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Sonhos: possíveis ferramentas para vir a ser inteiro em psicoterapia Franciele Engelmann Ano I | número 1 | 2012 CONIUNCTIO Revista Científica de Psicologia e Religião | Ichthys Instituto | Curitiba - PR

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Sonhos: possíveis ferramentas para vir a ser inteiro em psicoterapiaFranciele Engelmann

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Sonhos: possíveis ferramentas para vir a ser inteiro em psicoterapia

I. Introdução

Companheiros da jornada humana, des-de a antiguidade, os sonhos con� guraram-se, ao longo da história, como espaço signi� cativo para a compreensão e cumprimento do vir a ser humano.

Para os antigos egípcios, os sonhos apre-sentavam um caráter premonitório, que comu-mente manifestava a intenção dos deuses e o destino da pessoa. Provavelmente, este povo foi,

Franciele Engelmann*

* Psicóloga graduada

pela UFPR – Universi-

dade Federal do Paraná.

Especialista em psico-

logia analítica e religião

ocidental e oriental pelo

ICHTHYS – Instituto de

Psicologia e Religião.

conforme Ramos (1994) o primeiro povo a ins-titucionalizar uma forma de interpretação oní-rica, nos assim chamados, templos de incubação (apud GALLBACH, 2003).

Se os egípcios foram os primeiros a utili-zar a interpretação dos sonhos, coube aos gregos aprimorar tais técnicas e inserí-las no diagnósti-co e tratamento de doenças. Com base na visão mítica, acreditavam que a doença era a conse-qüência da violação de um tabu ou de uma ofen-

Resumo

Os sonhos acompanham a humanidade desde a antiguidade. Constituídos de natureza premonitória e tidos como manifestação de forças ocultas para os egípcios; utilizados nos rituais de cura pelos gregos, os sonhos revelaram-se ao longo da história como ferramentas úteis na relação com a alma. Para Jung, o ser humano é habitado por um impulso que o impele à totalidade. O objetivo deste artigo é abordar a importância dos sonhos no processo psicoterapêutico de vir a ser inteiro. O método utilizado é a revisão de literatura com base na psicologia analítica. O tornar-se inteiro, a individuação, se origina e culmina no si-mesmo, o arquéti-po central, promovedor do desenvolvimento humano. Os sonhos, enquanto compensação de unilateralidade da consciência e como manifestação do si-mesmo, con� guram-se como possibilidades de uma conexão com a alma, expressões que podem contribuir para encontrar o sentido da vida e realizar a � nalidade à qual se é chamado a ser.

Palavras-chave: sonhos, psicoterapia, processo de individuação.

Abstract

Dreams come mankind since antiquity. Consisting of premonitory nature and taken as a manifestation of hidden forces to the Egyptians, used in healing rituals by the Greeks, the dreams have proved throughout history useful tools in relation to the soul. For Jung, the human being is inhabited by an impulse that propels the whole. � e aim of this paper is to address the importance of dreams in the psychotherapeutic process of becoming whole. � e method used is a literature review on the basis of analytical psychology. Becoming a full-individuation originates and culminates in the Self, the central archetype, promoter of human de-velopment. Dreams, while compensation of one-sidedness of consciousness as a manifestation of the Self, con� gured a possible connection to the soul, words that can help � nd the meaning of life and achieve the purpose for which it is required to be.

Keywords: dreams, psychotherapy, process of individuation.

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sa aos deuses. A cura, segundo RAMOS (1994), consistia em restabelecer a relação entre o plano somático e o espiritual, buscando-se identi� car no sintoma, o aspecto com o qual o indivíduo havia se desconectado e deveria voltar a se re-conectar. As práticas curativas caracterizavam-se como verdadeiros rituais, desenvolvidos nos templos dedicados a Esculápio, o deus da medi-cina. A atenção e o entendimento dos Sonhos, ao lado da música, meditação e dieta caracteri-zavam-se nesta época, como atividades, median-te as quais era possível um restabelecimento do equilíbrio entre psique e corpo (RAMOS, 1994 e MEIER, 1999).

Estudos e curiosidades acerca da vida oní-rica estenderam-se ao longo da história, perme-ando culturas e presenti� cando-se em diferentes âmbitos do conhecimento e no trilhar dos dife-rentes caminhos de realização da alma.

O que são os sonhos? De onde provêm? Expressarão eles algum signi� cado, sentido para a vida do sonhador?

II. O sonho como manifestação simbólica do inconsciente

O sonho surge espontaneamente durante o sono como fruto de um “processo involuntário que ocorre num estado de consciência relaxado e não focalizado” (GALLBACH, 2003, p. 17). Segundo Jung (1971), suas raízes estão no in-consciente. Conforme Gallbach (2003), o sonho não apresenta um caráter de inconsciência total, uma vez que ocorre num estado limiar em que há um resíduo de consciência e percepção.

Para Jung (1971), o sonho é expressão simbólica do inconsciente. Expressão esta que pode se dar mediante ideias, sensações, emoções, imagens e situações que, ao serem desencadea-das no processo onírico, podem envolver de for-ma mais intensa, ou não, o sonhador.

O sonho traz um sentido ( JUNG, 1971) para a vida do sonhador. Articula uma “mensa-

gem única para um sujeito único” (GALLBA-CH, 2003, p.13). Esta mensagem se encontra na interioridade humana, tecida no entrelaçamento da história pessoal e coletiva.

Nos sonhos, o inconsciente se manifesta mediante símbolos. Em sua obra O homem e seus símbolos, Jung de� ne símbolo como:

um termo, um nome ou mesmo uma imagem que

nos pode ser familiar na vida diária, embora pos-

sua conotações especiais além do seu signi� cado

evidente e convencional. Implica alguma coisa

vaga, desconhecida ou oculta... uma palavra ou

imagem é simbólica quando implica alguma coi-

sa além do seu signi� cado manifesto e imediato.

Esta palavra ou esta imagem tem um aspecto “in-

consciente” mais amplo, que nunca é precisamen-

te de� nido ou de todo explicado. Por existirem

inúmeras coisas fora do alcance da compreensão

humana, é que frequentemente utilizamos termos

simbólicos como representação de conceitos que

não podemos de� nir ou compreender integral-

mente... Mas este uso consciente que fazemos de

símbolos é apenas um aspecto de um fato psico-

lógico de grande importância: o homem também

produz símbolos, inconsciente e espontaneamente,

na forma de sonhos (1964, p. 20-21).

A manifestação do símbolo no sonho pode se dar de diferentes formas: apresentar um caráter claro, estranho, obscuro ao sonhador. Em suas mais variadas expressões, o símbolo articula um signi� cado, um sentido, os quais por sua vez po-dem estar ocultos, sob determinadas imagens, pensamentos, emoções, à espera de vir a serem descobertos, compreendidos e assimilados pelo sonhador.

Ao abordar o conceito de sentido nos sonhos, Jung situa os mesmos no contexto de � nalidade, destacando que esta designa a “ten-são psicológica imanente dirigida a um objetivo futuro” (1971, p. 181). Além de considerar o as-pecto causal, Jung destaca a importância de se considerar o porquê do sonho. Ao falar sobre as assimilações que sucessivamente acontecem em

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relação ao sonho, ressalta que elas conduzem a uma meta; para o além do aqui e agora da vida do sonhador, conduzem “à plena realização do homem inteiro, à individuação” (2008, p. 31). No tocante à prática psicoterapêutica, assim escreve:

todo médico deveria estar consciente do fato de

que qualquer intervenção psicoterapêutica, e, em

especial, a analítica, irrompe dentro de um pro-

cesso e numa continuidade já orientados para um

determinado � m, e vai desvendando, ora aqui, ora

acolá, fases isoladas do mesmo, que à primeira vis-

ta podem até parecer contraditórias. Cada análise

individual mostra apenas uma parte ou um aspec-

to do processo fundamental (Id., 2008, p. 31).

III. Sonhos, individuação e psicoterapia

Em seu ensaio1 Da Formação da Personali-dade, Jung (1998) salienta que, além dos aspec-tos de necessidade e decisão, há a designação que, perpassando o eu, o convoca a individuar-se. Esta é de� nida como: “um fator irracional traçado pelo destino que impele a emancipar-se da massa gregária e de seus caminhos desgas-tados pelo uso” ( JUNG, 1998, p.181). A ideia vinculada no conceito de designação remete ao2 si-mesmo (Self ), que enquanto instância maior, promove a individuação. Aceitar a designação, a ação do si-mesmo na vida, implica em “� delidade à sua própria lei” (Id. p. 179).

A noção de destino expressa no conceito de designação não pode ser tomada como pre-determinação: o Self enquanto arquétipo laten-te na vida do indivíduo é uma possibilidade de vir a ser. Possibilidade esta que assume, segundo Fogel, o caráter de destino, numa perspectiva de circularidade: no sentido de ser um envio de si para si, uma “possibilidade de possibilidade” (1999, p. 152). A individuação, como designa-ção, requer que a pessoa se empenhe na tarefa de dar-se conta do movimento do próprio Self em sua vida, pois, na perspectiva de destino, en-quanto movimento de circularidade, o Self é ao

mesmo tempo germe (designação) e meta (uni-dade, totalidade) da Individuação.

Os sonhos constituem-se como um dos espaços para o dar-se conta desta a ação do si-mesmo na vida. Para Sanford (2007), originam-se no centro da personalidade, constituindo-se o elo de ligação entre a realidade menor do ego e a maior do si-mesmo. Von Franz, assim se expressa:

Os sonhos não nos protegem das vicissitudes, do-

enças e eventos dolorosos da existência. Mas eles

nos fornecem uma linha mestra de como lidar com

esses aspectos, como encontrar um sentido em

nossa vida, como cumprir nosso próprio destino,

como seguir nossa própria estrela, por assim dizer,

a � m de realizar o potencial de vida que há em nós

(1988, p. 25).

Para esta realização, é preciso uma busca a � m de se compreender o signi� cado, a mensa-gem que o Self envia a cada noite, sob a forma de símbolos.

No tocante à prática psicoterapêutica, Jung (2008, 1964) ressalta que os sonhos são a forma especí� ca de o inconsciente se comunicar com a consciência. Seus conteúdos podem exprimir fatos passados, desenfreadas fantasias, planos, antecipações, visões telepáticas ( JUNG, 1971); vincular-se a realidades problemáticas ou con� i-tantes do presente, bem como manifestar com-ponentes da personalidade do sonhador (Id., 2008).

Considerando que os sonhos são mani-festações do inconsciente, é importante lembrar que Jung identi� cou quatro conteúdos incons-cientes que simbolicamente são personi� cados nos sonhos:sombra, anima, animus e self. Em função da brevidade deste artigo, não se abor-dará aqui o trabalho com tais elementos; reme-temos o leitor aos escritos de Marie-Louise Von Franz: O Caminho dos Sonhos (1988) e O Processo de Individuação – contido na obra de Jung: O Homem e seus Símbolos (1964), nos quais a au-tora discorre ampla e profundamente sobre tais conteúdos.

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1| Neste escrito, Jung identifica o processo de individuação com o desenvolvimento da personalidade, donde os termos individuação e personalidade, serem utili-zados como sinônimos.

2| No contexto deste trabalho, o si-mesmo (Self) será abordado como centro ordenador da per-sonalidade. Em Memórias, sonhos e reflexões, Jung o define como: “arquétipo central da ordem, da totalidade... é uma reali-dade ‘sobre-ordenada’ ao eu consciente. Abrange a psique consciente e a inconsciente, constituin-do por esse fato uma personalidade mais ampla, que também somos... É também a meta da vida, pois é a expressão mais completa dessas combi-nações do destino que se chama indivíduo” (1963, p. 358).

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Ao se buscar compreender um sonho, é preciso a colaboração do sonhador ( JUNG, 1971). Faz-se necessário, ainda, conhecer as si-tuações concretas nas quais o indivíduo está in-serido, pois o sonho, conforme Jung: “não é um acontecimento isolado, inteiramente dissociado do cotidiano e do caráter do mesmo” (2008, p. 25).

Com base nas experiências dos primitivos, Jung (1971) distingue entre grandes sonhos e pe-quenos sonhos. Estes últimos, também denomi-nados banais, articulam signi� cados ordinários, diários, derivam da dimensão subjetiva e pessoal, vindo a ser esquecidos facilmente. Os grandes sonhos, também chamados de signi� cativos/importantes, brotam do inconsciente coletivo, relacionam-se a temas arquetípicos, mitológicos, cujo signi� cado principal se encontra intrínseco, com base nas experiências que acompanharam a humanidade nas diferentes épocas e culturas. Normalmente, ocorrem em momentos cruciais da existência: na infância, puberdade e no meio da vida, � cando frequentemente gravados na memória por toda a vida, vindo a con� gurar eta-pas do processo da individuação.

Jung (1971) destaca ainda que há uma predominância de sonhos médios, cuja dinâmica apresenta, normalmente, quatro fases, as quais se assemelham à estrutura do drama. A exposição refere-se à situação inicial que esboça a temática ou problemática; contextualiza, no tempo e no espaço, o cenário no qual os personagens atuam. A segunda fase, a do desenvolvimento da ação, apresenta o desenrolar da problemática, mani-festando a complicação e a tensão da situação, sem saber no que dela vai resultar. A culminação ou peripécia evidencia o auge do desenvolvimen-to dramático em sua dinâmica oposta; nesta, algo decisivo acontece ou a situação se altera inteiramente. A quarta fase, a lise, mostra a si-tuação � nal, apresenta a solução e a conclusão esboçada pelo sonho.

No que concerne à interpretação oníri-ca, Jung (1971) estabelece dois níveis: o do sujei-

to e o do objeto. A interpretação a nível do sujeito identi� ca as diferentes imagens do sonho como personi� cações da personalidade do sonhador. Nesta perspectiva, a elaboração apresenta um caráter essencialmente subjetivo: “o sonhador funciona, ao mesmo tempo, como cena, ator, ponto, contra-regra, autor, público e crítico” (Id., p. 205). Já, em nível de objeto, a interpretação con-cebe as diferentes � guras como representações do mundo concreto, no qual o sonhador está inserido. Para orientar-se por uma interpretação ou outra, Jung (1971) ressalta a necessidade de se levar em conta as especi� cidades de cada caso, buscando identi� car qual é o aspecto predomi-nante; se uma imagem é reproduzida por causa de seu signi� cado objetivo – quando, por exem-plo, uma relação de importância vital é o conte-údo e a causa do con� ito – ou devido ao signi-� cado subjetivo – ou quando, por exemplo, uma imagem se relaciona à dinâmica do indivíduo ou às etapas do próprio processo psicoterapêutico, como no caso de se sonhar com o nascimento de uma criança.

Para a psicologia analítica, os sonhos são manifestações do Self. Têm a função de compensar atitudes unilaterais da consciência, as quais podem estar em desacordo com o todo psíquico ou ameaçar necessidades vitais do indi-víduo ( JUNG, 1964, 1971, 2004, 2008).

Para Jung (2008), a teoria das compen-sações é a regra básica do comportamento psí-quico: a insu� ciência num aspecto cria excesso em outro aspecto. Cada sonho é, então, uma ten-tativa da própria natureza psíquica de centrar o indivíduo. Justi� ca-se, desta forma, a importân-cia de se considerar o contexto de vida e os as-pectos da personalidade do sonhador no ato de compreensão de um sonho. A autorregulação do equilíbrio psíquico, realizada mediante a com-pensação do sonho, vincula-se em uma perspec-tiva mais profunda e mais ampla à individuação ( JUNG, 2008). Decorre daí a importância que o autor atribui para a análise e interpretação de um sonho no contexto de uma série de sonhos.

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Em sua obra A prática da psicoterapia, ao falar da individuação, Jung (2004) discorre sobre o importante papel da consciência na compre-ensão dos símbolos compensatórios produzidos em sonho pelo inconsciente: “Um sonho não compreendido não passa de um simples episó-dio, mas a sua compreensão faz dele uma vivên-cia” (Id., p. 117).

Com base no fenômeno da compen-sação, JUNG (1971) reconhece que os sonhos podem favorecer grandemente o processo de cura. Convém destacar que cura, numa aborda-gem analítica junguiana, exprime, segundo Gu-ggenbühl-Craig (1983), o signi� cado do termo alemão a ele correspondente: heilen – cura total. A cura con� gura-se, assim, como uma busca da totalidade, do si-mesmo. Donde temos um dos propósitos da psicoterapia: curar, vir, a ser in-teiro, total, consciente da ação do Self na vida ( JUNG, 2004).

Segundo Ja� e (2002), a consciência de-sempenha um componente essencial no indi-viduar-se: o próprio eu se esforça para integrar as forças desconhecidas surgidas durante o ca-minho e contribui para a ativação da cura, para a totalidade psíquica se instalar. A consciência exerce, pois, uma in� uência estimuladora sobre o inconsciente, uma vez que se esforça para com-preender as mensagens que este lhe apresenta. Assim, escreve Sanford: “... O potencial total de cura contido em nossos sonhos não se atualiza-rá a não ser que seja acompanhado pelo cresci-mento e desenvolvimento da consciência” (2007, p. 49). O hábito de registrar e re� etir sobre os sonhos constitui, segundo o autor, uma possibi-lidade de a consciência trazer à luz aspectos do inconsciente, bem como participar do � uxo de energia que dele emana. O próprio Jung (2008) orientava seus pacientes a efetuarem tais proce-dimentos.

Em sua conceituação mais simples, a individuação, conforme Ja� e, consiste no pro-cesso permanente e contínuo de tornar-se um indivíduo consciente (2002, p. 27). Segundo o

autor, a palavra consciência deriva dos termos la-tinos “con”, que expressa “com”, e “sciere”, “sa-ber”, vindo a signi� car “saber com” “outro”, sen-do que este outro pode ser uma pessoa, alguma parte de si ou o próprio Deus. Para Ja� e (2002), a consciência integra cabeça e coração, sendo sua base formada pelo conhecimento animado pelo coração. Isso converge com o que Jung escreve acerca do processo psicoterapêutico: “O paciente não deve ser instruído acerca de uma verdade. Se assim � zermos, estaremos nos dirigindo apenas à sua cabeça. Ele tem que evoluir para esta ver-dade. Assim, atingiremos o seu coração. Isso o toca mais fundo e age mais intensamente” (2008, p. 18). Registrar, pintar, re� etir afetivamente so-bre as imagens oníricas são formas concretas de a consciência participar da individuação.

Considerações finais

Diferentes visões e abordagens teóricas surgiram, no decorrer dos tempos, acerca dos sonhos. Para alguns, são imagens desprovidas de sentido; para outros, resíduos de memória ativados; para esotéricos e adivinhos, indicam caminhos e apontam soluções para diferentes problemas; para místicos e crentes religiosos, exprimem a vontade divina; para a psicologia analítica, con� guram-se como possibilidades do vir a ser humano.

Enquanto mensagens do Self, da totalida-de psíquica maior, os sonhos personi� cam dife-rentes aspectos da vida e da busca do indivíduo, bem como elementos essenciais com os quais este pode ter se desconectado. Todo drama ar-ticulado no sonho – trama de relações, cenário, protagonistas, plateia... – fala do indivíduo em uma composição mais ampla, revela vivências, afetos e atitudes indispensáveis para a vivência da individuação.

Se os antigos rituais de cura ofereciam um espaço simbólico para restaurar ofensas, integrar conteúdos e religar o humano ao divino, consta-ta-se, atualmente, que a psicoterapia constitui-se como um novo temenos3, onde se pode integrar

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3| Segundo CHEVALIER e GHEERBRANT, teme-mos é uma palavra grega, que tem a mesma origem do radical indu-europeu tem: cortar, delimitar, dividir, e “significava o local reservado aos deuses,o recinto sagrado que cercava um santuário e que era um lugar intocável”((2008, p. 874).

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diferentes aspectos da vida e estabelecer uma re-lação viva com o Self. Com base na revisão de literatura desenvolvida neste trabalho, identi-� cou-se que as mensagens simbólicas enviadas pelo Self à noite, con� guram-se como ferramen-tas signi� cativas na busca de sentido e na desco-berta dos caminhos que conduzem à realização do vir a ser da totalidade humana.

Referências

CHEVALIER, J.; GHEERBRANT, A. Dicio-nário de símbolos. 22ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2008.

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GALLBACH, M. R. Aprendendo com os so-nhos. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2003.

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JUNG, C. G. A prática da psicoterapia. Pe-trópolis: Vozes, 2004. Obras Completas: Vol.XVI/1.

JUNG, C. G. Ab-reação, análise dos sonhos, transferência. Petrópolis: Vozes, 2008. Obras Completas: Vol. XVI/2.

MEIER, C. A. Sonho e ritual de cura: incuba-ção antiga e psicoterapia moderna. São Paulo: Paulus, 1999.

RAMOS, D. G. Psique e corpo, uma compre-ensão simbólica da doença. São Paulo: Sum-mus, 1994.

SANFORD, J. A. Os sonhos e a cura da alma. 4ª ed. São Paulo: Paulus, 2007.

VON FRANZ. O caminho dos sonhos. São Paulo: Cultrix, 1988.

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