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Luiz Fltavio Gomes E ba<harel em Direito desde 1979; mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (1989); e doutorando em Direito Penal na Faculdade de Direito da Un~-ersidade (omplutense de Madrid; profossor de Direito Penal e Processo Penal no Complexo Jurídico Damásio de Jesus desde 1986 e de vários cursos de pós.graduação, dentre eles: Facultad de Derecho de la Universidad .Austral, Buenos Aires, Argentina; Faculdade de Direito da Unisul, Santa Catarina. Foi promotor de j1.1Stiça em São Paulo de 1980 a 1983 e juiz de Direito em São Paulo de 1983a 1998. É autor ou co-autor de vários livros publicados pela Editora Revi~a dos Tribunais, assim como organizador do Código Penal. Código de Pr0<esso Penal e Conrutuiçào Federal da Coleção RT Mini Códigos. E colaborador assiduo de diversas revistas jurídicas especializadas e co-fundatror e primeiro presidente do ln~ituto Brasileiro de Gências Criminais. Integrou o Conselho Diretor da Revista Brasileira de Ciêndas Criminais nos anos de 1993 e 1994, assím como o Conselho FiSlal da Associação Paulista de Magistrados. É membro da Academia Brasileira de Direito úiminal e da Associação lnternadonal de Direito Penal. Participou da Comissão de Reforma do Código de Processo Penal criada pelo Ministério da Justiça em \992 e integra a atual Comissão com a mesma finalidade.

Antonio Garcfa-Pablos de Molina É catedrático de Direito Penal e diretor do Instituto Universitário

'e Criminologia da Universidade Complutense de Madrid e um dos mais renomados e modemm cultivadores das Gêndas Criminais no continente europeu contemporâneo, o que se pode constatar faál­ mente não só pela sólida formação jurídica, com cursos inclusive nm Estados Unidos e na Alemanha, senão também pela sua vasta, profícua e reconhecida produção científica que compreende, além de demos e atualizados livros e artigm, mais de duas centenas de cooferéncias proferidas, grande parte no estrangeiro, participação e intervenção em dezenas de congressos penais e criminológicos e, dentre outras, extensa e dedicada atividade docente.

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CRIMINOLOGIA

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Dados lotemacionals de Catalogação na Publicação (CJP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Garcfa-Pablos de Molina, Antonio Criminologia : introdução a seus fundamentos teóricos : introdução às bases

criminológicas da Lei 9.099/95, lei dos juizados especiais criminais / Antonio García-Pablo de Molina, Luiz Ftãvio Gomes. 3. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2000.

Tradução e notas. da primeira parte: Luiz. Flávio Gomes.

Bibliografia. ISBN 85-203-1940-8

1. Criminologia l. Gomes, Luiz Flávio. li. Título. 00-3689 CDU -343.9

Índices para catálogo sl.5temático: L Criminologia Ciência penais 343.9

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ANTONIO GARCÍA-PABLOS DE MOLINA LUIZ FLÁVIO GOMES

CRI·MINOLOGIA • INTRODUÇÃO A SEUS FUNDAMENTOS TEÓRICOS

• INTRODUÇÃO ÀS BASES CRIMINOLÓGICAS DA LEI 9.099/95 - LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS

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EDITORAm REVISTA DOS TRIBUNAIS

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CRIMINOLOGIA • INTRODUÇÃO A SEUS FUNDAMENTOS TEÓRICOS • INTRODUÇÃO ÀS BASES CRIMINOLÓGICAS DA LEI 9.099195 ' - LEI DOS JUTZADOS ESPECIAIS CRIMTNAIS

3.ª edição revista, atualizada e ampliada

ANTONIO GARCfA-PABLOS DE MOLINA LUIZ FLÁVIO GoMES

Tradução e noras da primeira parte: Luiz Flávio Gomes

1.• edição: tradução e notas de Luiz. Flávio Gomes da obra de Antonio García-Pablos de Molina, Criminologia - una introducciân a sus fundamentos teóricos para juristas, Valência: Ed, Tirant lo Blanch, 1992. São Paulo: RT, 1993 - 2.• edição: São Paulo: RT, 1997.

00112a

© desta edição: 2000

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impresso no Brasil (09-20Q9)

ISBN 85-203-,.1940-8

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A

RENATE

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14 CRIMINOLOGIA

utro lado, questiona os dispositivos constitucionais que consagram a ressocialização do condenado ( como é o caso do artigo 25 da Cons­ tituição Espanhola), que não constituem uma mera declaração de "boa ontade" do legislador, senão uma norma jurídica obrigatória que vincula todos os poderes do Estado.

m conseqüência - e para garantir uma intervenção reabilitadora do delinqüente - à Criminologia correspondem três metas:

Primeira: esclarecer qual é o impacto real da pena em quem a cumpre; quais os efeitos que produz, dadas suas atuais condições de cumprimento, não os fins e funções "ideais" que lhes são assinalados pelos teóricos a partir de posições "normativas". Esclarecer e desmitificar referido impacto real para neutralizá-lo, para que a inevitável poten­ cialidade destrutiva inerente a toda privação de liberdade não se tome irreversível, indelével. Para que a privação de liberdade seja somente privação de liberdade e nada mais que isso. De qualquer modo, privação de liberdade digna, de acordo com os parâmetros culturais muito mais exigentes do nosso tempo. Que não tome incapaz definitivamente o condenado, de modo que inviabilize seu posterior retomo à comunidade uma vez cumprido o castigo.

Segunda: desenhar e avaliar programas de reinserção, entendendo­ ª não no sentido clínico e individualista (modificação qualitativa da personalidade do infrator), senão no funcional; programas que permi­ tam uma efetiva incorporação sem traumas para o ex-condenado à comunidade jurídica. removendo obstáculo, promovendo uma recípro­ ca comunicação e interação entre o indivíduo e a sociedade (não se trata de intervir somente no primeiro), concretizando uma rica gama de prestações positivas em favor do ex-condenado, assim como das pessoas de seu re1acionamento, quando este retorne ao seu mundo familiar, laboral e social (a possível intervenção não deve terminar no dia em que o condenado é liberado, porque a própria pena prolonga seus efeitos reais muito além deste momento e tampouco cabe dissociar o ex-condenado do seu meio).

Terceira: fazer a sociedade perceber que o crime não é um problema exclusivo do sistema legal, senão de todos. Para que ela - sociedade - assuma a responsabilidade que 1he corresponda e se comprometa com a reinserção do ex-condenado. De sorte que o crime

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seja "compreendido" em termos "comunitários", como problema nas­ cido na e da comunidade à qual o infrator pertence. E que se busquem mecanismos eficazes para que essa mesma comunidade receba digna­ mente um dos seus membros. A chamada "Psicologia Comunitária" já conta com alguma experiência sobre a viabilidade de tais programas."

(!)criminologia, Política Criminal e Direito Penal. Elas mantêm,~' conceitualmente, relações muito estreitas, pois as três disciplinasÍ ~ cuidam do delito, embora selecionem seu objeto com critérios autônol,:;1 mos e tenham seus respectivos métodos e pretensões"

G) Relações entre Criminologia, Política Criminal e Direito Penal. Com efeito, o Direito Penal é uma ciência jurídica, cultural, normativa: uma ciência do "dever ser", enquanto a Criminologia é uma ciência empírica, fática, do "ser". A ciência penal, em sentido amplo, cuida da delimitação, interpretação e análise teórico-sistemática do delito (conceito formal, assim como dos pressupostos de sua persecução e suas conseqüências). O objeto da ciência penal tem por base a própria norma legal (objeto "normativo") e os juristas empregam um método dedutivo-sistemático para analisar o fato delitivo, que é concebido por eles como realidade legal, jurídica, cuja compreensão reclama pontos de vista axiológicos, valorativos. A Criminologia, pelo contrário, encara o delito como fenômeno real e se serve de métodos empíricos para examiná-lo. Os critérios jurídico-penais, como já foi afirmado, não permitem uma delimitação precisa do objeto da Criminologia, pela mesma razão que aqueles tampouco esgotam o significado ''total do crime como fato real".

As relações entre Direito Penal (Dogmática Penal), Política Criminal e Criminologia, no entanto, não foram historicamente muito

ª6> Sobre Psicologia Comunitária e prevenção do delito, vide Favard, A. M. "Participation communautaire et prevention de la délinquencc. Concepts et models", em Livro homenagem a A. Beristain, San Sebastiân, 1989, p. 157 e ss.; Castaignede, J., "Participation cornrnunautaire et prevention de la délinquence: apports d'une recherche sur ce thême", em Livro homenagem a A. Beristain, cit., p. 115 e ss.; Clemente Díaz, M., "La oricntación comunitária en el estudio de Ia delincuencia", cit., p. 384 e

(271 Uma referência sobre a inabarcãvel bibliografia existente sobre o tema, em García-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 118, nota 41.

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158 CRJMINOLOOIA

Nesta longa evolução das idéias e teorias sobre o crime e 0 delinqüente pode-se constatar um certo deslocamento dos centros de interesses e do próprio método empregado desde a Biologia à Psico­ logia e à Psiquiatria, e desde estas à Sociologia, predominando hoje em dia esta ültima.?

Mas há uma grande diferença na consideração deste terna entre Europa e Estados Unidos. Na Europa existiu uma dilatada e fecunda tradição "biológica", da qual não se liberou a Psicologia nem a própria Psicoanálise. Nos Estados Unidos, pelo contrário, a análise sociológica mediatiza e orienta todas as investigações, até o ponto em que a Criminologia nasceu como mero apêndice ou Capítulo da Sociologia.

O certo é que ocorreu uma progressiva maturação do pensamento criminológico. Em seu início se formulam teorias, depois genuínos modelos, que no princípio eram simples e mais tarde se tomaram cada vez mais complexos e integrados.

a, Neste sentido, Kaiser, G .• Krimtnologie. cít., p. 154-159.

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II

A ETAPA "PRÉ-CIENTÍFICA,, DA CRIMINOLOGIA'

Antes da publicação da famosa obra lombrosiana, que costuma ser citada como "certidão de nascimento" da Criminologia empírica "científica", já existiam numerosas "teorias" sobre a criminalidade. Teorias dotadas de um certo rigor e pretensões de generalização, que transcendem as meras concepções ou representações populares, fruto do saber e da experiência cotidianos. Nesta "etapa pré-científica" havia dois enfoques claramente distintos, em razão do método dos seus patrocinadores: por um lado, o que se pode denominar "clássico" (produto das idéias do Iluminismo, dos Reformadores e do Direito Penal "clássico": modelo que se vale de um método abstrato, dedutivo e formal); de outro, o que se pode qualificar de "empírico", por ser desta classe as investigações sobre o crime, realizadas de forma fragmentária por especialistas das mais diversas procedências (fisionomistas, frenõlogos, antropólogos, psiquiatras etc.), tendo todos eles em comum o fato de que substituem a especulação, a intuição e a dedução pela análise, observação e indução (método empírico­ indutivo ). Ambas concepções coincidem, como é lógico, no tempo e inclusive se prolongam até nossos dias.

oi Sobre os antecedentes mais remotos do pensamento criminológico, vide Rodríguez Manzanera, L., Criminologta, cit., p. 143 e ss.; Hering, K. H., Der Weg der Kriminologie zur setbstãnâigen Wissenschaft, Band 23, 1966, Kriminalistik Verlag Hamburg, p. 13 e ss.: Bonger, W., lntrod11cci611 a la Criminotogta, 1943, México, Fondo de Cultura Económica, p. 72 e ss.

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160 CRIMINOLOGIA

L A denominada "Criminologia Clássica'" assumiu o legado liberal, racionalista e humanista do Iluminismo,' especialmente sua orientação iusnaturalista.

Deduz os postulados que a caracteriza do iusnaturalismo, Conce­ be o crime como fato individual, isolado, como mera infração à lei: é a contradição com a norma jurídica' que dá sentido ao delito, sem que Ja necessária uma referência à personalidade do autor (mero sujeito

ativo do fato) ou à sua realidade social, para compreendê-lo. O decisivo é mesmo o fato, não o autor.5 A determinação sempre justa da lei, igual para todos e acertada, é infringida pelo delinqüente em uma decisão livre e soberana. Falta na Escola Clássica uma preocupação inequivo­ camente "etiológica" (preocupação em indagar as "causas" do compor­ tamento criminoso), já que sua premissa iusnaturalista a conduz a atribuir a origem do ato delitivo a uma decisão "livre" do seu autor, incompatível com a existência de outros fatores ou causas que pudes­ sem influir no seu comportamento. É, pois, uma concepção mais "reativa" que "etiológica" e, como conclusão, só pode oferecer uma explicação "situacional" do delito.6 O próprio iusnaturalismo da Escola Clássica é inconciliável com as supostas diferenças qualitativas entre os homens honestos e os delinqüentes (tese, pelo contrário, que seria

C2> Sobre a Escola Clássica, vide Vold, G. B., Theoretical Criminology, cit, p. 18 e ss.: Siegel, L. J., Criminology, p. 92 e ss.; Verter, H. J. e Silvennan,l. J., Criminology and Crime, cit., p. 239 e ss. e 254 e ss.; Schneider, H. J., Kriminologie, cit., p. 92 e ss.; Lamnek, S., Teorias de la criminalidad, 1980, México, Século XXI, p. 18 e ss.; García-Pablos, A., Manual de Criminología, cit., p. 197 e ss.

m Neste sentido, Lamnek, S., Teorias de la criminalidad, cit., p. 18. Pelo contrário, Antón Oneca J. ressalta a influência iusnaturalista como dominante (Derecho Penal, P. G., 1949, p. 35).

<41 Por isso, como diz Vold, G. B., A Criminologia "clássica" oferece uma "imagem administrativa e legal" (Theoretical Criminology, cit., p. 26).

iSl A pessoa do autor passa a um segundo plano (Larnnek, S., Teorias de la criminalidad, cit., p. 18 e ss.); mas, em todo caso, trata-se do delinqüente em abstrato, não do homem concreto e real.

'1 Neste sentido, Matz.a, D., Delinquency and Drift, 1967, New York, P· 11; Lamnek, S., Teorias de la criminalidad, cit., p. 18 e ss.; García-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 99 e ss.

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mantida pelo positivismo)":" suas premissas filosóficas levam-lhe, assim, a sustentar o dogma da "equipotencíalidade".

A imagem do homem como ser racional, igual e livre, a teoria do pacto social, como fundamento da sociedade civil e do poder, assim como a concepção utilitária do castigo, não desprovida de apoio ético, constituem os três sõlidos pilares do pensamento clássico.8 A Escola Clássica simboliza o trânsito do pensamento mágico, sobrenatural, ao pensamento abstrato, do mesmo modo que o positivismo representará a passagem ulterior para o mundo naturalístico e concreto.9

Seu ponto débil não foi tanto a carência de uma genuína teoria da criminalidade (etiologia), senão o intento de abordar o problema do crime menosprezando o exame da pessoa do delinqüente, assim como do seu meio ou relacionamento social, como se pudesse conceber o delito como uma abstração jurídico-formal. Por outro lado, e com fidelidade aos postulados do liberalismo individualista do seu tempo (legalista e humanitário), foi absolutamente incapaz de oferecer aos poderes públicos as bases e informações necessárias para um programa político-criminal de prevenção e luta contra o crime, embora fosse um objetivo de especial importância em um momento de crise econômica e social e de insegurança generalizada. Optou pela especulação, pelos sistemas filosóficos e metafísicos, pelos dogmas (liberdade e igualdade do homem, bondade das leis etc.), deduzindo dos mesmos seus principais postulados. 10

2. Orientação criminológica (pré-positivista) opera no marco das "ciências naturais", não no das "ciências do espírito", embora se deva reconhecer que não se trata de um marco unitário, homogêneo e

(7) Para a Escola Clássica não existem diferenças "qualitativas" entre o homem delinqüente e o não-delinqüente. Cf. Larnnek, S., Teortas de la criminalidad, México, Siglo XXI, 1980, p. 18.

11> Cf. Vold, G. B., Theoretical Criminology, cit., p. 20 e ss.; Mir Puig, S., lntroducción a las bases dei derecho penal, Barcelona, Bosch, 1982, p. 175 e ss.

~1> Neste sentido, Vold, G. B., Theoreticol Criminology, cit., p. 31.

tiO) A Escola Clássica enfrentou demasiadamente tarde o problema criminal. Limitou-se a responder ao delito com uma pena justa, proporcionada e útil (enfoque reativo), porém não se interessou pela gênese e etiologia daquele nem por sua prevenção.

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162 CRIMINOLOGIA

circunscrito em si mesmo, senão do emprego fragmentado e setorial de 1ml novo método: o empírico-indutivo, baseado na observação da pessoa do delinqüente e do seu meio. Este método, como precursor do positivismo criminológico, antecedeu-lhe em anos. As principais inves­ tigações foram realizadas nos mais diversos campos do saber.

a) Na incipiente "ciência penitenciária", por exemplo, seus pioneiros Howard (1726-1790) e Bentham (1748-1832) analisaram, descreveram e denunciaram a realidade penitenciária européia do éculo XVIII, conseguindo importantes reformas legais (Howard)" ou formulando a tese da reforma do delinqüente como fim prioritário da Administração, assim como da necessidade de se valer do emprego de estatísticas (Bentham).12

b) Tendo em conta a Fisionomia, Della Porta (1535-1616)13 e Lavater (1741-1801) preocuparam-se com o estudo da aparência externa do indivíduo, ressaltando a inter-relação entre o somático (corpo) e o psíquico. A observação e a análise (visita a reclusos, prática de necrópsias etc.) foram os métodos empregados pelos fisionomistas.

<11> Sua obra Sltuaciân de las prisiones en Inglaterra y Gales ( 1777) constituiu um genuíno informe sobre a geografia da dor, segundo Bernaldo de Quirõz. Howard reuniu um valioso material empírico sobre a realidade penitenciária para o legislador britânico, obtido mediante a visita nos presídios europeus e o estudo das condições de vida dos reclusos (cf. Rodríguez Manzanera, L., Criminologia, cit., p. 193; Schneider, K., Kriminologie, cit., p. 93).

cm Como penitenciarista, destaca seu "Panóptico" - prisão celular (Panopticon. or the lnspection. House), 1791, cujo modelo foi seguido em alguns presídios norte-americanos (Vetter, H. J., Silverman, I. J., Criminology and Crime, cit., p. 244). Como filósofo, é muito conhecida sua fundamentação "utilitarista" do castigo (em lntroduction to the Principies of Morais and Legisíatio«; 1780) e a mensagem denunciadora que realizou em relação à arcaica e brutal legislação inglesa do seu tempo. Cf. Siegel, L. J., Criminology, cit., p. 95.

<13> A obra de Della Porta, De humana physiognomia, 1586. Sorrent, o autor italiano, artista, elaborou uma autêntica técnica da observação, pondo especial ênfase no estudo da expressão corporal: olhos, riso, pranto etc. Algumas características somáticas, a seu juízo, teriam relevância criminógena (v.g., anomalias na cabeça, fronte, orelhas, nariz etc.). Cf. Rodríguez Manzanera, L., Criminologia, cit., p. 179.

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA COMO CiêNCIA 163

Particularmente conhecido é o "retrato robot" que ofereceu Lavater, denominado "homem de maldade natural", baseado nas suas supostas características somáticas. E, na práxis, o conhecido "Édito de Valério" ("quando se tem dúvida entre dois presumidos culpados, condena-se 0 mais feio") ou a forma processual que, ao que parece, foi imposta no século XVIII por um juiz napolitano, o marquês de Moscardi ("ouvidas as testemunhas de acusação e de defesa e visto o rosto e a cabeça do acusado, condeno-o ... "), que se vinculam a tais concepções fisionômicas, de escasso rigor teórico-científico, porém com grande apoio nas convicções populares e na práxis criminológica.14

Antecipando-se aos conhecimentos frenológicos, sustentou Lavater" que existe uma correlação entre determinadas qualidades do indivíduo e os órgãos ou partes do seu corpo onde se supõe que têm sua sede e concentração física e as correspondentes potências humanas. A vida intelectual podia ser observada na fronte (testa); a moral e sensitiva nos olhos e no nariz; a animal e vegetativa no mento (maxilar inferior). Referindo-se ao homem delinqüente "de maldade natural", autêntico precursor do delinqüente nato de Lombroso, dizia Lavater. "tem o nariz oblíquo em relação com o rosto, que é disforme, pequeno e amarelado; não tem a barba pontiaguda; tem a palavra negligente; os ombros cansados e pontiagudos; os olhos grandes e ferozes, brilhantes, sempre iracundos (coléricos), as pálpebras abertas, ao redor dos olhos pequenas manchas amarelas e, dentro, pequenos grãos de sangue brilhante como fogo, envolvidos por outros brancos, círculos de um vermelho sombrio rodeiam a pupila, olhos brilhantes e pérfidos e uma lágrima colocada nos ângulos interiores; as sombrancelhas rudes, as pálpebras direitas, a mirada feroz e às vezes atravessada".16

1141 Sobre o tdito de Valério e a fórmula processual atribuída ao Marquês de Moscardi, vide Rodríguez Manzanera, L., Criminologta, México, Porrua, 1982, p. 180-181.

<rs) Lavater, J. C., teólogo suíço, é autor de Die physionomischen Fragmente wr Beforderimg der Menschenkennmis und Menschenliebe; 1775- 1778, Leipzig­ Winterthur. Para La vater a própria natureza é pura fisionomia. Tudo quanto suced na alma do homem se manifesta em seu rosto: sua beleza ou feiura correspondem com a bondade ou a maldade daquela (ob. cit., p. 19 e ss., 63 e ss.).

llfil Cf Rodríguez Manzanera, L., Criminologia, México, Porrua, 1982, p. 180; García-Pablos, A., Manual de Criminologta, Madri, Bspasa, 1988, p. 208 e ss.

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164 CRIMINOL001A

e) A Frenologia, precursora da moderna Neurofisiologia e da Neuropsiquiatria, deu também uma importante contribuição nesta etapa de aproximação empírica, ao tratar de localizar no cérebro humano as diversas funções psíquicas do homem e explicar o comportamento criminoso como conseqüência das malformações cerebrais. Destaca-se a obra de Gall (1758-1828),17 autor de um conhecido mapa cerebral dividido em trinta e oito regiões, Spurzheim, 18 Lauvergne" e outros.

Para Gall o crime é causado por um desenvolvimento parcial e não compensado do cérebro, que ocasiona uma hiperfunção de determinado sentimento. De fato, este autor acreditou haver podido localizar em diversos pontos do cérebro um instinto de agressividade, um instinto homicida, um sentido de patrimônio, um sentido moral etc."

Menção especial requer também a obra de Cubí Y Soler, que três décadas antes de Lombroso antecipara uma de suas teses.

A contribuição mais significativa de Cubí Y Soler21 reside no âmbito metodológico, já que foi um dos poucos autores que utilizou

U7> GaU era médico, nacionalizado francês. Publicou em 1810 sua obra "De craneologia" ( ou "craneoscopia"), na qual desenha uma teoria completa sobre

· as possíveis malformações cerebrais e cranianas: tipos, subtipos, variantes etc. Cf. García-Pablos, A., Manual de Criminología, cit., p. 211 (reproduzin­ do o mapa cerebral de Gall).

<H> Spurzheirn (1776-1832), discípulo de Gall, difundiu na Inglaterra a obra deste, sustentando que muitas enfermidades mentais são afecções cerebrais. Sobre o autor, vide Tejos Canales, M., que reproduz o mapa cerebral desenhado por Spurzheim (Las ideas penales y criminológicas de M. Cubí Y Soler, Madrid, 1984, Tese de doutoramento, p. 103).

<•9l Lauvergne (1797-1859), médico de prisões, francês, sustentou que a causa da conduta delitiva radicava em um defeituoso desenvolvimento do cerebelo, seguindo a tese de Voisin. Traçou, também, seu autêntico retrato "robot" do delinqüente, que é precursor do delinqüente nato lombrosíano. Sua obra: ln forcais considérés sous le rapport physiologique, moral, intellectuel, observét à la bagne de Toulon, Paris, 1841.

ClOl Sobre a contribuição de Gall, vide Hering, K. H., Der Weg der Kriminologie zur selbstãndigen Wissenschaft, cit., p. 35; Rodríguez Manzanera, L., Criminologia, cit., p. 183.

ai, Cubf Y Soler, M., (1801-1875), natural de Maiorca, autor de Manual de Frenolcgia, o sea, Filosofia de entendimiento humano, fundada sobre la filosofia dei cérebro, 1843, Barcelona, referiu-se explícitamente ao "crimi­ noso nato", antes de Lombroso, e caracterizou este "subtipo humano" não

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um método positivo experimental, chegando a realizar inclusive reco­ nhecidos trabalhos de campo em determinadas comarcas nas quais haviam elevadas taxas de bócio e imbecilidade.22 Cubí Y Soler considerava o delinqüente como um enfermo que necessitava de tratamento.23 Optando, em termos político-criminais, por fórmulas claramente prevencionistas, como bom frenólogo que era, tratou de localizar em diversos lugares do cérebro as faculdades e potências do ser humano, incluídas as criminais." E assim antecipou algumas contribuições genuinamente antropológicas ao associar o delinqüente "nato" com o denominado "tipo hipoevolurivo"."

d) O mesmo sucede com as investigações no campo da Psiquia­ tria,26 cujo fundador, Pinel ( 1745-1826),27 realizou os primeiros diag-

só pelos estigmas físicos, senão também pelos traços psicológicos de sua personalidade. Sobre "mapa craniano" em García-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 214.

<221 Cf. Castejón, F., Cubí, precursor de Lombroso, em Revista Espaiiola de Criminología y Psiquiatria Forense, I, n. ll e IV; Il, n. V, VI e Vlll, Madrid, 1929-1930, p. 173 e ss.

<23> Cubí Y Soler, M., Sistema completo de Frenologia, cit., p. 417 e ss. <24> Para Cubí Y Soler, a causa do comportamento delitivo reside nas organizações cerebrais: na hipertrofia de determinados instintos animais - incorrigível - e correlativa carência de sentimentos morais (Sistema completo de Frenologta. .. , cit., p. 364 e ss.). Certas protuberâncias "nas partes laterais da cabeça" ... muito mais "avultadas que nas superiores" - dizia o autor - produzem uma tendência incontida para o crime (ob. cit., p. 335 e ss.),

(llJ Neste sentido, Tejos Canales, Las ideas penales y criminolâgicas de M. Cubí y Soler, Tesis Doctoral, Madri, 1984, p. 282.

ll6> A Psiquiatria se consolidou ao longo do século XIX como disciplina científica autônoma, pelo impulso do racionalismo otimista característico do Iluminismo. Ela soterrou velhos mitos e superstições sobre a enfermidade mental e sua incurabilidade, tomando possível uma análise científica e diversificadora da mesma, como se se tratasse de qualquer doença somática. No final do século XVIII, seus pioneiros começam distinguir os enfermos mentais dos delinqüen­ tes. E no século XIX criam as principais categorias. Cf. Hering, K. H .• Der Weg der Kriminologie zur selbstiindigen Wissenschaft, cit., p. 36 e ss.

izn Pinel, P. H., médico francês, é considerado um dos fundadores da moderna Psiquiatria, por seu trabalho técnico e humanitário. Seu Traité médico­ philosophiq11e sur l'alienatton menta/e (180 !, aparecido sob o título Traité

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166 CRIMINOLOGIA

nósticos clínicos separando os delinqüentes dos enfermos mentais· devemos também recordar a obra de Esquirol (1772-1840),28 que elaborou as categorias clínicas oficiais vigentes no século XIX; também a de Prichardê e Despine." que formularam a tese da "loucura moral" do delinqüente; por último, a de More! (1809-1873), para quem o crime uma forma determinada de degeneração hereditária, de regressão, e a

"loucura moral" um mero déficit do substrato moral da personalidade,"

de la manie) marca o coroamento do sabor psiquiátrico do século XIX. O autor iniciou uma nova era no diagnóstico e tratamento da enfermidade mental, fundando genuínos asilos e centros psiquiátricos para os alienados mentais. Foi um trabalho semelhante ao realizado por Tuke, na Inglaterra, Ch.iarug, na Itália (Toscana) e Langermann na Alemanha (Baviera).

121> Esquirol, o grande teórico da Psiquiatria do século XIX, discípulo de Pinel, assumiu o enfoque frenológico quando estudou as "manias" - loucuras parciais, setoriais - distinguindo três classes delas: intelectivas, afetivas e instintivas. Assim como seu mestre, teve que enfrentar a convicção da época que via nestes e noutros transtornos o reflexo de uma personalidade demoníaca, absolutamente alienada e incurável. Cf. Hering, K. H., Der Weg der Kriminologie zur selbstãndigen Wissenschaft, Hamburg, Kriminologische Schriftenreihe, 1966, p. 37.

(19) Prichard, J. C., psiquiatra inglês, autor de Treatise on insanity and other disorders ajfecting the mind, London, 1835, criou a expressão moral insanity, livre inicialmente de toda conotação ética ou moral. Consistiria em ''uma perversão mórbida dos sentimentos naturais, dos afetos ... disposições morais e impulsos naturais, sem transtorno algum digno de menção, nem defeito de seu intelecto ou em suas faculdades de percepção e raciocínio, e, particular· mente, sem fantasias ou alucinações típicas de enfermidades".

OOl Despine, P., Psychologie naturelle, Paris, 1869. Para o autor, o delinqüente é um indivíduo sem livre arbítrio nem abertura ao mundo dos valores éticos: um "louco moral".

(31> Morei, médico alemão educado na França, é autor de um Traité des dégénerescenses physiques intetectuelíes et morales de l'especie humaine, Paris, 1857. A seu juízo, diversos estigmas físicos e psíquicos degenerativos explicariam as deformidades detectadas pelo mesmo em loucos e delinqücn· tes, Referida degeneração, por sua vez, daria lugar a distintas enfermidades mentais: epilepsia, debilidade, loucura e, inclusive, ao comportamento delitivo. Loucura, crime e degeneração seriam realidades significativamente associadas. Cf. Hering, K. H., Der Weg der Kriminologie zur selbsta11digen Wissenschaft, p. 39.

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA COMO cr~NCIA 167

e) A Antropologia aparece estreitamente unida às origens da Críminologia, destacando os estudos sobre crânios de assassinos de Broca32 ou Wilson33 e as investigações de Thompson" sobre numerosos reclusos. Em abono delas veio a tese de Nicholson" no sentido de que 0 criminoso é uma variedade mórbida da espécie humana. Devemos também mencionar Lucas (1805-J 885), que enunciou o conceito de atavismo," Virgílio," que dois anos antes de Lornbroso utilizou a expressão "criminoso nato", Dally (1836-1887),38 Maudsley (1835-

C3lJ Broca (1824-1880), neurologista e patologista, acreditou ter detectado ano­ malias nos crânios dos delinquentes. Cf. Bonger, W., Introducciân a la Criminologia, cit., p. 111.

C33J Wilson, médico de prisões escocês, depois de estudar cerca de quinhentos crânios de delinqüentes, chegou à mesma tese de Thompson e Nicholson: La transmulôn hereditaria de las tendencias criminales, 1869. Cf. Gôppinger, H., Criminologia, cit., p. 23.

iJ,1) Thompson (1810-1873) é autor de: "The hereditary nature of crime" em Journal of mental science, London, 1870, v. XV, p. 487 e ss. e de Psychology of criminais, London, 1875. Sustentou o caráter hereditário da degeneração, acreditando ter encontrado estigmas congênitos físicos (na fala, na audição, na visão etc.) e mentais (epilepsia etc.) nos delinqüentes habituais, que ele qualificou de "subespécie inferior".

i3i, Nicholson ( 1845-1907), ''The morbid psychology of criminais", em Joumal of mental science, London, 1873 (julho-outubro), 1874 (abril-julho) e 1875 (janeiro-abril-julho). Cf. Rodríguez Manzanera, L., Criminologla, cit., p. 205.

(ló) Lucas, P., Traité philosophique et physiologique de l'hérédité naturelle, Paris, 1847. O autor fez referência a uma tendência criminal transmissível pela via hereditária e presente já desde o momento do nascimento do indivíduo. Cf. Hering, K. H., Der Weg der Kriminologie zur selbstãndigen Wissenschaft, Hamburg, Kriminologische Schriftenreihe, 1966, p. 39.

()ll Virgflio, A. (1836-1907), autor de Sulla natura morbosa dei delito, realizou um exame antropológico de quase trezentos condenados, analisando anoma­ lias congênitas, estigmas corporais e enfermidades orgânicas (especialmente do sistema nervoso).

<llll Dally assumiu a teoria da degeneração em sua obra Considérations SLII" les ctiminels att point de vue de {a responsabilité, afirmando que "o delito e a loucura são duas formas de decadência orgânica cerebromentais".

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}68 CRlM[NOLOGIA

1918),39 Manouvrier (1880-1927), Quatrefages (1810- 1892) e ou­ tros.40

Particular relevância teve a obra de Darwin (1809-1882). Três de suas teses foram assumidas em seu momento pela Escola Positiva: a concepção do delinqüente como espécie atávica, não evolucionada; a máxima significação concedida à carga ou legado que um indivíduo recebe por meio da hereditariedade e uma nova imagem do ser humano, privado da importância e do protagonismo que lhe conferira o mundo clássico."

~ Para repetir as palavras de Ferri: "O darwinista sabe e sente que o homem não é o rei da criação, como a Terra não é o centro do universo; o darwinista sabe, sente e mostra que o homem não é mais que uma combinação transitória, infinitesimal da vida; porém uma combinação química que pode lançar raios de loucura ou de crimina­ lidade, que pode dar a irradiação da virtude, da piedade, do gênio, mas não pode ser mais que um átomo de toda a universalidade da vida".42

3. Especial interesse possui a chamada Estatística Moral ou Escola Cartográfica, cujos principais representantes são Quetelet (1796-1874), Guerry (1802-1866), V. Mair, Fregier e Maygew, genu­ ínos precursores do positivismo sociológico e do método estatístico,

(J9J Para Maudsley, o delinqüente é "uma variedade degenerada do gênero humano" (em Crime and insanity, p. 32): uma classe especial de ser vivo, inferior, degenerado; uma subespécie mórbida cujos estigmas se perpetuam pela via hereditária. Carece de sentido moral e costuma evidenciar transtornos mentais e outras taras que padece sua família, já que mediante o delito o delinqüente exterioriza seus impulsos típicos de enfermidade. Conforme Maudsley, a falta de sentido moral poderia derivar de um déficit congênito na organização da mente.

<40) Em geral, sobre a Antropologia criminal, vide Hering, K. H., Der Weg der Kriminologie zur selbstãndigen Wissenschaft, cit., p. 44 e ss.; Rodríguez Manzanera, L., Criminologfa. México, Porrua, 1982, p. 205 e ss.: Bonger, W., Introducciõn a la Criminologia, México, Fondo de Cultura Económica, 1943, p. no e ss. e p. 112, nota 31.

(41> Em 1895 publicou Darwin, Ch. R .• El origen de las especies por medio de la selecciôn natural, e vinte anos depois, EL origen del hombre.

,m Perri, E., "li dinamismo biológico di Darwin", em Arringhe e Discorsi, Mílano, Dall'Oglio, 1958, p. 35 l.

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRlMINOLOOIA COMO Cl~NCIA 169

que criam a concepção do delito como fenômeno coletivo e fato social _ regular e normal -, regido por leis naturais, como qualquer outro acontecimento, e que deve ser submetido a uma análise quantitativa."

No começo do século XIX já não preocupavam na Europa os excessos do sistema penal, senão o incremento da criminalidade e os preocupantes problemas sociais derivados da revolução industrial, que entravam em conflito com o diagnóstico otimista e esperançoso do Iluminismo." Era imprescindível, pois, analisar e explicar de outro modo a preocupante desorganização social e adotar medidas, em conseqüência, baseadas no conhecimento empírico, que restabeleces­ sem o bem-estar social e moral da comunidade. O trânsito da estatística primitiva, rudimentar, à estatística científica teve lugar no final do século XVIII e princípio do século XIX, sendo decisivo o novo modelo de Estado - moderno e centralizado - que introduz os registros do estado civil, cujos dados serviram de base aos censos populacionais.

O espírito reformador, pois, dos primeiros cientistas sociais, que se sentiram na obrigação moral de dar uma nova resposta aos graves problemas sociais de prover da oportuna base científica a política social e, de outro lado, a progressiva identificação do paradigma científico com os métodos quantitativos e estatísticos, o surgimento dos censos populacionais, os estudos demográficos e registros, cada vez mais perfeitos e complexos, até a generalizada institucionalização dos mesmos, terminariam por impor um novo enfoque do problema criminal: o estatístico"

(43

> Sobre a Estatística Moral, vide Mannheirn, H., Comparative Criminology, London, Routledge-Kegan Paul, 1965, I, p. 95 e ss.; V. Õttingen, A., Die Moralstatistik i11 ihrer Bedeutung für eine Sozialethick, 188 l , p. 20 e ss.; Van Kan, J., Les causes économiques de la Criminalité, Paris, Lyon, 1903, p. 373 e ss.; John, V., Geschichte der Statistik, I, 1884, Stuttgart; Schneider, H. J., Kriminologie, Berlin-New York, W. de Gruyter, 1987, p. 97 e ss.; Garcia­ Pablos, A., Manual de Criminolog(a, Madrid, Ed. Espasa Calpe, 1988, p. 223 e ss.

('4) Assim, Pitch, T., Teoría de la desviaciôn social, 1984, México editorial Nueva Imagen, p. 40-4 I; Morris, T., The Criminal Area. A Study i11 social Ecology, 1957, London, Rutledge Kegan Paul, p. 38 e ss.

Hl) Neste sentido: Bongcr, W., lntroducciâti a lei Criminologia, cit., p. 101 e ss.: Mortis, T., The criminal area, cit., p. 38-43; cf. García-Pablos, A., Ma1111a/ de Criminolog[a, cit., p. 228 e ss.

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170 CRIMlNOLOGlA

A Estatística Moral ou Escola Cartográfica representa, para uns, a inevitável ponte entre a Criminologia Clássica e a Positiva; para outros o começo genuíno da moderna Sociologia Criminal científica," Em todo caso, o poderoso mito Lombrosiano" obscureceu injustamente a valiosa contribuição desta Escola, pouco estudada na Criminologia.

Para a Escola Cartográfica ou Estatística Moral o crime é um fenômeno social, de massas, não um acontecimento individual; o delinqüente concreto, com sua eventual decisão, não altera em termos estatisticamente significativos o volume e a estrutura da criminalidade. A liberdade individual, em última análise, é um problema psicológico, subjetivo, sem transcendência estatística. Para a Escola Cartográfica, em segundo lugar, o crime é uma magnitude assombrosamente regular e constante. Repete com absoluta periodicidade, com precisão mecâ­ nica, pois é produto de leis sociais que o investigador deve descobrir e formular. Como qualquer outro fenômeno natural, os fatos humanos e sociais - o crime é um deles - são regidos, em conseqüência, por leis naturais, que a mecânica e a física social conhecem. De acordo com esta análise estatística, interessa averiguar não somente as causas do delito, senão também observar sua freqüência média relativa, sua distribuição serial, e identificar suas principais variáveis. O delito, em terceiro lugar, é um fenômeno normal, isto é, inevitável, constante, regular, necessário. Cada sociedade tem sua taxa de criminalidade anual tão inexorável como a taxa de nascimentos ou falecimentos. Qualquer sociedade, em todo momento, deve pagar esse tributo, inseparável de sua organização, fatal. Finalmente, para a Escola Cartográfica, o único método adequado para a investigação do crime como fenômeno social e sua magnitude é o método estatístico."

Quetelet" sustenta que os fatos humanos e sociais são regidos também pelas leis que governam os fatos naturais, por leis físicas, e

<~, Sobre as diversas opiniões, cf. Rodríguez Manzanera, L., Criminotogta. cit., p. 316 e ss.

c•rJ Sobre o "mito lornbrosiano", vide Lindesmith, A., e Levin, Y., "The Lombrossian Myth in Criminology", em American Journal of Criminologt, n. 42, 1937, p. 669 e ss,

<4B> García-Pablos, A., Manual de Criminología, cit., p. 225. t49i Quetelet, J. A., (l 796-1874), matemático belga, demógrafo, astrônomo e

sociólogo, publicou várias obras: Sur l'homme et le développement de ses

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRTMINOLOGIA COMO CJ#lNCIA 171

propugna por uma nova disciplina ("Mecânica social"), assim como por um novo método (o estatístico) para analisar citados fenômenos, buscando a freqüência média relativa deles, sua distribuição serial etc. Antecipando-se às conhecidas leis da "saturação" de Ferri, ressaltou este autor a absoluta regularidade com que ano a ano se repetem os delitos,50 afirmando que se conhecêssemos as complexas leis que regulam o fenômeno social do crime, assim como sua dinâmica, estaríamos em condições de antecipar o número exato e inclusivea classe de delitos que se produziriam em uma sociedade em um dado momento." São conhecidas também as famosas "leis térmicas" deste autor (interdependência entre os fatores térmicos e clínicos e as diversas classes de criminalidade), assim como seus estudos comparativos da criminalidade masculina e feminina e da influência da idade na delinqüência.V

Guerry,53 por sua parte, realizou os primeiros mapas da crimina­ lidade na Europa, conferindo também especial importância ao fator

facultés, ou essai de physique sociale, Paris, 1835; Recherches sur te penchant au crime aux différent ãges", 1831; Du systême social et des lois qui le régissent; 1848. Ao autor se deve a famosa expressão budget des crime e a conhecida "Curva de Quetelet" (de distribuição do crime). Cf. Garcia­ Pablos, A., Manual de Criminología, cit., p. 229 e ss.

<50> Sobre a "assombrosa regularidade e constância" do crime, vide Quetelet, 1. A., Phisique Social, cit., I, p. 95-97. Quetelet participou de um rigoroso determinismo científico, mas politicamente foi um reformista. De qualquer modo, seu otimismo realista e a fé nas reformas sociais distam muito da fé cega e ingênua na razão e no progresso que professavam os iluministas. Cf. Garcfa-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 230.

(511 Quanto à "Curva de Quetelet" (distribuição do crime com apoio na Lei de Gauss), vide García-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 231 (fig. l).

<51

> Sobre todos estes pontos, vide Rodríguez Manzanera, L., Criminologia, cit., p. 318-320.

(JJI Guerry, A., (1802-1866), francês, reuniu durante trinta anos as estatísticas européias aplicando ao estudo das mesmas o método cartográfico. Sua obra Essai sur la Statistique Mora/e de la France" (1833), mais descritiva que valorativa, revisa a importância do fator climatológico e submete a distribui­ ção do crime na França a uma análise geográfica que lhe permite rebater algumas crenças e convicções muito arraigadas em sua época. Cf. García­ Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 233 e ss.

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172 CRlMINOLOGIA

térmico. Observou, também, o volume constante da criminalidade em um país, assim como a necessidade de explicá-la não a partir de leis metafisicas ou abstratas, senão com um método (estatístico) que contemple o homem real em situações históricas concretas e determi­ nadas, capaz de formular cientificamente as leis naturais - leis do ser, não do dever ser -, que governam o fenômeno coletivo e social da criminalidade.>'

A estatística social teve, ao longo do tempo, um duplo âmbito de influência: por um lado, inspirou a direção sociológica do positivismo europeu, como se pode observar no pensamento de Ferri; de outro, provocou decisivo impacto na moderna Sociologia Criminal norte­ americana, cujo ponto de partida foi a denominada Escola de Chicago.

Para os representantes da Estatística Moral, assim, o crime é uma magnitude estável, é dizer, existe um volume constante e regular de criminalidade na sociedade. Essa premissa, sem embargo, seria poste­ riormente debatida e questionada por autores que optaram por uma análise dinâmica do comportamento criminal, os quais ressaltaram não só os movimentos da criminalidade, senão a conexão entre eles e as principais transformações sociais ocorridas: guerras, modificação dos preços de certos produtos de primeira necessidade, crises socio­ econômicas etc. 55

Cabe citar, com esta orientação, Moreau-Cristophe (1791-1898),56 que destacou a conexão existente entre o desenvolvimento industrial inglês durante os anos 1814 e 1848, de uma parte, e o agudo crescimento da pobreza, que traria consigo superiores índices de criminalidade. Também a obra de V. Õttingen, que ressaltou o movi­ mento da criminalidade e sua conexão com a guerra, com os preços de certos produtos, a época do ano, o clima, a profissão etc. De acordo com seu juízo, as estatísticas comprovam que em tempo de crise

o,i, Apreciação de Guerry muito similar aos pontos de vista de Ferri. Cf. Radzinowicz, L., King, J., The Growth of Crime, cit., p. 75.

0j1 Sobre a posterior evolução da Estatística Moral, vide García-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 235 e ss.

1s61 Autor de Du problême de la misere et de la solution chez les peuples anciens et modernes. Num sentido semelhante, Ducpétiaux ( l 084-1868), na sua obra Le paupérisme dans les Flandres, relacionou a aguda crise industrial e a perda da colheita de batata com a criminalidade.

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aumenta o delito de roubo e, de maneira especial, os delitos cometidos por mulheres e crianças; enquanto cm tempo de prosperidade se incrementaria a criminalidade violenta e agressiva/" G. V. Mayr," questionou a chamada freqüência relativa do delito por considerar insustentável a tese de Quetelet do vo1ume constante da criminalidade. Segundo seu ponto de vista, pelo contrário, as oscilações ambientais e temporais - e as espaciais - seriam muito significativas. De modo muito particular, volume e movimento da criminalidade seriam fatal e necessariamente condicionados por fatores sociais, que fogem da livre decisão humana. V. Mayr sustentou também a existência de uma cláia correlação estatística entre os delitos contra o patrimônio e o preço do grãos e sementes da época.59 Cabe citar ainda Rawson W. Rawson, representante genuíno da ecologia social, que formulou uma análise comparativa da criminalidade nos diversos distritos (agrícolas, fabris, minerais e metropolitanos) e chegou à conclusão de que o emprego seria um fator decisivo; e junto com o emprego o processo de concentração urbana, mais importante que a própria densidade da população.f Por último, merece menção Mayhew61 por seu caráter

<5)) V Õttingen (1827-1905), teólogo alemão, é autor de Die Moral-Statistik in inher Bedeutung für eine Sozialethik. Cf. Schneider, H. J., Kriminologie, cit., p. 99 e ss.

r51> G. V. Mayr (1841-1925), alemão, foi autor de numerosas publicações que aparecem ao longo de quarenta anos: Statistlk der gerichtlichen Polizei im Kõnigsreich Bayern, Statistik und Gessellschaftslehere, Kriminalistik und Kriminalãtiologie. Sobre sua contribuição, cf. Schneider, H. J., Kriminologie, cit., p. 100 e ss.

<l9> Vide Beitrãge zur Statistik der Kõnigsreicli Bayern, cit., p. 249. Sobre o diagrama de V. Mayr relacionando os delitos de roubo e o preço das semente de Baviera, vide García-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. '237 (fig. 3); cf. Bonger, W., Introducciõn a la Criminologia, cit., p. 108.

(t,(l) Autor de "An lnquiry into the Statistics of Crime in England and Wales", 1839, publicou em Journal Stattsttcat Society London, 1839, vol. 2. Cf. Mortis, T., The Criminal Area, cit., p. 53-54. Um influente sucessor do mesmo foi J. Fletcher, que publicou seu "Moral and Educational Statistic ofEngland and Wales" (1848-1849) relacionando instrução e criminalidade cm Iournal Statistical Society London, 1848, v. TI, p. 344-366; e v. 12, 1849, p. 151-335.

rin Suas duas obras principais: London Labour and tire London Poor (1862) e The Criminal Prisons of Lo11do11 and Scenes from Prisons Life.

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174 CRIMlNOLOGlA

reformador e por sua intensa atividade investigadora que conferem à ua obra um perfil muito singular. Diferentemente dos outros autores, não se limitou a interpretar as estatísticas oficiais, senão que conseguiu pessoalmente a informação e os dados necessários in situ, é dizer, nas ruas e casas comerciais de Londres. Seu propósito era demonstrar que o crime é um fenômeno que se perpetua através de atitudes anti-sociais e pautas de condutas transmitidas de geração a geração em um contexto social caracterizado pela pobreza, pelo álcool, pelas deficientes condi­ ções de moradia e pela segurança econômica. Segundo Mayhew, contra posturas academicistas e moralizantes de sua época, o crime não procede da mera flacidez moral nem de forças sobrenaturais, senão de condições sociais do momento. Sua obra é um excelente documento sobre a cidade de Londres na época vitoriana, que está acompanhado de mapas e tabelas que refletem a distribuição delitiva de acordo com quinze variáveis e por regiões."

c~n Mayhew é um genuíno precursor da Ecologia social e sua obra contém sugestivas análises de áreas. Vide Morris, T., The Criminal Area, cit., P· 60-63.

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m

A ETAPA CIENTÍFICA DA CRIMINOLOGIA

A etapa científica, em sentido estrito, da nossa disciplina começa no final do século passado com o positivismo criminológico, isto é, com a Scuola Positiva italiana que foi encabeçada por Lombroso, Garófalo e Ferri. Surge como crítica e alternativa à denominada Criminologia clássica, dando lugar a uma polêmica doutrinária conhecidíssima, que é, em última análise, uma polêmica sobre métodos e paradigmas do científico ( o método abstrato e dedutivo dos clássicos, baseado no silogismo, frente ao método empírico-indutivo dos positivistas, baseado na observação dos fatos, dos dados). A Scuola Positiva italiana, no entanto, apresenta duas direções opostas: a antropológica de Lombroso e a sociológica de Ferri, que acentuam a relevância etiológica do fator individual e do fator social em suas respectivas explicações do delito. De qualquer maneira, esta Escola, enquanto ponto de partida da Criminologia "empírica", inaugura o debate contemporâneo sobre o crime e a polêmica entre as diversas Escolas.

Para o efeito da presente exposição, distinguiremos dois momen­ tos: o da Escola Positiva e o posterior da "luta" de Escolas.

1. A Escola (Scuola) Positiva 1

O fator aglutinante do positivismo criminológico foi o método empírico-indutivo ou indutivo-experimental que era sustentado pelo

u> Sobre a Escola Positiva, vide Mannheim, H., Pioneers in Criminology, cit. (Introducción); Sicgel, L. J. Criminology, cit., p. 123 e ss.: Vold, G. B.,

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176 CRIMINOLOGIA

eus representantes frente à análise filosófico-metafísica que reprova­ am na Criminologia Clássica. Referido método se ajustava ao esquema "causal-explicativo", que o positivismo propôs como modelo ou paradigma de "ciência". Os postulados da Escola Positiva, em contraposição aos da Escola Clássica, 2 podem ser sintetizados desta maneira: €> delito é concebido como um fato real e histórico, natural, não como uma fictícia abstração jurídica: sua nocividade deriva não da mera contradição com a lei que ele significa, senão das exigências da vida social, que é incompatível com certas agressões que põem em perigo suas bases; seu estudo e compreensão são inseparáveis do exame do delinqüente e da sua realidade social; interessa ao positivismo a etiologia do crime, isto é, a identificação das suas causas como fenômeno, e não simplesmente a sua gênese, pois o decisivo será combatê-lo em sua própria raiz, com eficácia e, sendo possível, com programas de prevenção realistas e científicos; a finalidade da lei penal não é restabelecer a ordem jurídica, senão combater o fenômeno social do crime, defender a sociedade; o positivismo concede prioridade ao estudo do delinqüente, que está acima do exame do próprio fato, razão pela qual ganha particular significação os estudos tipológicos e a própria concepção do criminoso como subtipo humano, diferente dos demais cidadãos honestos, constituindo esta diversidade a própria explicação da conduta delitiva.

-..t, O positivismo é determinista, qualifica de ficção a liberdade humana e fundamenta o castigo na idéia da responsabilidade social ou na do mero fato de se viver em comunidade. Por último, ao contrário da Criminologia Clássica, que tinha conotações com o pensamento iluminista e que adotou uma postura crítica frente ao ius puniendi estatal, o positivismo criminológico carece de tais raízes liberais, é dizer, propugna por um claro antiindividualismo inclinado a criar obstáculos à ordem social, e se caracteriza adernais por sobrepor a rigorosa defesa da ordem social frente aos direitos do indivíduo e por

Theoretical Crimlnologv, cit., p. 35-47; Hering, H. K., Der Weg der Kriminologte zur selbstãndigen Wissenschaft, cit., p. 27-87; Marro, A., Precursori e primordi deli 'antropologia criminale, 1908, Turin; Bonger, W., Introducciôn a la Criminologta, cit., p. 110 e ss.; García-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 241 e ss.

m Cf. Garcfa-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 243 e ss. (especial­ mente p. 267 e ss.),

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA COMO Cf~NCIA 177

diagnosticar o mal do delito com simplistas atribuições a fatores patológicos (individuais) que exculpam de antemão a sociedade.

a) A antropologia de Lombroso.3 Lombroso (1835-1909) repre­ sentou a diretriz antropológica. Sua obra Tratado Antropológico Expe­ rimental do Homem Delinqüente, publicada em 1876, marca as origens da Criminologia científica, e ele é considerado o seu fundador.

Médico, psiquiatra, antropólogo, político, foi um homem polifacético e genial, como demonstra sua extensa obra que aba~ca temas médicos (v.g., Medicina legal), psiquiátricos (Os avanços da Psiquiatria), psicológicos (0 gênio e a loucura), demográficos (Geo­ grafia médica), criminológicos (L'uomo delincuente), políticos (os dois volumes aparecidos em Avanti, órgão de divulgação do Partido Soci­ alista italiano dos trabalhadores, ao qual pertenceu), assim como outros históricos, astrológicos e espíritas. No total, mais de seiscentas publi­ cações."

A contribuição principal de Lombroso para a Criminologia não reside tanto em sua famosa tipologia (onde destaca a categoria do "delinqüente nato") ou em sua teoria criminológica,5 senão no método que utilizou em suas investigações: o método empírico. Sua teoria do "delinqüente nato" foi formulada com base em resultados de mais de quatrocentas autópsias de delinqüentes e seis mil análises de delinqüen­ tes vivos; e o atavismo que, conforme seu ponto de vista, caracteriza o tipo criminoso - ao que parece -, contou com o estudo minucioso de vinte e cinco mil reclusos de prisões européias. 6

(3> Para uma resenha bibliográfica sobre C. Lombroso, vide Garcfa-Pablos, A., Manual de Criminologia, Madri, Espasa, 1988, p. 251; também Marvin E. Wolfgang, "Cesare Lombroso", em Pioneers in Criminology, cit., p. 168 e W·

(4> Uma sistematização da prolixa obra de Lombroso, em Rodríguez Manzanera,

L., Criminologia, cit., p. 254; Marvin E. Wolfgang, em "Cesare Lombroso", cit., p. 225-226.

<l> No pensamento lombrosiano influíram vários autores, especialmente: Comte, Darwin, Virchow e Haeckel. Mas, em todo caso, Lornbroso sofreu influência do clima científico e cultural de sua época: do positivismo francês, do materialismo alemão e do evolucionismo inglês. Cf. Marvin E. Wolfgang, em "Cesarc Lornbroso", Pioneers, cit. p. 170-182.

<6> Vide Rodríguez Manzanera, L., Criminologia, cit., p. 274.

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17 CRIMINOLOGIA

Do ponto de vista tipológico," distinguia Lombroso seis grupos de delinqüentes: o "nato" (atávico), o louco moral (doente), o epilético, o louco, o ocasional e o passional. Essa tipologia seria enriquecida, posteriormente, com o exame da criminalidade feminina (la Donna deiincuente)8 e do delito político (El crimenpolltico y las revoluciones). Em todo caso, Lombroso mitigaria suas iniciais classificações tipológicas em sua obra. - escrita em época mais madura - El crimen, causas y remedias, que implica o reconhecimento da transcendência dos fatores ociais e exógenos no delito."

Dentro da teoria lornbrosiana da criminalidade ocupa um lugar destacado'? a categoria do delinqüente "nato", isto é, uma subespécie

m A tipologia lombrosiana consolida-se na 4. • edição do l 'uomo delincuenu, 1889, Torino, Bocca, dois volumes (l." edição, 1876, Milano, Hoepli, um volume).

li> Lombroso, C. e Ferrem, G., La Dorma Delincuente, La Prostituta e La Donna Normale, Torino, Bocca, 1903. Lombroso, ao que parece, não concebeu a mulher delinquente como um subtipo autônomo e sui generis, porém suas idéias a respeito eram muito significativas. Conforme esse autor, a forma natura) de regressão na mulher é a prostituição, não o crime. A prostituição seria um fenômeno atávico específico da mulher, sucedâneo e substitutivo da criminalidade. Os estigmas degenerativos do delinquente "nato" são, confor­ me Lombroso, muito mais temíveis que seu homônimo masculino. Cf. Ma.rvin E. Wolfgang, "Cesare Lornbroso", em Pioneers, cit., p. 191-192.

C9l Lornbroso deu importância, também, ao fator "classe social", contrapondo a criminalidade "violenta" das classes sociais baixas à criminalidade astuta, fraudulenta, própria das classes privilegiadas. Uma célebre passagem da obra citada - dificilmente conciliável com a ideologia política (socialista) do autor - justifica tal contraposição invocando a superioridade daquelas últimas- por ser classes hiperevoluídas -. enquanto as classes sociais oprimidas represen­ tariam o passado e a brutalidade atávica. Semelhante contradição se verifica, também, no socialista Ferri (vide o notável paralelismo entre El crimen, sus causas y remedios, Boston, 1913, Little Brown, p. 52, e Los Nuevos Horizontes del Derecho e e! Procedimiento Penal, cit., p. X. 6 e 250-252).

,,ri) Não obstante -e por influência de Ferri -, Lombroso foi diminuindo progres­ sivamente a importância do tipo de "delinquente nato". No princípio sustentava que este tipo representaria de 65% a 70% do total da criminalidade. O percentual foi reduzido a 40% na última edição de L/uomo delincuenre. Em sua obra de sua fase madura (E! crimen; sus causas y remedias) sustentou o autor que só 1/3 dos delinqüentes pertenciam à categoria de "delinquentes natos".

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA COMO Cl~NCIA 179

ou subtipo humano (dentre os seres vivos superiores, porém sem alcançar o nível superior do "homo sapiens'í'i, degenerado, atávico 11 (produto da regressão, não da evolução das espécies), marcado por uma série de "estigmas", que lhe delatam e identificam e se transmitem por via hereditária. Lombroso iniciou suas investigações antropológicas a partir do que supôs encontrar ao examinar o crânio de um conhecido delinqüente ("uma grande série de anomalias atávicas, sobretudo uma enorme fosseta occipital média e uma hipertrofia do lóbulo cerebeloso mediano (vermis), análoga à que se encontra nos vertebrados inferio­ res")." E baseou o "atavismo" ou caráter regressivo do tipo criminoso no exame do comportamento de certos animais e plantas, no de tribos primitivas e selvagens de civilizações indígenas e, inclusive, em certas atitudes da psicologia infantil profunda. 13

.....p De acordo com o seu ponto de vista, o delinqüente padece urna série de estigmas degenerativos comportamentais, psicológicos e so­ ciais (fronte esquiva e baixa, grande desenvolvimento dos arcos supraciliais, assimetrias cranianas, fusão dos ossos atlas e occipital, grande desenvolvimento das maçãs do rosto, orelhas em forma de asa, tubérculo de Darwin, uso freqüente de tatuagens, notável insensibili­ dade à dor, instabilidade afetiva, uso freqüente de um determinado jargão, altos índices de reincidência etc.).14

<11

> A descrição do delinqüente "nato" como tipo inferior, atávico e degenerado, em L'uomo delincuente, Torino, Fratelli Bocca, 1889, 4.ª ed., I, p. 59 e ss., e 62-68. A obra termina com esta afirmação: "Portanto, o delito se nos apresenta como um fenômeno natural". A idéia do "atavismo" ou regressão das espécies a um nível filogenético do desenvolvimento muito anterior já havia sido formulada, dentre outros, por Darwin (Descent of Man, 1881, 2.ª ed., p. 137) e é retomada por Lombroso por ocasião de certos estudos antropométricos realizados por este.

<12l Lombroso, C., "Discours d'Ouverture du VI Congres d'Antropologie Criminellc", em Annales Iniemationales de Criminologie, 6 Anne, 2. Sem., Paris, 1967, p. 557 e ss. Como acreditou confirmar este "descubrimento" ao estudar, depois, a Verzcni (um sádico e violador) e aMisdea (soldado epiléptico e assassino), cm Marvin E. Wolfgang, "Cesare Lombroso", cit., p. l 84~ 185.

U3> Para uma exposição e crítica do singular "evolucionismo" lombrosiano, vide Bonger, W., Introducciõn a la Criminologia, cit., p. 116 e ss.

0~> Lombroso, C., L'uomo deltncuente, cit., l 897, 5." ed., 1, p. J os estigmas e retrato "robot" lombrosiano do delinqüente nato, vide Marvin E. Wolfgang, "Cesarc Lombroso", cit., p. 186 e ss.; Martín Garcfa, Alicia,

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180 RIMINOLOGIA

Em sua teoria da criminalidade Lombroso inter-relaciona 0 atavismo, a loucura mora! e a epilepsia: o criminoso nato é um ser inferior, atávico, que não evolucionou, igual a uma criança ou a um louco moral, que ainda necessita de uma abertura ao mundo do valores; é um indivíduo que, ademais, sofre alguma forma de epilepsia, com suas correspondentes lesões cerebrais. 15

A tese Lombrosiana foi muito criticada desde os mais variados pontos de vista.16Censura-se em Lombroso seu particular evolucionismo, carente de toda base empírica, já que nem o comportamento de outros ercs vivos é extrapolável ao do homem, nem se demonstrou a existência de taxas superiores de criminalidade dentre as tribos primi­ tivas, senão o contrário.17 Costuma-se reprovar, também, o suposto caráter atávico do delinqüente nato e o significado que Lombroso atribui aos "estigmas", em seu entender, degenerativos. Não parece que exista correlação necessária alguma entre os estigmas e uma tendência criminosa.'! Não é difícil encontrar em qualquer indivíduo alguns desses traços, sem que isso tenha uma explicação atávica e ancestral, nem muito menos criminógena. Pelo contrário, é uma evidência que nem todos os delinqüentes apresentam tais anomalias e, de outro lado, nem os não-delinqüentes estão livres delas. Não existe, pois, o "tipo criminoso", de caráter antropológico, diferente de qualquer outro indivíduo não-delinqüente, dotado de determinadas características de identidade que o revelem. Não é correto, ademais, examinar o crime sob a ótica exclusiva do autor, menosprezando a relevância dos fatores exógenos, sociais etc.

b) A sociologia criminal de Ferri. Ferri (1856-1929), por sua parte, representa a diretriz sociológica do posíti vismo."

"Antecedentes en el estudio de la delincuencia", em Delincuencia. Teorfa e lnvestigaclôn, cit., p. 34 e ss.

cui Sobre a teoria lombrosiana, vide Rodríguez Manzanera, L., Criminología, cit., p. 271. Cf. García-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 259 e ss.

061 Um resumo das citadas críticas, em García-Pablos, A., Manual de Criminologia, cír., p. 262 e ss.

íl7J Vide Bonger, W., lntroducciân a la Crlminologta, cit., p. J 16-120. l"J Vide Bonger, W., Introducciõn a la Criminologia, cit., p, 123 e ss. ci9t Uma resenha bibliográfica sobre Ferri, em García-Pablos, A., Manual de

Criminología, cit., p. 266, nota 146.

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA COMO CIBNCIA 181

Professor universitário, advogado célebre, político militante (tam­ bém do Partido Socialista dos Trabalhadores, do qual foi fundador) e reputado cientista, costuma ser considerado o "pai da moderna Soci­ ologia Criminal". Fundou a revista La Scuola Positiva, 6rgão de difusão do positivismo criminológico italiano, assim como a conhecida Avanti, que era porta-voz do ideal socialista.

A mentalidade positivista apareceu na primeira obra de Ferri, sua tese de doutoramento, na qual rechaça o livre arbítrio, qualificando-o de mera "ficção"." Mas tal determinismo, incompatível com o ensi­ namento de seu mestre Carrara (um clássico), não mereceu ainda o total reconhecimento por parte de Lombroso, que não o considerou sufici­ entemente positivista." Faltava-lhe, segundo seu ponto de vista, domi­ nar um determinado método de investigação. A permanência de Ferri em Paris, com o antropólogo Quatrefages, permitiu-lhe analisar o extenso trabalho e materiais dos "estatísticos morais", assim como familiarizar-se com as concepções antropológicas, que tomaram viva sua admiração por Lombroso. A partir daí passou a visitar prisões e examinar crânios, como este, compreendendo a importância do método "positivo", isto é, da observação empírica, da análise dos fatos, da experimentação, único método, segundo seu juízo, "científico", que deveria substituir o silogismo e a dedução acadêmica dos "clássicos".22

Ferri é justamente conhecido por sua equilibrada teoria da crimi­ nalidade (equilibrada apesar do seu particular ênfase sociológico), por seu programa ambicioso político-criminal (substitutivos penais) e por sua tipologia criminal, assumida pela Scuola PositivaP Ferri censurou

(lOJ La negazione del libero arbimo e la teoria dell'imptüabilità, 1877. an Vide Ferri, E., "Polémica in difesa della Scuola criminaJe positiva", 1886.

Reimpressão em Studi sulla criminalitã ed altri saggi, cit., p. 234-239 e 245 e ss. Depois de sua estada em Paris, Ferri reconheceu "haver digerido e assimilado quilos de estatísticas criminais e de realizar, ademais, os oportunos estudos antropológicos ... '', isto é, sua "conversão ao método positivo" (ob. cit., p. 149).

mi Ferri é um dos principais teóricos do método positivo e crítico com respeito ao pensamento abstrato-formal e dedutivo dos clássicos. Vide, do autor, "Il mctodo ncl Diritto Criminale", em La Scuola Positiva. 1929, p. 116

mi O próprio Ferri, E. sintetizou assim sua contribuição à Criminologia: vid. Principi di Diritto Criminale, 1928, Torino, Utet, XVI. Cf. García-Pablos, A., Manual de Criminología, cit., p. 269 e ss.

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]82 CR[MINOLOOIA

os "cléssicos" porque renunciaram a uma teoria sobre a gênese da criminalidade, conformaadn-se em partir da constatação fática desta, uma vez ocorrida. Propugnava, em seu lugar, por um estudo "etiológico" do crime, orientado à busca científica de suas "causas"."

O delito, para Ferri, não é produto exclusivo de nenhuma patologia individual (o que contraria a tese antropológica de Lornbroso), senão - como qualquer outro acontecimento natural ou social. - resultado da contribuição de diversos fatores: individuais, físicos e sociais. Distin­ guiu, assim, fatores antropológicos ou individuais (constituição orgâ­ nica do indivíduo, sua constituição psíquica, características pessoais como raça, idade, sexo, estado civil etc.), fatores físicos ou telúricos (clima, estações, temperatura. etc.) e fatores sociais (densidade da população, opinião pública, família, moral, religião, educação, alcoo­ lismo etc.)." Entende, pois, que a criminalidade é um fenômeno social como outros, que se rege por sua própria dinârnica,26 de modo que o cientista poderia antecipar o número exato de delitos, e a classe deles, em uma determinada sociedade e em um momento concreto, se contasse com todos os fatores individuais, físicos e sociais antes citados e fosse capaz de quantificar a incidência de cada um deles. Porque, sob tais premissas, não se comete um delito mais nem menos (lei da "saturação criminal")."

ão menos célebre é a teoria dos "substitutivos penais", com a qual sugere Ferri um ambicioso programa político-criminal de luta e prevenção ao delito, m.enosprezando e dispensando o Direito Penal."

124) Ferri, E., Los nuevos horizontes del Derecho Penal e de Procedimienio, cit., (futrcxlucción), IX e p. 248-249. Por isso proclama sua célebre "oração fúnebre pelo Direito Penal clássico" (ob. cit., p. 23).

CUl Vide Perri, E., Los nuevos horizontes, cit., p. 217,219. Ferrí, não obstante, acentua os fatores sociais em razão da maior relevância "etiológica" dos mesmos e por tratar-se dos mais acessíveis ao legislador que pode neutralizá­ los (ob. cit., p, 220-221).

126l Ferri, E., Los nuevos horizontes, cit., p. 233 e ss, mi Sobre referida "Lei da. saturação", seguindo em parte a tese de Quctelet, vide

Ferri, E., los n.uevos horizontes, cít., p. 228 e ss. uii Vide Ferri, E., "Dei sosmutívi pcnalí", em Archivio di Psichtatria. I, 1880

(Lição inaugural); também, em Los nuevos horizontes, cit., p. 247 e ss, (especialmente, 270 a 303). Cf. García-Pablos, A., Manual de Críminología, cit., p. 273 e ss.

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA COMO Cl~NCIA 183

Sua tese é a seguinte: o delito é um fenômeno social, com uma dinâmica própria e etiologia específica, na qual predominam os fatores "sociais". Em conseqüência, a Juta e a prevenção do delito devem ser concreti­ zadas por meio de uma ação realista e científica dos poderes públicos que se antecipe a ele e que incida com eficácia nos fatores (especial­ mente nos fatores sociais) criminógenos que o produzem, nas mais diversas esferas (econômica, política, científica, legislativa, religiosa. familiar, educativa, administrativa etc.), neutralizando-os.

A pena, conforme Ferri, seria, por si só, ineficaz, se não vem precedida ou acompanhada das oportunas reformas econômicas, sociais etc., orientadas por uma análise científica e etiológica do delito. Por isso é que ele propugnava, como instrumento de luta contra o delito, não o Direito Penal convencional, senão uma Sociologia Criminal integrada, cujos pilares seriam a Psicologia Positiva. a Antropologia Criminal e a Estatística Social." Quanto à "tipologia" de Ferri, basta recordar que parte da existência ideal de cinco tipos básicos de delinqüentes ("nato", "louco", "habitual", "ocasional" e "passional") - aos quais acrescentaria a categoria do delinqüente "involuntário" ("imprudente" em nossa terminologia atual)." Mas também admitia a freqüente combinação na vida cotidiana de características dos respec­ tivos tipos em uma mesma pessoa, o que outorga a sua tipologia uma saudável flexibilidade.

<19l Ferri, E., Los nuevos horizontes, cit., p. 400. "A Justiça Criminal do futuro - dizia o autor - deve ser administrada por juízes que tenham suficientes conhecimentos não de Direito Civil ou Romano, senão de Psicologia, de Antropologia e de Psiquiatria. Que possam realizar uma profunda discussão científica sobre o caso concreto, em lugar de invocar brilhantes logomaquias. A análise e solução de cada caso real é um problema 'científico' que deve ser abordado com critérios desta classe (psiquiátricos, antropológicos etc.) e não jurídico-formais, como se de um contrato privado se tratasse", conclui Ferri (vide Studi sulla criminalitã ad altri saggi, cít., p. 216-233).

<301 O legado lombrosiano é patente na teoria de Ferri. Assim, e conforme este

autor, as investigações antropológicas teriam demonstrado que "o homem delinqüente ... " constitui "uma variedade antropolõgica., completamente diversa do tipo normal do homem são, adulto e civilizado"; ... "um selvagem perdido em nossa civilização ... que reproduz as características orgânicas e psíquicas da humanidade primitiva" (vide Los 1111evos horizontes, cit., p. 127- 128). De fato, Ferri sustentou a existência de estigmas físícos e psíquicos no diversos subtipos de delinqüentes (ob. cit., p. 130-132).

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184 CRIMINOLOOIA

Uma última reflexão política obriga ressaltar as contradições e debHidades de Ferri, autor que disse ter se sentido "marxista"," e a inclinação totalitária de algumas teses positivistas. Ferri lamentou empre o excessivo "individualismo" dos clássicos e sua contínua remissão aos "direitos do individuo" (delinqüente), em detrimento da defesa eficaz. da sociedade. Propugnou, como bom positivista, pela justiça da ordem social (da ordem social da burguesia que estava nascendo, em última análise) e pela necessidade de sua defesa a todo custo,32 incluindo o sacrifício dos direitos individuais, da segurança jurídica e da própria humanidade das penas. Daí sua ingênua confiança no regime fascista (que reforçaria o princípio de autoridade, freio do individualismo liberal), sua preferência pelo sistema de medidas de egurança (livres do formalismo e da obsessão pelas garantias indivi­ duais dos juristas)" e pela sentença indetenninada; sua hostilidade em relação aos jurados (N. do T.: juízes não profissionais) (pois pretendia uma administração técnica e profissionalizada)" (N. do T.: juízes de 'bata", não de "toga" ) e inclusive a admissão, ainda que só em alguns casos, da pena de morte.35

e) O positivismo moderado de Garófalo. Garófalo (1852-1934) ustentou um positivismo moderado. Boa parte do êxito e da difusão

(3l) Ferri, E., Difesa penali, I, p. 8. Cf. Sellin, Th., "E. Ferri", em Pioneers in Criminology, London, 1960, Steven/Sons Limited, p. 289 e ss.

mi Precisamente, a eficaz defesa da sociedade, a todo custo, seria a "razão histórica" da Escola Positiva. Vuie Ferri, E., Los nuevos horizontes, ciL, X. O autor contrapõe a "luta contra o delito" (missão do positivismo) à "luta contra o castigo" (tarefa histórica do "garantismo" clássico) (ob. cit., p. 4 e ss.).

<3Ji Ferri era partidário de um Código preventivo "a médio e a longo prazo muito mais eficaz que os arsenais punitivos" ... , "porque a estatística nos prova que as penas têm uma resistência infinitesimal contra o choque da criminalidade, quando no ambiente social se desenvolveram os germes ... " (Los nuevos horizontes, cit., p. 303).

<341 Perri, E., Los nuevos horizontes, cit., p. 239. García-Pablos, A., Manual de Criminología, cit., p. 271. De idéias semelhantes participava Lombroso.

os, Fcrri, como Lombroso, era partidário da pena de morte, tanto pela sua função exemplar, como de "seleção" ao eliminar a "raça criminal". Porém lamentava seu escasso impacto dissuasório ou intimidatório devido à sua pouca aplicação. Vide Los nuevos horizontes, cit., p. 378 e 381.

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA COMO Cl~NCIA 185

da Scuola Positiva deve-se à prudência deste autor, que foi jurista, magistrado, politicamente conservador, e que soube reformular os postulados da referida escola pensando, antes de tudo, na melhor difusão dos mesmos e na possibilidade de sua recepção pelas leis, sem dogmatismos nem excessos doutrinários.36

Embora fosse fiel às premissas metodológicas do positivismo (método empírico), caracterizaram-no, não obstante, a moderação e o equilíbrio, que o distanciaram tanto da Antropologia lombrosiana como do sociologismo de Ferri. Vejamos os três aspectos fundamentais de seu penssamento: seu conceito de "delito natural", sua "teoria da crim!pa­ lidade" e o "fundamento do castigo ou teoria da pena".

Para Garófalo37 os positivistas, até então, haviam se esforçado para descrever as características do delinqüente, do criminoso, em lugar de definir o próprio conceito de "crime" corno objeto específico da nova disciplina (Criminologia). Por isso, ele pretendeu criar uma categoria, exclusiva da Criminologia, que permitisse, segundo seu juízo, delimitar autonomamente o seu objeto, mais além da exclusiva referência ao sujeito ou às definições legais. Referida categoria consiste no "delito natural", com o qual se distingue uma série de condutas nocivas per se, em qualquer sociedade e em qualquer momento, com independência inclusive das próprias valorações legais mutantes.38 Sua definição, no entanto, decepcionou, já que dificilmente se pode elaborar um catálogo absoluto e universal de crimes, sobretudo quando se vale de conceitos

136> Para uma resenha bibliográfica sobre Garófalo, vide García-Pablos, A., Manual de Criminologfa, cit., p. 276, nota 212.

P7l As principais obras de Garõfalo, R., são: Criminología, 1885, Nápoles (cita­ se a 2.ª ed., Turin, 1891 ); Di un criterio positivo dei/a penalità, Nápoles, 1880; Cio che dovrebbe essere un giudizio penale, Turin, 1882, Loescher; Riparazione alle vittime del delito, Turin, 1887, Bocca; IA superstitione socialista, 1895, Paris. F. Alcan.

01> Garõfalo, R., Criminologia (2.ª ed.), p. 5 e ss. (especialmente: 30) ... "a lesão daquela parte do sentido moral que consiste nos sentimentos altruísta fundamentais: a piedade e a probidade. Ademais, a lesão deve ser ... na medida média em que são possuídos por uma comunidade e que é indispensável para a adaptação do indivíduo à Sociedade". Os sentimentos de "piedade" (rechaço da causação voluntária de sofrimento aos demais) e o de "probidade" (respeito aos direitos de propriedade alheios) integrariam a sensibilidad moral de uma sociedade.

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CRIMINOLOGIA

orado Montero (1861-1919) concilia os postulados positivistas com a filosofia correcionalista de grande tradição na Espanha (Giner de Los Rios, Concepción Arenal, Luís Silvela etc.).? Esta filosofia evita, precisamente, que a utopia do autor incorra nos excessos defensistas de outros positivistas. Dorado Montero propugnou por um Direito "protetor dos criminosos", um novo Direito "tutelar", não repressivo." dirigido a modificar e corrigir a vontade delitiva indivi­ dual," cujas causas deviam ser analisadas, cientificamente, caso a caso, com a ajuda da Psicologia. Em sua "Pedagogia correcional", os magistrados e os advogados seriam substituídos por funcionários especializados que assumiriam competências judiciais, administrativas e policiais; e, logicamente, a pena seria substituída por um tratamento individual i zador, 50

Rafael Salillas, médico, foi o representante mais genuíno do positivismo criminológico espanhol, de orientação sociológica." Mais que com a análise empírica da pessoa do delinqüente, ele se preocupou com o estudo do meio social deste, servindo-se de enfoques preferen­ temente psicológicos e sociológicos. Para Salillas, o delinqüente não é um subtipo humano, atávico e degenerado, senão uma criatura do meio em que vive, produto deste; a "raiz imediata" do delito, afirmava,

<47l Como adverte Rivacoba Y Rivacoba, M., em El centenario dei nacimiemo de Dorado Montero, 1962, Santa Fé, p. 85 e ss.

C4'J Conforme Dorado Montero, a Justiça Penal se acha em crise e o Direito Penal retributivo a "caminho de sua tumba". É necessário um novo Direito "preventivo", correcional, constituído sobre bases positivistas "Dei Derecho Penal represivo ai preventivo", em Derecho protector de los criminales, 1915, Madrid, L p. 316 e ss.

C49l Para o autor - e diferentemente das teses positivistas - o delinqilente não é um animal selvagem e temível senão um menor, um ser débil e necessitado de tutela. Razão pela qual a "odiosa" função penal deveria tomar-se preventiva, correcional, educadora e protetora do mesmo (Bases para un nuevo Derecho Penal, Barcelona, Manuales Gallada, p. 13-18 e 36 e ss.).

~ Na "Utopia" de Dorado Montero o juiz se converte em um autêntico "médico penal" que exerce a "cura de almas" (Bases para un nuevo Derecho Penal, cít., p. 95 e ss.),

csi> Em Salillas, como adverte Cerezo Mir, J., (Curso de Derecho Penal, cit., P· 107, nota 110) é mais acentuada a influência positivista que a correcionalista.

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA COMO Ctê.NCJA 189

acha-se na constituição psíquica e orgânica do delinqüente, porém sua "raiz medi ata" ou "causa fundamental" está no meio físico e soda) que conforma a própria psique daquele.P De suas obras cabe destacar: La. vida penal en Espaiia, El delincuente espaiiol: el linguaje e Hampa. Sua teoria básica foi a biossociologia.

Por último, C. Bemaldo de Quiróz, mais criminólogo que jurista," foi discípulo de Giner de Los Rios, em cujo laboratório de Criminologia iniciou sua atividade; colaborou depois nos Anales dirigido por Salillas. Empregou um método de trabalho inequivoca­ mente empírico em suas investigações sobre a criminalidade de seu tempo e, de modo muito particular, sobre o crime dos bajos fondos (N. do T.: crimes organizados submersamente por grupos "mafiosos"), o "bandoleirismo andaluz" e a "delinqüência de sangue", destacando a :importância dos fatores antropológicos e sociológicos. Dentre suas obras merecem menção especial: Las nuevas teorias de la criminalidod, La mala vida em Madrid, Criminología de los delitos de sangre en Espaii.a, Criminologia dei campo andaluz: el bando/erismo en Andalucía etc.

2. Escolas intermediárias e teorias ambientais

Os "estatísticos morais" e o pensamento de Ferri inauguraram uma nova concepção criminológica, que se entroncaria com a moderna Sociologia Crimioal, depois de numerosas transformações. Seguindo umcntéffci'l'ógico e cronológico, merecem menção especial, em primeiro lugar, a denominad(E~ola de "Lyon5(do milieu), radical­ mente oposta às teses lombrosianas e crítica do positivismo; em segundo lugar os pensamentos ecléticos da:gerzW,w~ italiana, da Jovem Escola Alemã sociológica ou de Pon ca rimina e da deno­ minada "Defesa Social", que significam um dualismo moderado de base sociológica.

(.ll> Salillas, R., Hampa (Antropologia picaresca], 1898, p. 375 e 01> Sobre Constancio Bcrnaldo de Quirõz, vide, Jiménez de Asúa, L., "La larga

Y ejemplar vida de Constancio Bernaldo de Quiróz", em E/ Criminalista, 2.• série, V, 1961, Buenos Aires, Editorial la Rey, p. 231 e

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190 RIMlNOLOGIA

ar\A Escola de "Lyon" e as teorias ambientais S4

Também chamada Escola Antropossocial ou Criminal-socioló~ estava integrada fundamentalmente por médicos. Recebeu influência decisiva da Escola do químico Pasteur, daí que seus representantes (Lacassagne, Aubry etc.)" utilizam com freqüência o símil do micróbio pruxplicar a transcendental importância do meio sociaJ 56 na gênese da delinqüência:

"O micróbio é o criminoso, um ser que permanece sem impor­ tância até o dia em que encontra o caldo de cultivo que lhe permite brotar" .57

Lacassagne (1843-1924), a quem se atribui a frase ''As sociedades têm os criminosos que merecem" 58 (para ressaltar a importância do meio social), distinguiu duas classes de fatores crirninógenos:59 os

<>'> Sobre a Escola de "Lyon", vide Bonger, W., lntroducciôn a la Criminotogia, cit., p. 137 e ss.; Hering, K. H., Der Weg der Kriminologie zur selbstãndigen Wissenschaft, cit., p. 93 e ss.: Rodríguez Manzanera, L., Criminología, cit.,

~ p. 324 e ss.: García-Pablos, A, Manual de Criminología, cit., p. 290 e ss. 'Ç/ São considerados, também, como representantes desta escola: Martín Y

Locard, BoumetY Chassinand, Coutagne, Massenet, Manouvrier, Letomeau, Topinard etc. O órgão difusor desta Escola foi a revista Archives de L'Antropologie criminelle et des sciences penales, fundada por Lacassagne e~ em 1886 (que apareceria sob diversos títulos).

Escola de "Lyon", que nada tem que ver com os sociólogos estatísticos, demonstrou um grande conhecimento das "causas sociais" do crime, embora sob a influência de um acentuado realismo radical ou materialismo social. Cf. García-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 290, nota 5.

1> [Lacassagne, A, Actes du Premier Congrês /ntemational d'Antropologie Criminelle, p. 166. "Cremos - acrescentava o autor - que o delinqüente, com suas características antropométricas e as demais, só tem uma importância muito secundária. Ademais todas essas características podem ser encontradas em pessoas absolutamente honestas." cassagne, A., ibidem, p. 167.~,..discípulo de Lacassagne, acrescen­

taria: "as sociedades têm a polícia que merecem". Cf. Rodríguez Manzanera, L., Criminolog(a, 3t., p. 325.

(.f'}>\ Lacassagne, A., "La criminalité comparée des villes ct des campagnes", em Bulletín de la Société d'Antropologie de Lyon, Lyon, 1882, p. 7 e ss. Segundo o autor, o delinqüente apresenta mais "anomalias" físicas e psíquicas que o

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA COMO CltNCIA 191

''predisponentes" (por exemplo, de caráter somático - corporal) e os "determinantes" (os "sociais", decisivosl/" Essa classificação corresponde à realizada por Aubry (fatores predisponentes, como a hereditariedade, e fatores transmissores do "contágio", como a educa­ ção. a família etc.).61

b) As denominad

Trata-se de uma série de p~ol!! que pretendem harmonizar os postulados do positivismo com os dogmas clássicos, tanto no plano metodológico como no ideológico. Não contêm nenhuma teoria criminológica (etiológica) original (valem-se da conhecida fórmula de combinar a predisposição individual e o meio ambiente), porém interessam porque abordam problemas essenciais para a reflexão criminológica. Assim, por exemplo: o livre arbítrio, finalidade do castigo e da Administração Penal, relação entre disciplinas empíricas e disciplinas normativas, conflito entre as exigências formais e garan­ tias do indivíduo e as da defesa da ordem social (Direito Penal e Política Criminal), funções e limites da luta e prevenção ao crime etc.

não-delinqüente, mas umas e outras seriam conseqüências do meio social (vide Atas do I Congresso Internacional de Antropologia, p. 165-166).

cr,oJ Lacassagne estudou, também, a incidência criminógena das condições socioeconômicas, "Marche de la criminalité en France de 1825 a 1880", em Revue Scienufique, 28, 1881, p. 674 e ss., sustentando que existiria uma correlação estatística clara entre as mudanças nas estruturas econômicas (v.g., preços de produtos de primeira necessidade) e a criminalidade patrimonial. Em outra obra La criminaiué comparée ... , cit., examinou a distinta etiologia da criminalidade rural e urbana.

<MJ A importância que a Escola de "Lyon" confere ao meio social não deve ser confundida com a teoria sltuacional que esgrime a chamada Escola Clássica. Para esta última não existe diferença qualitativa alguma entre delinqüentes e não-delinqüentes, enquanto a Escola de "Lyon" reconhece um fundo patológico ou estado mórbido individual na delinqüência, embora de muito inferior grau etiológico (criminógeno) que o meio social. Distinguindo ambos enfoques (teoria clássica da ocasião e teoria do meio): Bemaldo de Quiróz. Cf. Rodríguez Manzanera, L., Criminologia, cit., p .• 325 e ss.

<62) Vide, em geral, Mannheim, H., em Pioneers, cit, (Introducción), p. 29 e ss.; Garc(a-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 299 e

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l92 CRlMINOLOGlA

''' A Terz,a Scugla (seus representantes mais significativos foram: a, Carnevare', Ipallomeni etc.) serve de exemplo para esta atitude

Intese ou compromisso e eram os seguintes os seus postulados-' nítida distinção entre disciplinas empíricas (método experimental) e disciplinas normativas (que requeriam um método abstrato e dedutivo); contemplação do delito como produto de uma pluralidade muito complexa de fatores endógenos e exógenos; substituição da tipologia positivista por outra mais simplificada, que distingue os delinqüentes em "ocasionais", "habituais" e "anormais"; dualismo penal ou uso complementário de penas e medidas de segurança, frente ao monismo clássico (monopólio da pena retributiva) ou ao positivismo (exclusivi­ dade das medidas de segurança); atitude eclética a respeito do problema do livre arbítrio, conservando a idéia da responsabilidade moral como fundamento da pena, e a de temibilidade como fundamento da medida; atitude de compromisso, também, quanto aos fins da pena, conjugando as exigências de retribuição com as de correção do delinqüente.

O positivismo "crítico" de Alimena reflete de modo significativo o papel que a Terza Scuola confere à Criminologia, assim como a autocompreensão da nossa disciplina em suas relações com outras; para o referido autor, o Direito Penal não pode ser absorvido pela Sociologia (contra a tese de Ferri e outros positivistas), porém convém enriquecer o exame dogmático da criminalidade com a perspectiva de disciplinas não-jurídicas, como a Antropologia, a Sociologia, a Estatística e a Psicologia. 64

/' / •.. - V Importante é também a Escola de Marburgo ou Jovem Escola Alema de Política Criminal (seu porta-voz mais conheciao foi F.von Liszt, fundador junto com Prins e Van ~da Associação Interna­ cionâI cie"{;nminalística que, desligada das disputas de "escolas", pretendeu "ressaltar a necessidade, para o criminalista, de investigações sociológicas e antropológicas", tomando como tarefa comum "a investi­ gação científica do crime, de suas causas e dos meios para combatê-lo").65

<611 Carnevale, E., "Una terza Scuola di Diritto Penale in Itália", em Rivista di discipline carcerarie, 1891. Cf. Mannheim, H., em Ploneers, cit., p. 29.

(f>4l Alimena. B., Note di un criminalista, 1911, Módena. r.s> Uma resenha bibliográfica sobre esta Escola, em García-Pablos, A., Manual

de Criminologia, cit., p. 300, nota 69.

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA COMO c1eNCIA 193

Os postulados desta Escola, em síntese, são os seguintes: análise científica da realidade criminal, dirigida à busca das causas do crime, em lugar de uma contemplação filosófica ou jurídica deste, pois a ótica jurídica, dogmática, é complementãria porém não substitutiva da empírica; ?desdramatização e relativização do problfmª <lE !i.YK amítrio,..o que

cÕõãUz a um dualismo pçnal que compatibiliza as penas e as medidas de s:;;~asead~ re~ectivamente, na oulpabilidádc e na periculosi­ dadej a defesa socig] apresenta-se como objetivo prioritário da função §l"al

1 embo..ra..fil: ~ntue a importância da prevenção especial.66

Particular interesse revela a contribuição de F. von Liszt, contida em seu famoso "Programa de Marburgo" (1872), sobretudo no âmbito da Política Criminal e suas bases, porque mantém um saudável equilíbrio entre os sistemas clássicos e liberais e a necessária abertura ao método positivista. A teoria criminológica deste autor,67 paradigmática desde sua formulação, não é original: é uma tese plurifatorial, eclética, que concede importância à predisposição individual e ao meio ná gênese do delito (''o delito - afirma Liszt- é o resultado da idiossincrasia do infrator no momento do fato e das circunstâncias externas que lhe rodeiam nesse preciso instante").68

A idéia mais sugestiva do pensamento de F. von Liszt reside no âmbito metodológico e no político-criminal. O autor sugere uma "Ciência total ou totalizadora" do Direito Penal, da qual deveriam fazer parte, ademais, a Antropologia Criminal, a Psicologia Criminal e a Estatística Criminal (não só a dogmática jurídica) com o fim de obter e coordenar um conhecimento científico das causas do crime e combatê-lo eficazmente em sua própria raiz.69 Afasta-se, assim. dos

C6ól Vide Mir Puig, S., Introducciân a las bases del Derecho Penal, cit., p. 216 e ss.

c&n F. V. Liszt rechaçou a teoria Iombrosiana (Kriminalpolitische Aufgaben, 1889, p. 308) e a ambiental de Tarde, sugerindo uma tese eclética que pondere tanto a influência do meio como a predisposição individual: uma análise, poi empírico-biológica e sociológica (Aufsarze und Auftriige, cit., TI, p. 234 e ss.).

(C>SI Vide F. V. Liszt, "Das Vcrbrechen als soziopathologische Erscheinung", em Strafrechtllche Aufsãtt» und Yortrãge, cit., li, p. 234 (seguindo a tese eclética de Fcrri); e Lehrbuch des Deutschen Strafrechts, 1932, 2.1 ed., Berlin-Leipzig, p. 11-12.

C6'J> F. V. Liszt, Strafrechtliche Aufsiitze und Vorrrcige, cit., I, p. 291. "O século XVíll queria combater o delito sem estudá-lo. O século XIX. ao contrãri

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194 RIMINOLOGIA

que pretenderam lutar contra o crime sem analisar cientifi­ camente suas "causas"; e se afasta também dos positivistas na medida em que conserva intactas as garantias individuais e os direitos dos idadãos que, a seu juízo, representa o Direito Penal ("como barreira

intransponível de qualquer Política Criminal")." F. von Liszt propugnou, também, por uma concepção "finalista" da pena (não meramente retributiva), influenciado pelo pensamento evolucionista.71

Escola ou Movimento da Defesa Social 72 (representada por Graniãtic~. Mark Ancel etc.) possui certas semelhanças com as ante­ ~~eLúecitadàs."'Íimpouco traça uma nova teoria da criminalidade, nem é uma Escola Sociológica em sentido estrito, senão uma filosofia penal, uma política criminal. A idéia da "defesa social" é mais antiga, pois surgiu na época do Iluminismo e foi formulada, posteriormente, por Prins." O específico desta Escola ("movimento", conforme M. Ancel) é o modo de articular referida defesa da sociedade mediante a oportuna ação coordenada do Direito Penal, da Criminologia e da Ciência Penitenciária, sobre bases científicas e humanitárias, ao mesmo tempo, e a nova imagem do homem delinqüente, realista porém digna, da que parte.74 De acordo com M. Ancel, a meta desejada não deve ser o castigo do delinqüente, senão a proteção eficaz da sociedade por meio

(diria o autor), se apóia na Estatística criminal e na Antropologia criminal, é dizer, na investigação científica do delito".

(70) F. V. Liszt, "Über den Einfluss der soziologischen Forschungen", cit., em Strafrechtliche Aufsiitze und Vortriige, II, p. 80-81 (O Direito Penal como "Magna Carta" do delinqüente frente ao Leviatã, e como "barreira intransponível" de todo programa social).

n,1 F. V. Liszt assume as teses deterministas do positivismo e, por isso, propugna por uma pena que se ajuste à fase atual de evolução biológica da espécie humana. E sempre no novo marco do Estado "intervencionista". Ibidem.

mi Sobre esta "Escola", vide Beristain Ipiãa, A., "Estructuración ideológica de la nueva defensa social", cm Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, 1961, p. 410 e ss.; cf. García-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., P· 303 e ss.

03J Vuie M Ancel, em A nova defesa social. Rio de Janeiro, Forense, 1979. mi Ressaltando as diferenças entre os postulados desta Escola e o positivismo

criminológico: M. Ancel, em La Défense Sociale nouvelle, 1954, Paris, P· 57 e ss. Cf. Mannheim, H., Pioneers, cit., p. 35 e ss,

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMINOLOGIA COMO Cl~NCIA 195

de estratégias não necessariamente penais, que partam do conhecimen­ to científico da personalidade daquele e sejam capazes de neutralizar sua eventual periculosidade de modo humanitário e indivídualizado.

O propósito de "retirar do mundo jurídico" parcelas do Direito Penal em função de uma eficaz Política Criminal significa negar-lhe

0 monopólio da luta e prevenção do delito, tarefas que deve compartir com outras disciplinas: não se trata de questionar por completo sua importância e sua competência, como fizeram os positivistas quando postulavam a substituição da pena pela medida de segurança e do Direito Penal pela Sociologia, Antropologia etc. A "nova" Defesa Social potencia, por outro lado, a finalidade ressocializadora do castigo, compatível com a finalidade protetora da sociedade, precisamente porque acolhe uma imagem do delinqüente, do homem-delinqüente, como membro da sociedade, chamado a nela se reincorporar, o que obriga a respeitar sua identidade e dignidade.75 É uma imagem bem distinta da do "pecador" (dos clássicos), da "fera perigosa" (dos positivistas), da do "inválido" (dos correcionalistas) ou da "vítima" (do marxismo).

e) Por último, maior interesse tem o pensamento de Tarde, que poderia ser qualificado de psicossociolâgico. Ele se antecipou a alguns postulados da Sociologia norte-americana ( concretamente à teoria da aprendizagem de Sutherland e às teorias subculturais e conflituais), a partir de uma postura de aberto enfrentamento com o positivismo.

Tarde (1843-1904)76 era jurista, francês e diretor de Estatística Criminal do Ministério de Justiça, atividade certamente pioneira na Europa." Fez oposição às teses antropológicas de Lombroso e ao

<75> Vide Sainz Cantero, J .S., Lecciones de Derecho Penal, P. G., 1979, Barcelona, Bosch, p. 150-155.

Oõl Uma resenha bibliográfica sobre Tarde, G., em Garcfa-Pablos, A., Manual de Criminologta. Madri, Espasa, 1988, p. 294, nota 29.

<71) Algumas das obras de Tarde: La criminalité comparée ( 1886); La Philosophie Pénale (1 S{)O); Ét11des pénales et soei ales ( 1891 ); Las Leyes de la imitacíân (1890); u, Leyes sociales (1898); La lógica social (1893); Las transformaciones dei Derecho (1893); Las transformaciones dei poder ( 1899) etc. Tarde foi um dos mais combativos contraditores do positivismo criminológico na Europa. Sua inimizade pessoal com Durkheím afastou-lhe do mundo acadêmico universitário.

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196 RIM1NOL0GlA

determinismo social, propugnando por uma teoria da criminalidade na qual ostentam particular relevância os fatores sociais; fatores físicos e biológicos podem ter alguma incidência na gênese do comportamento delitivo, porém nunca a decisiva que tem o meio social. Criticou, por isso. a tese lombrosiana do delinqüente nato, como indivíduo atávico e degenerado, invocando as investigações de Marro, semelhantes às de Goring, que desvirtuavam aquela concepção antropológica." Porém evitou, ao mesmo tempo, o determinismo social positivista, ao conceder relevância e significação à decisão (livre) do homem. De fato, preferiu ubstituir a tese positivista da responsabilidade "social" por uma nova teoria que fundamentaria a reprovação, se concorriam no indivíduo dois pressupostos: sua "identidade" ou "conceito de si mesmo" e a "seme­ lhança" ou "identidade social" dele como seu meio.79

A explicação sociológica de Tarde tem uma particular conotação psicológica, que lhe caracteriza como precursor da teoria da aprendi­ zagem de Sutherland. Para Tarde, o delinqüente é um tipo profissio­ nal, 80 que necessita de um longo período de aprendizagem, como os médicos, advogados e outros profissionais, em um meio particular: o criminal, e de particulares técnicas de intercomunicação e convivência com seus camaradas. A célebre frase que se atribui a Tarde (''Todo mundo é culpável, exceto o criminoso") reflete não só a crítica ao positivismo antropológico, senão a convicção de que a sociedade, ao propagar suas idéias e valores, influi mais eficazmente no comporta­ mento delitivo que o clima, a hereditariedade, a enfermidade corporal ou a epilepsia."

São muito significativas a respeito as "leis da imitação" de Tarde. Para o autor, o delito, como qualquer outro comportamento social,

nSJ A criminalidade, a seu juízo, não é um fenômeno "antropológico", senão "social". "É possível que já se nasça delinqüente, dizia, mas, desde logo, é seguro que a pessoa se faça delinqüente" (Atas do U Congresso de Antro­ pologia, p. 253).

091 Tarde, G., Atas dom Congresso Internacional de Antropologia, p. 83 e ss.; do mesmo: Philosophie Pénale ... cit., p. IX a XVII.l.

roo, Tarde, G., "La criminalité professionelle", em Archive d'Antropologie criminelle, 1896, t 1. Cf. Schneider, H. J ., Kriminologie, cit., p. 99 e ss.

•M11 Tarde, O., La criminalidad comparada, La Espaiia moderna, s.d., p. 27 e ss, Cf. García-Pablos, A., Manual de Criminologia, cit., p. 296.

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A CONSOLIDAÇÃO DA CRIMfNOLOGIA COMO ClÊNCIA 197

começa sendo "moda", e toma-se depois um hábito ou costume; e, como em qualquer outro fenômeno social, o mimetismo - a imitação _ joga um papel decisivo. O delinqüente é, consciente ou inconscien- temente, um imitador.82

O pensamento de Ta ·de, ademais, já contém o germe das posteriores concepções subculturaís, quando contrapõe o delinqüente urbano ao rural e analisa a gênese da criminalidade derivada do progresso tecnológico e da moderna civilização: não em vão atribui o incremento daquela à quebra da moral tradicional, ao desenvolvimento de um desejo de prosperidade da classe média e baixa, que determina uma grande mobilidade geográfica com o correlativo debilitamento dos valores familiares, ao êxodo do campo para a cidade, à formação de subculturas desviadas como conseqüência da mudança social e, por último, a perda de segurança em si mesmas que experimentariam as classes sociais dominantes, incapazes de seguir servindo de guia e modelo.83 De outro lado, Tarde, consciente do efeito preventivo da pena, mostrou-se partidário da pena de morte (precisamente por entender imprescindível em qualquer programa científico de luta contra o crime uma sólida base psicológica); e se opôs ao sistema de jurado (N. do T.: juízes não profissionais), mostrando-se partidário de uma justiça profissionalizada e técnica 84 (N. do T.: juízes de "bata", não de "toga").

<S2J Tarde, G., Philosophie Pénale, 1890, p. 323. (SJ> Tarde, G., Estudios penales y sociales, La Espaiia moderna. s. d., p. 267. (8-IJ Vide Wilson M. S., "G. Tarde", cm Pioneers, cit., p. 236.