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A MORTE DE DANTON DE GEORG BÜCHNER DOSSIÊ PEDAGÓGICO

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A MORTE DE DANTON

DE GEORG BÜCHNER

DOSSIÊ PEDAGÓGICO

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1

ÍNDICE

Ficha Ficha Ficha Ficha técnicatécnicatécnicatécnica

2

DistribuDistribuDistribuDistribuiiiição ção ção ção

3

O EspetáculoO EspetáculoO EspetáculoO Espetáculo

4

Representações de A Morte de Danton 5

Georg Büchner 6

Georg Büchner: cronologia 9

A Morte de Danton 12

Os Últimos Sobressaltos 24

Cronograma da Revolução Francesa 34

Súmula da Revolução Francesa até à Morte de Danton 42

Danton, Robespierre e a Revolução 54

Danton

59

Sugestão de AtividadesSugestão de AtividadesSugestão de AtividadesSugestão de Atividades

63

Equipa Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E.Equipa Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E.Equipa Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E.Equipa Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E.

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2

15 MAR – 22 ABR

SALA GARRETT

4ª a sáb. 21h | dom. 16h

FICHA TÉCNICA de

GEORG BÜCHNER

tradução

MARIA ADÉLIA e JORGE SILVA MELO

com

MIGUEL BORGES PEDRO GIL SYLVIE ROCHA JOÃO MEIRELES MARIA JOÃO PINHO RITA BRÜTT AFONSO LAGARTO ALEXANDRA VIVEIROS AMÉRICO SILVA ANTÓNIO SIMÃO ELMANO SANCHO ESTÊVÃO ANTUNES GUSTAVO VARGAS HUGO SAMORA JOANA BARROS JOÃO DE BRITO

JOÃO DELGADO JOSÉ NEVES LUÍS MOREIRA MAFALDA JARA MARCO TRINDADE MIRRÓ PEREIRA NUNO BERNARDO NUNO PARDAL PEDRO LUZINDRO PEDRO MENDES RICARDO NEVES-NEVES RÚBEN GOMES RUI REBELO TIAGO MATIAS TIAGO NOGUEIRA

VÂNIA RODRIGUES e estagiários da ESTC BERNARDO NABAIS DAMIÃO VIEIRA DANIEL VIANA DIOGO TORMENTA FILIPE VELEZ ISAC GRAÇA IVO SILVA JOÃO PEDRO MAMEDE JOÃO VENTURA PEDRO LOUREIRO RAFAEL GOMES RICARDO TEIXEIRA

encenação

JORGE SILVA MELO

cenografia e figurinos

RITA LOPES ALVES

luz

PEDRO DOMINGOS

direção musical

RUI REBELO

som

ANDRÉ PIRES

assistência de encenação

LEONOR CABRAL

JOANA BARROS

co produção

TEATRO NACIONAL D. MARIA II

GUIMARÃES 2012 - CAPITAL EUROPEIA

DA CULTURA

ARTISTAS UNIDOS

M/ 12

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DISTRIBUIÇÃO MIGUEL BORGES

GEORGES DANTON

PEDRO LUZINDRO

LEGENDRE, FABRE

D´EGLANTINE

JOÃO MEIRELES

CAMILLE DESMOULINS

TIAGO MATIAS

HÉRAULT-SÉCHELLES

AMÉRICO SILVA

LACROIX

JOSÉ NEVES

PHILIPPEAU

JOÃO DELGADO

RAPAZ DO LENÇO,

MERCIER

RÚBEN GOMES

THOMAS PAYNE

PEDRO GIL

ROBESPIERRE

ELMANO SANCHO

SAINT-JUST

GUSTAVO VARGAS

BARRÈRE

RICA RDO NEVES-

NEVES

COLLOT D´HERBOIS,

CARRASCO

AFON SO LAGARTO

CIDADÃO, BILLAUD

VARENNES, DUMAS

NUNO PARDAL

CHAUMETTE

ESTÊVÃO ANTUNES

SOLDADO, CIDADÃO,

DILLON, CARROCEIRO

HUGO SAMORA

FOUQUIER TINVILLE,

CARCEREIRO

MARCO TRINDADE

CIDADÃO, DEPUTADO,

PRISIONEIRO, AMAR

PEDRO MENDES

PARIS, DEPUTADO,

HERMANN

ANTÓNIO SIMÃO

SIMON, CARCEREIRO,

CARROCEIRO

VÂNIA RODRIGUES

MULHER DE SIMON

JOÃO DE BRITO

TRANSEUNTE,

LAFLOTTE

RITA BRÜTT

JULIE

SYLVIE ROC HA

MARION

MARIA JOÃO PINHO

LUCILE

ALEXANDRA VIVEIROS

ROSALIE

JOANA BARROS

ADELAIDE

RUI REBELO

MENDIGO, LIONÊS

MIRRÓ PEREIRA

DAMA DAS CARTAS

MAFALDA JARA

MULHER DA VIELA

TIAGO NOGUEIRA

CANTOR AMBULANTE,

PRISIONEIRO,

CIDADÃO

NUNO BERNARDO

CIDADÃO

LUÍS MOREIRA

CIDADÃO,

TRANSEUNTE,

DEPUTADO,

PRISIONEIRO,

CARRASCO

DEPUTADOS,

CIDADÃOS,

PRISIONEIROS,

CARCEREIROS,

CARROCEIROS,

POPULARES:

PELO ELENCO E

ESTAGIÁRIOS DA ESTC

(BERNARDO NABAIS,

DAMIÃO VIEIRA,

DANIEL

VIANA, DIOGO

TORMENTA, FILIPE

VELEZ, ISAC GRAÇA,

IVO SILVA, JOÃO

PEDRO

MAMEDE, JOÃO

VENTURA, PEDRO

LOUREIRO, RAFAEL

GOMES, RICA RDO

TEIXEIRA).

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O ESPETÁCULO

Pretender fazer A Morte de Danton, o enigmático texto de Georg Büchner, é desejo

profundo de quem começou a dirigir espetáculos nos velhos anos 70 daquele

outro século, sanguinário também. Porque é na Morte de Danton que se lançam

todas as questões do teatro que depois nos viria a interessar, é nela que a

herança de Shakespeare é ultrapassada e o seu sopro histórico absorvido. Peça

desequilibrada, insólita, premonitória, desarrumada, desalinhada - em que às

cenas de multidão se sucedem as insónias mais íntimas, em que a História é vista

como um pesadelo noturno, peça de um negro pessimismo, é a peça sangrenta de

um rapaz olhando a morte. E a mim sempre me interessaram os escritos de

juventude. Do jovem Brecht à jovem Sarah Kane, do jovem Harrower ao jovem

Fosse ou ao José Maria Vieira Mendes – tenho-me encontrado sistematicamente

entre aqueles que afinam ainda a voz, que ainda não encontraram o equilíbrio

formal, que ainda sangram.

E A Morte de Danton é esse texto: as convulsões da História vistas por um rapaz,

perplexo perante a morte.

Jorge Silva Melo

Fotografia de ensaios © Jorge Gonçalves

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REPRESENTAÇÕES DE A MORTE DE DANTON A obra teatral de Georg Büchner não foi representada a não ser postumamente. A

descoberta deve-se aos naturalistas (nomeadamente Gerhard Hauptmann e,

depois, aos expressionistas. Max Reinhardt virá a estrear A Morte de Danton em

1916 e posteriormente em 1921 e 1929, tendo nessa altura sido realizado um filme

com Fritz Kortner. Também Gustav Gründgens dirige a peça, em 1939. Fora do

mundo germânico, a peça conhece várias versões, nomeadamente a encenação de

Jean Vilar (Avignon, 1948), Bruno Bayen (Théâtre de la Cité Internationale, 1968),

Georges Wilson no TNP (Paris, 1971), a de Giorgio Strehler em Milão, e, mais

recentemente, as de Alexander Lang no Deutchses Theater de Berlim (1981), Klaus

Michael Grüber nos Amandiers em Nanterre (1989), Thomas Oestermaier na

Schaubúhne (2001) ou a de Georges Lavaudant no Odéon (2002), Jean François

Sivadier (Rennes, 2005) ou ainda Michael Grandage (numa versão bastante livre

de Howard Brenton, no National Theatre, Londres, 2010). A peça deu origem a uma

ópera de Gottfried von Einem estreada em Salzburgo em 1947, com direção de

Ferenc Fricsay. Em Portugal, A Morte de Danton estreou, numa tradução de Maria

Adélia Silva Melo (aqui revista), em 1989, com encenação de Carlos Avilez,

cenografia de João Quintão e interpretação de: António Marques (Danton); João

Vasco (Robespierre); Sérgio Silva (Camille Desmoulins); Carlos Freixo (Lacroix);

Paulo B (Saint Just); Anna Paula (Marion); Fernanda Neves (Lucile); Filomena

Gonçalves (Julie); Santos Manuel (Simon); Alice Luís; Ana Marques; António Pedro

Cerdeira; Carlos Pessoa; Diogo Infante; F. Pedro Oliveira; Marcantonio Del-Carlo.

João Vasco (Robespierre) e António Marques (Georges Danton), em A Morte de Danton (enc. Carlos Avilez),

TEC, 1989 © César Cardoso

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GEORG BÜCHNER

STANLEY KAUFFMANN

Filho de um médico ilustre, nasceu em Goddelau, uma pequena cidade perto de

Darmstadt, na Alemanha, a 17 de outubro de 1813. De génio científico brilhante,

Georg, influenciado pelo pai, decidiu começar a estudar medicina em 1831, aos 18

anos. Dois anos mais tarde, contudo, a sua atenção virou-se para a história e a

filosofia, e envolveu-se profundamente nas lutas políticas do seu tempo. Isto levou

a que trocasse a Alemanha por Zurique, onde continuou a sua formação na

Universidade. Morreu a 19 de fevereiro de 1837, aos 23 anos, após sofrer de uma

das “febres” generalizadas do seu tempo, provavelmente tifo.

Büchner escreveu algumas das peças mais influentes da história do teatro

ocidental: A Morte de Danton (1835). Leôncio e Lena (1836) e o inacabado Woyzeck

(1837). Apesar de, na altura, o seu trabalho ter tido pouco impacto, influenciou um

espectro incrivelmente largo de práticas teatrais, desde a sua redescoberta por

Gerhardt Hauptmann nos finais do século XIX.

A Morte de Danton é a primeira peça escrita por Büchner, com 21 anos. A sua

pesquisa para a peça começou no final de 1834 e completou a primeira versão em

5 semanas já em 1835. A peça só estreou em 1902, muito após a morte de Büchner.

A Morte de Danton confronta-nos com os problemas mais graves da ideologia e da

crença. Os assuntos em A Morte de Danton são subtis e caracterizados com

mestria, emergindo de uma época particularmente problemática e dramática na

história dos movimentos democráticos no ocidente, a era da Revolução Francesa e

do Terror. A ação, que tem lugar depois da decapitação de Luís XVI e Maria

Antonieta, traça a queda do espírito democrático, a partir das alturas do idealismo

até às profundezas do desejo vingativo e sanguinário. A peça acompanha a

história de George Danton, um poderoso e carismático orador e líder das forças

antimonárquicas pós-revolucionárias, que se volta contra o poder exercido pelos

seus correligionários (nomeadamente Robespierre) e tenta parar as medidas

atrozes que trazem tanto sofrimento ao povo. Robespierre impede-o e usa o

Tribunal para condenar à Danton e toda a oposição à morte, consolidar o seu

poder e chacinar inúmeros milhares de homens, mulheres e crianças franceses. No

final, Danton é levado à guilhotina.

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“Büchner, apaixonadamente humano, politicamente rebelde, manifestando-se com

impaciência, queria claramente que a forma da sua peça se ajustasse às suas

visões radicais das personagens, da política e da história. A estrutura tradicional

teria sido limitadora, já que a peça que é precursora, filosoficamente, do

existencialismo do século vinte, que põe a nu o idealismo narcótico da ação

pública, e que explode com as injunções aristotelianas. A Morte de Danton é a

primeira peça a começar depois do seu clímax. O destino do protagonista – a sua

execução pelo grupo de Robespierre – já está mais que decidido antes de a peça

começar. A peça poderia igualmente chamar-se Danton a Morrer. Ele tenta

defender-se devido à pressão dos seus amigos; no entanto, desde o primeiro

momento da peça, o assunto está estabelecido na sua mente. Ele vai morrer.

Assim, a intenção dramática inconvencional de Büchner forçou-o a prescindir das

estruturas clássicas dos seus adorados Shakespeare e Goethe e a moldar a sua

peça de uma maneira tão inovadora e explorativa como o seu pensamento”. (…) “A

peça depende de um andamento, de um ritmo de progresso, de uma corrente de

cenários que agora associamos ao cinema e que parecia estar, antecipadamente,

na posse de Büchner. (...) Büchner, desprezando a prática teatral corrente,

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ultrapassou-a: respondeu a uma estética que ainda não existia. Consideremos

alguns pormenores. A peça não começa. Estas vidas já tinham estado a acontecer

durante algum tempo: nós apenas nos juntamos a elas. A cena um não começa

com o estabelecimento de tempo ou espaço – estes vão-se infiltrando à medida

que avançamos – mas com o sentido da nossa entrada num cenário de vidas em

progresso. (...) A peça ainda nem tem um minuto e já nós estamos completamente

imersos nela. Nós, que vivemos num mundo imerso em cinema, conseguimos

reconhecer o processo, usado aqui com um propósito excecional. (...) Ao longo da

peça, cenas longas e curtas, ativas e introspetivas quase se atropelam umas às

outras (...) A ideia da fusão de cenas através de mudanças de luzes e focos, algo

muito familiar ao teatro de hoje – e, claro, ao cinema – era rudimentar num teatro

que ainda não tinha, nem tinha sequer concebido, a iluminação elétrica”.

Stanley Kauffmann, in Büchner: A Revelation.

Fotografias de ensaios © Jorge Gonçalves

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GEORG BÜCHNER: CRONOLOGIA 1813181318131813 18 de outubro: Karl Georg Büchner nasce em Goddelau, Hesse, o primeiro

filho de Ernst Karl Büchner e da sua mulher, Caroline. (Dando seguimento a uma

tradição de muitas gerações, Ernst Büchner era médico; mais tarde entrou ao

serviço do grão-duque e conquistou por fim o título de Obermedizinalrat. O casal

teve mais cinco crianças; todas exceto uma – a mais velha das duas raparigas – se

distinguiram nas suas variadas áreas, particularmente Ludwig, o segundo mais

novo, que se tornou muito mais famoso que Georg no século XIX graças ao seu

livro Kraft und Stoff, que popularizou a filosofia materialista).

1816181618161816 A família muda-se para Darmstadt, capital do Grão-Ducado de Hessen-

Darmstadt.

1825182518251825 Depois de receber instrução primária em casa com a mãe e também numa

escola privada local, Büchner começa os estudos secundários no Ludwig-Georg-

Gymnasium em Darmstadt.

Georg Büchner, gravura de Aimbach

a partir de retrato de A. Hoffman

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1831183118311831 outubro: tendo deixado a escola em março, Büchner torna-se aluno na

Faculdade de Medicina da Universidade de Estrasburgo. Aloja-se em casa de um

pastor protestante viúvo, Johan Jakob Jaeglé, e começa um noivado secreto com

a sua filha Minna (Louise Wilhelmine, 1810-1880).

1833183318331833 Regulamentações governamentais obrigam Büchner a prosseguir os

estudos no Grão-Ducado, e assim ingressa em outubro na Universidade de

Giessen, na província do Alto Hesse. (Entre os seus professores, o grande químico

Justus von Liebig e J. B. Wilbrand, um dos expoentes máximos da

Naturphilosophie). Fins de novembro: ataque de meningite.

1834183418341834 Entre fins de fevereiro e inícios de março: sofre sérias crises de doença que

afetam o seu equilíbrio físico e mental. A meio de março (ou talvez mais cedo): a

carta “hediondo fatalismo” para Minna. Fins de março: escreve uma primeira

versão daquilo que viria a ser O Mensageiro de Hesse e funda a secção de Giessen

da sua Sociedade dos Direitos Humanos, núcleo revolucionário que incluía tanto

trabalhadores como membros da classe média; em abril, funda uma segunda

secção em Darmstadt.

Agosto: Carl Minnigerode é preso com grandes quantidades de recentes cópias

impressas de O Mensageiro de Hesse. Büchner escapa à prisão pela sua posição

social e familiar.

Setembro: Büchner abandona Giessen definitivamente e volta à segurança relativa

da casa familiar em Darmstadt.

1835183518351835 Entre fins de janeiro e fins de fevereiro: Büchner termina A Morte de Danton

“em cinco semanas no máximo”; neste período foi também provavelmente

chamado a depor.

Inícios de março: foge para Estrasburgo (rapidamente seguido, afinal, por uma

nota de captura).

Junho: A Morte de Danton é publicada em edição expurgada.

Outubro: Lenz está provavelmente concluída.

1836183618361836 31 de março: após agitados meses de trabalho, Büchner completa a tese em

Biologia, tendo lido excertos na Sociedade de História Natural de Estrasburgo, em

abril e princípios de maio.

Entre junho e outubro: outro intenso período de trabalho, no qual Büchner trabalha

alternadamente em Leôncio e Lena, em Woyzeck, num projeto de várias

conferências filosóficas e na “Lição Experimental” de Zurique; terá também

possivelmente planeado, redigido e terminado uma outra peça (de que não ficou

rasto), Pietro Aretino.

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Setembro: Büchner doutora-se pela nova Universidade de Zurique, tendo por base

a Memória sobre o sistema nervoso do barbo.

19 de outubro: após o seu vigésimo terceiro aniversário, celebrado no dia anterior,

Büchner viaja para Zurique com o objetivo de se tornar um Privatdozent na

Faculdade de Filosofia da Universidade (que incluía Anatomia Comparada).

5 de novembro: apresenta a sua “Lição experimental” e é formalmente aceite no

cargo; nas semanas seguintes dá o seu primeiro curso, “Anatomia comparada dos

peixes e anfíbios”; continua a trabalhar em Woyzeck.

1837183718371837 2 de fevereiro: Büchner adoece; é-lhe diagnosticada febre tifoide. A 17 de

fevereiro, Minna Jaeglé chega de Estrasburgo.

Büchner morre a 19 de fevereiro.

Fotografia de ensaios © Jorge Gonçalves

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A MORTE DE DANTON

Georg Büchner é possivelmente o mais extraordinário fenómeno da literatura

moderna alemã. Ele chocou completamente com a consciência do seu próprio

século. Quando morreu em 1837, com apenas vinte e três anos (vítima de uma

epidemia de tifos), era praticamente desconhecido fora dos seus círculos – o que

não é surpreendente tendo em conta que apenas uma obra tinha sido publicada

com o seu nome (uma versão expurgada de A Morte de Danton).

Meio século depois ele não era certamente mais conhecido: apesar de a maioria

dos seus escritos terem aparecido, de uma forma ou de outra, tinham causado

pouco impacto; ele era mencionado na maioria dos manuais literários e

enciclopédias, mas como um pedaço obscuro da história, periférico e

frequentemente dúbio. Mais tarde, pelo final do século, a perceção alterou-se.

Outros escritores, em particular, começaram a responder à sua voz e a

reconhecer a sua modernidade surpreendente. Uma a uma, as suas peças foram

chegando aos palcos: Leôncio e Lena em 1895; A Morte de Danton em 1902;

Woyzeck em 1903 (e a ópera de Alban Berg, Wozzeck, em 1925). As edições

começaram a seguir-se. O gotejar inicial de monografias e teses transformou-se

num rio, e depois numa cheia. De repente Georg Büchner era um clássico. Mas

mais importante que isso, ele era – e é –, uma presença viva. Mais nenhum escritor

alemão antes de Brecht tinha apreendido tão vivamente a imaginação moderna –

ou é representado com mais frequência tanto na Alemanha como no estrangeiro.

Nenhum outro escritor é tão entusiasticamente saudado pelos seus sucessores

contemporâneos: Heinrich Boll falou da sua “singular relevância”, Gunter Grass da

sua força “incendiária”; para Christa Wolf, “a prosa germânica começa com o Lenz

de Büchner” – que constitui o seu “ideal absoluto”, a sua “experiência fundamental”

na literatura germânica; Wolf Biermann foi mais longe, descrevendo-o

simplesmente como “o maior escritor” da Alemanha (“unser grofter Dichter”).

Mas apesar de existir acordo universal em relação ao poder e imediaticidade da

voz de Büchner, têm havido pequenas disputas acerca do que essa voz realmente

diz. Isto é pouco surpreendente, tendo em conta variados fatores que

transformam Büchner num foco natural de controvérsia.

Começando pelo mais óbvio, temos a "pequenez" de escala e a interrupção

precoce da sua produção. Se ele tivesse chegado aos setenta anos (como o seu

pai e quatro dos seus irmãos, de entre os quais o mais novo viveu até ao século

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XX), os seus escritos mais prematuros não teriam sido apenas finalizados e

publicados, mas também, provavelmente, contextualizados como parte de uma

muito maior obra. Tendo em conta a forma como tudo aconteceu, eles

sobreviveram – se de todo – apenas em manuscritos rasurados, incompletos e

muitas vezes elegíveis, ou então em versões impressas que foram por variadas

vezes mutiladas, truncadas, expurgadas, sendo também quase inteiramente

póstumas e não autorizadas. Parece dificilmente credível, mas mesmo hoje em dia,

mais de um século e meio após a sua morte, não existe ainda uma edição

Histórico-Crítica definitiva da obra de Büchner.

Fotografias de ensaios © Jorge Gonçalves

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Depois, há também a natureza provocatória dos seus temas e preocupações. O

sexo, para começar: a partir das primeiras linhas de A Morte de Danton, com a sua

imagem da duplamente "pretty lady" que oferece o seu coração ao marido e a

cona aos amantes, as "obscenidades" de Büchner garantem-lhe o título de "enfant

terrible". E no processo serviu para trair a visão de inúmeros críticos. A religião é

também um tema persistentemente irritante. Uma e outra vez, os deuses, Deus e

os espíritos são invocados pelas suas personagens, para serem desprezados,

negados, desafiados, rogados – servindo assim como um desafio constante ao

crente, semelhante ao agnóstico e ao ateu. Mas a mais explosiva de todas é talvez

a questão política. Este é um homem que foi indiscutivelmente o pensador

esquerdista mais radical da sua época em terras germânicas, um revolucionário

dedicado que – embora tenha entrado no panorama como propagandista

militante e ativista apenas durante um curto período de tempo – manteve-se

notavelmente comprometido durante o resto da sua vida à violenta subversão

daquilo a que assistiu enquanto membro da incapaz classe dirigente, parasita e

ilegítima, e ao ressurgimento e emancipação da viciosamente explorada massa

popular.

Tendo em conta a escassez e caráter duvidoso das evidências diretas, como as

cartas de Büchner (a maioria das quais sobreviveram - se de alguma forma -

apenas sob formas cortadas cuidadosamente extraídas e possivelmente

inofensivas), e também das evidências indiretas, como reminiscências de amigos e

conhecidos, ficheiros de polícia, registos de tribunal, etc, há uma considerável

margem para argumentos até relativos às suas atividades precisas e

posicionamento nas macro e micro realidades políticas da época. Mas tem havido

uma particularmente feroz controvérsia sobre a dedução das políticas dos seus

escritos (quase todos eles nascidos após o fiasco de O Mensageiro de Hesse, que

afetou profundamente o decorrer da sua vida - não apenas forçando-o ao exílio no

estrangeiro). As interpretações nesta área têm diferido de forma muito radical,

desde uns num extremo que encontram um revolucionarismo militante destemido

em qualquer fase da sua escrita, àqueles no extremo oposto defendendo que a

sua experiência desagradável o tinha impulsionado para um "niilismo absoluto",

que tinha sequencialmente contribuído para a sua completa despolitização. (Os

dois extremos são hoje bastante desacreditados).

À parte da escassez e incerteza do estado dos textos, e da natureza inflamatória

das questões lá contidas, há outro elemento muito mais fundamental no trabalho

de Büchner que encoraja a controvérsia, que é a própria natureza da sua escrita –

a linguagem, modos e estruturas que ele usa para expressar as suas

preocupações. Pela imagem oscilante que a sua escrita projeta, é profundamente

não- e mesmo anticlássica, assim como conscientemente longínqua das

convenções e expectativas prevalecentes na sua época. Tanto na linguagem como

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no humor, no enredo ou nas personagens, ele não oferece desenvolvimentos fixos

e constantes, nada que indique qualquer coisa cíclica, resolvida ou unificada. Em

vez de uma revelação que se dá a um ritmo claramente medido, os seus trabalhos

progridem através de uma sucessão de convulsões caleidoscópicas,

representando aquilo a que se tem chamado a "lei da descontinuidade". A

totalidade (“wholeness”) – quando aparece – é sempre falsa: uma pretensão, uma

ilusão, no máximo um estado transitório. São sempre partículas que tecem

grandes e discretos elementos que ele salienta num isolamento surpreendente, ou

em aglomerações díspares e combinações que criam uma ideia constante de

polivalência, mistério e paradoxo. Reside aqui o ponto alto da sua espetacular

modernidade: aquilo que ele já faz nos anos 30 do século XIX irá parecer

chocantemente original quando praticado pelos pintores, compositores e

escritores mais avant-guardes do início do século XX. Mas isto também o torna

especialmente difícil de interpretar. Em particular, coloca o problema da

perspetiva: sendo tão díspares e discretos, os elementos do seu trabalho mudam

de aspeto e de importância aparente de forma muito radical quando encarados

de diferentes pontos de vista.

Fotografias de ensaios © Jorge Gonçalves

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É escusado dizer que a descontinuidade sistemática de Büchner não é um

acidente – e não é certamente, como já foi sugerido, uma marca de imaturidade –

mas uma característica central, até definidora, do seu trabalho. Se olharmos para

um exemplo do classicismo germânico como Maria Stuart de Schiller, vemos uma

complexidade magnífica – mas uma complexidade semelhante a uma fuga

barroca com a sua rica mas contida elaboração de lúcidos temas pré-

estabelecidos. A abordagem de Georg Büchner é fundamentalmente diferente. Ele

nunca se preocupa com o atingir de conclusões ou soluções. Em vez disso, a sua

escrita é como um género de "happening", uma busca constante, uma

promulgação dinâmica do próprio processo de argumentação e conflito, da colisão

e interação de possibilidades contrárias. O seu trabalho começa, mas nunca num

início; ele chega a um fim, mas nunca a uma conclusão. Isto consegue facilmente

provocar-nos alegria mas perplexidade – e deixar-nos propensos ao entendimento

de alguns elementos discretos e particulares como a soma do todo, ou como o

fixar definitivo de uma posição. Muitos críticos caíram nesta tentação, daí a

persistente deturpação de Büchner como sendo variavelmente um pessimista

programático e niilista, um fatalista programático, um cristão programático, um

revolucionário Jacobino programático. Há uma consistência e unidade subjacentes

em Büchner, mas só podem ser encontradas dentro e através das multiplicidades

do seu trabalho – e não apesar delas.

Ajuda se identificarmos qual é certamente o paradoxo dos paradoxos em Georg

Büchner: o seu modo disjuntivo com a sua insistência implacável nos fragmentos e

partículas é sempre a expressão de uma radiante visão da totalidade. Uma e outra

vez, em qualquer área da sua existência – a sua política, a sua ciência, a sua

estética, a sua escrita poética – encontramos um sentido ardente de totalidade,

mas quase sempre uma totalidade que é pungentemente elusiva: isto foi mas já

não é; ou vai ser mas ainda não é; ou – a mais pungente de todas – isto é no

presente, mas só pode ser possuído parcial ou transitoriamente. Büchner é assim

forçado a ser um fazedor de mosaicos. Mas quantas mais reentrâncias existirem

nos fragmentos desses mosaicos, mais vistosos serão eles na sua invocação do

todo – um padrão surgiu nas primeiras páginas do seu trabalho, quando uma sua

personagem em A Morte de Danton usava os seguintes termos para definir a

busca do protagonista por entre as tartes do Palais Royal: “Anda à procura dos

bocados da Vénus de Médicis (…), faz um mosaico, é o que ele diz (…). É pena que

a natureza tenha desmembrado a beleza (…) e depois dispersado os elementos

pelos corpos mais diversos”. Minutos mais tarde o tema ecoa e é intensificado na

resposta terna de Danton a Marion com o seu duplo enfoque na “totalidade” e na

respetiva impossibilidade de alcance: “Porque é que não posso absorver a tua

beleza, não posso abarcá-la toda?”. No início de Lenz encontramos a mesma

imagem essencial durante as loucas viagens do protagonista pelos Vosges: “Sentia

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dever atrair a si a tempestade, receber todas as coisas; estendia-se na terra,

cavava uma passagem no universo”. Em Leôncio e Lena é a totalidade do amor

que é fragmentada, despedaçada nas notas separadas da escala musical, as cores

separadas do arco-íris. Mas aqui, como sempre, a ênfase nos fragmentos implica

uma crença na totalidade. E assim, é precisamente a experiência de Leôncio de

um amor que inspira a totalidade do ser que é celebrada no intenso mas efémero

clímax da peça: “Todo o meu ser está neste mesmo momento… Mais é impossível”.

A centralidade desta visão de Büchner da totalidade torna-se clara mesmo quando

percebemos que também está presente no coração do seu trabalho enquanto

“cientista-filósofo”. Quando morreu em fevereiro de 1837, ele tinha acabado de

embarcar numa promissora carreira na nova Universidade de Zurique. A sua tese

de Estrasburgo sobre a anatomia do barbo, Memória sobre o sistema nervoso do

barbo, concedeu-lhe não apenas o doutoramento em Zurique mas também a

oferta de um cargo de docência como Privatdozent, tendo a 5 de novembro 1836

apresentado competentemente a sua “Lição Experimental” (um requerimento

obrigatório para a confirmação de posições como esta). Nas últimas linhas da sua

Memória ele deu a entender a sua visão do mundo natural enquanto um grande

todo harmonioso no qual mesmo as mais complexas entidades derivam de um

“tipo primitivo”; no qual “as formas mais elevadas e mais puras” são desenvolvidas

pela natureza de acordo com “o plano mais simples”. No prefácio da “Lição

Experimental” ele expande-se neste tema. Sumarizando a história recente da

anatomia comparada, salienta que “tudo estava a lutar na direção de uma certa

unidade, em direção à investigação de todas as formas desde o tipo mais simples

e primordial” (e isto era a essência da sua tentativa, na “Lição” e na Memória, de

provar a hipótese segundo a qual o crânio, cérebro e nervos cranianos, por toda a

sua suprema complexidade, se teriam desenvolvido originalmente a partir das

estruturas relativamente simples das vértebras). A frase final da Memória ecoa

especialmente na “Lição”, quando Büchner fala das “formas mais elevadas e puras”

como sendo produzidas a partir dos “mais simples contornos e padrões”; mas

onde ele se conteve na Memória a citar a Natureza como o agente deste processo,

ele é agora muito mais explícito. No coração da natureza, ele declara, tem de

haver uma “lei fundamental”, uma “lei primordial” que molda e forma o “mundo

orgânico inteiro”. Apenas isto é já suficientemente surpreendente; mas mais

surpreendente ainda é a proposta de Büchner segundo a qual essa “lei primordial”

assumida é nenhuma outra que não a “lei da beleza”, que produz necessariamente

“harmonia”de entre todas as suas manifestações. É possivelmente apenas contra

este fundo que apreciamos verdadeiramente a ânsia por beleza atribuída a

Danton quando este contempla Marion; ou as palavras climáticas de Leôncio (logo

a seguir ao seu “Mais é impossível”): “Do caos nasce a criação, irrompendo contra

mim, tão viva e nova, tão radiante de beleza”; ou – acima de tudo – as palavras

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concedidas a Lenz no decorrer da mais famosa declaração de Büchner sobre uma

posição estética: “As imagens mais bonitas, as harmonias mais ressonantes,

unem-se, dissolvem-se. Apenas uma coisa permanece: uma beleza infinita que

passa de uma forma a outra, eternamente mutável e novamente revelada”.

A solicitação de Büchner na “Lição Experimental” por uma ordem abrangente de

rica simplicidade, impulsionada pela beleza e harmoniosa nas suas ações, pode

parecer perfeitamente desconcertante, vinda de um homem que durante décadas

foi quase universalmente representado como um pessimista ou niilista supremo,

como dono de uma “forma extrema de pessimismo” que é “mais profunda e

obscura que qualquer outra na anterior história do pensamento alemão, com a

possível exceção de Schopenhauer” (M.B.Benn). Ainda que não consideremos esta

perspetiva tradicional (entretanto caída em desaprovação), deparamo-nos ainda

com um paradoxo estridente subjacente aos próprios textos: por um lado a bela

ordem e a harmonia tão calmamente propostas na “Lição Experimental”, mas por

outro as visões de desespero tão frequente e eloquentemente projetadas nos seus

trabalhos poéticos – o isolamento aterrador do anti-herói no final de Lenz, ou da

criança no “anticonto-defadas” de Woyzeck; o famoso grito de Danton “O mundo é

caos, insignificância devido a Messias”; os medos de Leôncio, de que todas as

imagens do nosso eu e do mundo possam ser meros delírios que mascam uma

realidade de puro vácuo. Os exemplos poderiam ser multiplicados. Mas o

paradoxo é mesmo esse – um paradoxo; não é uma contradição. A angústia rouca

tão comum na escrita de Büchner não nega ou desmente esta crença na beleza

fundamental e na ordem: deriva inteiramente dela.

Fotografia de ensaio © Jorge Gonçalves

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A este respeito ele é inesperadamente antiquado: considerando que Lenz e as três

peças são magnificamente modernistas na sua articulação, a fé e a visão

subjacentes a elas são largamente fundamentadas num Zeitgeist que estava já

desatualizado quando Büchner o abarcou. À semelhança de tantos outros

escritores prévios pertencentes ao período febril que começa no Sturm und

Drang, passando pelo classicismo de Weimar e culminando no romantismo

alemão, ele foi abençoado e amaldiçoado com uma visão idealista da totalidade e

harmonia essenciais – mas num tempo em que a realidade prevalecente era, por

contraste, ainda mais ruidosamente discordante. Encontramos precisamente este

contraste numa das mais pungentes cartas de Büchner à sua amada noiva, Minna

Jaeglé, escrita em março de 1834 quando este recuperava de um período de

severa doença – e severa crise pessoal. Ele tinha “acabado de voltar do exterior”,

conta a Minna, onde “Um único tom ressonante vindo de uma centena de cotovias

estoura através do melancólico ar de verão, um pesado pedaço de nuvem vagueia

pela terra, o vento em expansão ressoa à semelhança do seu melodioso passo”. É

assim o vibrante e bonito presente de Büchner. Mas, ele continua, até ao momento

em que o ar primaveril o libertou e lhe deu vida outra vez, ele tinha sido há muito

trespassado por um género de rigor, por uma impressão de estar já morto,

enquanto tudo à sua volta se assemelhava a cadáveres com olhos de vidro e

bochechas de cera. Os “cadáveres” falavam e moviam-se, e com esta descrição

Büchner lança-se num dos seus característicos e emocionantes compassos de

desespero:

Então, quando toda a maquinaria começou a trabalhar com membros que se

sacudiam e vozes dissonantes a chiar, e eu ouvi a mesma velha melodia no órgão

a tralala e vi os pequenos dentes e os cilindros a zumbir na caixa do órgão – eu

amaldiçoei o concerto, a caixa, a melodia – oh, que pobres músicos gritantes

somos nós – será possível que os nossos gritos de agonia na estante apenas

existam para ressoar através de brechas entre as nuvens e, ecoando em contínuo,

morram como um suspiro melódico em ouvidos celestiais?

- Uma antífona enervante: na natureza, o vento e as cotovias e a sua

melodia libertadora; entre os homens, uma raspagem mecânica e mortífera, gritos

tortuosos extraídos talvez por qualquer divindade distante para sua excitação

privada. E é esta mesma trágica antífona que Büchner usa nove meses depois para

iniciar o grande clímax de ópera em A Morte de Danton:

PHILLIPPEAU: Meus amigos, não temos de nos erguer muito acima da terra

para perder de vista todo este vacilar, todas estas incertezas e encher os olhos de

uns grandes contornos divinos. Há um ouvido interior que ouve o clamor e a

discórdia, em que nos aturdimos, e os transforma numa torrente de harmonia.

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DANTON: Mas nós somos os pobres músicos e os nossos corpos são os

instrumentos. Tiramos deles estes acordes terríveis só para subirem cada vez mais

alto e se perderem envolvidos num suspiro de volúpia nos ouvidos celestiais?

Surge assim a questão: porque nos transformámos nós em tão “pobres músicos”,

tão longe da “corrente de harmonias”, dessa “harmonia necessária” supostamente

inscrita na natureza pela lei primordial da beleza? A imagem de deuses sádicos

que forçam em nós a discordância para seu bel-prazer é mais um florescer

retórico que uma afirmação séria. Büchner parece encontrar as razões

verdadeiras entranhadas na própria humanidade – e mais particularmente na

influência indevida da Mente e dos sistemas artificiais.

Outro paradoxo ainda é o facto deste homem, um herdeiro do Iluminismo, um

dedicado investigador científico, um intelectual voraz, um aspirante a académico

que queria acima de tudo ensinar filosofia na Universidade de Zurique, tenha sido

no entanto tão profundamente suspeito e desdenhoso da razão humana, e

especialmente das suas manifestações na filosofia racionalista. Tanto o desprezo

como os seus fundamentos estão muito claros no prefácio à "Lição Experimental".

Büchner defende que ainda nunca se teria provado ser possível "colmatar o fosso

entre [o dogmatismo dos filósofos racionalistas] e a vida natural tal como a

apreendemos diretamente", continuando: “A filosofia a priori ainda habita um

desolador e árido deserto; existe uma longa distância a separá-la da vida verde e

fresca, e é altamente questionável se algum dia preencherá essa lacuna".

Esta ideia da existência de um abismo absoluto entre o racionalismo e a Vida em

todo o seu vigor e exuberância diretamente apreensíveis é exatamente o que dá

alma às críticas fundamentais de Büchner a Descartes e ao seu cogito ergo sum.

Numa passagem crucial do seu longo e complexo comentário à filosofia de

Descartes, ele distingue categoricamente entre "ser" e "pensar". O que importa é o

nosso Ser; o pensamento não é mais que uma "atividade secundária". A

característica definidora do Ser é a sua imediaticidade: concede-nos verdades e

conhecimentos "imediatos" (ou "não-mediados"), assim como uma espontânea e

natural "consciência de que o eu existe". Este domínio primário do Ser é não

apenas independente dos processos do pensamento racionalista mas também –

de acordo com o entendimento radical de Büchner – inteiramente inacessível a

ele. Tendo em conta a primazia desta “não-mediação”, o Ser autêntico e a sua

inacessibilidade à racionalização, todo o edifício do racionalismo Cartesiano

parece subitamente falso, as suas reivindicações pela verdade apenas um

conjunto de ficções arbitrariamente construídas por e na mente lógica, distante da

realidade vivida, diretamente intuída. Indo ainda mais longe, Büchner sugere que a

lógica racionalista não pode sequer lidar adequadamente com os abismos

especificamente filosóficos sobre os quais afinal foi inteiramente construída. Isto

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aplica-se com força particular às supostas provas de Deus. Assim, o Deus de

Descartes é para Büchner um puro mecanismo de expediente, um dispositivo

especialmente maquinado para "preencher o abismo" entre pensamento e

conhecimento, para ser uma "ponte" entre o eu e o mundo, uma "escada" para

fugir ao "túmulo da filosofia", uma corda para escalar o "abismo da dúvida". Num

outro momento ele defende que enquanto a lógica da prova de Deus de Descartes

pode ser convincente nos seus próprios termos, nada nos convence a aceitar essa

lógica por si só; na verdade ela é contrariada pela experiência primária da nossa

mente e das as nossas emoções: "Assim que alguém entra na definição de Deus,

tem de admitir a existência Dele. Mas o que é que nos prova ao construirmos esta

definição? / A nossa mente? / Ela conhece a imperfeição. / As nossas emoções?

Elas conhecem a dor."

Fotografias de ensaios © Jorge Gonçalves

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Mas porque interessariam estas questões? Porque não poderá o racionalismo ser

deixado aos seus próprios dispositivos no seu deserto de abstrações? Reside aqui

um problema crucial para Büchner: apesar do quão remota possa estar a

sistematização cartesiana da "vida verde e fresca" como nós diretamente a

apreendemos, as suas construções falsas – e outras de tipo similar – são

ameaçadoras de prevalecer, são ameaçadoras de condicionar a nossa

compreensão e forma de lidar com o mundo. Isto é particularmente claro dentro

da área da biologia de Büchner. Sob a enfraquecida mão de Descartes, o corpo

vivo é reduzido a mera máquina composta por porcas e parafusos. Ele realça que

em De homine, o tratado de Descartes sobre a psicologia, o ser humano é

"l'homme machine", uma colagem "artificial" de "parafusos, dentes e cilindros", de

"aparatos" mecânicos; e na "Lição Experimental" usa exatamente o mesmo tipo de

vocabulário para atacar o funcionalismo frio e redutivo daquilo a que ele chama

de escola "teleológica" em fisiologia e anatomia. Estava a lutar uma batalha

perdida: os "teleologistas" estavam em sintonia perfeita com uma era cada vez

mais conduzida pelo funcionalismo de qualquer tipo. Isto torna-se graficamente

claro quando nos apercebemos que a visão deles de um organismo vivo era a de

"uma máquina complexa provida de dispositivos funcionais que a permitem

sobreviver durante certo período de tempo", destacadamente próxima da mais

revolucionária e influente teoria biológica do século XIX: A Origem das Espécies,

de Charles Darwin, e a sua asserção segundo a qual as criaturas mais adaptáveis e

melhor equipadas seriam as que sobrevivem na "luta da vida" – de facto um grito

longínquo da crença inspiradora de Büchner (presente na sua Naturphilosophie)

numa lei primordial de beleza que produz uma riqueza perfeita, sublime, nobre,

bela, inspirada e harmoniosa, partindo de uma matriz de simplicidade essencial.

Apesar de tudo, ele mantém-se fiel à sua crença antiquada – e particularmente ao

seu entendimento do valor absoluto do individual. Esta é possivelmente a sua

crítica mais crucial aos "teleologistas" que, de acordo com o seu princípio único de

“a melhor aptidão possível para cada intenção”, entendem o individual "apenas

enquanto algo que deve atingir um propósito para além dele próprio". Para

Büchner, em contraste – e esta é indiscutivelmente a declaração mais

ontologicamente poderosa de toda a sua obra – "Tudo o que existe, existe por sua

própria causa".

Esta é a crença encerrada no centro da "Lição Experimental"; mas sugiro que é

também a crença no coração de toda a produção de Büchner. Na sua escrita

poética, assim como na sua filosofia científica ele mantém sagrada a plenitude da

Vida natural e “não-mediada” e a sua rica manifestação no ser de cada indivíduo.

O problema é que ele pode celebrar isso positivamente pela sua presença gloriosa

apenas por raras e fugazes ocasiões; maioritariamente deve celebrá-lo

negativamente pela sua ausência – através da lamúria rapsódica ou sardónica da

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sua perda, recusa, supressão. Particularmente, expõe publicamente de forma

inflexível qualquer tentativa de subordinar a vida aos sistemas – especialmente

sistemas intelectuais. Daí o escárnio ao racionalismo na figura do Rei Peter

(Leôncio e Lena); ao cientismo consumado no maníaco “Doutor-Professor”

(Woyzeck); ao moralismo no Capitão (Woyzeck); às ambições jacobinas para

reestruturação da humanidade (A Morte de Danton); ao reducionismo chocante

nas artes contemporâneas (A Morte de Danton). Simultaneamente ele também se

fixa repetidamente nos protagonistas – todos eles homens, quase por definição –

cujas mentes são demasiado ativas, protagonistas paralisados ou excitados pelo

facto de saberem e verem muito para além daquilo que seria bom para eles.

Mas todas estas reflexões são na pior das hipóteses enganadoras, na melhor

apenas parte da história. Georg Büchner é um dos mais elusivos e desafiantes

escritores. A sua vitalidade e multiplicidade podem apenas ser verdadeiramente

apreciadas dentro das suas palavras – e o propósito desta edição é deixá-las falar

por elas mesmas em todo o seu vigor e profundidade admiráveis.

Fotografias de ensaios © Jorge Gonçalves

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OS ÚLTIMOS SOBRESSALTOS DA VIDA

JEAN-LOUIS BESSON

Em 1835, Karl Kutzov notava já que Büchner tinha escrito “em vez de um drama,

em vez de uma ação que se desenrola, se intensifica e enfraquece, os últimos

sobressaltos e os últimos estertores que precedem a morte”.

O sofrimento e a morte ocupam um lugar preponderante no drama, e são

evocados através das mais diversas expressões e metáforas: a morte seria uma

“doença que faz perder a memória”, ela é chamada “a dona Putrefação”, “o grande

manto debaixo do qual se apagam todos os corações e todos os olhos se fecham”.

“A melhor morte é um ataque de apoplexia, ou preferias adoecer primeiro?”, diz

Danton a Lacroix. Sofrer é um pensamento insuportável: “Não tenho medo da

morte, da dor sim”, diz Laflotte, ela “é o único pecado e o sofrimento o único vício”.

Esta presença constante da morte encontra um eco na correspondência de

Büchner quando tem de sair de Estrasburgo e regressar a Hesse: é assaltado por

interrogações sobre o sentido da vida, a ponto de se ter falado de uma profunda

depressão. O que o rodeia em Darmstadt parece-lhe “medonho, esmagador,

fastidioso (…), o deserto em todas as cabeças e em todos os corações”. Tudo é

“pequeno e acanhado. A natureza e os homens, os ambientes mais mesquinhos,

pelos quais não consigo sentir o menor interesse”, e sente-se “completamente só”;

refugia-se no trabalho e “lança-se com todas as forças na filosofia”. Em fevereiro

de 1834 acrescenta numa carta à noiva: “Estou só como se estivesse no túmulo (…),

os meus amigos abandonam-me, gritamos uns com os outros como se fôssemos

surdos; gostaria que fôssemos mudos, assim só poderíamos olhar-nos, e nestes

últimos tempos mal posso olhar para alguém sem que me venham as lágrimas aos

olhos (…). A neurastenia tenta ocupar o teu lugar, entrego-me a ela o dia inteiro”.

Passado um mês, quando a crise atinge o paroxismo, afirma ainda:

“A sensação de estar morto não me largava. Todos os seres me revelavam

um rosto doentio, olhos vítreos, faces macilentas, e quando depois todo

esse mecanismo começava a exprimir-se, quando as articulações

estalavam, a voz saía aos guinchos e eu ouvia a eterna cantilena do realejo,

cuja caixa deixava à mostra os pequenos rolos a girar e as pequenas

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agulhas a saltitar… eu maldizia esse concerto, a caixa, a melodia, e… ah!

pobres músicos esganiçados que nós somos, será possível que os nossos

gemidos no cadafalso estejam lá apenas para passar através das nuvens e,

ressoando ao longe, irem morrer como um sopro melodioso em ouvidos

celestes? Seríamos nós, no ventre ardente do touro de Perillos, a vítima

cujo grito de morte soa como a explosão de alegria do deus touro a arder

nas chamas?”

Não é difícil detetar aqui certos motivos de A Morte de Danton, mesmo que a peça

tenha sido escrita mais tarde. Büchner recordou-se ou inspirou-se nos seus negros

pensamentos, retomando mesmo as imagens do pobre músico e do touro, e

atribuiu às suas personagens angústias e pensamentos profundos que se

assemelham aos seus. Ora ele coloca-os indiferentemente em qualquer campo:

Danton, Lacroix, Camille, Robespierre, e até o traidor Laflotte são afetados, como

se se tratasse de um sentimento geral e não apenas de características individuais.

Existe na peça um desfasamento entre a distância que Büchner toma em relação

às suas personagens no campo da ação política e a empatia que sente quando se

trata do fundo íntimo do ser. Isto explica em parte as dificuldades de

interpretação quando misturamos os dois níveis e pensamos que Büchner estaria

politicamente próximo deste ou daquele porque lhe coloca na boca um discurso

que poderia fazer ele próprio. O facto de esse discurso estar repartido entre os

dois campos tende a provar que as coisas não são bem assim, mesmo que estas

meditações sejam mais frequentes entre os partidários de Danton. A questão das

orientações políticas e a da experiência existencial cruzam-se, influenciando-se

mutuamente, mas estão longe de se misturar totalmente. Como se Büchner tivesse

querido mostrar que o sofrimento profundo do ser era exacerbado pela sua ação

na História, mas em muitos pontos separado das apostas desta última. O mundo

das experiências privadas das personagens em A Morte de Danton ultrapassa o

espaço espiritual e afetivo da ação, e daí o grande desfasamento entre esfera

pública e esfera privada.

Na peça, a questão do sofrimento é debatida sob a forma de uma discussão

filosófica entre diferentes presos. Liderados por Payne, os detidos trocam opiniões

sobre a não-existência de Deus. Depois de ter tentado demonstrar que Deus não

pode existir, pois a sua essência eterna é contrária à ideia de Criação, depois de

se ter lançado numa refutação vulgar do panteísmo de Spinoza, e depois de ter

perguntado se uma causa perfeita podia criar algo de imperfeito, Payne faz um

desmentido da Teodiceia, tendo em conta a presença do mal na terra:

“Acabai com a imperfeição, só assim se poderá provar a existência de Deus.

Espinosa tentou-o. Podemos negar o mal, mas não a dor. Só a razão pode

provar a existência de Deus, o sentimento revolta-se contra isso. Repara,

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Anaxágoras, porque é que eu sofro? Aqui nasce o rochedo do ateísmo. O

mais leve estremecimento da dor, mesmo que seja num átomo, destrói de

alto abaixo a criação.”

A argumentação prossegue, desenvolvendo o que Büchner aborda nas suas notas

sobre Espinosa. Ao comentar a afirmação XI da Ética, reconhece que somos

forçados a “chegar a qualquer coisa que só pode ser pensada como sendo”, mas

objeta: “O que é que nos dá o direito de, por essa razão, fazer dessa essência o

absolutamente perfeito, Deus?: O entendimento? Ele conhece o imperfeito; o

sentimento? Ele conhece a dor.”

Para Espinosa, nem o entendimento nem o sentimento podem demonstrar a

existência de Deus. Só o facto de Deus ser pensado permite pressupor que ele

existe. Payne inverte o argumento: segundo ele, o entendimento permitiria

demonstrar a existência de Deus. Mas como o entendimento não pode demonstrar

tudo, Deus e as outras coisas, isso significa que aquilo que ele pode demonstrar

não poderia chamar-se Deus. O entendimento pode tudo afirmar e tudo negar,

incluindo o bem e o mal. Só a dor seria então a prova da não-existência de Deus.

Porque, se o mal é um conceito abstrato que pode ser negado, a dor é sentida

fisicamente, o que a torna incontestável. Büchner tinha já encontrado este

argumento em Epicuro. Como é que um Deus perfeitamente bom e todo-poderoso

poderia tolerar o sofrimento? Se não pode impedi-lo, é porque não é todo-

poderoso; e, se não quer impedi-lo, é porque não é perfeitamente bom,

deleitando-se mesmo com ela, como os romanos se divertem com o flamejar das

cores dos peixes agonizantes. Esta questão do sofrimento, apresentada aqui como

“o rochedo do ateísmo”, não deixará de preocupar Büchner. Encontramos ainda

vestígios em Lenz onde o poeta declara ao pastor Oberlin: “Mas eu, se fosse todo-

poderoso, se fosse assim e não pudesse suportar o sofrimento, eu salvaria, pois só

desejo a calma, a calma…”

Robespierre, Danton e Marat

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Apesar da importância da “conversa dos filósofos”, em vão procuramos em A

Morte de Danton ou na obra de Büchner uma ilustração das teses de Espinosa ou

de Epicuro. Contudo, o tema da criatura sofredora num mundo abandonado pelos

deuses é retomado na peça sob inúmeras variações.

Robespierre, que fica só após a discussão com Danton, mergulha na incerteza “não

sei qual dos dois dentro de mim mente”, constata ele, como as palavras de Danton

na noite que precede a sua prisão. Até aqui, o Incorruptível identificara-se com a

Revolução: no seu discurso no Clube dos Jacobinos, utilizava a primeira pessoa do

plural para falar da sua ação. Agora, é como se tirasse a máscara. Pensamentos e

desejos “insuspeitáveis” que o homem público refreia “ganham forma e relevo e

deslizam na silenciosa morada do sonho”. Como observa Gérard Raulet: “O

republicano clássico, estoico, torna-se um ‘romântico’, para o qual a vida é um

sonho e o homem uma marioneta”. Este aspeto da personagem não está nas

fontes, é uma criação de Büchner.

Esta passagem cria um jogo de espelhos entre Danton e Robespierre. Os

adversários políticos revelam-se semelhantes na sua identidade profunda. Ambos

têm a sensação de que algo lhes escapa, que não dominam os seus atos, ou que se

criou um fosso entre o pensamento e o ato: “não seremos nós sonâmbulos, não

serão as nossa ações como as do sonho, só que mais nítidas, mais exatas, mais

completas?”. A diferença entre Danton e Robespierre é que este último prossegue

o combate. A chegada de Saint-Just vem arrancá-lo aos seus pensamentos

sombrios, relançando-o no coração da ação política. Mas aquele que até aqui

parecia decidido a ir até ao fim do terror surge irresoluto, como Danton. “Queres

hesitar ainda mais tempo?”, censura-o Saint-Just, “agiremos sem ti, já decidimos”.

A resposta de Robespierre “Que tencionais fazer?”, na qual o “vocês” se opõe ao

“nós” do discurso aos jacobinos, é a prova da sua hesitação em se identificar com

uma República terrorista, e sem dúvida revela também o seu medo de lhe ser

sacrificado, por seu turno. Essa hesitação transparece ainda quando Saint-Just

cita o nome de Camille entre as futuras vítimas. Apenas a leitura do Vieux

Cordelier (o jornal de Camille Desmoulins) põe fim aos escrúpulos de Robespierre,

não pelos argumentos políticos expostos, mas porque se sente pessoalmente

atacado quando é tratado por “Messias sanguinário, Robespierre, entre os dois

ladrões Couthon e Collot no seu Gólgota onde sacrifica e não é sacrificado”, isto é,

quando tocam no seu ponto fraco.

Todavia, a decisão de Robespierre de condenar à guilhotina os partidários de

Danton não o acalma. A frase de Camille ficou-lhe na memória, e leva-o a

comparar-se a Cristo: imagina-se a resgatar a humanidade e a assumir os

pecados do mundo. Mas a comparação é insustentável, pois Cristo “tinha a volúpia

da dor”. Esta declaração é como que um eco das palavras de Danton, que pouco

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antes afirmara que Cristo era o mais requintado dos epicuristas: o filho de Deus

conseguira transcender a sua dor e transformá-la em volúpia oferecendo-a para a

salvação dos homens. Robespierre, que não redime a humanidade com o seu

próprio sangue mas com o sangue dos outros, tem apenas “o tormento do

carrasco”. Depois de ter decidido sacrificar Danton e os seus partidários, continua

consumido pela dúvida: “nós todos suamos sangue no jardim das Oliveiras, mas

não há quem redima o outro com as suas chagas”. O sacrifício de Robespierre não

redimirá a humanidade, tal como a morte de Camille não redimirá Robespierre.

Deixá-lo-á apenas numa solidão terrível: “Todos se afastam de mim - está tudo

vazio e deserto - e eu estou só.”

O sofrimento do ser humano, as suas angústias e dúvidas ganham corpo quando

as construções abstratas se esboroam e o indivíduo se encontra face a si próprio.

Esta passagem humaniza a personagem do Incorruptível, considerado frio e

intratável, mostrando-o capaz de pensamentos íntimos e de interrogações sobre si

mesmo. Paralelamente, antecipa as queixas dos detidos na prisão, nos dois últimos

atos. É como que o eco da cena que precede a execução.

Se a morte está inscrita no título da peça, os dois últimos atos são dedicados ao

sofrimento de ter que morrer. No início, Danton mostra uma certa indiferença

perante a sua execução e a sua prisão. Contudo, o amor à vida, problemático que

seja, prevalece sobre o desgosto de viver. Se dá mostras de ceticismo em relação

às possibilidades de realização do programa da República epicurista exposto por

Camille e Phillipeau no primeiro ato, não deixa de aplicar a si próprio a moral

hedonista de que os seus amigos são arautos (Büchner mostra-o mais como um

debochado do que como um fino epicurista), e, face a Robespierre, desenvolve

argumentos semelhantes aos deles. Dar ao indivíduo a possibilidade de afirmar a

sua natureza parece-lhe ser a tarefa que agora compete à Revolução. Opõe assim

o gosto de viver e o desejo de prazer a essa máquina de morte que é o Terror.

O diálogo entre Danton e Marion apresenta uma variação sobre o tema do

epicurismo, o que lhe confere indiretamente uma função de comentário. Marion

está sentada aos pés de Danton. Essa situação evoca “Danton sentado num banco

ao pé de Julie” na primeira cena, e cria não tanto uma hierarquia entre as duas

mulheres (Danton aos pés da esposa, a prostituta aos pés de Danton), mas antes

um jogo de espelhos: nos dois casos cria-se uma relação íntima. Essa imagem é

relativizada, e até mesmo ridicularizada por Lacroix que, entrando pouco depois,

compara as duas personagens aos dois cães que acaba de ver na rua e que

estavam “um a tentar montar o outro”. A terna harmonia de um instante reduzida

à sua banalidade trivial.

Marion mantém com o mundo uma relação elementar e não oferece nenhuma

resistência aos sentimentos: na primavera deixa-se invadir por uma “atmosfera

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que era só minha”, e considera-se “muito sensível, é só através dos meus

sentimentos que estabeleço contacto com as coisas”. Alheia aos constrangimentos

e às obrigações da vida familiar, que não compreende, apenas escuta a natureza.

É sem dúvida também por isso que as palavras lhe saem naturalmente da boca:

não quer provar nada, nem demonstrar nada, nem impor nada, mas tão-só

contactar. A sua vida “não é pautada por conceitos como o vício ou a virtude, mas

antes em função da intensidade com que ela é vivida”, e o seu discurso é de uma

extrema simplicidade, sem floreados, sem pathos, o contrário da retórica

revolucionária. Igual a si mesma, Marion diz que “Sou sempre esta. Uma ansiedade

irreprimível, uma vontade de agarrar as coisas, um ardor, uma torrente. O crítico

Reinhold Grimm saúda nesta personagem o arquétipo da sensualidade pagã, que

ignora o antagonismo cristão entre eros e amor, entre prazer dos sentidos e

espiritualidade que se emancipa tanto da dicotomia tradicional da mulher

“enquanto objeto de adoração divina e enquanto objeto sexual”, como da oposição

burguesa “entre a prostituta e a esposa”.

O discurso de Marion não é apenas um momento de intimidade na peça: dando a

entender a verdade profunda de um ser, contrasta com os discursos

revolucionários que pretendem falar em nome do povo. É essa voz verdadeira que

a revolução não é capaz de ter. Como observou Jean-Christophe Bailly, “Marion é

uma mulher, e não é por acaso; ela opõe-se à virtude como qualquer coisa (sim)

de mais virtuoso ainda – de verdadeiro. Talvez pareça incrível que Büchner nos

fale já da guerra entre uma ordem do desejo e uma ordem do dever, que nos fale

da rutura que a incompatibilidade de espírito entre essas duas ordens provoca. A

vida extremamente calorosa por um lado, e incrivelmente rígida e fria pelo outro.”

Fotografia de ensaio © Jorge Gonçalves

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Mas em Büchner nenhuma personagem, por muito positiva que possa parecer, é

feita de uma só peça, e a imagem não é idílica. Por um lado, Marion continua a ser,

para Danton, uma cortesã que deve pedir ao seu interlocutor que a escute “por

uma vez”; por outro lado, ela só adquiriu essa liberdade de vida à custa da morte

do primeiro amante e da sua mãe. Também ela deixa cadáveres atrás de si.

Mesmo assim, ela é a única personagem na peça que mantém uma relação com o

mundo de acordo com a perceção que tem dele, e que ignora o sofrimento. Surge

apenas numa cena, como um meteoro num universo que não parece feito para ela.

No segundo ato, a consciência do inimigo, primeiro, e depois o sentimento de

culpa, apresentam a Danton a morte já não como um sofrimento, mas, pelo

contrário, como uma libertação. Ela parece mais suportável do que a vida, que

“não vale o trabalho que temos para a manter. A transição é brutal, e não é

motivada pela psicologia nem pela ação. Enquanto no primeiro ato Danton se

declarava pronto a agir – Não podemos perder nem um instante. Temos de nos

mostrar ao povo!” – parece agora apático, como se o discurso de Marion tivesse

abalado as suas últimas veleidades, fazendo-lhe entrever uma outra verdade, e

Lacroix censura-lhe as suas hesitações, que o condenam, bem como aos

companheiros. A partir desse momento, o drama da Revolução transforma-se num

questionamento metafísico sobre o lugar e o papel do homem no universo:

“Houve um erro quando fomos criados, há qualquer coisa errada, nem sei dizer o

quê. Mas não vamos encontrar isso que nos falta remexendo nas entranhas uns

dos outros. Porque havemos de rasgar os corpos uns dos outros? À procura de

quê?”. Aqui já não é o homem político que fala, é o ser humano confrontado com as

falhas da Criação.

A curta intervenção de Danton na cena “uma digressão” inscreve-se na

continuidade dessa reflexão. O mundo e os humanos que o habitam são de tal

forma imperfeitos que não merecem ser levados a sério: “Deviam rir bem alto à

janela e no túmulo, e o céu torcia-se todo, e a terra morria de tanto se rir.”

O mundo torna-se uma farsa e não vale a pena ninguém dar-se ao trabalho de o

melhorar. As pessoas deviam deter-se na rua “para rirem na cara umas das

outras”.

Mas a partir do terceiro ato, quando a morte se torna mais presente e parece

evidente que o julgamento perante o tribunal revolucionário não passa de um

simulacro, o tom volta a mudar. Quanto mais o tempo urge, mais se tornam

caducas as tentativas de dar um sentido a essa morte, ou para a esconjurar; resta

o indivíduo consumido pela angústia, o contrário de uma figura heroica: a

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presença da guilhotina, a sensação da lâmina a cair, o medo de sofrer e a imagem

da putrefação apoderam-se dos espíritos.

“Gritaste bem alto, Danton. Se te tivesses preocupado mais cedo com a tua vida

seria agora diferente. Quando a morte se aproxima, assim, insolente, e se sente o

fedor que lhe sai da boca, cada vez com mais insistência, é horrível, não é?”. As

cenas da prisão giram em torno deste mesmo tema, apresentando múltiplas

variações.

Büchner abandona aqui o terreno político, mesmo que por vezes regresse a ele

para se interessar pela criatura que sofre, para tentar compreender o que pode

passar-se no mais profundo do ser nos últimos instantes. A imagem é desprovida

de complacência, é progressivamente eliminado tudo o que possa desviar da

realidade concreta da execução iminente, quer se trate do sentimento de morrer

por uma causa justa, da crença num Além, do desprezo pela morte por uma

questão de bravata, ou da convicção de estar a agir no sentido da História. Assim,

quando os prisioneiros querem ver-se como vítimas da sua tentativa de salvar

inocentes, não conseguem convencer-se disso, e o argumento cai por si. Quando

Phillipeau evoca a possibilidade de encontrar a paz em Deus, os outros

permanecem surdos aos seus argumentos, pois só concebem a divindade como

insensível ao sofrimento terrestre. Quando Danton quer ironizar, Camille logo lhe

responde que nem por isso conseguirá “por mais que deites a língua de fora, não

consegues lamber o suor da morte do teu rosto”. Finalmente, quando Danton tenta

colocar o curso da História do seu lado “Quando, um dia, a história abrir as

catacumbas, o despotismo sufocará com o fedor dos nossos cadáveres”. Hérault

responde-lhe que ele está a construir “frases para a posteridade”, frases que

pouco interessam àqueles que vão morrer.

No momento em que a carroça vem buscar os condenados para os conduzir à

guilhotina, estes evocam de forma coral um mundo abandonado pelo divino. A

noite que cai adquire o valor de crepúsculo dos deuses: “As nuvens cobrem o

crepúsculo, é como um Olimpo que se extingue e onde aparecem, uma a uma, as

figuras dos deuses pálidos, atónitos”. Só o amor entre Lucile e Camille, entre

Danton e Julie, ou a amizade entre Camille e Danton – o calor humano, a

compreensão da dor do outro nas cenas de prisão – parecem poder dar ainda um

sentido à existência. “Poderás tu impedir que as nossas cabeças se beijem no

fundo do cesto?” diz Danton ao carrasco. Resta também, última escapatória, a

loucura de Lucile no final: último refúgio, paradoxal, contra um mundo insensato.

Esta conceção de um universo de onde os valores desertaram, e sentido como um

caos medonho, levou a crítica a ver em A Morte de Danton uma peça que advoga

o niilismo. Todavia, convém notar que o mundo aqui posto em causa não tem um

caráter absoluto. Não é o mundo em si que desaba, mas uma certa conceção que

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até aí se faz dele: um universo ordenado, concebido para os homens e regido por

um princípio supremo. É ao desabar desse universo que os revolucionários de 1794

assistem, submetidos que estão ainda ao “ter que”. Surge então neles uma

sensação de vazio, exacerbada pela proximidade da morte: já que não se sabe por

que se morre, mais vale convencer-se de que o mundo que se deixa não tem

sentido, mais vale desvalorizar o que se perde para assim diminuir a perda.

Execução de Robespierre e os seus apoiantes a 28 de julho de 1794.

Mas o desaparecimento dos valores aviva o sofrimento que, no último instante,

permanece a única realidade tangível. De modo absolutamente voluntário,

Büchner substitui a morte carregada de sentido e de futuro para a humanidade

por uma representação concreta da dor física no momento da decapitação. Não é

por acaso que, contrariamente a todas as regras da arte dramática em vigor na

época, ele imagina a guilhotina erguida no palco. Ela é a figuração concreta dessa

morte mecânica, inventada para tornar a execução “humana”, mas que não

suprime a dor moral e física. Num artigo publicado em 1992, Ingrid Oesterle

destacou os sinais, em A Morte de Danton, das leituras de Büchner sobre os efeitos

físicos da lâmina da guilhotina sobre os condenados. O mais marcante é esta

observação de Laflotte: “Pode doer, quem é que diz que não? Dizem que é um

segundo, mas a dor tem uma medida de tempo mais apurada: distingue décimos

de segundo”.

Mercier, em Le Nouveau Paris, dedicara um artigo aos debates da época sobre a

decapitação na guilhotina, a crença numa morte instantânea e sem dor fora posta

em causa perante observações feitas sobre os condenados. Mercier relata que

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testemunhas julgaram ter visto “nos movimentos convulsivos dos músculos do

rosto, imediatamente após a execução, os sinais de uma dor aguda e um vestígio

de sensibilidade que ainda não se extinguiu.” Uma sobrevivência de alguns

instantes, acompanhada de sofrimento horrível após a decapitação, era, pois,

verosímil. É a essa eventualidade que Laflotte se refere aqui. Morrer continua a ser

um tormento, só a morte, com a rigidez do corpo, dá o repouso. É por isso que

Danton diz que “a guilhotina é o melhor médico”: uma vez passados os últimos

instantes, ela, ao tirar a vida, proporciona a única cura absoluta, na inconsciência

e no esquecimento.

Estes detalhes mórbidos dão uma imagem da morte totalmente diferente daquela

que até então se conhecia no teatro. Não que o sofrimento de morrer nunca

tivesse sido descrito, mas ele não constituía a realidade última. Büchner rompe

com toda a estetização da morte. Lança sobre o indivíduo que sofre um olhar

quase médico, que não é alheio aos seus estudos de biologia (não esqueçamos

que mais tarde ele irá estudar precisamente os nervos do crânio!), e que, no

teatro, transforma radicalmente a imagem do homem. O ser moral e consciente

dos seus atos dá lugar à criatura que sofre na carne, presa numa tormenta que a

arrasta e contra a qual luta em vão. O fim de A Morte de Danton anuncia Woyzeck.

O autor já não é um juiz no tribunal das instituições políticas e morais, mas um

clínico no seu laboratório, lançando um olhar compassivo sobre o sujeito de

análise.

Jean-Louis Besson, Le Théâtre de Georg Büchner: un jeu de masques, Belfort, Éditions Circé, 2001. (trad. Manuela Torres)

Fotografias de ensaios © Jorge Gonçalves

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CRONOGRAMA DA REVOLUÇÃO FRANCESA

LISA SPIRLING Acontecimentos que conduziram à ação da peça:

O Iluminismo levou a que muitos escritores europeus O Iluminismo levou a que muitos escritores europeus O Iluminismo levou a que muitos escritores europeus O Iluminismo levou a que muitos escritores europeus criticassem a monarquia, criticassem a monarquia, criticassem a monarquia, criticassem a monarquia,

expondo ideias democráticas, liberais, nacionalistas e socialistas.expondo ideias democráticas, liberais, nacionalistas e socialistas.expondo ideias democráticas, liberais, nacionalistas e socialistas.expondo ideias democráticas, liberais, nacionalistas e socialistas.

1774177417741774 – Coroação de Luís XVI em Reims.

1775177517751775 – Início da Guerra de independência dos Estados Unidos da América (1775–

1783)

1778177817781778 – A França declara guerra à Grã-Bretanha em solidariedade com as colónias

Americanas. A guerra subsequente agrava a já existente dívida financeira.

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1783178317831783 – A erupção vulcânica do Laki na Islândia e o arrefecimento do clima

provocado pela Pequena Idade do Gelo, combinados com o fracasso francês na

adoção da batata como alimento dominante contribuem para a fome e má

nutrição generalizadas.

O Tratado de Paris termina com a guerra. O sucesso dos colonos

americanos contra o poder europeu faz crescer as ambições daqueles que

desejam uma reforma em França.

1789178917891789 – 5 maio. Os Estados Gerais são convocados pela primeira vez desde 1614. A

votação decorrerá por Estado e não por cabeça.

28 maio. O Terceiro Estado (Tiers Etat) começa a reunir por iniciativa

própria, apelidando-se de “communes” (comunas).

17 junho. O Terceiro Estado declara-se Assembleia Nacional.

A Assembleia Nacional existiu de 17 de junho a 9 de julho de 1789, como A Assembleia Nacional existiu de 17 de junho a 9 de julho de 1789, como A Assembleia Nacional existiu de 17 de junho a 9 de julho de 1789, como A Assembleia Nacional existiu de 17 de junho a 9 de julho de 1789, como

instituição transitória entre os Estados Gerais e a Assembleia Nacional instituição transitória entre os Estados Gerais e a Assembleia Nacional instituição transitória entre os Estados Gerais e a Assembleia Nacional instituição transitória entre os Estados Gerais e a Assembleia Nacional

Constituinte.Constituinte.Constituinte.Constituinte.

20 junho. O Terceiro Estado/Assembleia Nacional é impedido de reunir nos

locais apropriados. Encaram o rei Luís XVI como aquele que lhes fecha as portas e

decidem-se por um voto declarativo, conhecido por “serment au Jeu de Paume”

(juramento do jogo da pela), que não se dissolve até a Constituição estar

estabelecida.

14 julho. Tomada da Bastilha; De Launay (o governador), Foulon (o

secretário de Estado) e de Flesselles (então o equivalente ao Prefeito de Paris),

entre outros, são massacrados.

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17 julho. O início do Grande Medo, revolta campesina contra o feudalismo e

grande número de revoltas e distúrbios urbanos. Muitos membros da aristocracia

fogem de Paris e tornam-se emigrantes. Luís XVI aceita o cocar tricolor.

27 agosto. A Assembleia adota a Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão.

1790179017901790 – janeiro. Antigas Províncias da França são substituídas por novos

Departamentos administrativos.

13 janeiro. Supressão dos votos monásticos e ordens religiosas.

maio. A Assembleia Nacional renuncia ao envolvimento em guerras de

conquista.

19 maio. A Nobreza é abolida pela Assembleia Nacional.

12 junho. A Constituição Civil do Clero obriga os seus membros a um

juramento de lealdade para com o Estado, provocando divisões entre os

sacerdotes que aceitam o juramento e aqueles que o renunciam.

julho. Poder crescente dos Clubes (incluindo o dos Cordeliers e o dos

Jacobinos).

Reorganização de Paris.

16 agosto. Os “parlements” são abolidos.

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1791179117911791 – 30 janeiro. Mirabeau é eleito Presidente da Assembleia.

28 fevereiro. Dia dos Punhais; Lafayette ordena a prisão de 400

aristocratas armados no Palácio das Tulherias.

2 abril. Morte de Mirabeau – primeira pessoa a ser enterrada no Panteão,

formalmente a Igreja de Saint-Geneviève.

15 julho. A Assembleia Nacional declara o rei inviolável e ele é restabelecido.

17 julho. Manifestação antimonárquica no Campo de Marte (Champ de

Mars); a Guarda Nacional mata 50 pessoas.

13-14 setembro. Luís XVI aceita formalmente a Constituição.

30 setembro. Dissolução da Assembleia Nacional Constitutiva.

1 outubro. A Assembleia Legislativa reúne – muitos deputados jovens,

inexperientes e radicais.

A Assembleia Legislativa foi a legislatura de França desdeA Assembleia Legislativa foi a legislatura de França desdeA Assembleia Legislativa foi a legislatura de França desdeA Assembleia Legislativa foi a legislatura de França desde outubro de 1791 até outubro de 1791 até outubro de 1791 até outubro de 1791 até

setembro de 1792 e constituiusetembro de 1792 e constituiusetembro de 1792 e constituiusetembro de 1792 e constituiu----se como o centro do debate político e do poder se como o centro do debate político e do poder se como o centro do debate político e do poder se como o centro do debate político e do poder

legislativo.legislativo.legislativo.legislativo.

1792179217921792 – janeiro – março. Motins alimentares em Paris.

20 março. A guilhotina é adotada como instrumento oficial de execução.

20 abril. A França declara guerra à Áustria.

28 abril. A França invade os Países Baixos Austríacos (Bélgica).

30 julho. A Áustria e a Prússia começam a invadir o território francês.

julho. O cocar tricolor torna-se peça obrigatória na vestimenta masculina. A

Marselhesa é cantada por voluntários de Marseilles na sua chegada a Paris.

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9 agosto. A Comuna Revolucionária toma posse do Hôtel de Ville.

10-13 agosto. Tomada do Palácio das Tulherias. A Guarda Suíça é

massacrada. Luís XVI de França é preso e levado, juntamente com a sua família.

Georges Danton torna-se Ministro da Justiça.

16 agosto. A Comuna de Paris apresenta uma petição à Assembleia

Legislativa ordenando a criação de um tribunal revolucionário e convocando uma

Convenção Nacional.

19 agosto. Lafayette foge para a Áustria. França é invadida pelos exércitos

da Coligação, encabeçados pelo Duque de Brunswick.

22 agosto. Revoltas monárquicas em Brittany, La Vendée e Dauphiné.

3 setembro. Conquista de Verdun pelos exércitos de Brunswick.

3-7 setembro. Os massacres de setembro (Jornadas de setembro) de

prisioneiros em prisões de Paris.

19 setembro. Dissolução da Assembleia Legislativa.

A Convenção Nacional é composta pelas assembleias legislativa e A Convenção Nacional é composta pelas assembleias legislativa e A Convenção Nacional é composta pelas assembleias legislativa e A Convenção Nacional é composta pelas assembleias legislativa e

constitucional. Deteve poder executivo em França desde 20 de setconstitucional. Deteve poder executivo em França desde 20 de setconstitucional. Deteve poder executivo em França desde 20 de setconstitucional. Deteve poder executivo em França desde 20 de setembro de embro de embro de embro de

1792 até 26 de outubro de 1795.1792 até 26 de outubro de 1795.1792 até 26 de outubro de 1795.1792 até 26 de outubro de 1795.

21 setembro. Abolição da monarquia e proclamação da Primeira República

Francesa.

3 dezembro. Luís XVI é levado a julgamento, aparece perante a Convenção

Nacional (11 e 23 dezembro). Robespierre defende que “Luís deve morrer para que

o país possa viver”.

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1793179317931793 – 21 janeiro. O cidadão Louis Capet, formalmente conhecido por Luís XVI, é

guilhotinado.

7 março. Surto de rebelião contra a Revolução: guerra em Vendée.

11 março. O Tribunal Revolucionário é estabelecido em Paris.

O Tribunal Revolucionário foi instituído pela Convenção Nacional e era O Tribunal Revolucionário foi instituído pela Convenção Nacional e era O Tribunal Revolucionário foi instituído pela Convenção Nacional e era O Tribunal Revolucionário foi instituído pela Convenção Nacional e era

destinado ao julgamento de infratores políticos.destinado ao julgamento de infratores políticos.destinado ao julgamento de infratores políticos.destinado ao julgamento de infratores políticos.

6 abril. É estabelecida a Junta de Salvação Pública.

A Junta de Salvação Pública foi criada em abril de 1793 e reestrutA Junta de Salvação Pública foi criada em abril de 1793 e reestrutA Junta de Salvação Pública foi criada em abril de 1793 e reestrutA Junta de Salvação Pública foi criada em abril de 1793 e reestruturada em urada em urada em urada em

julho de 1793, transformandojulho de 1793, transformandojulho de 1793, transformandojulho de 1793, transformando----se no verdadeiro governo executivo. Um se no verdadeiro governo executivo. Um se no verdadeiro governo executivo. Um se no verdadeiro governo executivo. Um

gabinete de guerra na sua essência, a Junta centralizava denúncias, gabinete de guerra na sua essência, a Junta centralizava denúncias, gabinete de guerra na sua essência, a Junta centralizava denúncias, gabinete de guerra na sua essência, a Junta centralizava denúncias,

supervisionava julgamentos e comandava execuções.supervisionava julgamentos e comandava execuções.supervisionava julgamentos e comandava execuções.supervisionava julgamentos e comandava execuções.

30 maio. Uma revolta rebenta em Lyon.

2 junho. Prisão dos deputados girondinos da Convenção Nacional pelos

jacobinos.

10 junho. Os jacobinos controlam a Junta de Salvação Pública.

13 julho. Assassínio de Jean-Paul Marat por Charlotte Corday.

Marat assassinado, 13 de julho de 1793.

Pintura de Jacques-Louis David

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27 julho. Robespierre é eleito para a Junta de Salvação Pública.

28 julho. A Convenção proscreve 21 deputados girondinos como inimigos da

França.

5 setembro5 setembro5 setembro5 setembro. Início do “Reino do Terror”.. Início do “Reino do Terror”.. Início do “Reino do Terror”.. Início do “Reino do Terror”.

9 setembro. Estabelecimento de forças paramilitares dos “sans-culottes” –

exércitos revolucionários.

22 setembro. É introduzido um novo calendário, denotando o dia 22 de

setembro de 1792 como o início do ano 1.

29 setembro. A Convenção estabelece o “maximum”, fixando os limites dos

preços de muitos produtos e serviços.

10 outubro. A Constituição é colocada em espera. Decreta-se que o governo

deve ser “revolucionário até à paz”.

16 outubro. Maria Antonieta é guilhotinada.

21 outubro. Uma lei anticlerical é aceite, os sacerdotes e apoiantes são

suscetíveis vítimas de assassínio “à vista”.

24 outubro. Julgamento dos 21 deputados girondinos pelo Tribunal

Revolucionário.

31 outubro. Os 21 deputados girondinos são guilhotinados.

8 novembro. A Madame Roland é guilhotinada como parte da purga dos

girondinos.

10 novembro. Celebração da Deusa da Razão na catedral de Notre-Dame,

que é renomeada como o Templo da Razão.

dezembro. Primeira edição de Le Vieux Cordelier de Desmoulins.

4 dezembro. A lei dos 14 Frimaire (Lei do governo revolucionário) é

aprovada; o poder passa a estar centralizado na Junta de Salvação Pública.

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23 dezembro. Forças antirrepublicanas em Vendée são finalmente

derrotadas e 6000 prisioneiros executados.

1794179417941794 – fevereiro – “Pacificação” final em Vendée – assassínios em massa, política

mundial queimada.

19 março. Hébert e os seus apoiantes são presos.

24 março. Hébert e os líderes dos Cordeliers são guilhotinados.

25 março – 5 abril. Período de tempo abrangido pela ação da peça “A Morte

de Danton”.

Fotografias de ensaios © Jorge Gonçalves

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SÚMULA DA REVOLUÇÃO FRANCESA ATÉ À MORTE DE DANTON

● A Revolução FrancesaRevolução FrancesaRevolução FrancesaRevolução Francesa (denominação que engloba revoluções parciais e

sucessivas) teve por finalidades derrubar o despotismo real, o sistema feudal

ainda em vigor, fazer ascender a uma posição social diferente a nova burguesia,

dar melhores condições de vida ao povo. É, em resumo, uma revolução burguesa uma revolução burguesa uma revolução burguesa uma revolução burguesa

e democráticae democráticae democráticae democrática.

A Liberdade guiando o povo. Pintura de Eugène Delacroix.

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● A situação geral da França antes de 1789 tornara-se caótica. Na agricultura, o

atraso técnico era enorme, devido à organização feudalista em que se apoiava.

Por outro lado, a indústria, se bem que longe do florescimento industrial inglês

contemporâneo, ganhava notável desenvolvimento, sucedendo-se a criação de

vários complexos industriais e o aparecimento da classe operáriaaparecimento da classe operáriaaparecimento da classe operáriaaparecimento da classe operária. O regime

feudal entravava, porém, o progresso industrial. A extrema miséria do camponês

(a grande massa da população), a regulamentação absolutista governamental, a

divisão provincial da França que estabelecia barreiras alfandegárias internas,

reduziam o poder de compra. Igual crise sofria o comércio que, no entanto,

antevia imensas perspetivas. A grande força do capital continhaA grande força do capital continhaA grande força do capital continhaA grande força do capital continha----se, perante a se, perante a se, perante a se, perante a

orgânica forgânica forgânica forgânica feudaleudaleudaleudal.

● O rei era o máximo poderO rei era o máximo poderO rei era o máximo poderO rei era o máximo poder, sem limites, apoiado numa gigantesca máquina

burocrática e num acervo de regulamentações e leis anacrónicas, tipicamente

feudais.

● Na organização social mantinha-se a velha distinção: o clero (Primeiro Estado), o clero (Primeiro Estado), o clero (Primeiro Estado), o clero (Primeiro Estado),

a nobreza (Segua nobreza (Segua nobreza (Segua nobreza (Segundo Estado) e o resto da população (Terceiro Estado)ndo Estado) e o resto da população (Terceiro Estado)ndo Estado) e o resto da população (Terceiro Estado)ndo Estado) e o resto da população (Terceiro Estado). “O

clero serve o rei pela oração, a nobreza pelas armas, o povo pelos bens”, era a

fórmula medieval.

● O Terceiro Estado representava mais de 90p da populaçãoTerceiro Estado representava mais de 90p da populaçãoTerceiro Estado representava mais de 90p da populaçãoTerceiro Estado representava mais de 90p da população e compreendia

todos os que não eram nobres nem religiosos, isto é, burgueses, camponeses,

operários, profissões liberais, etc.

● No fim do século XVIII, a burguesia endinheirada era a classe mais poderosa a burguesia endinheirada era a classe mais poderosa a burguesia endinheirada era a classe mais poderosa a burguesia endinheirada era a classe mais poderosa

do ponto de vista económicodo ponto de vista económicodo ponto de vista económicodo ponto de vista económico. Os camponeses, representando a maioria da

população, eram os que mais dolorosamente sofriam o regime feudal.

● Como consequência desta situação já em si revolucionária, a literatura, o a literatura, o a literatura, o a literatura, o

teatro, o pensamento, as artes, assumiram o comando mental das teatro, o pensamento, as artes, assumiram o comando mental das teatro, o pensamento, as artes, assumiram o comando mental das teatro, o pensamento, as artes, assumiram o comando mental das

reivindicaçõesreivindicaçõesreivindicaçõesreivindicações. Nomes como os de VAUBAN, SAINT-SIMON, LA BRUYERE, LESAGE,

PERRAULT, entre os mais antigos e MESLIER, MONTESQUIEU, VOLTAIRE, DIDEROT,

D’ALEMBERT (os enciclopedistas), HELVETIUS, ROBINET, MORELLY, MABLY,

ROUSSEAU (o filho do relojoeiro de Genebra de que se fala na peça),

BEAUMARCHAIS, MARAT, etc., iam fundindo no cadinho do pensamento toda a

envolvência revolucionária de que a França estava possuída.

● No campo económico, surgiu em França o fisiocratismofisiocratismofisiocratismofisiocratismo (QUESNAY, NEMOURS,

TURGOT, etc.), cuja doutrina se baseava nos “direitos naturais” e combatia o

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feudalismo como seu violador – o feudalismo atentava contra a liberdade pessoal,

a propriedade privada, a iniciativa particular.

● MARATMARATMARATMARAT (o Amigo do Povo, título de um jornal que editava) é o nome principal da

teorização pré-revolucionária, sendo as “Cartas Polacas” e “As cadeiras da

escravidão” duas obras suas com êxito e profundamente influenciadas por

Rousseau e Montesquieu.

● Simultaneamente ao crescimento da miséria popular, na corte grassava a maior

corrupção. O escândalo do “caso do colar”, a dívida pública que atingia a cifra de

cinco biliões, o esgotamento do tesouro, a impossibilidade de contrair novos

empréstimos, levaram o Estado à quase bancarrotalevaram o Estado à quase bancarrotalevaram o Estado à quase bancarrotalevaram o Estado à quase bancarrota.

● O Rei convoca a Assembleia dos NotáveisAssembleia dos NotáveisAssembleia dos NotáveisAssembleia dos Notáveis em 1787. Nela estala um conflito entre

o monarca e a nobreza devido a uma proposta de alteração fiscal que iria atingir

a última. A Assembleia é dissolvida e o rei consente na marcação da reunião dos

Estados Gerais para 1789.

● Mais do que nunca, 1789 adivinhava-se um ano de fome e crise. Rebentam

revoltas camponesas e operárias por toda a França. Realizam-se as eleições para eleições para eleições para eleições para

os Estados Geraisos Estados Geraisos Estados Geraisos Estados Gerais, que abrem a 5 de maio de 1789, em Versalhes. No dia seguinte

irá discutir-se a forma da verificação de poderes dos deputados o que

imediatamente porá o problema da forma de votaçãoproblema da forma de votaçãoproblema da forma de votaçãoproblema da forma de votação. A nobreza e o clero

pretendem a votação por Estados o que lhes daria a maioria, enquanto o Terceiro

Estado deseja a votação por cabeça, que lhes traria o domínio da Assembleia. A

discussão deste assunto arrasta-se durante um mês. O conde de MIRABEAU

assume a defesa da posição do Terceiro Estado, do qual é representante.

Entretanto, o povo dá mostras de impaciência. Depois de várias intervenções

favoráveis ao Terceiro Estado em que se destacaram LE CHAPELIER, BARNAVE e

outros, o abade SIEYÉS proclama que o Terceiro Estado irá proceder ele próprio à

verificação dos poderes dos deputados de todos os Estados e ameaça aqueles que

não compareçam de serem excluídos dos trabalhos. Muitos membros do baixo

clero juntam-se-lhe. A 17 de junho o Terceiro Estado proclamao Terceiro Estado proclamao Terceiro Estado proclamao Terceiro Estado proclama----se Assembleia se Assembleia se Assembleia se Assembleia

NacionalNacionalNacionalNacional.

● O alto clero, a nobreza e o rei, aterrorizados por esta decisão, contra-atacam.

No dia 20, o rei manda fechar as salas de Versalhes e impossibilita assim a reunião

do Terceiro Estado. Este, amparado pelo povo, dirige-se a uma sala em Paris, onde

se jogava a pela e aí se processa o juramento de que o Terceiro Estado não se

deixará amedrontar com qualquer decisão régia. É o célebre juramento do jogo juramento do jogo juramento do jogo juramento do jogo

da pelada pelada pelada pela. A 23 de junho, o rei declara nulas todas as decisões da Assembleia

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Nacional, mas os membros desta não acatam a decisão real. O rei teve de

reconhecer o novo órgão que, a 9 de julho, se proclama Assembleia Constituintese proclama Assembleia Constituintese proclama Assembleia Constituintese proclama Assembleia Constituinte.

● Em Paris e na província levantava-se uma forte onda revolucionária. Entretanto,

o rei concentrava em Paris e Versalhes o Exército e anunciava o despedimento de

NECKER do Ministério – o povo viu nestas duas atitudes o princípio do ataque das

forças contrarrevolucionárias. A 14 de julho, o Terceiro Estado agindo ainda em

bloco, marcha contra a Bastilha, a fortaleza-prisão de Paris onde se encontrava

grande parte do exército e, após duro combate, conquista a sua posse.

● A tomada da Bastilhatomada da Bastilhatomada da Bastilhatomada da Bastilha marca o início da constatação do povo da sua enorme

força e arrasta todo o povo de França. Em grande parte das cidades francesas as

autoridades administrativas de então são destituídas e substituídas por membros

eleitos pelo povo. Em toda a parte, depois do 14 de julho, as autoridades locais são

burguesas. Nos campos, os camponeses pegavam em armas e rebelavam-se

contra os antigos senhores feudais.

● O poder passa praticamente para as mãos da alta burguesiaO poder passa praticamente para as mãos da alta burguesiaO poder passa praticamente para as mãos da alta burguesiaO poder passa praticamente para as mãos da alta burguesia (aristocracia

burguesa). Constitui-se a Guarda NacionalGuarda NacionalGuarda NacionalGuarda Nacional, o exército da Revolução cujo comando

é entregue ao marquês de LAFAYETTE. Entretanto, na Assembleia Constituinte os

Estados dividem-se em duas posições: a direitadireitadireitadireita (nobres e clero) e a esquerdaesquerdaesquerdaesquerda (o

Terceiro Estado). BARNAVE, LAFAYETTE e MIRABEAU são os principais chefes do

Terceiro Estado, pertencentes à alta burguesia. A Assembleia, alarmada com a

crescente revolta dos camponeses, resolve a 4 de agosto preocupar-se com o

problema agrário, mas as decisões tomadas em nada modificaram a situação. A 16

de agosto vota-se a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, burguesa,

se bem que representasse um notável progresso na queda do feudalismo.

● Entretanto, na corte, o rei opunha o seu veto às decisões da Assembleia e

garantia-se do apoio do Exército. MARAT adverte o povo da ameaça que o rei

prepara e incita-o a marchar sobre Versalhes. A 5 de Outubro o povo marcha para

Versalhes. Chega também a Guarda Nacional mas LAFAYETTE hesita. A 6 dá-se o

reencontro entre o povo e as tropas reais e o palácio de Versalhes é invadidoo palácio de Versalhes é invadidoo palácio de Versalhes é invadidoo palácio de Versalhes é invadido. O

rei apressa-se a sancionar as decisões da Assembleia e muda para as Tulherias.

Principia aqui a viragem política de LAFAYETTE.

● Sucedendo ao clube Bretão, fundado a quando da Assembleia Nacional, surge a

Sociedade dos Amigos da Constituição, também chamada o Clube dos JacobinosClube dos JacobinosClube dos JacobinosClube dos Jacobinos

por as suas reuniões se efetuarem na biblioteca dos monges daquela ordem

eclesiástica. O clube dos Jacobinos que, no início, agrupava todos os

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revolucionários, desde MIRABEAU, LAFAYETTE a ROBESPIERRE, DANTON e MARAT,

irá desempenhar no prosseguimento da Revolução um papel fundamental.

● A Assembleia Constituinte que devia a sua permanência ao movimento popular

de 5 de Outubro, decreta, porém, uma lei autorizando o uso da força contra os

futuros levantamentos populares. MARAT insurge-se mas é obrigado a esconder-

se. A Assembleia, em dezembro de 1789, divide os cidadãos franceses em ativos divide os cidadãos franceses em ativos divide os cidadãos franceses em ativos divide os cidadãos franceses em ativos

e passivose passivose passivose passivos, cabendo aos primeiros o direito a voto e a serem elegíveis, por

possuírem determinados bens de fortuna (a burguesia, fundamentalmente). A

maioria da população passava a ser formada por cidadãos passivos. Outras

decisões da Assembleia são a abolição da nobreza hereditária e dos títulos, a

reorganização administrativa da França que termina com o parcelamento feudal,

barreiras alfandegárias e privilégios senhoriais, a nacionalização dos bens do

clero, a reforma da igreja que passa a depender do governo e não do Papa, a

venda dos bens do clero, etc.

● Para pagamento da compra dos bens do clero, tornados bens nacionais, a

Assembleia decretou a emissão de obrigações especiais – os assinadosassinadosassinadosassinados. A partir

de certa altura os assinados (assignats) de tal maneira se multiplicaram que

passaram a circular como moeda a par da tradicional. Esta venda dos bens

nacionais aproveitou, evidentemente, à burguesia, a única que dispunha de

dinheiro para os comprar.

● Outra decisão importante da Assembleia é a chamada lei de LE CHAPELIERlei de LE CHAPELIERlei de LE CHAPELIERlei de LE CHAPELIER que

proibia os operários de se constituírem em grupos ou sociedades e interditava as

greves.

● Em setembro de 1791, o rei promulga a Constituição, que proclama que o poder

vinha da Nação e reconhecia o rei como chefe do poder executivo.

● A série de leis antidemocráticas da Assembleia tinha, no entanto, encontrado

forte oposição dentro do próprio corpo de deputados. Chefiava essa oposição

ROBESPIERRE (o advogado de Arras). Nos Jacobinos começavam as divergências.

Fundara-se um novo clube, o dos CORDELIERSCORDELIERSCORDELIERSCORDELIERS (reunia na igreja com esse nome),

ou Sociedade dos amigos dos direitos do Homem e do Cidadão. Lá encontravam-

se DANTON, CAMILO DESMOULINS, MARAT, ROBERT, MOMORO, etc., que se

distinguiam pela sua oposição às leis da Assembleia e pelo seu espírito

republicano. Outro clube que adquiriu grande projeção foi o CÍRCULO SOCIALCÍRCULO SOCIALCÍRCULO SOCIALCÍRCULO SOCIAL,

cujos chefes FAUCHET e BONNEVILLE punham em dúvida o princípio da

propriedade privada.

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Fotografias de ensaios © Jorge Gonçalves

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● Cresciam, assim, grandes discordâncias entre ograndes discordâncias entre ograndes discordâncias entre ograndes discordâncias entre os revolucionárioss revolucionárioss revolucionárioss revolucionários. De um lado

os constitucionalistas, do outro os opositores – ou seja, a alta burguesia e as

restantes classes. MIRABEAU, chefe dos primeiros, entra em conversações secretas

com a corte e trai a Revolução. MARAT denuncia-o. Entretanto MIRABEAU morre.

LAFAYETTE, BAILLY, LE CHAPELIER e SIEYÉS, continuam e constituem o setor

jacobino da direita.

● Há muito que começara a emigração dos nobresemigração dos nobresemigração dos nobresemigração dos nobres. Em Coblença, sob o comando

do duque de ARTOIS, preparam a contrarrevoluçãopreparam a contrarrevoluçãopreparam a contrarrevoluçãopreparam a contrarrevolução, na qual o rei secretamente

colabora. Fala-se de um plano para a intervenção dos estrangeiros em França. A 21

de junho de 1791 o povo sabe da fuga do rei e da rainha. O clube dos Cordeliers

pede à Assembleia a abolição da monarquia, sendo apoiado por BRISSOT, futuro

chefe dos Girondinos. O rei é capturado em Varennes e regressa a Paris

prisioneiro. O povo aguarda os resultados. O clube dos Cordeliers e o Círculo

Social com CAMILO DESMOULINS, DANTON, CHAUMETTE, CONDORCET e outros

pedem o castigo do rei e a implantação da República. A Assembleia Constituinte

refreia os ímpetos populares e pretende demorar a resolução do problema do rei.

PaPaPaPara os membros da alta burguesia a revolução está a ir longe de mais, ra os membros da alta burguesia a revolução está a ir longe de mais, ra os membros da alta burguesia a revolução está a ir longe de mais, ra os membros da alta burguesia a revolução está a ir longe de mais,

pretendem travápretendem travápretendem travápretendem travá----lalalala.

● A 17 de julho de 1791 reúnem-se no Campo de Marte milhares de parisienses para

discutirem a sorte do rei e da monarquia. Por ordem da Assembleia Constituinte a

Guarda Nacional comandada por LAFAYETTE carrega sobre o povo desarmado e

assassina algumas dezenas. É o chamado morticínio do Campo de Martemorticínio do Campo de Martemorticínio do Campo de Martemorticínio do Campo de Marte que

imediatamente adquire grande importância política. Uma parte do Terceiro

Estado pegava em armas contra outra. Em setembro, com a promulgação da

Constituição, a Assembleia Constituinte deixa de existir.

● Com a constituição da Assembleia Legislativa pelos elementos da burguesia e

pelos intelectuais burgueses nasce uma nova etapa da Revolução. Como afirmou

um dos deputados da Assembleia a “propriedade privada é a abóbada deste

grande edifício que abrange 24 milhões de almas; abalai essa abóbada e todo o

edifício desabará”. Os partidos da Assembleia não eram já os mesmos na

Constituinte. A direitadireitadireitadireita, em vez de ser preenchida pelos membros da nobreza e do

clero passa a sê-lo pelos “feuillantsfeuillantsfeuillantsfeuillants” partidários acérrimos da Constituição, o que

significava que a alta burguesia, acima de tudo, pretendia fazer escorar a

revolução nas medidas antidemocráticas que a Constituinte decretara. A

esquerdaesquerdaesquerdaesquerda era constituída pelos Jacobinos agora divididos em duas fações: os os os os

brissobrissobrissobrissotinostinostinostinos (chefiados por BRISSOT e também chamados GirondinosGirondinosGirondinosGirondinos por a maior

parte pertencer ao departamento da Gironda) que representavam os interesses

da burguesia provinciana, comerciante e industrial e da burguesia fundiária e os os os os

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montanhesesmontanhesesmontanhesesmontanheses (por se sentarem nos lugares mais altos da Assembleia) chefiados

por ROBESPIERRE que representavam a esquerda. Nela se distinguiam ainda

CHABOT e COUTHON. Mas, o maior número de deputados da Assembleia situava-

se ao centro e por isso se denominavam ironicamente o “pântanopântanopântanopântano” ou a “planícieplanícieplanícieplanície”.

● Enquanto a situação económica se ia agravando e se registavam vários motins,

especialmente devido à falta dos principais produtos de subsistência, na corte

continuava a maquinar-se, com o conluio da nobreza, clero e alta burguesia a

contrarrevolução. Os “feuillants” eram agora partidários da reação. Cada vez mais

forte, sentia-se a ameaça dos exércitos de Coblença e a intervenção do

estrangeiro. Por outro lado, os girondinos faziam uma propaganda de guerra

chegando Brissot a sugerir que a França tomasse a iniciativa do ataque contra o

despotismo estrangeiro. Embora as massas populares se deixassem sugestionar

por esta chamada às armas, os jacobinos faziam constantes apelos no sentido de

atrasar a guerra com o estrangeiro pois à Revolução convinha ganhar tempo e

solidificar a sua posição. Nos Girondinos a intenção era convencer o povo que a

Pátria estava em perigo e assim desviar a sua atenção dos problemas internos

essenciais. Ao rei, convencido de que a França revolucionária perderia a guerra

exterior se a ela se aventurasse, a atitude dos Girondinos interessava. Assim,

apesar dos insistentes alertas que Robespierre lançava, o rei, em março de 1792,

formou um ministério girondino. BRISSOT e DUMORIEZ tomaram conta do BRISSOT e DUMORIEZ tomaram conta do BRISSOT e DUMORIEZ tomaram conta do BRISSOT e DUMORIEZ tomaram conta do

governo.governo.governo.governo. A 20 de abril de 1792 a França declarou guerra à Boémia e à Hungria que

é o mesmo que dizer-se à Áustria visto o rei daqueles territórios ser o Imperador

da Áustria. A guerra, apesar de desejada pelos girondinos, era uma guerra guerra guerra guerra

defensiva e não de ataquedefensiva e não de ataquedefensiva e não de ataquedefensiva e não de ataque. O povo acolheu com entusiasmo a defesa da Pátria e

armou-se. Mas, ajudados pela contrarrevolução interna, a França revolucionária foi

vencida pelos exércitos estrangeiros nas primeiras batalhas travadas junto das

fronteiras.

● A indignação do povo francês subiu ao rubro e as advertências de MARAT e

ROBESPIERRE foram finalmente ouvidas. De novo, MARAT é alvo de perseguições

por parte, agora, dos girondinos. E a separação entre as duas fações dos jacobinos

avizinha-se. Mas ROBESPIERRE, MARAT e DANTON exortavam o povo à guerra, já

que uma vez começada havia que vencê-la. Entretanto, o rei, convicto de que as

forças externas e internas iriam vencer as hostilidades demitiu o ministério

girondino e chamou de novo ao poder os “feuillachamou de novo ao poder os “feuillachamou de novo ao poder os “feuillachamou de novo ao poder os “feuillants”nts”nts”nts”. Os girondinos forçaram o

povo a manifestar-se contra o rei o que aconteceu em 20 de julho, oito dias depois

da queda do seu ministério. ROBESPIERRE e os jacobinos não apoiaram esta

manifestação.

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● As tropas inimigas conquistavam terreno rapidamente devido sobretudo às

inúmeras traições dos oficiais e generais franceses. MARAT, ROBESPIERRE e

DANTON chefiavam o movimento popular. Os girondinos pretendiam acalmar o

povo. A 3 de agosto é divulgado em Paris o manifesto de BRUNSWICK, general ao

serviço da Prússia, que demonstrava as traições internas da França, e segundo o

qual a invasão se destinava a restaurar o poder absoluto do rei em França. Este

manifesto provocou no povo francês uma enorme agitação. Na madrugada de 10

de agosto o povo, comandado pela Comuna, invade as Tulherias e derruba o rei. A

Comuna Revolucionária fica senhora da situação. O rei é preso no Palácio do

Luxemburgo. A Assembleia nomeia novo governo girondinA Assembleia nomeia novo governo girondinA Assembleia nomeia novo governo girondinA Assembleia nomeia novo governo girondino do qual faz parte o do qual faz parte o do qual faz parte o do qual faz parte

apenas, como jacobino, DANTONapenas, como jacobino, DANTONapenas, como jacobino, DANTONapenas, como jacobino, DANTON. A Comuna Revolucionária que, dirigida pelos

jacobinos da Montanha, encabeçara o 10 de agosto é, agora, a par da Assembleia

Nacional, o órgão da Revolução. À sua frente, além de DANTON estão os jacobinos

ROBESPIERRE, MARAT, CHAUMETTE, etc. Os girondinos procuram travar a

ascendência da Comuna mas nada podem fazer pois DANTON está entre eles. A A A A

luta entre a Comuna e a Assembleia Legislativa era, noutro plano, a luta entre luta entre a Comuna e a Assembleia Legislativa era, noutro plano, a luta entre luta entre a Comuna e a Assembleia Legislativa era, noutro plano, a luta entre luta entre a Comuna e a Assembleia Legislativa era, noutro plano, a luta entre

girondinos e jacobinosgirondinos e jacobinosgirondinos e jacobinosgirondinos e jacobinos.

● A 2 de setembro Verdun é tomada pelos exércitos de BRUNSWICK. O caminho

de Paris estava livre para os invasores. É nesta altura que a Comuna toma a seu

cargo de maneira extraordinária a defesa da França e organiza o contra-ataque.

Enquanto os girondinos propõem a retirada da Assembleia de Paris, DANTON,

indignado, profere a frase que ficou na história e a que a peça de Buchner se

refere: “Para vencermos, senhores, precisamos de audácia, mais audácia, sempre

audácia – e a França será salva!”. Encorajado pelos jacobinos e em especial por

DANTON o povo lança-se à rua e vence os exércitos invasores em Valmy. A França

estava salva, realmente. São as célebres jornadas de setembrojornadas de setembrojornadas de setembrojornadas de setembro.

● A 21 de setembro, no dia seguinte à vitória de Valmy, por proposta de COLLOT

D’HERBOIS a Convenção decreta a abolição da Monarquia e proclama a Convenção decreta a abolição da Monarquia e proclama a Convenção decreta a abolição da Monarquia e proclama a Convenção decreta a abolição da Monarquia e proclama a

RepúblicaRepúblicaRepúblicaRepública. Na Convenção, a nova Assembleia, as direitas já não são constituídas as direitas já não são constituídas as direitas já não são constituídas as direitas já não são constituídas

pelos “feuillants” mas sim pelpelos “feuillants” mas sim pelpelos “feuillants” mas sim pelpelos “feuillants” mas sim pelos girondinosos girondinosos girondinosos girondinos. Nas esquerdas os homens da esquerdas os homens da esquerdas os homens da esquerdas os homens da

MontanhaMontanhaMontanhaMontanha – os jacobinos BOBESPIERRE, DANTON, MARAT, DESMOULINS, COLLOT,

BILLAUD-VARENNES. Ainda aqui, porém, a maioria pertencia ao centro, o pântano,

a planície. CHAUMETTE é eleito procurador da Comuna e HERBET seu substituto.

Finalmente, no clube dos jacobinos dá-se a cisão. Os girondinos saem e

advogavam o perdão do rei. Mas os jacobinos decretam a sua morte, por traição à

Pátria. Em 21 de janeiro de 1793 Luís XVI é guilhotinadoLuís XVI é guilhotinadoLuís XVI é guilhotinadoLuís XVI é guilhotinado.

● Em consequência da guerra a situação económica do país piora e as lutas de

classes agravam-se. A situação miserável do povo dá lugar ao aparecimento de

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uma nova fação extremista, os “furiososfuriososfuriososfuriosos”, chefiados por ROUX, VARLET, a atriz

CLAIRE LACOMBE, etc., que pretendiam a abolição da aristocracia e a concessão

de regalias ao povo. Os girondinos foram os primeiros a combater os “furiosos”. Os

jacobinos, embora não os apoiassem claramente, favoreceram-nos enquanto estes

foram úteis na sua luta contra os girondinos (porém entre os jacobinos havia uma

extrema esquerda – CHAUMETTE, PACHE, CHALIER – que mais sinceramente os

incitava). A principal reivindicação dos “furiosos” era o limite dos preços dos

géneros (maximum), também defendido por ROBESPIERRE, MARAT, SAINT-JUST,

etc.

● A Inglaterra, com PITT no governo, assim como a Espanha e a Holanda

intervieram na guerra contra a França. Em março de 1793, DUMOURIEZ que

gozava da confiança dos girondinos trai a Revolução, encaminhando o seu

exército para a tomada de Paris após sucessivas derrotas – falhada a tentativa, foi

obrigado a exilar-se junto do inimigo. Os jacobinos tomam a seu cargo a defesa do

país, cuja independência estava ainda mais ameaçada que em 1792. NomeiaNomeiaNomeiaNomeia----se se se se

então a primeira Junta de Salvação Pública centão a primeira Junta de Salvação Pública centão a primeira Junta de Salvação Pública centão a primeira Junta de Salvação Pública cujo elemento mais influente é ujo elemento mais influente é ujo elemento mais influente é ujo elemento mais influente é

DANTONDANTONDANTONDANTON. O exército é reorganizado. A Convenção, satisfazendo os “furiosos”,

estabelece o maximum do trigo. Entretanto, os girondinos tentavam acusar os

jacobinos de várias traições. No entanto, MARAT é libertado da acusação e levado

em triunfo pelo povo que em 31 de maio e 2 de junho se amotina e pede o castigo

dos girondinos. Estes motins marcam a queda definitiva dos girondinos e a

chegada ao poder dos jacobinos que mais tarde governarão em ditadura.

● Mas a Junta de SalvaçãMas a Junta de SalvaçãMas a Junta de SalvaçãMas a Junta de Salvação Pública dirigida por DANTON não conseguiu ter a o Pública dirigida por DANTON não conseguiu ter a o Pública dirigida por DANTON não conseguiu ter a o Pública dirigida por DANTON não conseguiu ter a

energia suficiente para resolver os problemas do paísenergia suficiente para resolver os problemas do paísenergia suficiente para resolver os problemas do paísenergia suficiente para resolver os problemas do país. Promulga-se em 1793 a

Constituição que tem o nome desse ano e foi considerada uma das mais

democráticas de sempre. ROBESPIERRE e SAINT-JUST são as figuras dominantes

desta época. A lei agrária de 10 de Junho, de inspiração jacobina, atribuía os bens

comunais aos camponeses e distribuía a terra em partes iguais para cada

habitante. O problema do povo, dos sans culottes que haviam sido a base das

insurreições de maio e junho continuava por resolver devido à fraqueza da Junta

de DANTON. Os “furiosos” e ROUX fazem de novo as suas reivindicações mas

apresentam-nas como combate à política dos jacobinos e como crítica à nova

Constituição – daí terem caído em desgraça.

● A 10 de Junho DANTON e a sua Junta são afastados do poderDANTON e a sua Junta são afastados do poderDANTON e a sua Junta são afastados do poderDANTON e a sua Junta são afastados do poder pela Convenção.

Da nova Junta irão fazer parte ROBESPIERRE, BARÈRE, COUTHON, CARNOT

D’HERBOIS, SAINT-JUST, BILLAUD-VARENNES, entre outros. A esta Junta virá a

chamar-se “a Grandea Grandea Grandea Grande” pela firmeza, energia e disposição postas na luta.

ROBESPIERRE será o cérebro máximo desta Junta.

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● A nova Junta liquidará, sucessivamente, os “furiosos”, os dantonistas e os

hebertistas. A ditadura jacobina afastará pelo terror todos os que considerou A ditadura jacobina afastará pelo terror todos os que considerou A ditadura jacobina afastará pelo terror todos os que considerou A ditadura jacobina afastará pelo terror todos os que considerou

inimigos da Revoluinimigos da Revoluinimigos da Revoluinimigos da Revoluçãoçãoçãoção. Assim aconteceu com DANTON, que se havia retirado

para usufruir dos prazeres de uma vida calma. Para este o tempo das audácias

passara, e embora fazendo parte da Montanha ele estivera sempre mais próximo

da Planície. Apesar disso continuava a gozar de grande prestígio. A partir de

outubro de 1793 DANTON e os seus amigosDANTON e os seus amigosDANTON e os seus amigosDANTON e os seus amigos (CAMILO DESMOULINS, FABRE

D’EGLANTINE, LEGENDRE, DELAUNAY, etc.) tornaramtornaramtornaramtornaram----se adeptos da moderaçãose adeptos da moderaçãose adeptos da moderaçãose adeptos da moderação.

Pediram o abrandamento da ditadura revolucionária, o fim do terror, a criação de

uma comissão de clemência, etc. Embora atacando ROBESPIERRE faziam também

incidir os seus ataques sobre os ultrarrevolucionários, HERBERT e os jacobinos de

esquerda. CHABOT e FABRE tinham adquirido grandes fortunas por processos nem

sempre honestos; criavacriavacriavacriava----se use use use uma nova burguesia especuladorama nova burguesia especuladorama nova burguesia especuladorama nova burguesia especuladora. Contra ela

ROBESPIERRE irá lançar o seu fogo assim como o fará contra os hebertistas que se

situavam no pólo oposto a DANTON na medida em que levavam ao extremo as

reformas que preconizavam, que iam desde a abolição do tribunal revolucionário e

respetiva substituição por tribunais populares improvisados, à perseguição da

Igreja, ao culto da “santa guilhotina”, etc. Em 30 de março de 1794 HEBERT e

alguns dos seus partidários são executados e seis dias depois DANTON, DANTON, DANTON, DANTON,

DESMOULINSDESMOULINSDESMOULINSDESMOULINS e PHILIPPEAU são presose PHILIPPEAU são presose PHILIPPEAU são presose PHILIPPEAU são presos. DANTON estivera até ao fim convencido

que os membros da Junta e da Convenção não ousariam tocar-lhe, e quando o

aconselharam a fugir este declarou: “acaso se leva a pátria agarrada à sola dos

sapatos?”. A 16 de abril DANTON e os sA 16 de abril DANTON e os sA 16 de abril DANTON e os sA 16 de abril DANTON e os seus amigos são executadoseus amigos são executadoseus amigos são executadoseus amigos são executados. A 13 de junho

é executado CHAUMETTE.

● Entretanto, no campo das reformas e da luta contra o estrangeiro, a ditadura

jacobina prosseguia, vitoriosa, a sua caminhada. Mas ROBESPIERRE não dominara

completamente os hebertistas e os dantonistas. Tinham ficado de fora homens

como COLLOT, CARRIER, LEGENDRE, TALLIEN, THURIOT, que irão tomar conta da

Revolução: executarão ROBESPIERRE e darão àquela definitivamente um caminho

burguês, com o regresso ao poder da alta burguesia e culminando na Constituição

antidemocrática de 1795.

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DANTON, ROBESPIERRE E A REVOLUÇÃO

RUTH SCURR

Em A Morte de Danton, Buchner apresenta-nos um retrato brilhante de

Robespierre, como um gatuno de sangue frio, hipócrita e fanático – a antítese de

Danton, homem viril e amante da sua mulher embora mulherengo. A peça atribui

uma mistura de motivos pessoais e políticos a ambos os revolucionários e captura

o drama da sua irremediavelmente deformada amizade. A amizade, a confiança, a

partilha de ideais, uniam os revolucionários quando estes começaram a trabalhar

por uma melhor e mais justa França em 1789. Amizades intensas que terminam

muito mal são histórias centrais da Revolução. Tendo em conta que as políticas

revolucionárias desenvolvem-se em inesperadas e muitas vezes violentas

direções, e tendo a França caído simultaneamente em guerra civil e estrangeira,

as velhas amizades, mesmo aquelas que tiveram o seu início nos dias de escola,

tornaram-se frágeis, partindo-se tantas vezes. Os amigos, afinal, guardam

oportunidades de traição com as quais os inimigos podem apenas sonhar.

Danton, Marat e Robespierre

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Quando eles se conheceram no início da Revolução em 1789, Robespierre tinha 31

anos e Danton 30; eram ambos advogados, assim como politicamente radicais e

nenhum deles tinha sido famoso à guarda do ancien régime. À parte das suas

fisionomias – Robespierre perto das proporções corretas, Danton um pouco maior

– os dois homens foram descobrindo ter cada vez mais em comum: dedicados ao

povo, ativos no clube dos Jacobinos, temendo que as forças da Contrarrevolução

triunfassem com a invasão estrangeira, lutaram juntos para derrubar a monarquia,

estabilizar a república e projetar as instituições do Terror.

Numa das raras ocasiões em que Danton falou sobre si mesmo em público,

suplicou: “Se eu tivesse sido levado pelo entusiasmo nos primeiros dias da nossa

regeneração, não teria expiado por isso? Não teria sido ostracizado?”. Robespierre

não poderia ter dito estas palavras. A expiação – por toda a sua carga religiosa –

estava para além do repertório de Robespierre; a retórica do martírio era mais o

seu estilo. Como Danton, ele tinha-se oferecido ao povo e conseguia imaginar

morrer por ele; mas ao contrário de Danton, ele não conseguiu nunca admitir que

poderia ter estado errado: “Quem diz que alguém inocente pereceu?”, perguntou

com gelada confiança. Danton foi guilhotinado a 5 de abril de 1794, Robespierre a

28 de julho do mesmo ano. “É o sangue de Danton que vos está a chocar!”, alguém

rosnou quando Robespierre caiu do poder. “Danton! – É então Danton que vos

pesa?”, respondeu ele, “Covardes – porque não o defenderam?”

Outra das amizades de Robespierre, com o poeta e jornalista Camille Desmoulins,

recua até aos seus dias de escola parisiense em Louis-le-Grand. Robespierre

esteve presente no casamento de Camille com Lucile Duplessis em 1790, e foi

padrinho do seu filho Horace, que cresceu órfão pelo Terror e frequentou a antiga

escola do seu pai e padrinho. Era óbvio que Robespierre gostava realmente de

Camille, mas orgulhava-se da sua imparcialidade e incorruptibilidade.

Depois de Camille ter publicado Le Vieux Cordelier, e de se ter juntado a Danton

no pedido por clemência e fim da mortandade em dezembro de 1793, Robespierre

foi persuadido para se movimentar contra ele. Nenhuma amizade, nenhum

suborno, prazer ou dor conseguiriam afastá-lo daquilo que ele acreditava ser do

melhor interesse para o povo e para a Revolução. Mais ninguém falou tão

insistentemente, previsivelmente ou prolongadamente sobre si mesmo na

Revolução. Ainda assim mais ninguém poderia ser convocado a colocar de parte

os seus sentimentos pessoais como Robespierre, continuamente comprometido

com a ideia do bem comum; ele adquiriu a alcunha de “O incorruptível”. Ele podia

falar de si mesmo tão frequentemente porque se identificava completamente com

a Revolução. Peculiarmente, era acompanhado por jacobinos e outros que

acreditavam nesta coincidência entre a pessoa de Robespierre e a Revolução.

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Antes de se conhecerem, Saint-Just, destinado a ser mais um amigo dramático de

Robespierre, escreveu-lhe em 1790: “Eu não te conheço, mas tu és um grande

homem. Não és apenas o deputado de uma província, mas sim o deputado da

república e da humanidade.” Saint-Just era nove anos mais novo que Robespierre:

selvagem, bonito e transgressor. O vínculo entre eles era tão improvável como

importante para a Revolução. Para além da poderosa coincidência das suas

opiniões sobre o julgamento e execução de Luís XVI, eles partilhavam uma

obsessão pela “vertu”, virtude em português. Os dois homens falavam muito e com

frequência. Saint-Just foi a única pessoa que se atreveu a subir em corrida a

escada exterior que conduzia até aos quartos privados de Robespierre, na Rue

Saint-Honoré (qualquer outra pessoa se aproximou de forma mais indireta através

da casa do seu senhorio). Saint-Just tinha sobre ele o fascínio de um pecador

reformado – “Eu agi mal, mas serei capaz de fazer melhor”, dizia ele com 20 anos.

Três anos depois Saint-Just era o aliado político mais próximo do Incorruptível.

Na Convenção, na manhã de 21 de março de 1794, Saint-Just leu um relatório

contra Danton, Camille Desmoulins e os seus associados. Manteve-se rígido na

tribuna, segurando o texto sem emoção numa mão que não tremia, enquanto

usava a outra para enfatizar os mais importantes tópicos com um gesto cortante

que relembrava a sua audiência da guilhotina. “Se salvarem Danton salvam uma

personalidade – alguém que conheceram e admiraram; prestam respeito ao

talento individual mas destroem a tentativa quase vitoriosa. Por amor a um

homem vão sacrificar toda a nova liberdade que estavam a dar para todo o

mundo”. Terminou devastadoramente: “As palavras que dissemos nunca serão

esquecidas na terra”. A Convenção sentou-se num silêncio atordoado. O discurso

de Saint-Just baseava-se numa série de notas apressadas que Robespierre tinha

anotado para ele: notas que ainda existem, e que mostram para além de qualquer

dúvida a profundidade da cumplicidade do Incorruptível nos ataques aos seus

antigos amigos.

Uma das notas incriminatórias de Robespierre era relativa à memória de uma

conversa na qual este falava, como era frequente, sobre a importância da virtude

e o seu papel nas políticas revolucionárias, quando Danton gracejou: “A virtude é o

que eu faço todas as noites na cama com a minha mulher”. Robespierre, pouco

agradado, tinha escrito isto no seu caderno para futura referência. Talvez Danton

não o tivesse dito como uma piada. Nas circunstâncias em que este se encontrava,

tendo em conta o seu contexto de vida desde 1789 – todo esse derramamento de

sangue, todos os sonhos destruídos, a esquiva luta revolucionária ainda tão longe

da vitória – o amor da intimidade sexual poderia na verdade parecer-lhe o melhor

que há a esperar para os seres humanos.

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Quando se virou contra ele, Robespierre afirmou que a reputação patriota de

Danton era injustificável; que este não teria contribuído para o crescer que

provocou o final da monarquia em 10 de agosto de 1792, antes de mais porque

teria partido de Paris para visitar a sua mãe em Arcis, e por outro lado na noite em

questão teve de ser arrastado da cama para comparecer à reunião da sua Secção.

No entanto ninguém arrastou Robespierre da sua cama nessa noite. Ele nunca

participou em qualquer violência revolucionária. Danton e Camille tinham saído

com as suas armas; Danton tinha sancionado assassínio nos degraus do Hôtel de

Ville; tinha estado na primeira linha na guerra estrangeira e visto sangue a correr

livremente. Como se atrevia Robespierre, entre todas as pessoas, a censurá-lo com

covardia física? Ele também se queixou do corpo gordo de Danton, do facto de ele

ser amoroso e indolente. Havia mau génio e um toque de maldade neste

documento; até Saint-Just poderia ver que apenas partes dele poderiam ser

incorporadas no relatório oficial.

Robespierre seguiu Danton na guilhotina, sobrevivendo-lhe por pouco mais que

quatro meses. Danton e Camille Desmoulins tinham 34 anos quando morreram;

Lucile Desmoulins tinha 23; Saint-Just tinha 26; e Robespierre tinha 36 anos. Em A

Morte de Danton os revolucionários jogam um jogo perdido contra a mortalidade e

cada um deles sabe disso. O génio dramático Buchner morreu de tifo com 23 anos

e também o sabia: “Nós não temos muita dor, temos muito pouca. Porque através

da dor chegamos a Deus. Nós somos morte, pó, cinzas. Como podemos reclamar?”.

Ruth Scurr, junho 2010

Fotografia de ensaio © Jorge Gonçalves

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DANTON

SIMON SCHAMA Uma semana depois, Danton e alguns dos seus amigos mais próximos, incluindo

Desmoulins, Lacroix, Philippeau e (num dia diferente) Hérault de Séchelles são por

sua vez detidos. A morte dos hébertistas implicara sempre o fim dos Indulgents,

pois ter atacado uns e não os outros teria sido alienar fatalmente os Terroristas da

linha dura presentes nos dois comités. No dia 29 de março, há um último encontro

entre os gigantes. Danton tenta persuadir Robespierre de que a sua amizade foi

intencionalmente destruída por Collot e Billaud, que semearam a discórdia entre

eles para se exonerarem dos excessos terroristas. Mas Robespierre não está a

ouvir. Exige que Danton sacrifique os corruptos para se salvar a si próprio. É um

diálogo de surdos. Segundo uma versão convincente da noite da detenção,

Albertine, irmã de Marat, avisa Danton e insta-o a apresentar-se na Convenção

para denunciar o Comité. Ele começa por demonstrar alguma relutância – fazê-lo

significará a proscrição de Robespierre – mas depois, convencido de que não lhe

restam alternativas, acede. Ao chegar à assembleia, Danton vê Robespierre numa

conversa tão amistosa com Camille Desmoulins que baixa a guarda e vai-se

embora para casa. É detido nessa mesma noite.

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Os caçadores sabiam que não ia ser fácil. Hébert fora uma fuinha (mas com dentes

afiados). Danton será um leão ferido cujos rugidos beligerantes poderão ecoar por

toda a cidade de Paris. Na noite de 25 de março, os dois comités consideraram em

sessão conjunta a tática a utilizar. Saint-Just levou a acusação – da qual

injustamente se orgulhava – e disse que a leria na Convenção no dia seguinte,

após o que poderiam prender Danton e os amigos. Vadier e Amar olharam para

ele como se não estivesse bom da cabeça. Primeiro, havia que prender Danton,

depois logo se denunciaria. Qualquer outra tática seria potencialmente desastrosa.

Face à ofensa aos seus poderes de persuação, para não falar da comparação

negativa da sua virilidade com a de Danton, Saint-Just ficou incaracteristicamente

colérico mas os polícias da Segurança Geral impuseram o seu método.

A acusação contra Danton, corrigida para a sua forma final por Robespierre, é –

mesmo pelos padrões do Tribunal Revolucionário – um documento incrivelmente

fraco. As acusações contra Hérault de Séchelles são ainda mais capciosas.

Acusado de ser um aristocrata, ele invoca a memória do seu melhor amigo, Michel

Lepeletier, um ci-devant de linhagem ainda mais ilustre. Mas Danton é acusado de

toda a espécie de perfídias: de conspirar para colocar o duque de Orleães no

trono, de salvar pessoas, incluindo Brissot, dos massacres de setembro, de se rir

sempre que é mencionada a palavra “virtude”. Em suma, é má rês. O Comité

espera obviamente que enquadrando Danton e Desmoulins nos vigaristas da

fraude da Companhia das Índias, incluindo toda uma gama de estrangeiros

diversos – os irmãos Frey, o espanhol Guzmán, o dinamarquês Friedrichsen, o

belga Simon –, a culpa da vigarice se cole ao seu principal adversário, embora não

disponham da mínima prova que o ligue ao esquema.

No dia 2 de abril, o tribunal enche-se com uma multidão enorme – Danton tem um

número de seguidores formidável. Fouquier-Tinville tentou conter o interesse

popular até ao último minuto antes de anunciar o julgamento mas vê-se a braços

com um tribunal tumultuoso que ofende profundamente a sua noção de

procedimentos ordeiros. Até o número dos réus parece não bater certo:

Westermann, velho camarada de Danton, insiste em ser acusado com o amigo.

Quando o presidente do tribunal lhe garante que isso é “apenas uma formalidade”,

Danton comenta: “A nossa presença aqui é apenas uma formalidade”. Sucedem-se

as interrupções e as confusões, revelando o sentido assustadoramente poderoso

que Danton tem do teatro público. Ao não conseguir interromper uma das tiradas

tonitruantes de Danton, o presidente, Herman, pergunta-lhe: “Não ouviste a

sineta?” Danton replica: “A voz de um homem que está a defender a vida e a honra

tem de se impor ao som do vosso sininho”. Danton está efetivamente decidido a

explorar a vantagem que tem sobre os juízes em termos de volume, ciente de que

uma voz sonora e profunda, além de fazer os seus interrogadores parecerem

ridículos, dá testemunho dos recursos de poder viril que a cultura republicana

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associa à virtude. Trovejar é ser patriótico. No dia seguinte, no princípio da defesa,

dirigindo-se mais ao público do que aos juízes ou ao júri, Danton declara: “Povo,

julgar-me-eis depois de me ouvires; a minha voz será ouvida por vós e em toda a

França”.

É exatamente isto que o tribunal teme, e não está disposto a deixar Danton dirigir

o julgamento. Desdenha da sua exigência de convocar uma longa lista de

testemunhas, incluindo membros do Comité de Salvação Pública como o próprio

Robespierre e Robert Lindet, o único dos colegas de Danton que se negou a

assinar o mandato de detenção. Não sobreviveu nenhum registo completo dos

trabalhos mas ao que parece Danton falou quase o dia inteiro e com um efeito

tremendo, sacudindo as acusações como se estivesse a sacudir insetos do casaco.

“Será que os cobardes que me estão a caluniar se atrevem a atacar-me cara a

cara?”, exige ele, e numa veia mais estoico-romântica: “O meu domicílio será em

breve no esquecimento, com o meu nome no Panteão… Eis a minha cabeça para

responder por tudo”. Danton parece querer elevar a miséria moral da ocasião ao

nível da retórica trágica, transformando o seu fim em algo tão importante e

memorável como o de um herói homérico, um patriota dos anais de Roma.

Durante os últimos dois dias, o tribunal ficou a conhecer Danton. Amanhã, ele conta

dormir no seio da glória. Nunca pediu perdão e vê-lo-eis subir para o patíbulo com

a sua serenidade habitual e a calma de uma consciência limpa.

Durante o seu período de detenção e julgamento, os dantonistas estão

encarcerados no Luxemburgo. É talvez a menos miserável de todas as prisões do

Terror, e aqueles que os lá veem recordarão Danton e Phillippeaux afetando uma

espécie de alegria forçada. Danton, em particular, parece resignado a separar-se

da sua segunda mulher, Louise, uma rapariga de apenas dezasseis anos. Camille

Desmoulins, no entanto, cai no mais profundo desalento ao ter de se separar de

Lucile, da qual continua muito apaixonado. Ela visita-o sempre que pode,

mantendo-se de pé, à distância prescrita, o que causa ao marido um intenso

prazer mas também um terrível tormento emocional. Na sua última carta, escrita

antes da execução, Danton diz a Lucile que ao vê-la e à mãe dela se atirou

desesperado contra as grades. É uma carta espantosa, o jorro de um homem

completamente desfeito pela tristeza e pelo remorso, caído nas profundezas de

uma espécie de fantasmagoria romântica e que deseja renunciar a toda a sua vida

pública para poder ter uma vida privada de paz.

Minha Lucile, ma poule, apesar do meu tormento acredito na existência de um

Deus; o meu sangue lavará as minhas falhas; voltarei a ver-te um dia, minha

Lucile… a morte que me vai libertar do espetáculo de tantos crimes é uma

desgraça? Adeus, Lulu, adeus, minha vida, minha alma, minha divindade na terra…

Sinto as margens do rio da vida ficar para trás, vejo-te de novo, Lucile, vejo os

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meus braços à tua volta, as minhas mãos atadas a abraçarem-te, a minha cabeça

cortada apoiada em ti. Vou morrer…

Lutador até ao fim, Danton continua a exigir o direito de convocar testemunhas. A

sua insistência é tão veemente e o público é-lhe tão simpático que Saint-Just,

temendo o colapso do julgamento, se apresenta na Convenção e diz que os

detidos estão a fomentar uma insurreição contra o tribunal e que a mulher de

Desmoulins está envolvida numa conspiração para assassinar membros do Comité

de Salvação Pública. São afirmações absurdas mas dão ao Comité a autoridade

suficiente para regressar ao tribunal e instruir Fouquier a empregar o seu habitual

“atalho” de perguntar ao júri se já foi suficientemente “iluminado”. Foi. Ao saber

que perdeu um último recurso, Danton resigna-se. Na prisão, segundo Riouffe, que

dirá que o ouviu através da parede, ele lamenta-se por deixar a República em tão

mau estado, governada por homens que não fazem a mínima ideia do que é

governar. “Se eu pudesse deixar os tomates ao Robespierre e as pernas ao

Couthon, o Comité talvez durasse mais algum tempo”.

No dia 5 de abril, Danton, Hérault, Desmoulins e os outros vão ao encontro da

morte. Observados por uma enorme multidão praticamente silenciosa,

comportam-se com grande dignidade e compostura. Danton está decidido a

mostrar afeto e amizade. Ele e Hérault de Séchelles, o prodígio do Parlamento

tornado jacobino regicida, tentam abraçar-se mas são bruscamente separados

pelo carrasco, Sanson. “Não impedirão as nossas cabeças de se encontrarem no

cesto”, terá dito Danton. Mas o seu último comentário é o melhor. Ao colocar-se à

frente da prancha, com a camisa manchada com o sangue dos seus melhores

amigos, Danton diz a Sanson: “Não te esqueças de mostrar a minha cabeça ao

povo. Olha que vale a pena”.

Simon Schama, Cidadãos – Uma Crónica da Revolução Francesa, Porto, Civilização Editora, 2001.

Fotografias de ensaios © Jorge Gonçalves

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SUGESTÃO DE ATIVIDADES

TAREFAS A DESENVOLVER COM OS ALUNOS

ESCREVER

Solicitar aos alunos um pequeno texto onde articulem as seguintes palavras:

“Absolutismo", "Revolução Francesa", “Danton”, "Terror".

ANALISAR

Analisar com os alunos a seguinte gravura, discutindo em aula o papel da

guilhotina na Revolução Francesa e a pena de morte por decapitação.

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INVESTIGAR

A partir da cronologia da Revolução Francesa (pp. 34-41), sugerir aos alunos que

escolham uma data específica e que escrevam um pequeno texto, a partir da sua

investigação, sobre esse momento da História.

Pedir aos alunos breves biografias de algumas das principais personagens da

Revolução Francesa e interpretadas no espetáculo A Morte de Danton, tais como:

Georges Danton; Legendre; Camille Desmoulins; Hérault-Séchelles; Thomas Payne;

Robespierre; Saint-Just; Collot d´Herbois; Billaud Varennes, entre outras.

LER

Ler e analisar com os alunos a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,

um documento culminante da Revolução Francesa, que define os direitos

individuais e coletivos dos homens como universais.

VISIONAR

Após a assistência ao espetáculo A Morte de Danton, visionar com os alunos o filme

Danton, de Adrzej Wajda (1982), e discutir em aula o perfil da personagem Danton

em ambos os casos.

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EQUIPA TEATRO NACIONAL D. MARIA II, E.P.E. direção artística JOÃO MOTA conselho de administração CARLOS VARGAS, ANTÓNIO PIGNATELLI, SANDRA SIMÕES secretariado CONCEIÇÃO LUCAS motorista RICARDO COSTA atores JOÃO GROSSO, JOSÉ NEVES, LÚCIA MARIA, MANUEL COELHO, MARIA AMÉLIA MATTA, PAULA MORA direção de produção CARLA RUIZ, MANUELA SÁ PEREIRA, RITA FORJAZ direção de cena ANDRÉ PATO, CARLOS FREITAS, ISABEL INÁCIO, MANUEL GUICHO, PAULA MARTINS, PEDRO LEITE auxiliar de camarim PAULA MIRANDA, PATRÍCIA ANDRÉ pontos CRISTINA VIDAL, JOÃO COELHO guarda-roupa GRAÇA CUNHA direção técnica JOSÉ CARLOS NASCIMENTO, ERIC DA COSTA, VERA AZEVEDO maquinaria e mecânica de cena VÍTOR GAMEIRO, JORGE AGUIAR, MARCO RIBEIRO, PAULO BRITO, NUNO COSTA, RUI CARVALHEIRA iluminação JOÃO DE ALMEIDA, DANIEL VARELA, FELICIANO BRANCO, LUÍS LOPES, PEDRO ALVES som / audiovisual RUI DÂMASO, PEDRO COSTA, SÉRGIO HENRIQUES manutenção técnica MANUEL BEITO, MIGUEL CARRETO adereços VIRGÍNIA RICO motorista CARLOS LUÍS direção de comunicação e imagem RAQUEL GUIMARÃES, TIAGO MANSILHA assessoria de imprensa JOÃO PEDRO AMARAL produção de conteúdos MARGARIDA GIL DOS REIS* design gráfico JOÃO NUNO REPRESAS*, MARGARIDA KOL* direção administrativa e financeira CARLOS SILVA, EULÁLIA RIBEIRO, ISABEL ESTEVENS controlo de gestão MARGARIDA GUERREIRO tesouraria IVONE PAIVA E PONA recursos humanos ANTÓNIO MONTEIRO, MADALENA DOMINGUES direção de manutenção SUSANA COSTA, ALBERTINA PATRÍCIO manutenção geral CARLOS HENRIQUES, LUÍS SOUTA, RAUL REBELO, VÍTOR SILVA informática NUNO VIANA técnicas de limpeza ANA PAULA COSTA, CARLA TORRES, LUZIA MESQUITA, SOCORRO SILVA vigilância GRUPO 8* direção de relações externas e frente de casa ANA ASCENSÃO, CARLOS MARTINS, DEOLINDA MENDES, FERNANDA LIMA bilheteira RUI JORGE, CARLA CEREJO, NUNO FERREIRA receção DELFINA PINTO, ISABEL CAMPOS, LURDES FONSECA, PAULA LEAL assistência de sala COMPLET’ARTE* direção de documentação e património CRISTINA FARIA, RITA CARPINHA* livraria MARIA SOUSA biblioteca | arquivo ANA CATARINA PEREIRA, RICARDO CABAÇA * prestações de serviços