movimento e mudança, a nível biológico,

psíquico, emocional, social, cultural, histórico, e que se inicia no nascimento,

Barros (2006: 130) afirma que: 94 Utilizo o termo Temperança fazendo alusão à carta do Tarô Mitológico, cuja imagem expressa

é de uma mulher alada a beira de um rio, que segura duas taças, uma de ouro e a outra de prata,

com água, onde derrama o líquido de uma para outra, e tem atrás de si o arco-íris. Esta carta é

representada por Íris, deusa do arco-íris e mensageira de Hera. Íris descia à Terra para transmitir

mensagens aos humanos a pedido de Zeus e Hera. Sempre que os deuses voltavam ao Olimpo, Íris

os recebia com néctar e ambrosia. Íris representa o coração equilibrado e a harmonia. In:

SHARMAN-BURKE, Juliet e GREENE, Liz. O Tarô Mitológico: Uma nova abordagem para a

leitura do Tarô. São Paulo: Siciliano, 1988.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

120

Pensar na velhice em termos de identidade social possibilita perceber que a velhice é uma classificação, uma vez que há uma atribuição por parte da

sociedade e uma auto-atribuição concomitante da identidade etária, separando e

arrumando os indivíduos em um parâmetro de idade. [...] A identidade social

sofre, ela própria, valorizações por parte dos grupos e/ou indivíduos em interação social e as características a ela atribuídas são também bem/mal valorizadas.

Na concepção desta autora, a velhice é concebida de forma distinta de

acordo com a posição social e econômica dos sujeitos, que podem ou não ser

estigmatizados nesta etapa da vida. Alguns grupos com maior prestígio social,

como políticos, artistas, intelectuais, possuem um status especial adquirido pela

idade, que lhes confere um grau maior de sabedoria e, portanto, um valor social

diferenciado. Como define Bosi (2015: 77), “além de ser um destino do indivíduo,

a velhice é uma categoria social”.

Ratificando esta reflexão, se nos remetermos a alguns dos músicos que

tocaram no Rock in Rio 2015, Al Jarreau (75), Elton John (68), Baby do Brasil e

Pepeu Gomes (63), Lulu Santos (62), bandas como Queen, A-Ha, ou ainda, de

intelectuais e artistas, como Fernanda Montenegro (83), percebemos como a

categoria velhice tem um caráter e um arquétipo95

social e cultural. Esses Belos

Velhos (GOLDEMBERG, 2013) não se aposentaram de si mesmos, mas,

sobretudo, se reinventam a cada dia, ressignificam, recriam e potencializam a vida

através de sua arte.

Assim, também, os Belos Velhos da minha pesquisa, em plena Idade da

Temperança, os professores em pré-aposentadoria, estão cheios de sonhos, de

planos, de projetos de futuro, enfim, de vida. Em nada se comparam com os

velhos descritos na literatura sobre velhice e envelhecimento. Inclusive, ter

Projetos de Vida é o caminho apontado por Simone de Beauvoir (1990) e Miriam

95 Arquétipo, segundo o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, é um conjunto de imagens psíquicas

presentes no inconsciente coletivo. Segundo ele, “o conceito de arquétipo, que constitui um

correlato indispensável da ideia do inconsciente coletivo, indica a existência de determinadas

formas na psique, que estão presentes em todo tempo e em todo lugar. [...] O inconsciente coletivo

é uma parte da psique que pode distinguir-se de um inconsciente pessoal pelo fato de que não deve

sua existência à experiência pessoal, não sendo, portanto, uma aquisição pessoal. [...] Os

conteúdos do inconsciente coletivo nunca estiveram na consciência e, portanto, não foram

adquiridos individualmente, mas devem sua existência apenas à hereditariedade. Enquanto o

inconsciente pessoal consiste em sua maior parte de complexos, o conteúdo do inconsciente

coletivo é constituído essencialmente de arquétipos.” In: JUNG, Carl G. Os Arquétipos e o

Inconsciente Coletivo. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. (p. 53-54)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

121

Goldemberg (2013) para a construção de um envelhecimento feliz e bem-

sucedido.

As minhas professoras da PUC Rio, em especial as que fazem parte da

minha banca, Isabel Lelis, Ana Waleska Mendonça e Vera Candau, também são

exemplos e retratam o envelhecimento bem-sucedido, são belas por seus trabalhos

e por suas vidas, mesmo as aposentadas, continuam ativas, criando, participando

de congressos, com novos projetos de pesquisa e de vida. As aposentadas,

certamente, mais relaxadas em termos de cobranças e prazos, mas não menos

compromissadas com a sua profissão, e todas comprometidas com a arte do bem

envelhecer e do bem viver.

Os professores desta pesquisa, mesmo os que estão na faixa considerada

terceira idade, ainda se percebem jovens.

Eu sei que eu estou (velha), eu tenho consciência disso, da minha idade, do meu momento de vida e até em relação à profissão e tudo mais, mas eu não considero que acabou, nada disso, porque eu fiz uma outra opção (profissional) e estou me dedicando a ela. É como se eu não estivesse na terceira idade. Eu não estou na terceira idade! É muito importante estabelecer metas. A todo momento, você deve sempre estabelecer metas, porque não acaba nunca, se acabar é sinal de que você está doente, está se entregando. Enquanto a minha saúde me permitir, eu vou ficar mexendo nas coisas. (Antônia)

A professora Lúcia, também foi categórica ao dizer:

Não, não, não. Porque, detalhe, eu sempre fui a mais velha. Demorei muito a entrar para a faculdade porque eu tinha que ajudar os meus pais. Então, eu me formei como professora primária, eu fiquei dez anos trabalhando muito (no município), dobrando, só depois que eu fui fazer a faculdade. Então, quando eu entrei na universidade eu já era mais velha, quando eu ia para o Projeto Rondon eu já era mais velha, tudo meu. Aqui na escola, sempre eu sou a mais velha. Então, isso para mim [...] Mas, a minha cabeça não é a mais velha. As pessoas com as quais eu me casei, meus ex-maridos, todos eram mais novos. Então, eu nunca associei aposentadoria com idade. Vou parar porque chegou o tempo, mas eu nunca pensei assim não e continuo sem pensar. (Lúcia)

Eu me sinto inteiraço, não tenho essa percepção de terceira idade. Eu amo conversar com os jovens. Às vezes, eu vou lá na hidroginástica que só tem coroas, tem momento que eu saio fora porque aquelas pessoas ficam falando só em doença. Eu gosto mais de coisas jovens. Eu me vejo, no momento, muito jovem, mas apesar de jovem, é um momento que eu já trabalhei muito, eu tenho que fazer outras coisas para preencher meu tempo, entendeu?

(Agostinho)

Eu me considero sempre jovem! (Francisco)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

122

Eu não me percebo na terceira idade, eu apenas como professor estou quebrando minhas algemas. (Augusto)

(Grifos meus)

Os docentes que estão na faixa etária de 54 anos a 58 anos, também, se

sentem bem jovens e com muita vitalidade.

O sentimento que bate para mim é tranquilo. Ah, não tenho a sensação que estou velho, estou inútil, não. Acho que cumpri com as minhas funções, cumpri de forma positiva esta etapa do magistério na rede pública, sem nenhum pesar. (Luiz)

Eu não me sinto assim. Em momento nenhum me veio a ideia de parar. Quando eu não tinha a perspectiva da direção da escola, eu tinha já na minha cabeça a ideia de estar trabalhando com a terceira idade. Jogar todo esse meu know-how no cuidado com a terceira idade, mas eu estar na terceira idade ainda não cheguei nesse pensamento. (Rafael)

Você tem que perceber a sua situação, adaptar-se aquilo e realizar tudo aquilo que você pode, da mesma forma que você fazia anteriormente. Então, se você tinha um vigor físico para fazer determinadas coisas, dentro da sua condição, naquele momento, você vai continuar a fazer as suas coisas, mas nunca essa associação que você se tornou uma pessoa que não deve ou não precisa mais fazer certas coisas porque você se aposentou, jamais, de maneira nenhuma. Você continua suas atividades dentro dos seus limites, essa é a ideia, e não associar essa fase da vida à inatividade – agora, eu me aposentei e fico em casa sentado, vendo televisão, olhando meus netos, nada disso! É continuar a sua vida ativa, dentro da sua condição física, evidentemente. (Renato)

Não fiz nenhuma alusão à terceira idade. Eu realmente estou envelhecendo, eu estou caindo (risos), é isso aí, não tem jeito, mas não pelo fato da aposentadoria. Justamente, por isso, eu vou continuar, porque para mim isso é só um travel, um descanso, sabe? Respirar um pouco mais. (Janaína)

(Grifos meus)

A beleza da velhice, do envelhecer, está exatamente na sua singularidade,

nas pequenas e grandes escolhas de cada indivíduo para concretizar os seus

sonhos. “A “bela velhice” não é um caminho apenas para celebridades. A “bela

velhice” é o resultado natural de um belo projeto de vida.” (GOLDEMBERG,

2013: 18)

Esta autora lança um novo olhar sobre o processo de envelhecimento, em

especial, traz uma luz nas suas análises sobre a velhice – os belos velhos,

abordando aspectos positivos do envelhecimento. Seu trabalho inaugura uma nova

percepção da velhice, na contramão da conspiração social que aborda a velhice

como um momento terminal, sem esperança, um tema que até bem pouco tempo

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

123

foi silenciado e ignorado socialmente. A positivação da percepção do

envelhecimento, sobretudo no Brasil, vem criando uma verdadeira indústria da

velhice bem sucedida. Nas últimas décadas, este público começou a ser alvo das

empresas de turismo, com pacotes promocionais para a terceira idade, das

universidades, como o Projeto Universidade da Terceira Idade, Clubes de Idosos,

a própria mídia gerou um mercado emergente e promissor. Inclusive, o Ministério

do Turismo criou o projeto “Viaja mais Melhor Idade”96

, com o objetivo de

promover a inclusão social do idoso, através do incentivo em atividades turísticas

mais econômicas para aposentados.

A velhice passou, assim, a ser representada como uma fase a ser aproveitada [...].

Surgiu um novo mercado de consumo voltado para as pessoas idosas, detentoras de certa posição social e que adquirem bens especialmente a elas destinados, na

tentativa de racionalizar os privilégios e benefícios advindos da aposentadoria.

(Stucchi, 2006: 43)

Simone de Beauvoir, nos anos 70, escreve o livro A Velhice na tentativa de

quebrar o silêncio em torno desse tema, por sua inquietação diante do

envelhecimento e da morte. Ecléa Bosi, em 1979, também apresenta as vivências

e as lembranças dos idosos paulistanos, que nasceram no início do século XX,

textos densos, mas transpassados por uma perspectiva negativa da velhice, de algo

rechaçado, esquecido, escondido do mundo social, com o intuído de refletir e

mobilizar discussões sobre o tema, dando visibilidade a esta categoria social.

O filme dirigido por Hal Ashby (1971), Harold and Maude, traduzido para

Ensina-me a viver, aparentemente apresenta uma perspectiva bem-sucedida da

velhice na figura de Maude, que aos 79 anos se relaciona com um rapaz bem mais

jovem (19 anos) e demonstra paixão e alegria de viver, mas essa imagem se

desconstrói ao final do filme com o suicídio da octogenária, como se a vida

tivesse prazo de validade e não devesse ser mais vivida após os oitenta anos.

Embora mais jovens que Maude, os professores pesquisados também

acreditam na vida, no amor e constroem novos sonhos, mas ao contrário dela,

buscam novos significados para sua existência, uma existência que não se encerra

com a chegada da aposentadoria, mas abre novos caminhos existenciais e novas

possibilidades do existir.

96 Disponível em: <http://www.viajamais.gov.br/vm/viajamais.mtur>. Acesso em 15 set. 2015.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

124

O professor Eduardo, em nossa entrevista, diz: Eu não tenho essa coisa de terceira idade não, eu pratico academia, faço exercícios físicos, eu me sinto muito bem. Tenho namorada. Eu fiquei viúvo. Vou continuar lendo, me atualizando, escrevendo. Se aparecer alguma oportunidade de trabalho...

E o professor Manoel afirma: Eu nem ligo para a terceira idade, ainda me sinto muito jovem, de espírito, de atitude.

(Grifos meus)

Para Barros (2011), as idades, os anos vividos, são etapas que definem

estilos e delimitam fronteiras, quer na juventude, quer na terceira idade, do modo

como definimos nossa existência, de sermos e estarmos no mundo.

Na concepção de Beauvoir (1990):

A sociedade destina ao velho seu lugar e seu papel levando em conta sua

idiossincrasia individual: sua importância, sua experiência, reciprocamente, o indivíduo é condicionado pela atitude prática e ideológica da sociedade em

relação a ele. Não basta apenas descrever de maneira analítica os diversos

aspectos da velhice: cada um deles reage sobre os outros aspectos e é afetado por eles; é no movimento indefinido desta circularidade que é preciso apreendê-la. (p.

16)

[...] Para compreender a realidade e a significação da velhice, é, portanto, indispensável, examinar o lugar que é destinado aos velhos, que representação se

faz deles em diferentes tempos e em diferentes lugares. (p. 48)

Sob este ponto de vista, o processo de envelhecimento é percebido em toda

a sua complexidade e não se restringe somente à condição física e mental, e à

idade cronológica propriamente dita, como definiram os sujeitos desse estudo.

Para Stano (2005:41-42):

O tempo, mais do que simples cronologia, é um veículo portador de sentidos que

imprime às experiências e à vida vivida um contorno que singulariza e conforma o sujeito. [...] É nesse movimento do que se foi, do que se viveu, que é possível

constituir o que se será.

O panorama da velhice apresentado por Lima (2008), a partir dos relatos

dos idosos por ele entrevistados em sua pesquisa em nada se comparam aos

docentes desta investigação. As narrativas dos seus sujeitos no livro Memória de

Velhos são carregadas de tristeza, perda de memória, apatia, depressão. Os

professores deste trabalho, por outro lado, são vivazes, alegres, comunicativos, de

bem com a vida, sonhadores, com planos de futuro no campo pessoal e

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

125

profissional. Por isso, embora a necessidade de apresentar uma literatura sobre

velhice, em virtude de tratar-se de pessoas em fase de pré-aposentadoria, a

maioria com idade superior a 60 anos, não posso encaixá-los em nenhum dos

perfis dos velhos pesquisados, por isso prefiro inseri-los na categoria das pessoas

que se encontram na Idade da Temperança, não consigo enquadrá-los na

categoria de velhice evidenciada nas pesquisas sobre velhice e envelhecimento.

Concebendo o envelhecer como um processo não só biológico, mas

perpassado por uma múltipla composição de elementos socioculturais, que

independem da idade cronológica, elementos denominados por Neri e Debert

(1995) de envelhecimento intrínseco, concebo que:

A Velhice bem sucedida é assim uma condição individual e grupal de bem-estar

físico e social, referenciadas aos ideais da sociedade, às condições e aos valores

existentes no ambiente em que o indivíduo envelhece, e às circunstâncias de sua história pessoal e de seu grupo etário. Finalmente, uma velhice bem-sucedida

preserva o potencial individual para o desenvolvimento, respeitados os limites da

plasticidade de cada um. (Ibid, 1995: 934)

A aposentadoria, nesta perspectiva, pode ser percebida como um benefício

que possibilita à pessoa nesta fase da vida ter direito ao lazer, a momentos de

prazer, à realização de sonhos, dissociando a imagem do aposentado atrelada à

velhice, e associando-a a um momento de desfrutar experiências satisfatórias e

prazerosas no âmbito pessoal e social.

Os professores da pesquisa se enquadram nesse novo conceito e almejam

experienciar uma vivência bem-sucedida da aposentadoria. Desse modo, projetam

na aposentadoria um momento de realizações de sonhos e novos projetos de vida.

Para Debert (2006: 63), “invertem-se os signos da aposentadoria que deixou de

ser um momento de descanso e recolhimento para tornar-se um período de

atividade, lazer, realização pessoal.”

Como afirma Stano (2005:196):

Envelhece-se dentro de um quadro de referências construído no exercício profissional e em outros espaços sociais.

A professora Maria falou:

Eu quero trabalhar em outra coisa. Eu fico em pânico só de pensar que eu não vou ter um trabalho. O que eu vou fazer o dia inteiro? Se essa escola fosse lá em São Paulo, eu não pediria a aposentadoria. O grande problema é estar em outra cidade. Eu nem pediria a aposentadoria, eu

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

126

esperaria os 70 anos e sairia pela compulsória. Eu não tenho ninguém aqui no Rio e tenho as minhas duas filhas que estão em São Paulo.

E o professor Eduardo afirmou:

O sentimento agora (com a aposentadoria) é de felicidade, porque eu quero viajar.

(Grifos meus)

5.2. Aposentadoria, trabalho e envelhecimento: as faces desse processo

Do ponto de vista do homem, que vive sempre no intervalo entre o passado e o futuro, o tempo não é um contínuo, um fluxo de ininterrupta sucessão; é partido ao meio, no ponto em que ‘ele’ está; e a posição ‘dele’ não é o presente, na sua acepção usual, mas, antes, uma lacuna no tempo, cuja existência é conservada graças à ‘sua’ luta constante, à sua tomada de posição contra o passado e o futuro.

(Arendt, 2009: 3797)

A aposentadoria como um rito de passagem exige do sujeito uma retomada

de posição diante da vida, geralmente é um momento atrelado à velhice, e surge

trazendo muitos questionamentos de ordem psicológica, econômica, social,

afetiva, física, dentre outras. Entretanto, não é possível discutir aposentadoria,

sem discutir a importância do trabalho para a construção do sujeito social.

Considerando o trabalho como algo digno, que atribui ao sujeito prestígio, honra,

respeito.

Para ilustrar, podemos nos reportar ao mito de Hefestos98

, na mitologia

grega, deus do trabalho, artífice habilidoso com o ferro, o bronze e os metais

preciosos. Só pelo trabalho Hefestos adquire prestígio ao fabricar as armas dos

deuses e dos heróis gregos, e as mais lindas e preciosas joias para as deusas e

belas mulheres do Olimpo. Hefesto, miticamente, personifica a honra e o

reconhecimento atribuídos ao trabalho, embora não tivesse os atributos da força e

97 ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. 6. ed.. São Paulo: Perspectiva, 2009. 98 Hefestos era filho de Zeus e de Hera, veio ao mundo sem união de amor. Hera gerou o filho

sozinha para desafiar Zeus, por este ter criado Atená, que nasceu de sua cabeça sem o

conhecimento de Hera. Hesfestos nasceu coxo, aleijado e deformado, uma imagem disforme para

os padrões do Olímpo. Mas, seu prestígio foi conquistado pelo trabalho, pela habilidade de artífice,

ele fez as armas para Aquiles lutar na Guerra de Tróia e modelou argila, a pedido de Zeus, para

criar a mulher ideal: Pandora. Ler mais em: BRANDÃO, Junito de S. Mitologia Grega. Vol. II .

Petrópolis, RJ: Vozes, 1987.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

127

da beleza tão valorizado pelos gregos, esse deus expressa a dignidade e o prestígio

que são atribuídos ao homem pela atividade laboral, a capacidade de criação, de

transformação, de produção de bens.

Na pesquisa realizada por Bosi (2015), o trabalho ocupou boa parte da

vida dos sujeitos entrevistados. Como ela enfatizou em sua investigação, o

trabalho estava fundido à própria substância da vida, com e através do trabalho

seus velhos tinham uma relação visceral com a existência.

Na perspectiva dessa autora (Ibid: 480):

Todo e qualquer trabalho, manual ou verbal, [...] acaba se incorporando na sensibilidade, no sistema nervoso do trabalhador; este ao recordá-lo na velhice,

investirá na sua arte uma carga de significação e de valor talvez mais forte do que

a atribuída no tempo da ação.

Segundo Morin et al. (2007), ao trabalho se inserem três dimensões

básicas da existência humana: a dimensão individual (satisfação pessoal,

independência e sobrevivência, crescimento e aprendizagem, identidade), a

dimensão organizacional (utilidade, relacionamento, inserção social), e a

dimensão social (contribuição social). Acrescento, ainda, a dimensão do prazer

(autocontentamento, gratificação, autorrealização). Essas dimensões permeiam

todos os trabalhos, em especial, a atividade docente.

A palavra trabalho traz em sua origem alguns elementos que o

caracterizam como sacrifício e perda da liberdade. Segundo alguns estudos, o

termo trabalho deriva do latim tripalium 99

(DUBAR, 2012), ou ainda, do termo

travaglio (em italiano, associado ao trabalho de parto), ou labor (inglês),

associando trabalho à atividade laboral. Na Roma antiga, o trabalho era destinado

exclusivamente aos escravos, assim como na Idade Média, ao trabalho estavam

associados às concepções de sofrimento e condição inferior na escala social. Após

o Renascimento o trabalho e o trabalhador passam a ser mais valorizados, e ter

dignidade na sociedade.

99“Tripálio (do latim tardio "tri" (três) e "palus" (pau) - literalmente, "três paus") é um

instrumento romano de tortura, uma espécie de tripé formado por três estacas cravadas no chão na

forma de uma pirâmide, no qual eram supliciados os escravos. Daí derivou-se o verbo do latim

vulgar tripaliare (ou trepaliare), que significava, inicialmente, torturar alguém no tripálio. É

comumente aceito, na comunidade linguística, que esses termos vieram a dar origem, no

português, às palavras "trabalho" e "trabalhar” [...].” Disponível em: http://pt.wikipedia.org.

Acesso em: 20 set. 2015.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

128

Elas dão um sentido à existência individual e organizam a vida de coletivos. Quer sejam chamadas de “ofícios”, “vocações” ou “profissões”, essas atividades não se

reduzem à troca econômica de um gasto de energia por um salário, mas possuem

uma dimensão simbólica em termos de realização de si e de reconhecimento

social. (Dubar, 2012: 354)

Como o tema central é a aposentadoria, vamos definir, inicialmente, o

significado do termo. Aposentar, segundo o dicionário Aurélio100

, significa “dar

aposento, pousada a: alojar, hospedar. Conceder reforma ou dispensa de

serviços. Pôr de parte, de lado.” O conceito se encaixa perfeitamente à concepção

tradicional da aposentadoria ou ao modus como a sociedade ocidental encara esta

etapa da vida “pôr de parte, de lado”, alijar do mundo do trabalho.

No Brasil, o direito à aposentadoria surge em 1890 com a concessão desse

benefício aos trabalhadores das estradas de ferro federais pelo Ministério da

Função Pública. Mas, efetivamente, só em 1923, com a promulgação da Lei Eloy

Chaves101

– Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923 –, se consolidou a base do

sistema previdenciário brasileiro, com a criação da Caixa de Aposentadorias e

Pensões (CAPs) para os empregados das empresas ferroviárias, que com o passar

dos anos foi estendida a outras categorias profissionais, outras empresas e seus

empregados passaram a ter os mesmos benefícios previdenciários.

De 1930 a 1964, as reivindicações dos segurados da previdência eram

feitas por lideranças sindicais junto aos Institutos de Aposentadoria e Pensões

(IAPs) tendo forte influência junto aos partidos políticos. A partir de 1966 houve a

unificação do sistema previdenciário pelos militares, desarticulando a força

sindical e as lutas dos trabalhadores, e, em 1974, a criação do Ministério da

Previdência e Assistência Social102

.

Desde então, a previdência passou por diversas fases até chegar ao modelo

atual do Ministério da Previdência Social e do Instituto Nacional de Seguridade

Social. Muitos benefícios foram instituídos com a Constituição Federal de 1988,

em especial, assegurando às mulheres a licença maternidade, o direito à pensão

por morte para os homens, garantia do 13º salário, repouso mensal e férias

100 FERREIRA, Aurélio B. de H.. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3. ed. Curitiba:

Positivo, 2004. (p. 167-168) 101 Maiores considerações em: BERWANGER, Jane L. W. & FOLMANN, Melissa (Orgs.).

Previdência Social: Nos 90 anos da Lei Eloy Chaves. Curitiba, PR: Juruá Editora, 2013. 102 Ler mais em: Cohn (1980), Santos (1987), Draibe (1989), Oliveira e Teixeira (1989), Simões

(2006).

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

129

remuneradas, aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, aposentadoria para

todos os trabalhadores. Garantindo, assim, como prevê o artigo 230: “proteção,

dignidade e bem-estar ao idoso.”.

O professor tem algumas vantagens na concessão da aposentaria: a

primeira distinção está relacionada à possibilidade de usufruir mais de um

benefício, mais de uma aposentadoria como professor; a segunda ao tempo de

contribuição, o professor tem reduzido em cinco anos o tempo para se aposentar,

no caso da mulher são 25 anos de contribuição e para o homem são 30 anos de

contribuição, independente da idade cronológica do professor. O que não ocorre

com outros profissionais, que tem em cinco anos aumentados o tempo de

contribuição para ter direito a tal benefício. Somado a isso, o novo cálculo, para

os demais trabalhadores, também, leva em conta a soma da idade cronológica e o

tempo de contribuição. As novas regras para concessão de aposentadoria no Brasil

foram estabelecidas pela Lei nº 13.183/2015103

. As disposições da legislação não

serão aprofundadas, pois não estão relacionadas diretamente à aposentadoria

docente.

Ao profissional do magistério, também, é concedido o direito de ter duas

matrículas no sistema público, em quaisquer esferas (estadual, municipal e

federal), desde que não ultrapasse a carga horária semanal de 60 horas de

atividade. Portanto, o professor da rede pública poderá desfrutar de duas

aposentadorias e, caso tenha lecionado na rede privada, com os efetivos anos de

contribuição, receberá, também, os proventos do INSS.

Embora um benefício concedido a todos os trabalhadores, a aposentadoria

passa a estar atrelada à velhice, independente da idade em que o cidadão se

aposente.

Na concepção de Peixoto (2006: 74):

Se é verdade que os velhos se tornaram pessoas respeitadas através do termo

idoso, este parece ser ainda mais valorizado com a criação da categoria aposentado, que introduz melhorias nas condições de vida das pessoas

envelhecidas. [...] O estabelecimento do direito à inatividade remunerada – a

aposentadoria – permite a uma geração uma situação de disponibilidade e de

ociosidade que se transforma em novos hábitos, em novos traços comportamentais e, portanto, em uma luta contra os estigmas de velho e velhote.

103 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13183.htm>.

Acesso em: 18 set. 2015.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

130

O direito à aposentadoria, na realidade, impõe respeito e dignidade após

anos de efetivo exercício profissional. Para esta autora, sobretudo para os

aposentados mais jovens, a aposentadoria, ou o prenuncio da mesma, significa ter

mais tempo liberado para realização de velhos sonhos, para construção de antigos

projetos de vida. Como afirma Goldemberg (2013), para uma efetiva “bela

velhice” é necessário que haja projetos a realizar. Assim, em atividade, na terceira

idade, os idosos convertem-na numa nova etapa da vida, transformando o tempo

livre, não tempo inócuo, em novas e belas conquistas com seu dinamismo e boa

disposição para tornar sonhos realidade.

Com relação aos projetos futuros, os professores têm aspirações distintas,

dentro e fora do magistério.

Para não ficar parada. Eu dizia: não vou conseguir ficar parada, isso para mim seria a morte! Eu quero manter isso (apontou para a cabeça) atuante, ativa. O corpo a gente sabe que vai ficar assim (velho), mas se isso aqui (a cabeça) estiver ativa... Isso que está me fazendo continuar. Eu só não continuo no estado porque aos 70 anos sairia pela compulsória. Essa foi a fórmula que encontrei para a minha vida na terceira idade. (Antônia)

Vou dar aula agora para pré-vestibular comunitário, de graça. Mas, eu não vou com compromisso, eu não vou receber nada por isso, eu vou me doar, vou ter uma atividade. (Junior)

Se tiver alguma coisa no magistério que me interesse tudo bem. Tenho como projeto fazer a Faculdade da Terceira Idade na UERJ, procurar outros cursos lá, eu sei que vou falar para caramba, o tempo todo. Fazer alguma coisa para preencher o tempo, não quero parar totalmente. Entrar para um coral, porque eu gosto muito de cantar, sempre cantei muito com as crianças do 1º ao 8º anos. (Lúcia)

Penso em voltar para o Piauí e trabalhar novamente em comércio, quero também viajar para ver o meu filho que mora no Canadá. (Francisco)

Vou continuar como consultor na área de qualidade. (Augusto)

Eu tive uma crise quando eu olhei o processo de aposentadoria, me deu uma tristeza profunda, fiquei uma semana. Aí, um dia sentindo essa tristeza profunda, eu conversei comigo mesmo e disse: Agostinho, se você ficar mais uma semana nessa tristeza, você vai ficar deprimido e depressão mata! E você sozinho, deprimido, não tem ninguém para você conversar. Na mesma hora me vesti e fui para a escola. Cheguei aqui na portaria e o porteiro virou para mim e perguntou: - Professor Agostinho, como é que o senhor está? Continuo naquela tristeza. – Se o senhor continuar nessa tristeza, o senhor vai ficar doente. Quando ele saiu de lá, foi direto para a sala dos diretores e contou para eles – estou muito preocupado com o professor Agostinho, ele está numa tristeza profunda. Aí, o diretor falou assim para a diretora adjunta: – Conversa com ele. Aí, a adjunta me chamou na sala dela e disse: – Eu sei que você está muito triste, mas você é uma pessoa que já me ajudou muito

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

131

aqui como professor e eu estou te oferecendo para ser Amigo da Escola, você vem duas vezes na semana como voluntário. Na mesma hora que eu saí da sala dela, saiu a tristeza de dentro de mim. Eu vejo assim, essas minhas atividades que eu vou fazer são o início de tudo, porque dali para a frente eu só vou fazer o que eu gosto. Eu tenho vontade de fazer um curso de desenho, um curso de astrologia, entendeu? Então, é um início de vida não é um fim. Início de uma nova fase. Então, são ciclos, só que nesse meu último ciclo eu me sinto jovem, eu quero fazer outras coisas. (Agostinho)

Estou indo para São Paulo para trabalhar na empresa da minha filha. Meus projetos futuros não têm nada a ver com educação. (Maria)

Continuar a lecionar no município, porque eu não penso em ficar, depois de tanto tempo trabalhando, ficar absolutamente aposentado. Reduzo a carga horária de trabalho, mas não parar de trabalhar, ficar inativo. Vou fazer outras coisas que não tinha tempo de fazer por causa do trabalho, por causa do tempo de trabalho, mas agora com essa folga, entre aspas, com essa folga da aposentadoria do estado, eu vou conciliar o trabalho com outras atividades, de preferência que tenha até aí mais prazer de fazê-las, realizá-las, do que propriamente um trabalho laborativo. (Renato)

Meu projeto é permanecer no município. Eu quero me dedicar mais às minhas turmas lá e eu tenho um carinho muito grande com a escola. [...] Eu não penso em parar, eu tenho interesse por várias coisas, então eu não penso em parar, entendeu? Mesmo que eu não vá exercer uma atividade remunerada, eu posso exercer outras atividades, eu posso ser Amiga da Escola, entendeu? Eu acho assim, aqui no Colégio Estadual me envolvi em muitas atividades culturais, ligadas à cultura, é o que eu gosto! Eu faço os murais da escola, eu organizo as festividades. Até porque eu assumi isso, porque não tinha quem assumisse. Até gosto dessa parte, dessa organização. Me dá prazer! (Helena)

Exatamente por isso, porque eu tinha esse projeto particular. Ao longo dos meus trinta anos de sala de aula, eu sempre tive vários convites da direção e sempre disse não, agora que eu cheguei aos trinta (30) anos, cumpri a minha missão de professor, vou experimentar o além. Agora, o que eu posso fazer com toda essa minha experiência para ajudar a escola? Aí, resolvi aceitar. Estou me aposentando da sala de aula, mas não da educação. E por conta de eu não me sentir, ainda, na terceira idade, eu tenho condições de produzir ainda numa escola particular, se houver necessidade. Não me interessa no momento. Meu foco é a direção da escola agora, nos próximos dez anos pretendo estar dentro da direção. Ao final desses dez anos aí são outras metas, outros objetivos. (Rafael)

Eu vou continuar trabalhando, após a aposentadoria, no privado (Sistema FIRJAN) – mas quando eu dava aula tanto no CE Fernando de Figueiredo, como no Instituto de Educação de Caxias, eu trabalhava com o Curso de Formação de Professores e lá eu criei várias oficinas temáticas, temas como: Escravidão e Racismo no Brasil Contemporâneo; Os Povos Nativos do Passado e do Presente; O Papel Pacificador de Duque de Caxias, para desmistificar essa figura. Então, tem essas três oficinas que ainda permanecem e que existem, e que, às vezes, eu faço alguns

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

132

trabalhos. Pretendo dar uma investida e uma ampliada nessas temáticas para continuar a desenvolver. (Luiz)

A princípio descansar um pouco, depois eu vou pensar em fazer curso de línguas. Eu gosto de aprender outros idiomas, gosto de pintura, gosto de arte. De trabalho mesmo, por enquanto, encerrou. A princípio, vou fazer coisas a nível pessoal, depois se aparecer alguma coisa, a gente vê. (Virgínia)

A princípio, meu projeto futuro é descansar, até porque eu vou estar trabalhando na outra matrícula. Agora, eu vou ser a professora que eu gostaria de ser e nunca consegui. Você sabe que eu estou sonhando com isso? Às vezes, eu me pego fazendo planos, vou querer ser outra professora, vou ser outra, até mesmo na questão da organização, do planejamento, da criatividade; porque tudo acaba indo num rolo compressor, não adianta dizer que não [...]. (Janaína)

(Grifos meus)

A aposentadoria é uma conquista do trabalhador pelos anos dedicados ao

trabalho, ao exercício do ofício, uma pausa necessária para gerir o processo de

envelhecimento com mais leveza, menos cobranças, com mais liberdade e a

possibilidade de realizar planos e construir novos projetos de vida.

Segundo Camarano (2004), a heterogeneidade dos aposentados no Brasil é

muito grande, em termos etários e socioeconômicos. Portanto, experimentam

inserções sociais e econômicas distintas, e têm demandas diferenciadas que

impactam as políticas públicas.

Esta fase da vida é vivenciada e tem sentidos distintos para cada

trabalhador, conforme determinações culturais, história de vida, trajetória

profissional, capitais econômicos, sociais, culturais e simbólicos (BOURDIEU).

Enfim, o habitus (op.Cit.) profissional também define o bem/mal-estar do

aposentado.

Para Beauvoir (1990), o trabalhador aposentado que não vê sentido em sua

vida, certamente teve o sentido de sua vida roubado durante toda a sua existência.

Para esta autora, o tempo do trabalho pode definir o modo como o tempo livre

será elaborado na aposentadoria, de acordo com a maneira como subjetivou o

próprio exercício profissional, além de ser uma atividade que agrega sentidos e

possibilidades.

O indivíduo não se torna profissional e nem constrói uma identidade

profissional apenas nos anos de produtividade, outros elementos compõem esse

ser profissional, e, certamente, a fase da pré-aposentadoria, assim como a

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

133

aposentadoria, é um período de ressignificação da identidade, a partir de um novo

olhar para a profissão.

Percebi que, os professores ao me relatarem suas trajetórias e o sentimento

que os dominava neste momento da vida, ressignificavam suas histórias a partir de

suas lembranças, imprimindo novo sentido aos seus ofícios, reelaborando as

experiências vividas. Com certeza, essa conformação está definindo o novo

caminho do ser-professor na aposentadoria.

Para Stano (2005:61-62):

É o registro do passado pela sua desconstrução, para que essa identidade não se cristaliza em fragmentos de lembranças ou lamentos, mas que se constitua em

movimentos e sons, formas e cores de experiências que podem recolocar o sentido

da aposentadoria como abrigo e como possibilidade para o ser-no-mundo como projeto que se faz no envelhecimento.

Ainda para esta autora:

O tempo da aposentadoria iguala todos pela situação de afastamento, porém

através do processo de envelhecimento, as lembranças mantêm e preservam um

certo núcleo identitário daquilo que singulariza o sujeito, ou seja, sua profissão exercida. (Ibid: 202)

Podemos afirmar que, o envelhecer, assim como o aposentar-se, a priori,

constitui-se de forma diferenciada por/para cada sujeito, sendo definido por

contextos culturais, históricos e sociais específicos e definidos por subjetividades

e pelas formas de ser e estar no mundo.

Para Félix Guattari (1993: 22):

Cada indivíduo, cada grupo social veicula seu próprio sistema de modelização da

subjetividade, quer dizer, uma certa cartografia feita de demarcações cognitivas,

mas também míticas, rituais, sintomatológicas a partir da qual ele se posiciona em

relação aos seus afetos, suas angústias e tenta gerir suas inibições e suas pulsões.

5.3. A Aposentadoria Docente e os Ciclos da Vida Profissional

“O tempo onde vive mesmo aquele que não tem moradia”, se torna para o viajante, que não deixou nenhuma atrás de si, um palácio.

(Benjamin, 1987: 222)

Antes de tudo, é necessário esclarecer que meu intuito ao adjetivar o termo

aposentadoria – Aposentadoria Docente –, é o de ratificar a distinção desse

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

134

benefício para os professores. Portanto, para essa categoria existem privilégios

temporais pelo exercício do magistério. E o objetivo de colocar o termo no plural

é mostrar que no caso destes sujeitos, o trabalho docente lhes assegurou duas ou

mais aposentadorias, nas redes públicas e/ou privadas.

A partir das narrativas dos dezesseis professores entrevistados foi possível

identificar que, nove professores já estão aposentados em outras matrículas da

rede de ensino pública ou privada, ou do sistema público ou privado em outras

profissões (Cf. Tabela 5).

Tabela 5: Professores aposentados de acordo com as Redes/Sistemas (público/a e

privado/a)

PROFESSOR(A)

APOSENTADORIA

Rede

Estadual

Rede

Municipal

Rede Privada

(Educação)

Sistema

Privado ou

Público

(Outras

Profissões) Agostinho _____________ _____________ _____________ 2010

(Funcionário

Público Federal)

Antônia 1992

(1ª Matrícula)

_____________ 2002 _____________

Augusto _____________ _____________ _____________ 2000

(INSS)

Eduardo _____________ 2000

2005 _____________

Francisco _____________ _____________ _____________ 2007

(INSS)

Junior _____________ _____________ _____________ 1998

(INSS)

Lúcia 2015

(1ª Matrícula)

1994 _____________ _____________

Maria 1998

(São Paulo)

_____________ _____________ _____________

Virgìnia _____________ 2013

_____________ _____________

Fonte: Entrevistas com os professores. Ano: 2015.

Embora aposentados, esses professores permaneceram trabalhando, o

professor Junior após se aposentar pelo INSS como engenheiro elétrico ingressa,

neste mesmo ano, no magistério como professor contratado da rede estadual de

ensino em 1998, se tornou professor concursado somente em 2000 e só irá se

aposentar em virtude da idade, mas continuará lecionando em pré-vestibular

comunitário, por sua paixão pela sala de aula e pela excelente relação que,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

135

segundo ele, estabelece com os alunos. O magistério entrou na vida desse

professor quando ele tinha 52 anos de idade e é, atualmente, a sua profissão por

definição e por identificação.

O professor Agostinho, também, elegeu o magistério como sua profissão,

ofício que sempre desejou exercer, mas que só iniciou após trabalhar alguns anos

como assistente social no INSS, emprego que conciliou com o magistério até a

aposentadoria em 2010.

Os professores Francisco e Augusto, também, vivenciaram outras

experiências profissionais até ingressarem no magistério. Para Francisco essa é a

sua profissão, enquanto Augusto ainda se identifica com engenheiro químico, o

exercício docente não se constituiu como sua única identidade profissional.

As expectativas dos professores com a chegada da aposentadoria do

magistério estadual são distintas. Alguns deles, ainda permanecerão na profissão,

para outros, entretanto, esse é o momento de finalização de um ciclo profissional.

Os docentes que permanecerão no magistério, após a aposentadoria da

rede estadual de ensino, são: Carmen, Janaina, Junior, Helena, Luiz, Manoel, e

Renato.

As professoras Carmen e Helena, e os professores Manoel e Renato ainda

continuarão exercendo a profissão na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro,

lecionando para alunos do 6º ao 9º anos do ensino fundamental. A professora

Helena, em especial, gosta muito de trabalhar com alunos dessa faixa etária.

Na rede estadual de ensino, na segunda matrícula, ainda permanecem a

professora Janaína e o professor Luiz, este último pretende lecionar por mais três

anos, aproximadamente, depois seguirá lecionando na rede privada. A professora

Janaína ficará na rede estadual até a aposentadoria compulsória.

E, para finalizar este grupo, o professor Junior ainda permanecerá na

profissão lecionando em cursos de pré-vestibular comunitário.

Esses são os sentimentos e as percepções dos professores sobre essa fase

da vida profissional, que não se encerra, mas reinicia um novo ciclo da carreira

desses docentes.

Eu acho que, vinte e quatros anos é muita coisa, por isso que eu estou cansada, quero ir embora do estado. [...] Mas vou continuar ainda por alguns anos no município, porque no município eu entrei em 1995. (Carmen)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

136

Pedi a aposentadoria por tempo de serviço, são trinta e dois anos de contribuição e 55 anos de idade. [...] Mas, eu estou feliz porque eu vou continuar, eu não vou parar de vez, embora o cansaço, eu ainda estou com saúde e vitalidade. Não é final de carreira, eu ainda não parei para pensar nisso, não sei se é porque eu vou continuar na outra matrícula, na mesma profissão. Então, para mim é só um alívio, redução de sobrecarga. (Janaína)

Na verdade, eu estou muito mais preparado agora, não é? Eu estou me aposentando por idade, estou saindo pela Compulsória, que a gente chama de Expulsória. Então, eu poderia agora continuar através da PEC da Bengala104, mas agora eu estou na hora de aproveitar um pouco mais a vida. [...] Mas, eu não quero a Bengala (PEC), porque eu vou fazer setenta (70) anos, são mais cinco anos, dos setenta (70) aos oitenta (80) eu vou ter saúde, eu tenho que aproveitar agora, depois não. Mas, eu vou continuar ensinando matemática em pré-vestibular comunitário, eu gosto muito da sala de aula. (Junior)

Quero me aposentar pelo cansaço, são muitas horas, suga muito, porque eu quero fazer direitinho numa escola e na outra. [...] Eu estou me aposentando porque eu sempre fiz o meu trabalho muito corretamente no estado, com seis turmas e o número de trabalhos que eu dou, o número de avaliações que eu dou – eu não consigo fazer de outra maneira –, sempre foi uma sobrecarga. [...] No município, eu vou continuar, eu não quero parar ao mesmo tempo. Eu vou me aposentar aqui e vou continuar lá, né? E aí eu vou ver como é que eu vou desenvolver outras atividades para poder ir largando. Porque eu a acho que um dia tem que largar. (Helena)

Eu vou continuar trabalhando, após a aposentadoria, no privado. (Luiz)

Já estou há 40 anos e tantos anos trabalhando, é muito tempo, não é!? Mas vou me aposentar só numa matrícula, a outra eu vou deixar, ainda não é o momento final. O que mexe mais comigo é deixar eles (os alunos), porque eu estou começando o 1º bimestre (em 2016), então o meu sentimento é mais por eles. Eu quero parar porque a minha esposa já me pediu para parar em uma matrícula. Ainda vou continuar na outra matrícula. (Manoel)

Não percebo como final de carreira. [...] Eu não vou parar de uma vez, eu vou parar uma parte, o estado, e continuar em outra, município, e isso vai ao seu tempo, vai ser passo a passo, não gostaria que fosse um rompimento. [...] Desejo continuar e não parar definitivamente, reduzindo as atividades passo a passo, mas nunca deixando de continuar a fazer, me preparando para. A aposentadoria não é um momento de não fazer nada, na aposentadoria você tem que trabalhar sua cabeça, tem que fazer suas atividades físicas normalmente, você não vai se tornar um aposentado que vai ficar sentado, você vai se tornar uma pessoa que vai fazer suas atividades todas, inclusive suas atividades intelectuais também. Porque, a tendência, pelo desgaste que o corpo sofre, em qualquer pessoa, você

104 O Senado Federal aprovou o PEC da Bengala, cujo Projeto de Lei nº 274/2015, altera de 70

para 75 anos de idade o período para solicitação de aposentadoria compulsória dos servidores

públicos da União, estados e municípios. Disponível em:

http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/121072. Acesso em: 05 out. 2015.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

137

tende a ficar esquecido, você tem que manter-se ativo por inteiro, isso também mentalmente, para você ter um bom aproveitamento desse tempo de aposentadoria, para estender, ainda, com a melhor qualidade de vida, melhor qualidade possível. [...] Talvez, vai chegar um dia em que eu não vou mais trabalhar, você vai parar de trabalhar porque você cumpriu o que você tinha que fazer, você trabalhou e você tem o direito à sua aposentadoria, é também parte da sua vida, é um benefício em virtude daquilo que você fez a sua vida inteira. Então, você pega o seu tempo agora para fazer atividades prazerosas – O que você gosta de fazer? O que você tem condições de fazer? Eu vou passear um pouco. Então, se prepara esse mês, você vai até ali, até lá. Vai passear, vai conhecer, fazer alguma coisa que você não pôde fazer porque você tinha que trabalhar muito. Agora você vai aproveitar a vida de outra forma, especialmente, como eu disse anteriormente aqui, tenha cuidado de manter a vida ativa. (Renato)

(Grifos meus)

Outros professores pretendem, por algum tempo, se aposentar para investir

no plano pessoal, com viagens e convivência familiar, como os professores

Eduardo, Maria e Virgínia. Entretanto, para oito professores, esse período se

constitui, efetivamente, como um final de carreira no magistério, se afastarão da

sala de aula – Agostinho, Antônia, Augusto, Eduardo, Francisco, Lúcia, Maria,

Rafael e Virgínia. Estes professores, definitivamente, encerrarão o exercício da

docência, mas todos foram unânimes em destacar que permanecerão em atividade.

Agostinho, após a aposentadoria, permanecerá no colégio estadual onde,

ainda, leciona atuando como Amigo da Escola.

Antônia, Augusto e Maria, também, continuarão em atividade. Antônia

vai investir no direito, Augusto continuará trabalhando como engenheiro químico

e Maria trabalhará na empresa da filha em São Paulo. Portanto, estão encerrando

este ciclo profissional, mas o trabalho estará presente em suas vidas.

Enfim, o professor Rafael permanecerá no quadro do magistério, mas

atuando como Diretor Adjunto no colégio em que leciona, na segunda matrícula,

até a aposentadoria compulsória da rede estadual de ensino.

Seguem, abaixo, as percepções sobre o momento da aposentadoria para

esses oito professores.

Porque, na verdade, eu já tenho muito tempo de serviço. Eu acho uma coisa, Angela, tudo na vida tem um tempo, um início, um meio e um fim, e por mais que a minha vida seja o magistério, eu acho que chegou a hora. [...] Pedir a aposentadoria foi o pior momento da minha vida. Quando eu peguei o protocolo, eu me senti inútil, aí eu fiquei muito deprimido. Mas, eu pedi porque eu acho que chegou o momento, porque hoje eu estou inteiraço, mas daqui a cinco anos

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

138

eu não sei como eu vou estar. Às vezes, você acha que você pode ter muita liberdade de tempo, mas você não tem o principal que é a saúde. Eu tenho medo de adoecer e não ter mais tempo de aproveitar a vida. (Agostinho)

Olha, se eu não tivesse chegando aos 70 anos, eu acho que ainda dava aula por mais tempo, mas vou continuar trabalhando com o direito. (Antônia)

Me sinto totalmente realizado, completamente realizado, mas quero mais. Vou continuar trabalhando como Consultor na área de qualidade, para mim é final de carreira como professor. Quero viver com os meus netos, ensinando a eles aqueles detalhezinhos que só um avô é capaz. [...] Estou eufórico, estou me sentindo um escravo que vai ganhar a Carta de Alforria. Cada dia que passa eu faço um X no calendário, um dia que já se foi. Mas, não me arrependo de ter entrado no magistério, no compto geral eu saí ganhando, eu saí ganhando e ganhando muito, não é dinheiro, porque eu não fui atrás de dinheiro. Se eu tivesse que voltar para o magistério novamente seria para dar aula em universidade. [...] Essa aposentadoria vai se somar a outra como engenheiro (INSS), da rede privada. (Augusto)

Estou me aposentando porque estou cansado, é fim de carreira. O sentimento agora com a aposentadoria é de felicidade, porque eu quero viajar. (Eduardo)

Para mim é final de carreira no magistério, mas já estou com um sentimento de saudade. Vou sair pela compulsória. Tenho como projeto escrever um livro com macetes da língua portuguesa. Sou um autodidata, esses macetes, que eu criei, facilitaram o meu aprendizado e utilizo, também, para facilitar o aprendizado do aluno. (Francisco)

É, o meado de 2016 deverá ser o final (final de carreira), a não ser que surja alguma coisa. Mas, eu não estou naquela expectativa. Eu penso assim, ir lá para UERJ para eu estudar. (Lúcia)

Não quero mais saber do magistério, é fim de carreira mesmo! [...] Mas, eu quero trabalhar em outra coisa. (Maria)

Aí é uma sensação de missão cumprida, com muito aprendizado. Tiveram dores sim, mas com a sensação de missão cumprida. (Rafael)

Eu pedi a aposentadoria no município porque já tinha tempo e idade, por tempo de serviço. [...] Eu fico até preocupada, todo mundo fala que eu vou sentir falta (aposentadoria do estado), mas tem um momento que você está muito cansada, eu estou muito cansada, eu fiz uma cirurgia, tirei um tumor no início do ano. Eu nunca fiquei doente, eu nunca tive nenhum problema, aí quando eu descobri o tumor, que era até benigno, graças a Deus, tirei uma glândula suprarrenal e fiquei três meses afastada, aí eu vi que eu preciso também descansar, eu tenho outros projetos de vida. (Virgínia)

(Grifos meus)

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

139

Enfim, o magistério foi para esses professores fonte de realização

profissional, mas seguir adiante realizando outros projetos pessoais se instala

como um desejo de futuro. Entretanto, sem exceção, estão felizes com essa nova

fase da vida.

A professora Carmen, que ainda permanecerá lecionado no município do

Rio de Janeiro até 2020, disse que:

Eu estou muito ansiosa por isso (aposentadoria), eu estou precisando. Até porque, eu não vou parar de vez, eu vou continuar no município. [...] Eu estou bem contente, porque eu acho que estou saindo numa época que eu posso aproveitar ainda, eu preciso aproveitar. Eu estou bem tranquila, eu estou bem segura disso. Vou trabalhar mais uns cinco ou seis anos no município e também vou querer sair mesmo. A gente tem que curtir a gente mesmo, tem que ter um tempo para a gente. Aquele cara que diz que não aposenta porque não sabe o que vai fazer é maluco, tem um monte de coisas que você pode fazer, que você com certeza não fez enquanto estava trabalhando porque não podia. Quando eu parar geral, quero morar seis meses no Brasil e seis meses na Europa.

(Grifo meu)

Esse relato expressa a efusividade da professora com a proximidade da

aposentaria em uma matrícula, além de viajar pela Europa, ela como filha de pai e

mãe espanhóis, veio morar no Brasil com 10 anos, também quer estar mais

próxima da mãe que já está bastante idosa e precisando de sua atenção.

Enquanto que, o professor Manoel que começou a trabalhar com 15 anos

como Office Boy quando o pai faleceu, e só ingressou no magistério com 34 anos,

após terminar o curso superior em matemática, tem como meta permanecer na

rede municipal de ensino. Eis seu relato:

Eu não quero sair de vez da profissão, eu quero ficar. Eu tenho esse sentimento de que eu ainda tenho muita coisa para ensinar para eles. É gratificante, porque eu tenho uma relação com eles muito boa, é muito boa a relação. Enquanto der eu vou lecionando, vou dando aula, nem que seja particular.

(Grifo meu)

O magistério está tão entrelaçado à vida desse professor, é algo tão

gratificante, que ele não pensa em encerrar esse ofício. Mesmo após sua

aposentadoria compulsória no estado, daqui a 10 anos, ainda pensa em lecionar

aulas particulares. Segundo ele, no prédio onde mora dá aulas de matemática,

reforço escolar, e ganha um dinheiro extra.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

140

Para António Nóvoa, as identidades individual e profissional estão em

constante diálogo, “é que ser professor obriga a opções constantes que cruzam a

nossa maneira de ser com a nossa maneira de ensinar, e que desvendam na nossa

maneira de ensinar a nossa maneira de ser.” (2007: 10)

A professora Antônia expressa o mesmo sentimento de paixão pelo

magistério:

Olha, se eu não tivesse chegando aos 70 anos, eu acho que ainda dava aula por mais uns cinco anos.

A realização com a profissão também transparece na fala desses

professores:

Agora eu estou legal, eu estou bem porque eu fiz tudo que eu queria fazer na minha vida. Tive carreiras diferentes, tive empresa privada, aposentadoria, de lá fiz a Licenciatura, então no magistério atuei plenamente esses anos todos, não é? (Junior)

Então, eu sempre pensei assim, vou me aposentar no estado e vou me dedicar mais ao município. Eu cumpri minha trajetória aqui, fiz o máximo que eu pude. Então, agora eu estou saindo. (Helena)

Vou falar para você, a alegria de fazer o trabalho continua a mesma. Tenho desejo, tenho vontade de me desenvolver, de estudar, de aprender, de melhorar a condição, de você se desenvolver. O desejo não mudou, continua o mesmo, a alegria continua a mesma. Você tem a consciência de que é uma sequência de trabalho, assim como eu vim depois de outros, outros virão depois de mim. (Renato)

Às vezes a gente tem algumas lembranças, não é? E reflexões. Eu vejo como reflexões positivas, porque você encontra muita gente, ex-alunos, que falam contigo e te agradecem – fui ao Instituto de Educação buscar o documento da aposentadoria, encontrei lá várias ex-alunas que vieram, tiveram o prazer de vir falar comigo, saíram de sala de aula para vir falar comigo. (Luiz)

(Grifos meus)

É o compromisso com a educação que move esses professores, que

abraçaram a profissão na década de 70 – Antônia, Eduardo, Lúcia e Maria –;

nos anos 80 – Agostinho, Helena, Luiz, Rafael, Renato e Virgínia –, na década

de 90 – Carmen, Francisco, Janaina, Junior e Manoel –, ou, ainda, em 2005 –

Augusto –, e permaneceram até 2015, segundo eles, com o mesmo empenho e

dedicação. Desafios todos citaram, mas estão mais relacionados às políticas

educativas do que ao chão da sala de aula. O que alimenta a paixão por ensinar é a

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

141

interlocução com o aluno, é o ensinar e ver o aluno aprender. Nessa dinâmica

aprofundaram seus saberes e com a prática aperfeiçoaram seu ofício. A maioria

tem como única fonte de renda o magistério.

Segundo os dados levantados por Wajnman, Oliveira e Oliveira (2004), os

idosos, ao contrário do que se poderia esperar e imaginar, continuam a participar

da renda familiar mesmo após a aposentadoria. Destes, 67% dos homens idosos e

55% das mulheres idosas contribuem com a renda familiar no meio urbano. É,

portanto, alta a participação do idoso na economia doméstica, seja coabitando

com os filhos, seja morando sozinho ou com o cônjuge. Outro dado relevante

apontado por estas autoras é de que, “são os trabalhadores de maior nível de

escolaridade os que encontram a maior probabilidade de se manter ocupados nas

idades avançadas”. (op. Cit.: 478)

Com relação à informação acima, certamente, a formação lhes possibilita

novas oportunidades de emprego e renda, abrindo portas para permanecerem no

mercado de trabalho, na sua profissão ou em novos caminhos profissionais, como

a professora Antônia, que fez um novo curso superior e permanecerá ativa.

O magistério é uma profissão que exige aperfeiçoamento constante e

adaptação a novas situações (CAMILO CUNHA, 2015). Devemos considerar que,

esse processo permanente de formação agrega uma série de elementos que

colaboram para a definição da identidade profissional.

Concebendo a velhice como categoria social (BOSI, 2015), e situando os

sujeitos da pesquisa como professores residentes em bairros da zona sul, zona

oeste (Barra da Tijuca e Jacarepaguá), e próximos à Tijuca, com nível superior e,

alguns, com pós-graduação, servidores públicos concursados, todos com, no

mínimo, duas remunerações salariais mensais, alguns com uma renda salarial

superior a dez salários mínimos, podemos considerá-los pertencentes a um grupo

social com características econômicas e culturais que os distingue na categoria

docente.

Esse grupo de docentes da rede estadual de ensino está satisfeito com o

trabalho que realiza, possuí autonomia para gerir suas aulas e suas avaliações, e se

sente realizado com a profissão que escolheu, profissão esta que lhe possibilita

condições de viver de forma plena a Idade da Temperança, com projetos a

realizar e uma renda salarial que pode prover seus sonhos e necessidades básicas.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

142

Certamente, a satisfação profissional, entre outras disposições, está

relacionada ao fato de serem professores licenciados, portanto especialistas

(GATTI, 2010). Se repetisse a pesquisa com os professores pedagogos, que

trabalham nos anos iniciais do ensino fundamental, o resultado, certamente, seria

diferente e ilustraria outra realidade. Como definem Pedro e Peixoto (2006), a

satisfação profissional do professor está estreitamente relacionada à autoestima.

Enfim, a autoimagem positiva interfere no sentimento de bem-estar com a

profissão.

Como a pesquisa teve como recorte, investigar professores de uma

determinada metropolitana, urbana, que abarca bairros de classe média e alta, os

dados obtidos, decerto, foram influenciados pelo contexto sócio-econômico onde

se situam os protagonistas deste trabalho.

5.3.1. Ciclo da Vida Profissional: os professores e a(S) fases em que se encontram

O desenvolvimento de uma carreira é, assim, um percurso e não uma série de acontecimentos. Para alguns, este momento pode parecer linear, mas, para outros, há patamares, regressões, becos sem saída, momentos de arranque, descontinuidades. [...] Trata-se, com efeito, de estudar o percurso de uma pessoa numa organização (ou numa série de organizações) e bem assim de compreender como as características dessa pessoa exercem influência sobre a organização e são, ao mesmo tempo, influenciadas por ela.

(Huberman, 1982: 38)

Ao longo da carreira, o professor experimenta várias fases, períodos que

não são lineares, tampouco podem ser restritos a um recorte temporal. Huberman

(1982) define essas fases como o Ciclo de Vida Profissional dos Professores, que

se inicia com o ingresso na profissão e termina com o final da carreira docente.

Com a intenção de definir, um pouco melhor, cada uma dessas fases, este autor

identificou ao longo do texto a possível faixa etária em que se encontram os

professores ao longo de suas trajetórias, partindo da premissa, acredito eu, que

ingressaram na carreira ainda jovens, logo após a formação. Entretanto, em

considerando os professores desta investigação, que ingressaram no magistério em

diversos momentos da vida pessoal, alguns logo após a formação acadêmica,

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

143

outros, entretanto, anos mais tarde, depois de vivenciarem outras experiências

profissionais, o recorte etário utilizado por Huberman não se adéqua à faixa etária

real de alguns destes docentes. Podemos evidenciar que estes ciclos profissionais

são perpassados por períodos de continuidades e descontinuidades que atravessam

a trajetória docente.

Inicialmente, serão apresentadas as sete fases que atravessam a trajetória

dos professores durante seu Ciclo de Vida Profissional (HUBERMAN, 1982), e,

em seguida, o tempo de magistério e a fase em que se encontram cada um dos

sujeitos que participaram dessa investigação.

A primeira fase, a Entrada na Carreira (1 a 3 anos), se constitui em um

momento de sobrevivência e descoberta, onde o professor iniciante está

conhecendo e desbravando esse novo território, é um momento, como caracteriza

este autor de choque com a realidade. Esta fase, também, se caracteriza pelo

entusiasmo do iniciante por estar ingressando no magistério. Na rede estadual de

ensino, este é o período do estágio probatório105

.

Na fase seguinte, da Estabilização (dura de 8 a 10 anos, no mínimo),

existe o comprometimento com a profissão, no caso do servidor público estadual é

o momento de assinar o Ato de Investidura na função pública (a nomeação

oficial). É um período de construção de uma identidade profissional e do

sentimento de competência pedagógica. Neste período, o professor já possui

maior domínio no plano pedagógico e pode experimentar novos recursos, novas

metodologias, enfim ousar mais. O sentimento de pertencimento a um grupo

profissional está associado, também, a um momento de maior confiança e

segurança em relação à atividade docente, o que desencadeia um sentimento de

bem-estar e prazer com a profissão.

A terceira fase, de Diversificação (o autor não fez um recorte temporal),

o professor se sente mais motivado, busca novas ideias, novos estímulos,

experimentando mais e diversificando as atividades pedagógicas. Essa

experimentação de coisas novas se estabelece em novas atividades em sala de

aula, utilização de materiais didáticos diversificados, novos modos de avaliação e

105 Conforme prevê o Artigo 1, do Decreto nº 43.249 de 24 de outubro de 2011, “o estágio

probatório é o período de 03 (três) anos de efetivo exercício do servidor público estadual nomeado

para cargo de provimento efetivo em órgão da Administração Pública Direta, Autárquica e

Fundacional do Poder Executivo Estadual.”

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

144

de agrupamento dos alunos, formas criativas de apresentar o conteúdo curricular.

Enfim, é uma etapa onde os professores estão bastante motivados e bem

dinâmicos, tem o sentimento de prestígio em relação ao trabalho e, alguns, podem

ambicionar cargos administrativos.

Na fase do Pôr-se em Questão (15 a 25 anos de magistério; entre 35 e 50

anos de idade), o docente passa a questionar o ofício, há um desalento pela rotina

do trabalho, é um momento de crise com a profissão. Os professores se adéquam

ao sistema e cumprem com a sua obrigação, sem o entusiasmo e a criatividade da

fase da Diversificação. Segundo Huberman (1982), esse sentimento de desânimo

pode estar associado ao fracasso das experiências anteriores ou desencanto com as

reformas estruturais da educação. É o momento de fazer um balanço da vida, de

questionar a possibilidade de seguir em um novo campo profissional, visto que, é

o “meio da carreira” (Ibid: 43). Este autor, também, destaca que esses

questionamentos são mais comuns nos homens mais jovens, na faixa etária de 35

a 55 anos, e estão relacionados, sobretudo, à progressão na carreira. Para as

mulheres, a instalação desta fase é mais tardia, ocorre, geralmente, a partir dos 39

anos de idade e duram menos tempo, estando mais relacionadas às condições de

trabalho e às tarefas cotidianas da sala de aula.

Na quinta fase marcada pela Serenidade e Distanciamento Afetivo (na

faixa etária de 45 a 55 anos), os docentes são menos ansiosos e preocupados,

estão menos vulneráveis e bem mais confortáveis com as situações da sala de

aula, a prática não se constitui mais em um desafio. Há menos investimento na

profissão, mas em contrapartida há mais serenidade, sensação do dever cumprido

e leveza para conduzir o processo educativo, o professor tem todas “as respostas

na manga” (ibid: 44). Nesta fase, também pode haver um distanciamento afetivo

do aluno, em virtude do aluno se identificar com os professores mais jovens e

rejeitar esse grupo que pertence a uma geração diferente.

No período caracterizado como de Conservantismo e Lamentações (faixa

etária de 50 a 60 anos), é o período em que os professores estão menos

motivados, mais dogmáticos e saudosistas do passado. Os docentes reclamam

mais da profissão, são “rezingões” (ibid: 45); dos alunos, que estão menos

interessados, mais indisciplinados; das políticas educacionais; dos colegas mais

jovens. Para Huberman (1982), esse sentimento de insatisfação está relacionado à

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

145

rigidez e ao dogmatismo comuns em pessoas de idade mais avançada, pois essa

fase acelera-se a partir dos 50 anos. Há uma nostalgia em relação ao passado e

uma rejeição às inovações. Mas, há que se considerar, conforme enfatiza o autor, a

história pessoal de cada professor e o meio em que se movem.

E, a fase final, do Desinvestimento (Final de Carreira), os docentes estão

menos focados na vida profissional, o foco é direcionado para a vida pessoal, à

consagrar mais tempo a si próprios, aos interesses particulares, à vida social.

Geralmente, esta fase está relacionada ao momento final da carreira, não existe

mais investimento, nem pessoal e nem institucional no magistério, é um momento

de desprendimento, um descompromisso com a profissão docente (ibid: 46) .

Alguns questionamentos foram levantados com a intenção de compreender

a fase da vida profissional em que se encontram os docentes desta investigação.

Existe um período de maior ou menor eficiência no magistério? Os professores

são mais competentes por estarem em final de um ciclo da vida profissional?

Para responder essas perguntas, vou caracterizar no quadro abaixo o tempo

de magistério de cada professor, a faixa etária e o momento que se encontram na

carreira, especificamente, do ciclo no qual se encontram, com a intenção de

relacionar as fases evidenciadas por Huberman (1982) com a(S) etapa(S) em que

os professores se encontram.

Tabela 6: Fase do Ciclo de Vida Profissional dos Sujeitos da Pesquisa

FASE DA VIDA PROFISSIONAL DOCENTE

Professor(A) Tempo de

Magistério

Tempo na

Rede

Estadual

Idade Fase(S) de

Huberman

Lúcia

49 anos

31 anos

69

Diversificação

Desinvestimento

Maria 42 anos 16 anos 69 Conservantismo e

Lamentações

Desinvestimento

Antônia 41 anos 41 anos 67 Diversificação

Desinvestimento

Eduardo 39 anos 39 anos 69 Serenidade e Distanciamento

(Aproximação) Afetivo/a

Desinvestimento

Rafael 33 anos 33 anos 56

Diversificação

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

146

Virgínia 33 anos 28 anos 56 Serenidade e Distanciamento

(Aproximação) Afetivo/a

Desinvestimento

Renato 32 anos 32 anos 57 Serenidade e Distanciamento

(Aproximação) Afetivo/a

Luiz 30 anos 30 anos 57 Diversificação

Serenidade e Distanciamento

(Aproximação) Afetivo/a

Agostinho 30 anos 30 anos 64 Serenidade e Distanciamento

(Aproximação) Afetivo/a

Desinvestimento

Helena 28 anos 24 anos 57 Diversificação

Carmen 25 anos 25 anos 50 Serenidade e Distanciamento

(Aproximação) Afetivo/a

Desinvestimento

Janaina 21 anos 21 anos 54 Serenidade e Distanciamento

(Aproximação) Afetivo/a

Francisco 21 anos 21 anos 69 Serenidade e Distanciamento

(Aproximação) Afetivo/a

Desinvestimento

Manoel 19 anos 13 anos 60 Diversificação

Junior 17 anos 17 anos 69 Diversificação

Augusto 10 anos 10 anos 69 Serenidade e Distanciamento

Afetivo

Desinvestimento

É necessário esclarecer que, foi considerado o tempo efetivo de magistério

em regência de turma, e, também, o período de ingresso na rede estadual de

ensino. Entretanto, não foi considerado relevante o fato de, alguns professores, já

estarem aposentados nas redes estadual ou municipal, de sua primeira matrícula.

Visto que, a aposentadoria não interfere no tempo real de magistério, tampouco na

fase do ciclo profissional em que se encontram os docentes.

A identificação dos professores em cada fase da vida profissional só foi

possível a partir dos elementos por eles trazidos durante as entrevistas, ao falarem

sobre suas práticas e sobre os sentimentos em relação à profissão. A investigação

não teve a intenção de observar as atividades pedagógicas em sala de aula, pois o

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

147

objetivo deste trabalho é perceber como se sentem frente à aposentadoria e os

motivos de permanência no magistério. Há, ainda, que se considerar que, não é

possível falar sobre carreira docente sem elencar os ciclos pelos quais passam os

professores durante suas trajetórias no magistério.

Para fins desta análise, não vou considerar as duas primeiras fases

apresentadas por Huberman (op. Cit.) – Entrada na Carreira e Estabilização, em

virtude de que, nenhum dos docentes foi identificado vivenciando características

dessa etapa da vida profissional.

Quem mais poderia se aproximar deste período temporal, em virtude de ter

ingressado no magistério há 10 anos é Augusto, mas, de acordo com a sua

narrativa, ele se encontra em duas fases distintas e complementares, Serenidade e

Distanciamento Afetivo, e Desinvestimento, certamente estes sentimentos

comuns ao final da carreira estejam evidentes na sua trajetória, em virtude da

idade cronológica, de ter exercido durante muitos anos outra profissão, na qual já

está aposentado.

A fase da Diversificação foi verificada em alguns professores.

Inicialmente, destacarei as professoras Lúcia e Antônia, que embora tenham 69 e

67 anos de idade e mais de 40 anos de carreira, ainda conseguem apresentar em

suas narrativas práticas criativas e dinâmicas inovadoras, embora também estejam

no momento de desinvestimento, injetando mais energia nos projetos pessoais, e,

portanto, investindo menos na profissão docente. Rafael, também, está

constantemente inovando e abusando da criatividade, embora tenha 33 anos de

magistério. Assim como, o professor Manoel, com seus 60 anos de idade e 19

anos de exercício profissional. Nesta mesma fase, ainda, se encontram o professor

Luiz e a professora Helena, que diferentemente destes últimos, apresentam

também elementos da fase Serenidade, estando, portanto, próximos à faixa etária

descrita por Huberman, mas sem o distanciamento afetivo, mencionaram o bom

relacionamento com os alunos, a preocupação e boa interação como os mesmos,

que denominarei aqui Aproximação Afetiva.

Os professores Francisco, Renato e Agostinho, e as professoras Janaina e

Carmen estão na fase Serenidade, mas mantendo a Aproximação Afetiva,

portanto, seguros e confortáveis com a profissão.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA

148

Na fase do ciclo profissional denominada Conservantismo e Lamentações

encontra-se, somente, a professora Maria, que além das queixas em relação aos

alunos, também reclamou do sistema de ensino do Rio de Janeiro e das políticas

educacionais, além do saudosismo do período em que trabalhou na rede pública

paulistana. Se considerarmos, a faixa etária em que essa etapa se anuncia podemos

afirmar que, o momento da vida profissional dessa professora está em

conformidade com a análise de Huberman (1982).

E, na etapa final da carreira, Desinvestimento, como a própria descrição da

fase presume, situam-se os professores com mais de 30 anos de magistério,

Antônia, Lúcia, Maria, Eduardo, Virgínia e Agostinho, todos, efetivamente,

identificaram o final do ciclo profissional na carreira docente. À exceção, com

menos anos de magistério e a mais jovem de todo o grupo, fazendo parte desta

fase, também, está Carmen, que está cansada e querendo viver mais a vida sem se

preocupar com o trabalho.

Respondendo a questão que iniciou esse debate, podemos afirmar que, os

docentes vivenciam ao longo de suas trajetórias várias fases, que podem se

apresentar de forma isolada ou mesclada com outras, em virtude da faixa etária e

do tempo de carreira docente. E que, essas experiências subjetivas em todo o ciclo

da vida profissional dos professores são determinantes na constituição do ethos

profissional. Portanto, o estudo biográfico da docência (Ibid: 34) evidencia a

construção de uma professoralidade (Stano, 2005), que compõe o perfil

identitário de cada professor.

As fases do Ciclo da Vida Profissional dos Professores, não só evidenciam

os diferentes momentos que atravessam a trajetória docente ao longo da carreira,

mas, também, podem/devem constituir-se em momentos de aprendizado, de

aprimorar conhecimentos, de busca de formação continuada, enfim, de

desenvolvimento profissional.

DBD
PUC-Rio - Certificação Digital Nº 1211281/CA