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AGÔ BRASIL! AGÔ PARA A LUTA DAS IÁS PELA LIBERDADE DAS RELIGIÕES AFROBRASILEIRAS Ivonildes da Silva Fonseca UFPB/PPGS-UEPB/CH Introdução A palavra iorubana Agô utilizada no mundo das religiões afrobrasileiras significa “pedir licença”, “pedir perdão” e também “pedir calma”. Neste texto o seu uso conforme pode ser apreciado no título é no sentido de “pedir licença” para contribuir na visibilidade da luta das Ialorixás 1 pela liberdade de expressarem as suas crenças nas forças espirituais existentes nos seus sistemas religiosos. A abordagem sobre a luta pela liberdade das religiões afrobrasileiras requer o reconhecimento da participação feminina e assim é necessário que sejam postos e expostos os feitos que conferem o reconhecimento à essas mulheres, sobretudo porque a luta se faz com “ pequenas e grandes ações”. Ao pretendermos exaltar a participação feminina não desconsideramos a contribuição masculina que ao longo dos anos se afirmou no terreno afro religioso. Seria um ato leviano de nossa parte, sobretudo porque há nas religiões afrobrasileiras acolhimento para as pessoas como pessoas independente de situação econômica, orientação sexual ou doutrina política. Esse procedimento acolhedor está bem ilustrado na composição intitulada “É D’Oxum” de autoria de Gerônimo (2009), principalmente nas estrofes: Nessa cidade todo mundo é D’Oxum Homem, menino, menina , mulher Toda essa gente irradia magia Presente na água doce, presente na água salgada E toda cidade brilha Seja tenente ou filho de pescador Ou importante desembargador se dá presente é tudo uma coisa só. A força que mora n’água não faz distinção de cor E toda cidade é D’Oxum 1 A palavra iorubana Ialorixá significa “mãe de santo”. O radical Ial é usado para progenitora. É também é usada na forma abreviada “Iá”e é muito comum no cotidiano brasileiro dobrarmos o “Iá” e usarmos a palavra “Iaiá”.

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AGÔ BRASIL! AGÔ PARA A LUTA DAS IÁS PELA LIBERDADE DAS

RELIGIÕES AFROBRASILEIRAS

Ivonildes da Silva Fonseca

UFPB/PPGS-UEPB/CH

Introdução

A palavra iorubana Agô utilizada no mundo das religiões afrobrasileiras

significa “pedir licença”, “pedir perdão” e também “pedir calma”. Neste texto o seu uso

conforme pode ser apreciado no título é no sentido de “pedir licença” para contribuir na

visibilidade da luta das Ialorixás1 pela liberdade de expressarem as suas crenças nas

forças espirituais existentes nos seus sistemas religiosos.

A abordagem sobre a luta pela liberdade das religiões afrobrasileiras requer

o reconhecimento da participação feminina e assim é necessário que sejam postos e

expostos os feitos que conferem o reconhecimento à essas mulheres, sobretudo porque

a luta se faz com “ pequenas e grandes ações”.

Ao pretendermos exaltar a participação feminina não desconsideramos a

contribuição masculina que ao longo dos anos se afirmou no terreno afro religioso.

Seria um ato leviano de nossa parte, sobretudo porque há nas religiões afrobrasileiras

acolhimento para as pessoas como pessoas independente de situação econômica,

orientação sexual ou doutrina política.

Esse procedimento acolhedor está bem ilustrado na composição intitulada “É

D’Oxum” de autoria de Gerônimo (2009), principalmente nas estrofes: Nessa cidade todo mundo é D’Oxum Homem, menino, menina , mulher Toda essa gente irradia magia Presente na água doce, presente na água salgada E toda cidade brilha Seja tenente ou filho de pescador Ou importante desembargador

se dá presente é tudo uma coisa só. A força que mora n’água não faz distinção de cor E toda cidade é D’Oxum

1 A palavra iorubana Ialorixá significa “mãe de santo”. O radical Ial é usado para progenitora. É também é usada na forma abreviada “Iá”e é muito comum no cotidiano brasileiro dobrarmos o “Iá” e usarmos a palavra “Iaiá”.

Dessa forma, nas estrofes selecionadas podemos entender a “cidade” como

o espaço das religiões afrobrasileiras onde todo mundo é igual e todas as pessoas são

acolhidas. Tomando como alerta esse acolhimento irrestrito não há como desconsiderar

a contribuição de homens como o Babalaô Martiniano Eliseu Bonfim (BRAGA, 1995,

p.37-55);(LANDES, 2002, 60-73),Severiano Manoel de Abreu que com o seu

“encantado” o caboclo Jubiabá ganhou fama e desta fora vítima (BRAGA,1995, p.93-

123) Edison Carneiro (LANDES, 2002, p.11-12) (BRAGA, 2004,p.5) e tantos outros. E

na Paraíba, em contexto mais recente, como não relevar a atuação de Pai Lima D’Oiá ,

de João Balula (ambos habitantes no Orún ),Pai Carlos, Pai Erivaldo, Pai Ronaldo,

dentre outros.

Entretanto, a própria origem das religiões afrobrasileira no Brasil confere à

presença feminina uma contextualização histórica especial; foram elas quem

começaram os terreiros e os conduziram; foram elas quem desempenharam a múltipla

função exigida a uma mulher iniciada e ... a história continua...

Ao adentramos no mundo das religiões afrobrasileiras seja através de leituras

de livros, revistas; seja por trabalho de campo com a realização de observação e de

entrevistas; seja pela viagem que “sem hora marcada”, fazemos à memória, a

participação feminina se mostra indelével.

Os registros escritos e visuais trazem principalmente as mães de santo que

tiveram contato com escritores, jornalistas, pesquisadores, artistas e estes usufruíam da

possibilidade de difusão dos feitos dessas mães, mas há as que incrustadas nos

subúrbios ou nas periferias urbanas lutaram e lutam bravamente pelo reconhecimento da

dignidade das pessoas religiosas que cultuam os encantados, caboclos e orixás e ainda

esperam um reconhecimento.

Em uma das viagens aos compartimentos da nossa memória desfilaram

algumas dessas mulheres que ligadas ao mundo sobrenatural recebiam as comunicações

das forças superioras e realizavam os seus rituais, cumpriam obrigações religiosas,

amparavam as pessoas desanimadas e às vezes desesperadas. Todas essas ações são

elementos importantes na resistência religiosa que é a própria luta.

Apenas para reforçar a existência dessas muitas mães de santo que vivem no

anonimato, citamos Dona Constança, moradora no bairro do Uruguai que mantinha “as

missas pedidas”2 e uma procissão anual até a Igreja de São Joaquim e nesta entravam

meninas negras e não negras, meninos negros e não negros, vestidas/os de anjos , Mãe

Lili no bairro do Jardim Cruzeiro que figurava nos anos de 1970 como uma das

sacerdotisas pioneiras no estudo da língua Ioruba no Centro de Estudos Afro- orientais

da Universidade Federal da Bahia –CEAO/UFBA, Dona Lina, Dona Elza ambas na

Massaranduba que apoiavam, em especial, a juventude nas suas iniciativas artísticas e

de mobilização social, a exemplo dos grupos liderados pela militante negra Ana Rosa

dos Santos 3.

Das vidas das bravas religiosas que têm registros escritos reforçando acima

de tudo a Bahia como o berço sacerdotal do candomblé, temos:

Iyá Nassô, Adetá e Iyá Kalá, três negras africanas, representantes

importantes na história da afirmação do candomblé do Brasil com a fundação do

Terreiro da Casa Branca. Este terreiro foi o primeiro a ser tombado como patrimônio

histórico nacional e a sua linha iniciática é exclusivamente feminina. (OLAVO, 2001)

Eugênia Ana dos Santos, conhecida por Mãe Aninha, nascida no ano de

1869, “filha de Africanos”, fazia doces e quitutes e o local servia como ponto de

encontro das pessoas do candomblé. Filha do Terreiro da Casa Branca após divergir

deste, funda o terreiro Ilê Axé Opô Afonjá. Sabe-se que Salvador é uma cidade que tem

dentre as suas manifestações religiosas o evento denominado de “Lavagem’ que

consiste em uma romaria que se dirige para uma determinada igreja católica e lá

chegando realiza uma lavagem simbólica. Dessas lavagens a do Bonfim é das mais

conhecidas e desta a Mãe Aninha figura como precursora. Consta ainda da vida desta

religiosa a inserção das figuras dos Obás , “os 12 ministros de Xangô, cuja função, além

de religiosa, era cuidar da parte civil, por se tratar de pessoas importantes na sociedade

baiana.” Reconhecendo a importância da luta pela participação em eventos, apresenta

comunicação denominada “Culinária Litúrgica”no II Congresso Afrobrasileiro4. Em

1936, Mãe Aninha tem uma audiência com Getúlio Vargas no Rio de Janeiro e como

resultado sai o decreto de liberação aos cultos religiosos. (OLAVO, 2001)

2 A “missa pedida” era uma atividade que consistia em arrecadar fundos para a realização de alguma obrigação espiritual para um santo/orixá. Trajada a rigor as mulheres saiam com a imagem da entidade religiosa por determinadas ruas e ao abordar as pessoas diziam: “Missa pedida prá ....”, citando São Cosme e São Damião ou São Roque (Obaluaê) ou São Lázaro (Omolu). As pessoas faziam as doações possíveis e no caso dos últimos santos recebiam “pipocas” também conhecidas como “flores do velho” em troca. 3 Os bairros citados são da cidade de Salvador/Bahia. 4 O II Congresso Afrobrasileiro foi realizado em 1937 na cidade de Salvador/Bahia.

Mãe Senhora, Maria Bibiana do Espírito Santo, foi a sucessora de Mãe

Aninha e comandou o Ilê Axé Opô Afonjá até 1967, ano em que faleceu. É considerada

uma das mais importantes mãe de santo do Brasil. Sob a sua direção o Afonjá

aproximou intelectuais, a exemplo de Jorge Amado, Vivaldo da Costa Lima, Antonio

Olinto, Zora Seljan, Juanita Elbein, Pierre Verger dentre outros que agregaram prestigio

ao terreiro em uma época de perseguição policial. (OLAVO, 2001, MARCOS, 2008)

Maria Stella de Azevedo Santos, mais conhecida por Mãe Stella de Oxossi,

assumiu o comando do Ilê Axé Opô Afonjá em 17 de junho de 1976. Uma das bandeiras

mais conhecidas dessa sacerdotisa é a sua posição crítica ao sincretismo entendido como

a fusão dos santos católicos aos orixás africanos. Das exposições públicas de maior

repercussão ao combate ao sincretismo, há o registro da sua participação na II

Conferencia Internacional da Tradição dos Orixás, realizada em Salvador em 1983.

Além de participação em eventos, publica livros e fundou em 1984 o Museu do

Candomblé do Brasil. (OLAVO, 2001)

Menininha do Gantois, Ialorixá do terreiro do Gantois, com o nome oficial

de Maria Escolástica da Conceição Nazaré foi iniciada desde menina no candomblé de

Mãe Pulquéria e assume a sucessão em 1922. A data dessa sucessão faz parte dos anos

mais duros de repressão ao candomblé (BRAGA, 2004, p.5); (LANDES, 2002, p.115-

133).

Das várias homenagens recebidas, as canções popularizaram Mãe

Menininha, tornando-a uma das mais conhecidas mães de santo do Brasil. Das canções

temos a composição de Celso Santana intitulada “Quem de lá vem vindo” e a “Oração

de Mãe Menininha” de Dorival Caymi.

O trecho da música de Celso Santana encontrado no artigo do professor e

pesquisador Godi5 (1991) nos dá uma idéia de uma característica das mais evidenciadas

nas mães de santo que é o acolhimento e na música este é tratado como caridade: (...) E pelo cinqüentenário de Caridade e de fé vamos

saudar Menininha no passo do candomblé (GODI, 1991, p. 68)

5 Antonio Jorge Victor dos Santos Godi reflete sobre as festas populares em especial o carnaval de Salvador como um universo propício à leituras sobre as relações sociais na cidade. Para tanto recorta os blocos de índios dando ênfase aos Apaches do Tororó.

A reiteração da personalidade sábia e doce dessa Ialorixá encontramos na

canção “Oração de Mãe Menininha”, na qual Caymi deixa evidente que os traços da

Mãe Menininha são os da sua orixá Oxum: Ai!Minha mãe Minha mãe Menininha Ai!Minha mãe Menininha do Gantois

A estrela mais linda, hein Tá no gantois e E o sol mais brilhante, hein Tá no gantois e A beleza do mundo, hein Tá no gantois e E a mão da doçura, hein Tá no gantois e O consolo da gente, ai Tá no gantois e E a Oxum mais bonita hein Tá no gantois e

Olorum quem mandou essa filha de Oxum Tomar conta da gente e de tudo cuidar Olorum quem mandou eô ora iê iê ô (CAYMI, 2009)

Hilda Dias dos Santos, carinhosamente chamada de Mãe Hilda ou Hilda

Jitolu tem imbricação com a vida da entidade cultural Ilê Ayê . Na sua trajetória de luta,

a Mãe Hilda incentivou a criação do Memorial Zumbi dos Palmares em Alagoas. Com

uma atuação muito forte na área escolar, Mãe Hilda extrapola os limites do Curuzú no

bairro da Liberdade em Salvador e os seus ensinamentos germinam e florescem em

escolas públicas : “preservar e expandir os valores da cultura africana no Brasil”.

Atualmente, há no bairro do Curuzu a Escola Mãe Hilda (OLAVO, 2001)

Luiza Franquelina da Rocha ou Gaiaku Luiza foi uma lutadora pela

manutenção da tradição jeje-mahi. Ao morrer em 2005, com 95 anos de idade dirigia o

terreiro Hùnkoámè Ayíonó Hùntóloji na cidade baiana de Cachoeira. Uma melhor

compreensão da dimensão da luta dessa Gaiaku pode ser obtida pela leitura da iniciação

jeje-mahi (CARVALHO, p.138-143). Diante das perseguições enfrentadas a sua

trajetória de sofrimento pode ser melhor compreendida na frase dita por ela própria:

“Sofri como Sofrê sofreu” (CARVALHO, 2006, p.110).

No estado da Paraíba embora o candomblé tenha chegado por volta dos

anos de 1970 muitos são os terreiros que atualmente tem as sacerdotisas e sacerdotes

iniciados no candomblé. Antes de o candomblé ter chegado às terras paraibanas o culto

predominante era Catimbó ou Jurema. Um dado comprobatório da predominância do

catimbó e da Jurema é encontrado nas falas das próprias sacerdotisas e dos sacerdotes:

“aqui na Paraíba todo mundo começou com a Jurema”. Antes do candomblé

encontravam-se os cultos umbandistas.

Atualmente as ações de elevação social do culto da Jurema vêm ganhando

intensidade 6na Paraíba, a exemplo da “Passeata da Paz” ocorrida na cidade de Alhandra

no dia 20 de junho de 2009 por iniciativa da Federação Cultural Paraibana de Umbanda,

Candomblé e Jurema – FCPUMCANJU presidida por Pai Beto de Xangô. A Passeata

fez parte do processo de positivar a cultura da Jurema Sagrada fortalecendo os nomes

de Zezinho do Açaís, Maria do Acais I, Maria do Acais II e Mestre Jardecilha (PAI

BETO DE XANGÔ, 2009) .

A partir da referencia dos nomes de alta representatividade na Jurema

Sagrada , principalmente os das mulheres comprovamos a necessidade de registro das

aguerridas pessoas religiosas paraibanas, sobretudo as iniciadas. Há algumas que já

têm nomes registrados em monografias, em eventos encontrados na internet, a exemplo

de:

Mãe Renilda de Oxossi , oficialmente Renilda Albuquerque cuja iniciação

se deu ainda na sua fase de criança. De tradição “jeje-savalu” tem ligação iniciática

com o terreiro da Kakunda de Iaiá.É uma das mulheres mais combativas pela cidadania

negra no estado da Paraíba entendendo que o direito de livre expressão religiosa é um

dos pilares dos direitos humanos. Atuando como sacerdotisa na acepção ampla da

palavra o seu campo de ação se estende por todos os segmentos sociais tendo inclusive

no ano de 2008 lançado o seu nome para o cargo de vereadora na cidade de João Pessoa,

pleito sem êxito. Com comportamento destemido e ciente da necessidade de

mobilização social rumo às conquistas sociais, Mãe Renilda fundou a Federação

Independente dos Cultos Afrobrasileiros - FICAB e realiza há alguns anos o Encontro

da Religião dos Orixás-ERO. É ativista no Movimento Negro paraibano. (MÃE

RENILDA, 2008)

Mãe Lúcia do Omidewá, Lúcia de Fátima Batista de Oliveira, é uma

sacerdotisa militante pelos direitos da população negra tendo nos últimos anos uma ação

direta no campo da saúde estando à frente do Núcleo paraibano da Rede Nacional de

Religiões Afrobrasileiras e Saúde. Na agenda de Mãe Lúcia sempre consta palestras

6 No livro “Gaiaku Luiza”, de Marcos Carvalho às páginas 37 e 104, há uma descrição do terreiro de iniciação no candomblé de Mãe Renilda .

sobre os temas da intolerância religiosa, educação ambiental e consciência ecológica

(MÃE LÚCIA, 2008). Mãe Lúcia, conforme a tradição local se iniciou na Jurema, teve

passagem pelo Moçambique7 e no ano de 2001 sacraliza a sua filiação ao Ilê Axé Opô

Afonjá mantendo as tradições deste terreiro baiano na cidade João Pessoa, além de

cultuar os seus encantados anteriores.

Mãe Marinalva, oficialmente Marinalva Amelha da Silva, filha de Ogum

com Oiá foi iniciada aos 15 anos de idade. A vida desta religiosa conforme registrou

Souza (2004) é marcada por uma luta intensa para manter as suas práticas religiosas;

lutas essas refletidas na fuga constante uma vez que ela enfrentava a perseguição

policial legalizada pela Constituição de 1934 do Governo Vargas. Diz a Mãe

Marinalva: (...)“naquela época que, quem fosse espírita a polícia pegava e dava e batia

e fazia e acontecia (...) .Em conseqüência da perseguição ela informou: “quando havia

qualquer problema, ia à justiça, eles vinha, fechava, eu pedia novamente, abria, era

aquela confusão(...) (SOUZA, 2004, p.57)

Com este texto pretendemos demonstrar a amplitude da luta das mulheres

religiosas e que essa luta pela liberdade religiosa é antes de mais nada uma

reapropriação da dignidade humana o que inclui a liberdade em ter e assumir a sua

escolha religiosa. Apesar de as religiões afrobrasileiras não serem mais apenas de

pessoas negras a luta pela liberdade religiosa representa o combate ao preconceito e a

discriminação étnico racial. Essa afirmação é acostada ao que Vagner Gonçalves da

Silva (apud HEBMULLER, 2009) constata:

[...] À medida que se combatem a religião e a tradição, se combate também uma herança que foi fundamental para constituir a identidade da população negra no Brasil, e essa herança e sua história são de origem africana. [...]

O contexto das práticas afroreligiosas sempre marcado por opressão teve momento de

perseguição oficial e vive o momento de intolerância. Em artigo no qual analisa as

“relações de proximidade e antagonismo” entre o neopentecostalismo e as religiões

afrobrasileiras, Silva (2007, p.20) apresenta a demarcação da perseguição:

Essas religiões foram perseguidas pela igreja católica ao longo de quatro séculos; pelo Estado republicano, sobretudo na primeira

7 Moçambique é uma prática religiosa iniciada na Paraíba por Mário Miranda também conhecido por Maria Aparecida entre os anos de 1960 e 1970. Em pesquisa de campo encontramos mães e pais de santos com ligação ao Moçambique nas cidades de Sapé e João Pessoa.

metade do século XX, quando este se valeu de órgãos de repressão policial e de serviços de controle social e higiene mental; finalmente, pelas elites sociais, em um misto de desprezo e fascínio pelo exotismo que sempre esteve associado às manifestações culturais dos africanos e seus descendentes no Brasil

A perseguição oficial do Estado republicano foi exercida pela instituição

policial a quem foi conferido o poder de fechar e disciplinar as atividades religiosas do

segmento em questão havendo a divisão desse poder com a instituição de saúde uma

vez que sendo religiões de possessão, as pessoas entram em transe e este era

considerado prática de pessoas esquizofrênicas.

A liberação dos cultos afroreligiosos na Paraíba ocorre com a lei 3443, de 6

de novembro de 1966 (SOARES, 2007, anexo B). Todavia, analisando o corpo da lei

fica confirmada a restrição a essa liberação, uma vez que a prática religiosa gozará da

liberdade de realização sob condições: que a Secretaria da Segurança Pública autorize

desde que haja registro perante a lei civil e que as lideranças provem idoneidade e

mediante laudo psiquiátrico atestem que gozam de sanidade mental.

Essa submissão da religião afrobrasileira evidencia a continuidade das

proposituras de emancipacionistas que entendendo serem as pessoas negras com baixo

nível mental deveriam ainda que libertas ou livres ter o Estado as controlando e

disciplinando. (AZEVEDO, 2004, p. 30-43)

Uma das conquistas obtidas pelas religiões afrobrasileiras é a dispensa das

obrigações para com a polícia e com o serviço psiquiátrico. Em tese a garantia

preconizada pela constituição cidadã de 1988 estabelece um terreno livre de

preconceitos e de discriminações, mas não é o que acontece na prática. A concepção

científica sobre ser o transe sinal de insanidade mental ou como denominava o médico

maranhense Nina Rodrigues, “histeria”, perde espaço na contemporaneidade mas

perdura na concepção popular sobretudo alimentada pelas igrejas neopentecostais com

o agravante de ser entendido como um quadro produzido e mantido por uma figura

maligna responsável por todos os males e desequilíbrios que recebe dentre outras

denominações a de “diabo”. Há a intensificação em dias atuais da ideia de demonização

das religiões afrobrasileiras tendo como principal agente disseminador as igrejas

evangélicas, sobretudo as neopentecostais. (SILVA, 2007)

Tanto no momento da perseguição quanto no da intolerância, a resistência

das Ialorixás teve e tem notoriedade nas mais diversas ações. A partir dos dados

biográficos das Ialorixás presentes neste texto pretendemos evidenciar que essa luta está

compreendida na ação das religiosas que fundam e mantém terreiros, fundam

Federações, participam e organizam eventos científicos, interagem com parlamentares,

com agentes do poder executivo e também está na luta cotidiana das que não têm

visibilidade social dos seus ” feitos” mas esses têm imensurável importância no

processo de alcance da liberdade religiosa.

Referências

AZEVEDO, Célia Maria Marinho de .Projetos emancipacionistas: o inimigo interno domesticado. In: _____. Onda negra, medo branco:o negro no imaginário das elites do século XIX. São Paulo: Annablume,2004. p. 30-43 BRAGA, Júlio. Na gamela do feitiço: repressão e resistência nos candomblés da Bahia. Salvador: Ianamá, 1995. ______. A luta segue por novos caminhos. In: Estudos Avançados, v.18, n.50, São Paulo, Jan/apr, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/ Acesso em: 07 de outubro de 2008 CARVALHO, Marcos. Gaiaku Luiza e a trajetória do Jeje-Mahi na Bahia. Rio de Janeiro: Pallas, 2006 CAYMI, Dorival. Oração de Mãe Menininha. Disponível em: http://letras.kboing.com.br/dorival-caymmi/oracao-de-mae-menininha/ Acesso em: 04 de agosto de 2009 GERÔNIMO. É D’Oxum. Disponível em: http://vagalume.uol.com.br/geronimo/e-doxum.html Acesso em: 14 de agosto de 2009 GODI, Antonio Jorge Victor Santos. De índio a negro, ou o reverso. In: Caderno RH. Suplemento, 191, p. 51-70. Disponível em: www.myspace.om/celsosantanakey Acesso em: 4 de agosto de 2009 HEBMULLER, Paulo. Neopentecostais e religiões afro-brasileiras: entrevistas. Disponível em: http://www.unisinos.br/ Acesso em: 1 de julho de 2009 LANDES, Ruth. A cidade das mulheres. 2ed. Rio de Janeiro:UFRJ, 2002. MÃE LÚCIA. Disponível em: http://omidewa.blogspot.com/2008_10_01_archive.html Acesso em: 4 de agosto de 2009 _________. Entrevista concedida a Ivonildes da Silva Fonseca em 2008. MÃE RENILDA. Entrevista concedida a Ivonildes da Silva Fonseca em 2008. MARCOS, Marlon. Ilê Axé Opô Afonjá: 97 anos a serviço de Xangô. Disponível em: htt://terramagazine.terra.com.br/interna Acesso em: 04 de agosto de 2009

OLAVO, Antonio. Bahia Negra: 100 biografias. Salvador: Portfolium, 2001 PAI BETO DE XANGÔ. Federação Cultural Paraibana de Umbanda, Candomblé e Jurema. Disponível em: http://fcpumcanju.blogspot.com/2009/05/passeata-da-paz-em-alhandra.html Acesso em : 15 de agosto de 2009 SILVA, Vagner Gonçalves da. Neopentecostalismo e as religiões afro-brasileiras: significados do ataque aos símbolos da herança religiosa africana no Brasil contemporâneo. In: Mana, v.13, n.1, Rio de Janeiro, abril, 2007 Disponível em:http://www.scielo.br Acesso em: 7 de out de 2008 SOARES, Stênio José Paulino. Anos da chibata: perseguição aos cultos afro-pessoenses e o surgimento das federações. João Pessoa: UFPB, 2007. Monografia de graduação apresentada ao curso de Ciências Sociais da UFPB SOUZA,Wallace Ferreira de. Um dia no candomblé: Iyá Marinalva, uma história para contar. Guarabira: UEPB, 2004. Monografia de graduação no curso de História da Universidade Estadual da Paraíba, Centro de Humanidades.