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Após passar no reator, a vinhaça se transformará em um biofertilizante ainda melhor
CAPA
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A vez da vinhaça!
PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO
DO BIOMETANO ORIGINÁRIO DA
VINHAÇA PODE SER A REDENÇÃO DESSE
SUBPRODUTO DO ETANOL E MAIS UMA
FONTE DE RENDA PARA O SETOR
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CAPA
Quando o Brasil colocou em prá-
tica o Programa Nacional do Ál-
cool (Proálcool), em 1975, o país
assumiu não só o posto de maior produ-
tor de álcool combustível do mundo, mas
também o de maior produtor de vinhaça:
resíduo do processamento industrial para
obtenção do álcool. Para cada litro de ál-
cool, são produzidos cerca de dez a 13 li-
tros de vinhaça.
Quanto mais se produzia álco-
ol, maior o volume da vinhaça, o que se
transformou em um sério problema para
as usinas: que destino dar ao famoso “ga-
rapão?” Muitos desastres ambientais ocor-
reram até que o empresário Maurilio Bia-
gi passasse a irrigar com vinhaça os solos
fracos da Usina Santa Elisa, em Sertãozi-
nho, SP. O aumento de produtividade foi
de espantar. Há registros de áreas que no
final da década de 1960, a produção era
de 30 toneladas por hectare, e com o auxí-
lio da fertirrigação passou para 100 tone-
ladas. É que este subproduto é constituí-
do por uma suspensão de sólidos, rico em
substâncias orgânicas e minerais, e com
predominância do potássio.
Ainda na década de 1970, surgiram
pesquisas para produzir biogás a partir da
vinhaça, mas o custo desse gás não era
economicamente viável, e como a aplica-
ção da vinhaça in natura, em substituição
total ou parcial às adubações minerais,
passou a ser um bom negócio para o se-
tor, as pesquisas para reduzir o custo da
produção do biogás esfriaram.
Luciana Paiva e Clivonei Roberto
Canais de vinhaça levando fertilidade aos canaviais
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Mas com a tecnologia de motores
flex, lançada em 2003, e que impulsionou
grande aumento no volume da produção
de etanol, a vinhaça produzida passou a fi-
gurar como excesso. Para se ter uma ideia:
se neste ano, a produção brasileira de eta-
nol alcançar os 30 bilhões de litros, a pro-
dução de vinhaça será superior a 300 bi-
lhões de litros.
E a prática de lançar a vinhaça inte-
gralmente nas lavouras, como fertilizan-
te, tem seu limite. A CETESB (Companhia
Ambiental do Estado de São Paulo) regu-
lamentou normas técnicas tendo como
objetivo estabelecer os critérios e procedi-
mentos para o armazenamento, transpor-
te e aplicação da vinhaça no solo agrícola,
pois a fertirrigação excessiva pode resul-
tar em contaminação do solo e do lençol
freático.
A produção de biometano
a partir da vinhaça
Porém, um novo cenário aponta que
o maior volume de vinhaça pode ser um
ponto positivo e gerar lucro para a empre-
sa sucroenergética. A boa notícia aconte-
ceu na Fenasucro & Agrocana (Feira Inter-
nacional de Tecnologia Sucroenergética),
realizada no final de agosto de 2015 em
O Secretário João Carlos de Souza Meirelles assina Protocolo de Intensões durante a Fenasucro
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Sertãozinho, SP. Durante a Feira houve o
lançamento de um projeto pioneiro que
prevê a produção e distribuição de biome-
tano no Noroeste do Estado de São Paulo.
O projeto foi formalizada por meio
de um Protocolo de Intenções assinado
por representantes das empresas GasBra-
siliano, Consórcio CSO e Malosso Bioener-
gia, na presença do Secretário de Ener-
gia do Estado de São Paulo, João Carlos
de Souza Meirelles. A parceria está alinha-
da ao Programa Paulista de Biogás do Es-
tado de São Paulo (Decreto nº 58.659, de
04/12/2012), que prevê a obrigatorieda-
de de comercialização de um percentual
mínimo de biometano por meio das redes
de distribuição de gás natural e cuja ên-
fase é o biometano produzido a partir de
vinhaça.
Com investimento de R$ 16 milhões,
o projeto envolverá inicialmente a cons-
trução de uma planta de biodigestão na
Malosso Bioenergia, localizada em Itápo-
lis, SP. Além de disponibilizar a área de im-
plantação, a usina também será responsá-
vel pelo fornecimento da matéria-prima
(vinhaça). Luiz Roberto Zanardi, diretor da
Malosso, diz que foi muito bem-vinda a
proposta da GasBrasiliano e do Consórcio
de Investidores CSO. “Estamos a apenas 10
quilômetros de distância do canal de gás
da GasBrasiliano, o que facilitou essa par-
ceria”, diz.
A planta funcionará de maneira au-
tônoma e será administrada por uma So-
ciedade de Propósito Específico (SPE) com
o Consórcio CSO, que é formado pela CR-
Xavier Consulting Bioenergia, Sagitta Con-
sultoria em Projetos de Energia Renovável
e Orion Biotecnologia. Toda produção e
purificação do biogás, de acordo com as
especificações da ANP (Agência Nacional
do Petróleo, Gás Natural e Biocombustí-
veis), serão de responsabilidade do grupo.
“A SPE terá duração de 20 anos e, encer-
rado o prazo, ela poderá ser incorporada
à usina ou passar a fazer parte de outra
empresa”, afirma Carlos Alberto Xavier, da
CRXavier Consulting Bioenergia.
O projeto terá capacidade de produ-
zir 5 milhões de m³ de biometano ao ano,
“Vamos comprar todo o excedente”, afirma Walter Fernando Piazza Júnior
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volume que será comprado pela GasBrasi-
liano e injetado em sua rede de distribuição
para atender consumidores das cidades de
Itápolis e Catanduva. “Vamos comprar todo
o excedente e não há risco de atendimen-
to à demanda, pois caso ocorra qualquer
descontinuidade na produção do biogás,
nós iremos complementar com o gás na-
tural já presente em nossa rede”, esclarece
o diretor-presidente da GasBrasiliano, Wal-
ter Fernando Piazza Júnior.
Para receber o biometano em sua
rede de distribuição, a GasBrasiliano deve-
rá construir a rede de interligação, além de
uma estação de medição, um cromatógra-
fo para monitorar a qualidade do biome-
tano dentro das especificações da ANP, e
um sistema de odorização, que adequará
o produto às normas de segurança.
De acordo com levantamento reali-
zado pela Secretaria de Energia do Esta-
do de São Paulo, o potencial de geração
de biometano proveniente da vinhaça das
usinas de todo o Noroeste de São Paulo é
de 10 milhões de m³ por dia, volume que
equivale a 25% da produção nacional de
gás atualmente. “Hoje, podemos afirmar
que o biogás da vinhaça é considerado o
‘pré-sal’ do Noroeste paulista. Ao substi-
tuir o gás fóssil pelo biometano, a GasBra-
siliano reafirma seu compromisso com a
sociedade, pois amplia a participação do
gás natural renovável na matriz energéti-
ca de São Paulo, se alinhando totalmente
ao Programa Paulista de Energia”, comple-
ta o executivo.
A primeira planta será instalada na Malosso Bioenergia
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O que é o biometano
José Waldir Ferrari, diretor técnico
comercial da GasBrasiliano, explica que o
biometano – que alguns chamam de bio-
gás – é um combustível quase que idênti-
co ao gás natural convencional que circula
na rede de distribuição. São basicamente
combustíveis à base de metano. “O com-
bustível com alta concentração de me-
tano queima melhor, traz melhor rendi-
mento ao motor e baixíssima emissão. A
queima é completa. Não
há resíduo nenhum nes-
sa queima. A combustão
completa traz eficiência
e baixa emissão. É com-
bustível nobre, Premium,
e está disponível nas usi-
nas”, salienta.
De acordo com Fer-
rari, a Malosso Bioner-
gia deve começar, já no
início, a produzir 10 mil
metros cúbicos por dia,
o que é bastante gás. A
Malosso é empresa rela-
tivamente pequena. A previsão de moa-
gem para a safra 2015/16 é de 800 mil to-
neladas de cana. Mas a estimativa é que as
maiores unidades do Estado de São Paulo
possam produzir até 50 mil metros cúbi-
cos de gás. “Se fizermos o aproveitamen-
to disso, temos oferta de um combustível
novo, renovável, ambientalmente reco-
mendado e em larga escala.”
Os diferenciais do projeto
De acordo com Carlos Alberto Xavier,
da CRXavier Consulting Bioenergia, o atu-
al projeto difere de outras pesquisas sobre
a produção de gás da vinhaça, principal-
mente porque é economicamente viável.
“Quando idealizamos nosso projeto, pen-
samos em uma planta com altíssimo po-
tencial energético. Também empregamos
o mais baixo custo de construção e ope-
ração para chegar ao menor valor possível
ao produto final”, salienta.
Xavier observa que na Alemanha
existem mais de sete mil plantas de bio-
gás gerando energia, mas só que o incen-
tivo para sua produção é superior a 110
euros por megawatt/hora, fora o preço
ganho pela comercialização de energia.
Porém, essa não é a realidade do Brasil,
o que leva a trabalhar baseado na redu-
CAPA
Luiz Roberto Zanardi: “proposta bem-vinda”
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ção de custo e aproveitamento total. “Ou-
tros projetos desenvolvidos na década de
1970 ou que estão em desenvolvimento
em Pernambuco e Paraná, o custo é cin-
co vezes maior que o nosso custo, porque
nossas instalações e as operações são ba-
ratas e sem o uso de insumos. Produzimos
5 mil metros³/hora de biogás e consumi-
mos 4 metros³ de água, esse é o único in-
sumo utilizado.”
Além do menor custo de produção,
outro importante fator que viabiliza o pro-
jeto, ressalta Xavier, é a diversidade de op-
ções de o que fazer com o biogás. “O gás
pode ir para o gasotudo; ou ser transporta-
do comprimido em caminhões; ser transfor-
mado em energia elétrica por meio de um
motor ciclo-otto e ajudar a biomassa para
maior ou produção de energia ou geração
o ano todo; ou ainda substituir o diesel nas
frotas das usinas.” Para Xavier, tudo depen-
derá do que for mais rentável no momento.
Biometano na rede
Ferrari salienta que as soluções estu-
dadas até hoje se baseavam na compres-
são desse gás para transporte até o centro
de consumo. A partir desse projeto, o gás
produzido na usina é transportado até a
rede por meio de um novo gasoduto, que
fica a cargo de ser construído pela Gas-
Brasiliano – diferente das usinas que, para
venderem energia para o sistema elétrico,
precisam investir na conexão até a subes-
tação mais próxima.
Uma das primeiras ações da GasBra-
siliano neste projeto, segundo Ferrari, foi
mapear, na sua área de concessão no es-
tado de São Paulo, o número de unidades
abrangidas, que são um total de 167 usi-
nas de cana-de-açúcar. “Temos inclusive
a informação da distância entre cada uni-
dade e a nossa rede de distribuição.” São
distâncias variadas, como 10 km, 12 km,
15 km, por exemplo, que, segundo Ferra-
ri, são extensões relativamente pequenas
e que permitem viabilizar a instalação de
um gasoduto até tais unidades. “Para vo-
lumes dessa ordem, de 8 mil, 10 mil me-
tros cúbicos, posso fazer uma rede de 10
km para capturar esse gás. Essa captação é
controlada: o gás fornecido é medido, au-
torizado e levado até a rede principal da
Xavier: “Não é um milagre, mas um excelente negócio”
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empresa, por gasodutos feitos pela pró-
pria GasBrasiliano.”
Uma preocupação para a usina pode-
ria ser: o que acontece quando não tenho
gás para fornecer? “Comercialmente nossa
intenção é fazer contrato flexível, de forma
que, se eventualmente deixar de produ-
zir ou não produzir na quantidade contra-
tada, não há nenhuma consequência co-
mercial, porque a nossa rede vai continuar
cheia, completa e vai continuar atenden-
do nossos clientes. Esse gás é um gás novo
que será introduzido na rede e se deixar de
existir, não fará diferença. Na rede não se
estoca e não se armazena gás, se distribui
o gás disponível. Se não vier o gás da usi-
na, feito a partir da vinhaça, entrará menos
gás na rede, mas o nosso gás originário das
reservas continuará sendo distribuído da
mesma forma”, responde Ferrari.
Redução do custo do diesel
Para Xavier, a melhor opção de ga-
nho com o biometano para o setor sucro-
energético é usá-lo para substituir o diesel
na frota das usinas. Segundo ele, 1 metro³
de biometano substitui 1 litro de diesel, e
apenas o setor paulista consome por ano
1,3 bilhão de litros de diesel. “Temos como
produzir 1,3 bilhão de metros³ de biogás
e em teoria substituir todo o consumo de
diesel da frota canavieira paulista. Mas
CAPA
Área de abrangência da GasBrasiliano
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tecnicamente, isso será possível em torno
de 50% a 60% da frota, porque será neces-
sário converter caminhões, tratores e má-
quinas em motor dual-feel (movido a die-
sel e gás) e nem todos possibilitam essa
conversão, ou poderão utilizar 100% gás.”
Essa prática já ocorre nos Estados
Unidos desde 1990, e na Europa, onde os
caminhões, como Volvo e Scania, já saem
da fábrica com essa conversão, conta Xa-
vier, salientando que o dispositivo reduz
o consumo em torno de 25% sem dimi-
nuir a potência. O consultor informa que
são utilizados quatro litros de diesel para
cada tonelada de cana processada, sendo
que 80% deste custo vem do corte, carre-
gamento e transporte, mas as colhedoras
e transbordos respondem por quase 3 li-
tros. Hoje, quase 20% do custo da cana na
esteira da usina vem do diesel.
Xavier informa que, de acordo com
a Bosh, cerca de 65% das colhedoras po-
derão trocar o diesel pelo gás. “Já temos
protótipos de caminhões para abastecer
as colhedoras com gás na frente de corte”,
diz. Nos caminhões, a conversão poderá
ser de até 83%. “Se conseguirmos substi-
tuir 60% com gás os 1,3 bilhão de litros
de diesel consumidos por ano pela frota
das usinas paulista, significará deixar de
usar 780 milhões de litros de diesel”, cal-
cula o consultor. A conversão dos moto-
O gás da vinhaça vai entrar no gasotudo que leva o gás natural
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res e a operação de levar o gás até a fren-
te de colheita fica por conta do investidor,
a usina não se preocupa com isso, salienta
Xavier. O que ela fará é adquirir o biome-
tano por um valor menor que o do diesel,
por exemplo: uma usina que mói três mi-
lhões de toneladas, consome por safra 12
milhões de litros de diesel. Se hoje o litro
do combustível está R$ 2,50 e a usina pa-
gar pelo gás R$ 2,0 o metro³, vai deixar de
gastar R$ 6 milhões no ano.
Biofertilizante enriquecido
A produção do biometano não irá
reduzir a quantidade da vinhaça, pois o
subproduto só irá fazer um pit-stop no re-
ator e sair, salienta Xavier. Assim, as usi-
nas continuarão utilizando a vinhaça para
a fertirrigação. Porém, no processo de rea-
ção, o nitrato e nitrito presentes na vinha-
ça serão transformados em amônia, que
terá o pH neutralizado e sua temperatura
será reduzida para abaixo de 40°. Esse bio-
fertilizante, por ter uma concentração de
potássio melhor, não satura o solo. “Após
a produção do biogás, a vinhaça retornará
à usina ainda mais concentrada e benefi-
ciada, pronta para ser usada na fertirriga-
ção”, explica Luiz Roberto Zanardi, diretor
da Malosso Bioenergia.
CAPA
Só as usinas de São Paulo consomem por ano 1,3 bilhão de litros de diesel
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O empresário não precisa
colocar a mão no bolso
Xavier acredita que agora sim é a vez
da vinhaça, até porque, neste projeto, “se
o empresário quiser não tem de colocar a
mão no bolso”. São oferecidos vários mo-
delos de negócio: apenas o fornecimento
da vinhaça; a usina ser a dona sozinha do
negócio; ou ter a participação de investi-
dores. No caso da Malosso, será uma par-
ceria não onerosa para a usina. Neste pro-
jeto de produção de biometano, salienta
Ferrari, não há subsídio governamental,
não há participação de governo. O preço
do gás dá sustentação econômica para a
produção do biogás por meio da vinhaça.
A previsão do início da construção
da planta da Malosso é para 2016, logo
após o fim do período de chuvas, e a pro-
dução do biometano será para o segun-
do semestre de 2017. Xavier conta que já
há quase 20 cartas de intensão de usinas
para adesão ao projeto. Mas primeiro eles
querem construir a planta na Malosso, co-
locá-la em funcionamento, injetar o gás na
rede, para depois apresentar aos interes-
sados o projeto na prática.
Essa possibilidade de produzir um gás
renovável parece estar empolgando a Gas-
Brasiliano. Pelo menos o diretor técnico co-
mercial, José Waldir Ferrari, se rendeu à cana.
“Como se diz, a cana é uma planta milagro-
sa. É o único vegetal que consegue transfor-
mar com maior eficiência possível a energia
solar em outras fontes de energia”, declarou.
Agora é torcer para que esse projeto possi-
bilite também à vinhaça fazer bonito e cair
na graça dos investidores e do setor.
Ferrari: “ a cana é uma planta milagrosa