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CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA 5.º Congresso do Neolítico Peninsular VICTOR S. GONÇALVES MARIANA DINIZ ANA CATARINA SOUSA eds. estudos & memórias 8

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CENTRO DE ARQUEOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

5.º Congressodo NeolíticoPeninsular

VICTOR S. GONÇALVES MARIANA DINIZ ANA CATARINA SOUSAeds.

estudos & memórias 8

Victor S. Gonçalves • M

ariana Diniz • Ana Catarina Sousa, eds.

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5.º Congresso do Neolítico Peninsular Actas

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Casa das Histórias Paula Rego 7-9 Abril 2011

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5.º Congresso do Neolítico Peninsular Actas

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa Casa das Histórias Paula Rego 7-9 Abril 2011

VICTOR S. GONÇALVES MARIANA DINIZ ANA CATARINA SOUSA, eds.

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estudos & memóriasSérie de publicações da UNIARQ (Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa)Direcção e orientação gráfica: Victor S. Gonçalves

8.GONÇALVES, V.S.; DINIZ, M.; SOUSA, A. C., eds. (2015), 684 p. 5.º Congresso do Neolítico Peninsular. Actas. Lisboa: UNIARQ.

Capa, concepção e fotos de Victor S. Gonçalves. Pormenor de uma placa de xisto gravada da Anta Grande da Comenda da Igreja (Montemor o Novo). MNA 2006.24.1. Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa.

Paginação e Artes finais: TVM designers

Impressão: Europress, Lisboa, 2015, 400 exemplares

ISBN: 978-989-99146-1-2Depósito Legal: 400 321/15

Copyright ©, os autores.Toda e qualquer reprodução de texto e imagem é interdita, sem a expressa autorização do(s) autor(es), nos termos da lei vigente, nomeadamente o DL 63/85, de 14 de Março, com as alterações subsequentes. Em powerpoints de carácter científico (e não comercial) a reprodução de imagens ou texto é permitida, com a condição de a origem e autoria do texto ou imagem ser expressamente indicada no diapositivo onde é feita a reprodução.

Lisboa, 2015.

Volumes anteriores de esta série:

1.LEISNER, G. e LEISNER, V. (1985) – Antas do Concelho de Reguengos de Monsaraz. estudos e memórias, 1. Lisboa: Uniarch.

2.GONÇALVES, V. S. (1989) – Megalitismo e Metalurgia no Alto Algarve Oriental. Uma aproximação integrada. 2 Volumes. estudos e memórias, 2. Lisboa: CAH/Uniarch/INIC.

3. VIEGAS, C. (2011) – A ocupação romana do Algarve. Estudo do povoamento e economia do Algarve central e oriental no período romano. estudos e memórias 3. Lisboa: UNIARQ.

4.QUARESMA, J. C. (2012) – Economia antiga a partir de um centro de consumo lusitano. Terra sigillata e cerâmica africana de cozinha em Chãos Salgados (Mirobriga?). estudos e memórias 4. Lisboa: UNIARQ.

5.ARRUDA, A. M. ed. (2013) – Fenícios e púnicos, por terra e mar, I. Actas do VI Congresso Internacional de Estudos Fenícios e Púnicos, estudos e memórias 5. Lisboa: UNIARQ.

6.ARRUDA, A. M. ed. (2014) – Fenícios e púnicos, por terra e mar, 2. Actas do VI Congresso Internacional de Estudos Fenícios e Púnicos, estudos e memórias 6. Lisboa: UNIARQ

7.SOUSA, E. (2014) – A ocupação pré-romana da foz do estuário do Tejo. estudos e memórias 7. Lisboa: UNIARQ.

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O neolítico, sem o ser ainda…

Perde ‑se na voragem dos tempos o interesse suscitado por vestígios de eras passadas, reportáveis a diários esfu‑mados e revividos em sinais remanescentes, truncados e iludidos. Curiosidade alicerçada na atracção pelo desco‑nhecido, feito de efabulações encantatórias e regrantes, acautelando procederes geracionais. Mas, ao mesmo tempo que repele, o insondável atrai com um magne‑tismo inesperado e insuspeito ao sobreviver por entre solos esventrados e pedras talhadas, rompendo barreiras e perturbando certezas. Convivendo de perto com mate‑rialidades de outras eras, na maioria das vezes sem as compreender, mas entrevendo ‑lhes feições, programas, objectivos e comportamentos, a humanidade questiona‑‑se desde sempre sobre a origem de tudo quanto a envolve, a alimenta, a fustiga, a protege. Sentimentos contraditórios e permanentes que a individualizam dos demais seres, nutrindo a sua insatisfação, os seus receios e anseios, num questionamento contínuo temprado por dizeres super estruturais, apreendidos por espíritos pre‑cisados de aplacação interior, longe de dubiedades que os desnorteiem num quotidiano não apaziguado.

Mas o labor de antepassados conhecidos, por conhe‑cer, a recuperar, a olvidar ou a repudiar, permanecia a cada passo dado, a cada sulco feito, a cada ferida rasgada no solo. Como ignorar permanências, mais ou menos veladas? Como tornear tangibilidades insufladas por incorporalidades intemporais, ecoáveis ou indizíveis consoante as mensagens nelas contidas e (in)decifradas? Como recuperar a imaterialidade da substância mate‑rial? Como reaver o pensamento e a acção modeladores das tridimensionalidades sobreviventes? Como devolver à existência, inexistências parcialmente perpetuadas em diferentes suportes? As respostas poderiam ser múlti‑plas, buscando ‑as em crenças ancestrais e em dizeres transmitidos por oralidades acrescentadas a cada voz assumida. Mais do que isso, acomodavam ‑se a necessi‑dades pontuais, alicerçando posições e substanciando atitudes. Nomeadamente de renúncia. De rejeição a inconformados, transgressores, livres ‑pensadores, a todos quantos marginalizavam imposições, indepen‑dentemente da sua fonte e natureza.

Alguns resquícios ancestrais eram quase invisíveis, por se encontrarem em grutas, abrigos, no mais fundo do subsolo ou dissimulados por areias implacáveis e flores‑

O neolítico na historiografia portuguesa: (alguns) textos e contextos

■ ANA CRISTINA MARTINS1

R E S U M O �traindo o imaginário popular, estetas e cientistas procuravam explicar a ori-�traindo o imaginário popular, estetas e cientistas procuravam explicar a ori-gem e o significado dos monumentos megalíticos, enquanto materialidades mais visíveis das comunidades neolíticas, ao mesmo tempo que se assistia a uma aliança circunstancial entre arqueologia e agendas políticas, tendentes a privilegiar o seu escrutínio. Uma propensão à qual não foram alheios os pioneiros portugueses nesta matéria, razão deste nosso breve texto.

Palavras ‑chave: Neolítico; Megalitismo; Portugal.

A B S T R A C T Fascinating people, aesthetics and scientists tried to understand the ori-gins and the meaning of megaliths, since they were the most visible artifacts left by Neo-lithic communities. In the meantime, archaeology was once and a while associated to polit-ical agendas in order to reinforce territorial demands. Portugal did not ignore such ways of thinking and doing, and that is the reason of this paper.

Keywords: Neolithic; Megaliths; Portugal.

A cultura portuguesa tem carácter essencialmente expansivo….Este carácter expansivo tem raízes bem fundas no tempo,

se quisermos lembrar a cultura dolménicaDias, 1955, p. 10 ‑11 (Nossos itálicos)

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tas densas. Outros, porém, impunham ‑se ao olhar do via‑jante, à surpresa do incauto, ao receio do temente, ao encanto do pensador. Tal era o caso das construções megalíticas, difíceis de ocultar de olhares incrédulos e perscrutadores que sobre elas repousavam centúrias a fio. Perpassando a seu lado; escrutinando esteios de dimensões diversas; interrogando ‑se sobre seus fazedo‑res; questionando sua funcionalidade; as suas estruturas permaneceram incólumes ao longo de milénios, sobres‑saindo quase sempre na paisagem envolvente, como memórias de feitos insondáveis. Temidas por uns, repe‑lidas por outros, idolatradas por terceiros, as edificações megalíticas centralizavam atenções, ao mesmo tempo que constituíam fonte de especulação e de material para novas construções.

Destituídas da sua utilidade primeva, do sentido que as animara, extraiam ‑se parcelas da sua configuração para garantir necessidades circunstanciais de popula‑ções agrárias faltas de materiais perenes em actividades diárias. Para elas, não importava o seu historial. Para elas, era indiferente a sua razão. Para elas, era inconse‑quente reviver os seus mentores e fruidores. Para elas, apenas o presente importava; apenas as suas próprias vidas interessavam. Para quê pensar num tempo ido, quando urgia acorrer a premências quotidianas? Mas este passado, mais ou menos monumental, não atemo‑rizava essas comunidades que, com ele conviviam, ou melhor, que dele retiravam peças fundamentais ao garante de novas imobilidades. Era um pretérito tão olvi‑dado, que nada dele restaria além de elementos pétreos apetecíveis à contemporaneidade. Nada invalidava, con‑tudo, que fossem associados a actividades menos racio‑nais, menos compreendidas, menos controladas, em razão do desconhecimento que aduziam, de interpreta‑ção improvável e, por conseguinte, temido. Mas não para quem demandava mais saber. Para esses, as construções megalíticas exercitavam a imaginação, motivavam a reflexão, suscitavam a investigação, multiplicando expli‑cações acerca do tempo em que foram erguidos, dos autores, dos utilizadores, das intenções por detrás de cada pedra levantada. Especulações emergidas da ausência de escritos próprios ou de quem com eles se tivesse cruzado. Considerações que, se nalguns casos, se esforçavam por racionalizar o observado, conduzindo a acepções menos abonatórias aos desideratos subjacen‑tes, reforçando imaginações e lançando suspeitas sobre quem as venerava, recolhendo ‑se no seu perímetro e mantendo a sua integridade. Mormente no que respei‑tava aos sepulcros, entrevendo ‑lhes esconderijos de tesouros encantados, mas também de feiticeiras e de agi‑res funestos, porquanto impenetráveis, ao mesmo tempo que abrigavam prosaicamente pastores, reiterando embora antigas suspeitas de executores gigantes, de um tempo sem tempo, de um tempo desmemoriado. Mas, também, de um tempo de proximidade telúrica, há muito perdida para as ambições humanas, nelas subsis‑tindo o ideário maior de comunhão com a Natureza.

Sentimentos antagónicos e obscuros que predisseram o futuro de estruturas tão ancestrais, enigmáticas e disse‑melhantes quanto as megalíticas.

Destruídos, alguns, pela fúria iconoclasta de uma Cris‑tandade pouco convivente com o ignoto, a ponto de cris‑tianizar dólmenes; reaproveitados, outros, sobretudo esteios e menires, para completar vazios estruturais de uma vida presente; encoberta boa parte pela folhagem cerrada de mantos florestais, mantida a maioria por mãos convictas da sua relevância, a divisar, por futuros mais ou menos próximos, os exemplares megalíticos, atravessaram os séculos até que o racionalismo setecen‑tista os reanalisou.

Fruto de uma nova visão sobre o mundo, de uma pro‑funda e crescente confiança no futuro mercê do inte‑lecto, traduzida na proliferação de invenções e teoriza‑ções sustentadoras do evoluir vertiginoso da ciência e da técnica, o Iluminismo revia axiomas e relançava olhares sobre fenómenos há muito registados e observados. Sem afastar a criação divina dos fenómenos aferidos, os homens do primeiro Positivismo despojaram‑nos de preconceitos para os analisar em plenitude. Entreviam‑‑lhes, por conseguinte, funcionalidades astronómicas, além das sepulcrais, elencando ‑as ao druidismo, então ascendido por agendas nacionalistas, como a britânica, havendo também quem defensasse o seu uso militar, assim como uma (ainda obscura) utilidade devida à acção fenícia, lançada desde o longínquo mediterrâneo oriental (Hill, 1996, p. 31 e 34). Numa centúria em que o diletantismo conquistava a força de jovens aristocratas empenhados em escrutinar seus domínios ancestrais para deles extrair características únicas ou elementos comuns a seus pares, as estruturas megalíticas encontra‑vam novos públicos. Sobretudo junto da burguesia finan‑ceira, ávida de inscrever seus descendentes nos círculos mais restritos da sociabilidade de então.

Estudando, especializando ‑se e movendo ‑se nos meandros até então (quase) únicos de elites dirigentes; deambulando por corredores, salas, laboratórios, biblio‑tecas, anfiteatros, jardins botânicos e academias diver‑sas, estes pensadores do presente e inovadores do futuro sorviam saberes, trocavam ideias, abriam caminhos, renovavam intentos, partilhavam dúvidas e esperanças, avançavam com projectos. Perfizeram, também por isso, os Grand e Petit Tours, munindo ‑se do inseparável mate‑rial de desenho, para com ele registarem graficamente apontamentos dos recantos atravessados e das gentes encontradas. Porque a memória já não bastava; porque o conhecimento se compartia; porque a experiência importava; porque a literatura e a ciência tomavam letra‑dos e afortunados; porque o passado firmava pretensões presentes; as longas jornadas em terras alheias meta‑morfoseavam ‑se em autênticos guias de viagem perso‑nalizados. Era num misto de registo etnográfico , concre‑tizado a partir do olhar cêntrico de quem observava, muitas das vezes enfermando de uma compreensível (para a época) visão de superioridade do espectador

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sobre o mirado, raiando um certo paternalismo, não obs‑tante a enfatização filosófica da diversidade cultural, como condição de sobrevivência da espécie humana.

Não surpreende, pois, que as construções megalíticas permanecessem no centro das atenções destes precur‑sores do inventário patrimonial. Mormente, ao remete‑rem‑nas para um passado pré ‑romano, a recuperar com urgência perante o ressurgir de voragens hegemónicas. Longe da unidade protagonizada pela Roma imperial, os elementos megalíticos simbolizavam a diversidade e a emancipação de regiões reclamantes de vivência pró‑pria, fora de quaisquer malhas subjugadoras e alheias. Servindo propósitos ideológicos, a imagética megalítica confortava espíritos mais atentos às realidades políticas circundantes, nelas descortinando arrojadas provoca‑ções arremessadas a autonomias reivindicadas. Tratava‑‑se, na verdade, de um hábito legado pela centúria ante‑cedente, complexificando ‑se agora a sua interpretação ao avaliá ‑los como parcelas de práticas funerárias, incluindo sacrificiais.

Conquanto autores, como o antiquário inglês John Aubrey (1626 ‑1697), tivessem desbravado a abordagem mais científica desta temática (Hill, 1996, p. 34), a difusão da «megalitomania» competiu ao antiquário inglês William Stukeley (1687 ‑1765), ao escavar estratigrafica‑mente alguns exemplares (Hill, 1996, p. 42), divulgando‑‑os junto de um público mais abrangente e transformando‑‑os em ícones da nacionalidade inglesa. Em especial quanto ao druidismo, recuperado com força maior, assu‑mindo ‑se como esteio identitário das suas gentes, como raiz do seu actuar, como arquétipo a fixar reiteradamente em múltiplos suportes, preenchendo desenhos, aguare‑las, gravuras e pinturas, de maior ou menor circulação, de maior ou menor visibilidade. Formalizou ‑se, assim, a tra‑dição barda apartada de uma Europa uniformizada pelo legado romano, num momento em que os acontecimen‑tos sociais e políticos escorados em fervores religiosos justificavam a procura das «antiguidades nacionais», revi‑gorada pelo bloqueio continental. Não obstante, sobrevi‑nha o cepticismo quanto à capacidade bretã de projectar e erguer composições tão complexas e monumentais, não impedindo que a estética romântica os elegessem como tema central das suas obras, enquanto identidade de um território, donde, de uma cultura, num fenómeno alar‑gado a outros recessos europeus, a exemplo da Suécia, onde Gustav II (1594 ‑1632) o aproveitou para substanciar sua proposta imperial. Acentuava ‑se, assim, o ascendente das tradições culturais, particularmente importantes em oitocentos, com o advento napoleónico, para realçar par‑ticularidades ancestrais.

Protagonistas de estudos megalíticos em Portugal

Apesar de algo distanciado destes palcos centrais, Por‑tugal não passou intacto ao interesse conferido a arquitec‑

turas megalíticas. Embora não fosse entendido na sua ver‑dadeira essência (nem o podiam ser ainda), a temática era acalentada há muito, sobretudo após a criação da Real Academia da História (1720), por iniciativa de D. João V (1689 ‑1750). Competindo, então, ao P.e Afonso da Madre de Deus Guerreiro listar 315 antas (1734), depois do pen‑sador e pedagogo Martinho de Mendonça de Pina e Pro‑ença (1693 ‑1743) interpretar (1733) os exemplares conhe‑cidos como altares sacrificiais anteriores à Idade do Ferro, muito antes de esta sua posição ser contrariada pelo geó‑logo e lente universitário Francisco António Pereira da Costa (1809 ‑1889) (Costa, 1868, p. 46).

A investigação arqueológica evoluiu , genericamente, neste entrementes, por intervenção de personalidades como o militar inglês, A. H. Pitt ‑Rivers (1827 ‑1900), enquanto o do megalitismo se inscrevia em definitivo no quotidiano mais avisado, alicerçado na visibilidade obtida posteriormente com a Exposição Universal de Paris, de 1900.

A pesquisa megalítica no país conquistou vários adep‑tos nesta esteira, nomeadamente V. do M. Gabriel Pereira (1847 ‑1911), para quem urgia colocá ‑la na nossa mais distinta agenda cultural. Mesmo que a especifici‑dade da política interna não justificasse um apoio super‑‑estru‑tural ao estudo megalítico, a intelectualidade nacional não desmerecia um assunto centralizador da arqueologia europeia. Conjuntamente a esforços envi‑dados por membros destacados da Real Associação dos Arquitectos Civis e Arqueólogos Portugueses (RAACAP) (1863), no sentido de recolher o maior número possível de dados sobre se cada testemunho, apelando ao seu estudo e salvaguarda, F. A. Pereira da Costa encetara, (meados de 60), uma digressão, escavando alguns exem‑plares (Costa, 1868, p. VIII), enquanto apelava às autori‑dades tutelares que velassem pela sua preservação. Preocupação dimanada das escassas e precárias condi‑ções em que decorriam estudos congéneres, por ausên‑cia de política nacional de salvaguarda patrimonial, obrigando a procurar apoio junto de entidades privadas constituídas por indivíduos literariamente mais prepa‑rados e com suficiente ascendente temporal e espiritual sobre populações locais e regionais, com vista à monta‑gem de uma rede intercomunicante, para recolha de informação específica.

Dados que importavam para difundir o conhecimento sobre testemunhos megalíticos no território actualmente português. Foi o caso do próprio F. A Pereira da Costa ao pretender noticiá ‑los à 2.ª sessão do CIAAP (Costa, 1868, p. VII), ocorrida em Paris, por ocasião da Exposição Uni‑versal de 1867, que tanta relevância teve para a afirma‑ção dos estudos pré ‑históricos, de um modo geral, atra‑vés de uma série de iniciativas, às quais não terá sido alheia a mostra intitulada Galerie du travaille. Havia, por conseguinte, que apresentar um trabalho que represen‑tasse, com relativa probidade, a realidade do terreno numa matéria central no escrutínio do passado mais remoto do continente europeu. Mas estava quase tudo

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por concretizar entre nós neste domínio, registando ‑se, ainda assim, tudo quanto determinasse a (pretendida) especificidade arquitectónica dos testemunhos megalí‑ticos identificados em solo nacional (Costa, 1868, p. 45), aferindo a sua anterioridade cronológica relativamente a demais encontrados na restante Europa (Costa, 1868, p. 56), numa base migracionista (Costa, 1868, p. 57).

Transcorridos alguns anos, o director da Biblioteca de Évora e arqueólogo conimbricense, Augusto Filipe Simões (1835 ‑1884) mencionava algo (Simões, 1878, p. 97 ‑98) a comprovar pelo segundo director do futuro Museu Etnológico Português (MEP) (1893), Manuel Domingos Heleno Júnior (1894 ‑1970), ao analisar inú‑meros artefactos encontrados (mormente placas de xisto ou insígnias de schisto) nas centenas de dólmenes iden‑tificadas na extensão alentejana. Em especial na região de Montemor ‑o ‑Novo. Referimo ‑nos à expansão, de Sul para Norte, do fenómeno megalítico em território nacio‑nal, em anteposição clara à teoria de António Augusto Esteves Mendes Correia (1888 ‑1960), partilhada por outros nomes insignes da nossa cultura, para quem a cul‑tura dolménica «teve como centro de difusão o litoral português nortenho» (Dias, 1955, p. 10 ‑11).

Outros estudiosos portugueses se dedicaram a esta problemática. Entre eles, Francisco Martins Sarmento (1833 ‑1899), consentâneo às linhas mestras da investiga‑ção liderada pelas principais academias europeias. No relatório expedicionário à Serra da Estrela, sob a égide da Sociedade de Geografia de Lisboa (Sarmento, 1883), imprimiu um programa de investigação de povo‑ados fortificados de altura associados a monumentos megalíticos que entendia funerários dos seus habitantes. Posição entendível, se relembramos quão distante se encontrava a sua interpretação telúrica, para se conver‑terem em elementos cruciais de contendas territoriais, ao acarretarem presumíveis endogenias essenciais a ide‑ários do crepúsculo oitocentista, datando ‑os para lá de qualquer narração sabida. Por isso, também se tornaram imprescindíveis ao próprio ascendente liberal timbrado numa nova comunhão europeia, incrementando inves‑tigações arqueológicas de pendor nacionalista, em par‑ticular das certificadoras da prioridade megalítica relati‑vamente a qualquer penetração occídua, para a qual a tradição bíblica remetia o referver dos principais mitos da alvorada ocidental.

Interessante, todavia, que, no mesmo ano (1880) da campanha à Serra da Estrela, surgissem referências a mamôas localizadas na Beira como sepulcros celtas, explanando ‑se as placas de xisto, expostas no Museu Arqueológico do Carmo (Lisboa) enquanto commendas que usavam os celtas. Situação algo anacrónica, quando as cryptes mégalithiques eram já reconhecidas como sépultures néolithiques.

A extemporaneidade desta interpretação não impediu que, à semelhança do exemplo francês, o Governo procu‑rasse dotar o país de um organismo votado, na totalidade, à inventariação, estudo, preservação e divulgação de cons‑

truções ilustrativas do passado das comunidades viventes no seu actual território continental. Foi o que sucedeu após a 9.ª sessão do Congresso Internacional de Antropo‑logia e Arqueologia Pré ‑história (CIAAP) (Lisboa, 1880), esse episódio crucial da idade maior da arqueologia por‑tuguesa do momento, persuadida de que os políticos nacionais secundariam os demais europeus e a acolhe‑riam nos círculos académicos para sua afirmação defini‑tiva Mas, se havia que esperar pelos ventos republicanos para a efectivar, o Governo não foi totalmente insensível à força do encontro composto por homens de nomeada dos estudos contemplados nas suas inúmeras reuniões, com impacte nos jornais diários de maior tiragem nacional. Sobretudo no que respeitava a questões mais relacionadas com o resgate e manutenção de testemunhos avoengos, até pela importância crescente que assumiam no seio de uma das mais recentes e portentosas indústrias oitocen‑tistas, a turística. O Governo requereu, então, à RAACAP uma lista de estruturas merecedoras de classificação monumental, meses antes de formar a Comissão dos Monumentos Nacionais (CMN) (1881). Decisão assumida pela força republicana e pelo protótipo de estudo de Émile Cartailhac (1845 ‑1921) sobre a Península Ibérica, subsi‑diado pelo Estado francês, num paradigma da ligação entre ciência e interesses circunstanciais. A RAACAP entregou o relatório solicitado num curto espaço de tempo. Organizado em categorias, o documento conside‑rou um agrupamento dedicado, em exclusivo, a artefactos arqueológicos, com ampla expressão dos megalíticos, destacando ‑se, pelo número, os dólmenes e os menires. Nada menos inesperado. Tratava ‑se de temática ainda dominante na comunidade científica europeia, além de os seus testemunhos serem razoavelmente visíveis na paisa‑gem em que se inseriam.

Mas este primeiro ensaio demonstrava algo mais. Neste caso, relativo à vida da RAACAP.

O cumprimento célere da tarefa atribuída pelo Governo foi possível graças a informações recolhidas por sócios efectivos e correspondentes, devidamente orde‑nadas e avaliadas pelos seus principais mentores. Ainda assim, o relatório retratava fragilidades mais notórias da sua existência e uma certa realidade do país. A sua leitura evidencia quão refém a RAACAP se encontrava da geo‑grafia de origem e residencial dos associados, assim como da (ainda) deficiente rede de meios e vias de comu‑nicação, dificultando deslocações e, por inerência, a extensão e a profundidade de arrolamento.

Em todo o caso, a investigação megalítica não podia deixar de importar ao mentor e primeiro director do MEP, o médico, filólogo, etnógrafo, arqueólogo e profes‑sor universitário José Leite de Vasconcelos (1858 ‑1941), responsável pela identificação de vários exemplares, durante viagens realizadas no país. Escavando alguns deles, quase sempre em colaboração, e publicando os resultados n’O Archeologo Portuguez, J. Leite de Vascon‑celos divulgou indicutivelmente a sua relevância para a (re)descoberta do passado remoto de cada recesso,

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engrandecendo em simultâneo o acervo do MEP com artefactos distintivos, entre os quais placas de xisto, que tanto apreço suscitavam entre os cultores do megali‑tismo. Reiterando matrizes académicas europeias, J. Leite de Vasconcelos inscrevia a sua investigação e o programa do próprio MEP nas traves mestras da investi‑gação arqueológica transfronteiriça, concorrendo, assim, para a sua aproximação às exigências maiores de uma comunidade que importava conquistar para validar pro‑cedimentos internos.

Principia ‑se, pois, a pulverizar acções de investigação, difusão e protecção destes testemunhos de antanho junto de um público mais vasto e ecléctico, imprimindo‑‑se notícias, artigos, gravuras e fotografias em periódicos de maior circulação, não obstante o analfabetismo endé‑mico no país.

Neste panorama mais dilatado, as actividades de alguém destacado da arqueologia no Estado Novo, como M. Heleno, patenteavam como alguns projectos de inves‑tigação se envolviam em denso manto ideológico. Para o sucessor de J. Leite de Vasconcelos, o temário megalítico era nuclear no esclarecimento da etnogénese nacional, enquanto o MEP deveria converter ‑se numa escola de etnologia e de nacionalismo português (Heleno, 1965, p. 5). Com efeito, era neste potencial que mergulhava o seu interesse pelo estudo megalítico. Objectando, como Mendes Correia, a interpretação do megalitismo funerá‑rio como expressão da primeira migração ariana no actual território português, o próprio F. Martins Sar‑mento (vide supra) ponderara encontrar ‑se aí, no Neolí‑tico, a génese da sua (mas também da espanhola) voca‑ção marítima reavivada na gesta quinhentista, Tema sustido com minúcia pelo Estado Novo, especialmente após o ‘Acto Colonial’ (1930). Mais do que isso, M. Heleno negava um Portugal cimentado apenas na medievali‑dade, como propagava a historiografia de tradição her‑culaniana. Em seu lugar, defensava um país de estirpe mais profunda, sintonizando ‑se com quem buscava ele‑mentos determinantes da particularidade e da perpetui‑dade do povo português na cultura material de hoje e de ontem (Heleno, 1930, p. 9).

Tratava ‑se de um assunto debatido e apresentado em publicações nacionais, importando a quem, não culti‑vando a arqueologia, entendia consubstanciar seus posi‑cionamentos. Disso foi exemplo o antropólogo António Jorge Dias (1907 ‑1973). Para esta personalidade mar‑cante da nossa ciência novecentista, os estudos megalí‑ticos corroboravam a (provável) singularidade e vocação expansionista (atlântica) portuguesa, fortalecida em recentes escritos espanhóis acerca da anterioridade megalítica em solo português sobre os exemplares loca‑lizados em Espanha e até, Grã ‑Bretanha (Dias, 1955, p. 10 ‑11) e Escandinávia.

Também, neste aspecto, M. Heleno abraçou o pensa‑mento de J. Leite de Vasconcelos, enquanto o casal ale‑mão Georg Leisner (1870 ‑1957) e Vera Leisner (1885‑‑1972) recolhia elementos sobre o megalitismo funerário

em terras portuguesas, reacendendo o assunto que não esmorecera por completo. Estribando a existência nacional na pré ‑historicidade, M. Heleno ponderava ‑a resultante da «cultura dolménica», escavando inúmeros exemplares para esclarecer a origem dessa cultura no nosso país (Heleno, 19[??], 11). Posição perfilhada por outro nome grado da arqueologia coetânea: Mendes Correia. Para este professor da Universidade do Porto, urgia recolher testemunhos antigos da nacionalidade portuguesa e de todos quantos legitimassem as nossas fronteiras geográficas, culturais e mentais, porque Uma Nação, ser vivo, tem uma ontogénese, indubitàvel‑mente longa, complexa e obscura, mas real e necessária (Corrêa, 1944, p. 32.). Havia, no fundo, que coligir fun‑damentos materiais distintivos do ser, estar e fazer por‑tuguês da restante Ibéria, exceptuando a Galiza, por razões geopolíticas. Era como se ecoassem pensamen‑tos finisseculares, quando o estudo megalítico se envol‑vera num espírito nacional(ista), a julgar por estudos elencados a uma vontade inelutável de comprovar a sua anterioridade, ao cotejá ‑los estruturalmente (Martins, 2003), como A. F. Simões sublinhara décadas antes (Simões, 1878, p. 83).

Não obstante as divergências manifestas, as investiga‑ções da discípula de M. Heleno, Irisalva Nóbrega Moita (1926 ‑2009), confirmaram, a partir de um pressuposto evolucionista linear, a presença de dois grupos principais de construções dolménicas na região alentejana: o «pri‑mitivo» e o «evolucionado». Sequência contraditória da «orientalista», segundo a qual o primeiro era uma dege‑nerescência do segundo, em resultado de esforços pouco sucedidos de reproduzir a arquitectura mais complexa originada no Oriente, ou seja, os tholoi. Reflexões à parte, tal situação elucidava, conquanto tardiamente, como o género feminino se entrosava também entre nós, de modo paulatino, num campo científico ainda dominado pelas esferas masculinas (Vicente, 1999, p. 565 ‑571) e numa altura em que se tendia a conduzir as especialistas nesta área para actividades museológicas, aparente‑mente mais consentâneas com a sua natureza (presumi‑damente) intrínseca (Díaz ‑Andreu, 2002, pp. 51 ‑69; Jorge & Jorge, 1996, p. 156 ‑167).

Algumas reflexões finais

Além de destoantes da cronologia aceite posterior‑mente, os primeiros olhares lançados entre nós sobre a questão neolítica, quase sempre sinónimo de megali‑tismo, desconsideraram, quase na totalidade, algo fun‑damental na investigação novecentista: os monumentos megalíticos enquanto locuções sedentárias; enquanto pedras angulares do Neolítico, estádio decisivo do desen‑volvimento humano. Interrogavam, é certo, sua cronolo‑gia, autoria e funcionalidade. Interpretavam, de igual modo, a sua localização e implantação no terreno. Rela‑cionavam ‑nos, também, com demais artefactos e símbo‑

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O NEOLÍTICO NA HISTORIOGRAFIA PORTUGUESA: (ALGUNS) TEXTOS E CONTEXTOS ANA CRISTINA MARTINS P. 299-305

los contidos, procurando associá ‑los, nalguns casos, a povoados amuralhados de altura (Simões, 1878, p. 76 ‑ ‑77). Fixada porém, quase em exclusivo, à análise tipoló‑gica, para definir evoluções (lineares) e com elas identi‑ficar e acompanhar migrações ou difusões (Simões, 1878, p. 98), a investigação portuguesa do século XIX ambicio‑nava descobrir e descrever as mais remotas antiguidades (Veiga, 2005, p. 109). Sobressaía, assim, de novo o Positi‑vismo, como se o estudo material isentasse a ciência de preconceitos e orientações veladas. Mas quem procurava materiais remotos que validassem projectos nacionalis‑tas e regionalistas, fundeava ‑se neste neo ‑racionalismo. F. Martins Sarmento, em Guimarães, e Sebastião F. Está‑cio da Veiga (1828 ‑1891), no Algarve, foram exemplo disso. O último, em particular, era assertivo em desven‑dar e examinar a nacionalidade neolithica (Veiga, 2005, p. 110), prerrogativa defensada por demais literatos do Portugal de então, num acréscimo de provires a colher continuadores. Posição consequente de investigações paleoetnológicas essenciais numa Europa fortemente norteada por agendas totalizadoras de um copioso mosaico cultural. Mas derivava, também, da convicção do território encerrar comprovativos do typo ethnico mais antigo da Europa. (Veiga, 2005, p. 224), cujas mate‑rialidades havia que apresentar à 9.ª sessão do CIAAP, justificando o ímpeto de prospectar e escavar nas suas antevésperas. Ainda assim, ensaiaram ‑se interpretações culturais. Sobretudo no que respeitava aos recursos sine‑géticos, a raiar o determinismo geográfico, por um lado, e a adopção (quase) acrítica do darwinismo social spen‑ceriano, por outro.

Nem todos se satisfizeram com a localização, identifi‑cação e estudo dos artefactos. Reconhecendo a sua importância para reconstituir o modus vivendi e faciendi das comunidades exploradas, alguns pioneiros da nossa arqueologia de finais de oitocentos, princípios de nove‑centos entusiasmaram ‑se com esse potencial, esfor‑çando ‑se por, no caso que aqui nos interessa, relacionar o megalitismo ao processo de sedentarização do Neolí‑tico traduzido na actividade agrícola, enquanto uma das suas occupações (Veiga, 2005, p. 188), pastoril, piscícola e obtenção de produtos secundários. Era como se, mesmo que inconscientemente, se adoptasse a teoria dos modos de produção então discutida no seio da inte‑lectualidade ocidental, associando ‑os a estádios de desenvolvimento da humanidade expressos em deter‑minadas culturas materiais.

Tratou ‑se, no entanto, de um despontar promissor esmorecido em breve com o insistente desinteresse ins‑titucional pelo exercício arqueológico, incapaz de lhe reconhecer valências incorporadas há muito por calen‑dários políticos das principais potências europeias. Desenganados após o término do 9.º CIAAP e desencan‑tados com uma CMN desprovida de recursos humanos e materiais, feneceram, mormente com a morte de baluar‑tes científicos e patrimoniais, como António dos Santos

Rocha (1853 ‑1910), na Figueira da Foz, e Francisco Tava‑res Proença Júnior (1883 ‑1916), em Castelo Branco, para lá dos pré ‑historiadores ao serviço da geologia no país, enquanto se elevava o centralizador MEP orientado com o pulso férreo do decano dos arqueólogos nacionais, tão contestado quanto idolatrado, J. Leite de Vasconcelos. Letargia, sobrepujada décadas depois, entre finais dos anos 20 e 30, com outros protagonistas e directrizes reno‑vadas.

Neste sentido, sublinhemos que questionar as razões do (aparente) desinteresse do Estado Novo pelo desen‑volvimento arqueológico é transpor um universo de ide‑ários e agendas, mas também de desconhecimento e incompetência. Sobretudo, se compararmos às posições assumidas nesta matéria por outros regimes totalitaristas contemporâneos. Sem ser Viriato (como se fosse um Ver‑cingetorix lusitano), a política de então centrava ‑se na medievalidade, fonte da pátria, secundando a intelectua‑lidade defensora da portugalidade bebida na construção do Reino (século XII). Compreende ‑se, por conseguinte, que, ao contrário do averbado noutros recantos euro‑peus, não se derrubassem quarteirões medievais para recuperar classicismos ajustados a inquietudes expansio‑nistas. A verdade é que Portugal não demandava estrati‑grafias para reafirmar seus termos geográficos, étnicos e culturais, bastando renovar castelos e templos românicos como símbolos da união dos poderes temporal e espiri‑tual, como forma de consolidar o principal mote do regime vigente: restauração material, restauração moral, restauração nacional. Por isso, a Direcção ‑Geral dos Edi‑fícios e Monumentos Nacionais (1929) procurou restabe‑lecer obras evocativas da fundação da nacionalidade, ignorando, quase por completo, as estruturas megalíticas, após um primeiro momento quando, em 1910, a 1.ª Repú‑blica as apreciou, muito por força da (então já) Associa‑ção dos Arqueólogos Portugueses e de J. Leite de Vascon‑celos. Posicionamento não impeditivo, no entanto, do paralelo atento de tipologias insertas noutras categorias patrimoniais, beneficiando ‑se alguns dólmenes, con‑quanto mais pela sua cristianização do que pelo seu significado primevo.

Havia, pois, que esperar por uma nova geração de arqueólogos. Tomando a ombros a tarefa de rever posi‑ções, os novos protagonistas da arqueologia em Portugal dotaram ‑se de conhecimentos potenciados por novas visões inspiradas em teoremas mais recentes e possibili‑dades de amplitude transdisciplinar que rasgavam hipó‑teses de trabalho até então (quase) inimagináveis. Fervi‑lharam, doravante, ideias e projectos que abriram novas perspectivas e colaborações, estribando em definitivo a arqueologia nos circuitos académicos, como parte inex‑tricável do saber universitário para compreensão holís‑tica do presente através de olhares renovados sobre o passado.

Lisboa, Verão de 2011

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O NEOLÍTICO NA HISTORIOGRAFIA PORTUGUESA: (ALGUNS) TEXTOS E CONTEXTOS ANA CRISTINA MARTINS P. 299-305

1 Ana Cristina Martins é Investigadora Auxiliar do Instituto de Investigação

Científica Tropical, no âmbito do programa Compromisso com a Ciência,

onde incrementa projectos na área da História da Ciência, em geral,

e da História da Arqueologia, em particular. É Doutora em História,

Mestre em Arte, Património e Restauro e Licenciada em História‑

‑variante de Arqueologia pela Universidade de Lisboa, em cujo Centro

de Arqueologia – Uniarq – desenvolve um projecto sobre a Arqueologia

em Portugal entre as décadas de 20 e de 60 de novecentos, sendo

a investigadora principal da linha «History of Archaeology in Portugal.

Theoretical Issues». Possui várias publicações na área da História da

evolução do pensamento arqueológico, museológico e patrimonial,

a maioria das quais resultante de comunicações apresentadas em

encontros nacionais e internacionais. Lecciona na Universidade

Lusófona de Humanidades e Tecnologias, na qualidade de Professora

Auxiliar Convidada, em cuja Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

coordena a Secção de História do Património e da Ciência.

E ‑mail: [email protected]/[email protected]

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