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    4 DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS

    4.1 A Constituio Brasileira e o Direito Internacional dos

    Direitos Humanos

    O Direito Internacional dos Direitos Humanos um ramo autnomo e

    especfico do Direito Internacional Pblico, sendo, na atualidade, uma das

    matrias prioritrias nas relaes internacionais, tanto para os Estados e

    entidades internacionais individualmente considerados, como para a sociedade

    internacional como um todo.

    Os direitos humanos passam a integrar do Direito Internacional a

    partir do momento em que se torna explcita a necessidade da cooperao

    internacional para garantir a efetividade desses direitos, conforme explica

    Portela (2010, p. 37):

    Ao mesmo tempo, o atual contexto internacional veio a tornar evidente anecessidade de que os entes estatais e os organismos internacionais atuemconjuntamente no tocante a temas que tm impacto direto sobre a vida das

    pessoas e que, por sua complexidade, magnitude e capacidade de gerarefeitos em mais de uma parte do mundo, exigem a cooperaointernacional, como a manuteno da paz, a promoo dos direitoshumanos e a proteo do meio ambiente.

    O Direito Internacional dos Direitos Humanos pode ser definido

    como um conjunto de normas e princpios que visa promover e proteger os

    direitos e prerrogativas essenciais vida e a dignidade da pessoa humana.

    Poder-se-ia definir direitos humanos como um conjunto de prerrogativas egarantias inerentes ao homem, cuja finalidade bsica o respeito sua

    dignidade, tutelando-o contra os excessos do Estado, estabelecendo ummnimo de condies de vida. So direitos indissociveis da condiohumana. (PENTEADO FILHO, 2008, p. 15)

    Assim, a proteo que o Direito Internacional dos Direitos Humanos

    procura garantir , principalmente, contra atos dos prprios Estados, norteando

    polticas pblicas e privadas a fim de promov-los. Devido a isso, um dos

    princpios fundamentais que rege o Direito Internacional dos Direitos Humanos

    o princpio da cooperao internacional, que traz o dever dos Estados e

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    entidades internacionais se comprometerem com os objetivos desse ramo do

    Direito Internacional.

    4.2 Os Tratados Internacionais e a Constituio Brasileira

    A Constituio Federal brasileira traz em seu corpo diversos direitos

    fundamentais pessoa humana, incluindo garantias para seu respeito e

    aplicao. Entretanto, a prpria Constituio Federal faz a ressalva, em seu

    artigo 5 pargrafo 2, de que os direitos e garantias fundamentais por ela

    expressos no so taxativos, destarte, podem, e tem sido continuamente,

    acrescidos de outros direitos provenientes principalmente de tratados

    internacionais.

    1 - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tmaplicao imediata. 2 - Os direitos e garantias expressos nesta Constituio no excluemoutros decorrentes do regime e dos princpios por ela adotados, ou dostratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte.(CONSTITUO FEDERAL, art. 5 1 e 2)

    A Constituio tambm assegura, expressamente no pargrafo 1 do

    supracitado artigo, a aplicabilidade imediata, das normas internacionais de

    direitos humanos no mbito interno, ou seja, desde a sua ratificao. No

    necessrio que uma norma interna incorpore a norma internacional ao

    ordenamento jurdico nacional, que, segundo Piovesan, a sistemtica de

    incorporao automtica.

    Em suma, em face da sistemtica da incorporao automtica, o Estadoreconhece a plena vigncia do Direito Internacional na ordem interna,mediante uma clusula geral de recepo automtica plena. Com o ato daratificao, a regra internacional passa a vigorar de imediato tato na ordemjurdica internacional como da interna, sem necessidade de uma norma de

    direito nacional que a integre ao sistema jurdico. (PIOVESAN, 208, p. 85)

    Assim, os tratados internacionais que introduzem no ordenamento

    interno direitos humanos passam a ser exigveis direta e imediatamente, a

    partir de sua ratificao, e, ainda segundo Piovesan, em virtude do 2, tais

    tratados so materialmente constitucionais.

    4.3 Processo de Formao dos Tratados Internacionais e oDireito Brasileiro

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    O procedimento para a elaborao dos tratados internacionais

    diferenciado. Essa celebrao se d pode meio de atos solenes, seguindo

    diversas formalidades, e inicia-se com a etapa chamada de negociao. Nessa

    etapa ocorrem as discusses acerca das disposies e clusulas que

    comporo a essncia do tratado.

    Na fase da negociao, deve ser observada a licitude, moralidade e

    possibilidade do objeto do acordo, para que esse acordo seja vlido. Requer-

    se ainda, que o teor do tratado a ser celebrado esteja de acordo com as

    normas do Direito Internacional chamadas dejus cogens.

    Encerradas as negociaes, passa-se a fase da assinatura, que

    expressa a concluso do tratado, de forma que o Estado concede seu

    consentimento para se obrigar por aquilo que foi acordado.

    Aps a assinatura, esse tratado submetido aprovao

    parlamentar, realizada pelo Congresso Nacional, que efetuar o controle de

    constitucionalidade. Ressalte-se que o Congresso Nacional no tem

    competncia externa, ento, o controle de constitucionalidade no feito

    sobre o tratado, e sim no decreto legislativo que torna o tratado parte doordenamento jurdico interno, podendo inclusive realizar reservas, quando

    cabveis. Aps a aprovao do legislativo, o acordo submetido a ratificao

    do Presidente, que o ato internacional pelo qual confirma um tratado e

    declara que este dever produzir os seus devidos efeitos (TEIXEIRA, 2008,

    p.21).

    A ratificao ocorre quando o Estado participa das negociaes.

    Quando o Estado no participa das negociaes, mas se torna signatrio do

    tratado aps a sua concluso, o ato de confirmao a adeso.

    Cabe salientar que alguns tratados impem um numero mnimo de

    adeses para sua entrada em vigor, portanto, aps sua concluso, aguarde-se

    atingir esse numero imposto pelo prprio tratado, para, posteriormente, ocorrer

    a sua entrada em vigor.

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    4.3.1 As reservas aos tratados internacionais

    Na etapa das assinaturas os Estados tm a oportunidade de realizar

    reservas quanto s disposies do acordo, pois, finda as negociao o teor do

    tratado no pode ser alterado.

    Tratando-se de um contrato com a participao de vrios sujeitos

    internacionais, no raro acontecerem divergncias sobre o acordo a ser

    celebrado, que implicam na no-aceitao do tratado por parte dos Estados.

    Para dirimir esses conflitos, a Conveno de Viena criou na letra d, do

    pargrafo 1, do artigo 2 a figura da reserva, que nada mais do que uma

    objeo, uma recusa manifestada pelo Estado em aceitar determinado pontodo tratado, de forma que, para si no ter fora vinculante aquele

    compromisso. O prprio tratado multilateral poder prever a possibilidade de

    aceitao de reservas entre seus membros signatrios, no sendo incomum a

    proibio total ou parcial de reservas.

    Assim, as reservas so a forma do signatrio se abster de algumas

    clusulas, tendo em vista que aps a assinatura o tratado se torna imutvel.

    Logicamente, essas reservas tm limites, devendo respeitar as limitaes

    impostas pelo prprio tratado, bem como, no pode ocorrer reserva

    incompatvel com o objeto e finalidade do tratado. Assim, conforme prev a

    Conveno de Viena (1969) em seu art. 19:

    Um Estado pode, ao assinar, ratificar, aceitar, aprovar um tratado ou a eleaderir, formular uma reserva, a no ser que: a) a reserva seja proibida pelotratado; b) o tratado disponha que s possam ser formuladas determinadasreservas, entre as quais no se inclui a reserva em pauta; ou c) nos casosque sejam previstos nas alneas a e b a reserva seja incompatvel com o

    objeto e a finalidade do tratado.

    4.3.2 A hierarquia normativa dos tratados internacionais no

    direito brasileiro

    Como visto, os tratados internacionais passam por um procedimento

    especial para serem concludos e validados. Esse procedimento inicia-se com

    as "negociaes", ao final das quais ocorre a "assinatura", posteriormente deve

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    haver a "aprovao parlamentar" e finalmente a "ratificao". Nos tratados

    internacionais que versam sobre direitos humanos a fase da aprovao

    parlamentar ganhou particularidades no ano de 2004 com a Emenda

    Constitucional n 45.

    O advento dessa Emenda trouxe Constituio Federal o pargrafo

    3 do artigo 5, pelo qual o tratado internacional que verse sobre direitos

    humanos e passe por aprovao com trs quintos de votos em dois turnos de

    votao em cada uma das casas do Congresso Nacional, adentram ao

    ordenamento jurdico brasileiro como Emenda Constitucional, portanto so

    material e formalmente constitucionais.

    Apesar de a prpria Constituio trazer a previso de que os

    tratados internacionais sobre direitos humanos acrescentam direitos e

    garantias fundamentais aos j expressos por ela, e terem aplicabilidade

    imediata desde a ratificao, esses tratados adentravam ao ordenamento

    jurdico como lei ordinria federal, mesmo sendo interpretados como uma

    garantia constitucional frente a sua previso expressa, sendo apenas

    materialmente constitucionais.

    Com a nova forma de aprovao dos tratados sobre direitos

    humanos, surgiu o questionamento a respeito da hierarquia que teria o tratado

    que verse sobre direitos humanos ao ser aprovado no Congresso Nacional,

    porm com quorum inferior ao previsto para as emendas constitucionais.

    Majoritariamente, inclusive o Supremo Tribunal Federal, entende que esses

    tratados teriam fora de supra-legalidade, ou seja, seriam inferior a

    Constituio Federal, porm, hierarquicamente superior a todas as outras leis,por serem materialmente constitucionais, pois, mesmo sem o quorum de

    aprovao do pargrafo 3 do artigo 5, adentrariam ao ordenamento pelo

    pargrafo 2 do mesmo artigo.

    Outro questionamento que a alterao da Emenda Constitucional

    n45/2004 deflagrou, foi quanto possibilidade de denunciar o tratado que

    adentre o ordenamento como emenda constitucional. Se o tratado passa a

    fazer parte do ordenamento jurdico como uma Emenda Constitucional, no

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    basta que ocorra a denncia, pois, mesmo que o tratado deixe de ter seu

    cumprimento exigido perante a comunidade internacional, internamente ainda

    seria exigvel, considerando que apenas outra Emenda poderia revog-lo.

    Entretanto, a Constituio prev que no pode ser objeto de

    Emenda qualquer proposta que vise abolir os direitos e garantias fundamentais.

    Assim, uma vez que o tratado que verse sobre direitos humanos passa a fazer

    parte do ordenamento na forma de uma Emenda Constitucional, no poder

    sofrer alteraes que impliquem na reduo ou supresso de qualquer dos

    direitos nele previstos. Para Resek, no h a possibilidade de denncia do

    tratado aprovado na forma de Emenda.

    No haver quanto a semelhante tratado a possibilidade de denncia pelas vontade do Executivo, nem a de que o Congresso force a dennciamediante lei ordinria, e provavelmente nem mesmo a de que se volte atrspor meio de uma repetio, s avessas, do rito da emenda carta, vistoque ela mesma se declara imutvel no que concerne a direitos dessanatureza. (RESEK, 2010, p. 104)

    Nesse mesmo sentido, Mazzouli diferencia os tratados sobre direitos

    humanos que foram ratificados e entraram no ordenamento pelo pargrafo 2

    do artigo 5 da Constituio, dos que foram ratificados na forma do pargrafo

    3 do mesmo artigo, mas reafirma que em ambos os casos os tratados, porserem materialmente constitucionais, portanto, clusulas ptreas

    constitucionais, so insuscetveis a denncia.

    Agora, portanto, ser preciso distinguir se o tratado que se pretendedenunciar equivale a uma emenda constitucional (ou seja, se material eformalmente constitucional, nos termos do art.5, 3) ou se apenas detmstatus de norma constitucional ( dizer, se apenas materialmenteconstitucional, em virtude do art. 5, 2). Caso o tratado de direitoshumanos de enquadre apenas nesta ltima hiptese, com o ato dadenncia, o Estado brasileiro passa a no mais ter responsabilidade emresponder pelo cumprimento do tratado to-somente no mbitointernacional e no no mbito interno. Ou seja, nada impede que,tecnicamente, se denuncie um tratado de direitos humanos que tem apenasstatus de norma constitucional, pois internamente nada muda, uma vez queeles j se encontram petrificados no nosso sistema de direitos e garantias,importando tal denncia apenas em livrar o Estado brasileiro de responderpelo cumprimento do tratado no mbito internacional. Mas caso o tratado dedireitos humanos tenha sido aprovado nos termos do 3 do art. 5, o Brasilno pode mais desengajar-se do tratado quer no plano internacional, querno plano interno. (MAZZOULI, 2007, p.700/701)

    Ressalta-se que a Conveno sobre os Direitos das Pessoas

    Deficientes elaborada em 2006 e aprovada no Congresso em 2007, pelo

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    quorum de trs quintos das duas votaes de cada uma das casas, foi o

    primeiro tratado internacional versando sobre direitos humanos a adentrar o

    ordenamento como Emenda Constitucional, entrando em vigncia em 2008 ao

    atingir o quorum mnimo requerido.

    4.3.3 Aplicao dos tratados internacionais no mbito interno

    Considerando que todo tratado deve passar por aprovao

    legislativa justamente para averiguar e garantir sua constitucionalidade,

    vislumbra-se lgico que, tendo passado pelo controle de constitucionalidade da

    aprovao parlamentar, esse estaria, necessariamente, de acordo com a Lei

    Maior brasileira, de forma que sua aplicao seria um reflexo da prpriaConstituio.

    Diante disso, destaca Accioly (2008, p.223):

    [...] no vasto universo dos tratados de direitos humanos j internalizados,apenas a questo da priso civil e do duplo grau de jurisdio foi enfrentadopelos tribunais. Isto porque a maior parte desses tratados compe-se de princpios e normas programticas cujo teor de generalidade, ante aexistncia de normas internas similares, faz com que haja poucos conflitoscom leis internas, mas situao em que aqueles complementam estas.

    De tal modo que as normas provindas de tratados internacionais, porserem amplas e abstratas, em geral, atuam como complemento e reafirmao

    dos direitos garantidos no ordenamento interno.

    Contudo, caso haja conflito entre os direitos e garantias previsto no

    ordenamento interno e nos tratados ratificados, alguns posicionamentos, dentre

    eles o de Resek, afirmam que entre a Constituio Federal e um tratado, deve

    prevalecer a Constituio, e entre leis infraconstitucionais e um tratado deve

    prevalecer a norma mais recente.

    Entretanto, a posio majoritria tem sido que deve prevalecer a

    norma mais favorvel ao individuo, segundo Trindade (1992, p. 317), no

    uma questo de primazia do Direito Interno ou do Direito Internacional, no

    mbito dos direitos humanos a primazia da pessoa humana, devendo

    prevalecer a norma que melhor projeta os direitos humanos, como ensina

    Piovesan (2008, p. 101):

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    No plano de proteo dos direitos humanos interagem a DireitoInternacional e o Direito interno movidos pelas mesmas necessidades deproteo, prevalecendo as normas que melhor protejam o ser humano,tendo em vista que a primazia da pessoa humana. Os direitosinternacionais constantes dos tratados de direitos humanos apenas vm aaprimorar e fortalecer, nunca a restringir ou debilitar, o grau de proteo dos

    direitos consagrados no plano normativo constitucional.

    Nesse mesmo sentido, Portela (2010, p. 53) explica:

    nesse sentido que, em vista do valor incorporado pela norma, o DireitoInternacional dos Direitos Humanos vai conceber o princpio da primazia danorma mais favorvel vtima/ao indivduo, pelo qual, em conflito entrenormas internacionais e internas, deve prevalecer aquela que melhor promova a dignidade humana. Esse princpio fundamenta-se no nosuposto primado da ordem internacional ou nacional, mas sim naprevalncia do imperativo da proteo da pessoa humana, valor atualmentepercebido por parte importante da sociedade internacional como superior aqualquer outro no universo jurdico.

    Dessa forma, seja decorrente do ordenamento nacional, seja

    decorrente de tratado internacional, o critrio adotado para a soluo de

    conflito entre normas de direitos humanos da prevalncia da norma mais

    benfica, garantindo a melhor proteo dos direitos humanos da vtima.

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    Fluxograma resumido do processo de formao dos tratados internacionais

    Fonte da imagem: BASSO, Marco Antonio. Apostila de Direito Internacional Publico. p.50.

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    4.4 O Sistema Global de Proteo aos Direitos Humanos

    A partir da criao da ONU, com o advento da Declarao Universal

    dos Direitos Humanos, inicia-se a internacionalizao e multiplicao dos

    direitos humanos, que se funda na igualdade entre as pessoas.

    A Declarao Universal, os Pactos Internacionais dos Direitos

    Humanos, entre outros instrumentos formam o sistema global de proteo,

    dirigido a toda e qualquer pessoa, considerando o indivduo genrica e

    abstratamente.

    Entretanto, diante das peculiaridades e vulnerabilidades de alguns

    grupos, contempla-se a necessidade de conferir-lhes tratamento especial,

    justamente para assegurar o exerccio dos direitos em condies igualitrias.

    Perante essa necessidade forma-se um sistema especial de

    proteo aos direitos humanos, complementar ao sistema global, que

    considera o indivduo especificado, sendo voltado a grupos vulnerveis, que

    merecem tutela especial.

    4.4.1 Sistemas Regionais de Proteo aos Direitos Humanos

    Com a mesma conscientizao e internacionalizao dos direitos

    humanos que inicia o sistema global surgem os sistemas regionais de proteo

    aos direitos humanos na busca de intensificar a proteo e promoo aos

    direitos humanos no plano regional.

    So trs os principais sistemas regionais, o Sistema Interamericano,

    que surgiu antes mesmo da Declarao Universal dos Direitos do Homem, o

    Sistema Europeu, criado na dcada de 50 e o Sistema Africano, o mais

    recente, criado na dcada de 80. Cada sistema regional apresenta estrutura e

    regras prprias, no se confundem nem se contrape ao sistema global, so

    sistemas complementares.

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    A finalidade dos sistemas regionais reunir Estados que possuem

    mais afinidade entre suas histrias e culturas, corroborando as peculiaridades

    daquela determinada parte do mundo. Considerando essas diferenas os

    sistemas regionais criam normas mais especficas, buscando melhorar sua

    aplicao naquela regio.

    O objetivo dos sistemas regionais reforar a estrutura internacional paraproteo dos direitos humanos por meio da associao entre entes estataisque renem maiores afinidades entre si, o que facilitaria o consenso aoredor de interesses comuns e aplicao das normas que os mesmosEstados elaboraram, bem como fortaleceria a tutela de valores importantesapenas em algumas regies do mundo. (PORTELA, 2010, p. 693)

    A coexistncia do sistema global e dos sistemas regionais apenas

    vem a fortalecer a proteo dos direitos humanos. Cada sistema cria diversos

    instrumentos que podem tutelar direitos idnticos. Porm visto que no conflito

    de normas deve sempre prevalecer a norma mais favorvel, a existncia de

    vrios instrumentos acaba apenas por ampliar e fortalecer o mbito de

    proteo dos direitos humanos.

    4.4.2 Sistema Interamericano de Proteo aos Direitos

    Humanos

    Com o fim da Segunda Guerra Mundial, pelas mesmas

    preocupaes com as barbries cometidas pelos sistemas totalitrios que

    levaram criao do sistema global, os Estados do Continente Americano

    criam seu prprio sistema de proteo dos direitos humanos.

    O sistema interamericano surgiu em 1948 com a proclamao da

    Carta da Organizao dos Estados Americanos, que criou a Organizao dos

    Estados Americanos - OEA, rgo que administra o sistema interamericano.

    O Sistema Interamericano tem como seus principais documentos

    a Carta da OEA, a Declarao Americana de Direitos e Deveres do

    Homem e a Conveno Interamericana de Direitos do Homem.

    Carta da OEA e a Declarao Americana de Direitos e Deveres do

    Homem foram adotadas em 1948, alguns meses antes da Declarao

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    Universal dos Direitos do Homem, tornando-se o primeiro documento a tratar

    sobre a proteo dos direitos humanos e inspirando, de certa forma, a prpria

    Declarao Universal.

    A Declarao Americana inovou ao trazer no apenas direitos mais

    tambm deveres do homem, e embora seja apenas uma resoluo no

    vinculante, a Declarao considerada o marco inicial da construo do

    Sistema interamericano (PORTELA, 2010, p. 694).

    A Declarao Americana consagra, de forma geral, os mesmos

    direitos contemplados na Declarao Universal. Dentre os deveres, contempla

    deveres compatveis com os direitos que garante, como o dever de conviver

    com os demais, obedecer s leis, cumprir com as obrigaes civis, polticas,

    militares, tributrias e trabalhistas.

    4.4.3 Organizao dos Estados Americanos

    A Organizao dos Estados Americanos (OEA) tem sede em

    Washington, nos Estados Unidos, e atualmente todos os 35 pases da Amrica

    so Estados-membros da OEA. Entretanto, em junho de 2009, os Ministros deRelaes Exteriores das Amricas excluram a participao do Estado de

    Cuba, e, em julho de 2009, o direito de participao do Estado de Honduras foi

    suspenso, devido ao golpe de estado que sofreu.

    Dentre os propsitos da OEA, destacam-se os seguintes

    objetivos: garantir a paz e a segurana no continente Americano; promover e

    consolidar a democracia representativa; buscar solues pacficas aos

    conflitos de seus membros, respeitando sempre o princpio da no-

    interveno; e promover o desenvolvimento econmico, social e cultural,

    buscando erradicar a pobreza.

    A Carta da OEA prev, ainda, direitos e deveres dos Estados

    Americanos, como direito soberania, sem sofrer intervenes, em

    contrapartida prev o dever respeitar os outros Estados, no restringir direitos

    fundamentais de seus cidados, e ainda que cada Estado tem o direito

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    de desenvolver, livre e espontaneamente, a sua vida cultural, poltica e

    econmica. No seu livre desenvolvimento, o Estado respeitar os direitos da

    pessoa humana e os princpios da moral universal (Carta da Organizao

    dos Estados Americanos, 1948, artigo 17).

    4.4.4 Conveno Americana dos Direitos do Homem

    Outro importante documento do sistema interamericano a

    Conveno Americana dos Direitos do Homem, conhecido como Pacto de

    San Jose da Costa Rica. Adotada em 1969, pela conveno da OEA

    realizada em San Jose, na Costa Rica, entrou em vigor em 1978 com a

    ratificao do dcimo primeiro Estado. O Pacto contempla direitos civis,polticos, econmicos, sociais e culturais. Substancialmente, ela reconhece e

    assegura um catlogo de direitos civis e polticos, similar ao previsto pelo

    Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos (PIOVESAN, 2008, p. 244),

    quanto aos direitos econmicos sociais e culturais, traz apenas previses

    genricas, determinando apenas que os Estados adotem medidas necessrias

    para, progressivamente, garantir a plena efetividade desses direitos.

    O Pacto estabelece que os Estados tm no apenas o dever de

    respeitar os direitos nele estabelecidos, sem viol-los, como tambm, o dever

    de adotar medidas necessrias para garantir o pleno exerccio desse direito.

    Em linhas gerais, a Conveno Americana garante os mesmos

    direitos anteriormente previstos nos Pactos Internacionais de 1966. Entretanto,

    traz algumas particularidades, dentre as quais, a inovao referente pena de

    morte, ao proibir que pases que a tenham abolido, restabeleam essa pena, eainda probe a aplicao dela em mulheres grvidas, por crimes polticos

    ou crime de qualquer natureza praticados antes dos 18 anos idade ou aps

    os 70 anos de idade.

    Outra novidade referente ao direito de liberdade de expresso

    relativa imprensa, rdio ou televiso, no mesmo sentido que probe a

    censura prvia, ressalvado os casos em que o objetivo da censura for proteger

    a moral da infncia e da adolescncia. Inova tambm quanto ao direito de

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    retificao ou respostas diante de informaes inexatas ou ofensivas, emitidas

    pelos rgos de comunicao de massa (COMPARATO, 2008, p. 370).

    A Conveno Americana ainda preenche a lacuna deixada pelos

    Pactos internacionais de 1966, referente ao direito de propriedade. E

    apresenta um avano quanto ao direito de asilo, e quanto proibio de

    expulsar ou entregar um individuo um pas onde seu direito vida ou a

    liberdade pessoal esteja em risco de violao em virtude de sua raa,

    nacionalidade, religio, condio social ou de suas opinies polticas

    (Conveno Americana sobre os Direitos Humanos, 1969, artigo 22).

    O Pacto de San Jose tambm inovou quanto aos mecanismos de

    monitoramento com a criao da Comisso Interamericana e, principalmente,

    da Corte Interamericana.

    O Brasil incorporou o Pacto de San Jose da Costa Rica

    integralmente em 1992, e desde 1998 reconhece a jurisdio obrigatria da

    Corte interamericana.

    O Protocolo de San Salvador, adotado em 1988, procura reforar e

    especificar as determinaes genricas que o Pacto de San Jose traz a

    respeito dos direitos econmicos, sociais e culturais.

    De forma geral, o Protocolo reproduz os preceitos j trazidos no

    Pacto Internacional dos Direitos Econmicos, Sociais e Culturais de 1966. O

    Protocolo segue os princpios de que os povos americanos tm direito ao

    desenvolvimento, autodeterminao, e a dispor livremente de suas riquezas

    e recursos naturais, tudo dentro do quadro do regime democrticorepresentativo e do respeito aos direitos humanos (PORTELA, 2010, p.698).

    Entre os direitos trabalhistas o Protocolo de San Salvador avana

    ao estabelecer jornadas de trabalho mais curtas para servios perigosos,

    insalubres ou noturnos, e garantir que trabalhadores menores de 16 anos

    tenham acesso educao. Estabelece, ainda, que os Estados devem adotar

    as medidas cabveis para efetivar os direitos trabalhistas, e implementar

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    polticas de capacitao, principalmente para mulheres e portadores de

    deficincia. Define, ainda, o direito seguridade social como o direito

    proteo contra as consequncias da velhice e da incapacitao, que

    impossibilite a pessoa, fsica ou mentalmente, de obter meios de sobrevivncia

    digna (PORTELA, 2010, p. 699).

    Outra importante novidade referente ao direito sade, que o

    protocolo estabelece como um bem pblico, devendo o Estado garantir a

    todas as pessoas a assistncia mdica essencial, bem como a vacinao.

    Afirma, ainda, o direito segurana alimentar, que consiste em uma nutrio

    adequada, e tambm, o direito ao meio ambiente sadio, como explica Portela

    (2010, p. 699):O direito ao meio ambiente sadio, que no mencionado em muitostratados do Sistema Global, consagrado pelo Protocolo e inclui o direito acontar com os servios pblicos bsicos, bem como a obrigao de osEstados promoverem a proteo, preservao e o melhoramento dascondies ambientais.

    Quanto educao, trouxe um direito especifico que consiste o

    dever dos Estados estabelecerem programas de ensino diferenciados para

    portadores de deficincia. Quanto famlia acrescenta o direito de assistncia

    mulher grvida por perodos anteriores e posteriores ao parto, bem como a

    criao de programas de assistncia familiar, que busquem construir um

    ambiente familiar estvel de forma a possibilitar o pleno desenvolvimento das

    crianas.

    Por fim, o Protocolo traz normas de proteo especficas ao

    idoso e aos deficientes, que devem incluir assistncia mdica especializada,

    programas para melhorar a qualidade de vida, bem como programas deacessibilidade para os deficientes.

    Vale destacar que o sistema interamericano tambm possui alguns

    tratados sobre temas especficos, como a Conveno Interamericana para

    Prevenir e Punir a Tortura, de 1985, o Protocolo Adicional Conveno

    Americana sobre Direitos Humanos Referente Abolio da Penal de Morte,

    de 1990, a Conveno Interamericana sobre o Trfico Internacional de

    Menores e a Conveno Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a

    15

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    16/30

    Violncia contra a Mulher, ambas de 1994 e a Conveno Interamericana para

    Eliminao de Todas as Formas de Discriminao contra as Pessoas

    Portadoras de Deficincia, de 1999.

    4.5 O Tratado de Roma e o Tribunal Penal Internacional1

    O Tratado de Roma foi aprovado em 17 de julho de 1998, criando o

    Tribunal Penal Internacional (TPI), com mais de 160 Estados reunidos na

    Conferncia Diplomtica de Plenipotencirios das Naes Unidas. O

    Tratado foi assinado pelo governo brasileiro em 7 de fevereiro de 2000, sendo

    aprovado pelo Parlamento brasileiro por meio do Decreto Legislativo n 112, de

    06.06.2002 e promulgado pelo Decreto n 4.388, de 25.09.2002. Embora

    o Estatuto do TPI entrou em vigor internacional em 1 de julho de 2002,correspondente ao primeiro dia do ms seguinte ao trmino do perodo de60 dias aps a data do depsito do 60 instrumento de ratificao, deaceitao, de aprovao ou de adeso junto ao Secretrio Geral dasNaes Unidas, nos termos do seu artigo 126 1 .2

    O Tribunal Penal Internacional tem sede na cidade da Haia,

    Holanda e uma instituio permanente, ou seja, no ter atuao restrita a

    crimes somente cometidos em determinados conflitos e por um perodo

    determinado, v.g., os tribunais ad hoc criados para processar e julgar os

    crimes cometidos na ex-Iugoslvia e Ruanda, mas sim, atuao contra as

    impunidades que assolam o mbito internacional pelo cometimento de

    grandes violaes aos direitos humanos, sem que haja insuficincia para

    punio dos criminosos3. Assim, o TPI apresenta-se com poderes de

    jurisdio sobre pessoas em relao aos crimes de maior gravidade no

    1 Adaptado de RODRIGUES, Larissa Pereira. O Tribunal Penal Internacional e aConstituio Federal: divergncias sobre a existncia de conflito entre normas. Artigo cientficopublicado na Revista Brasileira de Direito Internacional - RBDI, Vol. 1, N 1 Disponvel em:http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/dint/article/view/4588.

    2 MAZZUOLI, Valrio de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional: Integrao aoDireito Brasileiro e sua importncia para a justia penal internacional. In: 2 CONGRESSOBARSILEIRO DE DIREITO INTERNACIONAL, 2004, Curitiba. MENEZES, Wagner (Org.) ODireito Internacional e o Direito Brasileiro: Homenagem a Jos Francisco Rezek. Rio Grande doSul: Uniju, 2004, p. 226.

    3

    TRINDADE, Antnio Augusto Canado. Tratado de Direito Internacional deDireitos Humanos. Porto Alegre: Fabris, 1999. v. 2, p. 385.

    16

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    cenrio internacional, os quais so especificados no Estatuto de Roma4, a

    saber, conforme estipula o artigo 5:

    Art. 5. Crimes sob a jurisdio do Tribunal.1. A jurisdio do tribunal se limitar aos crimes mais graves que

    preocupem a comunidade internacional em seu conjunto. O Tribunal ter jurisdio, em conformidade com o presente Estatuto, sobre os seguintescrimes:a) o crime de genocdiob) os crimes contra a humanidade;c) os crimes de guerra;d) o crime de agresso [...].

    Acrescenta-se ainda sobre o carter complementar do TPI s

    jurisdies penais internacionais. Este um dos pontos principais da sua

    criao, pois somente o Tribunal atuar quando os rgos judicirios locais dos

    Estados-membros forem insuficientes ou omissos quanto ao processo e

    julgamento dos acusados. Neste sentido, leciona TRINDADE:

    De conformidade com o princpio da complementaridade, invocado noprprio prembulo do Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional concebido como complementar das jurisdies penais nacionais; asprprias condies de exerccio de sua competncia (artigos 12-14) do primazia s jurisdies nacionais para investigar e julgar os crimesconsignados no Estatuto de Roma, estando o acionamento do TribunalPenal Internacional circunscrito a circunstncias excepcionais.5

    Desta forma, consoante o entendimento acima, o TPI no interferir

    na soberania dos Estados, uma vez que este um dos princpios basilares das

    relaes internacionais entre os Estados juntamente com os princpios da

    Igualdade e a da Autodeterminao dos Povos. A seguir, passa-se anlise

    de dispositivos do Estatuto bem como da Constituio Federal a fim de se

    verificar os possveis conflitos existentes no que tange aos direitos humanos

    uma vez que cada texto legal os trata de maneira diversa.

    4 O Estatuto indica o crime de genocdio no art. 6, o qual revela quais sero osatos considerados como genocdio com a finalidade de destruir total ou parcialmente um gruponacional, tnico, racial ou religioso; j os crimes contra a humanidade indicado no art. 7, ouseja, h um rol de aes que tenham sido praticados como parte de um ataque generalizado ousistemtico contra uma populao civil e com o conhecimento de tal ataque; crimes de guerra,estipulado no art. 8 a configurao desta modalidade de crime como parte de um plano oupoltica ou parte da prtica em grande escala de tais crimes expostos; e, por fim, os crimes deagresso, a serem ainda estipulados, desde que em conformidade com os artigos 121 e 123,os quais tratam, respectivamente, de emendas a disposies de carter institucional e dareviso do Estatuto.

    5

    TRINDADE, Antnio Augusto Canado. Tratado de Direito Internacional deDireitos Humanos. Porto Alegre: Fabris, 1999, v. 2, p. 398.

    17

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    18/30

    4.5.1 Conflito relativo priso perptua

    O termo priso perptua, indica um local fechado em que

    permanece o indivduo ao longo de sua vida at a morte, uma vez que a priso

    perptua tem carter ininterrupto. Atravs de nossa Constituio verifica-se,

    em seu art. 5, XLVII, b, a proibio dessa modalidade de pena, tendo em

    vista que, no haver penas de carter perptuo. Assim, no h que se falar

    em implement-la em qualquer ente federado do pas, pois o exposto na

    Carta Fundamental o que detm pleno vigor em todo o territrio e para com

    os cidados nacionais. A opo pela vedao s penas de carter perptuo

    decorre do princpio da natureza temporria, limitada e definida das penas

    e compatibiliza-se com a garantia constitucional liberdade e dignidade

    humana.6

    Tal artigo um princpio a ser garantido a todo indivduo brasileiro e,

    como tal, no passvel de reforma atravs de Emenda Constitucional que

    tenda abolir este direito assegurado, conforme dispe neste sentido o artigo

    60, 4, IV CF.

    Todavia, o Estatuto do TPI adota a pena de priso perptua, inclusa

    no artigo 77, pargrafo 2, alnea b, que conta com a seguinte redao:

    Art. 77. O Tribunal poder, observado o disposto no artigo 110, aplicar umadas seguintes penas ao ru considerado culpado por um dos crimesprevistos no artigo 5 do presente Estatuto:a) [...];b) pena de priso perptua, quando justificada pela extrema gravidade docrime e pelas circunstncias pessoais do condenado.

    Alm disso, necessrio acrescentar o que indica o artigo 80 do

    mesmo Estatuto, que, primeira vista, afasta a existncia de eventual

    conflito de normas das penas do Estatuto com o direito interno de cada pas.

    Porm, em uma anlise mais aprofundada, o que se verifica a permanncia

    de conflitos no ordenamento jurdico brasileiro.

    6

    MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 4. ed. So Paulo:Atlas, 2002, p. 239.

    18

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    19/30

    O artigo supracitado determina que: Nada do disposto na

    presente parte afetar a aplicao, pelos Estados, das penas em seu direito

    interno, nem a legislao dos Estados em que no existam as penas previstas

    na presente. Primeiramente, tem-se a impresso que este artigo afasta a

    aplicao da pena de priso perptua pelo pas cujo direito interno no

    estipula esta modalidade de pena. Todavia, o que se verifica, na verdade, no

    somente devido ratificao dos Estados-membros em fazerem parte do TPI

    que os mesmos devero aplicar a pena para com seus cidados em seu direito

    interno. Em termos gerais, a pena de priso perptua ser usada aos

    indivduos julgados pelo TPI, no interferindo para que haja a aplicao

    obrigatria desta priso aos cidados de pases que no a estipulam em seu

    direito interno. Neste sentido indica PIOVESAN:

    O artigo 80 enuncia explicitamente a no interferncia no regime deaplicao de penas nacionais e nos Direitos internos, ressaltando que nadaprejudicar a aplicao, pelos Estados, das penas previstas nos respectivosDireitos internos, ou a aplicao da legislao de Estados que no prevejaas penas referidas no Estatuto.7

    Entretanto, o conflito entre normas existe, pois apenas h a

    mudana de julgamento do indivduo em relao ao Tribunal (se ser pelo

    Tribunal interno ou pelo TPI), mas ainda ele continua cidado de seu pase, desta forma, possuidor de direitos e garantias fundamentais concernentes

    a ele. Neste raciocnio, o cidado brasileiro que possa vir a ser julgado pelo

    TPI, dependendo dos fatos cometidos, pode vir a ser julgado com a cominao

    de pena de priso perptua. Porm, ressalta-se: ele no deixou de ser

    brasileiro e, pela Constituio Federal, tem direito assegurado pelo Estado de

    que no poder vir a ser sancionado com modalidade de priso em questo.

    Logo, permanece o conflito entre essas duas normas: uma, pela

    Constituio a qual revela que no haver penas de carter perptuo aos

    brasileiros; e a outra, pelo Estatuto do TPI, indicando a existncia desta priso

    ao indivduo do Estado-parte, dependendo da gravidade do crime e das

    circunstncias pessoais do condenado.

    7

    PIOVESAN, F. Temas de direitos humanos. 2. ed. So Paulo: Max Limonad,2003, p. 173.

    19

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    Apesar da no existncia de julgamentos a respeito do tema em

    questo, ou seja, no existe ainda um brasileiro julgado pelo TPI com a

    cominao de priso perptua. Caso isto ocorra, a doutrina j tenta

    estabelecer um consenso a respeito, embora perdure o entrave entre

    constitucionalistas e internacionalistas. Vejam-se alguns posicionamentos a

    respeito, para a compreenso de cada raciocnio.

    Existe jurisprudncia do STF no sentido em admitir a extradio

    pelo governo brasileiro de estrangeiro reclamado, mesmo que no pas a que

    venha a ser julgado exista a possibilidade do extraditado sofrer com a pena de

    priso perptua.8 Tal medida encontra respaldo no artigo 91 do Estatuto do

    Estrangeiro cujo contedo no se restringe em nenhuma hiptese a extradio

    em funo de pena de priso perptua.

    Mas o caso que, quando h proibio constitucional em

    aplicar a pena de priso perptua, o entendimento desta vedao apenas

    dirige-se ao legislador interno brasileiro, no alcanando os legisladores

    estrangeiros, muito menos os internacionais. Assim, a sua aplicao interna

    no vivel por ser expressa vedao constitucional, no podendo ser

    internacionalizada nem por tratados internacionais muito menos por emendas,

    uma vez que se trata de clusula ptrea - porm, pode ser instituda

    externamente em um tribunal permanente internacional, a fim de que seja

    assegurado o bem-estar da humanidade.

    Ademais, para os que defendem a existncia de um conflito

    meramente aparente, atentam para o artigo 7 do Ato das Disposies

    Constitucionais Transitrias, o qual revela que o Brasil propugnar pelaformao de um tribunal internacional dos direitos humanos. Isto porque o TPI

    um tribunal de direitos humanos o qual destaca a dignidade da pessoa

    8 Extradio. Embargos de Declarao. Priso Perptua. A jurisprudncia dotribunal no sentido de admitir, sem qualquer restrio, a possibilidade do Governo Brasileiroextraditar o sdito estrangeiro, mesmo que sujeito a sofrer pena de priso perptua no Estadorequerente. Embargos recebidos, em parte, para suprir a omisso, sem modificar a partedispositiva do acrdo embargado. (STF EDEXT- 703 - IT - TP - Rel. Min. Seplveda

    Pertence DJU 17.08.2001, p. 52) apud MENEZES, Wagner (Org.). Estudos de DireitoInternacional. Curitiba: Juru, 2004. v.2, p. 468.

    20

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    humana sendo a proibio constitucional dirigida apenas ao legislador interno

    o que, na verdade

    [...] o Estatuto de forma alguma afronta a nossa Constituio (como sepoderia pensar numa leitura mais descompromissada de seu texto); ao

    contrrio, contribui para coibir os abusos e as inmeras violaes de direitosque se fazem presentes no mundo, princpio esse que sustentacorretamente a tese de que a dignidade da sociedade internacional nopode ficar margem do universo das regras jurdicas.9

    E ainda, atentam para a insero do 4 ao artigo 5 atravs da

    EC n 45/2005, o qual indica a submisso do Brasil jurisdio do TPI. Para

    atenuar ainda essa contradio existente entre os textos legais entendem

    alguns autores pela no existncia de conflito, pois o condenado que se

    mostrar merecedor dos benefcios estabelecidos no Estatuto poder ter sua

    pena reduzida, inclusive a de priso perptua, conforme estipula o teor do

    artigo 110, 3 e 4 do Estatuto. Tal artigo prev que, quando a pessoa j

    tiver cumprido dois teros da pena, ou seja, 25 anos, o Tribunal ir reexaminar

    a pena de priso perptua, caso preencha alguns pressupostos da lei a fim de

    ser reduzida, no configurando conflito com a Constituio.

    Todavia, outras posies contrrias podem ser verificadas a partir

    do posicionamento do ministro aposentado do STJ, Luiz VicenteCERNICCHIARO, indicando que em relao hierarquia no ordenamento

    jurdico, entende-se: ...por norma submissa Constituio, ao aceitar o

    Estatuto, o Brasil, sem dvida, por via oblqua, estar renunciando prpria

    soberania. certo que no momento em que a poltica entra na sala, o Direito

    sai pela janela.10

    Mas necessrio acrescentar que o argumento da interferncia na

    soberania do Estado veemente rebatido pelos internacionalistas, pois,

    conforme MAZZUOLI11:

    No existe restrio ou diminuio da soberania para os pases que jaderiram, ou aos que ainda iro aderir, ao Estatuto de Roma. Ao contrrio:na medida em que um Estado ratifica uma conveno multilateral como

    9 MENEZES, O direito internacional e..., op.cit., p. 256.

    10 MENEZES, Estudos de Direito..., op.cit.v.2, p.469.

    11 Idem, O direito internacional e..., op.cit., p. 260.

    21

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    esta, que visa trazer um bem-estar que a sociedade internacional reivindicah sculos, ele no est fazendo mais do que, efetivamente, praticando umato de soberania, e o faz de acordo com sua Constituio, que prev aparticipao do Executivo e do Legislativo (no caso brasileiro: CF 84, incisoVIII e 49, inciso I, respectivamente) no processo de celebrao de tratados.

    Por outro lado, REZEK afirma que, diante de incompatibilidade denormas de direito internacional e interno, que esta ltima deve prevalecer

    de forma a preservar a lei fundamental do Estado, mesmo que isto

    implique a prtica de um ilcito no mbito externo.12 E, juntamente a este

    entendimento, FERREIRA FILHO entende que:

    h a possibilidade que suscita graves dificuldades interpretativas de queo regime do direito reconhecido em tratado seja diferente do que aConstituio atribui ao mesmo direito.[...] Na medida em que, no direitoptrio, a norma proveniente de tratado tem hierarquia de lei ordinria e node regra constitucional, a concluso, a meu ver, o prevalecimento doregime estabelecido pela Carta Magna.13

    Este ltimo argumento prevalece ainda que com a edio do 3

    ao artigo 5, uma vez que o TPI foi recepcionado internamente com status

    infraconstitucional.

    Embora entendimentos verificados acima digam respeito

    hierarquia de normas e compatibilizao jurisprudencial tendo como base a

    extradio a um pas que permite a pena de morte, uma outra questo

    pertinente ao tema da priso perptua e sua aplicao seja no Brasil seja em

    outros pases, aquela conforme Alcinto Pinto FALCO ao afirmar que tal

    pena estaria s testilhas com o princpio de que a pena, entre outros fins,

    tem o de servir regenerao e readaptao do condenado vida civil14.

    Celso BASTOS, entende que

    a priso perptua priva o homem da sua condio humana. Esta exige

    sempre um sentido de vida. Aquele que estiver encarcerado semperspectiva de sada, est destitudo dessa dimenso espiritual, que acondio mnima para que o homem viva dignamente.15

    12 REZEK, Jos Francisco. Direito Internacional Pblico: Curso elementar. 7. ed.So Paulo: Saraiva, 1998, p.103.

    13 FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Comentrios Constituio Brasileira de1988. So Paulo: Saraiva, 2000. v. 1. p. 85.

    14 FALCO, A. P. et al. Comentrios Constituio. Rio de Janeiro: Freitas

    Bastos, 1990. v.1, p.241 apud MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 4. ed.So Paulo: Atlas, 2002., p. 239.

    22

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    Assim a pena de priso perptua desumana e imprpria para os

    dias de hoje seja porque contradiz o exposto constitucionalmente como

    afirmam alguns doutrinadores, seja porque, principalmente, fere o fim que se

    destina a pena de priso, interferindo negativamente para uma aplicao

    efetiva dos direitos humanos internacionalmente por um Tribunal Penal

    Internacional criado, em verdade, para a melhor proteo desses direitos, seja

    para com as vtimas seja para com seus agressores. Em suma, prevalncia

    de direitos humanos a todos, sem distines.

    4.5.2 Conflito relativo extradio de nacionais

    O conceito de extradio pode ser verificado conformeHildebrando ACCIOLY:

    o ato mediante o qual um Estado entrega a outro indivduo acusado dehaver cometido crime de certa gravidade ou que j se ache condenado poraquele, aps haver-se certificado de que os direitos humanos doextraditando sero garantidos.16

    Alexandre de MORAES tambm trata do tema ensinando ser o

    modo de entregar o estrangeiro ao outro Estado por delito nele praticado.17

    Portanto, a extradio a entrega de um indivduo por um Estado a outro coma finalidade da pessoa ser processada e julgada no Estado competente

    para puni-la. Assim, verifica-se a extradio passiva e a ativa: esta aquela

    requerida pelo Estado a outro para que possa processar e julgar o criminoso

    que se encontra no territrio do requerido; e aquela, a requerida ao pas em

    que se encontra o criminoso.18A extradio objeto de estudo a passiva.

    Acrescenta ainda ACCIOLY que o instituto da extradio tem por

    finalidade evitar que um indivduo no pague pelas conseqncias do crime

    15 BASTOS, C., MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentrios Constituio doBrasil. So Paulo: Saraiva, 1988. v.2, p. 241 apud ibidem, p. 239.

    16 ACCIOLY, H.; NASCIMENTO E SILVA, G. E. Manual de direito internacionalpblico. 15. ed. So Paulo: Saraiva, 2002., p. 398.

    17MORAES, A. Direito Constitucional. 12. ed. So Paulo: Atlas, 2002, p.119.

    18

    FERREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Comentrios Constituio Brasileira de1988. So Paulo: Saraiva, 2000. v. 1. p. 64.

    23

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    cometido, mediante a cooperao internacional, diferenciando do instituto

    surrender19, e ainda, conforme o artigo XI da Declarao Universal dos

    Direitos do Homem20, o instituto da extradio tambm visa garantir um

    julgamento justo ao acusado.21

    Na Constituio existe um tratamento diferenciado aos brasileiros

    natos, naturalizados e aos estrangeiros quanto aplicao da extradio,

    conforme se observa no artigo 5 , incisos LI e LII.

    No inciso LI dispe que nenhum brasileiro ser extraditado, salvo o

    naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalizao,

    ou de comprovado envolvimento em trfico ilcito de entorpecentes e drogas

    afins, na forma da lei. Portanto, verifica-se o direito do nacional em nunca ser

    extraditado e, no caso do naturalizado, somente em duas hipteses.

    A extradio, portanto, tem por texto principal em matria de

    extradio o artigo 5, incisos LI e LII da CF, regulamentados pela Lei n

    6.815/80, e o Decreto n 86.715/81. Nota-se que esse artigo, como o

    anteriormente analisado a respeito da priso perptua, tambm se trata de

    clusula ptrea, em que no pode este direito ser objeto de EmendaConstitucional que tenha por alvo a sua eliminao do ordenamento

    constitucional, conforme o art. 60 4, IV.22Assim, ser verificada a seguir

    posies contrrias dizendo sobre a existncia de conflito entre o disposto

    na Constituio e no presente Estatuto do TPI.

    19 Este instituto, cuja traduo a entrega, adotado pelos pases da ComunidadeEuropia e, como um sistema sumrio e diminui a burocracia, ACCIOLY atenta que osdireitos do indivduo possam deixar de ser devidamente protegidos.

    2032

    Enuncia o artigo IX: Todo homem acusado de um ato delituoso tem odireito de ser presumido inocente at que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordocom a lei, em julgamento pblico no qual lhe tenha sido asseguradas todas as garantiasnecessrias a sua defesa.

    21 ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, Geraldo Eullio do Nascimento. Manual deDireito Internacional Pblico. So Paulo: Saraiva, 2002. p. 398 402.

    22Cf. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 4. ed. So Paulo:Atlas, 2002. p.242.

    24

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    O Estatuto, em seu artigo 102 revela que, por entrega entende-se

    a entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal nos termos do presente

    Estatuto, e por extradio, a entrega de uma pessoa por um Estado a outro,

    de acordo com a conveno entre os Estados ou no direito interno. Assim, o

    termo utilizado para a disposio de um nacional ao TPI para processo e

    julgamento a entrega, e no extradio, embora tal diferena nominal no

    diferencie o que ocorre na prtica.

    Ademais, a cooperao entre Estado e o TPI regida pelo princpio

    da complementaridade, ou seja, a jurisdio do TPI somente ser exercida

    quando for constatada a incapacidade ou falta de disposio dos Estados em

    processar e julgar, a fim de que no haja interferncia nos sistemas judiciais de cadaEstado.

    J para aqueles que entendem existir situao de incompatibilidade

    entre os dois dispositivos baseiam-se no argumento de que a Carta Magna e a

    determinao de entrega de nacionais ao tribunal so excludentes, diante de

    vedao expressa, conforme o exposto no artigo 5, inciso LI da Constituio.

    Ademais, tal dispositivo no pode ser objeto de emenda, pois, com base no

    artigo 60, 4, inciso IV CF, o artigo 5, LI CF clusula ptrea em nosso

    ordenamento. Logo, apenas um poder constituinte originrio seria

    competente para criar um texto que viesse a permitir a entrega de nacionais.23

    4.6 Federalizao dos Crimes Contra os Direitos Humanos

    Como bem explana a Prof Marselha Bortolan Caram24 (CARAM.

    2007, p. 323) a Carta Poltica de 1988 inaugurou na ordem constitucional um

    ttulo exclusivo aos princpios fundamentais dentre os quais se destaca, logo

    23 ROCHA, T. G. P. Entrega de nacionais e priso perptua no Tribunal PenalInternacional luz da Constituio Brasileira in: MENEZES, Estudos de... , op.cit., v. 2, p. 467.

    24 Adaptado de CARAM, Marselha Bortolan .Federalizao dos crimes contra osdireitos humanos. Monografia apresentada ao Curso de Especializao em Direito

    Constitucional da Escola Superior de Direito Constitucional. Disponvel em:http://www.esdc.com.br/RBDC/RBDC-10/RBDC-10-007-INDICE.htm.

    25

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    26/30

    em seu artigo 1, o princpio da dignidade da pessoa humana como um dos

    fundamentos da Repblica Federativa do Brasil.

    Art. 1. A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolveldos estados e municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado

    democrtico de direito e tem como fundamentos:III. a dignidade da pessoa humana.

    Ainda, nesse mesmo Ttulo I, reservado aos princpios

    fundamentais, est previsto que a Repblica Federativa do Brasil reger-se-

    em suas relaes internacionais pelo princpio da prevalncia dos direitos

    humanos.

    Art. 4. A Repblica Federativa do Brasil rege-se nas suas relaesinternacionais pelos seguintes princpios:II. prevalncia dos direitos humanos.

    Logo em seguida, contendo o Ttulo II da Carta Constitucional,

    encontram-se cinco captulos reservados aos direitos e garantias

    fundamentais, aos quais o constituinte estabelece um rol detalhado, porm no

    exaustivo.

    Observa-se que o Constituinte intencionalmente fixou os princpios

    fundamentais da Repblica Federativa do Brasil, bem como o rol dos direitos e

    garantias fundamentais logo no incio do diploma constitucional, ou seja, logo

    aps o prembulo da Carta Poltica, a fim de evidenciar sua importncia vital e

    singular no corpo da Constituio.

    Como bem ressaltou Ingo Wolfgang Sarlet, o Constituinte, de forma

    clara e inequvoca, outorgou aos princpios fundamentais a qualidade de

    normas responsveis por embasar e informar toda a ordem constitucional,

    especialmente a das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais

    que, juntamente com eles, integram o ncleo essencial da nossa Constituio

    formal e material (SARLET. 2001, p. 62)

    Dessa forma, a Carta Poltica de 1988 elevou o valor da dignidade

    ao status de princpio normativo fundamental, conferindo ao Estado a

    finalidade precpua de proteg-lo e garanti-lo, j que sua existncia se faz em

    funo da pessoa humana.

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    Infere-se desses dispositivos a intensa preocupao da Constituio

    de 1988 em assegurar a dignidade e o bem-estar da pessoa humana como um

    imperativo de justia social, essenciais a um Estado que se afirma

    constitucionalmente como democrtico e social e que eleva a dignidade da

    pessoa humana a um princpio-corolrio constitucional, protegido pela clusula

    ptrea garantidora de direitos e garantias fundamentais.

    No plano internacional, a adoo em 1948 da Declarao Universal

    de Direitos Humanos pela Assemblia Geral das Naes Unidas constitui o

    principal marco no desenvolvimento da idia contempornea de direitos

    humanos. Os direitos inscritos nesta declarao constituem um conjunto

    indissocivel e interdependente de direitos individuais e coletivos, civis,polticos, econmicos, sociais e culturais, sem os quais no se alcana o

    verdadeiro sentido do princpio da dignidade da pessoa humana.

    Com o passar do tempo, essa Declarao transformou-se em fonte

    de inspirao para a elaborao de diversas cartas constitucionais e tratados

    internacionais relacionados com a proteo dos direitos humanos.

    Com efeito, os direitos humanos deixaram de ser uma questo afetaexclusivamente aos estados nacionais no limite de suas soberanias, passando,

    pelo contrrio, a ser matria de interesse de toda a comunidade internacional.

    A prova disso cite-se os mecanismos judiciais internacionais de proteo a

    esses direitos, como a Corte Interamericana e a Corte Europia de Direitos

    Humanos.

    Cumpre esclarecer que a dignidade da pessoa humana, assim como

    os direitos humanos, no ganharam existncia a partir do reconhecimento e

    fundamentao pelo ordenamento positivo. Todavia, o grau de reconhecimento

    conferido aos direitos humanos e sua legitimao pela ordem jurdico-

    constitucional e pelo Direito Internacional certamente iro depender de sua

    efetiva realizao e proteo.

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    certo, contudo, que o primeiro passo efetiva proteo e

    garantia desses direitos inicia-se internamente, ou seja, dentro da realidade

    poltico-social de um dado Estado.

    Conforme afirmou Ingo Wolfgang Sarlet:

    Assim, h que se reconhecer que tambm o contedo da noo dedignidade da pessoa humana, na sua condio de conceito jurdico-normativo, a exemplo de tantos outros conceitos de contornos vagos eabertos, reclama uma constante concretizao e delimitao pela prxisconstitucional, tarefa cometida a todos os rgos estatais (SARLET. 2001,p. 40)

    O princpio da dignidade da pessoa humana, por ser um princpio

    fundamental, atua como elemento informador dos direitos e garantias

    fundamentais, ou seja, serve como critrio para aplicao, interpretao eintegrao dos direitos fundamentais.

    Na linha de Andr de Carvalho Ramos, identificando a existncia do

    princpio da no tipicidade dos direitos fundamentais, defende-se que

    h sempre a possibilidade de uma compreenso aberta do mbitonormativo das normas de direitos humanos, o que fixa margens mveispara o conjunto de direitos humanos assegurados em uma determinadasociedade (...) Tais margens mveis do conceito de direitos humanos

    tambm denomina-se eficcia irradiante dos direitos fundamentais(RAMOS. 2002, p. 13)

    Portanto, esse princpio deve ser utilizado no caso concreto,

    objetivando solucionar as controvrsias existentes sobre o conceito de

    grave violao aos direitos humanos. Com relao ao termo graves

    violaes, o prprio constituinte preferiu no predetermin-lo, a fim de no

    restringir seu campo de incidncia. No entanto, ofereceu uma boa pista:

    violao coligada com as obrigaes decorrentes de tratados internacionais

    dos quais o Brasil seja parte. Portanto, essa gravidade no pode ser aferida

    tendo em conta somente o fato em si mesmo considerado ou a qualidade do

    agente ou da vtima.

    Nesse sentido, importante observar a literal redao do 5, inciso

    V-A, do artigo 109, da Carta Constitucional, prevendo que nas hipteses de

    grave violao de direitos humanos, o Procurador-Geral da Repblica, com a

    finalidade de assegurar o cumprimento de obrigaes decorrentes de tratados

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    internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poder

    suscitar, perante o Superior Tribunal de Justia, em qualquer fase do inqurito

    ou processo, incidente de deslocamento de competncia para a justia

    federal.

    O prprio Superior Tribunal de Justia, quando do julgamento do

    Incidente de Deslocamento de Competncia IDC n 1, esclareceu que

    2. Dada a amplitude e a magnitude da expresso direitos humanos, verossmil que o constituinte derivado tenha optado por no definir o rol doscrimes que passariam para a competncia da justia federal, sob pena derestringir os casos de incidncia do dispositivo (CF, art. 109, 5),afastando-o de sua finalidade precpua, que assegurar o cumprimento deobrigaes decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasilsobre a matria, examinando-se cada situao de fato, suas circunstncias

    e peculiaridades detidamente, motivo pelo qual no h falar em norma deeficcia limitada. Ademais, no prprio de texto constitucional taisdefinies.

    Entende-se que a escolha pela terminologia direitos humanos e

    no direitos fundamentais foi intencional, em razo da j prevista norma-

    princpio inserta no artigo 4, inciso II, da Constituio Federal, estabelecendo

    que, no plano das relaes internacionais, a Repblica Federativa do Brasil

    dever zelar pela prevalncia dos direitos humanos. Entenda-se, pelos direitos

    protegidos internacionalmente, pois no plano interno encontram-se os direitosfundamentais, concretizados e guisados a um grau superior de garantia e

    segurana, conforme expressamente demonstrado no Ttulo II da Carta

    Constitucional.

    Da resulta a ausncia propositada da rotulao dos direitos aptos a

    invocar o incidente de deslocamento de competncia. A falta de discriminao

    demonstra sua universalidade, j que os direitos fundamentais propriamente

    ditos variam conforme a ideologia e modalidade de Estado. Como sempre

    afirmou o professor Paulo Bonavides, os direitos fundamentais, em rigor, no

    se interpretam; concretizam-se.

    Nesse passo, a inovao trazida com a Emenda Constitucional n

    45/04 abrange tanto os direitos humanos positivados internacionalmente

    quanto os direitos fundamentais propriamente ditos, garantidos expressamente

    na nossa Carta Constitucional.

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