3b. (t2-t3) a Invençao Do Monolinguismo
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A INVENÇÃO DO MONOLINGUISMO E DA LÍNGUA NACIONAL
LÍNGUA, NAÇÃO E ESTADO NA ESPANHA CONTEMPORÂNEA
Henrique Monteagudo
Instituto da Língua Galega
Universidade de Santiago de Compostela
I. A INVENÇÃO DO MONOLINGUISMO E DA LÍNGUA NACIONAL
1.- Monolinguismo, bilinguismo, plurilinguismo. Que é o normal?
No prólogo à sua conhecida obra Bilingualism, a sociolinguista Suzanne Romaine
(Romaine, 1995) faz uma observação sobre a estranheza que causaria uma monografia
intitulada Monolingualism (veja-se agora Ellis, 2008). Por que pareceria estranho um
volume de estudos sobre o monolinguismo e, em troca, a ninguém chama a atenção o
título Bilinguismo na capa dum livro? Porque existe um modelo normativo, tacitamente
aceitado e profundamente interiorizado, segundo o qual o monolinguismo é o natural, o
normal, o esperável, enquanto o bilinguismo (ou o plurilinguismo) é o especial, o
excepcional, o anómalo: a condição monolingue não requer qualquer tipo de explicação,
ao contrário, a condição bilíngue exige uma justificação e justifica uma pesquisa
(inclusivamente um diagnóstico, ao menos em alguns casos).
O carácter reconhecidamente ‘normal’ do monolinguismo dos indivíduos constitui o
correlato subjectivo da conceituação geralmente admitida como ‘normal’ do
monolinguismo pluri-individual –ou melhor, colectivo. Se o indivíduo é / deve ser
‘idealmente’ monolíngue, é porque a formação social básica a que pertence (a
comunidade linguística) também é / deve ser assim.
Ora, se o monolinguismo é o normal, resultam lógicas perguntas do tipo como é que
chega um indivíduo a ser bilingue? E não menos lógicas outras do tipo como é que
chega uma colectividade a ser bilingue? O suposto de base é: todo o indivíduo e toda a
comunidade nascem monolingues e só alguns/algumas se fazem bilingues. Daí também
o desconcerto do indivíduo monolingue perante o bilingue, que chega até o extremo de
perguntar coisas como: por que te empenhas em falar galego? Como se falar esta língua
fosse expressão duma espécie de estranha mania, e não um facto simplesmente natural
para as pessoas que a aprendemos ao tempo que começamos a falar, e que a partir daí a
utilizamos com uma série de pessoas com que nos relacionamos de jeito mais ou menos
freqüente (incluindo os nossos pais, irmãos, cônjuges e filhos).
Dada a minha condição pessoal de bilingue, conseqüência de me ter criado em
ambientes em que circulavam correntemente duas línguas em estreito contacto (galego e
castelhano), vou-me situar, a efeitos de introduzir-nos no assunto que nos ocupa, na
perspectiva justamente inversa à do parágrafo anterior. Assim, começarei por estas duas
perguntas: como é que se consegue que os indivíduos se façam monolingues?
Evidentemente, criando meios sociais monolingues. Pois bem, como é que se consegue
criar ambientes sociais monolingues?
Estas perguntas podem parecer escusadas, mas se o podem parecer, isto deve-se
simplesmente a que nos movemos num ambiente sociolinguístico (num autêntico
paradigma ou, seguindo Foucault, epistemé) em que o monolinguismo foi construído e
instaurado como a situação normal. Na verdade, a pouco que percorramos a história da
nossa própria civilização occidental e reparemos no que acontece ao longo do planeta,
chegaremos à conclusão de que o bilinguismo e o plurilinguismo não são, de maneira
nenhuma, fenómenos extraordinários.
Por exemplo, na Roma antiga, as elites eram bilingues, pois não havia cidadán romano
culto que não soubesse ler e falar em grego, que, além disso, era a língua comum ou
franca em toda a metade oriental do Império (Palmer, 1984). Na Europa centro-
occidental do medievo os clerici ou letrados eram necessariamente bilingues, pois a
língua culta era o latim (Wolf, 1982). Em realidade, na medida em que o latim
continuou a ser a língua da alta cultura, os eruditos europeus foram obrigadamente
bilingues até o século XVIII1. A mesma Península Ibérica, por acaso no século XIII, era
uma região plurilingue, com várias línguas escritas, duas delas de ampla circulação
(latim, só escrita, e árabe, falada e escrita), uma outra com cultivo exclusivamente
literário mas procedente de fora da Península Ibérica (o occitano), outra mais com uso
ritual (o hebreu), os diversos romances em pleno processo de emergência como línguas
escritas (galego-português, asturleonês, castelhano, aragonês e catalão) e ainda o basco,
carente de cultivo escrito. Não se esqueça a previsão testamentária de Afonso X,
segundo a qual no seu túmulo devia figurar uma inscrição em quatro línguas: árabe,
latim, hebreu e romance (Moreno Fernández, 2005: 65-124).
Com certeza, nos exemplos anteriores podem distinguir-se diversos tipos de
bilinguismo, que respondem a situações bem diferentes. Duma parte, existe um
bilinguismo de elite, que se consegue mediante o aprendizado formal duma língua de
cultura auxiliar, e que tradicionalmente estava reservado a grupos sociais privilegiados,
como era o caso da aristocracia romana, os clérigos medievais ou os letrados da idade
1 Pense-se que a obra científica mais importante de Newton, Principia Mathematica, está escrita em
latim; veja-se Blair 1996 e Pantin 1995, mais em geral Burke, 2004: 43-60.
moderna. De outra parte, existe um bilinguismo social, que se produz mediante o
contacto espontâneo entre falantes de várias línguas, e que tipicamente corresponde a
situações de coexistência de duas comunidades linguísticas compartilhando um mesmo
território e/ou formando parte duma mesma entidade política, como podia ser o caso das
variedades faladas do árabe e do romance no centro e, sobretudo, no sul da península
durante a Idade Média.
Num sentido em certa maneira análogo ao devandito, o monolinguismo pode estudar-se
no plano individual e no plano social. Uma sociedade, comunidade ou país monolingue
é aquela em que só uma língua é conhecida e usada pela generalidade dos seus
membros. Ora, o que queremos mostrar aqui é que o monolinguismo social, longe de ser
um fenômeno espontâneo, pode ser (e freqüentemente é) o resultado duma série de
operações, mais ou menos deliberadas, de homogeneização de populações falantes de
várias línguas, um resultado que, aliás, é mantido artificialmente pelos estados mediante
políticas de exclusão de línguas outras que a ‘oficialmente’ reconhecida. Por outras
palavras, contra o que pareceria indicar o sentido comum (a doxa), o monolinguismo
não é (ou não sempre) é o estado natural das coisas, mas é o resultado de processos
muito complexos, e em boa parte específicos da nossa civilização na época
contemporânea. Mais concretamente, tem muito a ver com a criação dos estados nação
de formato europeu, que são uns artefactos de invenção relativamente recente, como se
mostrará a seguir.
2. A invenção do monolinguismo e da língua nacional: o modelo napoleónico
Em tempos recentes, na bibliografia antropológica e sociológica o vocábulo ‘invenção’
aparece em sintagmas tais como ‘invenção da tradição’ (The Invention of Tradition;
veja-se Hobsbawn & Ranger (eds.) 1984) ou ‘invenção duma nação’ (como em La
invención de España; veja-se Fox 1997), associado a certas construções culturais ou
políticas, em referência a processos que se consideram típicos da modernidade,
desenvolvidos a partir do século XVIII. Neste contexto, o termo ‘invenção’ aparece
utilizado polemicamente nas controvérsias sobre a gênese das nações, dos
nacionalismos e das correspondentes identidades nacionais européias (ou euro-
americanas) modernas, por parte dos estudiosos que defendem pontos de vista
construtivistas, e criticam as posições primordialistas ou essencialistas2.
2 O nacionalismo é tema privilegiado de pesquisa nas ciências sociais contemporâneas. Entre a ampla
bibliografia relevante, seleccionamos alguns títulos que nos resultaram mais reveladores. Entre os estudos
Como é sabido, segundo os relatos tradicionais, as identidades nacionais têm uma
origem remota e, em todo o caso, num momento da história passada (tipicamente, a
Idade Média) ficaram fixadas num molde definitivo, que praticamente não sofreu
alterações substanciais ao longo da história posterior. Segundo este ponto de vista, a
nação, cada nação, tem séculos de existência, possui uma essência imutável e descansa
em fundamentos permanentes e objectivos: território, raça, psicologia colectiva ou
Volksgeist, unidade e originalidade cultural,... Um destes fundamentos acostuma ser,
tipicamente, a língua.
O construtivismo, ao contrário, defende que as nações e as correspondentes identidades
nacionais são artefactos de fabricação recente, resultados de processos característicos da
modernidade, relacionados com a construção de estados nacionais e com os
correspondentes processos de unificação de mercados e culturas, e particulamente,
resultantes da elaboração de específicas tradições culturais, linguísticas e literárias
mediante processos, tecnologias e médios de comunicação de invenção recente,
apoiados na acção de aparelhos educativos estato-nacionais, difusores de línguas
escritas estandardizadas graças à imprensa. Dentro do construtivismo convivem pontos
de vista mais radicais com outros mais moderados, que correspondem, grosso modo,
com as distintas acepções do termo invenção.
Como é sabido, invenção procede de inventione, substantivo deverbal de invenire. Este
verbo tem, já no latim, duas acepções de base: a) produzir uma coisa nova, não
previamente existente; b) descobrir, tirar à luz algo que estava ignorado. Um
construtivista radical entende a ‘invenção da identidade nacional’ como um processo de
produção duma novidade sem muita base real (ou inclusivamente com engano); e
mesmo, em alguns casos, a partir do nada. Um construtivista moderado entende-a como
um processo de re-interpretação de elementos tradicionais pré-existentes, elementos que
ganham um novo sentido ao articularem-se uns com outros dum jeito novo, ou ao
incorporarem-se a um contexto histórico e discursivo diferente. Quem escreve estas
linhas manifesta-se partidário da segunda linha de aproximação. O que em todo o caso
fica claro é que as identidades nacionais, as nações, não são entidades decantadas na
Idade Média, e menos ainda entidades fixadas de uma vez e para sempre.
antigos mas aínda útiles podemos citar Weil, 1961 [1938] e Kohn, 1984 [1944]. Referência obrigada entre
os actuais são Kedourie, 1993 [1960] e Smith, 1976 [1971]. Especialmente útiles para nós foram Gellner,
1988 [1983], Anderson 1991 [1983], Hobsbawn 1991 [1990] e Thiesse 1999. Damos entre parénteses a
data da primeira edição de cada obra.
Em realidade, a invenção do monolinguismo é inseparável da invenção do Estado-nação
(e posteriormente, como veremos, da nação-Estado). Para simplificarmos uma realidade
histórica notavelmente complexa, o estado-nação típico na Europa (ou, se se prefere, o
primeiro protótipo de estado-nação europeu) é o construído segundo o modelo
napoleónico. A sua aparição tem a ver com a mudança de uma série de conceitos chave
arredor do poder político e a sua legitimação: no Antigo Regime, o Monarca era a
personificação do estado, e recebia o poder directamente de Deus (ou, indirectamente, a
través do povo). O estado do antigo regime era um estado patrimonial, propriedade da
dinastia reinante.
As fronteiras dos estados mudavam conforme as alianças, matrimônios, conquistas ou
compras dos seus monarcas, e em muitos casos os domínios das monarquia mesmo
eram territorialmente discontínuos, e não só pela existência dos impérios ultramarinos,
mas também na mesma Europa. A lealdade dos súbditos a respeito dos monarcas e dos
senhores era de tipo pessoal, tinha um fundamento religioso e comportava obrigas
fiscais e militares. Aliás, entre o monarca e os súbditos interpunham-se freqüentemente
poderes intermédios, tais como os diversos senhorios nobiliários ou eclesiásticos. Nas
ditas condições, nem existiam as condições nem a necessidade de forjar uma
consciência ou uma identidade nacional, fundada numa certa homogeneidade de cultura,
pela sua vez apoiada na unidade de língua.
As mudanças revolucionárias que trouxeram noções fabricadas e difundidas ao longo
dos séculos XVIII e XIX tais como ‘soberania nacional’, ‘governo do povo’, ‘igualdade
dos cidadãos’ foram as que propiciaram a aparição de consciências nacionais. Os
revolucionários franceses encontraram-se com a herança do estado dinástico francês,
cujas fronteiras (europeias) eram o resultado mais ou menos fortuito de aquisições,
conquistas e alianças das sucessivas dinastias que detiveram historicamente o trono da
França. No interior dessas fronteiras falavam-se várias línguas (tais como o bretão, o
francês, o occitano, o basco, o catalão, o italiano, diversas variedades germânicas, desde
o alemão da Alsácia até o flamengo passando pelo lorenês), e o idioma francês era
falado somente na região parisina, com as suas variedades distribuídas pelas outras
regiões do norte (normando, picardo, champanhês, etc). A maioria da população era
analfabeta, falava dialectos locais da respectiva língua, e só uma minúscula
porcentagem sabia ler e falar do francês cultivado. Aproximadamente dois terços dessa
população falava variedades de línguas outras que o francês.
Os revolucionários fundaram a idéia de nação nos princípios de soberania popular e
igualdade dos cidadãos, mas ao tempo decidiram que os franceses constituíam uma
nação, e para fazer realidade os ditos princípios, a nação devia ter uma cultura
homogénea exprimida numa língua comum. Da noção de ‘estado francês’ (que
correspondia com o velho estado dinástico, multiétnico e plurilingue) passou-se à noção
de ‘nação francesa’, e essa nação devia exprimir-se na única língua nacional, a língua
francesa. Dessa maneira, empreendeu-se um processo de ‘etnicização do estado’: a
identidade política adoptava assim um fundamento fortemente étnico (Grillo, 1989: 22-
42). Ficava cunhado o ‘modelo napoleónico’: um estado > uma nação > uma língua. Daí
o objectivo programático do novo estado revolucionário francês de ‘anéantir les patois’,
isto é, aniquilar a diversidade linguística para homogeneizar a nação francesa do ponto
de vista linguístico e cultural (Balibar / Laporte 1976).
O discurso revolucionário sobre a identidade estato-nacional francesa repousa em uma
operação ideológica de disfarce da realidade, utilizando para tanto uma linguagem
aparentemente descritiva que na verdade é normativa e performativa. Na superfície, esse
discurso afirma que os franceses já são uma nação porque possuem uma cultura e uma
língua comuns, mas o que na verdade afirma é que os franceses devem possuir uma
língua e uma cultura comuns para chegarem a constituir uma nação; por tanto ainda
não seriam uma nação. O discurso sobre a nação, a língua e o estado pode ser
interpretado como uma instância de interpelação3: as várias populações que habitavam
nos territórios do velho estado dinástico são chamadas a constituírem-se em nação
francesa, e para tanto, a abandonarem as suas línguas seculares e adoptarem o idioma
francês.
Doutra parte, a realidade do plurilinguismo é escamoteada, ocultada, negada, mas é-o
precisamente para que não seja visível o projecto da sua destruição. Destarte, também
fica excluída à partida a hipótese da convivência pluralista: a necessidade de impor a
3 Interpelação (“Interpellation”) é uma noção introduzida por Louis Althusser (1970) como um
mecanismo ideológico definido do seguinte jeito: «l'idéologie « agit » ou « fonctionne » de telle sorte
qu'elle « recrute » des sujets parmi les individus (elle les recrute tous), ou « trans-forme » les individus en
sujets (elle les transforme tous) par cette opération très précise que nous appelons l'interpellation» (49),
levando em conta que, segundo o mesmo autor, «la catégorie de sujet est constitutive de toute idéologie,
mais en même temps et aussitôt nous ajoutons que la catégorie de sujet n'est constitutive de toute
idéologie, qu'en tant que toute idéologie a pour fonction (qui la définit) de «constituer» des individus
concrets en sujets» (46, salientado no original). Nas ciencias sociais, a noción de interpelación expandeu-
se considerablemente, para se referir de modo geral ao processo polo qual o sujeito se reconhece a si
mesmo numa identidade dada.
língua comum vincula-se necessariamente á destruição das outras línguas, sem dar
sequer a oportunidade de contemplar a hipótese de fazer compatível a diversidade
linguística com a difusão duma língua comum. Nascia assim a ideologia da
monoglossia, e o modelo do estado-nação monolingue, ao tempo que se iniciava a
construção discursiva da nova noção de ‘língua nacional’. A diversidade linguística
tornava-se uma realidade anômala e disfuncional, na ideologia e na prática. O estado
ficava programaticamente vinculado ao programa de homogeneização linguística e
cultural, correlativo ao de criação e difusão da língua e a cultura nacionais e da
correspondente intelectosfera ideológica e cultural que acompanha, legitimando, esses
processos.
Os meios de que se valeu o estado nacional de novo cunho para conseguir a
uniformização linguístico-cultural e a difusão das ideologias que a legitimavam, isto é,
os meios de moldeamento das consciências e dos hábitos linguísticos, foram
basicamente dois: duma parte, os aparelhos do estado e a burocracia ao seu serviço (o
uso administrativo da língua), doutra, e muito especialmente, o aparelho educativo sob
controle do Estado (quando não directamente estatal e centralizado), que ao longo dos
séculos XIX e XX foi estendendo a sua cobertura da população infantil e juvenil e
ampliando o período de permanência obrigatória.
Mas a construção do estado nacional respondeu também ao interesse de determinados
grupos sociais (a grande burguesia industrial, comercial e financeira; a burocracia, o
exército e outros corpos estatais; certos sectores da intelectualidade), que contribuíram
decisivamente neste programa de ‘nacionalização’. Assim, não se pode esquecer a
relevância dos meios de comunicação e em geral de todas as instituições do que
Habermas denominou a ‘publicidade burguesa’: meetings, clubes políticos e esportivos,
comemorações e festividades públicas, cassinos, tertúlias, etc (Habermas, 1994). Todos
estes meios contribuíram em maior ou menor medida á criação e difusão da cultura
monoglóssica e á divulgação da ‘língua nacional’.
O correlato na consciência individual da identidade monoglóssica do estado-nação
monolingue e a construção dum novo sujeito: o cidadão monolingue, interpelado para
manter uma forte e unívoca lealdade àquela identidade colectiva. Um cidadão instruído
e construído, tanto nas suas competências linguístico-comunicativas, quanto nas suas
representações mentais e actitudes, em grande parte através do sistema educativo. De
determinar os seus hábitos linguísticos encarregaria-se mais bem o meio social.
3. A invenção do monolinguismo e da língua nacional: o contra-modelo herderiano
O modelo napoleónico aplicou-se a transformar velhos estados proto-nacionais da
Europa occidental em modernos estados-nação: primeiro a França, depois, ao menos
tentativamente, a Espanha; Portugal e a Holanda, com as suas especificidades (entre
outras cousas, não eram países multi-étnicos); a Grã Bretanha seguiu um caminho
próprio mas afinal não substancialmente distinto. Mas não demorou em gerar-se um
contra-modelo, que aqui vamos denominar herderiano, pois a sua inspiração foi
atribuída ao filósofo alemão Johann G. Herder (1744-1803) (veja-se Monteagudo,
1999a). Este modelo surgiu e espalhou-se na Europa central e oriental, e provocou duma
parte os movimentos de unificação de Itália e Alemana, e de outra a desmembração de
Impérios como o Haubsburgo (austríaco) e o Otomano, e a independência de países
como a Noruega (arrancada primeiro da Dinamarca e finalmente da Suécia) ou
Finlândia (que escachou primeiro da Suécia e finalmente da Rússia). Esses processos
históricos foram impulsionados por movimentos nacionalistas que também
estabeleceram uma relação entre a língua, a identidade nacional e o estado, mas em
termos precisamente contrários ao ‘modelo napoleónico’ (Baggioni, 1997: 201-87).
Os nacionalismos ‘irredentistas’ não se apoiavam num estado já existente, mas
aspiravam a criá-lo, por tanto, partiam duma situação radicalmente distinta aos
nacionalismos estatalistas. Quer dizer, fundavam-se na existência de comunidades
étnicas englobadas em estados multiétnicos (e/ou fragmentadas politicamente),
comunidades muitas vezes carentes de tradições estatais próprias, e caracterizadas pela
posse duma língua própria, a qual, freqüentemente carecia de tradição cultivada
(mesmo, em muitos casos, era totalmente ágrafa) – ainda que em alguns casos pudessem
ser invocados precedentes históricos mais ou menos remotos de posse dum estado
próprio ou de cultivo literário do idioma vernáculo. Esquematicamente, o razoamento
dos nacionalistas irredentistas corria em sentido inverso aos estatalistas: somos uma
comunidade diferenciada porque possuímos uma língua própria e distinta, e por isso
mesmo constituímos uma nação, e como tal temos direito a um estado independente;
ainda que em ocasiões, o que se reivindicava não era um estado independente, mas um
estado federado em pé de igualdade com outras comunidades étnico-linguísticas.
Se no caso do nacionalismo estatalista falámos antes dum processo de ‘etnicização da
política’, agora podemos falar da ‘politização da etnicidade’. Na Europa dos séculos
XIX e XX, o nacionalismo irredentista deu lugar a amplos movimentos de unificação
nacional (Itália e Alemanha), que pela sua vez se realizou a custa da desaparição de
unidades políticas anteriores e da desmembração de partes de territórios doutros países;
mas com muita mais freqüência deu azo à fragmentação de Impérios e ao nascimento de
novos estados: desde a Grécia e a Polónia até a Estónia ou a Croácia. Uma solução
intermédia, que podia consistir na federação igualitária das distintas comunidades
etnolinguísticas, foi tentada em ocasiões e nem sempre com sucesso durável (a Suíça e
em certa maneira a Bélgica podem servir de exemplos).
Mas o que nos importa salientar é que, fosse pela via do modelo napoleónico, fosse pela
via contrária do modelo herderiano (este em princípio mais aberto ao pluralismo), em
toda a Europa acabou por estabelecer-se uma associação estreita entre língua, identidade
nacional e estado; e por via da regra essa associação era unívoca e excluínte, quer dizer:
o monolinguismo das nações e o uninacionalismo dos estados é a norma; em
correspondência, fomentou-se a monolingualizaçao das sociedades e dos indivíduos.
Nas nações monolingues formaram-se cidadãos monolingues. A convivência de várias
línguas dentro duma sociedade passou a ser uma rareza, uma anomalia, e com ela
também os indivíduos bilingues (fora, claro está, o aprendizado de segundas línguas
auxiliares, para o estudo, o comércio, etc.).
Por tanto, a emergência dos estados nacionais, fossem do tipo napoleónico (estado >
nação) fossem do tipo herderiano (nação > estado) teve um duplo efeito
(sócio)linguístico: duma parte, a política linguística dos estados nacionais orientou-se à
uniformização linguística das populações mediante a imposição da língua nacional, de
outra parte, a própria língua nacional foi sujeita a uma série de profundas intervenções
tendentes à estandardização, tanto mais intensas quanto menos tradição de elaboração e
cultivo tivesse às suas costas (por caso, as línguas ágrafas tiveram de ser dotadas dum
alfabeto e normas ortográficas, etc.). Estes dois processos foram impulsionados por e
acompanhados de grandes transformações na consciência linguística das respectivas
comunidades idiomáticas, e em particular pela criação e difusão de ideologias e
discursos legitimadores da uniformização linguística, da hegemonia da língua nacional,
e da estandardização (com a correspondente preeminência da variedade padrão dessa
língua).
A idéia-força que legitimou a uniformização linguística foi o grande mito moderno do
progresso. O poeta galego Manuel Curros Enríquez, uma espécie de Guerra Junqueiro
de finais do século XIX, expressou-o assim nos seus versos (adapto ligeiramente a
língua):
“Todo tende á unidade, lei, dentre todas
a mais inexorable do Progreso
E el que de cen nacións un pobo fixo
un idioma fará de cen dialectos.
Como paran no mar tódolos ríos,
como os raios do sol paran nun centro,
tódalas linguas han de parar nunha
que habemos falar todos, tarde ou cedo.”
Enquanto não chegasse o momento definitivo da união final de todo o gênero humano, a
noção do progresso ineluctavelmente unificador se aplicou a legitimar os processos de
unificação no interior de cada estado, sempre a favor da língua nacional-estatal.
II
LÍNGUA, ESTADO E NAÇÃO NA ESPANHA CONTEMPORÂNEA
Na Espanha contemporânea apareceram os dois modelos em conflito: duma parte, o
modelo napoleónico, que informou em grande medida o processo de modernização do
Estado, com uma clara orientação centralizadora; da outra parte, o modelo herderiano,
que inspirou os movimentos de reacção anti-centralista e reivindicação de autogoverno
dos povos da periferia, em particular a Catalunha, o País Basco e a Galiza (un resumo
panorámico em Núñez Seixas, 1999). O primeiro adoptou na Espanha uma orientação
francamente uniformista no âmbito linguístico-cultural, e daí a tentativa de imposição
do castelhano como língua nacional (Taibo, 2007; Moreno Cabrera, 2008). O segundo
tomou uma orientação pluralista, no sentido de que a defesa das línguas e culturas
próprias de cada povo se considerava compatível com distintas formas de acomodação
com a língua castelhana, segundo fórmulas de bilinguismo. Por via da regra, aceitava-se
certa preeminência do castelhano como língua geral de comunicação dentro do Estado,
e a sua utilização em pé de igualdade com a língua própria de cada comunidade.
Na Espanha contemporânea também se verificou o fenômeno que denominamos de
etnicização do estado, isto é, a sua progressiva identificação com uma base linguístico-
cultural particular (neste caso, a castelhana), e uma correlativa tendência a procurar os
fundamentos da sua legitimação em elementos etno-culturais, tais como raça, clima e
território, língua, história, espírito nacional (Volksgeist) ou tradição cultural (Álvarez
Junco, 2001). O processo de elaboração ideológica do nacionalismo etnicista espanhol
culminou com a chamada Generación del ’98 (designação que evoca o ‘desastre de
1898’, isto é, a perda das últimas colônias ultramarinas), agrupação de intelectuais que
colocaram Castilha e o castelhano no cerne da identidade nacional espanhola (Varela,
1999; Fox, 1997). Falando em geral, a imposição da língua e cultura nacionais da
Espanha se produziu em um marco político-cultural ‘liberal’ até 1923. Neste ano
instaura-se a ditadura de Primo de Rivera, que supôs a primeira tentativa de forçar o
processo de nacionalização da Espanha com instrumentos e em um marco autoritários.
A dita tentativa fracassou, e o seu fracasso arrastou consigo a Monarquia, o que abriu às
portas à IIª República, que instaurou um marco democrático no qual, como reacção à
Ditadura primorriverista, se tentou integrar as demandas dos povos periféricos. Foi
assim que pela primeira vez, a Constituição republicana reconheceu o direito das
regiões à autonomia e dos respectivos idiomas à cooficialidade. Mesmo assim, como
veremos, a intelectualidade nacionalista espanhola teve uma intervenção enérgica no
sentido de limitar as concessões às comunidades periféricas. Em todo o caso, foram
aprovados estatutos de autonomia da Catalunha, o País Basco e a Galiza, que
instauravam regimes bilingues, ainda que só o primeiro chegasse a entrar em vigor
(1932). É que o experimento republicano teve uma breve duração, pois o golpe de
estado militar-falangista de 1936 deu cabo dele. A ditadura que surgiu da guerra civil
representou uma tentativa mais de nacionalização autoritária, desta vez de longa
duração (até 1975) e com períodos de grande dureza (especialmente desde 1936 até
meados da década dos ’60). Nas páginas que vêm a seguir, vamos seguir o processo até
o ano 1931, pondo ponto final com a intervenção de Miguel de Unamuno nas discusões
arredor das línguas no debate constitucional da República.
O modelo de análise que vamos seguir persegue explorar os aspectos mais relevantes
deste processo nos três âmbitos que julgamos de importância decisiva. Em primeiro
lugar, o aspecto funcional, isto é, a assunção por parte duma língua de determinadas
funções sociocomunicativas; em particular, neste caso, as funções ‘nacionais’, de que
tomaremos como amostra mais representativa a oficialização da língua e a sua
generalização como veículo de ensino (o qual resulta indispensável para a sua difusão
no conjunto da população). Em segundo lugar, o aspecto formal, isto é, o relacionado
com a habilitação do próprio instrumento linguístico para exercer funções nacionais,
que podíamos resumir na estandardização ou codificação. Em terceiro lugar, a
legitimação do idioma como língua nacional, o que nos debruçará sobre âmbitos
relacionados directamente com os nossos saberes especializados, a filologia e a
linguística, e nos convidará á análise do seu papel legitimador nos processos de
nacionalização (Garcia Turnes, 2008).
Vamos começar pela codificação, sobre a que passaremos rapidamente, dado que no
caso do castelhano os alicerces foram deitados já no século XVIII, graças à intervenção
da Real Academia Espanhola. Contudo, tenha-se em conta que a elaboração do código
linguístico (nomeadamente, a codificação da ortografia) só constitui uma primeira fase
do processo, o momento realmente decisivo chega quando esse código recebe a sanção
oficial e começa a ser o único autorizado (isto é, adquire carácter obrigatório e
exclusivo) no ensino. Por outras palavras, ortografia propriamente dita só existe quando
um determinado código ortográfico goza de status oficial (de iure ou de facto) e é
imposto através do sistema educativo. Antes disto, a ortografia (tal como se apresenta
por exemplo nos códigos realizados pelas academias) não passa de ser um projecto.
1. Elaboração da forma: a codificação ortográfica e a estandardização
Como é sabido, as academias das línguas nasceram na Europa ao longo dos séculos
XVII e XVIII, e várias delas tiveram um papel destacado nos processos de codificação
idiomática (estandardização), quer no plano da ortografia, quer no da gramática, quer no
do léxico. A Royal Académie Française (a academia por antonomásia) e a Real
Academia Española, entre outras, salientam neste terreno. Assim, por obra da Real
Academia Española (RAE), entre 1726 e 1815 a ortografia do castelhano ficou fixada e
codificada duma forma muito semelhante à que tem hoje. Fitos desse processo são o
‘Discurso proemial de la Orthographia’ que precede o primeiro emprendimento
acadêmico de carácter normativo, o Diccionario de Autoridades (seis volumes, 1726-
1739), e posteriormente, a Orthographia Española (1741) e as sucesivas edicións desta,
aparecidas baixo o título de Ortografia de la Lengua Castellana (1754, 1763, 1770,
1774, 1779, 1792 e 1815). Teve menos relevância a Gramática de la lengua castellana
da RAE, publicada mais tarde (1771) e merecedora duma acolhida menos entusiasta do
que a Ortografía.
Nos Setecentos o ensino escolar do espanhol tinha um carácter meramente prático e
achava-se subordinado ao do latim, que era a língua culta e universitária por excelência.
Só contra finais de século começam a mudar as coisas, ao menos no plano oficial.
Assim, em 1780, Carlos IIII promulga uma pragmática que prevê que “en todas las
escuelas del reino” se ensine “a los niños su lengua nativa por la gramática que ha
compuesto y publicado la Real Academia de la Lengua” (apud Lázaro, 1985: 189).
Destarte, o estado dá-lhe um impulso decidido ao mesmo tempo ao ensino do
castelhano e à Gramática da RAE, que aparece como obra de referência oficial.
Contudo, a ortografia acadêmica do castelhano não pode considerar-se formalmente
oficializada até 1844. Curiosamente, a sanção jurídica da ortografia acadêmica veio
motivada por uma reacção contra a iniciativa duma associação de mestres (‘Academia
literaria i cientifica de profesores de instrucción primaria’) que tinha proposto adoptar
para a alfabetização em castelhano um sistema ortográfico de orientação marcadamente
foneticista. Esta inovação não foi bem acolhida nos meios governamentais, de maneira
que o Consejo de Instrucción Pública obteve da rainha Isabel II uma Real Ordem que
impôs como única ortografia autorizada no ensino a da Real Academia Española
(Esteve Serrano, 1977).
Tal provisão ficou ratificada em 1856, quando outra Ordem governamental dispôs que
“para la enseñanza de la ortografía se adoptará exclusivamente en todas las escuelas la
última edición del prontuario de la Academia de la Lengua”; e foi recolhida na célebre
Lei de Instrução Pública de 1857, onde se estabelece que “la Gramática y Ortografía de
la Academia Española serán texto obligatorio y único para estas materias en la
enseñanza pública” (apud Monteagudo, 1999b: 310 e 311). Estas disposições ficaram
em suspenso depois da revolução democrática de 1868, que proclamou a liberdade de
cátedra, pero foram restabelecidas ao mesmo começo da Restauração borbónica por um
Real Decreto ditado em 1875.
Em definitiva, podemos concluir que a ortografia do castelhano contemporâneo foi
fixada na sua feição fundamental entre 1726 e 1815, e difundida e imposta como
sistema de seguimento obrigatório, em particular através do sistema educativo, desde os
meados do século XIX.
2. ELABORAÇÃO DA FUNÇÃO.
CONSTRUÇÃO DO ESTADO MODERNO E CENTRALIZAÇÃO
A intervenção napoleónica na Espanha e a subseqüente guerra dinástica (1808-12)
socavaram os alicerces do Antigo Regime, abrindo caminho às transformações que,
após os avanços e retrocessos do período fernandino (1812-1832), conduziriam à
articulação do Estado liberal, cujas linhas fundamentais se desenharam durante o
reinado de Isabel II (1833-1869), até consolidar-se durante o Sexénio liberal (1868-
1875) e a Restauração monárquica (1875-1923). Com a definitiva desvinculação dos
principados borbónicos da península itálica a respeito do domínio espanhol (finais do
século XVIII), e, sobretudo, com a emancipação da maior parte do império ultramarino
(independência da América espanhola, 1810-1825 ca.), que culminou com a perda das
últimas colônias em 1898 (Puerto Rico, Cuba e as Filipinas), no século XIX a Espanha
viu-se reduzida praticamente às suas fronteiras políticas actuais, as quais ofereceram o
marco territorial para a construção dum estado nacional moderno.
Pôs-se assim em andamento um conjunto de processos históricos de diverso carácter
que constituem a modernização. Um dos elementos centrais desse processo foi a
elevação do castelhano a idioma nacional (espanhol) (Siguán, 1992; Valle / Gabriel-
Stheeman, 2002; Moreno Fernández, 2005). Este conheceu múltiplos azares: as
reivindicações linguísticas das periferias, que começaram a se manifestar contra meados
do século (especialmente na Catalunha, mais tarde no País Basco e com menor força, na
Galiza), foram crescendo em intensidade no último terço do século XIX e primeiras
décadas do XX, e uma primeira tentativa de silenciá-las pela via autoritária, durante a
Ditadura do general Primo de Rivera (1923-31) acabou num fracasso, que abriu passo à
experiência pluralista e democrática da IIª República (1931-36).
Significativamente, a Constituição da IIª República foi a primeira que consagrou a
oficialidade do castelhano (anteriormente, o uso oficial desta língua era uma prática de
facto, respaldada em leis de nível inferior à constituição), mas ao tempo reconhecia o
dereito das ‘regiões’ que o reclamassem à sua autonomia, e à cooficialidade das
respectivas línguas próprias. Abria-se assim a possibilidade de uma modernização
pluralista da Espanha. Mas o experimento republicano foi brutalmente destruído pelo
golpe militar de 1936, a conseguinte guerra civil (1936-39) e a ditadura franquista que
se prolongou durante quase quatro décadas (1939-75). Os três Estatutos de Autonomia
aprovados durante o período republicano, da Catalunha, a Galiza e o País Basco (dos
quais só o primeiro chegou a entrar plenamente em vigor), reconheciam pela primeira
vez a cooficialidade das respectivas línguas no plano regional.
O franquismo aniquilou as autonomias e propôs-se culminar o processo de
nacionalização centralizadora da Espanha pela via autoritária, para o que desatou uma
implacável perseguição (de iure e sobretudo de facto) das línguas e culturas
minoritárias, especialmente feroz nos anos da guerra civil e até a década dos ‘60.
Também essa tentativa fracassou, se bem que colocou os idiomas minoritários numa
situação extremamente difícil. Como reacção à política centralista da ditadura e às
medidas de assimilação linguística forçosa que promoveu, as aspirações autonomistas
das nacionalidades periféricas e a defesa das suas línguas ameaçadas passaram a ser
assumidas como parte essencial e indeclinável das reivindicações democráticas.
Foi por isto último que, quando se produziu a queda da ditadura e a recuperação das
liberdades, a nova Constituição democrática da Espanha (aprovada em 1978), na esteira
da Constituição republicana, reconheceu o direito das nacionalidades históricas (a
Galiza, o País Basco e a Catalunha) e as outras regiões à autonomia política e abriu a
porta à cooficialidade das respectivas línguas. Em poucos anos, aprovaram-se os
correspondentes Estatutos de autonomia das nacionalidades (1979-1980), e o galego, o
basco e o catalão foram reconhecidos como línguas cooficiais. Abria-se assim o
complexo processo de recuperação destes idiomas, em que ainda hoje estamos
envolvidos, não sem muitas discussões e dificuldades (Siguán, 1992; Castillo Lluch /
Kabatek, 2006).
No que vem a seguir vamos reparar nas primeiras fases da modernização, que
correspondem ao século XIX e as três primeiras décadas do XX, concentrado a nossa
atenção na construção do castelhano como língua nacional, e à sua correlativa
imposição às comunidades alóglotas da periferia, com a simultânea derrogação dos
idiomas destas (nomeadamente, galego, catalão e basco). Com efeito, ao longo do
século XIX assistimos à formulação duma política linguística de Estado, a sua tradução
num corpus legislativo e na prática corrente dos organismos da Administração pública,
e ao tempo, à articulação, com função legitimadora, dum discurso nacionalista espanhol
sobre a língua e a nação. Pela nossa parte, vamos dar especial relevância ao sistema
educacional, e deixaremos na sombra as resistências da periferia, que em boa parte se
inspiraram no que antes chamamos ‘modelo herderiano’.
2.1. Construção do aparelho de Estado: o processo de centralização
Na Espanha tentou-se aplicar, com desigual fortuna, o modelo que antes denominamos
de napoleónico, e particularmente imitou-se a articulação fortemente centralizada da
administração do Estado, tipicamente francesa. Com efeito, os processos de construção
e consolidação do estado liberal orientaram-se decididamente no caminho da
centralização, legitimada por uma ideologia nacional espanhola, por via da regra,
crescentemente uniformizadora em todos os planos. O centralismo supôs o
estabelecimento dum aparelho institucional (administrações públicas e legislação)
sempre mais amplo, abrangente e poderoso, desdenhoso ou inimigo da pluralidade
linguístico-cultural dos povos que formavam parte no estado, e articulado sobre a
premissa de que a língua castelhana e a cultura correspondente, hegemônicas já desde o
século XVI, deviam agora impor-se às demais, mesmo até fazê-las desaparecer (ainda
que isto último quase sempre apareça implicitamente).
A diferença do que acontecia no Antigo Regime, o Estado nacional contemporâneo
caracteriza-se por um manifesto interesse por uniformizar o conjunto da população (não
somente as camadas privilegiadas), pois se considerava que o fundamento mais sólido
do estado nacional vinha constituído por um povo nacionalmente (isto é, política,
cultural e linguisticamente) homogéneo. Além disso, o funcionamento eficaz dos
mecanismos estatais exigiam o emprego duma única língua de uso geral. Isto despoletou
o processo que antes denominamos de etnicização do Estado (Grilo, 1989). Por outra
parte, agora o estado dispunha de meios para alcançar a aculturação (de que a
assimilação linguística era um pré-requisito) das massas populares, para o qual o
instrumento mais importante era o sistema educacional. Aliás, a assimilação à língua
dominante constituía um pré-requisito para acceder a uma categoria crescente de
profissões, e nomeadamente, para adquirir a condição de funcionário do Estado.
A centralização significou, entre outras coisas, burocratização, de modo que o conjunto
de funcionários se aumentou consideravelmente, sendo este um sector que, pelas suas
próprias condições (formação e mentalidade, hierarquização rigorosa, meritocracia
fundada na idéia de ‘serviço ao estado’, promoção realizada através da mobilidade
geográfica), costuma estar imbuído duma mentalidade profundamente estatalista, o que
no nosso caso equivale a centralista, castelhanizante e uniformizadora.
Na mesma medida em que o idioma castelhano monopolizava as funções relativas à
administração do Estado, o aspirante a funcionário tinha de assimilar-se
linguisticamente, de modo que o corpo de funcionários se transformou numa vanguarda
e baluarte da castelhanização. Finalmente, dado que a promoção dos funcionários
costuma realizar-se através da mobilidade geográfica, qualquer obstáculo a esta (como
pode ser o emprego de línguas diferentes nas distintas partes do território ‘nacional’)
devia ser removido.
Além disso, a extensão da educação por uma parte implicou a ampliação do sector de
profissionais especializados e por outra visou à alfabetização de franjas cada vez mais
amplas do povo. Isto deu azo à aparição duma camada intelectual nutrida pelo
professorado e dum público leitor cada vez mais numeroso e diversamente estratificado,
desde as fracções burguesas e pequeno-burguesas, sobretudo de profissionais liberais
(com título meio ou universitário), que conformam o público culto, até fracções das
classes meio-baixas, que constituíram o público popular. Estes públicos ofereceram a
base para o espectacular desenvolvimento da imprensa periódica e das edições
populares, que também se transformaram em instrumentos de aculturação e assimilação
linguística da população e em campos de batalha de diferentes sectores político-
ideológicos em competição.
Ao longo do século XIX sucederam-se as disposições destinadas a articular o aparelho
legal e a organização territorial de poder do Estado e das administrações, orientadas
continuamente no sentido da centralização. Em palavras de um historiador do período,
“a centralização não somente é uma constante na organização da administração estatal e
na codificação das leis, mas um verdadeiro processo” (Martí, 1981: 264). Os alicerces
deste processo se jogaram no segundo e terceiro quartéis do século XIX, no período de
instauração do estado burguês, e o edifício se afirmou no último quarto do século, em
pleno período da Restauração. Pela sua vez, a etapa da Restauração monárquica (1876-
1923) supôs a “racionalização e modernização do Estado, da Administração e, em geral,
da ordem jurídica do país” (Jover Zamora, 1981: 341), e ao mesmo tempo o
“robustecimento do poder central” (Martínez Cuadrado, 1973: 48). É óbvio que os
avanços na burocratização e centralização das administrações do estado implicavam um
aumento notável do número de funcionários e uma maior mobilidade geográfica destes
(Martínez Cuadrado, 1973: 271-2, 276-8). Por caso, da leitura de alguns textos da
segunda metade do século XIX parece deduzir-se que à Galiza estavam chegando
bastantes funcionários forâneos. Assim, por exemplo, passada a metade do século,
Antonio de la Iglesia, fundador da primeira Escola Normal da Coruña, encarecia o
estudo do galego a professores, sacerdotes e funcionários argumentado do seguinte
modo:
Con el moderno movimiento de los hombres y su más fácil colocacion en todas partes, se atraen,
así como á la enseñanza, y desde los parages más apartados de la nacion, muchas personas
consagradas á la direccion espiritual de Galicia y pronto serán atraidas en mayor número. Sin
algun conocimiento del idioma gallego ¿cuántas dificultades no se presentarán á un extraño
párroco en su santa misión? El movimiento que hemos citado se reconoce igualmente en el
personal de la administracion civil. En el ministerio judicial se reconoce así mismo el
movimiento en las personas y la necesidad del estudio que encarecemos (apud Hermida 1992:
54).
2.2. Língua, cidadania e sistema educacional
Durante o século XIX, a cidadania plena estava muito restringida, em especial no
tocante ao direito de sufrágio. Assim, por culpa do sistema de sufrágio censitário, e
salvando o período do Sexênio Democrático (1869-75), unicamente puderam participar
nas eleições a Cortes entre 0,6 por cento e 5,7 por cento do total da população, e além
disso somente varões adultos. Somente em 1890 se imporia o reconhecimento do direito
ao sufrágio universal (masculino) nas eleições gerais. O analfabetismo das massas
(consideradas “indoctas” ou “pouco inteligentes”) constituía mais um argumento para
restringir-lhes ou negar-lhes esse direito político fundamental (Jover Zamora, 1981:
342; Martí, 1981: 190).
Já a Constituição de 1812 previa que “desde el año 1830 deberán saber leer y escribir
los que de nuevo entren en el ejercicio de los derechos de ciudadano”. Ainda mais, a
posse dum mínimo de instrução linguística aparecia como um requisito básico para ser
elegível a determinados cargos públicos: por exemplo, a lei municipal de 1869 exigia
como condição para ser prefeito saber ler e escrever (Martí, 1981: 219). A
universalização do sufrágio masculino por uma parte implicava um esforço mais
decidido por eliminar os ‘obstáculos’ linguísticos que empeciam a integração do povo
na vida política nacional, e por outra banda fazia mais atractivo o emprego da língua de
cada comunidade na mobilização do eleitorado. O reconhecimento do direito a
participar das eleições supõe a plena entrada das massas na vida política, o qual, entre
outras coisas, pode implicar que comece a ser importante os idiomas que falam e em
que se lhes ‘fala’ (Hobsbawn, 1991: 89-93). Isso terá a ver com a cada vez mais intensa
politização da problemática linguística que se verifica nas últimas décadas do século
XIX, como amostraremos mais adiante.
Visto o dito, não é de estranhar que um dos âmbitos em que se livrou um feroz combate
entre o antigo e o novo regime fosse precisamente o sistema educacional, cujo controle
foi objeto de disputa prolongada entre o Estado e a Igreja (Peset et alii, 1978; Puelles
Benítez, 1980). Ganha finalmente a partida pelo Estado, procedeu-se a criar um
aparelho educativo completo, mediante a regularização e extensão do ensino primário
com o objetivo último (que somente se alcançaria no século XX) de integrar o conjunto
da população, a criação de um ensino secundário, a introdução de ensinamentos
técnicos, e a reforma da Universidade, dando-lhe cabimento nela aos estudos científicos
e literários (Historia de la Educación en España). O latim passou de ocupar uma
posição central (como língua veicular e matéria de estudo) a outra periférica
(exclusivamente como matéria de estudo), com a correlativa ascensão do castelhano,
que se transformou em único veículo do ensino e começou a ser também matéria de
estudo. Isto, como é óbvio, supõe uma melhora substancial do status funcional do
idioma do Estado, enquanto o latim ficou relegado a funções pouco mais do que
marginais como língua do culto religioso (onde se manteria até o Concílio Vaticano II,
em 1963).
Ao mesmo tempo, com a preparação de livros de texto e a publicação de estudos em
castelhano das mais diversas disciplinas acadêmicas e das doutrinas técnicas, o cultivo e
a elaboração desta língua, que como sinalámos tinham recebido um impulso
considerável com a criação da Real Academia Española no século XVIII, experimentam
desde os meados do século XIX um progresso considerável. Porém, na verdade,
somente as medidas para estender o ensino primário que se tomam desde primeiros do
século XX até fazerem-se especialmente enérgicas durante a ditadura de Primo de
Rivera (1923-31) e a II República (1931-36), tornaram possível que este começasse a ter
um impacto considerável no processo de assimilação linguística de sectores mais
amplos da população.
A imposição do castelhano como língua do sistema educacional apresenta dois aspectos,
que se desenvolveram em fases aproximadamente sucessivas: em primeiro lugar, a
disputa por derrocar o latim como língua principal da alta cultura e o ensino superior;
em segundo lugar, a marginalização das outras línguas faladas em território do estado,
os vernáculos falados pelas populações periféricas: fundamentalmente, o galego, o
basco e o catalão. Como a seguir amostraremos, o primeiro aspecto resolveu-se ao
longo dos dois primeiros terços do século XIX, o segundo ainda não está resolvido na
actualidade.
2.3. O castelhano como língua nacional: o sistema educacional (1812-68)
As bases do sistema educacional encontram-se nas disposições que se foram tomando
desde a Constituição de Cádiz, especialmente no período de estabelecimento do regime
burguês, isto é, durante o segundo terço do século XIX. Nesta época adoptaram-se as
orientações gerais sobre as quais evoluiria o conjunto do sistema, mesmo no aspecto
que nos corresponde aqui diretamente, isto é, o da questão linguística (Puelles Benítez,
1980). Como sabemos, no Antigo Regime, o ensino em todos os níveis se encontrava
quase completamente monopolizado pela Igreja. No nível fundamental, nas escolas de
primeiras letras, a aprendizagem se limitava a ler, escrever e o catecismo. O ensino
secundário propriamente dito não estava estabelecido, pois o nível intermédio de
instrução o ofereciam as escolas de latinidade e as Faculdades de Artes, que em
realidade ofereciam uma espécie de cursos preparatórios para os estudos universitários.
Seriam as classes meias (a burguesia) do século XIX as que potencializariam o Ensino
Secundário, adequado a suas próprias necessidades.
A Universidade unicamente contemplava como estudos superiores os de Teologia, Leis
e Cânones e Medicina e Farmácia, com as correspondentes Faculdades. Será o regime
burguês o que se esforce também por reformar o ensino universitário, introduzindo nele
os estudos científicos. A burguesia espanhola somente conseguiu impor de modo pleno
a sua hegemonia sobre as classes dominantes do Antigo Regime no período 1834-43,
sob o reinado de Isabel II, e precisamente um lugar importante da conquista da
hegemonia foi a luta pelo controle do ensino, disputada com a Igreja.
Mas, e apesar às previsões legais, durante o século XIX a escolarização efectiva da
população concernida esteve longe de conseguir-se; de fato, esse objectivo não se
atingiria nem sequer durante a primeira parte do século XX (Gabriel, 1990; Historia de
la Educación en España). Em nossa opinião, salvas as diferenças históricas, as
observações de Balibar e Laporte (1976: 121) sobre a defasagem cronológica que se
verificou na França entre a formulação por parte da burguesia do objectivo político da
universalização do ensino primário (já durante a Revolução) e a sua posta em prática
efectiva (só contra finais do século XIX), são perfeitamente aplicáveis à situação
espanhola: as primeiras declarações oficiais no sentido indicado datam das Cortes de
Cádiz, enquanto sua realização efectiva (e ainda assim muito parcial, como veremos)
somente começou a vislumbrar-se no primeiro terço do século XX. É que, como as
mesmas autoras indicam,
mesmo que a conjunção histórica da constituição dum modelo de francês fundamental e a
tendência à uniformização linguística (no seu triplo aspecto: determinada por fatores materiais,
impulsionada por uma ideologia da língua nacional, e sobretudo, produzida por efeito duma
conjuntura política determinada) faz possível a constituição do aparelho escolar (e ao mesmo
tempo fá-lo necessário como lugar de aprendizagem da língua comum nacional), a dita
conjunção não basta para determinar de forma efectiva a escolarização das classes populares, e,
por conseguinte, para realizar materialmente o aparelho escolar (Balibar / Laporte, 1976: 126).
Com certeza, o ideal da escolarização universal bateu com umas condições materiais
que o impossibilitavam: sobretudo, o trabalho infantil, prática generalizada entre as
classes populares das cidades e do campo. Os filhos e as filhas do campesinato e do
artesanato colaboravam sem distinção de idade nos trabalhos de suas famílias, enquanto
a indústria e o comércio também empregavam mão de obra infantil. Em conseqüência, o
sistema educacional estava reservado exclusivamente às classes superiores, às famílias
que podiam permitir-se diferir a participação de seus membros mais novos na vida
produtiva. Isto explicará as baixas porcentagens de escolarização e de assistência à
escola que se observam na Espanha até a II República (e inclusive durante esta), que,
além disso, não aumentaram substancialmente desde finais do século XIX.
Para cumprir o programa educativo da burguesia, o ensino tinha que passar ao controle
do Estado e centralizar-se. As mesmas Cortes de Cádiz (1812) tinham criado a Direcção
Geral de Estudos, órgão do Estado que devia controlar todo o sistema educacional, mas
uma idéia da importância que este adquiriu ao longo do Estado pode dar-no-la o facto
de que até 1900 não se criou definitivamente um Ministério de Instrução Pública.
As bases jurídicas e académicas do sistema educacional burguês espanhol se sentaram
no fundamental durante o reinado de Isabel II, especialmente no período 1835-57. Em
um princípio, o objetivo que assinalava neste terreno a legislação do Estado
(Constituição de Cádiz) foi o estabelecimento de escolas de primeiras letras em todas as
vilas do país e a extensão da instrução fundamental a todos os cidadãos, o que aparecia
relacionado ao exercício dos direitos cívicos. Desde o início se assinala como
característica fundamental do ensino público o seu carácter uniforme em toda a
Espanha, o que certamente inclui também a uniformidade linguística, isto é, a
generalização do uso do castelhano como língua veicular. Já no “Relatório Quintana”
(1813), que serviria de base para o projeto de decreto das Cortes de Cádiz (1814) que,
contudo, só se aprovaria e poria em vigor em 1821, se proclama:
La instrucción debe ser universal, esto es, extenderse a todos los ciudadanos. El plan de la
enseñanza pública debe ser uniforme en todos los estudios. Debe ser, pues, una la doctrina en
nuestras escuelas, y unos los métodos de enseñanza, a lo que es consiguiente que sea también
una la lengua en que se enseñe, y que esta sea la lengua castellana (Litoral 1989: 355; o
salientado é nosso, como sempre que non se indique em contrário).
A adopção do castelhano como língua veicular da instrução vinha bater com a prática
estabelecida nos níveis superiores do ensino, monopolizados pelo latim. Assim, o
“Dictamen sobre el proyecto de Decreto de reglamento general de la Enseñanza
Pública” (1814), que propunha introduzir um nível de “segundo ensino” entre o
primário e o superior, previa que no ensino secundário se daria toda a instrução em
castelhano e que no ensino superior (universitário) somente se seguiriam aprendendo
em latim a teologia e os direitos romano e canônico.
Para a comissão que redactou esse ditame, as vantagens de ensinar a juventude em sua
“língua nativa” são evidentes; entre outras, aduz-se que é preferível estudar a moral, a
política e a Constituição do país em “la magestuosa y grave lengua castellana” e não no
“latin indigesto del aula”. É digno de nota que não se questione em absoluto a
identificação entre a língua nativa dos estudantes e a língua castelhana. Por outra parte,
como não existiam obras em castelhano adequadas para o ensino secundário e superior,
o qual levantava dúvidas sobre a adequação deste idioma para o alto cometido que se
lhe assinala, a dita comissão urge que se encha esse vazio, ao tempo que assinala que o
emprego do castelhano fará com que este chegue “en breve al alto punto de riqueza y
perfección de que es susceptible” (apud Historia de la Educación en España: II, 353-
76).
Em 1834 começa o assalto definitivo ao poder por parte do liberalismo. Neste ano
dispõe-se a alfabetização da tropa e a criação de comissões de ensino primário em todas
as províncias, e em 1835 cria-se em Madrid a primeira Escola Normal de Magistério,
destinada à formação dos professores de ensino primário. O “Plan General de
Instrucción Pública” de 1836 supõe uma vitória decisiva do castelhano sobre o latim
como língua veicular no nível superior, pois nele se estabelece que tanto na Faculdade
Menor de Artes (equivalente ao posterior ensino secundário ou bacharelato) como nas
Faculdades Maiores, “la lengua nacional es la única de que se hará uso en las
explicaciones y libros de texto”. No ano 1838 promulga-se o Real Decreto de
“Reglamento de las Escuelas Públicas de Enseñanza Primaria Fundamental”, que
estabelecia o ensino de “elementos de Gramática Castellana, dando la mayor extensión
posible a la Ortografia” (apud Monteagudo, 1999b: 309-10). Como antes assinalamos,
em 1844 o Governo decretou que a ortografia se devia ensinar “com sujeción a las
reglas de la Academia Española”. É a partir deste momento que se pode falar numa
verdadeira ortografia do espanhol no sentido mais pleno.
Na segunda metade do século, o ensino regeu-se no fundamental por uma série de
disposições formuladas em 1856 e 1857, disposições que fixaram definitivamente a
estrutura do sistema educacional até os primeiros do século XX. Assim, uma Real
Ordem de 1856 dispunha a aprendizagem nas escolas da história pátria, e obrigava ao
estudo do sistema métrico decimal e das normas ortográficas da Academia Espanhola:
“para la enseñanza de la ortografía se adoptará exclusivamente en todas las escuelas la
última edición del prontuario de la Academia de la Lengua” (Peset et alii, 1978: 23). Ao
mesmo tempo, aprovam-se como únicos livros de texto autorizados para o ensino da
língua espanhola a Gramática da Real Academia e vinte e oito manuais gramaticais de
diferentes autores que a seguiam, instaurando desta forma um controle muito estrito dos
livros de texto. Por tanto, em palavras dum especialista,
con una gramática, una ortografía y una misma artimética se unifica la lengua, se sistematiza la
base de las relaciones de producción a nivel nacional; y como aglutinante de todo esto, la
religión, unificadora de mentalidades (Peset et alii, 1978: 16)4.
A disposição legal mais transcendente foi a “Lei de Instrução Pública”, de 1857. Esta
dispunha que as escolas fundamentais desenvolveriam o ensino em três cursos, sendo a
idade de escolarização prevista de seis aos nove anos. A respeito da língua, esta Lei
dispõe que “a Gramática e a Ortografia da Academia Espanhola serão textos
obrigatórios e únicos para estas matérias no ensino público”. Ficava assim plenamente
oficializada a Real Academia como instância máxima de codificação e controle do
castelhano padrão. Por aquela altura, as medidas estatais a favor da generalização do
ensino primário começariam a ter um impacto perceptível nas regiões alóglotas como a
Galiza. Assim, um agudo observador do tempo, que já citamos antes, Antonio de la
Iglesia (quem, como dissemos, foi o fundador e primeiro director da Escola Normal da
Corunha), assinalava em 1863:
4 Será interessante notar que o Banco de España foi fundado como ‘banco nacional’ precisamente em
1856, e que a unificação monetária, em andamento desde 1836, culminou em 1868, quando começou a
emitir-se a peseta, ‘moeda nacional’, de referência e única de curso legal no interior do Estado espanhol.
La enseñanza primaria se generaliza de una manera no conocida hasta ahora, penetrando el
idioma castellano en las escuelas rurales de puntos de Galicia en que jamás se había conocido.
Los libros que se usan en tales establecimientos, escritos se hallan en castellano y en la misma
lengua se dan las explicaciones por maestros naturales de fuera del país. Escaso fruto los
alumnos podrían lograr de tales obras y explicaciones, si no conociesen los maestros y no
hiciesen conocer a sus discípulos la correspondencia del castellano que oyen a su profesor, allí
en las aulas, con el lenguaje casi exclusivo que usan fuera los niños, como sus padres, allegados
y confeligreses. El estudio, pues, del gallego, como base más conocida y segura de ulteriores
adelantos científicos y sociales, viene a constituir una necesidad pública de la más grave
trascendencia (apud Hermida, 1992: 54).
Enfim, no amanhecer do Sexênio Democrático dá-se mais um passo, definitivo, no
recuo do latim no sistema educacional, por obra dum decreto de 1868. No preâmbulo
deste denuncia-se o esquecimento do “estudo profundo de la lengua patria”, e atribui-se
a responsabilidade por este à insistência excessiva no estudo da gramática latina. A
argumentação sobre a orientação que deve inspirar o ensino público, que reflete
nitidamente a mentalidade e ideologia nacionalista democrática do Sexênio, desenvolve-
se do modo seguinte:
“Tiempo es ya que la enseñanza pública satisfaga las necesidades de la vida moderna, y tenga
por principal objeto no formar sólo latinos y retóricos, sino ciudadanos ilustrados, que conozcan
su patria en las diversas manifestaciones de la vida nacional, y puedan enaltecerla y honrarla
aplicando ingeniosa y libremente su actividad intelectual al progreso científico, artístico y
literario” (apud Monteagudo, 1999b: 312).
Em conseqüência, estabelece-se que o conhecimento do latim não será exigível nem
sequer para ingressar nas Faculdades de Ciências, Farmácia e Medicina. Em definitiva,
parece óbvio que o correlato linguístico da decisiva luta entre o Estado e a Igreja pelo
controle do aparelho educativo se colocou durante os pouco mais de cinqüenta anos que
vão de 1812 a 1868 no combate entre o latim e o castelhano. Ao longo desse período, o
castelhano passou de ‘língua nativa’ a ‘língua nacional/ pátria’, com uma ortografia
codificada e oficializada, sob controle da Real Academia. Às portas da Restauração
monárquica (1975), a sorte já estava jogada.
2.4.1. A consagração do castelhano como língua oficial do Estado: legislação
Desde que com a Constituição de Cádiz (1812) se inaugura o período constitucional na
Espanha contemporânea, nenhuma das cinco Constituições que sucessivamente
estiveram em vigor durante o século XIX faz referência de qualquer tipo à língua oficial
do Estado. Na prática, o castelhano era empregado como única língua oficial e
administrativa, mas só a força do hábito ou da rotina e os imperativos práticos se
opunham a que se empregassem outras línguas nos âmbitos e documentos oficiais. De
facto, o catalão mantinha certa vigência tradicional em domínios como o eclesiástico
(oração e pregação, aprendizagem do catecismo) ou o administrativo (contratos,
assentamento de documentos). Só por volta dos últimos anos do século XIX começamos
a encontrar referências explícitas ao castelhano como única língua admitida
oficialmente nos documentos públicos (Monteagudo, 1999b: 315-17; Ferrer i Gironès,
1986, por onde a seguir citamos).
A primeira destas aparece contra os finais do reinado de Isabel II, na “Ley del
Notariado” (1862), que estipula: “Los instrumentos públicos se redactarán en lengua
castellana”. Oito anos depois, recém estreada o I República com a sua constituição
democrática, foi promulgada uma “Ley del Registro Civil” (1870), que dispunha:
“Cuando los documentos presentados se hallen extendidos en idioma extranjero o en dialecto del
país, se acompañará a los mismos su traducción al castellano, debiendo certificar de la exactitud
de ella el Tribunal o funcionario que los haya legalizado”.
Na mesma linha, quatro anos depois, o “Reglamento de la Ley del Notariado” (1874)
insistia na necessidade de tradução ao castelhano de textos ou termos de outros idiomas
que aparecessem nos documentos com validade legal: “Cuando se hubiere de insertar
documento, párrafo, frase o palabra de otro idioma, o dialecto, se extenderá
inmediatamente su traducción”. As disposições sobre a necessidade de traduzir ao
castelhano os documentos ou textos redigidos em outros idiomas se reiteram, com
variações, na “Ley de Enjuiciamiento Civil” (1881) e no “Reglamento de la Ley
Hipotecaria” (1915). Este último estabelecia que os documentos “extendidos en latín o
dialectos de España, ó en letra antigua, ó que sean ininteligibles para el Registrador, se
presentarán acompañados de su traducción ó copia suficiente”.
É de notar que em todos estes textos legais se utiliza sistematicamente e com carácter
derrogatório o termo dialecto para as línguas da Espanha diferentes do castelhano.
2.4.2. Politização da problemática linguística (1888-1931). A reacção das periferias
Se a competição do castelhano com o latim na educação (particularmente na
Universidade) pode dar-se como concluída por volta de 1868, a disputa entre a língua
do estado e as das distintas comunidades etnolinguísticas da periferia (catalão, galego e
basco) não demoraria em estourar. Conforme o poder político e as administrações
públicas se iam centralizando e o aparelho educativo se estendia e se fazia mais
abrangente, aquelas comunidades viam mais e mais ameaçada a posição da sua língua
própria. Surgiram assim movimentos regionalistas e nacionalistas de inspiração
herderiana, que defendiam a autonomia política dos respectivos países e o
desenvolvimento das culturas e línguas privativas, no marco dum estado descentralizado
ou mesmo federal (Núñez Seixas, 1999).
A vanguarda na contestação correspondeu a Catalunha, a comunidade mais rica e forte,
com maior e mais duradoura tradição de cultivo da sua língua, que, além disso, gozava
duma intensa adesão da burguesia e das classes medias urbanas. Mas também no País
Basco (Euskadi) e na Galiza apareceram movimentos autonomistas, ao tempo que o
cultivo literário das respectivas línguas ganhava impulso. Assim, entre as primeiras
respostas perante a pressão centralizadora quiçá a mais significativa se deu em 1888,
quando a recentemente criada Lliga de Catalunya apresentou um “Memorial de
agravos” à rainha regente, no qual se solicitava o reconhecimento oficial do catalão, ao
reclamar “que a língua catalã seja a oficial da Catalunha para todas as manifestações da
vida deste povo” e concretamente que “se use a língua catalã para o ensino na
Catalunha” (Jover Zamora, 1981: 379). O avanço da consciência linguística dos catalães
não se deteve, e nas “Bases de Manresa”, programa político aprovado em 1892 pela
Unió Catalanista, estabelece-se: “La Llengua Catalana serà l'única que, amb caràcter
oficial, podrà usar-se à Cataluny” (Ibidem).
Paralelamente, o discurso sobre a língua também se ia politizando na Galiza. Destarte, o
programa político do movimento regionalista galego elaborado a começos da década de
1890 contém a seguinte base:
A linguagem regional galega será de uso optativo entre os naturais de nossa região, tanto na
esfera oficial e pública como na privada, e obrigatório nas Escolas primárias, em concorrência
com o castelhano (apud Máiz, 1983: 200).
Entretanto, em 1896 aparece a primeira proposta no Parlamento espanhol que
visava promover o emprego das línguas periféricas nas escolas, a causa do qual se
propunha para exercer a docência nas regiões com língua própria, se exigisse aos
professores o conhecimento desta. A resposta negativa chegaria na voz do Ministro de
Fomento, que argumentava que
hay comarcas en España en que el castellano es tan desconocido como puede serlo el griego, el
ruso o el alemán. Es un mal grande para la Patria, y un peligro grave, encontrar una región o una
parte del territorio en que los que lo habitan no puedan entenderse con las autoridades y con el
resto del país (apud Ferrer i Gironès, 1986: 80-1).
Este reconhecimento de que zonas inteiras do país desconheciam o castelhano
(mesmo que talvez se exagere retoricamente), que constitui uma clara constatação das
carências do sistema educacional estatal, aparece empregado como argumento para
impor o uso excludente do castelhano nas escolas. Assim, por exemplo, por ocasião
duma polêmica parlamentar que explodiu em 1900 a respeito do ensino do catecismo
em catalão, um Ministro de Governo manifestava no Senado:
Es sensible que no todos los españoles conozcan el idioma nacional; pero es un hecho innegable
respecto al cual no cabe hacer más que una constante propaganda encaminada a extender el
conocimiento del idioma oficial, evitando que en las Escuelas oficiales se enseñe otro idioma
que el español, no permitiendo textos escritos en ningún dialecto, como libros de enseñanza
(apud Ferrer i Gironès, 1986: 85).
Note-se a insistência em contrapor o espanhol como idioma nacional e oficial e
as outras línguas, qualificadas de dialectos. Nos inícios de século, a política linguística
do Estado começa a endurecerse, adquirindo tintes claramente repressivos. Em
novembro de 1902, o Conselho de Ministros aprovava un Real Decreto que obrigava a
que todos os escolares do país aprendessem o catecismo en castelhano, estipulando no
seu artigo segundo:
Los Maestros y Maestras de Instrucción Pública que enseñasen a sus discípulos la doctrina
cristiana u otra cualquiera materia en un idioma o dialecto que no sea la lengua castellana, serán
castigados por primera vez con amonestación por parte del inspector provincial de Primera
Enseñanza y si reincidiese, después de haber sufrido una amonestación, serán separados del
Magisterio Oficial, perdiendo cuantos derechos le reconoce la ley (apud Costa Rico, 1989: 68).
Tal Ordem Ministerial provocou uma vagada de protestas. Em aquela altura, a
posição intolerante e impositiva era a mais comum entre as classes dirigentes da
Espanha centralizada, com argumentos como o dum deputado que se perguntava se os
que defendiam as línguas periféricas “creen que, manteniendo la diversidad de idiomas,
es posible constituir una nacionalidad” (apud Ferrer i Gironès, 1986: 84), ou dum líder
político que em 1916 indicava, contra a pretensão da Lliga Regionalista de declarar livre
o emprego oficial do catalão em Catalunha, que isto “limitará la facultad de los
españoles para ejercer cargos o empleos en todas las tierras de la Península” (Idem:
130). O inventário de argumentos poderia multiplicar-se, pero julgamos que essa
amostra serve para sugerir as conceições ideológicas e mais os interesses materiais que
latem debaixo desta posição.
Com efeito, em 1916, por iniciativa da Lliga Regionalista de Catalunya,
apresenta-se a primeira proposta no Parlamento espanhol solicitando que se oficializasse
“o livre uso da língua catalã no território de Catalunha” (Idem: 131). Como
respondendo a este proposta, a Real Academia Espanhola, manifesta ao Governo
através duma carta aberta ao Ministério de Instrução Pública a sua preocupação pelo
“abandono que existe en cuanto al empleo de la Lengua Castellana en nuestras escuelas
y otros establecimientos de enseñanza”. A Academia denuncia em tons catastrofistas a
situação do castelhano como língua oficial e escolar, em termos como os seguintes:
Hay centros oficiales donde se prescinde en absoluto del castellano; no se exige la traducción de
aquellos documentos que se presentan escritos en el dialecto de la región o la provincia; los
acuerdos de sus corporaciones y los bandos de autoridades locales se redactan en igual forma, y
hasta acontece que en gran número de escuelas está proscripto el idioma nacional o se enseña
como si fuese una lengua extranjera (apud Monteagudo, 1999b: 323).
Em fim, após os consabidos protestos de amor pelos “dialectos”, adianta-se o
argumento central sobre o que se estea a exclusividade do uso oficial e escolar do
castelhano, isto é, a intangível unidade da nação: “Idiomas y dialectos que se hablan en
la intimidad del hogar o en las relaciones individuales, son respetables, y la Academia
los respeta y estima pero el verbo de España, como nación una e intangible, es el
castellano” (Ibidem). A intervenção da Real Academia Española é muito significativa
tanto da implicação do mundo ‘académico’ na legitimação da política linguística do
Estado quanto da importância pública que por aquela altura (1916) tinha atingido a
problemática linguística.
Em 1917, a Espanha experimentava as convulsões que anunciavam a agonia do regime
da Restauração, que desde 1875 tinha dado certa estabilidade política ao país. Desde
1917, a situação política não fez mais que agravar-se. Este período convulso
desembocou num pronunciamento militar encabeçado pelo geral Miguel Primo de
Rivera (1923). O golpe tornou-se rapidamente numa ditadura pessoal. A ditadura de
Primo de Rivera impôs uma escalada de medidas repressivas contra as línguas
periféricas, destinadas de um modo especial a deter o imparável progresso que estava
experimentar o catalão. Assim, só três dias após o golpe, o governo promulgava um
Decreto “ditando medidas e sanções contra o separatismo”, no qual se dispunha que
“nos actos oficiais de carácter nacional ou internacional não poderá usar-se outro idioma
que o castelhano, que é o oficial do Estado espanhol” (apud Ferrer i Gironès, 1986:
141). O Decreto previa fortes penas contra os infractores, que seriam julgados por um
tribunal militar. A Ditadura não demoraria em proibir o ensino dos ‘dialectos regionais’
nos estabelecimentos docentes do estado. Não tinha transcorrido um mês, quando o
governo ditou uma instrução em que se estabeleciam, entre outras, as seguintes
disposições:
1º Todos los Maestros enseñarán intensa y pedagógicamente la lengua castellana, desde el
primer día que el niño entre en la Escuela; de forma que al tercer año de estudios estén ya
suficientemente preparados para recibir, por medio de ella, como vehículo, las diversas
enseñanzas del programa oficial. 2º A partir de esta época, los Maestros hablarán siempre en
castellano a los niños. 3º En la Escuela no se permitirán otros libros de texto que el Catecismo de
la Doctrina Cristiana y los aprobados por el Gobierno, desterrándose todos los demás (apud
Ferrer i Gironès, 1986: 142).
A exclusão dos idiomas periféricos no ensino público teve uma especial importância
num período como este, no qual se produziu uma extensão acelerada do sistema escolar.
A política linguística assimilacionista da ditadura ainda ia fazer-se mais explícita e ao
mesmo tempo mais radical, até chegar a concretizar-se em disposições repressivas de
extrema dureza. Assim, de 1925 é uma Ordem dirigida ao Ministério de Instrução
Pública que obrigava os inspetores de ensino a examinar os livros de texto usados nas
escolas, e a retirar imediatamente os que não estivessem escritos em espanhol e iniciar
expediente contra o professor responsável (Historia de la Educación en España, III:
68).
As disposições intimidatórias contra o professorado reforçaram-se com uma Ordem de
1926, “fixando as sanções que se imporão aos Professores nacionais que proscrevam,
abandonem ou entorpeçam o ensino na sua escola do idioma oficial em aquelas regiões
em que se conserva outra língua nativa”, na qual se prevê entre outros castigos a
transferência forçada do professor que incorra em falta “a outras províncias em que não
existam formas idiomáticas diferentes da linguagem oficial” (apud Ferrer i Gironés,
1986: 147). A legislação repressiva da ditadura ainda se enriqueceria com um Real
Decreto promulgado no mesmo ano (1926) sobre “Sanções governativas e judiciais que
se aplicarão aos que faltarem ao uso e respeito da Língua Espanhola, à bandeira
espanhola, ao hino e às divisas nacionais”, no qual se estipulavam fortes multas e
mesmo a prisão para os que transgredissem activa ou passivamente as disposições legais
vigentes na matéria (Ferrer i Gironés, 1986: 146).
Como balanço, podemos concluir que a ditadura primorriverista supôs a culminação,
por via autoritária, do processo de progressiva explicitação duma política linguística de
Estado com uma orientação crescentemente mais uniformista, que se formulou nos
primeiros momentos do estabelecimento do Estado burguês na Espanha e se vinhera
desenvolvendo com mão cada vez mais firme durante a Restauração. Este processo, que
acompanha o de consolidação, implantação e expansão do próprio Estado Nacional
Espanhol desenvolveu-se ao ritmo que marcava o aumento das possibilidades operativas
do próprio Estado.
3. A FILOLOXÍA ESPANHOLA
E A LEGITIMAÇÃO DO CASTELHANO COMO LÍNGUA NACIONAL
Dissemos antes que as Filologias nacionais, nascidas em à Europa ao longo do século
XIX; podem ser vistas como disciplinas criadas segundo o padrão dos estados
nacionais. Com efeito, no dito período assiste-se à constituição e institucionalização
duma série de saberes de carácter ‘nacional’, especialmente no âmbito das humanidades
e das ciências sociais: a geografia e a história, a etnografia e a filologia (linguística
histórica e historia literaria). Estes novos saberes especializados nascem mediante um
processo de reorganização de todo o campo do saber humanístico –que entre outras
coisas implicou definir novos objectos de estudo, no caso vertente, as línguas e
literaturas nacionais– e conformam-se e institucionalizam-se no seio das universidades,
que precisamente ao longo do século XIX experimentaram uma série de reformas que as
tornaram instrumentos chave de controle dos estados nacionais sobre os processos de
produção / reprodução do conhecimento (para a Espanha, com carácter panorâmico e
introdutório, veja-se Fox, 1997; Varela, 1999 e Álvarez Junco, 2001).
Foi no século XIX quando disciplinas como as histórias, as filologias, os estudos das
literaturas nacionais são constituídas, ao tempo que são criadas as correspondentes
cadeiras universitárias especializadas. De certa maneira, pode-se dizer que as filologias
nacionais constituem o modo em como o Estado nacional contemporâneo organiza e
constrói o conhecimento no interior da dita área disciplinar, nas fronteiras do domínio
territorial correspondente, e, obviamente, como instâncias legitimadoras do próprio
estado nacional e da ordem social a ele associada.
Nas páginas que vêm a seguir vamos tentar explorar a decisiva contribuição da Filologia
Espanhola na legitimação da política linguística do Estado, e particularmente na
elaboração ideológica do castelhano como língua nacional e na justificação ‘científica’
da correlativa marginação das línguas próprias das distintas comunidades étnicas não
castelhanas integradas no Estado espanhol. Dois protagonistas destes processos foram
Miguel de Unamuno e Ramón Menéndez Pidal. Mas veremos também como, na altura
da II República, com a sua apertura ao pluralismo linguístico e cultural da Espanha,
também estes filólogos nacionalistas têm de transigir (não sem ressistência) com a nova
situação.
De facto, a linguística histórico-comparada se introduziu com muito retraso na Espanha:
antes dos finais do século XIX, os ecos desta novidade científica ainda chegavam muito
longínquos e distorcidos (Mourelle Lema, 1969; Gutiérrez Cuadrado, 1987). Ainda na
década dos sessenta desse século, discutia-se sisudamente em ambientes acadêmicos
sobre se o castelhano era uma língua neolatina ou semítica. A situação começou a
mudar nos começos do século XX, e podíamos dizer que se transformou radicalmente
no primeiro terço deste. A cavalo entre os dois séculos, Miguel de Unamuno (1864-
1936), catedrático universitário de Linguística e Latim e Grego, e reitor da Universidade
de Salamanca nos períodos 1900-14 e 1931-6, actuou como um formidável divulgador
da preocupação pela língua entre as classes cultivadas espanholas. Com uma projecção
pública notabilísima como escritor, ensaísta e articulista, a vocação de Unamuno
dificilmente podia voltar-se no ingente esforço de concentração e de paciente trabalho
de escritório que exigia sentar as bases para um estudo ‘científico’ da língua (segundo o
paradigma vigente da Linguística histórico-comparativa), mas possuía os dotes de
articulista e polemista adequado para reclamar a atenção da opinião pública (Huarte
Morton, 1954; Resina, 2002).
Os atributos exigidos para esta tarefa reuniram-se na pessoa de Ramón Menéndez Pidal
(1869-1968), quem, além disso, conseguiu o apoio estatal para levantar o aparelho
institucional que permitisse dar continuidade ao seu trabalho e fundar uma escola
(Portolés, 1986; Monteagudo, 2000a; Valle, 2002). Um dos fitos na consolidação
institucional da filologia espanhola (isto é, castelhana) foi o estabelecimento da “Junta
para la Ampliación de Estudios e Investigaciones Científicas”, criada em 1907. Foi
graças a este organismo que Pidal dispôs dum instituto em que pôde desenvolver as suas
pesquisas: o “Centro de Estudios Históricos”, fundado em 1910, que ele mesmo
presidiu e onde dirigiu uma Secção de Filologia, que se transformaria no eixo ao redor
do qual girava todo o Centro. O “Centro de Estudios Históricos” publicou desde 1914
uma revista própria, a Revista de Filologia Española, que constitui a primeira
publicação científica espanhola especializada na sua área.
Tanto Miguel de Unamuno como Ramón Menéndez Pidal pretenderam legitimar um
determinado discurso sobre a língua (e particularmente, sobre a língua e a nação) com a
auréola de seu prestígio científico. Mas nem a ressonância que obtinham nos meios de
comunicação os artigos sobre a(s) língua(s) de Miguel de Unamuno nem o apoio
institucional que conseguiu Ramón Menéndez Pidal para desenvolver o seu trabalho são
atribuíveis à casualidade ou à moda, mas respondem a umas necessidades
profundamente sentidas na Espanha do seu tempo.
3.1. Menéndez Pidal e a criação da Filologia espanhola: nação, língua e étnia
É um facto unanimemente reconhecido que Ramón Menéndez Pidal, primeiro
catedrático universitário de Filologia na Espanha, foi a figura chave na introdução e
desenvolvimento destes estudos no âmbito espanhol. Mesmo que a sua obra, em
contraste com a de Unamuno, se produziu quase exclusivamente em âmbito acadêmico,
interessa-nos aqui porque constituiu uma fundamentação importantíssima duma
determinada visão da história da Espanha, particularmente do papel que jogaram em ela
a língua e as manifestações literárias, relevante não só em si mesma, mas pela sua
indubitável projeção tanto nos ambientes especializados como na atmosfera cultural do
país. Nos seus estudos linguísticos Pidal partiu dos métodos do positivismo diacrônico
dos neogramáticos, aplicados à gramática histórica, mas incorporou-lhes
progressivamente as inovações introduzidas pela dialectologia e a fonética
experimental, ao tempo que pretendia irmanar o estudo da língua com o da literatura, e
associar aos feitos linguísticos tanto a investigação etnográfica do popular e o folclórico
como a história institucional, jurídica e política. Trata-se dum programa muito amplo e
enormemente ambicioso, que autor não culminou (pois deixou sem escrever a sua
História da língua espanhola), mas extraordinariamente fértil e sugestivo.
O pensamento linguístico de Pidal não se pode entender sem uma referência ao
ambiente intelectual em que se formou: a Espanha da Restauração e a da geração de
1898. Uma síntese apertada da atmosfera ideológica em que se movimentou o autor e do
impacto desta no seu trabalho científico está contida no seguinte juízo:
“Ramón Menéndez Pidal es, por su formación, un producto de la Restauración [...] Pero, a su
vez, desde el punto de vista generacional, pertenece a la generación del 98, de la que asimila
los ideales regeneracionistas y los planteamientos nacionalistas-casticistas. Estos presupuestos
ideológicos van a incidir de forma perdurable en su metodología científica, lo que explica
algunas de sus aparentes contradicciones; por ejemplo, afirmación de los ‘caracteres
nacionales’ en la constitución de lo español” (Abellán, 1992: VIII, 188-89).
Pidal entende os seus estudos literários e linguísticos como parte dum projecto
historiográfico mais amplo, que se propõe explorar a intrahistória nacional:
“se afana en estudiar crónicas, épica y romancero, los géneros menos innovadores, pero más
apegados a la vida diaria del pueblo, a la ‘intrahistoria’. Busca en ellos las constantes de la
nación española” (Portolés, 1986: 54)
A noção de intrahistória (cunhada por Unamuno) constitui uma elaboração do conceito
romântico de Volksgeist, o espírito popular-nacional: estamos, portanto, em pleno
processo do que antes denominamos ‘etnicização do estado’, isto é, de procura de
legitimação do estado nacional em fundamentos étnicos. Tal conceito convida a uma
procura das raízes da identidade nacional, a uma pesquisa nas origens que dote de
predecessores gloriosos e permita destacar a continuidade, sobre as vicissitudes da
história, dos riscos essenciais da nação. Nesse mergulhamento nas origens já se tinha
aventurado um dos precursores da geração 98, Joaquín Costa, que tinha pretendido
descobrir na primitiva sociedade ibera “os primeiros perfis da nacionalidade espanhola”.
Já ele tinha apresentado supostos indícios de que os celtiberos possuíam uma tradição
épico-heróica, que se acharia nos alicerces da epopéia medieval castelhana.
Esta idéia foi recebida pelo primeiro Pidal, para o qual, porém, o mais importante
continuava a ser a posterior contribuição germânica (Menéndez Pidal, 1910). Um dos
factores que se encontra na base da diferenciação dos reinos peninsulares da Hispânia
medieval é, segundo o nosso autor, o contraste entre o fundo étnico híbrido, cântabro-
celtibero e pouco romanizado, de Castela, contra o mais homogéneo, ibero, e
intensamente romanizado, de Leão, Aragão e a Catalunha. A maior vitalidade originária
da primeira ter-lhe-ia permitido resistir à maré romanizadora que tinha alagado as tribos
iberas, e assim conservar mais puras as essenciais étnicas primordiais. Além disso, à
queda do Império Romano, a região berço de Castela teria recebido nutridos
contingentes de agricultores godos que, afastados da latinizada corte visigótica, teriam
conservado com mais vigor as tradições germânicas. Destarte, nessa zona ter-se-ia
forjado um conglomerado de populações escassamente romanizadas e latinizadas,
reforçado por uma injeção de sangue germânico. Na Castela mestiça achar-se-iam
representadas todas as etnias da península, o qual prefigurava a unidade espanhola:
“Así, en Castilla renace el espíritu nacional que une las más antiguas raíces prerromanas y la
nueva savia germana, sin ninguna contaminación de la ‘decadente’ Roma. De ahí […] proviene
la vitalidad castellana para Menéndez Pidal, que la hará restauradora de la unidad española,
como reflejo de las etnias que la componen” (Portolés, 1986: 76).
Destarte, Castela, segundo Pidal, acertou a seleccionar as formas linguísticas destinadas
a impor-se sobre as demais, uma idéia-chave na sua explicação da expansão do
castelhano a custa dos outros romances hipánicos:
“Castilla se constituye en la región más evolutiva, no más inclinada a novedades, sino que con
agudo espíritu de selección se adelanta en adoptar aquellas formas o maneras más convenientes
a todos, más vitales y difundibles dentro de la tradición propia” (Menéndez Pidal, 1945: 34).
Portanto, Pidal assenta sua visão da história da Espanha no pressuposto que os
caracteres nacionais pervivem desde as mais remotas origens. Sendo assim, dificilmente
se podia admitir que a língua, que é latina e não ‘originária’ nem germânica, e que
mudou várias vezes ao longo da história peninsular, fosse um elemento fundamental da
personalidade nacional. Além disso, a própria heterogeneidade linguística da Espanha
coeva mostrava a incompatibilidade da identificação da nação com uma base linguística
determinada. Assim nosso autor chega à conclusão de que
“un idioma no es fundamentalmente, como tantas veces se dijo, la expresión del genio, índole o
alma del pueblo que lo habla, porque sus formas de expresión no son definiciones o
descripciones de la realidad percibida [...] Innumerables son los pueblos que en un momento de
su vida han cambiado de idioma, y este cambio no quiere decir que hayan cambiado de alma ni
que hayan alterado su íntima psicología; lo que si nos revela es que entonces aquel pueblo
cambió totalmente su orientación en la cultura” (Menéndez Pidal, 1962: 14-15).
Fica, pois, a etnia assentada como base física da nacionalidade, ao tempo que a língua é
descartada como manifestação mais genuína do espírito nacional. Pidal concede-lhe este
papel à literatura, à qual imputa um caráter perdurável, devido à “inclinação racial,
melhor dito, étnica” (nas suas palavras). Para ele, a poesia épica constitui a
manifestação mais genuína do espírito nacional castelhano:
“en esta poesía de gran singularidad, muy apegada al terruño, alienta el mismo espíritu
expansivo que en otras peculiaridades castellanas, encarnado en una rica fabulación [...] a la
vez que sostenido por un profundo sentimiento nacional a veces directa y elocuentemente
expresado” (Menéndez Pidal, 1945: 25-26).
3.1.1. Notas sobre a linguística pidaliana
Mesmo que o Manual de gramática histórica española (1905) tem o mérito de ser a
primeira contribuição sólida ao tema feita na Espanha, não deixa de ser uma obra pouco
original quanto ao método, pois segue rigorosamente a pauta neogramática. Para
encontrar uma contribuição verdadeiramente inovadora na linguística histórica da mão
de Pidal teremos de esperar a uma obra de maturidade, Orígenes del Español (1926,
citaremos póla novena edição, de 1980, feita a partir da terceira, de 1950). Nesta
verdadeira obra-prima da filologia espanhola, o autor
“consigue fijar la cronología y la distribución geográfica de los varios rasgos o fenómenos
estudiados. Pero no se detiene en la constatación de estos hechos, y a continuación interpreta
dinámicamente esa paleo-geografía, descubriendo la existencia de regiones más o menos
innovadoras y de centros de expansión para estos o aquellos fenómenos. Convencido de la
íntima unidad entre lengua y cultura, Pidal va entonces explicando los caracteres de cada
dialecto peninsular en relación con la personalidad histórica de la región correspondiente, y con
extraordinaria maestría, consigue poner en evidencia la lucha por la hegemonía linguística y el
auge y la decadencia de los varios dialectos romances” (Catalán Menéndez-Pidal, 1974: 64).
Com efeito, o método paleo-geográfico permitiu ao grande hispanista interpretar os
dados diacrônicos obtidos nos documentos à luz das suas observações dialectológicas, e
a sua ampla bagagem histórico-cultural o capacitou para realizar finas apreciações
socioliongüísticas e estilísticas, superando o cego mecanicismo das ‘leis fonéticas’
concebidas ao modo neogramático, que não atendiam à complexidade geográfica, social
e estilística das mudanças linguísticas observadas. Segundo Pidal, a evolução da língua
produz-se no meio de uma luta entre correntes inovadoras e conservadoras, regida por
tendências e gostos colectivos, não por forças mecânicas, e desenvolve-se ao longo de
muitas gerações. Neste contexto, o autor sublinha uma idéia que aparece amplamente
ilustrada na obra:
“La constitución de la lengua literaria española depende esencialmente de este fenómeno que
tan reiteradas veces hemos observado: la nota diferencial castellana obra como una cuña que,
clavada al Norte, rompe la antigua unidad de ciertos caracteres comunes románicos antes
extendidos por la Península, y penetra hasta Andalucía, escindiendo alguna originaria
uniformidad dialectal, descuajando los primitivos caracteres linguísticos desde el Duero a
Gibraltar” (Menéndez Pidal, 1980: 513)
Interessa muito fixar esta idéia, que o autor desenvolve com impressionante aparelho
em Orígenes del Español, da Castela inovadora e expansionista que se antecipa ao resto
dos povos hispânicos ao acelerar o ritmo evolutivo dum suposto proto-romance
hispânico comum (que para o autor prefigura a futura unidade linguística arredor do
castelhano) para criar o castelhano e ao puxar este para ao sul com a Reconquista,
rompendo desta forma a suposta unidade linguística da Hispania alto-medieval e
encurralando os outros romances hispânicos até convertê-los na sua periferia. Na obra
Castela aparece assim ungida do caráter providencial de terra predestinada a converter-
se em cabeça e elo de união entre os povos peninsulares, e a sua língua
“se adelanta a cumplir una evolución que estaba destinada a triunfar. Iba guiada por un fino
sentido selectivo que atinaba pronto con aquellas formas que más tarde prosperarían también
espontáneamente en los dialectos circunvecinos, o con aquellas más peculiares que mejor
podían ser aceptadas por los demás” (Menéndez Pidal, 1945: 31).
Idéia esta com indubitável ar providencialista (já sugerida na cita reproduzida arriba,
que aparece reiteradamente na obra de Pidal, como constatámos em citação anterior.
Não faz falta sublinhar até que ponto está afastada duma verdadeira concepção
científica: trata-se dum exemplo típico de falsa explicação por retroprojecção: post hoc
ergo propter hoc. Os factores que explicam o triunfo duma variante (ou uma
modalidade) linguística sobre outras são atribuídos a uma superioridade intrínseca da
primeira sobre as segundas (uma noção solidária com a da superioridade étnica de
Castela sobre as outras regiões), em lugar de procurar as explicações na dinâmica de
interacção das distintas forças sociais, políticas e culturais. Obviamente, não é que
Castela se adiantasse a escolher a variante que depois triunfaria espontaneamente nas
outras regiões, mas, pelo contrário, as variantes castelhanas tornaram-se prestigiosas e
difundiram-se por motivos sociais, político e/ou culturais, e foi por razões deste tipo que
se impuseram às demais.
Em todo o caso, Orígenes del español oferece um magnífico exemplo de dois
fenômenos mutuamente solidários: em primeiro lugar, a obra científica que
deliberadamente vem a legitimar o castelhano como língua nacional da Espanha; em
segundo lugar, como essa pretensão ‘contamina’ o discurso científico e precisamente
lhe faz perder valor em quanto tal. Não se pode discutir o excepcional valor do trabalho
de Menéndez Pidal, mas não é menos discutível que os seus pontos mais fracos
procedem das limitações que ao autor impuseram os seus preconceitos nacionalistas.
3.1.2. Menéndez Pidal frente as línguas periféricas
Pidal pronunciou-se publicamente pelo menos em três ocasiões sobre a problemática
das línguas periféricas espanholas: a primeira, no seu artigo “Cataluña bilingue”
(Menéndez Pidal, 1902), a segunda, em uma conferência que pronunciou em Bilbao em
dezembro de 1920, publicada com o título de “Introducción al estudio de la linguística
vasca” (Menéndez Pidal, 1962; orixinalmente publicado em 1921), a terceira nos artigos
“Personalidad de las Regiones” e “Mas sobre la nación española” (Menéndez Pidal,
1931a, 1931b) dados à imprensa uns dias antes que nas Cortes Constituintes da IIª
República se discutisse a questão da oficialidade do castelhano e as outras línguas.
Apesar do lapso de tempo que separa a aparição destes trabalhos, como veremos o autor
manifesta-se notavelmente coerente nas suas posições, o qual é perceptível ao comparar
a primeira e a última intervenção, centradas na “questão catalã”, que são as que vamos
considerar nas páginas que seguem (para a segunda, veja-se Monteagudo, 2000a: 897-
901). O galego esteve praticamente ausente das preocupações de Pidal, pois o ilustre
filólogo sempre preferiu referir-se nos seus estudos científicos referir-se ao “romance
hispânico ocidental” ou ao “português”, evitando a denominação “galego” ou “galego-
português”.
É interessante determo-nos nestes textos do mestre da filologia espanhola, porque
resultam paradigmáticos duma determinada visão da problemática sociolinguística
espanhola, uma visão projectada desde uma posição cientificamente ilustrada, mas
ideologicamente distorcida pelo nacionalismo espanhol / castelhanista. Aliás, todos
estes textos se oferecem como exemplo do tipo de intervenção pública dum cientista no
âmbito da sua especialidade, mas com motivações políticas. Em este sentido, os artigos
do ano 1931 foram mais importantes, pois os seus ecos se deixaram ouvir nos debates
parlamentares e orientaram determinadas opções no articulado da Constituição
republicana, como no seu lugar comprovaremos.
O longo artigo “Cataluña bilingue” veio a lume no contexto da polêmica sobre o uso do
idioma catalão no ensino do catecismo, à qual antes nos referimos (cfr. supra § 2.4.2). O
filólogo aproveita a ocasião para sentar doutrina em dois aspectos que considera
solidários: o primeiro, a história da introdução do castelhano na Catalunha; o segundo, o
status que se deve conceder ao castelhano e ao catalão na Catalunha. Por outras
palavras, o autor pretende legitimar historicamente a posição preponderante no âmbito
oficial/estatal do primeiro idioma sobre o segundo. O filólogo explica a expansão do
castelhano no domínio catalão com base em factores literário-culturais e não sócio-
políticos. Segundo ele, a influência do castelhano na Catalunha é anterior à unificação
dos reinos do Aragão e Castela, e começou pela literatura, porque
“los poetas de Levante, cansados de la disciplina erudita de una escuela amanerada, se
acogieron gozosos á escribir en castellano, atraídos á un centro superior de cultura y de vida
nacional fresca y exuberante” (Menéndez Pidal, 1902).
Os eruditos catalães teriam seguido depois o exemplo dos literatos, com a importante
diferença que estes escreviam em castelhano porque aspiravam a alcançar audiência
fora da Catalunha, enquanto aqueles se dirigiam aos seus próprios vezinhos. O seguinte
degrau no processo de castelhanização da Catalunha ter-se-ia atingido com a
popularização dos modelos literários castelhanos e a correspondente língua:
“Y no sólo tocaba la castellanización á la clase elevada, á los literatos y eruditos, sino que el
pueblo, que jamás había comprendido la fría escuela lemosina, al sentir ahora el inflamado
aliento de una literatura nacional, despertó de su largo sueño y concibió una literatura popular
rica y variada, como hasta entonces no había tenido” (Ibidem).
Característica do pensamento pidaliano é a importância que se outorga à literatura, e
muito especialmente à literatura popular, que viria a ser a herdeira da épica medieval
como manifestação mais genuína do espírito nacional. Segundo ele, o fruto mais
importante e significativo da “comunicação artística” entre Castela e a Catalunha é o
“abundante romanceiro catalão”, do qual o autor destaca o caráter bilingue. Para Pidal,
tal romanceiro,
“encierra el voto unánime y entusiasta salido del corazón y de la masa del Principado en
reconocimiento fraternal de la grandeza del idioma y del ideal artístico de la nación entera: es
un plebiscito contra el programa de Manresa” (Ibidem).
Resulta muito significativa neste contexto a alusão (a todas luzes extemporânea) ao
programa catalanista de Manresa, que vinha inspirando o catalanismo político desde a
sua formulação em 1892, como antes assinalamos (cfr. supra § 2.4.2): o romanceiro
popular forjado e difundido durante os séculos XVI e XVII aparece argumentado nada
menos que como plebiscito contra o catalanismo político do século XX. Em definitiva,
segundo o ilustre hispanista, a castelhanização linguística da Catalunha não se explica
em razão de determinados desenvolvimentos sócio-políticos, mas por causa da
superioridade cultural do idioma castelhano. Um corolário importantíssimo desta tese é
que a castelhanização não é produto de uma imposição forçada, mas do consentimento
dos catalães, portanto não se fundamenta na dominação política, mas na hegemonia
cultural:
“Este curioso fenómeno [...] sucedió por acatamiento necesario a toda superioridad que
descuella y que atrae la imitación por fuerza del encanto irresistible de un sentimiento artístico
más elevado, y no ciertamente por presión centralista” (Ibidem).
Como se vê, estamos muito próximos às noções de dominação (“acatamento
necessário”) exercida pela hegemonia, isto é, pelo prestígio (“encantamento
irresistível”). De facto, esta noção reaparecerá nos textos de 1931 que consideraremos
mais adiante. Mas, também é certo que, ao baixar-se mais à questão concreta que estava
a dilucidar-se, Pidal abandona a retórica culturalista e lembra a transcendência de factos
como a imposição do castelhano como língua oficial dos Tribunais de Justiça na
Catalunha (primeiros do século XVIII) e como língua da escola (primeiros do século
XIX), mesmo que somente seja para lamentar que fossem decisões tardias e para animar
o Estado a seguir por esse caminho. Isto implicaria para Pidal que o castelhano fosse a
língua da escola, e que o catalão fosse ensinado unicamente na Universidade:
“El Estado, lejos de buscar la muerte del catalán, debe promover su estudio, aunque no el
estudio empírico y elemental de la escuela, que es innecesario y no se puede sumar con el
preciso de la lengua nacional, sino el estudio más profundo y científico en la Universidad”
(Ibidem).
É óbvio que aqui Pidal se situa claramente numa posição assimilista e monolinguista,
pois no contexto desenhado por Pidal, com o catalão expulso do sistema educacional, o
ensino da língua e a literatura catalãs na Universidade é concebido não em termos de
institucionalização dum saberes ‘catalães’ e de legitimação social dos objectos de
estudo visados, mas como um passo para a definitiva “musealização” destes.
Antes de acabar a análise do artigo de Pidal, vamos tocar outra das questões
(sócio)linguísticas que se apontam: a referência a outras variedades linguísticas da
península diferentes do castelhano. Com efeito, o autor aponta que também os
asturianos, os bercianos e os alto-aragoneses possuíam “línguas diferentes do espanhol”.
Como se vê, chama a atenção para modalidades idiomáticas carentes de tradição
literária e do suporte dum movimento reivindicativo. Neste sentido, é muito
significativa a omissão do galego (passaremos por alto a distorção que supõe considerar
as falas do Berço como uma “língua diferente” ignorando a sua indiscutível filiação
galego-portuguesa). A evocação destas comunidades linguísticas orientava-se por uma
parte a legitimar a hegemonia política do castelhano (que, agora sim, o filólogo
reconhece) e por outra a esgrimir as problemáticas questões dos critérios de divisão dos
continua dialectais e de agrupamento de variedades linguísticas como argumentos para
deslegitimar os esforços por constituir uma variedade padrão do catalão:
“Si les parece violenta la supremacia política, y siempre un tanto artificial, de un idioma sobre
sus afines, no saben que ni todos los catalanes hablan lo mismo, ni todos los asturianos
tampoco, y que entonces la subdivisión tendría derecho a ser infinitesimal?” (Ibidem).
Em resumo, neste importante artigo Pidal manifesta-se como um ideolinguista
firmemente ancorado no nacionalismo espanhol-castelhanista. O autor apresenta o papel
do idioma no processo de criação duma consciência nacional como subsidiário verbo da
literatura. É muito notável a concepção da literatura popular (romanceiro) como
materialização da vontade nacional, como “plebiscito” nacionalitário. Finalmente, a
insistência de Pidal nos factores de consenso social e superioridade cultural que tinham
facilitado a expansão do castelhano fora de seu domínio originário, ao tempo que ignora
ou infravalora a importância da coerção política, visa claramente a legitimação
ideológica daquele processo.
3.1.3. Menéndez Pidal ante o debate constitucional da IIª República
As outras intervenções públicas de Pidal que nos interessam se produziram por ocasião
da discussão do projecto de Constituição da IIª República (Menéndez Pidal, 1931a,
1931b). Em dois artigos de imprensa, o filólogo manifesta-se ante uma série de emendas
a esse projeto procedentes da bancada catalanista que tocam temas tão sensíveis como o
emprego no texto constitucional da expressão “nação espanhola”, a organização
territorial da administração educativa, ou a repartição de áreas de competência entre o
poder central e as regiões autônomas. Com estes temas vão envolvidos outros, como a
consideração do castelhano como idioma nacional da Espanha e a questão da língua ou
as línguas no ensino. Como a seguir veremos, novamente as posições políticas de Pidal
se apóiam em argumentações pretensamente científicas.
O autor defende que a Espanha é uma nação fundamentalmente pela sua história, até o
ponto de que faz remontar a consciência nacional espanhola a Isidoro de Sevilha e
considera que o momento chave da forja do conceito de nação espanhola foi o século
XIII. Aliás, frente à vontade disgregadora imputada aos nacionalismos periféricos
esgrime o lugar comum da tendência da humanidade para a unidade, por ser esta mais
conforme com as necessidades do progresso. No entanto, a existência e perduração da
nação espanhola explicam-se segundo o autor pela acção política e cultural “da Espanha
nuclear” (isto é, Castela). No tocante à política, esta Espanha nuclear “teve uma visão
mais clara para os grandes feitos colectivos, graças ao qual foi hegemônica por justiça
histórica e não por arbitrário azar” (Menéndez Pidal, 1931a). No tocante à cultura, a
superioridade da Espanha nuclear, se demonstra com só observar que apresenta “as
maiores elevações na curva cultural da Espanha, sem que nessa curva haja havido
depressões prolongadas, essas férias seculares que se tomaram todas as culturas
periféricas irmãs” (Ibidem).
São essas qualidades as que a dotam Castela dum “poder maior de atração
assimiladora”, do mesmo jeito que a decadência linguístico-cultural das periferias
parece que se deva explicar pela vontade própria destas de “pegar férias”. O eminente
filólogo descarta reiteradamente e com ênfase que a expansão do idioma castelhano
tenha nada a ver com a hegemonia política de Castela: “Que no se escamotee más el
carácter apolítico de la penetración del idioma central en las regiones”. Pondo de novo
como exemplo a Catalunha, Pidal afirma que a penetração literária do castelhano é um
facto puramente cultural, retomando argumentos aduzidos em “Cataluña bilingue”:
“El poetizar los catalanes en español, sin niguna presión gubernativa, en actos no oficiales, y
sólo atraídos por el prestigio del idioma, es un hecho de carácter cultural, ocurra antes o
después de una influencia política o de la unión con Castilla. Por lo cual, repito: no se trata de
tergiversar más el carácter apolítico de tal fenómeno” (Menéndez Pidal, 1931b).
Além disso, o autor desenvolve um argumento linguístico assombroso, ao postular uma
tendência natural e inveterada dos romances hispânicos, espontaneamente orientada
para a unificação com o romance central. Pidal aduz como prova da sua tese o facto de
que em lugar de fronteiras linguísticas netas, no norte da península há zonas de
transição percorridas por isoglosas de distribuição mutuamente independente:
“Las afirmaciones españolas, el sentimiento de la España una, han de venir a hacer que no
pueda escamotearse el multisecular fenómeno de la compenetración de todas las culturas
peninsulares, de la fusión de esas lenguas periféricas desde sus primeros balbuceos con la
lengua central: los rasgos linguísticos del catalán y los del aragonéscastellano [sic] se
interpenetran, entrelazan y escalonan sobre el suelo de Lérida y Huesca exactamente igual que
los del gallego con el leonés en las provincias de Lugo y León; y así no se puede marcar el
límite del catalán con el español en una línea tajante como la que separa dos lenguas
heterogéneas, el galés o el irlandés con el inglés, por ejemplo, sino en una ancha zona de
bordes imprecisos, como la que separa el asturiano del leonés” (Menéndez Pidal, 1931a).
Julgamos que a longitude da citação está justificada pelo seu carácter altamente
significativo, que vem dado pela a acumulação de afirmações factuais errôneas ou
discutíveis combinada com uma interpretação dos factos distorcida pela ideologia.
Deixaremos a um lado pormenores discutíveis, como essa tendenciosa apelação de
aragonéscastellano (a identidade linguística do aragonês frente ao castelhano era na
Idade Meia pelo menos tão marcada como a do leonês), ou a imprecisão da referência às
isoglosas que separam o galego do asturiano e o leonês: sem dúvida, seria muito mais
exacto falar dum escalonamento de isoglosas no território do occidente de Astúrias e de
Leão (onde existem falas inequivocamente galegas, ao lado de outras de transição) que
dum entrelaçamento delas nas províncias de Lugo e Leão, como faz o autor.
Também é interessante a comparação que se estabelece entre a fronteira que separa o
asturiano do leonês e as que separam respectivamente o catalão do aragonês e o galego
do leonês. Isto lembra-nos um argumento antecipado em “Cataluña bilingue”, que
aponta em uma direção inequívoca: trata-se de relativizar a entidade linguística do
galego e do catalão, idiomas cultivados, “rebaixando” a sua categoria ao de idiomas não
cultivados. Aqui o autor joga com os preconceitos sociais frente aos bables (patois).
Porque, com efeito, se prescindimos da elaboração sociocultural e atendemos
simplesmente ao material linguístico “bruto”, o catalão e o galego são entidades
linguísticas equiparáveis ao leonês e ao aragonês; mas também o é o castelhano. Não é
casualidade que ao ilustre filólogo lhe esqueça mencionar isto último.
É um feito indiscutível que as falas românicas do norte da península ibérica (atendendo
sòmente aos dialectos vernáculos) formam um continuum sem rupturas bruscas. Mas
este não é um fenômeno específico da Península: pelo contrário, é o conjunto das falas
românicas o que forma tal continuum. Por conseguinte, duma parte parece óbvio que
não se pode alegar a existência de falares de transição como um testemunho
incontornável da especial compenetração entre as comunidades linguísticas vizinhas;
mas de outra parte resulta disparatado explicá-la como uma conseqüência ou
manifestação duma tendência unificadora (mais bem ao invés, bem pode interpretar-se
como testemunho duma deriva orientada à fragmentação), e carece de sentido explicá-la
como manifestação indiscutível duma oculta força nacionalizadora. Debaixo destas
elucubrações sobre as falas fronteiriças enxerga-se algo mais: dá a impressão que estas
se nos apresentam como falas “mistas” para contaminar de ‘hibrididade’ os idiomas
‘nucleares’ respectivos, e depois alegar este carácter híbrido ao objecto de negar a
“linguicidade” destes (no caso vertente, o galego e o catalão).
Seja como for, Pidal insiste nas razões históricas que legitimam a assimilação
linguística das periferias alóglotas: galegos, bascos e catalães estão obrigados com
respeito ao castelhano por levá-lo “na entranha por convivência eterna”. E a melhor
garantia do arraigamento do castelhano nas regiões encontra-se, sem dúvida, no sistema
educacional:
“El robustecer la conciencia hispana mediante la enseñanza es un deber del Estado
absolutamente indeclinable entre nosotros, dada esa cortedad de visión para la anchura del
horizonte nacional propia de las regiones. Misión intransferible; que non va en ello menos que
la consolidación o el desmoronamiento de la nación española que se tambalea para
convertirse en simple Estado” (Menéndez Pidal, 1931a).
As regiões periféricas carecem de visão nacional, que parece privilégio da Espanha
central. A legitimação do Estado repousa no seu carácter (uni)nacional, e a substância
da nação é a etnicidade castelhana: eis como se fecha o círculo da ‘etnicização do
estado’.
Enfim, o interesse que estas intervenções têm para nós radica em primeiro lugar em que
testemunham que as problemáticas linguística e nacional eram discutidas naquele
momento em estreita relação e com toda crueza pela opinião pública espanhola, e em
segundo lugar põem de relevo o papel que jogou na formação dessa opinião pública a
autoridade científica de Ramón Menéndez Pidal. Definitivamente, essas intervenções
demonstram que foram os preconceitos ideológicos e não uma presumida objetividade
científica os que guiaram a intervenção do ilustre filólogo. Ao mesmo tempo, os mesos
preconceitos ideológicos informaram o seu trabalho científico. Mais adiante teremos
ocasião de nos determos no papel jogado na questão que se dilucidava naquele
momento por Miguel de Unamuno, quem interveio diretamente no debate constitucional
apoiando-se para tanto nas manifestações públicas de M. Pidal, o que nos permitirá
refletir de novo sobre a questão.
Por tanto, Ramón Menéndez Pidal pôs todo o peso de sua auctoritas científica a favor
da construção ideológica do castelhano como língua nacional da Espanha, e como tal,
da sua imposição às comunidades espanholas falantes de outras línguas.
3.2. Aspectos do ideário linguístico de Miguel de Unamuno
O ideário linguístico de Miguel de Unamuno apresenta um interesse extraordinário
basicamente por duas razões: (1) porque foi amplamente explicitado e desenvolvido em
uma obra literária e publicística extensa; (2) porque o autor gozou de um halo de
autoridade científica e intelectual, graças ao qual suas posições tiveram um impacto
muito poderoso na opinião pública do seu tempo, e, como veremos, chegaram em
condicionar decisões trascendentais da política linguística do Estado (Fox 1997: 112-
23). Entre os seus cargos públicos importantes, destacam os seus períodos de Reitor da
Universidade de Salamanca, deputado nas Cortes constituintes da IIª República (1931-
33) e primeiro Presidente do “Conselho de Instrução Pública” na época republicana, o
mais importante organismo de assessoria técnico e cientista do Ministério de Instrução
Pública. Interessa sublinhar isto, já que só tendo em conta estes dados se calibrará a
importância que tiveram as intervenções públicas de Unamuno sobre línguas,
oficialidade e ensino nos quais mais adiante nos deteremos. Como mostraremos em
seguida, independentemente que o autor simpatizasse ao longo de sua vida com esta ou
aquela outra ideologia política (começando pelo socialismo e terminando no
falangismo), o ideosistema linguístico unamuniano oferece basicamente um exemplo
paradigmático de discurso linguístico nacional-liberal burguês.
3.2.1. Fundamentos da ideologia linguística unamuniana
Obviamente, este não é o lugar para empreender um estudo detalhado do ideário
linguístico unamuniano. Por outra parte, esta tarefa já foi tentada em um trabalho em
que, mesmo que realizado com pressupostos em nossa opinião discutíveis, a obra de
Unamuno foi analisada em detalhe. Vamos concentrar-nos nos aspectos mais relevantes.
A ideologia linguística de Unamuno está fortemente tingida de biologismo e vitalismo,
isto é, de concepções que latem cada vez com mais força no paradigma dominante na
linguística da época. Assim, como assinala Huarte Morton (1954: 90),
“sin llegar a entregarse del todo a la concepción de las entidades espirituales como organismos
vivos portadores de su propia ley de evolución y como independientes del hombre [...] Unamuno
consintió no poco en la comparación, y cuando preparaba materiales para un trabajo de
linguística española que hubiera sido su obra extensa definitiva en este campo, lo concibió como
una Vida del romance castellano: Ensayo de biología linguística”.
Entre 1900 e 1903, pelo menos, esteve pensando na redação de tal obra, pois ainda no
último ano conta em uma carta a Menéndez Pidal que estava projectando
“una historia de la lengua castellana, pero con ciertas tendencias: como mostración del proceso
general del idioma, algo así como la obra de Huxley sobre el cangrejo [...] que es una
introducción a la zoología general” (apud Portolés, 1986: 51).
Ao modo de um Schleicher ou um M. Müller, Unamuno chega em considerar que a
Linguística deve constituir-se como um capítulo da biologia geral, já que a língua é um
organismo vivo: “Una lengua vive y se nutre y crece y decae, y acaba por morir como
cualquier otro organismo, y como cualquier otro organismo vive en un medio ambiente
y del medio ambiente” (Unamuno, 1916: 230). O biologismo no nosso autor implica
não só um organicismo radical mas um darwinismo estrito. Isto significa que a vida das
línguas se interpretará em clave de ‘evolução’, isto é, de progresso, que terá como motor
a seleção natural, ou seja, a luta pela sobrevivência na qual sai sempre vencedor o
organismo mais apto. Se, como nos dois autores devanditos, o darwinismo empapa em
geral o discurso linguístico de Unamuno, onde se amostra com um pulo incoercível é
nos textos em que o autor toca uma de suas grandes obsessões intelectuais: as línguas
periféricas da península, e especialmente o basco. Agora, como botão de amostra do
fundo ideolinguístico em que se movimenta Unamuno, vamos deter-nos brevemente em
um ensaio sobre o euskera.
3.2.2. Ideologia e política da língua. Unamuno frente ao basco
Unamuno parte do facto constatado do recuo do basco e o avanço do castelhano,
sobretudo no meio urbano e vilego. O seu ensaio tem um carácter polêmico, pois se
dirige explicitamente a combater a opinião que “essa perda se deve a causas extrínsecas,
à pressão oficial, ao abandono dos que o falam, ao desenvolvimento do comércio”. Pelo
contrário, ele está convencido que “a principal causa é de origem intrínseca e se basea
na inaptidão do basco para converter-se em língua de cultura” (Unamuno, 1916: 194).
Frente aos esforços unificadores e modernizadores dos defensores do euskera, Unamuno
sentencia: “O basco morre sem que haja força humana que possa impedira sua extensão;
morre por lei de vida” (Idem: 193).
O polêmico polígrafo começa por reconhecer aparentemente que não existem critérios
objetivos para medir a maior ou menor perfeição de um idioma, para a seguir propor-se
discutir esta evidência. Com esta finalidade, desenha duas linhas de argumentação: uma
de tipo cultural e psicológica, e outra de tipo propriamente linguística. Nas duas late um
pressuposto muito corrente no pensamento europeu da época, intimamente relacionado
com as noções de ‘evolução’ e de ‘progresso’: as línguas e culturas européias estavam
situadas nos degraus superiores na escala de aperfeiçoamento progressivo percorrida
pela humanidade desde os tempos primitivos. O progresso aparece como uma
orientação inevitável: assim como as civilizações superiores foram deslocando as
inferiores, do mesmo modo as línguas mais aperfeiçoadas deslocavam ‘naturalmente’ as
menos aperfeiçoadas.
A primeira linha de argumentação, a menos desenvolvida, oferece um exemplo perfeito
de mentalidade colonialista imperante em à Europa do tempo. Seguindo a Humboldt,
Unamuno começa argumentando que a linguagem e o pensamento estão
indissoluvelmente unidos, que se fazem mutuamente, e que no fundo sou a mesma
coisa. Daí muitos concluem que cada língua resulta ser a mais adequada para o povo
que a fala, de maneira que as línguas no fundo seriam incomparáveis entre si, e não
existiriam critérios objetivos para medir o seu grau de perfeição (relativismo
linguístico). Unamuno revira o argumento com um silogismo, replicando que “dizer que
para cada povo o melhor idioma é aquele em que moldea o seu pensamento, equivale a
dizer que para cada povo o melhor pensamento é o seu próprio” (Unamuno, 1916: 202).
Para seguir com a linha de razoamento, em lugar de expor argumentos, Unamuno
propõe um exemplo que, ao oferecer-se como simples evidência, pressupõe o acordo
implícito dos leitores sobre o sistema de crenças que legitimou a expansão colonial:
“¿Hemos de dicir que el pensamiento del pueblo bosquimano sea superior al del pueblo
inglés y que no progresa en pensamiento, respecto de su padre, un bosquimano, si se le
enseña a pensar em inglés desde niño?” (Ibidem). E desta forma, o autor nos ilustra
sobre o fundo basicamente comum que subjaz à mentalidade centralista e colonialista. A
conclusão desta linha de razoamento percorre o caminho inverso. Unamuno considera
“muy racional suponer que el lenguage de un pueblo que sea superior en pensamiento y
cultura a otro, sea, por lo mismo, superior al lenguage de este pueblo” (Unamuno, 1916:
203).
Se para construir a primeira linha argumental, Unamuno forçou uma tese de von
Humboldt, na segunda segue um atalho que lhe marcava directamente, agora sim, toda
uma corrente de pensamento da linguística européia do século XIX. É o argumento que
ele denomina “da evolução”. De novo começamos pela reafirmação do dogma do
progresso: “Siguen los idiomas un proceso desde sua matrices, y, a menos de negar el
progreso, no puede negarse que serán más perfectos los que más lejos hayan llegado en
tal proceso” (Ibidem). Nesta linha, o autor considera cientificamente estabelecido que as
línguas poli-sintéticas e aglutinantes são, em geral, as das tribos mais atrasadas, e
resultam gramaticalmente mais complexas que as línguas analíticas da maioria dos
povos europeus (Unamuno, 1916: 217). Ainda mais, aquelas precederam a estas na
escala evolutiva da humanidade. Aqui o basco encontra-se com um inconveniente
insuperável, pois, como qualquer entendido na matéria sabe, esta língua tem “muita
gramática” (¡!) (Unamuno, 1916: 216), e isto é uma prova clara do seu primitivismo e
um impedimento insuperável para o seu uso flexível:
“hace al vascuence más embarazoso y de peor manejo, lo que le aproxima y asemeja a los
idiomas de los pueblos más atrasados, alejándole y desemejándole de las modernas lenguas de
cultura, de las lenguas europeas analíticas” (Ibidem).
Porém, a linguística arcaica, com a sua interpretação hierárquica e evolucionista
dos diferentes tipos morfossintácticos de línguas, ofereceu uma legitimação científica
aos ditos preconceitos. Aliás, Unamuno interpreta uma postulada tendência do euskera
cara à simplificação gramatical como conseqüência da tendência evolutiva geral, e
insinua (sem comprometer-se totalmente com a explicação), que poderia intepretar-se
como o esforço de um organismo por adaptar-se às condições de seu meio:
“El vascuence que se acostaba a lo que se ha llamado mucho tiempo idiomas aglutinantes, se ha
ido acercando cada vez más a los flexivos, simplificando sus formas a medida que se complicaba
la vida de los que lo hablaban; natural proceso en que algún filósofo vería algo así como una
astucia del idioma mismo para irse defendiendo” (Unamuno, 1916: 198).
Mas o ritmo que impõe o progresso fez com que esses lentos esforços
adaptativos do euskera cheguassem muito tarde, pois as pessoas preferirão empregar o
castelhano, que já está modernizado, antes de acompanhar o basco no penoso trabalho
de actualização. Neste ponto, o autor deixa que espreite a influência poderosa que
começavam a exercer as ciências sociais, particularmente a economia, na
‘intelectosfera’ que respiravam os linguistas de fins do século XIX e primeiros do XX.
Porque, por outra parte, Unamuno rejeita energicamente as tentativas de agilizar esse
caminho por via da intervenção consciente. As propostas de normalização do euskera
atentam, segundo o autor, contra a essência orgânica natural das línguas, além de
resultar contraproduzentes desde o ponto de vista da ‘economia’ linguística:
“La lengua es un organismo que se nutre y se desarrolla según leyes propias, conforme a su
fisiología, y la ley capital a que obedecen los que la hablan es una ley de economía, la del
menor esfuerzo” (Unamuno, 1916: 226).
Os esforços de proceder ao imprescindível enriquecimento do vocabulário do
euskera com empréstimos latinos, visando a sua modernização, estão destinados ao
fracasso, entre outras razões por uma inerente à essência orgânica dos idiomas: o
cruzamento entre línguas de espécies diferentes terá resultados necessariamente baldios.
Como ele mesmo diz: “La mezcla de los organismos es fecunda y hasta provechosa
cuando los organismos tienen un cierto grado de parentesco: cuando de este grado se
alejan, el hibridismo es estéril” (Unamuno, 1916: 232).
Por outra parte, o argumento justificaria o vigor do castelhano, como produto de
um hibridismo entre ‘organismos próximos’, argumento que como antes vimos foi
reiteradamente utilizado por Menéndez Pidal. Por sua vez, Unamuno rejeita plenamente
a generalização do bilinguismo como uma possível opção. Neste caso, o argumento que
usa (que remete ao título do presente contributo), é que se todos os indivíduos de uma
sociedade conhecem dois idiomas, um deles com alcance muito maior que o outro (ele
diz, com expressão característica, “mais útil”), o resultado a longo prazo será o
abandono do segundo. Assim: “pensar que tenga el pueblo dos lenguas usuales,
domésticas y para diario, es pensar una niñería” (Unamuno, 1916: 237).
O autor, depois de oferecer argumentos a favor do abandono do basco, faz uma
chamada para que os bascos tenham o “valor moral” de actuar em conseqüência e
enterrem seu idioma: “el valor moral consiste en saber plegarse a la ley de la vida, y en
saber sacrificar a la razón y a las exigencias vitales los más caros sentimientos”
(Unamuno, 1916: 233). Como se vê, Unamuno é um grande propagandista da invenção
que enunciamos no título deste trabalho: o monolinguismo na língua nacional. Com ser
sumamente ilustrativa, a posição de Unamuno a respeito do euskera não esgota a
contribuição do autor à ideologia linguística do nacionalismo burguês em pleno
processo de consolidação na Espanha. Esta manifesta-se também na sua defesa
intransigente do castelhano como idioma integrador da comunidade nacional espanhola,
como veremos mais adiante, não só no aspecto administrativo. Como muito bem
sublinha Huarte Morton (1954: 106),
“Entendida la lengua como un factor decisivo en la formación de la conciencia colectiva de los
pueblos, la unidad de la lengua era para Unamuno un determinante suficiente de unidad de
espíritu”.
4. A Constituição republicana ante a diversidade linguística da Espanha
Ao nosso entender, as discussões que se movimentaram ao redor da questão da
oficialidade das línguas na IIª República espanhola representam um dos momentos
culminantes de história contemporânea da Espanha no tocante ao esclarecimento de
posições quanto à orientação da política linguística do Estado. Dado que para as Cortes
Constituintes da II República tinha sido eleita uma nutrida representação da
intelectualidade espanhola do tempo, os debates atingiram notável altura e deram azo
para que se ouvissem o leque de sectores mais relevantes que conformavam o espectro
político e de opinião da Espanha da época, o que os faz especialmente interessantes e
representativos (veja-se Monteagudo 2000b).
A Comissão parlamentar que leu em primeira instância o anteprojecto de Constituição
da IIª República (1931) introduziu o seguinte preceito: “Art. 4º.- O castelhano é o
idioma oficial da República, sem prejuízo dos direitos que as leis do Estado reconhecem
às diferentes províncias ou regiões”. A este artigo apresentaram-se uma série de
emendas, duas das quais foram sujeitas a debate parlamentar: uma delas foi defendida
pelo deputado galeguista Alfonso Rodríguez Castelao, e a outra por Miguel de
Unamuno. Outro deputado galeguista, Ramon Otero Pedrayo, interveio para replicar a
emenda deste último. O insólito protagonismo dos galeguistas neste debate permitirá
realizar um achegamento às posições da minoria lingüística que defendiam, que foi
menos atendida até agora do que os catalães e os bascos. Começaremos pela emenda e o
discurso de Alfonso Rodriguez Castelao (Rodriguez Castelao 1996; sobre ele veja-se
Durán 1974 e García 1978).
4.1. A posição pluralista do galeguismo: Castelao
Na Cortes Constituintes da Segunda República existia uma notável representação de
partidos catalães, bascos e galegos, que propugnavam uma república federal ou, se esta
não fosse possível, o reconhecimento, no quadro do novo regime, da autonomia política
das respectivas regiões e da cooficialidade das respectivas línguas. Finalmente, a
solução federal foi recusada, e optou-se pelo reconhecimento do direito à autonomia das
regiões que o solicitassem. O principal partido republicano da Galiza era a Organização
Galega Autônoma (ORGA), que ganhou amplamente os comícios parlamentares, e que
tinha incluído das suas listas eleitorais vários nacionalistas galegos, entre eles os
intelectuais e escritores Alfonso Rodríguez Castelao e Ramon Otero Pedrayo, dois
vultos dos mais representativos da cultura galega do século XX. Interessa-nos salientar
estes nomes, pois ambos participaram no debate constitucional sobre a oficialidade das
línguas periféricas. A seguir, vamos ocupar-nos das suas intervenções, que tomaremos
como representativas das posições dos nacionalistas periféricos perante esta questão.
Com efeito, um grupo de deputados galeguistas apresentou uma emenda ao artigo 4º da
Constituição, para o que propunham a seguinte redacção:
“O castelhano é a língua oficial do estado. Nem legislativa nem administrativamente se
restringirá o uso das línguas das diferentes regiões” (apud Monteagudo, 2000b: 35)
Quanto ao sentido da emenda, provavelmente há que entender que os galeguistas, que
defendiam um modelo federal para a Espanha, pretendiam que na sua Constituição se
recolhessem uns princípios muito gerais de direito linguístico, princípios que se
definiriam com maior precisão na constituição de cada um dos estados federados. Por
outras palavras, o que se buscava era imprimir uma orientação pluralista à política
linguística do estado, para deixar a iniciativa aos poderes autônomos. Em palavras de
Castelao: “Ao apresentarmos esta emenda, os galegos não quisemos mais do que uma
coisa: que ficasse na Constituição o respeito para o nosso idioma” (Rodriguez Castelao,
1996: 107). Ao intervir em defesa da sua emenda, Castelao pronunciou um eloqüente
discurso. Nele achamos concentrados muitos dos lugares comuns que formavam o cerne
do argumentário linguístico do galeguismo. Revisaremos os mais importantes.
Em primeiro lugar, Castelao invoca a tradição, uma tradição que se encontra muito
perto do conceito da Generación del 98 de ‘intra-história’ (Fox, 1997: 112-23). Em
segundo lugar, Castelao sinala a sua preferência por contribuir a criar uma civilização
‘por fazer’ em lugar de assumir uma ‘já feita’, empregando neste caso a imagem da
‘cidade’: “prefiro ajudar à criação duma cidade nova do que a duma já feita,
definitivamente terminada, que, se calhar, resulta centro duma civilização já morta”
(Rodriguez Castelao, 1996: 105). A seguir, o orador lembra que a decadência do galego
vinha causada por uma história de opressão centralista e marginação institucional, que
faz arrancar dos finais do século XV:
“Desde que os chamados Reis Católicos verificaram o feito que [o cronista] Zurita chamou de
doma e castração do reino da Galiza, a língua galega ficou proibida na Administração, nos
Tribunais, no ensino, e a Igreja mesma evitou que nós, os galegos, pregássemos na nossa
própria língua” (Idem: 106).
Neste caso, o contra-argumento anti-galeguista que se combate não aparece explicitado,
mas apareceu na mesma sessão parlamentar, no discurso de Miguel de Unamuno.
Consiste em suster que o esmorecimento do galego e a introdução do castelhano como
língua oficial e de alta cultura na Galiza não foi conseqüência duma política
uniformizadora imposta pelo Estado. Em quinto lugar, Castelao manuseia argumentos
pedagógicos e psicológicos para defender o emprego escolar do galego:
“Esta política de assimilação e hostilidade só conseguiu em tanto tempo este pobre triunfo: que
as crianças das escolas galegas acreditem que falar castelhano é falar bem, e falar galego é falar
mal” (Ibidem).
Aliás, Castelao reivindica a condição do galego como idioma popular, com o que
seguramente pretendia ganhar a simpatia das forças progressistas majoritárias na
câmara:
“O nosso idioma galego deve merecer toda a vossa simpatia, porque é a Língua do trabalhador,
do obreiro, do artesão, do camponês, do marinheiro [ ... ] O galego é falado pela imensa
maioria dos habitantes da Galiza e é compreendido por todos” (Ibidem).
Ao mesmo tempo, oferece uma apresentação antipática dos sectores castellhano-falantes
contrários à dignificação do galego: segundo ele, este é um idioma “só desprezada por
esses senhoritos bregas e ociosos das capitais de província”. Também salienta o orador
a importância do galego para o achegamento entre os povos espanhóis e Portugal: “com
a dignificação da nossa língua conseguimos quiçá, ou nos achegamos a realizar, o
grande feito histórico: a compenetração ibérica que todos anelamos”, porque este
idioma “é o último laço que une a Espanha a Portugal”. Finalmente, sinala a relevância
da língua como elemento fundamental da identidade galega, e da sua recuperação como
eixo da regeneração do país galego:
“Se os galegos ainda somos galegos, é por obra e graça da linguagem, porque um cultivo
estético e científico da nossa língua vem a ser a conquista de todo quanto tivemos e, porque,
perdendo-se a nossa linguagem, já não nos ficará nenhuma esperança de reviver” (Rodriguez
Castelao, 1996: 107).
Três contra-argumentos frequentemente utilizados contra os galeguistas nos debates
linguísticos são aduzidos de forma indirecta e rebatidos por Castelao: o de que o
castelhano é em realidade o espanhol, e conseguintemente a reivindicação das línguas
periféricas ocultava ânsias secessionistas; o de que as línguas são meros instrumentos de
comunicação (Castelao fala de ‘meios de expressão’), e por tanto a escolha duma língua
é questão puramente prática e utilitária; o de que o conhecimento do castelhano era
imprescindível para os emigrantes. Quanto ao primeiro, Castelao deixa assentado que
para ele o galego é “tão espanhol como o castelhano, e com isto já fica dito que não
somos separatistas” (Ibidem). Quanto ao segundo, Castelao reivindica as dimensões não
utilitárias (estéticas, identificadoras) das línguas: “o idioma, mais que um meio de
expressão, é uma fonte de arte, é o veículo da alma original dum povo e, sobretudo, é
em si uma grande obra de arte que ninguém deve destruir” (Ibidem). Quanto ao terceiro,
argumenta: “já que se fala de emigração, cumpre dizer que os galeguistas aspiramos a
uma coisa: a suprimir a necessidade de emigrar” (Rodriguez Castelao, 1996: 108).
Por todo o dito, a corrente de reivindicação do idioma é apresentada como uma corrente
de progresso, e não como o viam boa parte das forças da esquerda obreira e da
intelectualidade espanhola avançada, como um movimento retrógrado, oposto à marcha
‘natural’ da civilização: “O ressurgir da nossa língua no século XIX foi um reviver da
democracia, e os poetas galegos foram os criadores do alento civil da minha terra”. Em
resumo, a idéia central do discurso é a de que a dignificação do galego é um desafio
chave no processo de democratização e de avanço social do país, uma tarefa que unirá
os intelectuais com o seu povo, ao tempo que, contrariamente ao que sustinham os
detractores, as suas criações poderiam atingir uma projecção universal:
“O galeguismo é simplesmente um caso de dignidade colectiva que ressoou no peito dos
intelectuais que têm coração, no dos que pretendem suprimir a miséria cotidiana da vida do
camponês e do marinheiro, e no daqueles que sonham com trazer novas idéias e sentimentos
para a corrente universal da cultura [...] A dignificação da língua materna corresponde ao maior
grau de consciência política e social, o desprezo da língua materna significa uma renúncia de
direitos e provem duma anestesia da dignidade colectiva” (Rodriguez Castelao, 1996: 106,
108).
Ao longo do texto há nada menos que seis referencias à dignidade e à
dignificação, do idioma e da colectividade galega. A insistência neste conceito é o
correlato oposto da estigmatização social do galego, e expressa a necessidade de
elevação da consciência linguística da comunidade que acompanhe a revitalização do
seu uso social. Em fim, nesta peça oratória Castelao tenta acarinhar os ouvidos da
maioria progressista do Parlamento espanhol, evocando uma série de lugares comuns do
pensamento avançado do tempo (o galego como língua popular; a tradição civil, liberal
e democrática do galeguismo; o iberismo; a denúncia da emigração), ainda que
combatendo também alguns dos tópicos mais arraigados nele (a tendência à unidade
idiomática como conseqüência inevitável do progresso humano; a superioridade da
civilização urbana sobre a rural; o utilitarismo). Segundo o orador, o galego é espanhol,
e o objectivo procurado pelo galeguismo é o bilinguismo do conjunto da população:
“nós aspiramos a que todos os galegos saibam falar perfeitamente o castelhano e saibam
falar perfeitamente o galego”. Como se vê, toda uma enérgica denúncia da ideologia
monoglóssica do Estado, e da legitimação do espanhol como língua nacional. A emenda
de Castelao foi recusada.
4.2. A posição do nacionalismo espanhol uniformista
Nas bancadas das cortes constituintes da Segunda República Espanhola também se
sentava uma escolhida representação da intelectualidade espanhola, parte dela eleita nas
listas da agrupação Al Servicio de la República. Uma das personagens mais sobranceiras
do grupo, e quiçá dos intelectuais nacionalistas e liberais espanhóis do tempo, era
Miguel de Unamuno. Este era o primeiro assinante duma emenda ao artigo 4º subscrita
por um amplo elenco de escritores, do seguinte teor: “O espanhol é o idioma oficial da República. Todo o cidadão espanhol tem o dever de
conhecê-lo e o direito de falá-lo. Em cada região poderá-se declarar co-oficial a língua da
maioria dos seus habitantes. A ninguém se poderá impor, no entanto, o uso de qualquer língua
regional”.
Salientemos os pontos mais relevantes desta emenda. Em primeiro lugar, a
denominação da língua, castelhano, como propõe o texto inicial, ou espanhol, como se
pretende emendar. Em segundo lugar, a explicitação do dever de conhecer o idioma do
estado e o direito a falá-lo. Em terceiro lugar, a possibilidade legal de declarar cooficiais
as línguas regionais, mas só se estas resultam ser ‘da maioria dos habitantes’ da dita
região. Em quarto lugar, aparece expressa a proibição de impor uma língua regional o
qual levanta dúvidas quanto ao alcance da tal (co)oficialidade. O objectivo principal da
emenda era deixar assentada a preeminência oficial do castelhano, reafirmando-a sobre
os outros idiomas: desenha-se um modelo de cooficialidade fundado na primazia do
principio pessoal para o castelhano, com concessões subsidiárias e territorialmente
delimitadas para as outras línguas. Trata-se duma proposta na linha nacionalista
espanholista, uniformista e liberal. Quanto ao liberalismo, o próprio autor mantinha no
seu discurso que “toda perseguição duma língua é um acto ímpio e impatriótico”.
Na defesa da sua emenda, Miguel de Unamuno pronunciou um longo alegado5, em que
se referiu à situação das três línguas ‘regionais’. Começa reconhecendo que para aceitar
a cooficialidade (mesmo limitada) tivera de vencer certa resistência interior: “Yo
confieso que no veo muy claro lo de la cooficialidad, pero hay que transigir”. Quanto ao
troco da denominação da lingua do estado, de castelhano a espanhol, deve ter-se em
conta que no discurso centralista, a segunda possui umas connotações ideológicas mais
marcadas, pois “tange a sacralização da língua oficial, com a conseguinte intensificação
da cárrega emotiva, e da sua utilização como símbolo da unidade política” (Vilas
Nogueira 1977: 243). Unamumo mesmo sublinhou o aspecto simbólico da questão:
“Estamos, indudablemente, en el corazón de la unidad nacional, y es lo que en el fondo más
mueve los sentimientos [...] No quiero decir en nombre de quién hablo; podría parecer una
petulancia si dijera que hablo en nombre de España”.
5 Unamuno, 1931. O discurso não foi incluído, supomos que por lapso, nas suas Obras completas.
E mais adiante explicou a diferencia conceitual que ele estabelecia entre o castelhano e
o espanhol, replicando destarte a Castelao: “hay que tener en cuenta que el castellano es
una lengua hecha, y el español es una lengua que estamos haciendo”. Isto é, segundo
Unamuno, o castelhano seria a língua de Castela antes que rebordasse os seus limites,
enquanto o espanhol seria a mesma língua trocada em língua nacional da Espanha, em
processo de construção, com a contribuição dos escritores originários da periferia. Este
aspecto da emenda de Unamuno não foi recolhido no texto definitivo, pois este manteve
a denominação de castelhano. Aliás, Unamuno não se deteve a explicar por que razão
ele achava que se devia recolher na Constituição o dever de conhecer e o direito a falar
o idioma do estado.
Ao contrário, sim que explicou o alcance da restrição que estabelecia a sua emenda para
que uma língua regional pudesse ser reconhecida como cooficial, nomeadamente, a sua
condição de língua majoritária na região correspondente. À primeira vista, isto
constituía uma ameaça imediata contra o basco, mas em médio prazo a ameaça pendia
também sobre o galego e o catalão (no caso deste último, no País Valenciano). Se
houvesse alguma dúvida sobre a verdadeira intenção de tal condicionamento, uma
olhada ao panorama que o orador oferece despejá-la-á rapidamente. Duma parte,
segundo ele, “hoje o basconço no país basco-navarro não é a língua da maioria”, o qual
era provavelmente certo; mas de outra parte assegura que na Galiza “também não há
problema, não acredito que numa verdadeira investigação resultasse semelhante
maioria”, o qual era claramente falso, pois o carácter majoritário do galego na
população galega era indiscutível.
Quanto ao último ponto da emenda, referido à proibição de impor uma língua regional,
Unamuno explica na sua intervenção o sentido desta restrição:
“Al decir a nadie se podrá imponer, sin embargo, el uso de ninguna lengua regional, se
modifica el texto oficial, porque eso quiere decir que ninguna región podrá imponer, no a los
de otras regiones, sino a los mismos de ella, el uso de aquella misma lengua.”
Destarte, o alcance da cooficialidade das línguas minoritárias prevista na emenda de
Unamuno aparece drasticamente limitada, como ele mesmo reconhece: “Entre estas
duas coisas [o reconhecimento da “cooficialidade” e o recusamento de qualquer
“imposição” dos idiomas regionais] pode haver na prática alguma contradição”.
Além do dito, como dissemos, Unamuno fez referência a cada uma das línguas, visando
em cada caso de deslegitimar as reivindicações correspondentes. Quanto ao basco,
como já vimos, nega o seu carácter de língua majoritária no país basco-navarro, e
considera que “o basco estava agonizando, que não ficava outra coisa mais que recolhe-
lo e enterra-lo com piedade filial, embalsamado em ciência”. Em realidade, o basco não
existe como língua “no sentido que ordinariamente se dá a essa palavra”, pois “como
unidade não existe, é um conglomerado de dialectos que não se entendem os uns com os
outros”. Por tanto, rechaça as tentativas de modernização do basco, pois, por muitos
esforços que se realizassem para consegui-lo, segundo ele nunca poderia tornar-se uma
autêntica língua. Chega a afirmar que “o basco não tem palavras genéricas nem
abstractas, e todos os nomes espirituais são de origem latina”. Os preconceitos do autor
sobre a possibilidade de habilitar idiomas vernáculos para expressarem noções cultas
ou abstractas, de corte claramente colonialista, chegam ao ponto de fazê-lo asseverar:
“Não se pode por o catecismo em guarani nem em asteca sem que imediatamente acabe
numa heresia”.
Em relação ao galego, ao qual como vimos também negava a condição de idioma
majoritário na Galiza, o autor cita versos reivindicativos dos poetas Rosalia de Castro e
Curros, negando que estes reflectissem o sentir popular. Também refere o exemplo dos
escritores galegos que estavam contribuindo à renovação da literatura em castelhano.
Quanto ao catalão, Unamuno tece uma metáfora em que compara esta língua com uma
velha espingarda, e o castelhano com um fuzil moderno: quem vai preferir defender-se
com uma espingarda antiquada em vez de com um fuzil? Causa surpresa a evocação das
armas, ao tratar de questões linguísticas.
A alocução de Unamuno acaba com um aceso elogio ao espanhol. Segundo ele, o
castelhano é uma língua de integração, que no passado incorporou elementos do leonês
e do aragonês. Seguindo o mesmo processo, no futuro vigorará “una sola lengua española, que haya recogido, integrado, federado si queréis, todas las esencias
íntimas, todos los jugos, todas las virtudes de esas lenguas que hoy tan tristemente, tan
pobremente nos diferencian”.
Concepção esta que responde a um idealismo totalmente essencialista e a-histórico, que
apresenta o espanhol como língua sintetizadora dos idiomas todos da Espanha, ao tempo
que as diferenças linguísticas, alcumadas de tristes e pobres, são condenadas sem maior
justificação:
“España no es nación, es renación, renación de renacimiento y renación de renacer, allí donde
se funden todas las diferencias, donde desaparece esta triste y pobre personalidad diferencial”.
4.3. Uma réplica galeguista a Unamuno: intervenção de Ramon Otero Pedrayo
O escritor e professor Ramon Otero Pedrayo, um dos vultos mais sobranceiros da
intelectualidade galeguista, solicitou que se lhe concedesse o uso da palavra para
replicar Unamuno (veja-se o texto em García, 1978: 102-04). Pedrayo começou por
assinalar: “O senhor Miguel de Unamuno identificou a Espanha com Castela, e por isso
ele não sente no momento actual o porvir nem a realidade das demais línguas
espanholas”. A seguir, passou a dar resposta à intervenção daquele em dois aspectos:
um, ao que já fizemos referência, é a questão da língua majoritária na Galiza, outro é a
alusão de Unamuno ao acento queixoso da poesia galega, que ele rejeitava como
doentio. Como vimos, segundo este último, as queixas destes poetas galegos (que não
do povo, como ele sublinha) eram perfeitamente injustificadas. Quanto ao primeiro
ponto, Otero responde com uma constatação evidente: “a língua galega é falada pela
maioria do nosso povo, e isto sabe-o todo o que tenha viajado pela Galiza”. Quanto ao
segundo ponto, Otero retruca energicamente, combatendo o tópico do queixoso lirismo
e o romantismo chorão dos escritores galegos, tópico muito estendido na Espanha
coeva: “Eu folgo-me, como o mais humilde dos galegos, mas em nome de todos os demais, de ter
escutado desses lábios veneráveis os versos dos nossos poetas, saudosos e tristes, mas também
digo que hoje a Galiza não entoa com as suas liras canções românticas, mas levanta-se com
uma lira pindárica e broncínea, disposta a todas as conquistas da democracia e a sustentar
sempre o seu direito a figurar como um povo livre no concerto das nações hispânicas e
européias”.
Colocando a questão no seu lugar, que era o da deliberação política sobre as conquistas
democráticas do povo e os direitos das nações que aspiravam à liberdade, Pedrayo
remarcava a seriedade do assunto, e fechava o caminho à manobra de Unamuno, quem
tinha derivado o assunto dos idiomas periféricos aos terrenos literário, (tecnico)
linguístico e emotivo, reservando o tom de gravidade para defender o status
constitucional do espanhol. Aliás, Pedrayo aproveitou que Unamuno se tinha louvado
de seu conhecimento da Galiza e Portugal para retorquir: “a Galiza, tanto
etnograficamente como geograficamente e do ponto de vista linguístico, é um
prolongamento de Portugal, ou Portugal um prolongamento da Galiza; o que é igual”.
Esta afirmação causou especial escândalo na imprensa madrilenha, que viu nela uma
ameaça para a integridade da nação espanhola.
Além disso, Pedrayo incidiu de um modo mais genérico que Castelao, numa série de
argumentos profundamente enraizados no esquema ideológico do galeguismo coetâneo,
sublinhando a sua visão imanentista da língua como elemento identificador da
comunidade galega e a concepção providencialista do seu papel na criação duma cultura
original. Um aspecto inovador dentro do argumentário do galeguismo contemporáneo é
a sua insistência em sublinhar a projeção do idioma galego para o futuro, em troca de
apoiar-se no seu glorioso passado da língua, como era tradicional:
“Senhores, se nós defendemos a língua galega é porque achamos que ela é uma realidade
imanente e eterna e não por capricho de literatos nem de arqueólogos [...], porque a língua
galega é a única garantia e o único veículo que temos para que o dia de manhã o jovem espírito
galego, que está soterrado sob uma porção de capas de incompreensão, possa despertar. De
maneira que o facto certo, o facto real é que os galegos, sem nenhum sentimento de hostilidade
e sem nenhuma mania de criar nacionalidades artificiais, o que sentimos, defendemos e
defenderemos sempre é que a nossa língua, não pela sua antiguidade ou pela sua beleza
arqueológica, mas pela esperança que pomos no seu espírito, em colaboração com todas as
outras línguas da cultura moderna e universal, seja considerada ao par da nobre língua
castelhana”.
Como a cita põe de vulto, Otero Pedrayo, igual que havia feito Castelao, em coerência
com a posição que sempre defenderam os galeguistas, o que defende é uma solução
pluralista, que passava pelo bilingüismo igualitário entre o idioma próprio (neste caso, o
galego) e o do estado, isto é, o castelhano.
4.4. Na procura do acordo: a redacção definitiva da Constituição
Afinal, Unamuno conseguiu emendar o artigo 4º do anteprojecto constitucional,
restringido as possibilidades de promoção das línguas das minorias nacionais da
Espanha. Assim, a redacção definitiva da Constituição republicana estabelecia: O castelhano é o idioma oficial da República.
Todo o espanhol tem obrigação de sabê-lo e direito de usá-lo, sem prejuízo dos direitos que as
leis do Estado reconhecerem às línguas das províncias ou regiões.
Salvo o que se dispuser em leis especiais, a ninguém se poderá exigir o conhecimento nem o
uso de qualquer língua regional.
Como se vê, a comissão recolheu o princípio as fórmulas propostas por Unamuno
referidas duma parte ao dever universal de conhecimento e direito ao uso do castelhano
(fórmula que, aliás, herdou a Constituição Espanhola de 1978, trocando ‘obrigação’ por
‘dever’), e de outra parte a recusa a exigir o conhecimento e uso de qualquer língua
recional. Ao tempo, estas fórmulas vinham matizadas pela ressalva dos direitos que
outras leis do Estado poderiam conceder às regiões autônomas com língua cooficial.
Estas matizações foram introduzidas por pressão dos deputados representantes das
minorias nacionais galega, basca e catalã, que ameaçaram com dissociar-se do projecto
constitucional republicano.
Por tanto, a mobilização da intelectualidade centralista, expressada com contundência
pelo verbo autorizado e venerável de Miguel de Unamuno, apoiado pela campanha de
imprensa em que a autoridade científica do filólogo Ramon Menendez Pidal jogou um
papel principalíssimo, teve um efeito notável sobre a pedra fundamental da política
linguística da República, o artigo 4º da Constituição, reafirmando a supremacia do
castelhano e limitando as possibilidades de melhora do status legal das línguas
minorizadas da Espanha. Definitivamente, os intelectuais nacionalistas espanhóis
tiveram um papel de primeira importância na conformação duma opinião pública
desfavorável à promoção das línguas das minorias nacionais da periferia. Mediante a
mobilização da opinião pública, num momento em que se enxergava a possibilidade de
abrir vias inéditas para a tal promoção, exerceram pressão sobre as instâncias do poder
do Estado, instâncias que já contavam com uma comprida tradição de perseguição e
marginação das línguas diferentes ao castelhano. É notável, neste sentido, que aspectos
importantes da emenda de Miguel de Unamuno ao projecto de Constituição da
República fossem finalmente recolhidos nesta, e daí passassem à actualmente em vigor,
a Constituição Espanhola de 1978.
Porém, não se pode deixar de sublinhar que o marco democrático da Segunda República
foi o que permitiu realizar um achegamento pluralista aos desafios que apresentava a
diversidade linguística da Espanha, uma diversidade que se tinha revelado como
consideravelmente resistente às tentativas de eliminá-la pelas vias liberal-oligárquica e
autoritária previamente postas em prática. Foi assim que, tal como antes pusemos de
vulto, pela primeira vez uma Constituição do Estado espanhol reconhecia o direito à
cooficialidade das línguas das nacionalidades (ou, na terminologia daquela, as
“regiões”), ao tempo que também pela primeira vez consagrava a oficialidade do
castelhano. A prolongada ditadura franquista que deu cabo da República ofereceu a
última oportunidade histórica para exercer uma política linguística decididamente
uniformista na orientação e abertamente repressiva nos processos, com a finalidade de
erradicar as línguas minoritárias da Espanha. O regime democrático de que a Espanha
goza desde 1977 volveu abrir a possibilidade a uma política pluralista que garanta o
livre e pleno desenvolvimento desses idiomas. Esse é o desafio que estamos tentando
superar.