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CIRCULAÇÃO DE IMPRESSOS PROTESTANTES E A AÇÃO DE ROBERT REID KALLEY NO BRASIL DURANTE O SÉCULO XIX Priscila Silva Mazêo (Universidade Tiradentes/PPED/FAPITEC-SE/GP !ris"azeo#$ot"ail%co" Marc&s Aldenisson de 'liveira (Universidade Tiradentes/PI IC/C)P*/GPHP "arc&s+denin$o#$ot"ail%co" Ei,o-te" tico . I"!ressos0 Intelect&ais e Hist1ria da E RESUMO: Este arti4o te" co"o o56etivo analisar a a23o de 7o5ert 7eid 8alle90 :5lica rit;nica e Estran4eira ( F S0 e s&a rela23o co" a disse"ina civilizat1rias e ed&cacionais a !artir de "eados do s<c&lo =I=% Al<" no"es de vendedores a"5&lantes de i"!ressos !rotestantes *&e estava" veri>ica de *&e "aneira esse s&6eito >oi !ro!a4ador de &" "odelo rel rasil0 d&rante os anos de s&a at&a23o0 nos 'itocentos% )a !ers!ecti Sociedades :5licas s3o co"!reendidas a*&i co"o associa2?es vol&nt r disse"ina23o de !r ticas ed&cacionais e reli4iosas0 atrav<s do tra5 vendedores na distri5&i23o de i"!ressos !rotestantes0 vendendo e0 al4&"as vezes0 distri5&indo 4rat&ita"ente% ' re>erencial te1rico-"etodol14ico !a&ta (@ B0 @ a0 @ 50 Ma, e5er (@ @0 )or5ert Elias ( B0 7o4 Carlo Ginz5&r4 (@ 0 os *&ais tra5al$a" co" conceitos co"o associ c&lt&ra0 i"!ressos !rotestantes0 !r ticas e "<todo indici rio% ' te,to !ro!osto 6&sti>ica !ela ins&>iciência de est&dos so5re i"!ressos0 livros e leitores ed&cacional 5rasileira% ' "ission rio 8alle9 e se&s se4&idores dist constit&:ra" &" dos "eios !eda414icos !ara >or6ar &"a c&lt&ra !rotes 4r&!os de !rotestantes norte-a"ericanos a&,iliara" na i"!lanta23o de no rasil% Co" a realiza23o de tal est&do0 !ode-se o5servar *&e o tr e" !arceria co" os s&6eitos envolvidos na disse"ina23o desses i"!res !a!el si4ni>icativo na i"!lanta23o de escolas de diversos ti!o 6ovens e ad&ltos0 a4r:colas0 co"erciais0 etc%% Tais instit&i2?es r das do&trinas cat1licas0 !ossi5ilitara" o s&r4i"ento de &" novo "ode re4ido !or 4r&!os de estran4eiros norte-a"ericanos *&e a*&i se insta !rotestantis"o% Esta !es*&isa < de c&n$o 5i5lio4r >ico e do cient:>ica e at&al"ente encontra-se e" anda"ento no "estrado0 trazen da disserta23o intit&lada Robert Reid Kalley: um divulgador de práticas relig educacionais no Brasil (1855-1876 % Al4&ns res&ltados !er"ite" !erce5er a con> novas a2?es e a di>&s3o de novas !r ticas civilizat1rias0 al<" da i no !ovo 5rasileiro d&rante o s<c&lo =I=%

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CIRCULAO DE IMPRESSOS PROTESTANTES E A AO DE ROBERT REID KALLEY NO BRASIL DURANTE O SCULO XIX

Priscila Silva Mazo

(Universidade Tiradentes/PPED/FAPITEC-SE/GPHPE)

[email protected] Aldenisson de Oliveira

(Universidade Tiradentes/PIBIC/CNPq/GPHPE)

[email protected]

Eixo-temtico 5:

Impressos, Intelectuais e Histria da Educao

RESUMO:

Este artigo tem como objetivo analisar a ao de Robert Reid Kalley, agente da Sociedade Bblica Britnica e Estrangeira (BFBS), e sua relao com a disseminao de novas prticas civilizatrias e educacionais a partir de meados do sculo XIX. Alm disso, apresenta os nomes de vendedores ambulantes de impressos protestantes que estavam sob sua direo e verifica de que maneira esse sujeito foi propagador de um modelo religioso e educacional no Brasil, durante os anos de sua atuao, nos Oitocentos. Na perspectiva da Histria Cultural, as Sociedades Bblicas so compreendidas aqui como associaes voluntrias, responsveis pela disseminao de prticas educacionais e religiosas, atravs do trabalho realizado por seus vendedores na distribuio de impressos protestantes, vendendo e, algumas vezes, distribuindo gratuitamente. O referencial terico-metodolgico pauta-se em Ester Nascimento (2004, 2007a, 2007b), Max Weber (2002), Norbert Elias (1994), Roger Chartier (1990) e Carlo Ginzburg (2007), os quais trabalham com conceitos como associaes voluntrias, cultura, impressos protestantes, prticas e mtodo indicirio. O texto proposto justifica-se pela insuficincia de estudos sobre impressos, livros e leitores protestantes na historiografia educacional brasileira. O missionrio Kalley e seus seguidores distriburam impressos que constituram um dos meios pedaggicos para forjar uma cultura protestante, assim como grupos de protestantes norte-americanos auxiliaram na implantao de instituies escolares no Brasil. Com a realizao de tal estudo, pode-se observar que o trabalho dessas associaes, em parceria com os sujeitos envolvidos na disseminao desses impressos, desempenhou um papel significativo na implantao de escolas de diversos tipos (primrias, secundrias, de jovens e adultos, agrcolas, comerciais, etc.). Tais instituies religiosas, no mais seguidoras das doutrinas catlicas, possibilitaram o surgimento de um novo modelo religioso e cultural regido por grupos de estrangeiros norte-americanos que aqui se instalaram e difundiram o protestantismo. Esta pesquisa de cunho bibliogrfico e documental, surgiu na iniciao cientfica e atualmente encontra-se em andamento no mestrado, trazendo resultados parciais da dissertao intitulada: Robert Reid Kalley: um divulgador de prticas religiosas e educacionais no Brasil (1855-1876). Alguns resultados permitem perceber a configurao de novas aes e a difuso de novas prticas civilizatrias, alm da inculcao de novos hbitos no povo brasileiro durante o sculo XIX. PALAVRAS-CHAVE: Impressos Protestantes; Robert Reid Kalley; Brasil Oitocentista.INTRODUOO presente artigo tem como objetivo analisar a ao do agente da Sociedade Bblica Britnica e Estrangeira, Robert Reid Kalley, e sua relao com a disseminao de impressos protestantes, buscando compreender a importncia dos desses impressos no cotidiano da populao brasileira nos oitocentos, assim como mapear a ao dos colportores que estavam sob a direo de Kalley, procurando entender qual foi a intensidade dessa atuao num pas catlico e dessa forma averiguar de que maneira este sujeito foi divulgador de um novo modelo religioso e educacional, durante sua atuao entre meados dos anos 50 a 70 do sculo XIX. Apresentados os objetivos que norteiam este texto, utilizaremos como aporte terico-metodolgico alguns autores que serviram de base terica para fundamentar esta anlise, como Ester Nascimento (2004, 2007), Max Weber (2002), Norbert Elias (1994) e Roger Chartier (1990), Antnio Nvoa (1995), os quais elaboram categorias como biografia, protestantismo, associaes voluntrias, cultura, prticas e representao. Esta anlise resultado de uma pesquisa em andamento que permite perceber que os impressos protestantes provocaram a difuso de novas prticas culturais e educacionais, forjando novos hbitos no sculo XIX.

Este texto justifica-se ainda pela carncia de estudos sobre impressos, livros e leitores protestantes na historiografia educacional brasileira e no campo de pesquisa da Histria da Educao. As leituras j realizadas ofereceram um arcabouo e ferramentas necessrias para a produo deste artigo. A iniciativa surgiu da experincia na iniciao cientifica, ao participarmos do projeto de pesquisa intitulado Imprensa Protestante nos Oitocentos, de autoria da professora doutora Ester Fraga Vilas-Bas Carvalho do Nascimento (2007a). Alm deste texto, tambm de fundamental importncia foi o livro Lembranas do Passado, publicado em quatro volumes, o qual registra cartas e relatrios escritos por Robert Reid Kalley e seus colaboradores. Alm de cartas, esto reunidos os dirios de Kalley e de sua esposa Sarah Kalley, atas, sermes e relatrios de vendas dos impressos, documentos que possibilitaram uma maior compreenso de tal ao no Brasil. Esses documentos foram organizados e publicados por Joo Gomes da Rocha, brasileiro e filho adotivo de Kalley. Todas as anlises realizadas serviram para fomentar e aperfeioar nosso conhecimento e compreenso acerca deste movimento, preenchendo algumas lacunas existentes sobre a ao protestante no Brasil na histria da Educao, pois, ao tratar-se de religiosos educadores, grande foi sua colaborao educao do nosso pas. Os dados aqui reunidos revelam aes de um grupo protestante conduzido por um escocs que estrategicamente se utilizou da educao para evangelizar. O campo da Histria da Educao Protestante Brasileira ainda pouco explorado, e investigar esse passado leva-nos a entender a importncia do recurso tecnolgico utilizado por eles para expandir o protestantismo a imprensa e principalmente os impressos que circularam em grande nmero no Brasil do sculo XIX. Ao iniciar a investigao levantamos aspectos que se relacionam ao de um grupo protestante norte-americano, o presbiteriano, que contribuiu para a insero do processo de alfabetizao no Brasil atravs de instalaes de escolas durante o sculo XIX. Em meio s inquietaes, organizamos algumas questes que se tornam relevantes nesta pesquisa: De que maneira Robert Reid Kalley foi propagador de um modelo religioso e educacional no Brasil? Quais os ttulos e temas de impressos protestantes que circularam no Brasil durante o sculo XIX sob a sua ao? Qual a contribuio desses impressos para os futuros leitores nos oitocentos? Quais foram os colportores que trabalharam com Kalley e sua importncia na difuso do protestantismo? So algumas das questes a que buscaremos responder nesta anlise, na perspectiva de esclarecer algumas lacunas sobre a presente temtica.

Em meio a construes e desconstrues de fatos histricos, o mtodo indicirio tornou-se um dos procedimentos teis na realizao desta investigao, tomando como referncia a conceituao aplicada pelo historiador italiano Carlo Ginzburg (2007). Trata-se de um mtodo que valoriza os pormenores da trama, por vezes negligenciveis, e que para uma cautelosa investigao podero tornar-se reveladores para a compreenso dos acontecimentos, auxiliando no desvelamento de prticas culturais. Uma das caractersticas deste mtodo a observao do que no bvio na configurao histrica. IMPRESSOS PROTESTANTES E A IMPORTNCIA DAS SOCIEDADES BBLICASEm meados do sculo XIX, inicia-se no Brasil a divulgao de impressos protestantes, a qual se deu incio atravs do trabalho realizado por membros das Sociedades Bblicas responsveis pela publicao dos impressos. No desenrolar da pesquisa pode-se perceber a interveno de duas sociedades, a Sociedade Bblica Britnica e Estrangeira (BFBS) e a a Sociedade Bblica Americana (SBA). A primeira foi fundada no ano de 1804, e a segunda em 1816, sendo que ambas tinham o mesmo objetivo, de propagar a Bblia e demais impressos religiosos provenientes dela, agindo, inteligentemente, com o diferencial de proporcionar a escrita na lngua nacional de cada pas em que estivessem atuando, facilitando dessa forma a maior aceitao possvel do novo, o protestantismo.Tais instituies foram organizadas como uma espcie de corporao, em que seus membros eram divididos por cargos, entre eles estavam os agentes, uma espcie de supervisores, e os colportores, vendedores ambulantes de impressos. Mas, alm destes, para que as sociedades funcionassem, era necessrio contar ainda com o trabalho de portadores e comandantes de navios no trabalho de exportao, como tambm de comerciantes que divulgavam e vendiam os impressos em seus estabelecimentos, alm da organizao interna, composta por tesoureiros, superintendentes e outros. O uso desses impressos extrapolou a rea religiosa, os quais foram utilizados tambm como livros didticos nas escolas protestantes e nas escolas dominicais como material pedaggico para alfabetizar seus alunos, desviando-se da rea da Teologia, ou seja, como dispositivos atravs dos quais os indivduos visam impor determinadas representaes do grupo social em que se encontram inseridos (NASCIMENTO, 2007a, p. 23).

As Sociedades Bblicas so compreendidas aqui como associaes voluntrias (WEBER, 2002) que funcionavam sem auxlios governamentais. Eram organizadas por grupos de pessoas que tinham objetivos em comum. Sobre suas formaes, podemos apresentar que o agente deveria ter formao de nvel superior e tornava-se o representante responsvel no pas em que desenvolvia o trabalho de evangelizao e distribuio dos impressos. J o vendedor ambulante, ou colportor, como ficou conhecido no Brasil, geralmente tinha formao primria. Estes se tornaram os principais responsveis pelo trabalho de disseminao dos impressos protestantes no Brasil.Os vendedores ambulantes tinham a funo de divulgar nas ruas, de casa em casa, o material. Alm disso, cabia a eles observar as cidades visitadas, tendo por misso apresentar aquelas onde possivelmente poderiam instalar igrejas e escolas protestantes. No trabalho regional, os vendedores deparavam-se com pessoas no alfabetizadas, e quando isso acontecia, ofereciam o envio de um professor missionrio, vinculado Misso Presbiteriana no Brasil, para ento ensin-los, tornando-se dessa forma uma estratgia de ao, educando atravs dos impressos religiosos e, como consequncia, evangelizando-os. Esta foi a maneira que encontraram para preparar o territrio para a insero de suas igrejas e escolas e, logo, propagar o protestantismo (MAZO e NASCIMENTO, 2009). O sujeito que propomos apresentar foi um importante personagem para a histria do protestantismo, tanto no Brasil como em Portugal. Convm salientar que no Brasil ele atuou como agente respeitvel da Sociedade Bblica Britnica e Estrangeira de Londres, a qual foi responsvel pelo custeio de seu trabalho, diferentemente do perodo em atuou em Portugal.

Com a traduo da Bblia e o baixo custo desta, as camadas populares puderam ter acesso s palavras sagradas, homogeneizando assim o conhecimento do sagrado, de forma que todos tivessem acesso, objetivando possveis manifestaes contra as imposies e os ordenamentos da Igreja Catlica, o que configurou uma verdadeira disputa de campo entre esses grupos religiosos.

Os impressos protestantes so compreendidos nesta investigao como espaos de divulgao e circulao de ideias, os quais serviram como dispositivos para divulgar as ideias do protestantismo, e desta forma forjarem novas maneiras de pensar. Para o historiador Le Goff, o documento no incuo. antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da histria, da poca, da sociedade que o produziram, mas tambm das pocas sucessivas durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silncio (LE GOFF 1984, p. 103).

Tais impressos operaram de maneira a conformar novos grupos sociais com novos paradigmas, novas maneiras de compreender as coisas e o mundo. Serviram como importantes ferramentas de trabalho para a divulgao e expanso da questo religiosa no Brasil.

Diversos foram os tipos de impressos produzidos e utilizados pelos protestantes, como a Bblia, o Novo Testamento, livros, folhetos e hinos; alguns destes serviram ainda como material didtico-pedaggico. No Brasil, Kalley, em sua funo de agente, realizou vrios pedidos de impressos Sociedade Bblica Britnica e Estrangeira na Inglaterra, distribuindo-os estrategicamente no territrio brasileiro em 1856, aproximadamente 200 ou 300 Bblias e 2.000 ou 3.000 livretos e folhetos (ROCHA 1941, p. 45).Com o trabalho de venda de impressos, missionrios protestantes, agentes e vendedores ambulantes trabalharam em conjunto colaborando para que a leitura se tornasse possvel aos desconhecedores das letras. Com isso, as pessoas comearam a participar das reunies de leitura bblica, as crianas passaram a frequentar s escolas dominicais e posteriormente as instituies escolares fundadas por protestantes, com o propsito de terem acesso palavra impressa. Grande parte da literatura protestante que circulou no Brasil durante o sculo XIX foi editada pela grfica e editora Livraria Evanglica da rua das Janelas Verdes, em Lisboa, e no Brasil, pela Casa Vanorden, enquanto que as Bblias vinham da Inglaterra e dos Estados Unidos (NASCIMENTO, 2007, p. 16). No ano de 1850, a Sociedade Bblica Britnica e Estrangeira distribuiu 200 Novos Testamentos em alemo na cidade de Petrpolis. Um ano depois, uma remessa de 1.000 Bblias em portugus foi enviada a um negociante na cidade do Rio de Janeiro, e 36 unidades a um correspondente cujo nome no foi registrado, em Salvador. No ano de 1852, o mesmo negociante do Rio de Janeiro recebeu dessa Sociedade uma quantia correspondente a 700 Bblias Sagradas. A Sociedade Bblica Americana distribuiu no Brasil, em 1842, 55 Bblias e 93 Novos Testamentos para algumas cidades do Par e do Rio Grande. Entre os anos de 1842 a 1853, essa instituio distribuiu no territrio brasileiro aproximadamente 600 Bblias e 900 Novos Testamentos em portugus. Alm disso, enviou 100 Bblias e 209 Novos Testamentos para o americano Nathan Sands, que morava no Rio de Janeiro. Estes dados apresentam um resultado parcial sobre a quantidade de impressos que circularam no pas durante o sculo investigado.O quadro abaixo apresenta tipos, quantidades e ttulos dos impressos protestantes que circularam no pas, podendo em alguns destacar o remetente, destinatrio ou local destinado.

QUADRO 1: Circulao de Impressos protestantes no Brasil, no perodo de 1856 a 1864 DATA/ANO COLPORTOR E LOCALTIPO

DE IMPRESSOQUANTIDADE E TTULO DOS IMPRESSOS

1856-Livros, livretos e folhetos200 ou 300 Bblias e aproximadamente 2.000 ou 3.000 livretos e folhetos

09/1856Francisco da Gama (RJ)Livros e folhetos12 Bblias, 48 Novos Testamentos, 10 folhetos Divina Autoridade

11/1856Francisco da Gama (RJ)Livros51

12/1856-Livros e folhetos34 Novos Testamentos

45 folhetos

01/1857-Livros e folhetos29 Bblias

36 Novos Testamentos

31 folhetos

02/1857-Livros e folhetos68 Bblias

28 Novos Testamentos

33 folhetos

03/1857-Livros e folhetos56 Bblias

14 Novos Testamentos

21 folhetos

04/1857-Livros e folhetos35 Bblias

13 Novos Testamentos

22 folhetos

05/1857-Livros e folhetos45 Bblias

29 Novos Testamentos

24 folhetos

05/1857Rio de JaneiroFolhetos e cartilhas para as escolas 850 folhetos Viagem do Christo; 1.700 folhetos Trs perguntas sobre a Bblia e uma boa quantidade de cartilha (bem aceitas nas escolas), como Henriquinhos, alm de outras publicaes compradas na Sociedade Americana de Tratados (p. 53).

06/1857-Livros e folhetos 29 Bblias

14 Novos Testamentos

Sete folhetos

--Livros e folhetos262 Bblias

168 Novos Testamentos

183 folhetos

Distribuio gratuita e quatro Novos Testamentos e 1.076 folhetos

12/1858Laranjeiras/SE.Folhetos300 folhetos Divina AutoridadeSeis folhetos que constam na Bblia

20 folhetos Viagem do Cristo

20 folhetos que constam no Novo Testamento

160 folhetos

03/1859-Livros e livretos12 Bblias portuguesas

20 Novos Testamentos dourados

20 Novos Testamentos pequenos

20 Novos Testamentos ordinrios 20 Bblias alems e 20 Novos Testamentos alemes

01 a 06/1859-Livros 731 Bblias portuguesas

95 Bblias alems

18 Bblias inglesas

Duas Bblias italianas

Uma Bblia hebraica

971 Novos Testamentos portugueses

100 Novos Testamentos alemes

12 Novos Testamentos franceses

Seis Novos Testamentos italianos

10 Novos Testamentos espanhis

Um em grego

1863 a 1864Francisco da Gama; Francisco de Souza Jardim;

Manuel FernandesLivros419 Bblias

854 Novos Testamentos

Fonte: ROCHA, Joo Gomes da. Lembranas do Passado. Vols. 1. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Publicidade Ltda., 1941.

No trabalho dirigido pelas Sociedades Bblicas foi de fundamental importncia o papel dos colportores na difuso dos impressos protestantes, assim como a ao do agente Kalley, registrando uma histria no trabalho missionrio que desempenhou, com o nico propsito de expandir o protestantismo no Brasil. Entre os colportores que atuaram no Brasil durante o sculo XIX, sob a direo de Kalley, tornou-se possvel at o momento apresentar os seguintes nomes, podendo, em sua maioria, destacar o local em que atuaram.

QUADRO 2: Colportores e rea de Atuao (1855-1867) COLPORTORLOCAL DE ATUAO

Antnio Marinho da Silva Pernambuco

Antnio Patrocnio Dias Pernambuco, Vitria (ES) e Portugal

Bernardino de Oliveira Rameiro Rio de Janeiro

Francisco da Gama Rio de Janeiro

Francisco de Souza JardimPernambuco

Francisco Silva Jardim Mag, Porto de Caxias (RJ)

Felx M. FerreiraPorto Alegre (RS) e Cachoeira (BA)

Guilherme D. Pitt Rio de Janeiro e So Paulo

Henrique Vieira-

Joo Antnio de MenesesPernambuco

Joo Jos da Costa So Paulo

Joo Manuel G. dos Santos-

Joo Severo-

Jos Bastos-

Jos de S. Diogo-

Jos Pereira de Souza LouroMag (RJ) e Minas Gerais

Manuel B. de Menezes-

Manuel de Souza Jardim Rio de Janeiro

Manuel FernandesRio de Janeiro

Manuel Jos da Silva Viana Bahia e Pernambuco

Manuel P. Cunha Bastos Minas Gerais

Manuel Vieira de Souza Rio de Janeiro e Portugal

Patrocnio Dias Pernambuco

Pedro Nolasco de Andrade Sergipe

Fonte: ROCHA, Joo Gomes da. Lembranas do passado. Vol. 1 e 2. Esses vendedores de impressos que trabalhavam para Kalley recebiam em mdia 50$000 (cinquenta mil ris) por ms, o que corresponde a uma hora de trabalho dirio. Entretanto, quem trabalhasse mais de uma hora por dia receberia 60$000 (sessenta mil ris) e, por todo o dia, 80$000 (oitenta mil ris). Os vendedores tinham por obrigao fazer um relatrio dirio, bastante minucioso, para apresentar semanalmente a seu agente. Registravam data, locais que passavam, os ttulos e a quantidade vendida e distribuda gratuitamente. Deviam descrever a cidade visitada, seu comrcio, a presena da Igreja Catlica e os provveis pontos de fixao. Se seu chefe estivesse fora, o documento seria enviado semanalmente pelos Correios, de modo que o agente acompanhasse todo o movimento de seus subordinados (NASCIMENTO, 2007, p. 16). O MISSIONRIO ROBERT REID KALLEYResponsvel pela implantao do Protestantismo no Brasil, Kalley foi mdico, pastor e escritor. Como mdico, atendeu a todos, sobretudo aqueles das classes menos favorecidas. Alm disso, a imprensa tornou-se sua principal aliada, um veculo adequado para propagar o protestantismo, objetivando alcanar toda a populao possvel. Foi por meio do recurso impresso que Kalley conseguiu divulgar e informar aos brasileiros sobre a nova religio, pois a populao tendo acesso palavra impressa alcanaria de forma mais fcil novos fiis, conscientizando-os sobre o conhecimento bblico. Isto permitiu a aproximao das ideias do cristianismo protestante, que se consolidou tambm atravs do trabalho de publicao nos jornais, podendo-se firmar definitivamente o que conhecemos atualmente por protestantismo.

Kalley tornou-se agente da Sociedade Bblica Britnica e Estrangeira (BFBS) somente em meados da dcada de 50 do sculo XIX, vendendo e distribuindo livros e folhetos, visitando casas e lojas, conversando sobre o sagrado. Realizou reunies e cultos domsticos, com os objetivos de firmar grupos com interesses comuns, consolidar amizades e conformar redes de sociabilidade.

Estudar a ao de um sujeito ou grupo exige executar uma anlise habilidosa, procurando capturar as representaes de uma cultura em suas entranhas e compreend-la em sua estranheza e originalidade sobre as vrias formas de pensar e agir de uma sociedade, pois

a biografia intelectual maneira de Febvre , de fato, a histria da sociedade, atendendo a que situa os seus heris simultaneamente como testemunhas e produtos dos condicionamentos coletivos que limitam a livre inveno individual. (...) a uma histria dos sistemas de crenas, de valores e de representaes prprios de uma poca ou de um grupo, (...) histria das mentalidades (CHARTIER, 1990, p. 39).

O desempenho estratgico de Kalley e de seus colaboradores contribuiu para forjar novos hbitos e tradies na poca, assim como a circulao e apropriao de novas idias que, registradas nos impressos, tiveram fundamental importncia no contexto da poca para a implementao de uma cultura protestante num pas catlico. Em pouco tempo de ao os resultados comearam a surgir. Por exemplo, a senhora Gabriela Carneiro Leo foi uma das primeiras pessoas a aceitar a nova doutrina religiosa, o protestantismo. Esta, por sua vez, era uma mulher de classe alta, irm do Marqus do Paran e av de Nicolau S. do Couto Esher, escritor cristo e fundador do jornal O Cristo. Esta informao nos permite perceber a influncia social que Kalley procurou cultivar em sua atuao no Brasil.

A partir dos anos 50 dos Oitocentos, o Brasil seria o prximo destino a ser escolhido por Kalley para desenvolver suas atividades missionrias. Nesse perodo j havia a ao de outros protestantes, que atuavam com o objetivo de disseminar o Protestantismo no estrangeiro. A exemplo do Rev. James Cooley Fletcher, agente da Sociedade Bblica Americana (SBA), o qual atuou como um forte articulador da questo religiosa, e que atravs da necessidade de novos mensageiros, solicitou ao seu superior, R. Baird, o envio de dois ou trs madeirenses para o auxiliarem no trabalho evanglico.

Uma vez que, a Constituio Federal no permitia a prtica de cultos em lngua estrangeira. Assim, R. Baird convidou Kalley para trabalhar no Brasil, pois tinha conhecimento do desempenho de Kalley em Portugal. Dessa forma, no ano de 1855, o casal Kalley resolveu dar continuidade ao trabalho missionrio em terras estrangeiras, dessa fez entre brasileiros. Com o propsito de desenvolver atividades de evangelizao entre os brasileiros, o casal Kalley, vinculado Igreja Congregacional, persistiu na busca de novos convertidos, desenvolvendo um trabalho que possibilitou posteriormente a formao de diversas comunidades protestantes, tais como presbiterianas, metodistas, batistas e outras. Em meio a suas atividades, publicou folhetos de propaganda religiosa em jornais do Rio de Janeiro e principalmente no Correio Mercantil. Entre as pessoas com quem teve amizade estava o imperador D. Pedro II, que fez visitas cordiais ao casal, e at mesmo quando Kalley esteve doente. Foi ministro evanglico, indivduo importante para a insero do protestantismo no Brasil e em Portugal em meados do sculo XIX.

Com a ajuda de sua esposa Sarah, produziu e publicou hinos sagrados para serem cantados nos cultos dirios, os quais tambm foram utilizados como recurso pedaggico nas escolas dominicais. A primeira edio dos Salmos e Hinos no Brasil foi publicada em 1861 pela Tipografia Laemmert, pioneira do mercado livreiro e tipogrfico brasileiro, seis anos aps a sua primeira edio na Tipografia Laemmert de Londres.

Fundou a Igreja Evanglica Fluminense, em 11 de julho de 1858, resultado de apenas trs anos de ao. O casal permaneceu no pas por aproximadamente 21 anos, decidindo retornar Esccia, seu pas de origem, por motivos de sade; e como forma de retribuio e respeito, denominou sua nova moradia de Campo Verde, em homenagem ao Brasil (ROCHA, 1941).

Para consolidar a misso no Brasil, Kalley contou com o apoio de muitas pessoas, mas em especial do colportor e amigo madeirense Francisco da Gama, que realizava todo o trabalho de evangelizao na cidade do Rio de Janeiro, no perodo em que Kalley decidiu morar em Petrpolis. Eles mantinham contato atravs de cartas, das quais Gama descrevia os relatrios referentes venda e distribuio gratuita dos impressos protestantes, como tambm realizava pedidos quando necessrio, alm de relatar dias de cultos e os embates ocasionados por catlicos. Gama foi um sujeito de fundamental importncia na consolidao do trabalho missionrio de Kalley, atuando e servindo seriamente, substituindo seu dirigente quando este estava enfermo.Uma das principais atividades do casal Kalley foi realizar uma prtica educacional atravs do modelo de escolas dominicais, produzindo bons frutos a favor do protestantismo no Brasil, pois atendia tambm ao pblico menor. As escolas eram gratuitas e abertas a todos, crianas, jovens, adultos e negros. Eram divididas em classes para as crianas, os jovens e os adultos, cujas aulas eram ministradas por Sarah Kalley, que instrua em lngua portuguesa, utilizando como recursos pedaggicos diversos impressos religiosos, prticas de cantigas atravs de hinos sacros e principalmente estudo e aplicao da Bblia em vernculo, tornando-se o principal material didtico nessas escolas. Tendo em vista sua experincia em outros pases, Kalley tinha uma viso que divergia no que diz respeito s prticas educativas do Brasil.A educao no municpio da Crte no mostrava muito adiantamento. O estado mantinha 26 escolas primrias, sendo 17 para meninos, com 909 alunos, e 9 para meninas com 555 alunas. A instruo particular era dada em 97 casas, das quais 51 eram para meninos, com 2.864 alunos, e 46 para meninas com 1.626 alunas. Havia tambm algumas escolas secundrias e acdemias, com um total de 300 estudantes (ROCHA 1941, p. 26).

A classe dos negros era dirigida por Kalley, e aqueles que puderam participar viram nesse ato a oportunidade de serem includos no meio scio-cultural dos letrados. Contudo, no somente os negros puderam ser alfabetizados; diversas pessoas pertencentes a diversas classes e de origens nacionais ou estrangeiras tambm o foram, atravs do trabalho de colportagem, das reunies domiciliares, sendo importantes estratgias que encontraram para propagar e preparar as regies do pas para a insero de suas futuras instituies, seja de cunho religioso ou educacional. Segundo Nascimento (2007, p. 18), como resultado do trabalho inicial de Kalley, at 1934 existiam 3.912 escolas dominicais com 14.832 professores e 166.164 alunos.

A escola dominical teve origem na Inglaterra, fundada por Robert Raikes em 1781. No Brasil, esse modelo pedaggico foi iniciado por Kalley, que originou resultados aos quais resistem at os dias atuais, em aspectos de marco denominacional e atravs de objetivos que se firmaram possveis de atuao. Foram atividades que possibilitaram a insero e incentivo de prticas de leituras s diversas classes da sociedade, assim como a incluso dos negros na participao das reunies e at das escolas dominicais, o que ocasionou alguns problemas, pois essas pessoas tinham que abandonar o trabalho aos domingos para se dedicarem ao estudo da Palavra do Senhor, aborrecendo dessa forma os seus donos, os senhores de engenho e donos de fazendas que no aceitavam essa ideia.

No perodo de 1856 a 1859, Kalley realizou vrios pedidos de impressos Sociedade Bblica Britnica para distribu-los em territrio brasileiro, totalizando aproximadamente 1.791 Bblias, das quais 95 eram escritas em alemo, 18 em ingls, duas em italiano, uma em hebraico; 2.310 Novos Testamentos, dos quais 971 eram escritos em portugus, 120 em alemo, 12 em francs, seis em italiano, 10 em espanhol e um em grego. Preparou e imprimiu folhetos, tais como, A Cobra de Bronze e O Remdio Eficaz para os doentes mais desesperados; redefiniu o antigo tratado O que a Bblia?; traduziu o livro A Viagem do Cristo ou O Peregrino, obra original de Joo Bunyan, e publicou-a na ntegra no Correio Mercantil, jornal do Rio de Janeiro. Este foi o primeiro ato memorvel de propaganda protestante no Brasil, visto que, lanando mo da imprensa diria, ampliava assim um crculo maior de leitores. Em 14 de dezembro de 1858, foram encaminhados para a cidade sergipana de Laranjeiras 300 folhetos da Divina Autoridade, seis impressos sobre a Bblia, 20 sobre o Novo Testamento, 20 exemplares da Viagem do Cristo e mais 160 folhetos que no foram especificados (MAZO E NASCIMENTO, 2008b, p. 6).Publicou vrios folhetos em O Correio Mercantil e em O Christo, jornais do Rio de Janeiro, alm da publicao de hinos e tradues da Bblia, os quais eram utilizados tambm nos cultos domsticos e nas aulas da escola dominical. Autntico, preocupou-se em manter contato com a populao, conversando sobre a importncia do Evangelho e apresentando os impressos para que as pessoas pudessem adquirir. Em 1856, Kalley enviou para o amigo Gama, que se encontrava na capital carioca, uma caixa contendo 12 Bblias, 48 Novos Testamentos e 10 folhetos da Divina Autoridade e parte do Novo Testamento. No mesmo ano, Gama recebeu mais 51 Novos Testamentos e, como as Bblias foram rapidamente vendidas, solicitou a compra de outra remessa, o que nos possibilita perceber os resultados da consolidao do protestantismo que estava tomando forma no Brasil Imprio.

Kalley tambm fez alguns pedidos de impressos protestantes Livraria da Rua das Janelas Verdes, de Lisboa, com o objetivo de suprir o que pensava ser necessrio para o Brasil. Encomendou 800 exemplares dos folhetos Divina Autoridade e, Quero ter, e concluiu a preparao do folheto Viagem do Cristo para ser publicado em Londres, satisfazendo assim o desejo de muitos leitores do Correio Mercantil. Este intelectual atuou como mdico, missionrio, pastor, escritor, polemista e educador; foi um verdadeiro articulador, planejando suas aes e agindo estrategicamente para alcanar um nico objetivo: evangelizar as pessoas atravs da doutrina evanglica protestante. CONSIDERAES FINAIS

Os dados levantados demonstram que os impressos protestantes foram importantes ferramentas de trabalho para a ao desses reformadores, utilizando-os com o objetivo de inserir e difundir a nova religio, tendo sido o principal veculo de divulgao de suas ideias, permitindo, assim, a definitiva insero do protestantismo no Brasil.

Foi atravs dos impressos que as pessoas iletradas puderam no somente ter conhecimento da Bblia, como tambm ser alfabetizadas, visto que na poca somente aqueles pertencentes s classes mais abastadas tinham acesso instruo escolar. E desta forma, aqueles que pertenciam populao desfavorecida eram includos em vrias atividades da sociedade, assim como da possibilidade de aprender a ler e escrever.

As aes aqui apresentadas possibilitam-nos perceber a importncia desse grupo protestante no processo de civilizao, moralidade e educao, no processo de alfabetizao das massas populares, independentemente de crena, raa ou etnia, dando oportunidades a todos, at mesmo classe trabalhadora que sofria com a marca da escravido, trabalhando arduamente durante a semana a fim de reservar os domingos para as aulas dominicais e reunies domiciliares, com o desgnio de aperfeioar o conhecimento moral e civil por meio da utilizao da Bblia.Considerando o recorte temporal, torna-se relevante afirmar que a ao desenvolvida por esses seguidores da f protestante foi de grande valia para a histria das prticas educacionais no Brasil, uma vez que eles agiram como articuladores de saberes e formadores de um novo modelo cultural e social.

Percebe-se ainda que ao darem incio a essas aes na histria da evangelizao e da educao brasileira, nem tudo ocorreu como o previsto. Vrios embates e conflitos ocorreram para impedir que o protestantismo se expandisse, por meio dos mecanismos e estratgias de atuao da Igreja Catlica. O grupo protestante organizava-se para, principalmente, formar uma nova sociedade crtica, participativa e conhecedora de seus direitos. No entanto, naquele perodo, mesmo com tantas iniciativas e mudanas, em algumas cidades a populao era coagida a queimar suas bblias ou qualquer tipo de impresso religioso que fosse originada das crenas do protestantismo.

Este estudo desenvolve-se num processo de descoberta e de construes por meio de retalhos que aos poucos do luzes a hipteses acerca da problemtica. Ele visa compreender melhor a histria na sua complexidade de fatos passados e, para alm disso, detectar aspectos que vo inquietando a importncia e a contribuio dessa ao estratgica, que foi iniciada h menos de 200 anos, mas de cujos resultados podemos desfrutar at hoje, visando ao crescimento econmico, educacional e moral no Brasil oitocentista.

REFERNCIASCHARTIER, Roger. A histria cultural: entre prticas e representaes. Lisboa: Difel, 1990.

LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento. In: Enciclopdia Einaudi Memria-Histria. Porto: Imprensa Nacional/Casa da Moeda. V.1, 1984, p. 95-106.

MAZO, Priscila Silva e NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Bas Carvalho do. Sociedades Bblicas e impressos protestantes como condutores de idias e preceitos religiosos e educacionais. In: Anais Eletrnicos do Seminrio: O Ncleo de Ps-Graduao em Educao e a pesquisa educacional. So Cristvo: UFS, 2009.

NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Bas Carvalho do. A Escola Americana: origens da educao protestante em Sergipe (1886-1913). So Cristvo: Grupo de Estudos em Histria da Educao/NPGED/UFS, 2004.

NASCIMENTO, Ester Fraga Vilas-Bas Carvalho do. Imprensa protestante nos Oitocentos. Projeto de Pesquisa. Aracaju: Unit/PPED, 2007a.

NASCIMENTO, Ester F. Vilas-Bas C. do. Educar, curar, salvar. Uma ilha de civilizao no Brasil tropical. Macei: UFAL; Aracaju: Unit, 2007b.NVOA, Antnio (Org.). Profisso professor. Porto: Porto Editora, 1991.ROCHA, Joo Gomes da. Lembranas do passado. Ensaio histrico do e desenvolvimento do trabalho evanglico no Brasil, do qual resultou a fundao da Igreja Evanglica Fluminense, pelo Dr. Robert Reid Kalley. Primeira fase 1855 a 1864. Vol. 1. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Publicidade Ltda., 1941.ROCHA, Joo Gomes da. Lembranas do passado. Ensaio histrico do incio e desenvolvimento do trabalho evanglico no Brasil, do qual resultou a fundao da Igreja Evanglica Fluminense, pelo Dr. Robert Reid Kalley. Primeira fase 1855 a 1864. Vol. 2. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Publicidade Ltda., 1944.

O mascate carregava sempre consigo uma sacola ou cesta comprida, aberta e sua frente, pendurada no pescoo, com almanaques, livros e folhetos. Por causa dessa sacola porttil ao pescoo, que os franceses denominaram-no colporteur (NASCIMENTO, 2007, p. 8).

At o momento, esta pesquisa no detectou o Estado a que Rocha (1941) refere-se quando denomina Rio Grande.

A fonte utilizada para a coleta desses dados no permitiu a identificao de alguns dados, deixando lacunas.

A fonte utilizada impossibilitou a identificao de algumas reas de atuao.

ROBERT REID KALLEY: PIONEIRO DO PROTESTANTISMO MISSIONRIO NA EUROPA E NAS AMRICAS

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Alderi Souza de Matos

Introduo

Ao escreverem sobre a implantao da f protestante em pases do terceiro mundo, os estudiosos tm feito uma distino que aponta para duas modalidades desse fenmeno: o protestantismo de imigrao, representado por imigrantes protestantes normalmente procedentes da Europa central e setentrional, os quais tenderam a restringir as suas prticas religiosas ao seu prprio grupo tnico, e o protestantismo de misso, representado por indivduos e organizaes da Europa e dos Estados Unidos que trabalharam naqueles pases com a inteno expressa de angariar adeptos e plantar igrejas entre a populao nacional. O mdico escocs Robert Reid Kalley um notvel pioneiro dessa segunda modalidade, tendo sido o primeiro missionrio protestante a atuar com xito em vrias regies de lngua portuguesa dos dois lados do Atlntico, apesar dos formidveis obstculos que teve de enfrentar. Personagem controvertido e polmico, caracterizado por um esprito empreendedor e independente, Kalley exerceu uma influncia profunda e duradoura sobre o protestantismo luso-brasileiro, em diferentes aspectos.

Apesar de Kalley ter se tornado uma figura quase lendria na histria do protestantismo brasileiro, alguns aspectos da sua vida, obra e peculiaridades so ainda pouco conhecidos. Da a oportunidade e relevncia de reconsiderar esse pioneiro, visto ter transcorrido recentemente o sesquicentenrio da sua chegada ao Brasil (2005). O artigo comea por mostrar as circunstncias que levaram Kalley da sua Esccia natal pequena Ilha da Madeira, no Oceano Atlntico. Em seguida, observa-se como a tremenda oposio surgida contra o missionrio e seus conversos teve um desfecho no antecipado nem pretendido pelos perseguidores: a difuso da f evanglica em outras terras. So apontados os fatores que trouxeram Kalley ao Brasil, bem como as influncias sofridas e as mudanas experimentadas por ele ao longo da sua caleidoscpica histria de vida. Conclui-se com uma avaliao das principais contribuies do personagem, bem como de algumas de suas idiossincrasias pessoais e teolgicas.[1]

1. De Glasgow Ilha da Madeira

Robert Kalley nasceu em Mount Florida, um subrbio de Glasgow, Esccia, no dia 8 de setembro de 1809. Foi batizado aos oito dias de vida na tradicional e antiga Igreja da Esccia (Presbiteriana).[2] Seu pai, um prspero comerciante e dedicado membro da igreja, faleceu um ano mais tarde. Sua me voltou a casar-se, mas morreu em 1815, deixando o filho para ser criado pelo padrasto. Este tambm era membro da igreja e desejou que o jovem seguisse a carreira ministerial. Aos vinte anos, em agosto de 1829, Robert diplomou-se cirurgio e farmacutico pela Faculdade de Medicina e Cirurgia de Glasgow, tendo feito os seus estudos prticos no Hospital Real da mesma cidade. Aceitou um emprego de mdico de bordo em duas viagens a Bombaim, na ndia, tendo a oportunidade de visitar muitos portos, inclusive Funchal, na Ilha da Madeira. Sentiu em primeira mo a grande necessidade de mdicos no Oriente.[3]

Em 1832, Kalley comeou a praticar a medicina em Kilmarnock, a cerca de 30 km de Glasgow, onde se destacou pela sua competncia e veio a prosperar financeiramente. Desde a juventude havia sido um incrdulo e agnstico, tendo sido influenciado pelos escritos do desta Thomas Paine (1737-1809) e outros autores. Todavia, a atitude de uma paciente crist, que enfrentou grandes sofrimentos com serenidade e f, bem como as conversas que teve com ela, levaram o jovem mdico a reconsiderar as asseres do cristianismo. O estudo da Bblia, especialmente das profecias relativas aos judeus e Palestina, levou-o converso e a um interesse pela evangelizao dos judeus. Outro fato marcante daqueles anos de transio foi a morte de Robert Morrison (1782-1834), missionrio de origem escocesa e presbiteriana, ligado Sociedade Missionria de Londres, que foi o pioneiro protestante na China (Canto).

Kalley sentiu que a morte de Morrison representava um desafio e um chamado para ele. Ofereceu os seus servios Junta de Misses da Igreja da Esccia como mdico missionrio e evangelista, mas a junta no o aceitou pelo fato de a China no estar includa entre os seus campos missionrios. Buscou ento a Sociedade Missionria de Londres[4], que em fins de novembro de 1837 o admitiu como mdico missionrio para a China. Foi instrudo a embarcar para o campo em 1839, devendo fazer, no nterim, novos estudos mdicos, alm de estudos teolgicos. Fechou o seu consultrio mdico e matriculou-se na Universidade de Glasgow, obtendo o grau de doutor em medicina em abril de 1838. Todavia, dois meses aps a sua nomeao como missionrio, ele havia ficado noivo de Margaret Crawford, de Paisley, cuja frgil sade a desqualificava para o trabalho na China. A nomeao foi suspensa at uma ocasio oportuna.

Embora a China ainda estivesse nos seus planos, a deteriorao da sade da esposa fez com que Kalley planejasse lev-la por uns tempos para a Ilha da Madeira, cujo clima o havia encantado. Chegaram a Funchal no dia 12 de outubro de 1838. Naquela cidade havia uma grande colnia de escoceses ligada indstria do vinho e mais tarde Kalley foi eleito presbtero da Igreja Presbiteriana Escocesa ali existente. Logo que chegou, sentiu-se desafiado a empregar as suas aptides e recursos para auxiliar a populao pobre e analfabeta da ilha, e anunciar-lhe o evangelho. Resolveu estudar a lngua portuguesa e seguiu para Lisboa, onde, em 17 de junho de 1839, depois de ter sido examinado pela Escola Mdico-Cirrgica daquela cidade, foi habilitado para exercer a medicina nos territrios de Portugal. Seguiu ento para Londres, para contatos com a Sociedade Missionria, qual pedira que o ordenasse pastor e o nomeasse como seu agente na Ilha da Madeira. A Sociedade aprovou a sua ordenao, mas no o aceitou como agente por ainda no ter trabalho naquela ilha. Apesar de no ter feito estudos formais de teologia, sendo aparentemente um autodidata nessa rea, Kalley foi aprovado nos exames e ordenado no dia 8 de julho de 1839 por seis ministros presbiterianos ligados Sociedade. Estes agiram em sua capacidade individual, sem representar uma denominao.[5] Em outubro do mesmo ano, ele retornou Ilha da Madeira.

Em 1840, Kalley abriu um pequeno hospital com doze leitos em Funchal, com farmcia e consultrio grtis para os pobres. Quase cinqenta pessoas o consultavam diariamente. As consultas eram precedidas por um pequeno culto em que ele lia e explicava as Escrituras e fazia uma orao. Seguia a mesma prtica quando visitava os pacientes nos seus lares. Ao mesmo tempo, utilizando recursos prprios e de amigos, abriu escolas diurnas para as crianas e noturnas para os adultos em vrios pontos da ilha, nas quais as pessoas aprendiam a ler e eram instrudas nas Escrituras. Nessas escolas mais de 2000 pessoas aprenderam a ler, nos seis anos em que elas funcionaram. Nesse perodo, Kalley comps os seus primeiros hinos e escreveu os seus primeiros tratados evanglicos para o povo. Milhares de exemplares das Escrituras foram distribudos. Aos domingos, grandes grupos reuniam-se nas montanhas para ouvir a pregao do Evangelho e cantar os apreciados hinos calvinistas.[6]

2. O espectro da perseguio

A princpio, as autoridades elogiaram o Dr. Kalley pelas suas atividades filantrpicas, registrando em ata, em maio de 1841, a sua gratido ao bom doutor ingls. O povo, reconhecendo os seus servios, chegou a denomin-lo o santo ingls. O ano de 1842 foi particularmente frutfero no trabalho educacional e evangelstico. Porm, no final de janeiro do ano seguinte a hostilidade latente do clero deu incio a um movimento anti-hertico que, com a cooperao das autoridades civis, rapidamente assumiria propores assustadoras.[7] Vale lembrar que essas reaes antiprotestantes resultaram em parte do carter conservador de uma comunidade isolada, religiosamente homognea, como a pequena Ilha da Madeira. Por outro lado, a igreja catlica europia vivia um de seus perodos mais conturbados, em que o forte sentimento tridentino e ultramontano da Contra-Reforma fora reforado ainda mais pela Revoluo Francesa e suas conseqncias. O papa ento reinante, Gregrio XVI (1831-1846), caracterizou-se por seu esprito reacionrio e intolerante, manifestando-se fortemente contra os valores da modernidade, tais como a democracia, a liberdade religiosa e a separao entre a Igreja e o Estado.[8] Essa atitude no sofreria alterao durante o longo pontificado do seu sucessor, Pio IX (1846-1878).

Na Ilha da Madeira, as autoridades sucessivamente ordenaram o fechamento das escolas evanglicas, proibiram o Dr. Kalley de exercer a medicina e de realizar cultos domsticos e, invocando uma lei inquisitorial de 1603, o prenderam por seis meses sem direito a fiana (julho de 1843 a janeiro de 1844). Ele tinha a permisso de receber trs visitantes de cada vez, mas no podiam cantar hinos e ler as Escrituras. Sob a liderana do cnego Carlos Telles de Meneses, houve um grande esforo no sentido de suprimir o movimento evanglico, do qual resultou a priso de muitos crentes sob acusaes de apostasia, heresia e blasfmia. Uma pobre me de sete filhos, Maria Joaquina Alves, ficou presa durante dois anos e meio (janeiro de 1843 a maio de 1845). Foram terminantemente proibidas a posse e a leitura da Bblia, embora a verso distribuda fosse a do padre Antnio Pereira de Figueiredo. Aps a sua libertao, o Dr. Kalley prosseguiu com o seu trabalho de modo mais limitado e cauteloso, concentrando-se na localidade de Santo Antnio da Serra, onde aos domingos chegavam a reunir-se seiscentas pessoas. Teve o apoio incondicional da Igreja Escocesa de Funchal e de um missionrio recm-chegado, o Rev. William Hepburn Hewitson.[9] Em 23 de maro de 1845, na casa pastoral da Igreja Escocesa, a Ceia do Senhor foi celebrada pela primeira vez em portugus segundo a liturgia presbiteriana. Pouco depois, em 8 de maio, foi organizada sob a liderana do Rev. Hewitson a primeira igreja presbiteriana portuguesa, com mais de sessenta membros comungantes, sendo eleitos vrios presbteros e diconos.

Aps passar alguns meses na Esccia, onde falou sobre as suas experincias Assemblia Geral da Igreja da Esccia em agosto de 1845, Kalley e sua esposa retornaram Ilha da Madeira. Nos meses seguintes se desencadearam novas perseguies com fria ainda maior. Os evanglicos continuaram sendo presos, espancados, apedrejados e alguns tiveram suas casas queimadas. Ressoavam na imprensa e outros meios clamores de morte contra os protestantes. Uma srie de artigos aparecidos no jornal O Imparcial foi publicada sob o ttulo Revista histrica do proselitismo anticatlico exercido na Ilha da Madeira pelo Dr. Roberto Reid Kalley, mdico escocs, desde 1838 at hoje. Kalley escreveu uma resposta a esse panfleto acusatrio contra os evanglicos, resposta essa que foi publicada em Lisboa e circulou ali e na Ilha da Madeira em julho de 1846. Essa controvrsia aberta parece ter sido o estopim da exploso final, no ms seguinte.[10]

No dia 2 de agosto, um bando chefiado pelo cnego Telles atacou a casa de algumas senhoras inglesas onde cerca de quarenta madeirenses, na maior parte mulheres, haviam se reunido para o culto. Vidros e portas foram quebrados, mas a chegada da polcia impediu que fosse causado dano fsico s pessoas reunidas. Nos dias seguintes, muitos calvinistas no interior da ilha tiveram suas casas atacadas e sofreram toda sorte de indignidades. O Rev. Kalley tornou-se o alvo principal dos perseguidores e multiplicaram-se ferozes ameaas de morte contra ele. Seus apelos ao cnsul britnico e s autoridades locais foram recebidos com frieza. Na manh do dia 9, um domingo, a Sra. Kalley foi levada sob disfarce para a residncia do cnsul, que havia ido para a sua casa de campo. Disfarado como uma mulher enferma, o Dr. Kalley foi conduzido em uma rede para uma chcara e dali, antes do raiar do dia 9, foi levado para o navio ingls Forth, ancorado na baa de Funchal. Sua casa, mveis, equipamento mdico, biblioteca e manuscritos foram todos destrudos em um incndio, cuja fumaa ele pde ver do navio. O hospital foi saqueado e muitas das escolas do interior foram queimadas, bem como todas as Bblias e literatura evanglica que foram encontradas.

Naquela mesma noite, o navio partiu para Trinidad, nas Antilhas (Caribe), onde o Dr. Kalley encontrou a esposa e, juntos, seguiram para a Inglaterra. Nas semanas seguintes partida do missionrio, seus discpulos, acossados, ameaados e maltratados, tambm tiveram de fugir para salvar a vida. Os incidentes da Madeira coincidiram com um plano ingls de recrutar trabalhadores para as ilhas de Trinidad, Antigua e St. Kitts, e alguns navios ingleses em busca de trabalhadores haviam chegado a Funchal naquele mesmo ms. No dia 23, duzentos refugiados religiosos partiram a bordo do William, levando apenas a roupa do corpo. Dias depois, mais de quinhentos os seguiram no Lord Seaton e nos meses seguintes muitos outros abandonaram os seus lares, buscando liberdade de culto do outro lado do oceano. Estima-se que mais de dois mil evanglicos deixaram a sua ilha na perseguio de 1846.

Surpreendentemente, o movimento evanglico na Madeira no foi inteiramente suprimido e, em 1853, uma nova leva de emigrantes calvinistas partiu para o Novo Mundo. A partir de 1875, em um clima de maior tolerncia e com o apoio da Igreja da Esccia, vrias igrejas presbiterianas foram formadas naquela ilha, que continuaram em existncia ao longo do sculo 20.[11] Com o apoio de igrejas norte-americanas, muitos dos madeirenses que se fixaram nas Antilhas, bem como os emigrados de 1853, foram para os Estados Unidos, estabelecendo-se nas cidades de Springfield e Jacksonville, no Estado de Illinois.[12] As igrejas que formaram eventualmente filiaram-se Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da Amrica, a Igreja do Norte (PCUSA), e deram uma importante contribuio para o incio dos trabalhos congregacional e presbiteriano no Brasil.

3. Interregno e transferncia para o Brasil

Depois de passar algum tempo na Esccia e na Inglaterra, Kalley trabalhou como mdico missionrio durante dois anos na Ilha de Malta e outros dois na Palestina (1850-1852). Em Safed, organizou uma pequena igreja na qual metade dos participantes era constituda de judeus convertidos e a outra metade de ex-muulmanos e nestorianos.[13] Sua primeira esposa, Margaret, veio a falecer no incio de 1852. No final daquele ano, ele contraiu segundas npcias com Sarah Poulton Wilson (1825-1907), a quem conhecera na Palestina. Sarah nasceu em Nottingham, Inglaterra, sendo sobrinha pelo lado materno de Samuel Morley, rico industrial e filantropo, membro destacado do Parlamento Britnico e lder da igreja congregacional.[14] A famlia tambm tinha ligaes com os Irmos de Plymouth atravs de outro tio de Sarah, John Morley.[15]

Sarah recebeu uma educao esmerada e cultivou muitos dotes artsticos, revelados mais tarde na poesia, na pintura e na msica. Foi grande defensora do nascente movimento das Escolas Dominicais. Seu trabalho evanglico teve incio em Torquay, onde dirigiu uma classe bblica que se tornou instrumento para a converso de muitos jovens. Ela visitou a Palestina em maro de 1852 em companhia de um irmo mais novo, que veio a falecer de tuberculose em Beirute.[16] Nessa viagem Sarah conheceu o Dr. Kalley, com o qual veio a casar-se em 14 de dezembro do mesmo ano. Esse casamento contribuiu para que Kalley eventualmente se afastasse de suas razes presbiterianas e se voltasse para o congregacionalismo. Devido s suas extraordinrias qualificaes, Sarah deu contribuies obra do esposo que exigem uma anlise mais detalhada do que possvel neste estudo.

No inverno seguinte (1853-1854), Kalley, acompanhado da esposa, foi visitar os amigos madeirenses em Illinois. Passando por Nova York, esteve na Sociedade Bblica Americana, onde conversou a respeito dos refugiados portugueses. Poucos dias depois, o dirigente da Sociedade Bblica recebeu uma carta do Rev. James Cooley Fletcher (1823-1901),[17] pastor presbiteriano que trabalhava no Rio de Janeiro para a Sociedade de Amigos dos Marinheiros Americanos, pedindo-lhe o envio de alguns refugiados madeirenses para trabalharem no Brasil como colportores da Sociedade Bblica. Kalley foi informado sobre isso e decidiu ele mesmo vir para o Brasil no ano seguinte.

O casal Kalley partiu de Southampton em 9 de abril de 1855, chegando ao Rio de Janeiro no dia 10 de maio. Por dois meses e meio se hospedaram em hotis, mas no encontraram um local adequado onde pudessem residir e iniciar o trabalho evanglico. No final de junho visitaram Petrpolis e ficaram bem impressionados com a cidade. Viram que havia melhor possibilidade de iniciar o trabalho missionrio ali do que no Rio de Janeiro, graas ao auxlio que poderiam receber dos colonos alemes. Souberam que uma bela propriedade (Gernheim = lar muito amado) situada em uma encosta do Bairro Suo ficaria disponvel em outubro. Mudaram-se para Petrpolis em fins de julho, hospedando-se em um hotel. Tendo feito amizade com a famlia do embaixador americano, Sr. Webb, que ocupava Gernheim, foi-lhes permitido iniciar ali uma escola dominical. Na tarde do dia 19 de agosto, a Sra. Kalley iniciou a classe dominical com as crianas da casa e de uma famlia vizinha. Leram a histria de Jonas, cantaram hinos[18] e oraram. Assim nasceu a primeira Escola Dominical do Brasil. Algum tempo depois foi criada uma classe de adultos, dirigida pelo Rev. Kalley. Em 15 de outubro o casal mudou-se para Gernheim. A escola dominical cresceu e no ano seguinte surgiram classes em alemo, ingls e portugus, para crianas de oito anos para cima.

De agosto de 1855 a maio de 1856, o Rev. Kalley escreveu vrias cartas aos irmos de Illinois, convidando-os para virem ajud-lo no Brasil. Em dezembro de 1855 chegou William D. Pitt, que havia sido aluno de escola dominical de D. Sarah na Inglaterra, e em agosto de 1856 vieram Francisco da Gama, Francisco de Souza Jardim e Manoel Fernandes, com suas famlias. No dia 10 de agosto daquele ano, na casa alugada por esses crentes no morro da Sade, o Rev. Kalley oficiou pela primeira vez a Ceia do Senhor, com a presena de dez pessoas. O missionrio viu desde o incio a importncia da literatura e convidou o Sr. Gama para trabalhar como colportor, o que este fez com muita eficincia, vendendo Bblias e livros evanglicos. Algumas publicaes foram encomendadas de Lisboa e outras produzidas pelo prprio Dr. Kalley. Ele tambm traduziu a famosa obra de John Bunyan, A Viagem do Cristo (O Peregrino), publicando-a no Correio Mercantil (outubro a dezembro de 1856) e depois em forma de livro. Tambm escrevia artigos religiosos nesse peridico. Ao mesmo tempo, desde que chegou a Petrpolis, Kalley procurou relacionar-se com as autoridades civis, inclusive com o imperador Pedro II, do qual se tornou amigo. Como seu vizinho, este foi visit-lo vrias vezes para ouvir sobre as suas viagens atravs da Palestina.

O casal Kalley partiu para a Inglaterra no dia 17 de janeiro de 1857, a fim de visitar uma tia de Sarah que se achava gravemente enferma. De Londres, onde ficaram por alguns meses, o Rev. Kalley enviou para o Rio de Janeiro uma grande quantidade de literatura. Chegaram de volta ao Brasil em 9 de outubro. Extremamente cauteloso aps as perseguies sofridas na Ilha da Madeira, Kalley trabalhou dentro dos limites impostos pela lei brasileira, adotando como modelo bsico de evangelizao o culto domstico.[19] No dia 8 de novembro, foi batizado o primeiro crente em Petrpolis, o portugus Jos Pereira de Souza Louro. No Rio, havia reunies em portugus na casa de Francisco da Gama e em ingls na residncia de William Pitt. Nos meses seguintes, comearam a surgir artigos na imprensa do Rio revelando preocupao com a propaganda protestante e a distribuio de Bblias falsas. Um motivo a mais de inquietao para os lderes catlicos eram as discusses sobre a instituio do casamento civil e outras medidas liberalizantes do governo imperial.

4. O congregacionalismo brasileiro

Em 11 de julho de 1858, Kalley batizou o seu primeiro converso brasileiro, Pedro Nolasco de Andrade, no Rio de Janeiro. Esse dia passou a ser considerado como a data da organizao da Igreja Evanglica, mais tarde denominada Igreja Evanglica Fluminense (18-09-1863), para distingui-la da igreja presbiteriana organizada pelo Rev. Ashbel Green Simonton no incio de 1862. Em Petrpolis, porm, no se chegou a organizar uma igreja, embora houvesse reunies domsticas semanais, e os crentes ali batizados foram incorporados igreja do Rio de Janeiro. A igreja do bairro da Sade foi a primeira comunidade evanglica de lngua portuguesa a surgir no Brasil, isto , a primeira igreja de misso que conseguiu lanar razes permanentes no pas. Todas as outras igrejas existentes naquela poca ou anteriormente eram constitudas de estrangeiros.[20] Kalley tambm continuou a exercer suas atividades como mdico, prestando assistncia gratuita aos pobres e oferecendo os seus servios comunidade, como ocorreu durante uma epidemia de clera em Petrpolis no mesmo ano da sua chegada ao Brasil.

Outro marco importante do ministrio do Dr. Kalley foi o batismo de duas senhoras de alta posio, Gabriela Augusta Carneiro Leo e sua filha Henriqueta Soares do Couto, ocorrido em Petrpolis no dia 7 de janeiro de 1859. Dona Gabriela era irm do Marqus do Paran e do Baro de Santa Maria. Elas haviam sido evangelizadas pelo crente pioneiro Jos Pereira de Souza Louro e mais tarde se transferiram para a igreja presbiteriana, na qual permaneceram at o final da vida. Esse batismo parece ter contribudo para o surgimento de presses contra o trabalho do missionrio, que em 26 de maio daquele ano foi proibido de clinicar pelo subdelegado de Petrpolis.

Mediante presso do nncio, o governo imperial fez chegar Legao Britnica um comunicado com diversas queixas contra Kalley, tais como propaganda de doutrinas contrrias religio do Estado e tentativa de converso de catlicos f protestante. O missionrio formulou uma srie de quesitos sobre as suas atividades e os apresentou simultaneamente aos melhores juristas da poca, os Drs. Joaquim Nabuco, Urbano S. Pessoa de Melo e Caetano Alberto Soares. Os pareceres foram altamente satisfatrios e no dia 16 de julho Kalley enviou Legao Britnica uma resposta ao comunicado do Ministro do Governo e uma carta particular ao cnsul William Stuart explicando as suas atividades e os tipos de pessoas que freqentavam as suas reunies. Concluiu que a liberdade por ele exercida estava dentro dos limites da lei. Acrescentou que, caso o governo insistisse nas suas tentativas de silenci-lo, se sentiria na direito de publicar os motivos para tanto e faz-los conhecidos em todos os pases de onde o Brasil esperava colonos.[21]

No dia 29 de agosto de 1859, Kalley defendeu tese na Escola de Medicina do Rio de Janeiro, sendo reconhecido como mdico e autorizado a exercer essa profisso no Brasil. Nesse nterim, recebeu forte apoio de brasileiros e alemes de Petrpolis, que produziram abaixo-assinados em sua defesa.[22] Kalley fez uma segunda viagem Inglaterra de agosto de 1862 a agosto de 1863. Pretendia tratar do joelho que havia ferido em um acidente com o cavalo, procurar uma pessoa para ajud-lo no seu trabalho e visitar a Palestina. Antes da sua partida, a igreja elegeu os seus primeiros presbteros. Kalley retornou ao Rio de Janeiro no incio de setembro de 1863 e no dia 2 de outubro foi formalmente eleito pastor da igreja a fim de poder realizar casamentos religiosos com efeitos civis, uma importante conquista dos protestantes brasileiros.[23] Em novembro de 1865, preocupado com o fato de um membro da sua igreja possuir escravos, Kalley fez uma exortao expondo seu ponto de vista contrrio escravido. Seu primeiro pastor-auxiliar foi o Rev. Richard Holden (1828-1886), de maro de 1865 a julho de 1871.[24] Isso permitiu a Kalley fazer uma terceira viagem mais prolongada Europa e Palestina, ausentando-se por dois anos e meio (dezembro de 1868 a junho de 1871). Em fins de 1873, o missionrio foi para Recife, onde fundou a Igreja Evanglica Pernambucana, cujo primeiro pastor residente foi o Rev. James Fanstone (1851-1937), pai do Dr. James Fanstone (1890-1987), fundador do Hospital Evanglico Goiano, em Anpolis.

Em 31 de dezembro de 1875, foi eleito co-pastor da Igreja Fluminense o Rev. Joo Manoel Gonalves dos Santos, um membro da igreja que havia estudado desde 1872 no Pastors College, de Charles H. Spurgeon, em Londres. Ele haveria de pastorear a igreja por quase quarenta anos. Estando mais livre das preocupaes do trabalho pastoral, o Rev. Kalley pode dedicar-se preparao de uma smula das doutrinas aceitas pela Igreja Evanglica Fluminense, que recebeu o ttulo de Breve Exposio das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo e foi publicada em 1876. No dia 2 de julho daquele ano, aps o acrscimo de um artigo sobre a natureza de Deus (atual artigo 4), a igreja aceitou formalmente os 28 artigos, que so at hoje a base doutrinria dos congregacionais brasileiros. Em novembro de 1880, o governo imperial haveria de sancionar tanto os artigos orgnicos (estatutos) da igreja quanto a sua base doutrinria.

O Dr. Kalley partiu definitivamente para a Esccia no dia 10 de julho de 1876, vindo a falecer em Edimburgo em 17 de janeiro de 1888.[25] At o seu falecimento, no deixou de corresponder-se com freqncia com os lderes de suas igrejas no Brasil e em outros lugares de lngua portuguesa (Portugal, Madeira, Trinidad, Illinois). Foi o pai espiritual e o mentor de toda uma gerao de ministros e missionrios que imitaram a sua viso, zelo e dedicao. Sentiu o desejo de criar uma sociedade missionria no-denominacional para enviar obreiros ao Brasil, desejo esse cumprido por sua esposa anos mais tarde, com a criao da sociedade Help for Brazil (Auxlio para o Brasil), precursora da Unio Evanglica Sul-Americana (UESA).[26]

5. Kalley e os presbiterianos

Como j foi observado, Kalley nasceu na Igreja da Esccia e manteve ligaes com o presbiterianismo durante boa parte da sua vida. As igrejas que resultaram do seu trabalho na Ilha da Madeira, onde seus discpulos eram conhecidos como calvinistas, bem como aquelas fundadas por refugiados madeirenses no Caribe e nos Estados Unidos, foram todas presbiterianas.[27] No Brasil, embora ele tenha sido o introdutor do congregacionalismo, suas ligaes com os presbiterianos e suas contribuies diretas e indiretas obra presbiteriana so dignas de nota.[28]

Em primeiro lugar, houve o relacionamento pessoal e direto entre Kalley e o pioneiro do presbiterianismo brasileiro, Ashbel Green Simonton. No mesmo ms em que chegou ao Brasil (agosto de 1859), Simonton visitou a igreja do bairro da Sade e conversou com o Dr. Kalley, que em tom paternal o incentivou e lhe transmitiu conselhos e advertncias.[29] Simonton passou a pregar com certa regularidade na Igreja Evanglica, at que, no ms de dezembro, surgiu um conflito entre os dois obreiros. Devido a um mal-entendido, Kalley sentiu que o colega mais jovem estava invadindo o seu campo de trabalho e expressou as suas crticas a terceiros, inclusive atravs de uma nota annima. O problema foi resolvido satisfatoriamente quando, ao ser interpelado, Kalley pediu desculpas por todas as alegaes levantadas, revelando, segundo o testemunho do prprio Simonton, um esprito profundamente humilde e generoso.[30] Nos anos seguintes, formaram-se laos muito estreitos entre as duas comunidades evanglicas. Em 1896, durante o pastorado do Rev. James B. Rodgers, quando o templo presbiteriano precisou de uma grande reforma, a igreja reuniu-se no templo da sua congnere durante todo o perodo das obras.[31]

Kalley tambm contribuiu com a obra presbiteriana em um sentido mais amplo, atravs de pessoas originalmente ligadas ao seu trabalho. Quatro lderes das igrejas portuguesas de Illinois foram notveis missionrios presbiterianos no Brasil: Emanuel N. Pires (1866-1869), Hugh Ware McKee (1867-1870), Robert Lenington (1868-1886) e Joo Fernandes Dagama (1870-1891).[32] Pires e McKee foram dois dos primeiros pastores da Igreja Presbiteriana de So Paulo, por breve tempo. Todavia, Lenington e Dagama tiveram longos ministrios, evangelizando extensamente o interior de So Paulo e, no caso de Lenington, tambm o Paran e o sul de Minas. Outro pioneiro extremamente operoso foi William Dreaton Pitt, um ingls que estudou na escola dominical de Sarah Kalley em Torquay, trabalhou junto aos portugueses em Illinois e foi a primeira pessoa a vir para o Brasil em resposta a um apelo de Kalley. Foi um dos fundadores da Igreja Evanglica Fluminense e um dos quatro primeiros presbteros daquela igreja. Mudando-se para So Paulo, onde trabalhou no comrcio, associou-se aos presbiterianos, tornando-se um valioso cooperador do Rev. Alexander Blackford. Faleceu em 1870, poucos meses aps a sua ordenao ao ministrio. O ministro presbiteriano Rev. Jos Manoel da Conceio (1822-1873), ex-sacerdote e primeiro pastor protestante de nacionalidade brasileira, trabalhou durante oito meses em 1867 e 1868 nas igrejas portuguesas de Illinois, com as quais se correspondeu at o final da sua vida.

Outros elementos ligados a Kalley que prestaram o seu concurso obra presbiteriana no Brasil foram colportores, os mais destacados dentre eles tendo sido Manoel Pereira da Cunha Bastos, que precedeu o Rev. Blackford em So Paulo, e Manoel Jos da Silva Viana, fundador da igreja congregacional em Recife e colaborador do Rev. John Rockwell Smith. O portugus Bastos, um ex-dicono da Igreja Evanglica Fluminense, tornou-se colportor da Sociedade Bblica Americana e foi enviado a So Paulo pelo Rev. Simonton, poucos meses antes da chegada de Blackford. Evangelizou um patrcio, Jos Maria Barbosa da Silva, seu vizinho rua Aurora, que por sua vez foi instrumento para a converso dos jovens portugueses Antnio Bandeira Trajano e Miguel Gonalves Torres, dois dos primeiros pastores presbiterianos nacionais.[33] Um ltimo exemplo de contribuio congregacional ao presbiterianismo brasileiro foram alguns membros das igrejas de Kalley que se filiaram igreja presbiteriana, dentre os quais se destacam as j citadas Gabriela Augusta Carneiro Leo e sua filha Henriqueta Soares do Couto. Henriqueta veio a casar-se com o irlands William Esher e foi membro sucessivamente das Igrejas do Rio e de So Paulo. Foi me do Dr. Nicolau Soares do Couto Esher (1867-1943), conhecido mdico e primeiro presidente da Associao Crist de Moos do Rio e de So Paulo.[34] As ligaes entre congregacionais e presbiterianos no Brasil se explicam pelo fato de, por muitos anos, esses terem sido os nicos representantes do protestantismo missionrio no pas, bem como pelas suas afinidades histricas e doutrinrias.

6. Peculiaridades pessoais e teolgicas

Ao se avaliar a personalidade e contribuies desse missionrio pioneiro, vrios pontos merecem considerao, a comear do fato de que ele era movido por um profundo senso de vocao e de compromisso com a evangelizao de outros povos. Ao deixar o conforto de sua terra natal e buscar o bem-estar material e espiritual desses povos, Kalley procurou identificar-se com as culturas em que trabalhou, embora no tenha se libertado de vrios condicionamentos que afetavam a maior parte dos missionrios europeus e americanos da poca. Um exemplo disso era a sua tendncia paternalista, prpria de algum que se considerava pertencente a uma cultura superior e que tinha, portanto, algo a transmitir a pessoas menos instrudas. Ele pagava as contas, administrava os fundos, decidia o que era heresia ou no, estabelecia as metas e era a instncia final de apelao para todos os problemas,[35] mas no teve muita preocupao em preparar lderes para substitu-lo. As suas igrejas ficaram excessivamente dependentes dele e experimentaram pequeno crescimento aps o seu afastamento e morte.

Outra razo para o pequeno crescimento da obra congregacional foi o isolamento inicial das comunidades, ciosas do princpio da plena autonomia da igreja local. Cinqenta e cinco anos aps a criao da Igreja Evanglica Fluminense (1858) havia somente treze igrejas organizadas no pas. Foi s ento, em 1913, que os congregacionais comearam a criar uma estrutura nacional, realizando a sua primeira conveno geral. Em termos de comparao, os presbiterianos, cuja primeira igreja foi organizada em 1862, j possuam cerca de sessenta comunidades por ocasio da criao do Snodo (1888) e em 1910, poca da organizao da Assemblia Geral, o nmero de igrejas haviam subido para 150, apesar das grandes perdas sofridas com o cisma independente de 1903.

Curiosamente, embora tivesse um forte sentimento anticatlico, Kalley demonstrou algumas vezes uma atitude positiva para com certos representantes da igreja majoritria, tendo se tornado amigo do bispo de Funchal e de um sacerdote culto do Rio de Janeiro. No Brasil, ao menos por algum tempo, ele no exigiu o rebatismo dos seus conversos, a no ser que o solicitassem explicitamente. Todavia, sua Breve Exposio das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo, adotada como padro doutrinrio das igrejas congregacionais no Brasil, parece apontar em seu artigo 25 para o batismo de adultos somente.[36] Segundo o Rev. James Fanstone, Kalley se sentia inquieto quanto validade do seu prprio batismo e no final da vida teria considerado seriamente a possibilidade de submeter-se ao batismo por imerso.[37] As noes de Kalley acerca da Ceia do Senhor so mais zuinglianas do que calvinistas: o sacramento antes uma comemorao da morte de Cristo no passado distante e um testemunho ao mundo do que a alegre celebrao da sua presena viva e do seu sacerdcio atual.[38] Outra caracterstica de Kalley era a sua forte nfase santidade do domingo: ningum era admitido como membro da igreja se no o observasse criteriosamente, mantendo-se afastado das atividades seculares.[39]

Seu uso da medicina e da educao como meios de servio cristo e instrumentos para a evangelizao continua vlido at hoje. Outras estratgias que utilizou tambm se revelaram muito eficazes e exerceram uma influncia duradoura sobre o protestantismo luso-brasileiro: reunies informais nos lares; distribuio ampla das Escrituras (na traduo catlica do padre Figueiredo) e de literatura crist; uso da imprensa diria para a publicao de artigos e livros (como fez no Rio de Janeiro ao publicar O Peregrino, de John Bunyan); produo de hinos visando a instruo dos crentes e a evangelizao (hinos esses utilizados por muitas geraes de evanglicos)[40]; treinamento de lderes leigos como colportores e evangelistas. Os esforos de Kalley no sentido de ter um bom relacionamento com as autoridades civis e outros lderes destacados, especialmente no Brasil, onde chegou a fazer amizade com o prprio imperador, expandiram os limites da liberdade religiosa e ajudaram a preparar as condies para a introduo e rpido crescimento do protestantismo.

Formalmente, Kalley permaneceu um presbiteriano toda a sua vida. Todavia, a sua personalidade e experincias contriburam para torn-lo um obreiro auto-sustentado que nunca trabalhou sob os auspcios de qualquer denominao ou agncia missionria. Seus conversos da Ilha da Madeira abraaram o presbiterianismo nos diferentes pases em que viveram graas, principalmente, ao apoio fiel e decidido da Igreja da Esccia. Todavia, no Brasil ele veio a adotar a forma de governo congregacional. Isso explicado por vrios fatores: sua falta de simpatia por estruturas denominacionais, suas ligaes com a Sociedade Missionria de Londres (majoritariamente congregacional), sua ordenao por um grupo independente de ministros e o seu casamento com Sarah Wilson, cuja famlia tinha fortes laos com essa igreja. Alguns autores chamam a ateno para uma conexo darbista, visto que um tio de Sarah era filiado aos Irmos de Plymouth e o Rev. Richard Holden, um ingls que trabalhou com Kalley por vrios anos no Rio de Janeiro, filiou-se a esse movimento e criou uma diviso na Igreja Fluminense em torno dessa questo. Kalley deplorava o anti-eclesiasticismo dos Irmos e algumas de suas doutrinas, chegando a escrever oito longas cartas pastorais Igreja Fluminense sobre os erros do darbysmo (1878-1879), mas certamente foi influenciado por seu estilo de vida simples, seu culto singelo e seu franco individualismo.[41]

A teologia de Kalley pode ser descrita como um tipo de evangelicalismo amplo. Duas expresses significativas das suas idias teolgicas so os hinos que ele e sua esposa escreveram e a Breve Exposio das Doutrinas Fundamentais do Cristianismo. O professor Antonio Gouva Mendona sintetizou as concepes do casal Kalley expressas em seus hinos: Deus ama todos os seres humanos, apesar dos seus pecados; a resposta a esse amor individual e voluntria (em contraste com a doutrina calvinista da predestinao); a salvao no definitiva, como no calvinismo ortodoxo, mas est sujeita a quedas; isso requer uma tica rigorosa que traa uma ntida linha divisria entre o fiel e o mundo.[42] O referido autor conclui que Kalley era um legtimo representante do puritanismo escocs mesclado com o wesleyanismo metodista. A Breve Exposio declara em seu artigo 19 que a igreja de Cristo composta de todos os sinceros crentes no Redentor, os quais foram escolhidos por Deus, antes de haver mundo, para serem chamados e convertidos nesta vida, e glorificados durante a eternidade.[43] Todavia, a maior parte dos artigos poderiam ser aceitos por qualquer evanglico, reformado ou no. Os elementos especficos do calvinismo, tais como a soberania de Deus, a eleio divina e a perseverana dos santos, no so enfatizados.[44]

Apesar das deficincias que possa ter tido, Kalley ocupa um lugar de honra na histria das modernas misses protestantes. No que diz respeito ao Brasil, ele estabeleceu a primeira igreja protestante permanente entre os brasileiros de lngua portuguesa e foi instrumento para a abertura das portas para a evangelizao do povo brasileiro. Atravs de sua amizade com elementos destacados da sociedade, dos seus mtodos de trabalho, de suas consultas a juristas respeitados e de suas reaes a tentativas de intimidao por parte do clero, ele contribuiu para a ampliao da liberdade religiosa no Brasil, que veio a ser usufruda por outros missionrios e igrejas. Atravs de suas prticas evangelsticas, dos cultos domsticos e da escola dominical, do uso da hinologia, literatura e imprensa, de seus colportores e conversos que depois se tornaram presbteros, pastores e evangelistas em outras igrejas, Kalley exerceu uma profunda influncia sobre os mais diferentes aspectos do protestantismo nacional. Em especial, seu modelo de evangelizao e culto exerceu uma influncia profunda e duradoura na cultura evanglica brasileira. A venda de Bblias e Novos Testamentos de casa em casa, a distribuio de folhetos, as conversas com amigos e colegas de trabalho sobre Cristo e os convites para participar dos cultos domsticos dirios foram formas no-agressivas e criativas que permitiram a insero da nova opo religiosa num perodo em que ainda existiam diversas restries legais propaganda protestante.

Erasmo Braga, o grande lder e estudioso do protestantismo brasileiro, nutria grande admirao pela obra congregacional no Brasil, entendendo que refletia a influncia do no-conformismo ingls e do esprito independente dos puritanos. Fascinava-o em especial o carter eminentemente nacional do novo movimento. Escrevendo em 1931, Braga afirmou: Sua caracterstica peculiar o fato de que se trata de um movimento inteiramente nacional, que nunca esteve eclesiasticamente sujeito ou foi financeiramente dependente de qualquer sociedade estrangeira e representa na Amrica Latina uma tendncia muito significativa, a saber, uma resposta de mentes ibero-americanas ao Evangelho que no pode ser atribuda atividade missionria estrangeira.[45] Kalley tornou-se um marco na histria das misses e um pioneiro reverenciado no vasto mundo de lngua portuguesa. Dezenas de homens e mulheres influenciados por ele divulgaram a mensagem crist e plantaram igrejas na Ilha da Madeira, nas Antilhas, nos Estados Unidos, em Portugal e no Brasil. Seu trabalho continua a produzir frutos no presente. Pessoas que pouco sabem a seu respeito so herdeiras do seu ministrio e seguem as suas pegadas. A sua coragem, herosmo e fidelidade continuam a inspirar os cristos evanglicos reformados e no-reformados no cumprimento da tarefa inacabada.

English Abstract

The Scottish medical missionary Robert R. Kalley (1809-1888) holds an honorable place in the Protestant missionary movement, having been a prominent pioneer in Portuguese-speaking countries. Struggling against immense difficulties and occasional deadly opposition, he was instrumental to the establishment of Presbyterianism in the island of Madeira (1839) and Congregationalism in Brazil (1855). He also influenced Portuguese-speaking churches in the Caribbean, Portugal, and the United States. His wisdom, courage, and commitment are an inspiration to the new generations of evangelical Christians. The author shows how Kalley left his native Scotland and ended up in the isolated Atlantic island of Madeira. He then proceeds to describe how Kalleys medical and evangelistic efforts produced both an increasing number of converts and violent outbursts of religious intolerance. While thousands of Calvinists fled the island for their lives and eventually settled in the Antilles and the United States, Kalley spent a few years in Malta and Palestine. After the death of his first wife, he married a refined and talented Englishwoman, Sarah P. Wilson, member of a prominent Congregational family. Eventually the Kalleys went to Brazil, where they started the first native Protestant church in the history of that country. The author finishes his analysis by pointing out some interesting connections between Kalley and the Presbyterian missions in Brazil and makes a few remarks about his personality, theological ideas, and lasting influence on Brazilian Protestantism.

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[1] Uma verso resumida deste artigo, sob o ttulo Robert Kalley: De goede engelse dokter (Robert Kalley: O bom doutor ingls) foi publicada na revista holandesa Terdege (23/10/2002), 28-29, 31.

[2] A Igreja da Esccia foi criada por ato do Parlamento em 1560, graas os esforos do reformador John Knox (c.1514-1572). Conhecida popularmente como Kirk, ela tem sido sempre presbiteriana, exceo de dois perodos de episcopalismo modificado na poca dos reis Stuart (sculo 17).

[3] A principal fonte dos dados histricos/biogrficos deste artigo Michael P. Testa, The Apostle of Madeira: Dr. Robert Reid Kalley, Journal of Presbyterian History 42/3 (Setembro 1964), 175-197, e 42/4 (Dezembro 1964), 244-271. A verso eletrnica do texto pode ser encontrada em: HYPERLINK "http://freepages.genealogy.rootsweb.com/%7Eklondike98/Exiles/apostle/Apostle%20of%20Madeira.rtf" \t "_blank" http://freepages.genealogy.rootsweb.com/~klondike98/Exiles/apostle/Apostle%20of%20Madeira.rtf. Um estudo mais recente a obra de William B. Forsyth, The Wolf from Scotland: The Story of Robert Reid Kalley, Pioneer Missionary (1988). Um texto bastante sucinto pode ser encontrado em Ruth A. Tucker, At aos Confins da Terra. Uma Histria Biogrfica das Misses Crists, 2 ed. (So Paulo: Vida Nova, 1996), 503-507.

[4] A Sociedade Missionria de Londres, fundada em 1795, foi uma conseqncia do avivamento evanglico ingls do sculo 18 e, mais especificamente, dos esforos de William Carey (1761-1834), que resultaram no movimento missionrio protestante do sculo 19. A sociedade era de carter interdenominacional, mas seus fundos e pessoal procediam majoritariamente dos congregacionais. Kenneth S. Latourette, A History of Christianity, 2 vols., Vol. II: Reformation to the Present (Nova York: HarperCollins, 1975), 1033.

[5] Quanto Ata da Comisso de Exame, ver Testa, The Apostle of Madeira, I:177. Quanto ordenao, ver Esboo Histrico da Escola Dominical da Igreja Evanglica Fluminense: 1855-1932 (Rio de Janeiro, 1932), 27, 30s. O diploma de ordenao, escrito em latim, declara: Por esta carta, fazemos saber a todos que o Sr. Robert Reid Kalley, versado em cincias e letras, e aprovado pela piedade da sua vida para o sacrossanto ministrio cristo, foi ordenado, tendo sido oferecidas preces com imposio de mos, por ns... (seguem os nomes dos seis ministros). Londres, 18 de julho de 1839 A.D.

[6] Os discpulos de Kalley na Ilha da Madeira eram regularmente denominados calvinistas, o que aponta no tanto para as convices teolgicas do missionrio quanto para as suas razes escocesas e presbiterianas.

[7] Uma obra importante escrita por uma testemunha ocular : Joo Fernandes Dagama, Perseguio dos Calvinistas da Madeira: Subsdios para a Histria das Perseguies Religiosas (Rio Claro: Tipografia Magalhes e Gerlach, 1896). O Rev. Dagama (1830-1906), um dos conversos de Kalley, foi missionrio e pastor presbiteriano no Brasil por mais de trinta anos.

[8] Ver Richard P. McBrien, Os Papas Os Pontfices: de So Pedro a Joo Paulo II (So Paulo: Loyola, 2000), 343-345, e Eamon Duffy, Santos e Pecadores: Histria dos Papas (So Paulo: Cosac & Naify, 1998), 218-221.

[9] No seu valioso estudo, Michael Testa destaca a extraordinria contribuio do Rev. Hewitson para a obra ligada a Kalley, tanto na Ilha da Madeira como no Caribe. Ver The Apostle of Madeira, I:187-193; II:248s.

[10] Testa, The Apostle of Madeira, I:191s.

[11] No dia 25 de janeiro de 1999, em uma cerimnia ecumnica que contou com a presena de representantes de todas as confisses crists existentes na Ilha da Madeira, o bispo de Funchal, D. Teodoro de Faria, se penitenciou em nome da igreja catlica pelos episdios de intolerncia contra os calvinistas ocorridos mais de um sculo e meio antes. Ver HYPERLINK "http://www.presbiterianismo.com.br/Historia/Funchal.htm" \t "_blank" http://www.presbiterianismo.com.br/Historia/Funchal.htm.

[12] O rigor do clima dessa regio levou alguns dos imigrantes a se dirigirem para Massachusetts e Nova Jersey. mile-G. Lonard, O Protestantismo Brasileiro: Estudo de Eclesiologia e Histria Social, 2 ed. (Rio de Janeiro e So Paulo: JUERP/ASTE, 1981), 50.

[13] Testa, The Apostle of Madeira, II:256.

[14] Para maiores informaes sobre a famlia de Sarah Kalley, ver Carl Joseph Hahn, Histria do Culto Protestante no Brasil (So Paulo: ASTE, 1989), 138s (e notas).

[15] Os Irmos de Plymouth surgiram como um protesto contra a frieza, formalismo e sectarismo existentes nas igrejas evanglicas no incio do sculo 19. Embora o movimento tenha iniciado em Dublin, Irlanda, a primeira congregao foi criada em Plymouth, Inglaterra, em 1831, sendo seu lder mais influente John Nelson Darby (1800-1882), o criador do dispensacionalismo. O grupo caracterizava-se por sua simplicidade de culto, profunda devoo, zelo evangelstico e interesse por estudos profticos. Em 1848 houve um cisma que resultou em dois grupos: Irmos Abertos e Irmos Exclusivos (Darbistas). Ver J. D. Douglas, ed., The New International Dictionary of the Christian Church (Grand Rapids: Zondervan, 1978), 789.

[16] Segundo Hahn, Sarah havia ido com o pai ao Egito e Sria para acompanhar o irmo, que veio a morrer de tuberculose em Beirute, sendo sepultado no Cemitrio de Estrangeiros. A primeira esposa de Kalley morrera alguns dias antes e eles se encontraram no cemitrio. Histria do Culto Protestante no Brasil, 149 (nota 385).

[17] Para valiosas informaes sobre Fletcher, ver David Gueiros Vieira, O Protestantismo, a Maonaria e a Questo Religiosa no Brasil, 2 ed. (Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1980), 61-94.

[18] Entre 1842 e 1846, quando ainda na Ilha da Madeira, o Rev. Kalley escreveu sete hinos (Louvemos todos ao Pai do cu, Todos que na terra moram, O meu fiel Pastor, Jesus Cristo j morreu, Alma! escuta ao bom Senhor!, C sofremos aflio e Tem compaixo de mim, Senhor). Esses provavelmente foram os primeiros hinos evanglicos cantados no Brasil, sendo posteriormente incorporados ao hinrio Salmos e Hinos. Henriqueta Rosa Fernandes Braga, Msica Sacra Evanglica no Brasil: Contribuio sua Histria (Rio de Janeiro: Livraria Kosmos Editora, 1961), 109.

[19] Duncan Alexander Reily, Histria Documental do Protestantismo no Brasil (So Paulo: ASTE, 1993), 103.

[20] Os metodistas j haviam feito um trabalho inicial no Rio de Janeiro (1835-1841), sob a liderana dos Revs. Justin Spaulding e Daniel Parish Kidder, trabalho esse que teve de ser interrompido e no deixou frutos em termos de conversos e igrejas. Kidder tornou-se um personagem clebre na histria religiosa do Brasil, tendo sido o primeiro missionrio protestante a viajar extensamente pelo pas, distribuindo as Escrituras e fazendo contatos com polticos e intelectuais. Registrou as suas experincias na importante obra Reminiscncias de Viagens e Permanncia no Brasil, publicada originalmente em 1845, em Filadlfia.

[21] Ver a narrativa detalhada dos fatos em Reily, Histria Documental do Protestantismo no Brasil, 104-108.

[22] Esboo Histrico da Escola Dominical, 70s.

[23] Lonard, O Protestantismo Brasileiro, 52-54.

[24] Sobre o controvertido Holden, ver o rico material reunido por Vieira, Protestantismo, Maonaria e Questo Religiosa, 163-207.

[25] A obra de Kalley no Brasil descrita de modo sucinto em Esboo Histrico da Escola Dominical da Igreja Evanglica Fluminense e com maiores detalhes em uma obra de seu filho adotivo Joo Gomes da Rocha, Lembranas do Passado, 3 vols. (Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Publicidade, 1941-1946). Um 4 volume foi publicado em 1957 pelo peridico O Cristo.

[26] Braga, Msica Sacra Evanglica no Brasil, 119. As igrejas que se organizaram como fruto do trabalho da UESA se filiaram a dois grupos distintos com base na forma adotada para o batismo: Unio das Igrejas Evanglicas Congregacionais (asperso) e Igreja Crist Evanglica do Brasil (imerso). Os dois grupos se uniram em 1942, surgindo a Unio das Igrejas Evanglicas Congregacionais e Crists do Brasil. Quanto s dificuldades encontradas pelos congregacionais brasileiros para definir a sua identidade denominacional, ver Reily, Histria Documental do Protestantismo no Brasil, 219-222.

[27] Em Springfield, Illinois, os imigrantes organizaram a Primeira Igreja Presbiteriana Portuguesa (1849) e a Segunda Igreja Presbiteriana Portuguesa (1858). Em Jacksonville, no mesmo estado, tambm surgiram duas igrejas com os mesmos nomes, em 1849 e 1855. A razo da existncia de duas igrejas em cada cidade foi a controvrsia ento existente no presbiterianismo americano entre Velha Escola e Nova Escola.

[28] As ligaes entre presbiterianos e congregacionais eram freqentes. Um exemplo bem conhecido foi o Plano de Unio (1801-1852), um acordo de cooperao feito entre as duas igrejas para a evangelizao da fronteira norte-americana.

[29] Ashbel G. Simonton, O Dirio de Simonton: 1852-1866, trad. D. R. Moraes Barros, 2 ed. (So Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 2002), 127 (31/08/1859). Simonton achou que no precisava ser to cauteloso quanto aos seus objetivos e mtodos evangelsticos como recomendava o missionrio mais idoso.

[30] Ibid., 134-135 (19/12/1859). Alguns meses depois, Simonton passou duas semanas em Petrpolis, participando todas as tardes dos cultos realizadas na residncia dos Kalley, que o convidaram a ficar com eles no final da sua estadia. Ver anotaes de 11/04/1860.

[31] Igreja Presbiteriana do Rio de Janeiro: Primeiro Centenrio, 1862-1962 (Rio de Janeiro, 1962), 9-11. No dia 25 de junho, em assemblia realizada na Igreja Fluminense, a comunidade presbiteriana elegeu o seu novo pastor, Rev. lvaro Reis.

[32] As datas referem-se ao perodo em que eles trabalharam como missionrios da PCUSA no Brasil.

[33] Merece um estudo especial a presena macia de elementos portugueses nos primrdios da obra presbiteriana no Brasil.

[34] Alderi Souza de Matos, Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil (1859-1900): Missionrios, Pastores e Leigos do Sculo 19 (obra a ser publicada pela Editora Cultura Crist).

[35] Hahn, Histria do Culto Protestante no Brasil, 148.

[36] Diz o artigo: O Batismo com gua foi ordenado por nosso Senhor Jesus Cristo como figura do Batismo verdadeiro e eficaz, feito pelo Salvador quando envia o Esprito Santo para regenerar o pecador. Pela recepo do Batismo com gua, a pessoa declara que aceita os termos do pacto em que Deus assegura aos crentes as bnos da salvao. Reily entende que essa rejeio implcita do batismo infantil distingue os congregacionais brasileiros dos demais congregacionais do mundo. Ver Histria Documental do Protestantismo no Brasil, 113s, 158 (n. 212).

[37] Testa, The Apostle of Madeira, II:268, citando Eduardo H. Moreira, Vidas Convergentes (Lisboa, 1958). Testa conclui que, caso isso pudesse ser comprovado, representaria um afastamento significativo da posio anterior de Kalley quanto ao batismo por imerso. Ver Rocha, Lembranas do Passado, vol. 2, p. 37.

[38] Hahn, Histria do Culto Protestante no Brasil, 143s.

[39] Ibid., 153. Segundo Hahn, Kalley tornou-se mais propenso ao legalismo no Brasil do que havia sido na Ilha da Madeira, onde possua uma sortida adega de vinho. No Rio, chegou a proibir seus adeptos de alugarem uma carruagem no domingo para irem a um funeral. Ibid., 139. importante lembrar que o sabatarianismo (observncia estrita do dia do Senhor segundo xodo 20.8) foi caracterstico de todos os primeiros evanglicos brasileiros.

[40] O casal Kalley, principalmente D. Sarah, produziu o primeiro e mais amplamente usado hinrio evanglico em portugus, Salmos e Hinos. A 1 edio foi impressa pela Tipografia Laemmert, no Rio de Janeiro, em 1861, e continha 18 salmos e 32 hinos, totalizando 50 cnticos. Seguiram-se novas edies em 1865 (83 cnticos), 1868 (100 cnticos), 1873 (138 cnticos), 1877 (180 cnticos) e muitas outras. A primeira edio de hinos com msica (Msica Sacra Arranjada para Quatro Vozes) foi impressa em 1868, em Leipzig. Ver Braga, Msica Sacra Evanglica no Brasil, 111-115, 125-129.

[41] Testa, The Apostle of Madeira, II:267.

[42] Antonio Gouva Mendona, O Celeste Porvir: A Insero do Protestantismo no Brasil, 2nd ed. (So Paulo: ASTE, 1995), 176s. Mendona opina qu