42 - Chico Xavier - Espíritos Diversos - Falando a Terra

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    FRANCISCO CNDIDO XAVIERESPRITOS DIVERSOS

    Caro Amigo

    Se voc gostou deste livro e tem oportunidade de adquiri -lo, faa-o, pois osdireitos autorais so doados a insti tuies de caridade.

    Muita Paz

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    FALANDO A TERRA ..........................................................................................................3ORAO AO BRASIL ......................................................................................................4CARIDADE ..........................................................................................................................7REMINISCNCIA ................................................................................................................9PAZ E LUTA ...................................................................................................................14IMPRESSES ...................................................................................................................16

    EVANGELHO ....................................................................................................................22O ENSINAMENTO............................................................................................................25DEFINIO .......................................................................................................................27VOLTANDO.......................................................................................................................30NOTCIAS..........................................................................................................................34DO ALM .........................................................................................................................44POEMA DE ME .............................................................................................................47DE RETORNO ..................................................................................................................49AMOR ................................................................................................................................57APRECIAES ................................................................................................................58INSENSATEZ ....................................................................................................................62CONTO SIMPLES ............................................................................................................64

    AVANANDO ...................................................................................................................67UM DIA ..............................................................................................................................70PENITNCIA .....................................................................................................................71NA SENDA .......................................................................................................................76SADE ..............................................................................................................................78TRS ALMAS ..................................................................................................................81SE SEMEIAS ....................................................................................................................83DENTRO DE NS ...........................................................................................................84REMORSO ........................................................................................................................85DE SALOMO .................................................................................................................87PGINA BREVE...............................................................................................................88O TEMPO .........................................................................................................................89MEDITAO .....................................................................................................................96REFLEXES .....................................................................................................................97O JUIZ COMPASSIVO ..................................................................................................113DE LONGE .....................................................................................................................115TUDO CLARO ................................................................................................................118MENTALISMO .................................................................................................................120LEMBRETE .....................................................................................................................123CONHEAMO-NOS ........................................................................................................124VISO NOVA .................................................................................................................126ESPERANA ..................................................................................................................128SMULA BIOGRFICA DOS AUTORES....................................................................129

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    FALANDO A TERRA

    No campo da vida, os escritores guardam alguma semelhana com as rvores.

    No raro, defrontamos com troncos vigorosos e erectos, que agradam viso pelo conjunto,no oferecendo, porm, qualquer vantagem ao viajor. Ora so altos, mas no possuem

    romaria agasalhante. Ora se mostram belos; todavia, no alimentam. Ora exibem flores devrio colorido, que, no entanto, no frutificam.

    So os artistas que escrevem para s mesmos, perdidos nos solilquios transcendentes ounas interpretaes pessoais. Inacessveis ao interesse comum.

    De quando em quando, topamos espinheiros. So verdes e atraentes de longe; contudo,apontam acleos pungentes contra quantos lhes comungam da intimidade enganadora.

    Temos a os intelectuais que convertem os raios da inteligncia nos venenos s das teoriassociais de crueldade ou nos txicos da literatura fescenina, com que favorecem o crimepassional e a mentira aviltante.

    Por fim, encontramos os benfeitores do mundo vegetal, consagrados produo debenefcios para a ordem coletiva. So sempre admirveis pelos braos com que acolhem osninhos, pela sombra com que protegem as fontes, e pelos frutos com que nutrem o solo, osvermes, os animais e os homens.

    So os escritores que trabalham realmente para os outros, esquecidos do prprio eu,integrados no progresso geral. Sustentam as almas, transformam-nas, vestem-nas desentimentos novos, improvisam recursos mentais salvadores e formam ideais de santificaoe aprimoramento, que melhoram a Humanidade e aperfeioam o Planeta.

    Este livro constitudo de galhos espirituais dessas rvores frutferas. Os autores que o

    compem, falando Terra, estimulam o corao humano sementeira de vida nova a voz amiga de almas irms que voltam dos cumes resplandecentes da imortalidade,despertando companheiros que a adormeceram no vale sombrio.

    Almas, que ajudam e consolam, animam e esclarecem.

    No temos, todavia, qualquer dvida. No obstante o mrito do que exprimem, muita genteprosseguir sonmbula e entorpecida.

    que o despertar varia ao infinito...

    A gazela abre os olhos ao canto do pssaro. A pedra, entretanto, somente acorda aexploses de dinamite.

    Resta-nos, porm, a confortadora certeza de que, se h milhes de almas anestesiadas nosenganos da carne, j contamos, no mundo, com milhares de companheiros que possuemouvidos de ouvir.

    EMMANUELPedro Leopoldo, 18 de abril de 1951.

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    ORAO AO BRASIL

    Ruy Barbosa

    Brasil! Quando os povos cultos e poderosos exibem o verbo da fora pela boca doscanhes, revivendo milenrios estigmas da destruio e da morte, ns, os teus tuteladosfelizes, podemos exaltar-te o herosmo silencioso. Adotaste-me por filho afortunado,quando te bati porta acolhedora, fugindo ao cu borrascoso e sombrio do Velho Mundo.Deixava, no fumo do pretrito, os imprios coroados de ouro, que alimentam a ignornciae a misria com o barao e o cutelo dos carrascos da liberdade; a truculncia erguida emgoverno das naes, asfixiando o impulso generoso de comunidades progressistas, atirania convertida em legalidade nos tronos de rapina; a mentira e a astcia mascaradasde sacerdcio; a opresso inquisitorial dos perseguidores da f livre, buscando perpetuaro negrume da Idade Mdia; a fbula impiedosa pretendendo orientar as letras sagradas,e, por fantasma erradio, a revolta, dominando crebros e coraes, para, mais tarde,

    arremeter de improviso aos gulosos comensais do poder.Atravessei os prticos do templo da fraternidade, que o teu clima de paz me oferecia.Deslumbrado luz de teu cu, ajoelhei-me ante o Cruzeiro resplandecente que te inspira,recordando o Divino Heri Crucificado. Aqui, o patbulo no era o caminho dossonhadores; o crime organizado no era a curul administrativa; as trevas dasconscincias no eram a expresso religiosa; o despotismo purpurado no era o refgio intolerncia; o cativeiro das paixes inferiores no era a aristocracia da inteligncia; oassassnio das opinies no era a glria do feudalismo jactancioso; a violncia no erasegurana; a carnificina no era o brilho no mando; o sangue e o veneno, a prepotncia ea traio no eram a galeria brilhante da poltica do terror; a fogueira no era o prmio investigao e cincia; a condenao morte no era o salrio dos mais dignos.

    O perfume da terra misturava-se claridade do firmamento, e orei, agradecendo Providncia Divina o acesso aos teus celeiros de po e de luz, de compreenso e debondade. Em teus caminhos, rasgados pela renncia de apstolos annimos,estampavam-se os rastros de todos os coraes que se haviam fundido, no crisol do amorsublime, para os teus primeiros dias de nacionalidade. Ouvi o cntico das trs raas, queo trabalho, a simplicidade e o sofrimento consagraram para sempre em teu nascedouro, erecebi a honra de compartir o esforo de quantos te prelibaram a independncia.

    Por t, em minha frgil estrutura de homem, amarguei os tormentos do operrio e asangstias do orientador. E, enquanto te acompanhava os vagidos no bero daemancipao que conquistaste sem sangue, por t fui quinhoado com a graa do desfavor

    e do exlio, para voltar, depois, cabeceira do infante que te guiaria os destinos, durantemeio sculo de probidade e sacrifcio. Lidador novamente sentenciado ao ostracismo,aguardei a morte, com a serenidade do servo consciente, feliz pela exao no cumprir seudever e crente na tua destinao de Terra Prometida que o Rei Entronizado na Cruzestremece e amanha. Sob a inspirao viva de teus dilatados horizontes de luz, jamaisme alapei nas dobras da pusilanimidade quando se me exigisse valor; jamais urdi afico, refugindo realidade; jamais contubernei com a felonia contra a inocncia. Eardendo no propsito de servir-te, no resgate de minscula parcela do meu dbito imenso,entranhei-me venturoso no labirinto da reencarnao, ideando contigo a ptria da

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    renovao humana. Reconstitudo o templo de carne, de cujo rgo se irradiariam asondas do pensamento, devotei-me de novo ao culto de teu progresso incessante. Eu, quedesfrutara o privilgio de sentar-me nas assemblias que te planejavam o grito libertador,assomei tribuna de quantos te defendiam os ideais republicanos, filiando-te na legiodos povos cultos e determinadores.

    Por t, partilhei o governo, usei a autoridade, preservei a ordem, louvei o patriotismo,encareci a democracia e confudi-me com o povo, vivendo-lhe as expectativas easpiraes. invocao de teu nome, e acima de todas as cogitaes peculiares aohomem de Estado e ao filho honrado da plebe laboriosa, que eu fui, advoguei, em tuacompanhia, a causa da liberdade, compreendendo o apostolado de amor universal comque subiste tona da civilizao. Nunca me honrei com aplausos e louros, que os nomereci, mas vigiei, quanto pude, na preparao de tua vitria, exercendo o ministrio dodireito a que te afeioaste, desde o sonho impreciso dos missionrios expatriados que temarcaram as primeiras linhas de evoluo, voltados para o esplendor da Igreja primitiva.Incorporando-te essncia de meu sangue e de meu ideal, confiei-me clulamicroscpica tua grandeza imperecvel e tomei assento nas lides da palavra e dapena, nos tribunais e nas praas, nos jornais e nos comcios, quase sempre sozinho, na

    guerra sem quartel daqueles que no conhecem o conselho dos generais, nem o apoiodas baionetas. Por t, suportei, orgulhoso, o peso de asfixiantes responsabilidades que meferiram os ombros e me iluminaram o corao, na evidncia e na obscuridade,aprendendo e sofrendo contigo, na escola da igualdade, da tolerncia, e da justia.

    E agora, que a cincia mortfera grava transitria supremacia nos regimes, estimulando apoltica da fora pelo triunfo numrico; que a perversidade da inteligncia lana odescrdito nos fundamentos morais do mundo; que a crise do carter emite vagas negrasde perturbao e desordem; que a toga desce da majestade dos seus princpios, paradourar os instintos da barbrie nos tremendos conflitos internacionais que se agigantamno sculo; que a moral religiosa concorre ao pleito de dominao indbita, imergindo natrevas da discrdia as conscincias que lhe cabe dirigir; que a doutrina de slex substituios tratados nas guerras sem declarao; que os dogmas de todos os matizes se insinuamnas conquistas ideolgicas da Humanidade, preconizando a mordaa e o obscurantismo agora ponho meus olhos em teu vasto futuro...

    Possa continuar ecoando em teus santurios e parlamentos, cidades e vilarejos, vales emontanhas, florestas e caminhos, a palavra imortal do Mestre da Galilia! Conserva a tuavocao de fraternidade, para que os mananciais da bno divina jorrem luz e pazsobre a tua fronte dignificada pelo esforo cristo na concrdia e na atividade fecunda.Guarda o teu augusto patrimnio de liberdade a distncia de todos os gigantes do terror,dos deuses da carnia e dos gnios da brutalidade, que tentam ressuscitar os fsseis datirania. Elege o trabalho por bssola do progresso e da ordem, porque de tuas arcas

    dadivosas manar novo alimento para o mundo irredimido. Templo de solidariedadehumana, teu ministrio de pacificao e redeno apenas comea... Novo hino serdesferido por tua voz no coro das naes. Nem Atenas adornada de filsofos, nemEsparta pejada de guerreiros. Nem esttuas impassveis, nem espadas contundentes.Nem Roma, nem Cartago. Nem senhores, nem escravos. Desdobrem-se, isto sim, em teusolo amoroso ramos viridentes da rvore do Evangelho, a cuja sombra inviolvel semitigue a sede multimilenar do homem fatigado e deprimido! Desfralda o estreladopavilho que te assinala os destinos e no te quebrantes frente dos espetculoscruentos, em que os povos desprevenidos da atualidade erguem cenotfios e ossurios

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    prpria grandeza. Descerra hospitaleiras portas aos ideais da bondade construtiva, doperdo edificante, do ilimitado bem, porque somos em t a famlia venturosa doCristianismo restaurado, e, por amor, se necessrio, mil vezes nos confundimos no pabenoado e annimo dos teus caminhos floridos de esperana, empunhando o cdigoda justia para o exerccio varonil do direito, emergindo das sombras da morte celeirosublime da vida renascente.

    Grande Brasil! Bero de triunfos esplndidos, aberto glorificao do Cristo, seja Ele atua inspirao redentora, o teu apoio infalvel, a trava-mestra de tua segurana; e,enaltecendo o messianismo do teu povo fraterno, em cujo seio generoso se extinguemtodos os dios de raa e se expungem todas as fronteiras do separatismo destruidor, queo Mestre encontre no mago de teu corao o sagrado poiso das Boas-Novas deSalvao, descendo, enfim, da cruz de nossa impenitncia multissecular para convivercom a Humanidade terrestre, para sempre.

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    CARIDADE

    Fabiano de Cristo

    Sem a caridade, tudo, na Terra que povoamos, seria o caos do princpio.

    A cincia atear sempre a chama da palavra nos lbios humanos, erguendo pedestais inteligncia; mas, sem a caridade de Jesus, que alimenta o corpo e sustenta a vida,debalde se levantaro plpitos e monumentos.

    Todos os patrimnios que enriquecem o homem forma acumulados pela graa do Senhor,considerando o progresso em seus alicerces profundos.

    A caridade divina tangvel em toda parte.

    Caridade o ar que respiramos, a luz que nos aclara os caminhos, o gro que nos suprede foras, o pano que nos envolve, a afeio que nos acalenta, o trabalho que nosaperfeioa e a experincia que nos aprimora.

    O mundo inteiro uma instituio de amor divino, a que nos acolhemos para amealhar ariqueza do futuro. A caridade a coluna central que o mantm. Sem ela, que exprimepacincia e humildade, servio e elevao, a mquina da vida paralisaria em todas aspeas. Sem ela, os santos mofariam no paraso e os pecadores clamariam,desesperados, no inferno; os fortes no se inclinariam para os fracos, nem os fracosvicejariam ao contacto dos fortes; os sbios apodreceriam na estagnao, por ausnciade exerccio, e os ignorantes gemeriam, condenados indefinidamente s prprias trevas.

    Mas a bendita sentinela de Deus o Anjo Guardio do Universo, e nunca relega ascriaturas ao desamparo, ensinando que a vitria do bem, com ascenso para a luz, sempre obra de cooperao, interdependncia e fraternidade.

    A esttua no desfrutaria o louvor da praa pblica sem a caridade do material inferiorque lhe assegura o equilbrio na base; a luz no nos livraria das sombras se a candeiaacesa no velador no lhe dirigisse os raios para o cho.

    O solo aceita as exigncias do rio que o desgasta, incessantemente, e, com isto, a escolaterrestre permanece viva e frtil; a semente conforma-se com o negrume e a soledade nacova e, assim, a mesa tem po.

    Sem obedincia s normas da caridade, que exalta o sacrifcio de cada um para a bem-aventurana de todos, qualquer ensaio de felicidade impraticvel.

    Somos todos filhos da Graa Divina e herdeiros dela, e, para santificarmos a vanguardado progresso, imprescindvel dar de ns mesmos, em oferta permanente ao bemuniversal.

    Todo egosmo est condenado de incio.

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    A gua, sem proveito, putrefaz-se.

    O arado inativo carcomido pela ferrugem

    A flor estril torna ao adubo.

    O esprito permanentemente circunscrito ao estreito circulo de si mesmo castigado coma desiluso.

    Recebendo as bnos do Cu, atravs de mil vias, a cada instante da experincia nocorpo, o homem que no aprendeu a dar, em auxlio espontneo aos semelhantes, louco e infeliz.

    Multipliquem-se palcios para a administrao e para cultura do crebro; mas, enquanto aporta do corao no se descerrar ao toque do amor fraterno, a guerra ser o vulcoespiritual do mundo, devorando a Paz e a Vida. Descubram-se preciosos segredos damatria e entoem-se cnticos de triunfo no seio das naes gloriosas da Terra; mas,enquanto o homem no ouvir o apelo suave da caridade, para fazer-se verdadeiro irmo

    do prximo, o solo do Planeta permanecer empestado de vermes e encharcado desangue dos mrtires, que continuaro tombando a servio da divina virtude em intrminacaudal.

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    REMINISCNCIA

    Medeiros e Albuquerque

    O Brasil republicano vagia entre as faixa do bero, quando conheci Manuel Ramos, nomepelo qual designarei um amigo obscuro, que abracei pela primeira vez no curso de brevecontenda com portugueses ilustres, a propsito de Floriano.

    Comentvamos desfavoravelmente as atitudes cordiais do embaixador Camelo Lampreia,que primava pelo bom-senso, na conciliao dos elementos exaltados, ante os atos doConsolidador, quando um amigo brasileiro, justamente indignado, se prepara a revide deenormes propores, de mundos cerrados e carantonha sombria. Assustado, procuravaeu apartar os contendores, quando surge o Manuel, com a carcaa de um touro e com aalma de anjo, evitando o pugilato.

    Conteve os antagonistas, qual se fora uma gladiador romano, habituado ao manejo deferas, e eu, tomado de simpatia, ofereci-lhe a mo, em sinal de reconhecimento, quandoos nimos irritados possibilitaram a conversa pacfica.

    No amplexo amistoso, porm, observei que Manuel no era servidor comum, que secontentasse com a gorjeta ou com o elogio fcil.

    Surpreendeu-me com o seu olhar indagador, a fixar-me insistentemente.

    E quando preparei, intencional, as frases da despedida, o musculoso interventor da rixainesperada me falou, sem prembulos:

    Doutor Medeiros, poder conceder-me uma palavrinha?

    Quem no anura em ocasio como aquela?

    O rapaz, contudo, foi breve. Biografou-se com simplicidade, atravs de informes curtos efrancos.

    Era empregado na cozinha de portugueses acolhedores, que o faziam encarregado dabacalhoada acessvel numerosa freguesia, em atividade regular no porto. Fluminensede origem, buscava o Rio com o sonho maravilhoso de todos os moos pobres do interior,que imaginam na metrpole o Eldorado das miragens de Orellana. No conseguira,entretanto, seno a colocao humilde, em casa de pasto, embora vivesse de livro s

    mos.

    Estudava, estudava, mas... salientava, desalentado a sorte lhe fora incrivelmenteadversa.

    Onerado de compromissos, na rbita da famlia, vira o pai morrer, quase sem recursos,minado pela peste branca, e presenciara a loucura de sua me, desvairada de dor sobreo cadver do companheiro e mais tarde internada, com ficha de indigente, em hospcio daCapital.

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    Sobravam-lhe, ainda, quatro irms para cuidar.

    Ganhava pouco e mal conseguia atender ao constante dreno domstico. Agrupou empalavras rpidas e respeitosas diversas questes pequeninas que lhe apoquentavam amente, detendo-se, porm, no caso materno, com minudncias curiosas a lhe revelarem agrandeza do sentimento afetivo; e, por fim, imprimindo significativa reverncia ao timbre

    de voz, pediu-me conselho, asseverando-se informado quanto aos meus estudos demagnetismo.

    No poderia, de minha parte, prestar-lhe socorro?

    Reparando, talvez, a ponta de sarcasmo que me assomou ao sorriso de gozadorimpenitente, consertou o passo, acentuando que, se me no fosse possvel a visita diretaao internato, a fim de aliviar-lhe a genitora doente, esperava que eu lhe desse, pelomenos, algumas noes alusivas ao assunto.

    Ante a sinceridade cristalina e a beleza do devotamento filial que ele aparentava, porpouco lhe no pedi desculpas pela ironia silenciosa de momentos antes, e assenti.

    Realmente, expliquei, no me confiava a experincias do teor daquela que me solicitava,mas dispunha de literatura valiosa e aproveitvel.

    Ceder-lhe-ia com prazer o material que desejasse.

    Combinamos o encontro para o dia seguinte.

    Apareceu Manuel, pontualmente, entrevista, ouvindo-me, atencioso, como se eleestivesse escuta de informaes relativas a tesouros ocultos.

    Acreditando falar muito mais comigo mesmo. Recordei, para comear, a figura deMesmer.

    Manuel, contudo, no se mostrou leigo no assunto, Frederico Mesmer era para ele velhoconhecido. Reportou-se, de modo simples, s leituras em francs a que se consagravacada noite, em companhia de annimo poliglota do subrbio, e referiu-se clnica dogrande magnetizador na Place Vendme, qual se houvera morado em Paris ao tempo deLus XVI. Sabia quantos reveses o valoroso professor havia sofrido para provar asnovidades cientficas de que se sentia portador. O rapaz chegava a conhecer o texto dovoto vencido, com o qual De Jussieu, o fundador da botnica moderna, se revelava onico amigo da verdade, na comisso indicada pela Sociedade Real de Medicina, a fim deapurar a realidade dos fenmentos magnticos.

    Agradavelmente surpreendido, senti-me vontade no comentrio aberto.

    Recordei De Puysgur, anotando-lhe os experimentos preciosos, quando, mordiscado decuriosidade, passeava no salo a gritar, inquieto, para os ouvidos de seus pacientes: -Dorme! Dome!

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    E, num desfile de impresses do brasileiro que vive de frente para a Europa, falei-lhe deBraid, de Libeault, Bernheim e Charcot, especificando as caractersticas das escolas deNancy e de Paris.

    Alinhei minhas prprias observaes, e Manuel, ento silencioso, me assinalava aspalavras como se fora deslumbrado e ditoso devoto frente de um semideus.

    Recolheu, contente, a copiosa literatura em portugus e francs que lhe pus nas mosvidas e partiu.

    De quando em quando me procurava, gentil, em visitas apressadas, a que, por minha vez,no prestava maior ateno.

    A vida abriu-me caminho, por outros rumos, no seio do matagal, ao invs de seguir nocurso de guas pacficas humano, e, maneira do seixo que rola para o mar,impulsionado pelos detritos que descem da serra, a golpes irresistveis da enxurradagrossa, ao invs de seguir no curso de guas, pacficas, avancei no tempo, atravs deperipcias mil, na poltica e na imprensa, incapaz de erguer-me esfera transcendente

    das cogitaes religiosas.

    Quando, em 1916, voltei da Europa com largo programa de servio pr-adeso do Brasilaos Aliados, na culminncia da batalha jornalstica, eis que me aparece o Manuel, empleno escritrio, num singular extravasamento de alegria.

    Forava portas e afrontara auxiliares neurastnicos para ver-me e apertar-me nos braos.

    Doutor Medeiros! Doutor Medeiros! Enfim! ... clamava, ofegante h quanto tempo,meu Deus! H quanto tempo!...

    Respondi-lhe ao abrao, com um sorriso forado, porque nesse mesmo instante deveriaavistar-me com Lauro Mller, a respeito de solenes decises na campanha populardesencadeada.

    Desejei provocar a retirada do importuno, que deixava transparecer nas bochechas dequarento maduro aquela mesma alegria robusta do tempo de Floriano.

    A conversao dele fazia-se absolutamente imprpria, a meu ver, em semelhanteocasio; entretanto, Manuel no me ofereceu qualquer oportunidade de censura cordialao seu procedimento.

    Eufrico, palavroso, desaparafusou a lngua e narrou xitos sobre xitos.

    O magnetismo desvendara-lhe estradas novas. Conseguira milagres. Mantinhacorrespondncia ativa com estudiosos ilustres da Frana. Apresentava, garboso,concluses prprias acerca do desdobramento da personalidade. Enfileiravaapontamentos especiais sobre o sistema nervoso. Engalanava-se com dezenas de casosrarssimos de cura, inclusive o da prpria genitora que se reequilibrara e ainda vivia.

    E acrescentava informes, referentes ao jardim domstico, sem me oferecer um minutopara qualquer considerao.

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    Casara-se. Possua trs filhos que pretendia apresentar-me. A esposa e eleacompanhavam, carinhosamente, as minhas pginas em A Noite. Convidava-me avisitar-lhe a famlia, quando chega o recinto a ex-ministro, fitando-me com assombro,como se me surpreendesse na companhia de um louco.

    O antigo quituteiro do restaurante portugus no se deu por achado ouvindo declinar o

    nome do respeitvel poltico. Iluminaram-se-me os olhos, cobrou nimo novo e, sem maisnem menos, recomendou-nos freqncia assdua s sesses espirituais a que sededicava nas noites de teras e sextas-feiras, junto de amigos e estudantes doEvangelho, encarecendo a necessidade de homens espiritualizados na administrao doPas. Reportou-se a Bittencourt Sampaio com frases quentes de aplauso. Sacou do bolso,que denotava prolongada ausncia da lavanderia, seboso mao de papis e leu, em vozestentrica, a primeira mensagem de Bezerra de Menezes, no Grupo Ismael, atravs domdium Frederico Jnior, e, longe de parar, abriu diante de ns maltratado volume doNovo Testamento, combinando a leitura de alguns textos com as pginas de AllanKardec, ao mesmo tempo que indagava de minhas impresses acerca da Casa dosEspritos, em Paris.

    Mastiguei uma resposta qualquer, e Manuel, absolutamente incapaz de entender a minhainadaptao s verdades de que se fizera pregoeiro, continuou exaltando os imperativosde renncia e de sacrifcio para ns ambos, como se fora trovejante doutrinador em praapblica.

    E quando se inclinava no comentrio de reencarnaes passadas, afirmando ter vivido aotempo de Gengis Khn, mal sopitando a vergonha que aquela intimidade me provocava,recomendei-lhe silncio em tom autoritrio e descorts.

    O pobre amigo empalideceu e, enquanto o ex-ministro de Venceslau Brs erguia paramim o olhar perscrutador, informei, implacvel, indicando Manuel estarrecido:

    Lauro, tenho aqui um ex-empregado requerendo nossos prstimos. No m pessoa,mas enlouqueceu de repente. Guarda a mania do espiritismo e eu desejava seus bonsofcios para que o infeliz obtivesse tratamento acessvel na Praia Vermelha. Creio queno precisar do internato em regra, mas no pode prescindir de algum contacto com ohospcio.

    O grande poltico levou o caso a srio e respondeu sem hesitar:

    Esteja descansado. Farei por ele quanto possa.

    Nunca me esquecerei do olhar humilde que Manuel me dirigiu sem a menor reao, com

    duas grossas lgrimas, ao despedir-se cabisbaixo, sem mais uma palavra.Depois, a v ida continuou rolando, arrastando-me em seu torvelinho trepidante, mas o meuantigo aprendiz de magnetismo no mais me apareceu no caminho.

    Poltica, jornalismo, aventuras...

    Eis o sono, era a morte? Que sabia eu?

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    Compreendia apenas que no era mais possvel brincar com a inteligncia.

    Indefinvel pavor do desconhecido me assaltava o corao, afogado em lgrimas que euno conseguia derramar.

    Densa noite envolvera-me de sbito, e eu gritei com toda a fora dos pulmes cansados,

    clamando por enfermagem e socorro, que se me afiguravam distanciados para sempre.

    Em que tenebroso lugar minha voz vibraria agora, sem eco? que ouvidos me captariam aslamentaes? Por quanto tempo supliquei apoio naquela posio de insegurana?

    intil formular indagaes a que no podemos responder.

    Um instante surgiu, contudo, em que percebi junto de mim prateada luz.

    Algum se aproximava, dando-me a idia de piedoso visitador, remanescente talvez deSo Bernardo, o salvador de viajantes perdidos nas trevas.

    Diante do meu deslumbramento, a claridade cresceu, cresceu, e uma voz, que jamaisolvidei, saudou alegremente:

    Doutor Medeiros! Doutor Medeiros!...

    E o Manuel surgiu fulgurante de rara beleza, ante meus olhos assombrados, estendendo-me os braos fraternos.

    Quietou-se-me, ento, o raciocnio humano, apagaram-se-me os pruridos da inteligncia.

    Manuel, aureolado de sublimada luz, era para mim agora um verdadeiro redentor. Confiei-me ao seu carinho, copiando a rendio da criana assustada, que se refugia no seiomaterno, e uma vida nova comeou para mim, somente imaginvel por aqueles quesabem sobrepairar ao turbilho de mentiras humanas, para escutarem, de alguma sorte, amensagem renovadora dos companheiros que atravessaram a cinzenta e gelada fronteirado tmulo.

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    PAZ E LUTA

    Joana Anglica (Joanna de ngelis)

    Muitas vezes, a pretexto de servir a Jesus, fugimos para a sombra quieta do claustro,abandonando a luta em que o Mestre espera de ns a colaborao salutar.

    Mal nos sabe a escolha, porque, em semelhante contemplao, cultivamos a inutilidade eacordamos, ao clarim da morte, na condio do pssaro de asas entorpecidas.

    Diz-se que preciso aborrecer o pecado, buscando o recanto silencioso da virtudeimprodutiva e anestesiante, sem o que no abominaremos Satans e as suas obras.

    No traduzir, porm, essa atitude ruinoso descaso para com o mundo e para com asalmas que o Senhor nos confiou aos cuidados e salvaguarda?

    Fora preciso que o amor no passasse de escura mentira, para crermos em nossasalvao exclusiva, com deplorvel esquecimento dos outros. Um soluo de criana naTerra destruiria o Cu que a teologia comum criou para atender, em carter provisrio, asnossas indagaes.

    O clima de contrastes em que a inteligncia da criatura se alarga e evolve, propiciando-lhe dificuldades e sombras temporrias, , na essncia, a paisagem indispensvel aocrescimento do esprito, para a vitria do amor, no corao do Homem e no caminho daHumanidade.

    A paz resulta do equilbrio e no da inrcia.

    Jesus, no madeiro, desfrutava a tranqilidade dos que podem desculpar o mal e esquec-lo. Pilatos, na suntuosidade do Pretrio, conservava um esprito vacilante e atormentado,que o arrastaria por fim ao suicdio.

    O lago calmo costuma resumir-se a depsito de lodo estanque, enquanto a gua corrente,rolando sem cessar sobre a escarpa, chega pura aos lbios ressequidos do homem.

    A santidade no depende da mscara.

    H prncipes da fortuna e da inteligncia, da autoridade e da fama, os quais, emborasituados entre a poltrona macia e o louvor incessante dos grandes e dos pequenos, se

    esforam, no servio aos semelhantes, obedecendo aos ditames da reta conscincia; eh mendigos, esfarrapados e sedentos, que elevam mos postas aos cus, praguejandomentalmente em desfavor do prximo.

    Muitos homens, aparentemente santificados por viverem repetindo oraes comoventes,so almas leoninas que se reconhecem necessitadas de constantes preces e demeditao para no carem na soez armadilha da prpria impulsividade; ao passo quetemperamentos pacficos, de exterior indiferena por no respirarem na comunhocontnua dos sagrados ensinamentos, so espritos enobrecidos na f, superiores s

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    tentaes da calnia ou da dor, que j sabem jornadear na Terra, achegados a Deus, semas teias de qualquer empecilho humano.

    Ningum abandone a luta, crendo conquistar, assim, a paz.

    Nenhum general experimenta o soldado em relvas floridas, e alma nenhuma se elevar

    ao cume da purificao, sem as provas compreensveis e justas do sofrimento, nocombate interior s inclinaes menos dignas, ante as circunstncias do mundo externo.

    Muitas almas piedosas recolhem-se aos mosteiros, procurando, debalde, no afastamentoda tentao, a serenidade e a alegria que l no encontram, porque, ainda a, o lrio queadorna o altar procede da lama desconhecida; a vela que arde em memria dos anjosconsome a cera extorquida s abelhas laboriosas; o centeio que fornece o poabenoado mesa nasceu e cresceu na cova annima do solo estercado; e a seriguilhaque cobre a carne em contemplao foi roubada ovelha ao algodoal, que produz sob achuva e sob o vento.

    Muitos encontram luta amarga onde procuram as douras da paz, porque a serenidade

    legtima provm das obrigaes bem cumpridas no quadro de trabalho que a realidadenos designa.

    Conflitos e atritos vibram em toda a parte, porque, em todos os recantos, o espritosuspira por ascenso.

    Aceitemos os desafios do mundo sem temer o pecado, as trevas, o lodo, a morte.

    Como sustentar a beleza e a ternura do lume, se no desculparmos a dureza e a fealdadedo carvo?

    A vanguarda do trabalho uma arena de que nos no cabe fugir. Defendamos em suaslinhas a nossa posio de servio, amando e agindo, imaginando e elaborando para obem, e o Senhor, por certo, nos far Divina Merc.

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    IMPRESSES

    Deodoro da Fonseca

    Volvidos sessenta e um anos sobre a proclamao da Repblica no Brasil, norecordamos o evento para lastimar a audaciosa apostasia, ante os princpiosmonrquicos, mesmo porque a evoluo transita por sendas inelutveis.

    Muitos espritos comodistas enxergaram em ns somente o pupilo ingrato do grandeImperador e nos cumularam de sarcasmo e sofrimento que nos seguiram at morte docorpo; mas outros, tanto quanto ns mesmos, conseguiram reconhecer no homempequenino, que as circunstncias arrebatavam ao anonimato, o simples instrumento doprogresso renovador.

    O povo determina os acontecimentos, e os acontecimentos se encarnam nos homens que

    o representam.Quantas vezes o eleito da multido paga o imposto do sacrifcio ou da morte pela escolhaque no pediu ou pelo ttulo que no disputou?

    No comparecemos, pois, tribuna que o Espiritismo nos oferece, para lamentar opassado ou repisar mgoas que a memria humana ainda no esqueceu. Nosso intuito,em rememorando a consagrao definitiva dos nossos ideais republicanos, o de alongaros olhos mais ao centro de nossas realidades essenciais.

    Indubitavelmente, na hora de emancipao do poder, no seria lcito buscar outrospadres para a constituio orgnica da comunidade nacional seno naquelas fontes

    visceralmente democrticas que os povos avanados nos ofereciam; e a nata intelectual,como tambm o escol poltico, se debruavam sobre os princpios de Auguste Comte edevoraram as tradies inglesas e norte-americanas, com a volpia do artista deimaginao superexcitada que descobrisse no vasto territrio brasileiro uma nova Hlade,brilhante e gloriosa, perfeitamente habilitada assimilao de princpios sublimes, semqualquer servio preparatrio do entendimento popular.

    Proclamada a Repblica e lanada a Carta Magna de 91, que reparamos a enormepopulao ruralizada, a disparidade dos climas, a extenso do deserto verde, as tragdiasdo serto, o problema da seca, a necessidade de uma conscincia sanitria na massapopular, os imperativos da alfabetizao, a incultura da liberdade, a escassez desentimento cvico, a excentricidade das comunas municipais, e o esprito ainda estreito de

    numerosas regies.

    O programa compulsrio do Pas no poderia afastar-se da educao nos mnimospontos; entretanto, tecramos precioso manto constitucional com frases e textos de finapolpa democrtica, quase impraticveis alm dos subrbios do Rio de Janeiro.

    Cabe-nos confessar hoje, honestamente, que ignorvamos a nossa condio de povo juvenil, com idiossincrasias que no pudramos perceber; em vo tentamos ostransplante das rvores ideolgicas da Inglaterra, da Frana e da Sua para a nossa

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    gleba poltico-administrativa, de vez que o conceito de Estado no passava de idiapragmtica em nossa mente coletiva, ainda incapaz de viv-la no trabalho e naresponsabilidade, no pensamento e na emoo dos povos que se ergueram para tomaras rdeas dos prprios destinos.

    E, por isso, em mais de meio sculo, temos agido e reagido, atravs de continuadas

    experimentaes, tendendo, como natural, para a centralizao do governo, contra aexpectativa de quantos sonham com o puro parlamentarismo britnico para as nossasrealidades imediatas.

    Nossa palavra. Contudo, no expressa desiluso ou desnimo.

    Compreendemos agora que uma nao setor da Humanidade e que um povo umagrande famlia espiritual operando no tempo, com tarefas determinadas noengrandecimento do mundo.

    A Repblica foi descerrada ao esprito brasileiro na hora certa; e se verdade quepecamos por incapacidade de superviso das nossas exigncias objetivas, no menos

    certo que cada coletividade, quanto cada indivduo, desfruta o direito de evoluir e,conseqentemente, a prerrogativa de experimentar e de errar, no sentido construtivo,pavimentando o prprio caminho de acesso aos mais altos valores da Civilizao.

    Apaixonados, presentemente, pela obra de educao e assistncia, antes de quaisquerconquistas novas em matria de liberdades pblicas, aguardamos, com alegria, avocao ao retorno lide carnal para melhor servir Ptria, credora do nosso alto espritode renunciao.

    No possumos milagroso formulrio de emergncia para a cura das dificuldadespolticas, inevitveis e transcendentes em todos os gabinetes da atualidade, ao dispordaqueles que orientam a vida nacional.

    Confiamos sinceramente na dignidade e na boa-vontade de quantos se encontram nospostos diretivos e esperamos que a Luz Divina to positivamente evidenciada em nossadestinao histrica, se fixe nas atitudes dos dirigentes e nas deliberaes do povo,conjugando autoridade e colaborao no erguimento do progresso comum.

    Efetivamente, no dispomos ainda do equipamento industrial, dos recursos tcnicos, dadisciplina e das virtudes pblicas que caracterizam as comunidades anglo-saxnicas; masa grande balana do mundo, todavia, acusa, em nosso favor, uma civilizao respeitvelao calor dos trpicos; um potencial econmico inaprecivel; a verdadeira noo defraternidade que podemos definir por base da democracia gentica; o instinto de

    solidariedades humana; o culto sistemtico aos ideais superiores; a ojeriza natural pelonefasto orgulho de raa; o pacifismo construtivo; o respeito tradicional independnciados outros; a venerao aos tratados e aos compromissos assumidos; a bondade inata; apenetrao rpida nos enigmas espirituais; o sentimento religioso na exaltao dacaridade; a iniciativa do bem; a colaborao espontnea em todas as obras que colimemerguer o indivduo para nveis superiores; o zelo pela justia; a vocao da liberdade; osonho de largueza; o desprendimento da posse material e, sobretudo, a devoo sublime Humanidade que converteu os nossos oito milhes de meio de quilmetros quadradosem Nosso Lar do Evangelho redivivo para o mundo faminto de verdadeira regenerao.

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    Exalando, assim o Brasil, bero de nossas melhores aspiraes, saudamos o nossoglorioso futuro, rogando a Deus que tenhamos a coragem de sermos ns mesmos, unidosna execuo do novo mandamento, que para os jovens da Nao pode ser resumidonuma simples palavra; - trabalhar.

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    a ignorncia a magia negra de todos os infortnios. Ao seu grosso taco de trevas, orico esconde o ouro destinado prosperidade, e o pobre se envenena com o desespero,eliminando as possibilidades resultantes do trabalho.

    Pela ignorncia, os homens se julgam senhores absolutos do latifndio terrestre, que lhesno pertence, arruinando-se em guerras de extermnio; o bom se faz ameaado pela

    crueldade esmagadora, o mau se torna pior; a evoluo de alguns estaciona com omanifesto atraso de muitos, e a vida, que sempre magnfico patrimnio de recursos paraa sublimao, se v assediada pela discrdia e pela ira, pela ociosidade e pela indigncia.

    Na rede da ignorncia, o homem complica todos os problemas do seu destino, por elacontribui para as aflies alheias e com ela se arroja aos abismos da dor e se entrega ssurpresas do tempo.

    Por este motivo, se o orfanato ou o asilo so casas abenoadas do agasalho e do po, aescola ser, em todos os seus graus, um templo da luz divina.

    O po mantm a carne perecedoura.

    A luz santifica o esprito eterno.

    No bastar disciplinar as maneiras do homem adulto, como quem submete animaisinteligentes.

    A domesticao reclama apenas um brao firme, uma vergasta e uma voz autoritria, queno hesitem na aplicao da fora corretiva.

    Bom corrigir. Melhor, porm, educar.

    A retificao rude, no raro, produz o temor destrutivo. O aperfeioamento suave epersuasivo gera sempre o amor edificante.

    A ignorncia necessita de muito esforo e sacrifcio para deixar suas presas.

    Quem se consagre ao mister de auxiliar deve dispor-se a sofrer.

    O exemplo a fora mais contagiosa do mundo. Por esta razo, quem conserve hbitosdignos, quem se devote ao dever bem cumprido, quem fale ou escreva para o bem,combate a ignorncia na posio de soldado legtimo do progresso.

    Semelhantes benefcios, no entanto, precisam da sagrada iniciao com o ato de

    alfabetizar.Ensinar a ler e elevar o padro mental de quem l constituem obras venerveis decaridade.

    Descerremos a espessa cortina de sombras que retm o esprito ninfa divina nocasulo da inrcia.

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    Os que trabalham em favor das garantias pblicas, se quiserem alcanar, efetivamente,as realizaes a que se propem, no podem esquecer, em tempo algum, a instruo e aeducao.

    por elas e com elas que as naes sobrevivem no turbilho dos acontecimentos queagitam os sculos. claridade que despendem, extinguem-se os pruridos de hegemonia

    que desencadeiam os conflitos civis e internacionais, fenece a agresso, desaparece odio, apaga-se o incndio da revolta.

    Depois da morte, reconhecemos que todas as atividades do homem, por mais nobres,tero sido vs, ou, mesma cinza niveladora se o objetivo de aperfeioamento espiritualno foi procurado.

    Pela conquista do ouro, quase sempre acordamos velhos monstros do egosmo quejazem adormecidos dentro da alma.

    Pela ascenso ao poder poltico, no raro, a massa enlouquece no delrio da vaidade.

    Pelo abuso nos prazeres fsicos, freqentemente o homem se equipara ao bruto.

    Sem a escola, somente liberamos os instintos inferiores da personalidade ou da multido,quando pretendemos libertar-lhes a conscincia.

    Educando e educando-se, o esprito penetra a essncia da vida, compreende a lei do usoe elege o equilbrio por norma de suas menores manifestaes.

    Grande a tarefa do po, que gera o reconhecimento e a simpatia; entretanto, muitomaior o ministrio do abecedrio, que opera o divino milagre da luz, estabelecendo acomunho magntica entre a inteligncia do aprendiz de hoje e a mente do instrutor queviveu h milnios.

    Cultura e, sobretudo, esclarecimento, so armas pacficas contra a discrdia.

    Abramos escolas e o canho se recolher ao museu.

    Se cada criatura que sabe ler alfabetizasse uma s das outras que desconhecem asublime funo do livro, a regenerao do mundo concretizar-se-ia em breve tempo.

    Jesus desempenhou o mais alto apostolado da Terra sem uma ctedra de academia, masno se projetou nos sculos sem as letras sagradas do Evangelho.

    preciso ler para saber pensar e compreender.Por esta razo expressiva, o Cristo, que consolou almas aflitas e curou corpos doentes,que patrocinou a causa dos sofredores e construiu caminhos para a salvao das almasnos continentes infinitos da vida, no se afirmou como sendo restaurador ou mdico,advogado ou engenheiro, mas aceitou o ttulo de Mestre e nele se firmou, por universalconsagrao.

    Fortaleamos a escola, pois.

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    EVANGELHO

    Francisco do Monte Alverne

    Baseando no Evangelho de Nosso Senhor Jesus-Cristo a predicao do apostolado quelhes compete, os Espritos Superiores no se apegam a qualquer nuvem de mistrio parasustentar o alimento f religiosa, em cuja renascena colaboram, na qualidade dehomens redivivos.

    que a vida extrafsica promove, nos que pensam, mais altas ilaes com respeito realidade.

    Se h leis que presidem ao desenvolvimento do corpo, h leis que regem o crescimentoda alma.

    Jesus no estbulo no um fenmeno isolado o espao e no tempo; acontecimentovivo para o esprito humano.

    Cristo-Homem veio plasmar o Homem-Cristo.

    H quem enxergue no Cristianismo a simples apologia do sofrimento. Acusam-nopensadores e filsofos vrios, tachando-o em oposio beleza e alegria. Para eles,Jerusalm teria asfixiado a felicidade e o encanto da vida, a fluir vitoriosa e serena nosajuntamentos da Grcia e de Roma.

    Antes do Mestre, a nica beleza espiritual, geralmente conhecida, era aquela das virtudesfilosficas e polticas que o homem representativo da escola, da justia ou do poder

    mantinha, valoroso, at morte.

    Com exceo de akyamuni, o prncipe sublime que se retirou do mundo convencionalpara viver pelos seus semelhantes, os grandes heris do pensamento aceitam aperseguio e o extermnio, mas, fora reconhec-lo, com a vaidade dos triunfadores.

    Bebem cicuta ou abrem as prprias veias, ilhados na fortaleza da superioridade individual.Scrates o filsofo sublime, confortado pela solidariedade dos discpulos. Sneca oprofessor honrado, que estimula com o sacrifcio de si mesmo a indignao contra atirania.

    Com Jesus, a renunciao diferente.

    O Divino Crucificado sobe ao Calvrio sem o apoio dos amigos. Suas ltimos palavrasso dirigidas a um ladro. Sua morte no exalta o orgulho de um grupo, nem constituiincentivo revolta. A ordem que lhe escapa do excelso comando a de servir semdesfalecimento, com obrigaes de amor, perdo e auxlio constantes, ainda aosinimigos. Seu olhar, do cimo da cruz abarca o mundo inteiro.

    Com Ele comea a agir o escopo do verdadeiro bem, operando sobre a dureza daanimalidade o gradual aperfeioamento da alma divina.

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    As chagas que lhe cobrem o corpo representam o louvor ao trabalho de aprimoramento eelevao do esprito, iniciando a era de legtima fraternidade entre os homens.

    E Evangelho , por isso, o viveiro celeste para a criao de conscincia sublimadas.

    Nasce a mente na carne e nela renasce, inmeras vezes, buscando o sagrado objetivo do

    seu engrandecimento. E no intricado jogo das experincias compreende na dor oinstrumento ideal da santificao. Recebendo os sculos por dias preciosos e rpidos deservio, enceta a gloriosa carreira, com a juvenilidade da razo, amadurecendo-se nacincia e na virtude, atravs de reencarnaes numerosas.

    Conquista-se, sacrificando-se.

    Quanto mais fornece de si em trabalho vantajoso a todos, mais se enriquece no mealheiroindividual. Quanto mais distribui em amor, mais recebe em poder.

    Supera-se, quebrando limitaes, doando o bem pelo mal, a simpatia pela averso, aclaridade pela sombra.

    A Boa-Nova oferece as medidas espirituais para que se atinjam as dimenses da vidagenuinamente crist, nas quais desfere o esprito excelso vo para as EsferasResplandecentes.

    A carne a sagrada retorta em que nos demoramos nos processos de alquimiasantificadora, transubstanciando paixes e sentimentos ao calor das circunstncias que otempo gera e desfaz.

    Cada ensinamento do Mestre, efetivamente aplicado, especfico redentor, brunindo aalma imperecvel, tornando-a em obra viva de estaturia divina.

    O que nos parece dor, bno.

    O que se nos afigura sofrimento, socorro.

    Onde choramos com o espinho, recolhemos uma lio.

    Da o motivo de se escudarem os emissrios de nosso plano na predicao de Jesus,desvelando aos homens os prticos sublimes da era nova.

    Quando fixamos nas pgina vivas do prprio ser os ensinos do Cristo, afeioando-nosautomaticamente a eles, tanto quanto se nos adaptam os pulmes ao ar que respiramos,

    habilitar-nos-emos ao programa de ao dos anjos, por enquanto incompreensvel nossa inteligncia.

    Renascimento e morte no patrimnio fsico so simples acidentes da vida espiritualprogressiva e eterna.

    Quando o homem termina o repasto da iluso, aqui ou ali, perguntas milionrias lheacodem, precipites, mente insatisfeita.

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    Donde venho? para onde vou? qual a finalidade do destino? por que a lgrima? interroga, aflito, com nsias anlogas a de todos os vanguardeiros da vida superior quetiveram a coragem de partir, antes dele, para os cimos da imortalidade.

    Quando o aprendiz indaga, experimentando autntica sede da verdade, , sem dvida,chegado o momento iluminativo do Mestre.

    Sem Jesus, que nos confere sublime resposta aos engmas do caminho, converter-se-ia aexistncia em labirinto inextrincvel de padecimentos inteis.

    O Alm a continuao do Aqum.

    Um sculo sucede-se a outro.

    O filho o herdeiro dos pais.

    No existe milagre.

    H lei, evoluo, crescimento e trabalho com o prmio da sublimao ao esforo.

    O simples intercmbio com a vida espiritual nada mais que mera permuta de valorespara estimular a experincia comum. Mas toda vez que encontramos o Evangelho doSenhor inspirando a renovao de nossa atitude pessoal, frente do mundo, guardemosa certeza de que nos achamos em comunho frutfera com a bendita claridade doCaminho, da Verdade e da Vida.

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    O ENSINAMENTO

    Andr de Cristo

    Fala a criatura ao Criador, na orao. Fala o Criador criatura, na pregao.

    A linguagem do louvor, ou da splica, sobe na Terra.

    A palavra de consolo, ou de advertncia, desce das Alturas.

    H muitos que investigam o pregador de existncia claudicante e repelem a mensagemdivina, esquecidos de que eles mesmos alimentam o corpo com os frutos da natureza,criados nas adjacncias da lama.

    Deus, que desabotoa flores perfumadas no pntano, pode colocar as glrias da revelao

    em lbios ainda impuros.Ningum saborearia as folhas tenras da alface mesa festiva, com a mente voltada paraos vermes da horta.

    O cntaro lodoso pode recolher a gua cristalina da chuva, para socorrer o viajoralquebrado pela cancula.

    No desprezemos, por bagatelas da carne ambulante e frgil, os dons da luz eterna.

    As notcias do Reino Divino podem chegar at ns por intermdio das intelignciasmergulhadas nas trevas, assim como os relmpagos de claro deslumbrante fascam

    dentro da noite escura.

    Importa, em todos os lugares e em tudo, ver o melhor e escolher a boa parte.

    A frase que acende em ns a flama da virtude ou que nos inclina meditao, que nostorna o sentimento mais doce e o raciocnio mais elevado, uma flor celeste,desabrochando no tronco do nosso pensamento inferior e primitivo, por miraculosoprocesso de enxertia divina.

    Aquele que julga estar de p, olhe no caia disse o apstolo Paulo; e o apstolo Tiagoassevera cristandade: - Toda boa ddiva vem do Alto.

    Que possuir o homem de excelente, que lhe no tenha sido prodigalizado de Cima?

    Ainda mesmo quando na boca de um criminoso confesso, a palavra do bem frutoprecioso do amor de Deus, amadurecido nos galhos tristes do arrependimento humano.

    Em todos os tempos e em todos os crculos de atividade comum, a argumentaorestauradora e santificante da f representa a conversao do Pai com os filhos, entre amisericrdia e a necessidade.

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    Ningum se suponha esquecido pelo Senhor, porque o senhor nos dirige a palavra,atravs de todo verbo construtivo que nos leve ao bem.

    O po nosso de cada dia, d-nos hoje afirma a prece dominical.

    Mal-avisados viveramos se nos julgssemos precisados to-s de viandas fortalecedoras

    do corpo em trnsito para as cinzas do tmulo. Referia-se Jesus, muito mais, ao poespiritual do corao e da conscincia, no santurio da alma que nunca morre, po que alimento da palavra enobrecedora, do esclarecimento digno, da cultura edificante e daelevao divina.

    Onde luzir o verbo da bondade que auxilia e educa, a se reflete, magnnima, a voz daProvidncia.

    Cada vez que imploramos os favores do Altssimo, no nos esqueam os recados e osavisos, as lies e as advertncias que havemos recebido do Amoroso Senhor.

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    DEFINIO

    Leopoldo Fris

    Disse algum que a permanncia na Terra semelhante a um baile de mscaras, em quealguns entram, enquanto outros saem.

    Para mim, no entanto, que me consagrei ao teatro na ltima romagem por a, suponhomais razovel a comparao do mundo a velho e sempre novo cenrio, onderepresentamos nossos papis, ensaiando para exercer funes gloriosas de almasconscientes na eternidade.

    Cada existncia uma parte no drama evolutivo. Cada corpo um traje provisrio, e cadaprofisso uma experincia rpida.

    A vida a pea importante.O perodo de tempo, que medeia entre uma entrada pelo bero e uma sada pelo tmulo, precisamente um ato para cada um de ns no conjunto.

    Muito importante a arte de viver cada qual o seu prprio papel.

    H lamentveis distrbios, no elenco e na platia, sempre que um dos artistas invada asatribuies do colega no argumento a ser vivido no palco, sobrevindo verdadeirascalamidades, com desagradvel perda de tempo, em todas as ocasies em que sedespreze aquela norma.

    A representao reclama inteligncia, fidelidade, firmeza, emoo e eficincia, comaproveitamento integral dos lances psicolgicos, e alta capacidade de autocrtica.

    Nunca chorar no instante de rir e jamais sorrir no momento da lgrimas.

    Providenciar tudo a tempo.

    Tonalizar a voz e medir os gestos, para no converter a tragdia em truanice; respeitar asconvenes estabelecidas, a fim de que o artista no desa da galeria do astro ao terreirodo bufo.

    Segundo o parecer dos sensatos homens da antiguidade, o sapateiro no se deve

    exceder no salo do pintor, e o pintor, a seu turno, precisa comedir-se na tenda dosapateiro.

    Encarnando um juiz, um poltico, um sacerdote, um beletrista, um negociante ou umoperrio, no ser aconselhvel apresentarmos obra muito diferente do trabalho daquelesque nos precederam, investidos em obrigaes idnticas: correramos o risco daexcentricidade e do apedrejamento.

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    Compete ao nosso bom senso talhar o figurino, tendendo para o melhor, semescandalizar, contudo, os moldes anteriores.

    O comerciante no deve absorver o papel do filsofo, embora o admite e lhe siga asregras. O homem de idias, por sua vez, no deve furtar o papel do mercador, apesar deconvid-lo meditao.

    Atulhando o edifcio em que funciona o teatro, h sempre grande massa de bonecos, noalmoxarifado da instituio. a turba compacta de pessoas que nada fazem pela prpriacabea, constituda por ociosos de todos os feitios, a formarem o grand-guignol da vidacomum, habitualmente manejados por hbeis ventrloquos da inteligncia.

    E, enchendo o subterrneo ou cercando as gambiarras e os tanges, temos o exrcitodos que arrastam escadas e pedras, mveis e cortinas, na qualidade de teceles doverdadeiro urdimento para as mutaes necessrias. So eles os espritos acovardadosou preguiosos, que renunciam ao ato de escolher o prprio caminho e que abominam oconhecimento, a elevao e a aventura, entronizando o comodismo em dolo de suaspaixes enfermias. Demoram-se longo tempo na imbecilidade e na teimosia, suportando

    pesos atrozes pela compreenso deficiente.

    No proscnio, focalizados por luzes de grande efeito, movimentam-se os atores e asatrizes da ao principal. So pessoas que se impem no palco vivo. Discutem.Apaixonam-se. Gritam. Criam emoes para os outros e para si mesmos. Agitam-se,imponentes, na grandeza ou na misria, na glria ou na decadncia. Respiram,conscientes da misso que lhes cabe.

    So geralmente calmos na direo e persistentes na ao. Transitam, atravs dosbastidores, obstinados e serenos, com segurana matemtica. Pronunciam frases bemmeditadas, usam guarda-roupa adequado e no traem a mmica que lhes compete.

    Homens e mulheres, acordados para a vida e para o mundo, caminham para os objetivosque traaram a si mesmos. Entre eles vemos prncipes e sbios, rainhas e fadas, ricaose pobretes, poetas e msicos, comendadores e caravaneiros, noivas e bruxas, artfices epalhaos. Com diferenas na mscara e no corao, cada um deles funciona dentro daposio que a pea lhes designa. Cada qual responde pela tarefa que lhe peculiar.

    O esprito, que, durante alguns dias, desempenhou com maldade e aspereza a funo dagovernana, volta mesma paisagem na situao do dirigido. O juiz que interferiu,indebitamente, no destino de muitas pessoas, regressa ao palco nalgum caso complicado,para conhecer, com mais preciso, o tribunal onde colaborou vestindo a toga, depressarestituda a outros julgadores. O operrio inconformado, que se entrega indisciplina e

    rebelio, volta, s vezes, ao grande teatro da vida, exibindo o ttulo de administrador, a fimde conhecer quantas aflies custa o ato de responsabilizar-se e dirigir. O mdicodistrado na ambio do lucro efmero volve em algum catre de paraltico, de modo arefletir na importncia da Medicina. Sacerdotes indiferentes ao progresso das almasretornam curtindo a desventura dos rfos da f. Homens endemoninhados, queatravessam a cena quais faunos bulhentos, perturbando as ninfas da virtude eimpossibilitando-lhes o ministrio maternal, no raro se vestem com trajes femininos ecomparecem, de novo, ao palco, sabendo, agora, quanto doem na mulher o abandono e omenosprezo, a ironia e a humilhao.

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    O papel mais pesado sempre aquele que se reserva aos heris e aos santos, porqueesses atores infelizes vivem cercados pelas exigncias do teatro inteiro, embora, nofundo, sejam tambm personalidades frgeis e humanas.

    O que conforta de maneira invarivel que h lugar e misso para todos. Cada criaturad espetculo para as demais. Entretanto, para a tranqilidade de todos, ningum se

    lembra disso. E a pea vai sendo admiravelmente representada, sob recursos desuperviso que estamos muito longe de aprender.

    Eis-me, pois, amigo, nestas pginas, que estimularo entre as pessoas sensatas acerteza da sobrevivncia da alma.

    No tenho qualquer mensagem valiosa a enviar-lhe. Digo-lhe apenas, usando aexperincia pessoal que o tempo hoje me confere, que esse mundo , realmente, umgrande teatro. Represente o seu papel com serenidade e firmeza e, decerto, vocreceber tarefa mais importante no ato seguinte.

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    VOLTANDO

    Fernando de Lacerda

    Precioso o sofrimento, na floresta humana, para rasgar alguma clareza amiga por ondea luz possa penetrar nas furnas da sombra; contudo, ainda no me refiz totalmente doschoques trazidos da, depois de minha consagrao mediunidade, por alguns anos.

    Tive a felicidade de transmitir aos meus contemporneos as notcias de vriospensadores e literatos redivivos, incorporando-as ao Espiritismo luso-brasileiro, qual otelegrafista postado ponta do fio estendido entre os dois mundos; entretanto, guardoainda bem vivas as marcas do sarcasmo e da perseguio que o servio me valeu, porparte de muitas personalidades importantes, j agora recambiadas para c, onde nomais se dispem ao mau gosto de escarnecer a verdade.

    No fcil entregar certas mensagens a destinatrios que se voltam contra elas.Por mais que se identifique o portador, atravs de palavras e atitudes a lhe positivarem aidoneidade moral, h sempre recursos multiplicados para evasivas.

    Se a tarefa medinica representasse um manancial de ouro e de prazeres imediatos nocurrculo da carne, acredito que o povo se congregaria em massa, ao rudo de foguetes eao som festivo de filarmnicas para receb-la. O emissrio da realidade, porm, nodispe seno de palavras e de emoes para distribuir, apelando para realizaes elouros, que quase toda a gente considera remotos ou inaceitveis.

    Rarssimas pessoas admitem a medicina preventiva. A maioria espera que a doena lhe

    desordene os nervos ou lhe apodrea a carne para se resolver, pondo a boca no mundo,a procurar clnicos ou cirurgies.

    Muito poucos, na atividade usual da Terra, se inclinam ao socorro da medicao religiosa.Detidos temporariamente nas iluses do imprio celular, que se desmorona no sepulcro,passam por a distrados, no que tange aos interesses do esprito eterno.

    Na morte, sim. Exasperam-se e choram at prostrao, lastimando-se, contudo, algotarde. No porque alguma vez lhes faltasse como a ningum falta a CompaixoDivina: a pacincia do Pai inexaurvel. que se postergam, nas circunstncias da lutaterrena e nos quadros da parentela consangnea, as valiosas oportunidades de maisamplo servio.

    O ensejo de aprender, corrigir, restaurar e auxiliar indefinidamente adiado.

    Indispensvel se torna aguardar outra poca, outros meios e reajustes.

    O chamado homem prtico ainda se assemelha, em diversas tendncias, aos seresrudimentares do mundo, vivamente apaixonados pelas bactrias do solo e indiferentes claridade solar.

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    Por esta razo, o servio da mediunidade, por agora, ainda no apetecvel tentame paramim.

    Compreendo que preciso amargurar-se algum para que outrem se alegre. Curte ocascalho a provao da fealdade, mas vive na alegria de fornecer o ouro precioso. Paranutrir-se, a clula fsica ainda exige no mundo a existncia do matadouro. O que, no

    entanto, me estarrece no o sacrifcio de um homem pela melhoria dos semelhante: aindiferena das criaturas pensantes e responsveis, diante da ternura e da renunciaodos amigos de alm-mundo.

    O enrijecimento e a impermeabilidade das inteligncias encarnadas, com reduzidasexcees, s os podem corrigir a dedicao e o carinho dos Espritos Superiores.

    Muitas vezes a observei a deplorvel paga do bem pela ingratido, a revolta e a vaidadea troco da humildade e da ternura.

    Que sempre houve muita gente preocupada em ouvir os desencarnados no padecedvida; mas pessoas realmente interessadas na verdade jamais encontrei, exceo feita

    de alguns raros amigos, considerados bonzos e loucos, quanto eu mesmo o fui.

    As entidades comunicantes por meu intermdio eram admiradas, ou suportadas, sempreque lisonjeassem, confortassem ou distrassem; mas quando tangiam as cordas darealidade no mgico instrumento da palavra, convertiam-se em demnios de mistificaoou de inconvenincia.

    Entre mscaras e almas, vivi perplexo e atenazado por interrogaes e decepescontundentes.

    Da, talvez, a exausto que me colheu, de sbito, em plena luta.

    Meu crebro era uma trincheira sob contnuas investidas.

    De obstculo em obstculo, ca sobre as pedras do meu caminho, minado por intraduzvelesgotamento.

    Alguns companheiros verificaram, em meu drama doloroso na casa de sade, a falnciade minhas faculdades, acreditando-me desprezado pelos amigos espirituais. Na verdade,porm, os mensageiros da luz no me haviam abandonado. Quando se inutiliza ofilamento frgil de uma lmpada, assim fazendo o aposento s escuras, isso no querdizer que a usina geradora de fora houvesse deixado de existir. Os vexilrios da causade Jesus eram excessivamente bondosos para no desculparem a insignificncia e a

    pobreza do amigo que lhes acompanhava as pegadas na romagem difcil.Ainda que me fosse dado cumprir todos os deveres que a mediunidade me indicava ouimpunha, sentir-me-ia efetivamente pequenino e derrotado perante a magnitude da idiaque me cabia servir.

    Creia, porm, que a minha desencarnao, em dificuldades prementes, depois de haverconquistado vasta corte de amizades e relaes em Portugal e no Brasil, traz-me

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    lembrana curiosa narrativa de um amigo, a propsito de esquecido adivinho do povo deIsrael.

    Ao tempo dos Juzes, apareceu um homem inteligente e prestativo nas cercanias deJerusalm, que era procurado por centenas de pessoas todas as semanas. Sacerdotes einstrutores, polticos e negociantes, cavalheiros e damas de prol vinham ouvir-lhe a

    palavra inspirada e reveladora.

    Tamanha era a movimentao popular, ao redor dele, que de maneira nenhuma lhe erapermitido cuidar do seu interesse e sustento. Mal conseguia repousar, apenas algumashoras escassas, quando a noite adormentava os inquietos consulentes de toda parte.

    E os grandes homens da raa, porque se sentissem na presena de missionriosincomum, comearam a encher-lhe o nome de ttulos imponentes e a enfeitar-lhe o peitocom medalhas diversas. Era considerado o mensageiro de Jeov, o sucessor de Moiss,o profeta dos profetas, o emissrio da verdade, o revelador do oculto, o mdico infalvel eo sbio protetor do povo.

    Rara a semana em que solene comisso no lhe procurasse o lar, trazendo-lhe novascomendas e homenagens, papiros comovedores e honrosas felicitaes.

    O mago maravilhoso e incompreendido, sorridente e valoroso, definhava, incapaz de umareao, parecendo cada vez mais plido e abatido, at que, um dia, foi encontrado mortoem seu singelo monto de palha.

    Ante os clamores pblicos, um mdico foi chamado pressa, a fim de verificar oacontecimento, certificando, com facilidade, que o glorioso filho de Israel morrera de fome.

    Reuniu-se o conselho do Povo Escolhido, com venerveis solenidades, e, depois deacalorados debates, concluram os conspcuos maiorais de Jerusalm que o famosoadivinho falecera em to deplorveis circunstncias, em virtude de provaodeterminadas pelo Divino Poder.

    E todos esqueceram a singular personagem, guardando a conscincia tranqila, tantoquanto lhes era possvel.

    No desejo com a presente histria constituir-me advogado em causa prpria. Cada qualprincipia a tarefa que lhe cabe entre os homens e termina os servios que lhe compete,de conformidade com os seus merecimentos.

    O problema do mdium, no entanto, questo fundamental no Cristianismo renascente.

    Em quase toda parte h uma tendncia positiva para a fiscalizao ou para tomar contada criatura que as circunstncias apresentam por veculo de comunicao entre os doisplanos. Raros medianeiros, por isso, terminaram o ministrio com a galhardia e asegurana que deles se deveria esperar. Logo depois de encetada a marcha, retornamaos pontos de origem ou se perdem nos vastos espinheiros da desiluso, aps tentarem afuga do caminho reto, atendendo s sugestes das zonas inferiores.

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    Mas, se justo dar onde exigimos, se imperioso auxiliar onde somos auxiliados, seprotegemos o canteiro de legumes para que estes nos no faltem mesa, seprovidenciamos a devida instruo para o moo de recados que desejamos converter emcolaborador do escritrio, por que motivo negar a piedade e o estmulo ao companheiroque se transforma em cooperador de nossa alegria e elevao na senda do esprito?

    At que o avano moral do Planeta possibilite equaes definitivas da cincia, no terrenoda sobrevivncia e da interveno das almas desencarnadas no crculo terrestre, omdium ser a cabea de ponte do mundo espiritual entre os homens, solicitandocompreenso, solidariedade e incentivo para funcionar com a eficincia precisa.

    A questo , pois, das mais delicadas. Como ser resolvida, no sei.

    assunto, porm, de imediato interesse para o ideal que esposamos e para acoletividade a que servirmos, achando-se naturalmente sob a responsabilidade doshomens encarnados, que para ele necessitam voltar olhos amigos.

    Deus d a semente e o clima, a gua e o solo; quem dirige, porm, o arado e sustenta a

    lavoura, esse o prprio homem, herdeiro e usufruturio dos benefcios da Terra.

    Que o Cu nos ajude a vencer as dificuldades, a fim de que a evoluo permaneabaseado nas palavras do Senhor; misericrdia quero e no sacrifcio.

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    NOTCIAS

    Abel Gomes

    Sempre acreditei na necessidade de falarmos mente do povo, acerca dosacontecimentos alm do tmulo, com a simplicidade possvel, de modo a combatermos ailuso que cobre os fenmenos da morte, em todas as latitudes.

    A cerimnia dos funerais e o convencionalismo do velrio dificultam, sobremaneira, anossa cruzada de libertao mental.

    O catafalco, o crepe escuro, as velas acesas e os cantos lgubres, usados pela Igreja queh sculos nos preside a cultura sentimental, imprimem tamanhas caractersticas de terrorna alma recm-desencarnada, que somente alguns poucos espritos treinados noconhecimento superior conseguem evitar as deprimentes crises de medo que, em muitos

    casos, perduram por longo tempo.Mentiramos, asseverando que a transio servio rotineiro para todos.

    Cada qual, como acontece no nascimento, tem a sua porta adequada para ausentar-se doplano fsico.

    Na existncia do corpo, comeamos ou recomeamos determinado servio. Alm dasepultura, continuamos a boa obra encetada ou somos escravos do mal que praticamosna Terra. Por isso, o estado mental muito importante nas condies da matria rarefeitaque a criatura passa a habitar, logo depois de abandonar o carro fisiolgico.

    Incontveis pessoas, por deficincia de educao do eu, agarram-se aosremanescentes do corpo, com a obstinao de estulto viajante que, pelo receio dodesconhecido ou pela incapacidade de usar as prprias pernas, pretendesse inutilmentereerguer na estrada a cavalgadura morta.

    Mas o nmero de almas perturbadas de outro modo infinitamente maior. No seapegam ao cadver putrefato, mas demoram na paisagem domstica, onde sedesvencilharam das clulas enfermas, conservando iluses ou sofrimentos intraduzveis.

    Muitos que se abandonaram molstia, fortalecendo-a e acariciando-a, mais por fugir aosdeveres que a vida lhes reserva do que por devoo e fidelidade aos Desgnios Divinos,fixam longamente sintomas e defeitos, desequilbrios ou chagas na matria sensvel e

    plstica do organismo espiritual, experimentando srias dificuldades para extirp-los.

    Almas desse naipe, desalentadas e oprimidas, podem ser enumeradas aos milhares, emqualquer regio dos crculos sutis que marginam a zona de trabalho, em que se delimita aao dos homens encarnados. Quando possvel, so internados em grandes e complexasorganizaes hospitalares, quase que justapostas ao plano terrestre comum; entretanto, preciso reconhecer que milhares delas se mantm dentro de linhas mentais infra-humanas, rebeldes a qualquer processo de renovao. Muitas permanecem, em profundodesnimo, nos recintos domsticos em que transitaram por alguns anos consecutivos,

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    detendo-se nos hbitos arraigados da casa e inalando substncias vivas do ambiente quelhes familiar, sem coragem de ir adiante. Quando mostrem sinais de transformaobenfica, so, de imediato, aceitas em instituies educativas nas adjacncias da Terra,patenteando melhoria nas manifestaes exteriores, medida que se renovam pordentro, no que condiga com o sentimento, a atitude e a boa-vontade no aprender osensinos recebidos, nas tarefas de auto-aperfeioamento. Custam a modificar conceitos e

    opinies, mantendo-se como que paralticas do entendimento, de vez que, estancando asenergias da imaginao nos quadros terrenos, dos quais, entretanto, j se desligaram,so verdadeiros dementes para a vida espiritual, como seriam loucos para o mundo oshomens que reencarnassem com a memria integralmente presa aos acontecimentos, spessoas e s coisas do pretrito.

    Tais espritos perambulam entre as criaturas encarnadas quais se fossem sonmbulos,vivendo pesadelos e sonhos como sendo realidades absolutas, porquanto a onda mentalque lhes verte das preocupaes se expressa em movimento de recuo, em busca dopassado a que se imantam e no qual focalizam a conscincia.

    Nessas retrospeco, assemelha-se a alma a um proprietrio de importante prdio de

    muitos andares, que preferisse viver no subterrneo, na intimidade de fsseis estranhos ehorripilantes do subsolo, repentina e temporariamente convertidos em legio imensa defantasmas que o poder da evocao traz novamente vida. Presa das prprias criaesmentais monstruosas e perturbadoras, enreda-se, s vezes por muito tempo, no cipoaldos seus pensamentos selvagens ou indisciplinados, atravessando aflies indizveis,qual homem que, em sono profundo, suando e chorando sob padecimentos inominveisda mente, cr estar num largo crculo de tortura.

    Os orientadores dos princpios filosficos ou religiosos afirmam que cada individualidadevive no mundo que lhe peculiar, isto , cada mente vive o tipo de vida patvel com o seuestdio, avanado ou atrasado, na marcha evolutiva.

    As inteligncias aqui se agrupam segundo os impositivos da afinidade, vale dizer,consoante a onda mental, ou freqncia vibratria, em que se encontram.

    Tenho visitado vastas colnias representativas de civilizaes h muito tempo extintaspara a observao terrestre. Costumes, artes e fenmenos lingsticos podem serestudados, com admirveis minudncias, nas razes que os produziram no tempo.

    A alma liberta adianta-se sem apego retaguarda, esquecendo antigas frmulas, como opinto que estraalha e olvida o ovo em que nasceu, abandonando o envoltrio intil econstrutor em busca do oxignio livre e do largo horizonte, na consolidao das suasasas; em contraposio, existem milhes de Espritos, apaixonados pela forma, que se

    obstinam naquelas colnias, por muito tempo, at que abalos afetivos ou conscincias osconstranjam frente ou ao renascimento no campo fsico.

    Cada tipo de mente vive na dimenso com que se harmonize.

    No h surpresa para a cincia comum, neste n, porquanto, mesmo na Terra, muitasvezes, numa s rea reduzida vivem o cristal e a rvore, a ameba e o pulgo, o peixe e obatrquio, o rptil e a formiga, o co e a ave, o homem rude e o homem civilizado,

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    respirando o mesmo oxignio, alimentando-se de elementos qumicos idnticos, e cadaqual em mundo parte.

    Alm daqueles que sofrem deformidades psquicas deplorveis, manifestadas no tecidosutil do corpo espiritual, no difcil encontrarmos personalidades diversas, sem a capafsica, vivendo mentalmente em pocas distanciadas. Habitualmente se renem queles

    que lhes comungam as idias e as lembranas, formando com recordaes estagnadas amoldura nevoenta dos quadros ntimos em que vivem, a plasmarem paisagem muitosemelhantes s que o grande vidente florentino descreveu na Divina Comdia.

    H infernos purgatrios de muitas categorias. Correspondem forma de pesadelo ou deremorso que a alma criou para si mesma.

    Tais organizaes, que obedecem densidade mental dos seres que as compem, socompreensveis e justas.

    Onde h milhares de criaturas humanas, clamando contra si mesmas, chocadas pelasimagens e gritos da conscincia, criando quadros aflitivos e dolorosos, o pavor e o

    sofrimento fazem domiclio.

    Aqui, as leis magnticas se exprimem de maneira positiva e simples.

    A, no mundo, vemos inmeras pessoas com presena imaginria nos lugares a quecomparecem. Na verdade apenas se encontram em determinada parte sob o ponto devista fsico; a mente, com a quase totalidade de suas foras, vagueia longe.

    Depois da morte, porm, livre de certos princpios de gravitao que atuam, naexperincia carnal, contra a fcil exteriorizao do desejo, a criatura alia-se ao objeto desuas paixes.

    Assim que surpreendemos entidades fortemente ligadas umas s outras, atravs de fiosmagnticos, nos mais escuros vales de padecimento regenerativo, expiando o dio queas acumpliciaram no vcio ou no crime. Outras, que perseveram no remorso pelos delitospraticados, improvisam, elas mesmas, com as faculdades criadoras da imaginao, osinstrumentos de castigo dos quais se sentem merecedoras.

    Antigo sertanejo de minha zona, que impunha servio sacrificial aos seus empregados decampo, mais por ambio de lucro fcil na explorao intensiva da terra que por amor notrabalho, deixou recheados cofres aos filhos e netos; mas, transportando esferaimediata e ouvindo grande nmero de vozes que o acusavam, tomou-se de to grandearrependimento e de to viva compuno, que plasmou, ele mesmo, uma enxada

    gigantesca, agrilhoando-a s prprias mos, com a qual atravessou longos anos deservio, em comunho com espritos primitivos da Natureza, punindo-se e aprendendo opreo do abuso na autoridade. Orgulhosa dama, que conheci pessoalmente e quemhumilde e honrada famlia deve a morte de nobre mulher, vitimada pela calnia, emdesencarnando e conhecendo a extenso do mal que causara, adquiriu para si o suplcioda vtima, por intermdio do remorso profundo em que se mergulhou, estacionando pormais de dois lustros em sofrimento indescritvel.

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    A matria mental, energia cuja existncia mal comeamos a perceber, obedece aimpulsos da conscincia mais do que possamos calcular.

    A paz realmente daqueles que a possuem no recesso do ser.

    O pecado filho do conhecimento e da responsabilidade perante a Lei.

    A culpa e o mrito cressem, quando o discernimento se desenvolve.

    O famosos padecimentos de Tntalo, o rei lendrio, esfomeado e sedento, alm dotmulo, no constituem meros smbolos mitolgicos. H poderes mentais, de que aindano possumos seno leve notcia, que estabelecem certos estados dalma e nossustentam, muita vez, por decnios ou sculos.

    Criminosos, detidos na viso de pavorosas imagens que pintaram na vida ntima;traidores, de pensamento fixo na contemplao da paisagem onde lobrigaram as suasvtimas pela ltima; caluniadores, estagnados no delito que cometeram; e toda umamultido de entidades, que conservam resduos de lembranas deplorveis na

    conscincia, gastam anos e anos na operao a que poderamos chamar decantaointerior das emoes escuras e violetas.

    Grande parte de semelhantes remanescentes da luta humana estacionam nos prprioslares em que desencarnaram, presos s lgrimas, aos desvarios ou aos pensamentos deamargura e revolta, de tristeza ou indisciplina daqueles que lhes partilharam asexperincias, e nutrem-se, como vampiros naturais, no organismo domstico.

    Ningum est no mago do cu ou do inferno, mas na intimidade de si mesmo, com asfiguraes que estabeleceu no mundo vivo da prpria mente.

    O corpo espiritual ainda to desconhecido cincia comum, quanto a refinada culturahumana, levada ao mximo nas grandes cerebraes da atualidade, ignorada pelohomem primitivo, ainda aglutinado ao esprito tribal.

    A morte nos situa frente de complexidades imensas, nos domnios da mente, e, parasolucionar os problemas de ordem imediata, nesse campo de incgnitas vastssimas,somente encontraremos na prtica dos ensinamentos de Jesus a sublimao necessriaao equilbrio ntimo de que carecemos para mais amplos vos no conhecimento e navirtude, foras bsicas para as realizaes mais altas na dinmica do esprito.

    Volumosa percentagem dos milhares de pessoas que desencarnam, hora a hora, noPlaneta, permanece, por vezes, muitos anos consecutivos, ao lado de parentes na

    consanginidade, porque na experincia do lar que deixamos maior nmero deobrigaes no cumpridas.

    No microcosmo da famlia, em muitas ocasies, temos representantes significativos denossos adversrios do pretrito. Almas vigorosas na incompreenso, na dureza, naingratido e na hostilidade passiva, a se encontram ombreando conosco, na lidecotidiana, disfarados nos apelidos mais doces, no que concerne ao carinho.

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    Incontveis individualidades discordes podem estar sob compromissos conjugais ou comoos ttulos de pais e mes, filhos ou irmos. Ah! se soubssemos, enquanto na existnciaprecria da matria densa, o valor da rendio generosa e edificante com auxlioespontneo de nossa parte aos inimigos do passado, certo aproveitaramos todas aoportunidades para exercer o entendimento fraterno que o Mestre nos recomendou.

    no seio da organizao domstica que somos tentados disputa mais longa, ao cimemais entranhado, rebeldia mais impermevel e s averses mais fundas.

    Fcil ser sempre desculpar as ofensas do mundo vasto, esquecer a maledicncia dosque nos no conhecem e perdoar as pedras do torvelinho social. Mas, em casa, nacomunho com aqueles cuja vida partilhamos na sucesso dos dias numerosos, a cinciado amor espiritual muito difcil de aprender.

    Em razo disto, depois da morte, percebendo a importncia de nossa harmonizao empensamento com certas criaturas de nosso sqito familiar, voluntariamente nosconsagramos a retificar atitudes errneas, adotadas o curso de nossas tarefasinterrompidas no tmulo, auxiliando aquelas por quem nutramos animadverso

    declarada, para que no arremessem sobre ns os raios da malquerena destrutiva.

    A sementeira de simpatia impositivo precpuo, a que nossa paz se condiciona.

    Todos os deveres cumpridos no seio domstico significam ingresso no apostolado pelaredeno humana.

    Os raros homens e mulheres que se ausentam do mundo, conservando uma conscinciatranqila para com os parentes e afeioados, penetram, de imediato, em misses maisamplas no auxlio Humanidade.

    Em se tratando, porm, de espritos que, alm de no haverem cumprido os deveres quelhes competem, junto famlia consangnea, se extraviaram, ainda, em delitosdeplorveis, esses, quando acordam para o arrependimento construtivo, so aproveitadosna assistncia laboriosa a criminosos, junto aos quais encontram caminho aberto avaliosas intercesses.

    Deste modo, vamos muitos malfeitores desencarnados em trabalho ingente, buscandoamparar delinqentes confessos, arrebatando-os da aventura maligna para o serviohonesto; reparamos homicidas, tocados de remorso, procurando desviar o pensamentonegro de crebros desvairados pela revolta ou pela insubmisso, anulando crimes emtecedura, e observamos mulheres que a leviandade venceu, em outro tempo,empenhadas em socorrer coraes femininos, beira de precipcios imensos...

    Esses batalhadores improvisados no operam exclusivamente nos crculos da carne, mastambm nas zonas imediatas vida terrestre, reconfortando mentes sofredoras oucorrigindo-lhes as perturbaes hauridas nas correntes tenebrosas do mal. Entidadesainda no aperfeioadas, mas inclinadas ao bem, estendem braos fortes aos filhos daignorncia e do sofrimento que tendem para a perversidades manifesta, adestrando-se nomanejo das armas luminosas do amor e da humildades, que lhes eram desconhecidas.Inmeras pessoas, interessadas na aquisio do progresso moral, compreendendo aimportncia da elevao ntima, consagram-se, alm do sepulcro, a enobrecedoras

  • 8/7/2019 42 - Chico Xavier - Espritos Diversos - Falando a Terra

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    tarefas de renunciao em favor das almas cadas em baixo padro de sentimento,conseguindo, assim, preciosas oportunidades de ao, em benefcio do prprioreajustamento.

    No h queda absoluta para o esprito. H descida no campo das emoes, com aconseqente perda de viso mais vasta e de felicidade mais segura, temporariamente.

    H porm, reajuste para a subida necessria, e, desde que um raio de boa-vontade,bruxuleante embora, surja no imo do esprito que se cr falido, aparecem, de imediato, aspossibilidades imprescindvel restaurao.

    Aquele que se precipita no mal e no se levanta, erra duas vezes, porque a inrcia naretificao , muita vez, um pecado maior que a ofensa.

    Nosso problema fundamental de conscincia de paz com todos, servindo a todos paracrescermos em ns, frente da Vida Infinita; quando despertamos para semelhanterealidade, a experincia se modifica dentro de ns mesmos, nos mais recnditos alicercesda vida.

    Quando, porm, recordamos que h uma justia imanente funcionando em nossaorganizao espiritual mais profunda, e, de acordo com os seus princpios, retificamosnossas faltas, enquanto nos demoramos na experincia terrestre, usando aguilhes dadisciplina e recursos de corrigenda contra os nossos prprios caprichos, os mnimosimpulsos benficos, a que nos dedicamos, so por essa mesma justia recompensados, ea Compaixo Divina, atravs de mil modos diferentes, se mistura ao rigor das leis, emnosso benefcio. Chegados a essa condio, reconhecemos que ainda o mais leve, masperseverante pensamento de amor, produz alegrias e bnos em multiplicaoimprevisvel, tal qual uma s semente de rvore protetora frutfera no bem por tempoindeterminado.

    Se, alm da morte do corpo, nossa mente amadurecida e mais sutil, incorporados individualidade eterna todos os valores que a luta humana seja capaz de fornecer-nos,ento, somos naturalmente conduzidos por devotados orientadores espirituais a centrosde cultura avanada, aperfeioando-se-nos as qualidades de inteligncia e de corao emnovos crculos de servio mais nobre, nos quais a matria se expressa em tipossublimados nas menores manifestaes.

    Para isto, no entanto, necessrio estejam nossas energias e tendncias voltadas para avida superior, com esquecimento de tudo o que signifique exclusivismo no grandecaminho.

    A alma, a essa altura, viver desligada dos interesses imediatos da existncia carnal,ain