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FREI LUÍS DE SOUSA DE ALMEIDA GARRETT
criaçãocriaçãocriaçãocriação Diogo Bento e e e e Inês Vaz
DOSSIÊ PEDAGÓGICO
1
ÍNDICE
Ficha artísticaFicha artísticaFicha artísticaFicha artística
2
I. I. I. I. O espetáculoO espetáculoO espetáculoO espetáculo
3
II. Almeida Garrett: o homem e o seu tempoII. Almeida Garrett: o homem e o seu tempoII. Almeida Garrett: o homem e o seu tempoII. Almeida Garrett: o homem e o seu tempo 5
Almeida Garrett: BiobibliografiaAlmeida Garrett: BiobibliografiaAlmeida Garrett: BiobibliografiaAlmeida Garrett: Biobibliografia 5
O RomantismoO RomantismoO RomantismoO Romantismo 10
Corpo e civilidade: ser romântico (Garrett)Corpo e civilidade: ser romântico (Garrett)Corpo e civilidade: ser romântico (Garrett)Corpo e civilidade: ser romântico (Garrett) 13
Garrett e o teatro portuguêsGarrett e o teatro portuguêsGarrett e o teatro portuguêsGarrett e o teatro português
15
III. III. III. III. Frei Luís de Sousa: Frei Luís de Sousa: Frei Luís de Sousa: Frei Luís de Sousa: algumas leiturasalgumas leiturasalgumas leiturasalgumas leituras 21
Garrett e a figura espectralGarrett e a figura espectralGarrett e a figura espectralGarrett e a figura espectral 22
Frei Luís de SousaFrei Luís de SousaFrei Luís de SousaFrei Luís de Sousa:::: Drama ou Tragédia?Drama ou Tragédia?Drama ou Tragédia?Drama ou Tragédia? 25
Figurações do femininoFigurações do femininoFigurações do femininoFigurações do feminino em em em em Frei LuísFrei LuísFrei LuísFrei Luís de Sousade Sousade Sousade Sousa de Almeida de Almeida de Almeida de Almeida GarrettGarrettGarrettGarrett
27
Natureza e Raízes Históricas do SebastianismoNatureza e Raízes Históricas do SebastianismoNatureza e Raízes Históricas do SebastianismoNatureza e Raízes Históricas do Sebastianismo
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IV. Sugestão de AtividadesIV. Sugestão de AtividadesIV. Sugestão de AtividadesIV. Sugestão de Atividades
37
Equipa Teatro Nacional D. Maria IIEquipa Teatro Nacional D. Maria IIEquipa Teatro Nacional D. Maria IIEquipa Teatro Nacional D. Maria II, E.P.E., E.P.E., E.P.E., E.P.E.
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2
9 – 19 FEV’12
SALA ESTÚDIO
4.ª a sáb. 21h15 dom. 16h15
FICHA ARTÍSTICA
criação
DIOGO BENTO
INÊS VAZ
desenho de luz
JOANA GALEANO
desenho de tela
MIGUEL BONNEVILLE
interpretação
DIOGO BENTO
INÊS VAZ
ELISABETE FRAGOSO
coprodução
AMONG OTHERS ASSOCIAÇÃO
TEATRO DA GARAGEM
M/16
3
I. O ESPETÁCULO
Fotografia do espetáculo © Alípio Padilha
Nós temos de continuar, não podemos continuar, mas vamos continuar. Desta vez
com Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett, um dos melhores clássicos da
literatura portuguesa, um desejo de homenagem ao Senhor Almeida da parte do
Senhor Bento e da Senhora Dona Vaz.
Mesmo sabendo que a Maria morre e que os outros ficam sozinhos ou vão para o
convento, mesmo sabendo que não vai dar certo, mesmo sabendo que a vinda do
Romeiro é inevitável, mesmo sabendo que não há salvação para ninguém e que é
preciso haver um bode expiatório, nós vamos continuar.
É mais ou menos como um pensamento esquizofrénico que nos guia quando
acreditamos que não é possível e que não depende de nós e, mesmo assim,
fazemos tudo com a mesma convicção, ou até mais, para que aconteça. Neste
caso, para que a Maria não morra sozinha a cuspir sangue. Porque, até lá
chegarmos, tudo pode mudar. Porque, na verdade, tudo tem em si a potência para
ser tudo e para mudar.
Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett é a terceira criação da dupla Diogo Bento e
Inês Vaz e apresenta-se como a terceira parte de uma trilogia sobre o ato teatral
e a criação de uma ficção acerca dos próprios criadores que se iniciou com
Han Shot First (estreado a 19/03/2010 no Teatro Taborda em Lisboa e que passou
pelo espaço Teatro Praga, Formas 2010 em Tavira e Festivais de Gil Vicente em
Guimarães – um projeto financiado pela DGArtes/Ministério da Cultura e pela
Fundação Calouste Gulbenkian) e ao qual se seguiu I Love Broadway (estreado na
Casa Conveniente a 1/03/2011 com apoio da Fundação Calouste Gulbenkian).
4
Nem o drama, nem o romance, nem a epopeia são
possíveis, se os quiserem fazer com a Arte de verificar as
datas na mão.
Esta quase apologia seria ridícula, Senhores, se o meu
trabalho não tivesse de aparecer senão diante de vós, que
por intuição deveis saber, e por tantos documentos tendes
mostrado que sabeis, quais e quão largas são, e como
limitadas, as leis da verdade poética, que certamente não
deve ser opressora, mas também não pode ser escrava da
verdade histórica. Desculpai-me apontar aqui esta
doutrina, não para vós que a professais, mas para algum
escrupuloso mal advertido que me pudesse condenar por
infracção de leis a que não estou obrigado porque não as
aceitei.
Almeida Garrett, Memória ao Conservatório Real, 1843
Fotografia do espetáculo © Alípio Padilha
5
II. ALMEIDA GARRETT:
O HOMEM E O SEU TEMPO
ALMEIDA GARRETT: BIOBIBLIOGRAFIA
1799
João Baptista da Silva Leitão, a que só depois acresceram os apelidos com que se
notabilizou, nasce a 4 de fevereiro numa casa da velha zona ribeirinha do Porto,
não longe da alfândega de que o pai possuía o cargo de selador-mor; a 10, é
batizado na igreja de Stº Ildefonso. Filho segundo, entre cinco irmãos, de António
Bernardo da Silva e de Ana Augusta de Almeida Leitão, família burguesa ligada à
atividade comercial e proprietária de terras na região portuense e nas ilhas
açoreanas.
1804-1808 «... os felizes dias de minha descuidada meninice!»»»» Infância repartida pela Quinta do Castelo, para onde a família se transferiu, e a do
Sardão, ambas ao sul do Douro, no concelho de Gaia. Ao legado de velhas histórias
e lendas populares das criadas Brígida e Rosa de Lima junta-se o preceptorado do
tio paterno, bispo de Malaca, Frei Alexandre da Sagrada Família, e do materno tio
João Carlos Leitão, formado em cânones e depois juiz de fora no Faial.
6
Casa onde nasceu Almeida Garrett, em 1799,
na Rua do Calvário, n.ºs 37, 39 e 41.
1809-1816 ««««Padre, nunca!»»»» Partida da família para os Açores, antes que as tropas de Soult entrassem no
Porto. Adolescência na ilha Terceira, destinada à carreira eclesiástica, entre a
escola régia do padre João António e as aulas do erudito Joaquim Alves a que a
aprendizagem no seio familiar dava sequência. Chegou a tomar ordens menores
com que, por intercedência do tio Alexandre, então bispo de Angra, deveria
ingressar na ordem de Cristo, mas cedo recusou prosseguir.
Primeiras incursões literárias, algumas já com o pseudónimo de Josino Duriense:
Odes Anacreônticas, c. 1814 (ed. póst. 1902); algumas das primeiras poesias
inclusas na Lírica; poema épico inacabado Afonseida, ou fundação do império
lusitano, 1815-16 (ed. póst. 1985); um esboço trágico de Ifigénia em Tauride, 1816
(ed. póst. 1952) e a tragédia Xerxes.
1816-1820 ««««rodeado de Enciclopedistas, de Rousseaus e de Voltaires»»»» Autorizado a cursar Leis, matriculou-se na Universidade de Coimbra. Ao contacto
com os escritores das Luzes acresceu a leitura dos primeiros românticos,
enquanto transformava em ardor revolucionário a rápida adesão às ideias liberais.
Se, de início, pouco escreveu, depressa intensificou a criação literária.
Ensaia Mérope. Escreve O Roubo das Sabinas.
7
1820-1823 ««««Alceu imberbe, levanta-se com a revolução»»»» O jovem bacharel e liberal maçónico participou com ardor na revolução vintista,
como poeta e dramaturgo, mas também como dirigente estudantil e orador, por
entre atividades clandestinas. Curiosamente, as obras deste período, bem como a
correspondência pública, eram datadas conforme o calendário francês
republicano.
(1921) Escreve o poema de homenagem à revolução "O dia vinte e quatro de
Agosto". Representação de O Corcunda por Amor no Teatro do Bairro Alto. Catão
sobe à cena.
(1922) Publicação do Retrato de Vénus e processo judicial devido à pretensa
imoralidade do texto.
1823-1828 ««««Terra, mas terra estranha, de exílio»»»» Em precária subsistência, a distanciação de um 1.º exílio permitiu-lhe melhor
reflectir criticamente e atualizar conhecimentos que marcaram a viragem
romântica do autor, sem completo abandono clássico e racionalista. No seguinte e
curto período da primeira vigência da Carta, aplicou-se em trabalhos políticos que
fixaram as bases de doutrinação liberal por que irá pautar toda a sua posterior
carreira de «homem público».
(1923) Exilado em Londres, escreve O Magriço.
(1925) Publicação, em Paris, de Camões.
(1926) Publicação, em Paris, de D. Branca. Escreve Bosquejo da História da Poesia e
Língua Portuguesa e a Carta de guia de eleitores em que se trata da opinião
pública, das qualidades para deputado e do modo de as conhecer. Publica o jornal
O Português.
1828-1834 ««««onde verdadeiramente acaba o velho Portugal e de onde começa o novo»»»» A um 2.º exílio, em piores condições que o anterior, seguiu-se a guerra civil,
período em que ao novo rumo do gosto literário junta a pedagogia liberal de uma
legalidade constitucional e de uma prática das liberdades, colaborando
diretamente nos primeiros monumentos legislativos do liberalismo e iniciando-se
na carreira diplomática.
(1928) Em Londres, publica Adosinda.
(1929) Publica, ainda em Londres, Da Educação e Lírica de João Mínimo.
(1930) Publicação, também em Londres, de Portugal na Balança da Europa.
(1932) Inicia o Arco de Sant'Ana.
8
1835-1840 ««««nova e brilhante era na vida pública»»»» A breve ostracismo, com que a nova administração liberal o relegou para o
estrangeiro, seguiu-se o envolvimento no setembrismo, com colaboração na
ordem jurídica demoliberal, e o início da carreira parlamentar, ao mesmo tempo
que lançou as bases do teatro nacional.
(1936) Cria O Português Constitucional.
(1938) Apresenta Um Auto de Gil Vicente.
(1939) Elabora um Projecto de lei da propriedade literária.
(1940) Apresentação de D. Filipa de Vilhena.
Casa onde morreu Almeida Garrett em Lisboa,
na Rua Saraiva de Carvalho, n.º 78.
1841-1850 ««««A literatura ganhou com este ócio involuntário»»»» Com a década cabralista - durante a qual «passou para os bancos da oposição»,
em que emergiu na liderança da minoria parlamentar, ou foi afastado das
atividades públicas - coincidiu o auge da sua carreira literária, produzindo as
obras-primas que definitivamente o consagraram e entre as quais não faltam as
diatribes contra a nova aristocracia dos barões ou agiotas.
(1942) Representação de O Alfageme de Santarém.
(1943) Leitura, a 6 de maio, de Frei Luís de Sousa, no Conservatório Real.
Representação da peça, a 4 de julho, na Quinta do Pinheiro, em Lisboa. Sai o
primeiro volume do Romanceiro.
(1944) Publicação de Frei Luís de Sousa.
(1945) Publicação do primeiro volume do Arco de Sant'Ana e das Viagens na Minha
Terra.
(1948) Publicação de A Sobrinha do Marquês, As Profecias do Bandarra e Um
Noivado no Dafundo.
9
(1950) Publicação do segundo volume do Arco de Sant'Ana.
1851-1854 ««««pergaminhos, esses deram-mos pela opinião pública»»»» O início da chamada Regeneração, último ato de sinceridade política do
liberalismo, de que foi paladino, marcou a sua consagração oficial, conquanto
breve: foi visconde, sem que o título alcançasse desejada segunda vida; chegou a
ministro, por cinco meses, vítima de intriga; nomearam-no par de um reino cujo
governo rápido criticou até ao fim da vida.
(1953) Publica Folhas Caídas e inicia a escrita do romance Helena.
Bicentenário de Almeida Garrett | Biblioteca Nacional
Almeida Garrett, Litografia, 1846.
10
O ROMANTISMO "O termo Romantismo deriva, com mediações francesas, do adjectivo inglês
romantic, utilizado desde cerca de meados do século XVII com o significado de
'semelhante aos antigos romances' (em inglês, romance designa um género
narrativo caracterizado pela fantasia, pelo mistério e pela aventura). O adjectivo
romantic, ligado portanto originalmente a manifestações literárias, podia
qualificar uma paisagem, um monumento, etc., mas desde o início do último
quartel do século XVII, pelo menos, apresenta um significado inequivocamente
estético-literário, caracterizando, por exemplo, as obras de poetas como Pulci,
Boiardo e Ariosto, os quais, em virtude do papel nelas desempenhado pela fantasia
e pela efabulação romanesca, não obedeciam às normas clássicas da
verosimilhança.
Na cultura racionalista do iluminismo, em consonância com a poética
intelectualista do neoclassicismo, a palavra romântico adquiriu significados
disfóricos ('quimérico', 'inacreditável', 'ridículo', 'absurdo'), mas na segunda
metade do século XVIII, em conformidade com a valorização crescente, na arte, na
cultura e na vida, do sentimento, da emoção e da imaginação, o vocábulo passou a
ser utilizado frequentemente com significados positivos, como naquele famoso
passo das Revêries d'un promeneur solitaire (1782) de Jean-Jacques Rousseau em
que se lê que 'as margens do lago Bienne são mais selvagens e românticas do que
as do lago de Genebra". Ao longo da segunda metade do século XVIII, em inglês,
em francês e em alemão, a palavra romântico apresenta muitas vezes um
inequívoco significado literário, designando e caracterizando certos tipos de
textos, certos autores (Ariosto, Tasso, Shakespeare, Cervantes) e determinadas
categorias estéticas. (...)
Quer numa perspectiva histórico-literária quer numa perspectiva tipológico-
literária, o termo romântico passou a ser utilizado com frequência crescente,
desde o início do século XIX, em contraposição com o termo clássico. (...) Com
significados que oscilam entre categorias histórico-literárias e categorias
tipológico-literárias, os termos romântico e Romantismo foram aplicados, por
diversos historiadores e críticos literários de finais do século XVIII e inícios do
século XIX, e autores como Dante, Tasse, Shakespeare, Cervantes e Calderón de la
Barca, tendo Friedrich Schlegel afirmado, no fragmento n.º 247 do Athenaeum, que
'a universalidade de Shakespeare é como que o centro da arte romântica'. É
elucidativo sublinhar que os escritores dos séculos XVI e XVII assim qualificados e
caracterizados como românticos são escritores que, no século XX, têm sido
estudados e caracterizados como autores maneiristas e barrocos, o que bem
revela como estas genealogias do Romantismo exprimem a consciência de uma
11
comum diferença em oposição aos princípios e valores do classicismo e do
neoclassicismo. (...)
As propostas de René Welleck têm inspirado, nas últimas décadas, os estudos mais
consistentes sobre o Romantismo, tendo ficado bem demonstrada a sua
capacidade heurística e a sua justeza. Torna-se indispensável, porém, ter sempre
em consideração as assincronias existentes entre as manifestações do
Romantismo em literaturas 'periféricas' como as de Portugal, de Espanha e dos
países da Europa Oriental e em literaturas 'centrais' como a inglesa, a alemã e a
francesa, bem como as peculiaridades de cada Romantismo, resultantes de
múltiplos factores de ordem literária, cultural, social e política. (...)
Tal como René Welleck, defendemos uma concepção histórico-literária do
Romantismo, mas não uma concepção restritivamente periodológica de um
Romantismo 'entalado' entre o neoclassicismo, por um lado, e o realismo, por outra
parte. O Romantismo é um megaperíodo que, à semelhança do Renascimento, se
tem projectado, em metamorfoses plurais, nas literaturas ocidentais ao longo dos
séculos XIX e XX, embora as suas manifestações originárias, mais homogéneas e
coerentes, se tenham verificado na primeira metade do século XIX. Não é apenas
o neo-Romantismo de finais do século XIX e inícios do século XX que constitui uma
ressurgência, aliás de tipo revivalista, do Romantismo. O simbolismo, o
surrealismo, o expressionismo e o existencialismo são impensáveis à margem do
megaperíodo do Romantismo.
O Romantismo, tal como o Renascimento, não é apenas um estilo literário de
época. Existe uma música romântica, existe uma pintura romântica, existe uma
filosofia romântica, existe uma política romântica, etc. O Romantismo manifesta-se
em todos os domínios da cultura, da arte e do pensamento, porque representa, de
modo global e sistémico, uma revolta, uma contestação e uma refutação, em
relação à modernidade burguesa e capitalista. (...)
Esta aparente rede de contradições e antinomias clarifica-se e resolve-se, se o
Romantismo for pensado como a rejeição de uma concepção mecanicista do
mundo, de uma concepção burguesa, capitalista, utilitarista e instrumental da vida
económica e da organização social, bem como de uma concepção a-histórica,
atemporal e atópica da cultura e das artes. Em contraposição, o Romantismo
elabora uma concepção organicista do mundo, da natureza e da sociedade,
enraizada em ideias filosóficas e religiosas de matriz platónica e neoplatónica,
inspirada em formas de religiosidade panteística e em ideais mágico-religiosos. A
analogia e o símbolo desempenham um papel fulcral na mundividência, no
pensamento, na literatura e nas artes do Romantismo, porque constituem os meios
privilegiados de apreensão e expressão da alma da Natureza e de revelação das
secretas correspondências existentes entre o homem, os seres e as coisas. A
12
racionalidade científica e técnica, motor de progresso material da modernidade e
da acumulação da riqueza capitalista, não permite conhecer os signos viventes e
secretos da Natureza, as harmonias e as correspondências cósmicas, os anseios
profundos e os enigmas do homem. O Romantismo, ao exaltar a energia
demiúrgica da imaginação e do sonho, ao magnificar o dinamismo criador do eu,
ao proclamar a capacidade cognitiva, a dimensão profética e o poder órfico da
poesia, institui uma ruptura total e insuperável com a Razão do classicismo e do
iluminismo e gera uma modernidade estética que, ao longo dos séculos XIX e XX,
ou ignora a modernidade capitalista, burguesa, científico-tecnológica, ou com esta
entra em dissídio insanável. Se muitos românticos se exilam em 'torres de marfim'
e se comprazem na evasão quer no tempo quer no espaço, inscrevendo assim
negativamente na sua obra o seu conflito com a modernidade sociológica e
técnica, outros, inspirando-se muitas vezes nos valores do passado e da tradição
que o historicismo de Herder, dos irmãos Schlegel, de Carlyle, etc., ensinara a
conhecer e a admirar, assumem-se como hierofantes, profetas e vates de uma
sociedade utópica e de um mundo novo."
V. M. de Aguiar e Silva, "Romantismo", Dicionário do Romantismo Literário Português, coord.
Helena Carvalhão Buescu, Lisboa, Caminho, 1997: 487 - 492.
Fotografia do espetáculo © Alípio Padilha
13
CORPO E CIVILIDADE: SER ROMÂNTICO (GARRETT)
HELENA CARVALHÃO BUESCU
"(...) No contexto português, podemos também recordar que os dois nomes
fundadores do Romantismo, Almeida Garrett e Alexandre Herculano, viveram
ambos largo período exilados (e portanto expulsos...) do seu país, por razões
cívicas e políticas que não foram afinal alheias à sua produção literária, já que as
suas obras nunca tentaram sequer esconder o seu empenhamento social
relativamente aos valores ideológicos, políticos e éticos por eles subscritos. Por
outro lado, aquando do seu regresso, ambos se envolveram proufundamente,
mesmo se de modos muito diferentes entre si, naquilo que entenderam poder ser
a refundação de um país 'novo' e de uma forma 'nova' de cidadania, em que a
tradição pudesse ser estética e eticamente associada ao que propunham como
modernidade. Dentro de tal envolvimento, cada uma das obras por eles assinadas
é simultaneamente uma 'defesa da poesia' e uma 'defesa da cidade' - talvez a
última derivando da primeira.
Ora é precisamente este conjunto de questões que confirma, no contexto
romântico, a centralidade da figura do intelectual e do seu posicionamento como
i) uma figura paradigmática da cidadania (através da qual o seu corpo e a sua
individualidade surgem como formas de viver a vida sob o signo da arête, isto é,
de uma vida conduzida pela 'arte de viver'); ii) o promotor e o criador de um
programa pelo qual esta 'arte de viver' possa ser ensinada e transmitida, e nessa
medida transformada em qualidade inerente a toda uma nação, que passa a ser
concebida como imagem (mesmo se desfocada) desse mesmo intelectual. O
projecto educativo vê-se assim confirmado pelo carácter representativo do
intelectual, que assegura a complementaridade das dimensões estética e ética, ao
mesmo tempo que molda o conceito de cidade sobre as características
imaginadas pelo poeta para a sua Pólis.
Entretanto, isto significa também que é a própria evolução da vida do poeta, por
exemplo Garrett, com a sua potencialmente progressiva capacidade de ser
desiludido relativamente à viabilidade de um tal projecto de cidadania, que
tenderá a isolá-lo, a pouco e pouco, face a essa desejada (e utópica) imersão, o
que retroactivamente tenderá a confirmá-lo na crença de que a sua
individualidade é a única arête possível.(...)
14
Ora o corpo do poeta ou do herói representa uma resposta possível, bem como
uma forma de pensar sobre a sua materialidade e o seu grau de existência (da
realidade ontológica) enquanto um modo de atestação do grau de existência da
nação e da própria Pólis que romanticamente ele projecta ser. É isto precisamente
que o texto Frei Luís de Sousa encena no primeiro plano da sua acção dramática:
um mundo inteiro ocupado por pessoas (?) cujos corpos subitamente deixam (ou
deixaram já) de existir, de formas muito diferentes - a loucura que espreita, a
morte, a existência não-legal, a vida monacal em clausura. Ora, a 'espectralidade'
destes corpos que balbuciam torna-se uma forma densa e metaforicamente visível
de encenar o momento em que a própria nação ameaça tornar-se espectral (e
não apenas no passado): momento em que a civilidade foi suprimida e remetida
ao não-existente. Se pensarmos por um instante quais os corpos que neste texto
poderíamos classificar como corpos materiais, bem como em que lugar reside
essa materialidade, compreenderemos sem dúvida que todos eles são, de um
modo ou de outro, mais cedo ou mais tarde, espectros que encenam a sua própria
vida e morte - e que apenas a personagem mais terrestre, ironicamente frade
(frei Jorge), tem um corpo material capaz de sobreviver ao tumulto que agita e
destrói todos os outros. A figura paradigmática da adolescente Maria, com o seu
corpo doente, perturbado (e também sexuado) entre a puberdade e a morte é,
desta perspectiva, a figura exemplar que poderíamos oferecer. A civilidade que
ela tão bem encarna, na sua convicção radical, torna-se impossível na medida em
que é a própria nação que é impossível; e a civilidade surge como o lugar social
do corpo, lugar em que ele tem a capacidade de aprender e jogar o jogo das
relações interpessoais e suas consequências. Este jogo comunitário da civilidade é
reconhecido como ancorado numa ética imanente (por exemplo em Frei Luís de
Sousa) ou, em alternativa, e se esta for entendida como inexistente, é reconhecido
como produzindo apenas situações de simulacro, caso que julgo ser o da obra de
Garrett Viagens na Minha Terra. (...)"
In A Primavera toda para ti. Homenagem a Helder Macedo. Lisboa, Editorial Presença, 2004:
152 - 158.
15
GARRETT E O TEATRO PORTUGUÊS
CONFERÊNCIA PRONUNCIADA POR AUGUSTO DE CASTRO
NO TEATRO NACIONAL D. MARIA II, EM 19 DE NOVEMBRO DE 1954
"Para compreensão da influência e da glória de Garrett no seu tempo, é
impossível, mais do que em qualquer outro escritor na Literatura Portuguesa,
separar a evocação da sua vida do estudo da sua obra. Não conheço mesmo na
Literatura Europeia, à parte Byron, outro espírito em quem a produção artística e
as vicissitudes do destino pessoal estejam mais indissoluvelmente ligadas.
Nenhuma existência mais ardentemente humana do que a desse inquieto, desse
amoroso impenitente, desse inconstante atormentado pelas paixões e pela
vaidade, desse génio do Coração que foi, acima de tudo, Garrett. Raramente no
esplendor literário, o Poeta e o Homem se encontraram mais sincera e
empolgantemente unidos.
«O drama é a vida e o amor a essencial parte da vida» — escreveu Garrett no
Prólogo do Alfageme de Santarém. Poucas existências terão mais dispersiva e
luminosamente ilustrado esta realidade. Pode dizer-se que a todas as criações do
seu espírito estão misturados farrapos da sua carne.
Esse Escritor espartilhado e brasonado, visconde, no fim da vida, como Camilo —
(que mania tinham, desde o Visconde de Chateaubriand, os homens de letras no
século 19, de serem viscondes!) — que se preocupava, como de negócios de
Estado, com os sinetes, os anéis, os berloques e as condecorações; que mandava
vir de Londres casacas e um trajo de caça, «para ir a Sintra», e que, aos 56 anos, já
ferido pela morte, ainda se gabava para os amigos, conforme conta Gomes de
Amorim: «sinto-me capaz de aguentar seis namoros») — este Escritor janota, por
vezes enfatuado e ingenuamente vaidoso, que cria, no seu tempo, o dandismo em
Portugal e «a moda à Garrett», mas sempre generosamente, exaltadamente
sincero, conservou, mesmo na doença e na precoce velhice, o segredo, o culto, o
vício admirável da mocidade. Morreu com os vinte e cinco anos que tinha havia
trinta anos — disse Herculano.
«O tempo que é preciso para se ser jovem!» — escreveu um dia Picasso, que anda
há setenta anos a passear vinte anos pelo Mundo. Garrett, seis anos antes de
morrer, publica a sua obra-prima lírica, As Folhas Caídas, os versos estuantes dum
amor de colegial pela Viscondessa da Luz, que tinha 28 anos espanhóis; exibe, sob
as árvores de Sintra, e na estrada de Pedrouços, o seu idílio inflamado e às
16
escondidas escreve e passa, nos salões, bilhetinhos de derriço à mulher amada:
«morro pelos mais lindos olhos que ainda vi». Já consagrado pelo êxito e pelos
anos, debruçado duma frisa deste teatro, de casaca verde, colete branco e camisa
com folhos de cambraia, numa noite de primeira representação, grita para a
plateia indiferente e silenciosa: «Aplaudam, bárbaros!». (...)
A acção ilustre do grande Escritor no teatro português pode dividir-se em três
grandes expressões: os seus esforços para a fundação deste Teatro e do
Conservatório e a criação da Inspecção-Geral dos Teatros; o auxílio, material e
literário, à renovação dos autores e dos actores portugueses e, finalmente, a sua
obra admirável de dramaturgo, em que avulta, como jóia insuperável da nossa
literatura dramática, o Frei Luís de Sousa — que, só por si, constitui a glória
definitiva do Teatro Português.
*
Quando Garrett regressa dos seus exílios na Inglaterra e na França, o espectáculo
que, nos domínios da inteligência, a sociedade portuguesa do tempo, em plena
fogueira política, lhe oferece não podia deixar de impressionar o ardor dessa
espécie de proselitismo intelectual e sentimental que, pela vida fora, nunca o
abandona. O primeiro e mais flagrante dos contrastes com a influência e a
recordação do meio em que, em Londres e Paris, vivera, é o estado andrajoso do
teatro português, «acantoado, como diz Teófilo Braga, nos barracões do Bairro
Alto e do Beco das Comédias, vergonhosamente sumido no Pátio do Patriarca, nos
pardieiros do Salitre e da Rua dos Condes».
Os actores eram borrachos sem consciência. O público delirava com a Preta de
Talentos, a Zanguizarra, a Talafozada e com as comédias do António Xavier, de
que nos ficou a memória do famoso Manuel Mendes Enxúndia. (...)
Garrett tinha feito representar em Plymouth, pelos companheiros de emigração, a
sua tragédia da mocidade, Catão. Recebera a influência directa de Shakespeare,
de Goethe e de Schiller, da renovação romântica na Alemanha. O vendaval de
Hugo, com o Cromwell e o Ernani, começava a soprar sobre a Europa. De
Inglaterra Garrett traz o dandismo e essa espécie de liberalismo elegante e
palaciano que, politicamente, conservou até morrer. Familiarizara-se com a
eclosão do espírito europeu, na primeira metade do século 19. Mas — facto só na
aparência paradoxal — este Escritor, à medida que, pela evolução da sua
inteligência e da sua cultura, se universaliza — (como muito ‘bem notou o Sr. João
Gaspar Simões, na primeira das suas conferências no Porto, Garrett é um dos
nossos escritores do século passado de personalidade e estofo mais
decisivamente universalistas), à medida que se universaliza, o autor de Merope e
do Catão, o poeta filintista da mocidade, o neo-arcádico de antes do exílio
17
escreve, no seu regresso a Portugal, estas palavras que vão ser o programa da sua
acção política e literária, o programa do Garrettismo: «Os deuses gregos fizeram
as delícias de nossos empoados avós e espartilhadas tias. Mas para nós é a
história nacional, as tradições populares, as superstições mesmas, os costumes, as
crenças de cada povo que só podem fornecer assuntos que nos interessem e
divirtam».
Em Arte, a universalidade só se atinge através da expressão nacional. O
nacionalismo de Garrett vai dar à Literatura Portuguesa as únicas obras
verdadeiramente universais da primeira metade do século 19, em Portugal.
*
Frei Luís de Sousa, enc. Pedro Lemos, TNDM II, 4/02/1969. Na imagem: Maria Dulce, Linda Bringel e Pedro Lemos (1.º ato). Fotografia de José Marques.
(...) Garrett é nomeado para o cargo gratuito de Inspector-Geral dos Teatros, que
só exercerá durante cinco anos, até Janeiro de 1841, e o seu primeiro trabalho é
organizar uma companhia de declamação que vai funcionar no velho Teatro da
Rua dos Condes, estreando-se com o drama A Duquesa de Vaubalière. Garrett
aproveita-se para esse efeito do exemplo e da colaboração duma Companhia
francesa, que chegara a Portugal em 1835 e de que faziam parte os actores MM.
Paul, Charlet, Roland, M.me Charton.
18
O Conservatório de Arte Dramática, criado ao mesmo tempo que a Inspecção-
Geral dos Teatros, foi dividido em três escolas: declamação; música e dança;
música e ginástica especial. À frente do novo Conservatório continuava o Sr.
Bomtempo, o que era de bom agoiro. O curso de declamação era dividido em três
períodos ou termos: Recta Pronúncia e linguagem; Rudimentos literários e Aula de
dança «para desplante do corpo e desembaraço dos movimentos». Este programa
valeu durante algum tempo, a Garrett, a alcunha, lançada pelos seus inimigos, de
«Recta Pronúncia». Quanto ao desembaraço dos movimentos avançou-se alguma
coisa desde então até aos nossos dias. O «desplante do corpo» é hoje
sensivelmente o mesmo. Após longas hesitações, o Conservatório ficou instalado
no edifício dos Caetanos, então pouco menos do que em ruínas. O actor francês M.
Paul fora encarregado da direcção da Escola Dramática e para o coadjuvar, como
professor, foi nomeado um actor português de nome «Lisboa». O Conservatório
passou assim a ser não o Conservatório Real de Lisboa, mas o Conservatório do
Lisboa. Em 23 de Março de 1840, por ocasião do aniversário da Rainha D. Maria II,
realizou-se no Teatro do Salitre a primeira festa do Conservatório. O programa
tinha três partes. A primeira era constituída por uma «cantata» chamada
Apoteose, composta pelo professor Francisco Xavier Migone, com letra de César
Perini di Luca. Os alunos da Escola de Música interpretavam os papéis de Vénus,
Camões, Apolo e o Coro. A «cantata» tinha cinco cenas e todas decorriam em «um
sítio delicioso dos bosques Idálios», onde Camões aparecia «pensativo e triste
(dizia a rubrica) assentado debaixo dum loureiro».
* (...) A gloriosa tarefa de Garrett de restauração do Teatro Português, que, ele
próprio, deveria qualificar de «pasmosa pertinácia», tem o seu coroamento na
longa cruzada para a fundação e construção deste Teatro.
O decreto de 1836, promulgado sobre o Projecto de Garrett de 12 de Novembro,
estabelecia, como vimos há pouco, as bases para a constituição duma sociedade
destinada a promover os meios para a construção dum edifício «em que (eram as
expressões do Legislador) decentemente se pudessem representar os dramas
nacionais».
A primeira dificuldade a resolver era a escolha do local para o novo Teatro.
Começa aí o inevitável drama de todas as iniciativas e obras burocráticas.
Joaquim Larcher indicara em 1836 o terreno da Anunciada, perto do velho Teatro
da Rua dos Condes. Garrett, nomeado Inspector-Geral dos Teatros, renuncia a
esta ideia e propõe o Palácio da Inquisição, no Rossio. Alguns séculos antes, diante
dos seus sinistros muros, tinha sido queimado vivo um homem de teatro, António
José da Silva. Essa circunstância, entre outras, indicava, antes de mais nada, este
local para futuros suplícios dramáticos. A História também tem as suas ironias.
19
O Governo aceita a indicação de Garrett. O arquitecto Chiari é encarregado de
fazer o projecto, cujo custo é, nessa altura, computado entre sessenta e cinco mil e
setenta e cinco mil cruzados. Foi ouvido o Inspector-Geral dos Teatros; foram
mandados ouvir os Arquitectos da Academia de Belas-Artes. Em Outubro de 1838,
foi eleita uma Comissão para reunir os accionistas. Quando tudo estava pronto e
se ia obter a autorização do Governo para a formação da Sociedade, o Governo
de então já tinha dado outro destino menos dramático ao Palácio do Rossio. Tinha
amortizado com ele uma parte da dívida do Estado à Câmara Municipal de Lisboa.
O terreno agora pertencia à Câmara. E aqui acaba o primeiro acto.
Frei Luís de Sousa, enc. Pedro Lemos, TNDM II, 4/2/1969.
Na imagem: Rogério Paulo e Maria Dulce (1.º ato). Fotografia de José Marques.
O segundo acto inicia-se com as diligências de Garrett, desiludido do Palácio da
Inquisição, para obter a cerca do Convento de S. Francisco da Cidade. A proposta
é aceita, publicam-se as condições para a constituição da empresa accionista,
obtêm-se 30:700$000. O Parlamento aprova. Os trabalhos vão começar. Passou-
se isto em começos de 1839. Entra nessa altura em cena o Conde de Farrobo que
se oferece para, sendo-lhe o terreno vendido em boas condições, construir, ele, o
teatro à sua custa, ficando sua propriedade. Foi solicitada e obtida oficialmente a
autorização para a venda particular, sem arrematação em praça pública. O
Governo manda que a Inspeccão-Geral dos Teatros estipule as condições de
venda. Surgem, porém, desinteligências entre Garrett e Farrobo. Este desiste da
sua proposta e da construção.
20
A ideia da cerca do Convento de S. Francisco é inutilizada. Tem de se voltar ao
princípio. Fim do segundo acto.
A primeira cena do terceiro acto passa-se na Câmara dos Deputados, em 1840.
Garrett, que faz parte do Parlamento, consegue a aprovação duma lei autorizando
o Governo a ceder o terreno, bem como os materiais desaproveitados de outros
edifícios destruídos, para a construção do Teatro Nacional, podendo fazê-lo por
meio de compra ou «troca por outros quaisquer bens».
(...) O quarto acto tem por protagonista o antigo Governador Civil, Joaquim
Larcher, nomeado para substituir Garrett na Inspecção-Geral dos Teatros — o
homem que em 1836 realizara os primeiros esforços para a edificação do Teatro. Ê
ele quem, em 1841, sucedendo a Garrett, retoma a tarefa interrompida pela
demissão do grande Escritor. Deve-se-lhe um engenhoso plano de subscrição para
angariamento dos fundos necessários à construção. Recorrendo às Caixas do
Contrato do Tabaco, aliviadas durante seis meses, de 1843 a 1846, do encargo de
sustentar a Ópera Italiana em S. Carlos, esperando-se obter assim quarenta
contos; com o subsídio de dez contos da Rainha e cinco contos do Duque de
Palmela, uma ajuda do Estado de vinte contos e com outras verbas, Larcher obtém
noventa contos. As obras iniciam-se em Julho de 1842.
Realizava-se enfim o sonho de Garrett. O Teatro ia ser construído sobre estacas,
devido à humidade do solo. Castilho põe-lhe, por isso, o nome de «Teatro Agrião».
*
(...) O velho conceito de Beaumarchais de que o género duma peça depende muito
menos do conflito que ela cria do que dos caracteres que esse conflito põe em
jogo, tem no Frei Luís de Sousa um singular exemplo. A intensidade dramática, na
obra de Garrett, é dada, mais ainda do que pela acção, pela empolgante
sobriedade do desenho dos caracteres, como nas grandes tragédias clássicas,
pela sombra da fatalidade que, desde a primeira cena, sobre eles paira. A
imortalidade do drama provém sobretudo da empolgante humanidade das figuras
que, traduzindo sentimentos eternos e universais, como o amor, o remorso, a
fidelidade do sacrifício, o fervor religioso, ficam, sempre, fundamentalmente locais
e portugueses. Telmo e o seu sebastianismo, Manuel de Sousa Coutinho e o seu
ardente simbolismo patriótico, Madalena e o seu idealismo amoroso, são
enraizadamente nacionais. Sete anos, como o tempo que Jacob serviu a Labão,
levou esta obra máxima do Teatro Português a subir do pequeno teatro de
amadores da Quinta do Pinheiro até ao palco desta Casa que só à obstinação de
Garrett devia a sua existência. Os meandros da política nada têm de comum com
a Justiça da História."
In Discursos Almeida Garrett: 150 anos depois, Lisboa, Universidade Aberta, 2006: 179-197
21
III. FREI LUÍS DE SOUSA: ALGUMAS LEITURAS "Depois do brilhantissimo livro «Viagens na minha terra», de que os maiores
escriptores, como Rebello da Silva, Castilho, Gomes d'Amorim, Theophilo Braga,
etc., disseram ser um monumento immorredouro da litteratura portugueza, a
melhor obra de Garrett é, sem contestação, o «Frei Luiz de Sousa». Vegezzi
Ruscalla, na revista «Cornelia» de Florença, diz, a pag. 180, que Portugal tem no
auctor do «Frei Luiz de Sousa» o seu Goethe, o seu Byron, o seu Lamartine e o seu
Manzoni, ajuntando: «Questo drama é un vero capolavoro». A. P. Lopes de
Mendonça («Memorias da litteratura contemporanea», Lisboa 1855) escreveu:
«...talvez pareçam demasiadamente singelos os dados d'esta funebre tragedia, e
todavia cremos que a litteratura moderna não possue monumentos de mais
superior e acabado molde...» Th. Braga («Questões de litteratura e arte
portugueza», Lisboa 1882, pag. 384) chama-lhe tragedia unica, e sem rival nas
litteraturas modernas. Rebello da Silva acha que as scenas do terceiro acto do
«Frei Luiz de Sousa» são as mais tragicas que conhece, e o quarto acto é o maior
esforço dramatico de que tem noticia.
«Frei Luiz de Sousa» tem tres traducções francezas; está tambem vertido em
hespanhol, italiano, inglez e allemão. Foi representado em Paris. Muito se tem
escripto sobre a grandiosa tragedia, sendo a ultima producção - «Frei Luiz de
Sousa» de Garrett - Notas com um prefacio de Th. Braga, por Joaquim d'Araujo."
Capa da edição da obra Frei Luiz de Sousa,
de Almeida Garrett, fac-símile da edição da Quinta do Pinheiro.
22
GARRETT E A FIGURA ESPECTRAL
EDUARDO LOURENÇO
"Os fantasmas são os nossos fantasmas. Nossos, quer dizer, do que nós somos
como seres de paixão, sentimento e sonho, mas também como memória, tempo
perdido e conservado, onde a nossa vida real a si mesma se espectraliza, quer
dizer, em permanência se teatraliza. Da vida como teatro - cena interior e cena
exterior, história pessoal e história colectiva, se não confundidas, pelo menos
ligadas intrinsecamente uma à outra, foi Garrett o primeiro e, até hoje, o supremo
encenador. (...) No poema Camões, Garrett celebra menos os castelos e as ruínas
tenebrosos da sua querida Albion, com os seus crepúsculos nostálgicos, do que a
luminosa Sintra. Mas só em Frei Luís de Sousa o fantasma se dissolve aceitando-se
como fantasma, quer dizer como vida entre sonho e vida, sepultada em Deus para
recusar a verdadeira morte: a de um destino confinado ao seu nada. Na mais
célebre cena do teatro português - a única que adquiriu um estatuto mítico -, D.
João de Portugal não é propriamente um espectro. Pode mesmo dizer-se que é a
sua negação, pois surge a manifestar-se aos vivos para se desfazer de si mesmo
como o espectro em que, simbolicamente, os que o julgavam ou precisavam de o
saber morto, o tinham convertido. Mas quando sai de cena, depois de se ter
revelado melancólica, irónica e cruelmente, como ninguém, D. João é já um
autêntico espectro.
Naturalmente, um espectro de um género novo, como novo é o drama em que
desempenha, ao mesmo tempo, o papel de deus ex machina, do revenant e de
figura de um destino mais que anunciado. O génio de Garrett foi, entre outras
intuições, o de conciliar, não só em termos de eficácia teatral mas de coerência
psicológica, dois papéis, à primeira vista inconciliáveis, de uma mesma
personagem, de que, aliás, nada sabemos de verdadeiramente pessoal. D. João de
Portugal é imaginado pela inquietude e pressentimento alheios (Dona Madalena,
Telmo) e definido pelo gesto que o anula em figura espectral. E é aqui que Garrett,
ao mesmo tempo que situa e repercute uma figura já clássica do imaginário
europeu - em particular, do que começa com Walpole -, a transfigura e sublima,
interiorizando-a. Ao contrário dos espectros paradigmáticos de Walpole ou Ann
Radcliffe, a figura espectral de D. João não tem, senão no modo diferido e,
digamos, 'sobrenatural' do seu reaparecimento, nada de exterior, ou de
intrinsecamente inumano. Não é como o verdadeiro espectro, emanação de
qualquer potência tenebrosa ou morto-vivo sem sepultura assombrando a morada
dos vivos para reclamar deles a justiça ou restabelecer a ordem do mundo
23
abalada por um crime sem nome, como os de Clitemnestra e Egisto revistos por
Shakespeare.
O D. João de Garrett não está vivo entre mortos como um 'espectro', paradoxal
autodenegação da opacidade da Morte e da nossa total incapacidade de a
pensar, mas apenas como não-Morte. D. João está morto entre os vivos por ter
desaparecido, menos da memória inquieta de Madalena que do seu coração, onde
nunca fora verdadeiramente 'ninguém'. E a esse título, menos que um espectro,
menos que a figura espectral de que se revestirá para se aceitar (ou assumir),
mas agora por um acto de livre vontade, como definitivamente morto.
Imaginando D. João, imaginando-o como figura espectral, Garrett desembaraçou-
se de toda a panóplia de sobrenaturalismo realista própria do espectro tão caro
ao espectáculo teatral, com carta de nobreza já firmada, de Shakespeare a Tirso
de Molina e deste a Molière. Aquelas irrupções do 'outro mundo' por excelência
conservaram o seu papel e o seu incontestável fascínio até aos nossos dias. (...)
Frei Luís de Sousa, enc. Pedro Lemos, TNDM II, 4/2/1969. Na imagem: Cena final - Morte de Maria (3.º ato). Fotografia de José Marques.
24
O Frei Luís de Sousa não é ainda a simbolista-expressionista Sonata dos Espectros
de Strindberg, banquete de sombras ávidas por voltar à verdadeira vida,
confessando os seus crimes ocultos ou apenas imaginados. O Frei Luís de Sousa é
apenas um pesadelo diferido. Mas está já no caminho da metamorfose de um
teatro de conflitos exteriores, imitados dos da vida, representados num espaço e
num tempo de estrutura ainda clássica, para um teatro de interioridade, tão
intimamente instável como as vidas que procuram o seu rosto no espelho sem
fundo da subjectividade que é a quinta-essência do Romantismo. (...)
O carácter espectral que Garrett, por toques sucessivos, acaba por conferir ao
Romeiro, e este, como personagem, não só aceita como incarma, nem é o único
que remete para uma poética do espectro, já com larga tradição, nem é, passe o
pleonasmo, o mais espectral. (...)
Não é de um espaço morbidamente povoado de seres em busca de vida que
Garrett convoca as suas personagens e, através delas, se 'espectraliza'. D. João de
Portugal não regressa de nenhuma Terra Santa de fantasmas. (...) É a ausência
figurada como o Portugal de que tem nome, aquele Portugal sem existência
política onde Garrett situa a sua cena de espectros tão familiares."
In Almeida Garrett - Um Romântico, Um Moderno. Actas do Congresso Internacional
Comemorativo do Bicentenário do Nascimento do Escritor, vol. 1, Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2003: 65 - 72.
25
FREI LUÍS DE SOUSA: DRAMA OU TRAGÉDIA?
MARIA JOÃO BRILHANTE
"A primeira chamada de atenção que o texto faz ao leitor está no título. (...)
Garrett escolherá partir da História, e da história da literatura particularmente,
desde logo fazendo apelo a um conhecimento que só poderá vir da leitura. (...)
Não é por isso desprovida de sentido a introdução de citações no Frei Luís de
Sousa: processo que consiste em falar dos códigos culturais em jogo no texto
através de obras que o leitor deve conhecer bem. Os Lusíadas são citados duas
vezes e inclui-se o seu autor como personagem de 'aparição não programada',
com função sobretudo simbólica - a exaltação da pátria e do seu povo associa-se
claramente a uma condenação do estatuto social do escritor e, ao mesmo tempo,
à imagem de decadência dessa história cantada pelo poeta. A Bíblia serve de
termo de comparação com o texto anterior e está disseminada um pouco por
todas as falas do texto. Do Romanceiro ressaltam os ideais cavaleirescos, de honra
e justiça, enquanto da citação da Menina e Moça é sobretudo o destino infeliz e a
sensibilidade da heroína que lembramos estabelecendo-se o paralelo com Maria
de Noronha. (...)
Vejamos alguns dos aspectos que levaram Garrett e os seus contemporâneos a
distinguirem a qualidade deste texto e investigadores, desde então, a
classificarem-nos como tragédia. Analisando a sua construção, distinguimos, por
um lado, a articulação das cenas e actosarticulação das cenas e actosarticulação das cenas e actosarticulação das cenas e actos; por outro, a estruturaa estruturaa estruturaa estrutura. Assim, o I acto é
composto por doze cenas, das quais as duas primeiras constituem a exposiçãoexposiçãoexposiçãoexposição, ou
seja, o anúncio de informações sobre as personagens e suas acções no tempo,
fundamentais para a evolução da intriga. Estas informações normalmente
narradas por uma das personagens (secundárias ou principais) referem-se ao
passado e aos 'bastidores'.
D. Madalena e Telmo dizem:
- Relações que entre si estabelecem (idade, lugares sociais, saberes) e com as
outras personagens; introdução de Maria, D. João de Portugal, Manuel de Sousa
Coutinho.
- A existência de dois fios de intriga: a) infelicidade e terror de D. Madalena
devidos à incerteza da morte do primeiro marido; b) paralelo ao primeiro e com
ele entrando em relação, adivinha-se um conflito entre patriotismo e submissão ao
invasor. (...)
26
Se a ligação entre cenas se faz de modos vários, predominando o das entradas e
saídas das personagens 'justificadas' por ordens ou pedidos, o retomar de um
tema - leitura, casa emblemática -, as acções que se anunciam ou se questionam -
fogo, preparativos para a fuga - e mesmo a repetição de certas palavras ou
expressões - 'Valha-me Deus' / 'Ora seja Deus nesta casa' -, na passagem de um
acto a outro obedece-se também a um propósito expressivo e lógico. Do I para o
II actos retoma-se a mudança de espaço, acentua-se a anormalidade daquela
mudança através do relato dos sintomas de terror de Madalena. A importância
dessa cena fora de cena é tal que todo o reinício dela se ocupará com grande
pormenor, utilizando inclusive o recurso ao presente histórico que aproxima a
acção passada do momento da narração. (...)
O livro enquanto 'emblema' de códigos culturais e promotor de leituras /
decifrações é um tema que atravessa o texto. A própria estrutura que destacámos
tem por base a leitura de um género - tragédiatragédiatragédiatragédia - e o pedido de decifração dos
seus processos de composição. Constrói-se uma tragédia percorrendo as suas
regras e semeando de sinais o texto assim obtido. Daí que nele próprio assistamos
a actos de leitura: D. Madalena e Maria lêem obras; Maria lê nos rostos, nos
'olhares' e nas 'estrelas'; Telmo lê sempre o mesmo texto, de memória; Frei Jorge
lê(-nos) a 'história' da família de Manuel de Sousa Coutinho; e só este, que se diz
poeta, parece não o fazer. Afinal todos (três) lêem os discursos dos outros e daí
vem o desencontro na unidade aparente (...).
Frei Luís de Sousa parece essencialmente apontar em duas direcções, ou, se
quiser, propor duas linhas de leitura. A primeira, temática, mostra-nos o confronto
entre um passado delirante e decadente e um presente fascinado por esse
passado, a ele submetido: enfim, a inevitável oposição entre a Vida e a Morte. A
segunda, estrutural, revela os próprios processos de construção de um texto
dramático e do género trágico. Projecta uma outra economia, a 'ressurreição' da
tragédia como modo de expressão teatral de situações nacionais.(...)"
Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett, apresentação crítica, fixação do texto e sugestões para análise literária de Maria João Brilhante. Lisboa, Editorial Comunicação, 1982: 13 - 45.
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FIGURAÇÕES DO FEMININO EM FREI LUÍS DE SOUSA DE ALMEIDA GARRETT
MARIA JOÃO BRILHANTE "Têm sido mais frequentes as leituras críticas de Frei Luís de Sousa orientadas
para questões literárias, dramatúrgicas ou histórico-culturais. Eu própria fui
procurando destacar na obra aspectos que me pareciam constituir a
singularidade estética subjacente à vulgata poética em que assenta e se exibe a
canonização do texto como obra prima da literatura dramática do romantismo
português.
Um projecto experimental da performer Luz da Câmara, levou-me a descobrir ou,
melhor dizendo, a tentar formular uma intuição que, partindo da figura de Telmo
(a personagem que Almeida Garrett desempenhou na representação da Quinta do
Pinheiro), procurava entender a figuração ou as figurações do feminino em Frei
Luís de Sousa. Foi, por conseguinte, pressionada pelas preocupações feministas de
uma artista contemporânea que me confrontei com uma dimensão textual e
cultural apenas latente na minha relação com o texto de Garrett.
Procurarei mostrar nestas páginas o resultado (provisório) da análise dos modos
de figurar o feminino, no cruzamento entre questões de representação e de
ideologia que inevitavelmente se colocam. Para tal, revisitarei abreviadamente
alguns outros lugares na escrita oitocentista onde surgem a figura da mulher e
uma ideia de feminino, para em seguida procurar reconhecer no texto em questão
a sua inscrição como diferença e risco. (...)
Lugares do feminino em Lugares do feminino em Lugares do feminino em Lugares do feminino em Frei Luís de SousaFrei Luís de SousaFrei Luís de SousaFrei Luís de Sousa
Posto isto, creio que dois aspectos relativos à representação do género feminino e
da mulher no texto em análise merecem alguma atenção. Por um lado, a projecção
do paradigma romântico sobre o tempo histórico da ficção, na caracterização das
figuras femininas e das relações que estabelecem com as figuras masculinas (D.
Sebastião, D. João de Portugal, Telmo Pais, Manuel de Sousa Coutinho, Frei Jorge),
dominantes, note-se, na acção dramática. Por outro, a existência de duas figuras –
Maria e Telmo - nas quais pode ser lida a possibilidade de uma dissociação entre
sexo e género.
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São quatro as representantes do sexo feminino no texto de Garrett: D. Madalena,
Maria de Vilhena, Doroteia e Joana de Castro, condessa de Vimioso. Em cada uma
delas, se bem que diversamente, irá Garrett inscrever a diferença feminina face a
um universo masculino onde o papel da mulher surge circunscrito pela família e
pela religião e confinado ao espaço da casa. (...)
D. Madalena de Vilhena, esposa, viúva e mãeD. Madalena de Vilhena, esposa, viúva e mãeD. Madalena de Vilhena, esposa, viúva e mãeD. Madalena de Vilhena, esposa, viúva e mãe
Quando a acção começa, D. Madalena está no “quarto de lavor”, uma sala que
comunica com o interior e o exterior da casa. Lugar teatral, por excelência, onde
as figuras da casa e as de fora verosimilmente se encontram: não demasiado
público, não completamente privado. Está entregue à leitura de um livro que, no
dizer de Telmo Pais, o seu escudeiro velho, é “para damas - e para cavaleiros...e
para todos".
Os Lusíadas surge como leitura adequada, e a par dos trabalhos de tapeçaria, nas
actividades desta senhora nobre. Mais tarde, na acção, o facto de ter de sair deste
espaço, que domina, para um outro marcado pela memória do seu primeiro
marido, será habilmente explorado por Garrett para amplificar a crise de
identidade da personagem. Pela primeira vez, diz D. Madalena (“eu nunca me opus
ao teu querer, nunca soube que coisa era ter outra vontade diferente da tua”, I
acto, cena VIII ), o elemento feminino do casal se autonomiza. Através da recusa
em regressar à antiga casa, a “natural” passividade da mulher perante as decisões
unilaterais tomadas pelo chefe de família (“estou pronta a obedecer-te sempre,
cegamente em tudo.” I acto, cena VIII), é questionada de forma eloquente,
sobretudo se tivermos em conta que o novo espaço constitui, como é referido, um
bem patrimonial de D. Madalena, herdado por morte do seu primeiro marido.
Contudo, essa recusa não será atendida pelo marido e sairá confirmada a
completa ausência de poder do elemento feminino do casal.
Da infância de D. Madalena nada sabemos. O seu passado começa com o
casamento que a fará ingressar numa família da antiga aristocracia portuguesa,
sujeita a regras que mantinham as mulheres isoladas do mundo, vivendo em casa
como num convento. “Era uma criança” quando se casou e foi então que conheceu
Telmo, “aio fiel de meu meu meu meu senhor D. João de Portugal”. O respeito com que para ele
olhava constituía uma extensão de igual atitude dispensada ao marido e ao
patriarca da família que “de tamanhinha” se habituara a “reverenciar como pai”. A
submissão ao poder masculino subsiste, aliás, na ligação que permanece após a
morte de D. João, inscrita no pronome possessivo e na forma de tratamento, mas
também na reafirmada obediência filial (“chegastes a alcançar um poder no meu
espírito, quase maior...- decerto maior – que nenhum deles.”, “ ficastes-me em
lugar de pai”) e quase total (“salvo numa coisa”) à do desejo), e ainda na
autorização para o segundo casamento que lhe será concedida pela família de D.
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João, confirmação inequívoca do cumprimento irrepreensível do seu papel de
esposa e viúva.
Ao transitar para uma nova situação matrimonial nada parece mudar. Os cuidados
com o marido, a permanência da figura mais que tutelar de Telmo na
administração da casa (“entregar-vos eu mesma tal autoridade nesta casa e sobre
minha pessoa...que outros poderão estranhar...”), o nascimento de uma filha,
parecem confirmar o papel de esposa e mãe virtuosas. São suas as palavras mais
reveladoras de como deve comportar-se uma menina de condição nobre, ao
repreender Maria pelo seu gosto por superstições e vidências. O temor a Deus,
logo, a inculcação de uma educação religiosa que decreta o papel da mulher e
contrói o sexo feminino como originariamente pecador e submetido ao masculino,
pouca margem deixa à diferença.
Mas, de facto, não é este o retrato acabado de D. Madalena, visto que Garrett lhe
irá acrescentar pelo menos um traço da visão ficcional oitocentista, a que
chamamos romântica, do feminino. Perante Telmo - e Deus – D. Madalena
apresenta-se como uma mulher adúltera, em cujo discurso se contrapõe o
irresistível apelo da paixão e do desejo físico (“poder maior que as minhas forças”)
à racional abdicação ou ao sacrifício desse desejo em nome da fidelidade
conjugal. A confissão do pecado, porque surge a par da confirmação das virtudes
de “mulher bem-nascida” no discurso de Telmo sobre D. Madalena, configura a
impotência e a vulnerabilidade da mulher perante um amor fulminante, ou seja,
constrói eficazmente mais um sinal da “natural” fraqueza feminina. A ideologia
dominante masculina que determina a relação entre amor e casamento,
submetendo o desejo ao dever conjugal, tem como porta-voz Telmo, mas está
igualmente presente no discurso da própria D. Madalena, construindo-se desse
modo a crise identitária da personagem.
“(...) Este amor – que hoje está santificado e bendito do Céu, porque Manuel de
Sousa Coutinho é meu marido – começou com um crime, porque eu amei-o assim
que o vi...e quando o vi – hoje, hoje...foi em tal dia como hoje! – D. João de Portugal
ainda era vivo. O pecado estava-me no coração; a boca não o disse... os olhos não
sei o que fizeram: mas dentro da alma eu já não tinha outra imagem senão a do
amante...já não guardava a meu marido, a meu bom...a meu generoso marido...
senão a grosseira fidelidade que uma mulher bem- nascida quase que mais deve a
si do que a seu esposo.” (II acto, cena X).
Uma paixão que vinte e um anos volvidos ainda assim se exprime (através do que
sentiu e moveu o corpo jovem) é deveras inconveniente, ultrapassa os limites da
decência feminina, como provam o violentamente repressor discurso de Telmo, no
I acto, (“Não sois feliz na companhia do homem que amais, nos braços do homem
a quem quisestes mais sobre todos?”, “ Mas os ciúmes que meu amo não teve
30
nunca (...) tenho-os eu...aqui está a verdade nua e crua...tenho-os eu por ele: não
posso, não posso ver...” I acto, cena II), e também as marcas discursivas da culpa
que acompanha a citada recordação do momento da “infracção”. Essa paixão
voltará a ser expressa no momento em que a separação do casal está consumada,
antecedendo o desaparecimento de ambos para o mundo. Garrett cria uma
situação particularmente significante para voltar a expor a paixão de D. Madalena.
Fechados na cela encontram-se Telmo e o Romeiro e é esse marido que nunca
terá escutado tão fogosas palavras de amor quem irá ouvir Madalena declará-las a
um Manuel de Sousa Coutinho ausente. (...)
Frei Luís de Sousa, enc. Carlos Avilez, TNDM II, 4/02/1999. Na imagem:, Fernando Luís, Carla Chambel, Maria Amélia Matta, Manuel Coelho e António Rama. Fotografia de Ricardo Santos.
31
Nenhuma acção, nenhuma linha do texto resgatará D. Madalena do destino
traçado, destino que existe, desde a primeira fala, latente na comparação com
Inês de Castro (apesar de D. Madalena não viver em idêntico “engano d’alma ledo
e cego” o que torna menos trágico, mas talvez mais dramático dramático dramático dramático o seu destino).
Creio, todavia, que a sua morte simbólica manifesta uma estratégia textual cara
aos românticos no sentido de confirmar a perda de identidade da mulher que
ousou ousou ousou ousou seguir o impulso da paixão, cujo corpo (e criá-lo em cena constitui desafio
de monta para qualquer actriz...) talvez tenha denunciado essa paixão fora do seu
“estado” e da sua “condição”. Manuel de Sousa Coutinho deixa de poder chamar-
lhe “minha mulher”, já que, desfeito o casal, D. Madalena perdeu o vínculo ao
matrimónio. É como se o “meumeumeumeu senhor D. João de Portugal”, dito a Telmo, nunca
tivesse deixado de vigorar. Ficamos então a saber que a mulher perde a sua
identidade fora da relação com o homem, seja este o pai ou o marido. (...)
Donzela honesta ou um anjo do Céu?Donzela honesta ou um anjo do Céu?Donzela honesta ou um anjo do Céu?Donzela honesta ou um anjo do Céu?
Maria de Noronha constitui, em Frei Luís de Sousa, a mais estimulante figuração
do feminino. Motivo de frequente ligação entre o drama e a biografia de Garrett,
por permitir ler na ficção o caso verídico do nascimento ilegítimo da filha que teve
com Adelaide Pastor, é, contudo, na ambiguidade da sua caracterização genérica
que me parece poder residir a atracção que exerce sobre o leitor, o espectador e
jovens actrizes talentosas. (...)
Com excepção de D. Madalena (apenas nessa cena inicial falando de Maria como
um anjo com o qual Deus abençoara o casal), que usa expressões como “filha”,
“criança”, “aquela inocente”, “donzela”, descreve Maria como uma menina de juízo
e temente a Deus que deveria distraír-se “como as outras donzelas da [sua]
idade” e a quem recomenda que aceite o “estado” e a “condição” em que nasceu,
as restantes personagens identificam Maria como sendo um anjo ou mesmo um
“anjo do Céu”.
Esta nomeação, que começa por surgir no discurso de Telmo Pais, vai alastrar,
invadindo as falas de Frei Jorge e de Manuel de Sousa Coutinho no III acto.
Garrett contrapõe, sobretudo durante os dois primeiros actos, duas dimensões do
retrato de Maria: a que lhe atribui um corpo, frágil e febril, mas habitado por
desejo de acção (ver a tia Joana, combater, ter um irmão), que pula, abraça e
beija; e a que lhe atribui uma espectralidade, correspondente à de D. João de
Portugal, o anjo branco contra o anjo negro, a presciente ou visionária (“sabia de
um saber cá de dentro”), estranha às coisas materiais do mundo real, aquelas que
seu pai lhe apresenta como próprias de uma donzela, às quais prefere os sonhos,
as contemplações e as fantasias que povoam os romances tradicionais com os
quais Telmo a criou.
32
De facto, é através do discurso de Telmo que se opera de forma sistemática a
angelização e a des-sexualização de Maria. “E daí começou-me a crescer, a olhar
para mim com aqueles olhos...a fazer-me tais meiguices, e a fazer-se-me um anjo
tal de formosura e de bondade, que – vedes-me aqui que lhe quero mais do que
seu pai.” (I acto, cena I) (...)
Ao longo destas páginas procurei apontar alguns dos modos de construção de
lugares do feminino em Frei Luís de Sousa, sabendo à partida que eles
inevitavelmente conjugariam várias modalidades da visão masculina e romântica
do sexo e do género. Estou igualmente consciente do risco que corre uma análise
situada no interior do discurso dominante e que valoriza o momento presente da
leitura face ao momento histórico em que o texto foi produzido, muito embora
incorpore os valores e os mitos que desse momento persistem na nossa vivência
social e cultural dos géneros.
Apesar disso, e como revisitar Frei Luís de Sousa é sempre desafiar as leituras
estabelecidas e a nossa própria capacidade de mudança, aqui fica esta viagem
pelos lugares femininos e pela inscrição romântica dos riscos de (um) ser
diferente."
In Discursos Almeida Garrett: 150 anos depois, Lisboa, Universidade Aberta, 2006: 31 - 51.
Fotografia do espetáculo © Alípio Padilha
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NATUREZA E RAÍZES HISTÓRICAS DO SEBASTIANISMO
JOSÉ VAN DEN BESSELAAR
"O sebastianismo é uma espécie de messianismo. Na acepção secularizada de
hoje, a palavra «messianismo» designa geralmente a cega fé das massas
populares num líder político, julgado capaz de acabar com os abusos existentes e
de inaugurar uma nova era de bem-estar geral. Seria um anacronismo se
interpretássemos o sebastianismo dos séculos passados neste sentido. Sem
dúvida, aos sebastianistas não faltavam nem a fé obstinada na vinda de um
imperador carismático, nem a esperança inabalável no estabelecimento de uma
nova ordem política e social. Mas essa fé e essa esperança estavam, para eles,
integradas numa visão nitidamente religiosa da história. O tipo de messianismo a
que pertence o sebastianismo português é próprio de uma sociedade ainda não
secularizada, digamos (embora o termo se preste a malentendidos) uma
sociedade «sacral». Nela, todas as áreas da vida individual e colectiva parecem
directa e constantemente permeáveis à actuação do mundo sobrenatural. Tal
messianismo é inconcebível sem uma fé religiosa, professada pela grande maioria
da sociedade. Não é estritamente necessário que a religião seja judaica ou cristã.
A etnologia moderna mostrou que existem também movimentos messiânicos fora
do âmbito da Bíblia. (...)
As profecias e os cartapácios dos sebastianistasAs profecias e os cartapácios dos sebastianistasAs profecias e os cartapácios dos sebastianistasAs profecias e os cartapácios dos sebastianistas
Antes de entrar na relação dos factos principais da história do sebastianismo, julgo
valer a pena deter-me por algum tempo nas profecias, que constituíam o baluarte
da seita. O que nos interessa sobretudo é saber como elas se originaram numa
sociedade «sacral», qual foi a sua função e sob que forma entraram nas colecções
sebásticas, a que António Vieira, com certo desdém, chama «cartapácios».
1. A profecia e a sua exegese
Assim como os nossos conhecimentos do passado se baseiam em documentos
históricos, assim as esperanças messiânicas se fundam em profecias. Mas existe
uma diferença fundamental: ao passo que o documento histórico é apenas a base
dos nossos conhecimentos do passado, a profecia é a base e, ao mesmo tempo, o
produto das esperanças messiânicas. Estas, na fase inicial da sua existência, são
vagas e subjectivas, necessitando de uma autoridade reconhecida que lhes possa
dar o devido crédito. A profecia torna concreto o que nelas era vago e indefinido,
abonando o que nelas poderia parecer ilusório com o prestígio de um santo ou
qualquer outro varão ilustre.
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Ao homem moderno, embora cada vez mais inclinado a acreditar em horóscopos,
dias aziagos e outros agouros, custa acreditar em profecias. É que ele vive num
«mundo fechado», em que ainda há lugar para a actuação misteriosa de um
Destino imanente, mas cada vez menos para o governo de um Deus pessoal, o
Senhor transcendente da História, o qual nela se revelou e não deixa de revelar-se.
Ora, a profecia é uma tentativa para penetrar nos mistérios da Divina Providência.
Ela dá um sentido ― divinamente garantido ― ao processo histórico e, por
conseguinte, à actividade colectiva de uma dada sociedade. A profecia é filha de
sociedades que vivem da fé num Deus que remunera as virtudes e castiga os
pecados já neste mundo; nasce e cresce em épocas ainda não reguladas por
pesquisas metódicas da Natureza, nem pelas suas aplicações técnicas. Em tais
períodos a contemplação da causa final prevalece sobre a investigação das
causas eficientes. Mas cumpre repararmos que a crença num Poder superior a
todas as forças da Natureza não chega a eliminar a Razão. Deus revelou os seus
desígnios históricos pela boca de profetas, e o intelecto humano pode perscrutá-
los e, até certo ponto, compreendê-los. Fides quaerens intellectum.
A profecia tem, por definição, um núcleo irredutível à pura racionalidade. Digamos
― embora o termo seja dos mais ambíguos ― que tem um núcleo mítico. Mas o
mito é um motor poderoso de processo histórico. Leva uma grande vantagem
sobre as construções puramente se dirigindo apenas ao seu intelecto, mas
tocando-lhe o coração, incentivando-lhe a imaginação e motivando-lhe a vontade.
A quem acredita nela, a profecia dá uma visão do futuro, convidando o homem a
colaborar com os desígnios divinos.
Na sociedade moderna ― científica e tecnológica ― a profecia já não funciona,
faltando-lhe para tal as condições indispensáveis. Vem a ser substituída por
análises científicas e processos técnicos, que invadem quase todos os terrenos da
cultura hodierna e, dentro dos seus limites, funcionam com grande perfeição. Mas
a ciência e a técnica têm os seus limites fatais: ambas são incapazes de dar
sentido à vida dos indivíduos e das colectividades. Examinando de perto as
ideologias modernas, que a muitos parecem objectivas e definitivas, descobrimos
nelas também elementos míticos. Estes mostram muitas vezes ter mais força
existencial e maior poder conquistador do que os componentes meramente
racionais. Intellectus supponens fidem. (...)
D. Sebastião e os inícios do SebastianismoD. Sebastião e os inícios do SebastianismoD. Sebastião e os inícios do SebastianismoD. Sebastião e os inícios do Sebastianismo
Bandarra dedicou as trovas em 1556, ou pouco tempo depois, ao bispo da Guarda,
quando D. João III, que era presumivelmente o herói da grande empresa
profetizada, já contava 55 anos. No seu longo reinado, este não realizara nenhuma
das façanhas prometidas. Em vez de conquistar a África, abandonara algumas
praças africanas. Não era de esperar que este rei, na sua idade avançada e com
35
tais precedentes, chegasse a fundar o Império Mundial. Contudo, o sapateiro não
modificou os versos em que se lia o nome do monarca. Contava com um milagre
do Céu? Ou dava pouca importância à identidade do Encoberto, desde que ele
fosse Rei de Portugal e «semente de D. Fernando»? Ou transferia o Império de D.
João III para o seu neto, o recém-nascido D. Sebastião, sem se incomodar com as
incoerências que podiam resultar desta nova opção? Ignoramos quais fossem as
suas esperanças concretas na hora em que enviou uma cópia das suas trovas ao
novo bispo. Mas não se exclui a hipótese de que Bandarra, compartilhando com os
seus compatriotas o entusiasmo pelo nascimento do «Desejado», acrescentasse às
suas trovas uma quadra «sebastianista», que, naturalmente, falta na edição
«joanista» de 1644, mas ocorre em diversos manuscritos 35:
Um rei novo nascerá,
que novo nome há-de ter;
de terra em terra andará.
Muita gente lhe há-de morrer.
Com efeito, havia de lhe morrer muita gente, não dos infiéis, mas dos seus
próprios vassalos. Assim como o seu nascimento (1554) parecia garantir a
sobrevivência de Portugal como país independente, assim a sua aventura
marroquina havia de arruiná-lo, abrindo a porta ao domínio castelhano.
1. D. Sebastião e os Pseudo-Sebastiães
Uma figura estranha e trágica, esse D. Sebastião! Atrofiado na sua vida afectiva (o
que talvez se explique pela falta de ternura maternal na sua meninice), treinavase,
desde cedo, em exercícios físicos (era óptimo cavaleiro e bom caçador) e
ascéticos (era piedoso e casto). Destituído de qualquer realismo, andava alheio às
grandes necessidades da nação, como também ao espírito da época em que a
Europa acabava de entrar. Extraviado, vivia na Idade Média, e sonhava com actos
de bravura cavaleiresca e com louros militares, sobrestimando as suas forças. Não
se lhe pode negar certa grandeza e certo idealismo, mas essas boas qualidades
eram comprometidas por grande dose de teimosia, fanatismo e egocentrismo.
São conhecidas as consequências da ambição desproporcionada do jovem
monarca. A 4 de Agosto de 1578, o seu exército foi destruído nos campos de
Alcácer-Quibir. D. Sebastião deixou aí a vida, com 8000 dos seus homens, e uns 15
000 caíram nas mãos dos Mouros. Foi provavelmente a maior catástrofe da
história de Portugal. Milhares de mortos, outros milhares de cativos cujo resgate
impôs sacrifícios pesados à nação; e ― o pior de tudo ― a coroa sem herdeiro.
Depois de um breve interregno de D. Henrique, o país, oscilando entre a revolta e
a submissão, cedeu finalmente, tanto ao suborno como às ameaças militares de
36
Castela, prometendo obediência a Filipe II (1581). Seria uma união pessoal, e
Portugal ficaria no gozo dos seus privilégios. Durante algum tempo, o país parecia
conformado com o inevitável. Mas, salvo alguns aristocratas, prelados e altos
funcionários, poucos estavam contentes com a situação. O povo, apoiado por uma
grande parte dos frades e do baixo clero, tinha saudades da independência
nacional. Mas era verdade que D. Sebastião morrera? Ninguém o vira morrer. É
verdade que os Mouros entregaram o corpo do rei defunto a Filipe II e que este o
faz sepultar no Mosteiro dos Jerónimos (1582). Mas muitos tinham as suas dúvidas
acerca da identidade do corpo, e viam-nas confirmadas pelas palavras do epitáfio:
si vera est fama…
Surgiram quatro aventureiros, que se diziam ser D. Sebastião: dois em Portugal e
dois fora do país. O primeiro foi «o rei de Penamacor», que foi preso, exposto no
pelourinho e condenado às galés (1584). O segundo foi «o ermitão da Ericeira»,
que apareceu no ano seguinte e foi executado em Lisboa. O terceiro foi um antigo
soldado castelhano, Gabriel de Espinosa, que se estabelecera em Madrigal
(Castela) onde, num convento, vivia D. Ana, filha ilegítima de D. Juan de Áustria.
Ela tinha um confessor português, o agostinho Frei Miguel dos Santos, que a
convenceu de que o antigo soldado, agora pasteleiro, era D. Sebastião. A intriga
foi descoberta: Gabriel de Espinosa e o monge foram executados (1595) e a
princesa foi transferida para um mosteiro em Ávila, onde a esperava uma rigorosa
vida claustral. O quarto e o mais célebre foi o calabrês Marco Túlio Catizzone, que
apareceu em Veneza (1598), onde foi visitado por diversos Portugueses, entre
outros por D. João de Castro, que o homenageou como seu soberano. Depois de
muitas aventuras, o impostor foi executado em San Lúcar (1603). Dos quatro
Pseudo-Sebastiães, cuja história aqui só tocámos de leve 36, apenas o Calabrês se
integra na história do sebastianismo, porque, devido sobretudo à imaginação
exaltada de D. João de Castro, foi identificado com o Encoberto das profecias
nacionais, o que não consta dos três outros. O pasteleiro de Madrigal não passou
de marioneta nas mãos de Frei Miguel dos Santos, que, muito provavelmente, se
queria servir dele para suscitar uma revolta em Portugal a favor de D. António, o
Prior do Crato. Os dois outros agiram por conta própria, mas a boa acolhida que
esses aventureiros receberam de muitos populares prova que o povo tinha
saudades de um rei nacional."
O Sebastianismo - História Sumária, Lisboa, Livraria Bertrand, 1987: 10 - 62.
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IV. SUGESTÃO DE ATIVIDADES
TAREFAS A DESENVOLVER COM OS ALUNOS
ANALISAR
Procurar na Cena I do Segundo Ato aspetos caraterísticos da narrativa romântica,
na descrição da paisagem, na composição da personagem feminina, ou ainda nos
temas da morte, do terror e do sonho.
PESQUISAR
Sugerir aos alunos a pesquisa de alguns dos fatos históricos referidos na peça
(Alcácer Quibir, personagem Frei Luís de Sousa, a peste vinda da Flandres).
DEBATER
Após a leitura do texto de Almeida Garrett e a assistência ao espetáculo Frei Luís
de Sousa de Almeida Garrett, debater o conceito de 'amor' e as diferenças
encontradas entre o texto original e esta criação contemporânea.
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Fotografia do espetáculo © Alípio Padilha
ESCREVER
1. Promover a reescrita da cena XI do Terceiro Ato num texto narrativo, isto é,
imaginando que o texto é dito por um ator desempenhando a personagem Maria.
2. Depois do debate feito na aula, pedir aos alunos um ensaio de uma página
sobre 'amor' na peça Frei Luís de Sousa, mas apelando sempre à experiência e à
capacidade de especulação dos alunos.
VISIONAR
Dar a ver o filme português Frei Luís de Sousa (1950), realizado por António Lopes
Ribeiro, adaptado da obra homónima de Garrett, e pedir aos alunos para fazerem
uma comparação com a peça de teatro.
OUVIR
Ouvir a Sonata dos Espectros de Strindberg, a propósito da reflexão sobre a
figura espectral de D. João de Portugal em Frei Luís de Sousa.
DRAMATIZAR
Escolher uma cena da peça para a sua dramatização.
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EQUIPA TEATRO NACIONAL D. MARIA II, E.P.E. direção artística JOÃO MOTA conselho de administração CARLOS VARGAS, ANTÓNIO PIGNATELLI, SANDRA SIMÕES secretariado CONCEIÇÃO LUCAS motorista RICARDO COSTA atores JOÃO GROSSO, JOSÉ NEVES, LÚCIA MARIA, MANUEL COELHO, MARIA AMÉLIA MATTA, PAULA MORA direção de produção CARLA RUIZ, MANUELA SÁ PEREIRA, RITA FORJAZ direção de cena ANDRÉ PATO, CARLOS FREITAS, ISABEL INÁCIO, MANUEL GUICHO, PAULA MARTINS, PEDRO LEITE, SARA VILLAS (ESTAGIÁRIA) auxiliar de camarim PAULA MIRANDA, PATRÍCIA ANDRÉ pontos CRISTINA VIDAL, JOÃO COELHO guarda-roupa GRAÇA CUNHA direção técnica JOSÉ CARLOS NASCIMENTO, ERIC DA COSTA, VERA AZEVEDO maquinaria e mecânica de cena VÍTOR GAMEIRO, JORGE AGUIAR, MARCO RIBEIRO, PAULO BRITO, NUNO COSTA, RUI CARVALHEIRA iluminação JOÃO DE ALMEIDA, DANIEL VARELA, FELICIANO BRANCO, LUÍS LOPES, PEDRO ALVES som / audiovisual RUI DÂMASO, PEDRO COSTA, SÉRGIO HENRIQUES manutenção técnica MANUEL BEITO, MIGUEL CARRETO adereços VIRGÍNIA RICO motorista CARLOS LUÍS direção de comunicação e imagem RAQUEL GUIMARÃES, TIAGO MANSILHA assessoria de imprensa JOÃO PEDRO AMARAL produção de conteúdos MARGARIDA GIL DOS REIS* design gráfico JOÃO NUNO REPRESAS*, MARGARIDA KOL* direção administrativa e financeira JOÃO VALADAS, EULÁLIA RIBEIRO, ISABEL ESTEVENS controlo de gestão MARGARIDA GUERREIRO tesouraria IVONE PAIVA E PONA recursos humanos ANTÓNIO MONTEIRO, MADALENA DOMINGUES direção de manutenção SUSANA COSTA, ALBERTINA PATRÍCIO manutenção geral CARLOS HENRIQUES, LUÍS SOUTA, RAUL REBELO, VÍTOR SILVA informática NUNO VIANA técnicas de limpeza ANA PAULA COSTA, CARLA TORRES, LUZIA MESQUITA, SOCORRO SILVA vigilância GRUPO 8* direção de relações externas e frente de casa ANA ASCENSÃO, CARLOS MARTINS, DEOLINDA MENDES, FERNANDA LIMA bilheteira RUI JORGE, CARLA CEREJO, NUNO FERREIRA receção DELFINA PINTO, ISABEL CAMPOS, LURDES FONSECA, PAULA LEAL assistência de sala COMPLET’ARTE* direção de documentação e património CRISTINA FARIA, RITA CARPINHA* livraria MARIA SOUSA biblioteca | arquivo ANA CATARINA PEREIRA, RICARDO CABAÇA * prestações de serviços
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*Encerra à 2.ª
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