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ISSN 1677-0668 ARTIGOS ENTREVISTA ANO VIII 33 janeiro/março de 2008 Revista de Conjuntura Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal Vito Tanzi, doutor em Economia pela Universidade de Harvard, em entrevista, aborda a necessidade de uma reforma tributária que, segundo ele, se faz necessária há duas décadas Os cortes no orçamento de 2008 Max Leno Reduzir gastos públicos. É possível? Quais? Como? James Giacomoni A Legislação ambiental e o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil Nivalde J. de Castro Victor José Ferreira Gomes O Brasil e a crise financeira internacional Carlos Eduardo de Freitas A reforma tributária de 2008 José Fernando Cosentino Tavares O IPTU no Distrito Federal: um tributo que precisa ser melhor administrado Paulo Luiz Figueirêdo de Oliveira A alta carga tributária, o excesso de burocracia e os juros elevados levam muitos especialistas a crer na urgência de uma reforma no sistema tributário do País Reforma tributária: urgente e necessária

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O Brasil e a crise financeira internacional O IPTU no Distrito Federal: um tributo que precisa ser melhor administrado A Legislação ambiental e o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil Reduzir gastos públicos. É possível? Quais? Como? A reforma tributária de 2008 Vito Tanzi, doutor em Economia pela Universidade de Harvard, em entrevista, aborda a necessidade de uma reforma tributária que, segundo ele, se faz necessária há duas décadas Max Leno ISSN 1677-0668 James Giacomoni (61) 3964.8364

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ISSN

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ArtigoS

ENTREVISTA

ANO

VIII

• Nº

33 •

jane

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008

Revista deConjunturaPublicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

Vito Tanzi, doutor em Economia pela Universidade de Harvard, em entrevista,

aborda a necessidade de uma reforma tributária que, segundo ele, se faz

necessária há duas décadas

Os cortes no orçamento de 2008

Max Leno

Reduzir gastos públicos.É possível? Quais? Como?

James Giacomoni

A Legislação ambiental e o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil

Nivalde J. de CastroVictor José Ferreira Gomes

O Brasil e a crise financeira internacional

Carlos Eduardo de Freitas

A reforma tributária de 2008 José Fernando Cosentino Tavares

O IPTU no Distrito Federal: um tributo que precisa

ser melhor administradoPaulo Luiz Figueirêdo de Oliveira

A alta carga tributária, o excesso de burocracia e os juros elevados levam muitos especialistas a crer na

urgência de uma reforma no sistema tributário do País

Reforma tributária: urgente e necessária

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(61) 3964.8364

Projetos

Avaliações

Análises de risco

Oportunidades de negócio

Assessoria e consultoria econômica

Entidades associadas: Corecon/DF – Conselho Regional de Economia do Distrito Federal • Sindecon/DF –Sindicato dos Economistas

do Distrito Federal • ACDF – Associação Comercial do Distrito Federal • Dieese/DF – Departamento Intersindical de Estatísticas e

Estudos Sócio-Econômicos • Fecomércio – Federação das Indústrias do Distrito Federal • CUT/DF – Cental Única dos Trabalhadores

do DF • Sebrae/DF – Serviço de Apoio às Pequenas e Médias Empresas do Distrito Federal • IEL/DF – Instituto Euvaldo Lodi •

Fibra – Federação das Indústrias de Brasília • UnB – Universidade de Brasília • UCB – Universidade Católica de Brasília • UniDF

– Centro Universitário do Distrito Federal • Cesubra – Centro de Ensino Superior de Brasília • Faculdade Euro-Americana

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A assinatura da Revista de Conjuntura pode ser efetuada contactando o Corecon/DF. O valor da assinatura é de

R$ 70,00 anuais, o que equivale a quatro edições da revista.

6 Os cortes no orçamento de 2008

Max Leno

12 Reduzir gastos públicos.

É possível? Quais? Como?

James Giacomoni

16 A Legislação ambiental e

o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil

Nivalde J. de CastroVictor José Ferreira Gomes

19 O Brasil e a crise

financeira internacional

Carlos Eduardo de Freitas

29 A reforma tributária de 2008

José Fernando Cosentino Tavares

40O IPTU no Distrito Federal:

um tributo que precisa ser melhor administrado

Paulo Luiz Figueirêdo de Oliveira

ArtigoS

2 editorial3 entrevista

Vito Tanzi

26 capaReforma tributária a

necessidade de mudanças

ÍndicePublicação do Conselho Regional de

Economia do Distrito Federal

ANO VIII • Nº 33 • janeiro/março de 2008

ConjunturaRevista de

Nesta edição

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Editor ResponsávelMário Sérgio Fernandez Sallorenzo

Conselho EditorialAndré NunesHumberto Vendelino RichterJosé Fernando Cosentino TavaresJosé Luiz PagnussatJúlio Flávio Gameiro MiragayaMaurício Barata de Paula PintoMônica Beraldo Fabrício da Silva

Jornalista ResponsávelDaniela Lima (Reg. DRT/DF: 4926)

RedaçãoDaniela Lima

RevisãoMarluce Moreira

Editoração Eletrônicawww.arsventura.com.br

Tiragem: 4.000Periodicidade: trimestral

As matérias assinadas por colaboradores não refletem, necessariamente, a posição da entidade. É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta edição, desde que citada a fonte

CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 11ª REGIÃO - DF

PresidenteMário Sérgio Fernandez Sallorenzo

Vice-PresidenteJosé Luiz Pagnussat

Conselheiros EfetivosEvilásio da Silva Salvador Homero Gustavo Regionaldo LimaJosé Luiz Pagnussat Júlio Flávio Gameiro Miragaya Mário Sérgio Fernandez Sallorenzo Maurício Barata de Paula Pinto Max Leno de Almeida Mônica Beraldo Fabrício da Silva Roberto Bocaccio Piscitelli

Conselheiros SuplentesAndré Nunes Érton Birk Teixeira Guilherme Costa Delgado Junia Rodrigues de Alencar Newton Ferreira da Silva Marques Paulo Luiz Figueiredo de Oliveira Ronalde Silva Lins Victor José Hohl

Equipe do CoreconAngeilton Francisco Lima Faleiro Iraci da Costa Lopes Ismar Marques Teixeira Jamildo Cezário Gomes Maria Aparecida Carneiro Michele Cantuária Soares

EstagiáriosMayara Bruno Ferreira (ensino médio)Rodrigo Nascente de Oliveira (Economia)

End.: SCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202CEP 70300-907 – Brasília/DF Tel: (61) 3225-9242 / 3223-14293964-8366 / 3964-8368Fax: (61) 3964-8364E-mail: [email protected]: www.corecondf.org.brHorário de funcionamento:das 8h às 18h (sem intervalo)

Esta edição da Revista de Conjuntura traz como destaque dois temas

importantes da agenda atual: a proposta de reforma tributária encami-

nhada pelo governo ao Congresso Nacional e a questão dos ajustes no

Orçamento 2008.

A proposta de reforma tributária foi o tema do artigo do professor José

Fernando Cosentino Tavares, da matéria da jornalista Daniela Lima e da en-

trevista com Vito Tanzi, doutor em Economia pela Universidade de Harvard

e ex-diretor do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário

Internacional (FMI).

As análises apresentadas reforçam a necessidade e a urgência da re-

forma, em especial em relação às principais questões que precisam ser

enfrentadas na área tributária, entre elas pode-se destacar: a necessidade

de modernização do sistema tributário com uma grande simplificação e

eliminação da excessiva burocracia tributária, que representa um custo ele-

vado para as empresas e inibe a formalização; a redução da carga tributária

dos setores estratégicos, dos produtos essenciais (alimentos e remédios) e

a desoneração da folha de pagamento, que tem reflexo direto na geração

de empregos; a eliminação de distorções no sistema tributário que estão

prejudicando o crescimento econômico e a competitividade dos produtos

brasileiros no exterior; o fim da guerra fiscal e a ampliação do montante de

recursos destinados às regiões menos desenvolvidas, de forma que possi-

bilite explorar o potencial socioeconômico que possuem.

O professor Vito Tanzi é mais incisivo no sentido da necessidade de re-

dução da carga tributária global do País, mas alerta que isso só será possível

com a redução dos gastos públicos. Este é o tema do artigo do professor

James Giacomoni, que indica caminhos importantes para a melhoria da

qualidade do gasto público e destaca alguns problemas e aspectos que

precisam ser considerados, como o caráter repetitivo e incremental dos

orçamentos públicos e a necessidade de melhoria na microgestão do gasto

governamental. O ajuste no Orçamento de 2008, com o fim da CPMF, foi

um indicador das dificuldades para se reduzir os gastos públicos. Sobre

esse assunto recomenda-se a leitura do artigo de Max Leno que analisa “os

cortes no Orçamento 2008”.

Outro tema de destaque da Revista é a crise internacional e o seu im-

pacto no Brasil, objeto de análise do excelente artigo do professor Carlos

Eduardo de Freitas, que esclarece as razões da crise e os possíveis efeitos

sobre o Brasil.

Recomenda-se, ainda, a leitura do artigo “legislação ambiental e o de-

senvolvimento do setor elétrico no Brasil”, dos professores da UFRJ Nivalde

José de Castro e Victor José Ferreira Gomes; e do artigo “o IPTU no Distrito

Federal: um tributo que precisa ser melhor administrado”, de Paulo Luiz

Figueirêdo de Oliveira.

Publicação do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal

EditorialEditorialConjunturaRevista de

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A urgência de uma

reforma tributáriaVito Tanzi, doutor em Economia pela Universidade de Harvard, especialista em Finanças Públicas, dirigiu

durante anos o Departament of Fiscal Affairs do Fundo Monetário Internacional (FMI). Leccionou na George Washington University e na American

University, em Washington, e foi presidente do International Institute of Public Finance, entre 1990 e 1994. Em entrevista para a Revista de Conjuntura Econômica do Corecon/DF aborda a necessidade

de uma reforma tributária que, segundo ele, se faz necessária há duas décadas.

ENTREVISTA

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Vito Tanzi – Todos os problemas citados são sérios.

Esse quadro vem piorando com os anos devido ao

crescimento da carga tributária. Uma reforma tributá-

ria ampla já se fazia necessária há duas décadas. Agora

é ainda mais urgente. As principais questões a serem

abordadas nessa reforma são (a) a eliminação das guer-

ras fiscais entre os Estados (b) uma profunda reforma

dos tributos sobre o valor agregado, para reduzir os

problemas que eles criam hoje, e (c) uma grande sim-

plificação do sistema tributário, para reduzir os custos

do cumprimento das obrigações, que se tornaram um

dos principais problemas para as empresas.

Conjuntura – Existe algum modelo de sistema tribu-

tário eficaz?

Vito Tanzi – Existe uma vasta literatura a respeito das

características que o bom sistema tributário deve ter.

Eu mesmo, em alguns dos trabalhos que escrevi, as

enumero. No entanto, não existe um modelo simples

porque os países diferem entre si e, tendo em conta o

nível de seus gastos públicos, necessitam de cargas im-

positivas distintas.

Conjuntura – Quais impostos o Brasil deveria apostar?

Vito Tanzi – Em regra, os tributos mais rentáveis nos

vários países são os impostos sobre o valor agregado

Conjuntura – O senhor sempre alertou sobre as con-

seqüências da elevada carga tributária brasileira. Como

reduzir a carga tributária do país, considerando o ele-

vado endividamento e a necessidade de superávits nas

contas públicas e da política monetária restritiva com a

manutenção de juros elevados para conter a inflação?

Vito Tanzi – Não é possível reduzir a carga tributária

sem reduzir o gasto público. No Brasil, esse gasto cres-

ceu enormemente nas duas últimas décadas. Alcança

hoje níveis europeus, embora a renda per capita do país

seja muito mais baixa. Parte desse gasto é essencial e

útil. Outra parte dele é supérflua, desperdício. Basta

ver quanto o Brasil gastava há duas ou três décadas. O

governo brasileiro precisa fazer uma dieta rigorosa e

perder o excesso de peso. Alguns países (Canadá, Fin-

lândia, etc.) fizeram isso. O gasto público no Brasil está

bem acima do de qualquer outro país latino-americano,

daí porque deve haver muito para cortar. Os obstáculos

serão políticos, nunca econômicos.

Conjuntura – Antigos problemas como o elevado nú-

mero de impostos, excessiva burocracia, juros elevados

prejudicam bastante o empreendedorismo no país. O

senhor acredita na urgência de uma reforma tributária

no Brasil? Quais seriam as questões mais necessárias

para esta reforma?

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janeiro / março / 2008

e os impostos sobre a renda dos indivíduos. O Brasil se

vale muito dos primeiros, mas muito pouco dos segun-

dos. Os rendimentos das pessoas, e não só os salários,

poderiam contribuir mais para a arrecadação, tornando

possível a diminuição de outros impostos.

Conjuntura – A proposta do governo de criar o IVA-F

(Imposto sobre o Valor Agregado Federal), em substi-

tuição de contribuições (seriam extintas a Cofins, a

Contribuição para o PIS, a CIDE-Combustíveis e a

Contribuição sobre folha para o Salário-Educação); e

manter o ICMS (Imposto sobre Circulação de Merca-

dorias e Prestação de Serviços) e o IPI (Imposto sobre

Produtos Industrializados), é adequada?

Vito Tanzi – Eu não examinei detalhadamente a pro-

posta do governo. Mas a impressão geral é a de que ela

vai no sentido que muitos especialistas em tributação

vêm recomendando há muitos anos. É inevitável que

haja problemas de implementação porque, em matéria

tributária, o diabo mora nos detalhes.

Conjuntura – O senhor acredita que a descentralização

tributária dificulta uma possível reforma tributária?

Vito Tanzi – Estou firmemente convicto de que a descentra-

lização fiscal sempre gera obstáculos para uma boa refor-

ma tributária. A experiência de muitos países (Índia, Argen-

tina, México e outros) claramente apóia essa conclusão.

Conjuntura – O senhor sempre recomendou ao Brasil

corte nos gastos para resolver o problema fiscal do País.

Esta seria a solução do problema? Por quê?

Vito Tanzi – Cobra-se imposto para pagar as despesas

públicas. Se o gasto público é baixo, a carga tributária

de que se precisa é pequena. Se o gasto público é eleva-

do, são necessários impostos mais altos. Se o Brasil não

é capaz (por razões políticas) de reduzir suas despesas,

deve continuar a ter impostos altos e arcar com todas

as conseqüências negativas da tributação elevada. Não

há outro caminho.

As principais questões a serem abordadas nessa reforma são: a eliminação das guerras fiscais entre os Estados, uma

profunda reforma dos tributos sobre o valor agregado, para reduzir os problemas que eles criam hoje, e uma grande

simplificação do sistema tributário, para reduzir os custos do cumprimento das obrigações, que se tornaram um dos

principais problemas para as empresas.

Vito Tanzi

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a

ArtigoO relator do Orçamento Geral da União, deputado

José Pimentel (PT-CE), apresentou os cortes previstos

para o orçamento de 2008 por conta da perda de re-

ceita da CPMF. Sem o volume de recursos previsto (R$

39,29 bilhões), a relatoria optou por algumas premis-

sas para efetuar as recomposições das programações

de caráter obrigatório ou indispensáveis ao funciona-

mento dos órgãos antes financiadas com os recursos

da contribuição, sendo eles:

• Cumprimento da meta de superávit primário previs-

ta na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) 2008;

• Alocação de recursos para assegurar a correção

do salário mínimo pelo INPC, de forma a elevá-lo de R$

407,33, previsto no projeto, para R$ 412,40;

• Preservação do montante financeiro relativo ao

Projeto Piloto de Investimentos Públicos – PPI, ao Plano

de Desenvolvimento da Educação – PDE e à segurança

pública;

• Cumprimento do mínimo de aplicação na Saúde, nos

termos definidos na Emenda Constitucional nº 29/2000;

• Cancelamento de despesas com custeio administrati-

vo, investimentos, inversões financeiras classificadas como

discricionárias ou obrigatórias, em percentuais diferencia-

dos em órgãos, funções ou programações orçamentárias;

• Reexame das autorizações para contratação de pes-

soal ou reestruturação de carreiras constantes do Anexo

V do PLOA/2008 com ajuste nas programações constan-

tes do projeto de lei;

• Redução dos recursos destinados ao início de novos

investimentos.

Nesse aspecto, foram efetuadas adequações bem

como sugeridas emendas pelo relator geral ao PLOA/2008

em conseqüência da extinção da CPMF (PEC nº 56/2007).

As principais alterações que possibilitaram redefinir a

programação orçamentária na maioria dos órgãos se

deu a partir dos seguintes elementos: ganho de receita

com medidas relativas ao IOF e CSLL; aumento do supe-

rávit primário das estatais; cortes nas emendas coletivas

e cortes no orçamento dos Poderes Executivo, Legislativo

e Judiciário. (ver Tabela 1)

Os cortes no orçamento de 2008Max Leno

Tabela 1 – Demonstrativo da Compensação da frustração da CPMF

Discriminação Valores (em R$ bilhões)

Ganho de receita com medidas relativas ao IOF e CSLL 10,45

Aumento do superávit primário das estatais 2,82

Cortes nas emendas coletivas 13,80

Cortes no orçamento dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário 12,22

Frustração da receita de CPMF prevista no PLOA/2008 39,29

Fonte: Relatório geral – Projeto de Lei Orçamentária para 2008 (PL nº 30, de 2007 – CN).

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Em relação aos cortes no orçamento dos Poderes,

segundo os cálculos apresentados, a previsão é de que

no Executivo, que fica com 90,9% do orçamento, o corte

será de R$ 11,35 bilhões; já no Legislativo, que tem 2,5%

do orçamento, a contenção de recursos será de R$ 310

milhões enquanto no Judiciário, que detém cerca de 6%

do orçamento, o corte será de R$ 740 milhões. No Minis-

tério Público, que tem uma fatia de 0,6%, o corte será de

R$ 70 milhões. (ver Tabela 2)

Dessa maneira, para compensar o fim da CPMF, o

relator-geral do Orçamento decidiu, em relação ao or-

çamento dos Poderes, cortar R$ 12,22 bilhões da previ-

são inicial encaminhada pelo governo no ano passado.

Percebe-se, pela proposta em discussão, que o relator

não poupou nenhum dos três Poderes. Além disso, todas

as categorias de despesa serão afetadas, sendo que o maior

corte atingiu os recursos destinados à área de custeio (R$

6,77 bilhões), seguido pela contenção nas despesas de

Pessoal (R$ 3,48 bilhões) e, por fim, os Investimentos que

terão redução de R$ 1,97 bilhão. (ver Tabela 3).

No tocante às Despesas de Pessoal, vale lembrar que

a proposta orçamentária apresentada em 2007 pelo

Executivo ao Legislativo trazia, em seu anexo V, autori-

zações específicas de que trata o Art. 169, § 1º, inciso II

da Constituição, relativas às Despesas de Pessoal e En-

cargos Sociais.

No referido anexo, constavam as pretensões do go-

verno quanto à criação e/ou provimento de cargos, em-

pregos e funções, bem como admissão ou contratação

de pessoal a qualquer título. Além do mais, estavam in-

cluídas as eventuais alterações de estrutura de carreiras

e aumento de remuneração dos três Poderes. No total, a

previsão de gasto, no exercício de 2008, era de R$ 5,9 bi-

lhões para atender aos dois itens, sofrendo redução de

mais de R$ 1,3 bilhão com a nova proposta apresentada.

(ver Tabela 4).

Tabela 2 – Cortes previstos para 2008 – Por Poderes

PoderTamanho dos

cortes em 2008

Executivo R$ 11,35 bilhões

Legislativo R$ 310 milhões

Judiciário R$ 740 milhões

Ministério Público R$ 70 milhões

TOTAL R$ 12,22 bilhões

Fonte: Correio Braziliense de 20/02/2008 – Pág.4 – “Cortes em concursos”.

Tabela 3 – Discriminação dos cortes no orçamento dos Poderes por categoria de despesa

Categoria de despesa

Tamanho dos cortes em 2008 (em bilhões R$)

Custeio 6,77

Pessoal 3,48

Investimento 1,97

TOTAL 12,22

Fonte: Relatório geral – Projeto de Lei Orçamentária para 2008 (PL nº 30, de 2007 – CN).

Tabela 4 – Autorizações específicas relativas a despesas de pessoal e encargos sociais em 2008 e segundo a nova Proposta Orçamentária – No exercício de 2008 (em milhões R$)

DiscriminaçãoDespesa no exercício

de 2008 (*)Nova Proposta

Orçamentária para 2008Diferença

Criação e/ou provimento de cargos, empregos e funções, bem como contratação de pessoal

1.897,06 948,53 948,53

Alteração de estrutura de carreiras e aumento de remuneração

4.030,33 3.645,64 384,69

TOTAL 5.927,39 4.594,17 1.333,22

Fonte: Anexo V do Projeto de Lei Orçamentária 2008 enviada pelo Executivo. Autorizações específicas de que trata o Art. 169, § 1º, inciso II da Constitui-ção, relativas a Despesas de Pessoal e Encargos Sociais e anexo V – substitutivo do novo Projeto de Lei Orçamentária 2008.

OBS: (*) Proposta encaminhada pelo Executivo em 2007.

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É válido notar que as LDOs (Leis de Diretrizes

Orçamentárias) têm criado, progressivamente, proce-

dimentos que visam dar transparência e confiabilida-

de às informações relativas às despesas com pessoal.

No tocante ao já referido Anexo V do texto da lei, que

trata das autorizações para alterações nos gastos com

pessoal, nos termos do art. 169, § 1º, II, da Constituição,

nota-se avanço com relação a exercícios anteriores.

A LDO/2008, art. 89, inovou em termos do conteúdo

e apresentação do Anexo V. O §2º do art. 89 determina

que sejam considerados, de forma segregada, o provi-

mento da criação de cargos, funções e empregos e seja

acompanhado dos valores relativos à despesa anualiza-

da1, bem como das demais especificações necessárias à

verificação do cumprimento da Lei Complementar nº

101, de 2000 (a LRF). (ver Tabela 5)

Observa-se que as disposições acima foram cumpri-

das pelos Poderes Legislativo e Judiciário e Ministério

Público da União, ainda que, quanto a esses dois últi-

mos, estejam ausentes o impacto em 2008 das Leis n°

11.416/2006 e 11.415/06, relativas respectivamente à

reestruturação das carreiras de seus servidores.

O mesmo não pode ser dito quanto ao Poder Exe-

cutivo, já que suas autorizações caracterizam-se pela

falta de detalhamento dos fundamentos que justifi-

quem a autorização pretendida, ausentes, principal-

mente, na parte relativa à reestruturação de carreiras.

Nesse caso, no que tange à alteração de estrutura de

carreiras e aumento de remuneração, o valor previsto

no exercício de 2008 passou a ser de R$ 3,461 bilhões

e a despesa anualizada perfaz o total de R$ 7,409

bilhões.

Tabela 5 – Autorizações específicas relativas a despesas de pessoal e encargos sociais em 2008 e segundo a nova Proposta Orçamentária – valores anualizados (em milhões R$)

Discriminação Despesa anualizada (*) Nova Proposta

Orçamentária anualizada Diferença

Criação e/ou provimento de cargos, empregos e funções, bem como contratação de pessoal

3.498,45 3.498,45 -

Alteração de estrutura de carreiras e aumento de remuneração

7.734,70 7.593,01 141,69

TOTAL 11.233,15 11.091,46 141,69

Fonte: Anexo V do Projeto de Lei Orçamentária 2008 enviada pelo Executivo. Autorizações específicas de que trata o Art. 169, § 1º, inciso II da Constitui-ção, relativas a Despesas de Pessoal e Encargos Sociais e anexo V – substitutivo do novo Projeto de Lei Orçamentária 2008.

OBS: (*) Proposta encaminhada pelo Executivo em 2007.

Tabela 6 – Criação e/ou provimento de cargos, empregos e funções bem como contratação de pessoal em 2008

DiscriminaçãoCriação de cargos,

empregos e funções (quantidade) (*)

Provimento, admissão ou contratação

(quantidade) (*)

Despesa no exercício de 2008 (em milhões R$)

Poder Legislativo 179 1.417 106,84

Poder Judiciário 19.415 12.604 647,18

Ministério Público da União - 2.295 111,31

Poder Executivo 13.375 40.032 1.031,73

TOTAL 32.969 56.348 1.897,06

Fonte: Anexo V do Projeto de Lei Orçamentária 2008 enviada pelo Executivo. Autorizações específicas de que trata o Art. 169, § 1º, inciso II da Constitui-ção, relativas a Despesas de Pessoal e Encargos Sociais.

OBS: (*) Proposta encaminhada pelo Executivo em 2007.

1 Por conta de os gastos relativos à despesa de pessoal, não ocorrerem necessariamente a partir de janeiro, mas sim a partir de outros meses no decorrer do ano, o cálculo anualizado consiste em demonstrar as despesas como se ocorressem a partir de janeiro do ano de 2008.

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janeiro / março / 2008

Em relação à criação e/ou provimento de cargos, em-

pregos e funções, bem como admissão ou contratação

de pessoal a qualquer título, a despesa anteriormente

prevista era de R$ 1,8 bilhão, conforme observa-se, com

o propósito de que pudesse ocorrer o provimento, ad-

missão ou contratação de mais de 56 mil novos servi-

dores, bem como a criação de cerca de 32 mil novos

cargos, empregos e funções. (Ver tabela 6)

Já na nova proposta orçamentária, a estimativa é de

que haja uma redução de 50% na reserva para contrata-

ção de novos servidores em todos os Poderes. Segundo

a nova proposta, apenas foi preservada a dotação para

substituição de terceirizados. Apesar disso, o relator sa-

lientou que os concursos podem continuar normalmen-

te. O que muda é o fluxo de admissão de pessoal, pois os

órgãos terão que reduzir o número de contratações, ou

adiá-las, para reduzir o impacto em 2008.

Nota-se, dessa forma, que o montante de R$ 1,8 bi-

lhão inicialmente previsto e que estavam, de certa for-

ma, reservados para novos contratados, foi reduzido ao

valor de R$ 948,53 milhões. Ainda assim caberá ao go-

verno federal decidir se mantém ou não os concursos,

bem como as nomeações para este ano. É possível no-

mear todos os aprovados, desde que ocorra a partir do

segundo semestre. Sendo assim, segundo o relator, os

concursos poderão ser realizados, sendo que as nome-

ações poderão sofrer alterações, já que só há reserva de

50% do Orçamento para novas contratações.

Em se tratando dos reajustes previstos para o ano de

2008, o anexo V, apesar de se constituir apenas em sinaliza-

ções de reajustes, detalhava as despesas para o exercício

de 2008 no sentido de contemplar as alterações de estru-

tura de carreiras e aumento de remuneração. Nesse caso,

o valor total previsto para atender a todos os poderes era

superior a R$ 4 bilhões, sendo que a maior parte, seria di-

recionada ao Poder Executivo.

Já na nova proposta, com exceção do Legislativo, to-

dos os demais Poderes tiveram diminuídas suas respecti-

vas despesas relativas à alteração de estrutura de carreiras

e aumento de remuneração, passando a ser não mais o

valor de R$ 4 bilhões e, sim, um total de R$ 3,645 bilhões,

vindo assim a representar uma redução superior a R$

380 milhões no exercício de 2008. (Ver tabela 7)

Constata-se, portanto, que o setor mais atingido em

relação aos cortes nesse item foi o Poder Executivo, já

que a nova proposta teve redução superior a R$ 240

milhões. Adicionalmente, não se pode esquecer o fato

de que inúmeras carreiras discutiram com o governo,

em 2007, a possibilidade de modificações em suas res-

pectivas estruturas salariais com o compromisso de que

estariam contempladas já no orçamento de 2008.

Em relação a tal fato, as sinalizações são de que só

estão assegurados reajustes para as categorias que já

vinham recebendo aumento escalonado desde 2006,

como é o caso da Polícia Federal. Dessa forma, uma

possível interpretação é de que novos projetos de lei

terão de ser encaminhados ao Congresso para assegu-

rar aumentos a categorias que tentaram, por meio de

um anexo do Orçamento, o reajuste salarial. Garantidos

mesmo somente os reajustes das carreiras que já tive-

ram projeto aprovado ou, ainda, que as correções este-

jam previstas em leis.

Tabela 7 – Alteração de estrutura de carreiras e aumento de remuneração em 2008 (em milhões R$)

DiscriminaçãoDespesa no exercício

de 2008 (*)Nova Proposta Orçamentária

para 2008 Diferença

Poder Legislativo - 1,41 -

Poder Judiciário 221,64 129,43 92,21

Ministério Público da União 104,32 53,43 50,89

Poder Executivo 3.704,37 3.461,37 243,00

TOTAL 4.030,33 3.645,64 384,69

Fonte: Anexo V do Projeto de Lei Orçamentária 2008 enviada pelo Executivo. Autorizações específicas de que trata o Art. 169, §1º, inciso II da Constitui-ção, relativas a Despesas de Pessoal e Encargos Sociais e anexo V – substitutivo do novo Projeto de Lei Orçamentária 2008.

OBS: (*) Proposta encaminhada pelo Executivo em 2007.

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No entanto, segundo a nova proposta orçamentária

da União para 2008, efetuando-se a leitura do anexo V

(substitutivo) percebe-se que tal instrumento revisto de-

talha de forma mais clara as alterações de estruturas de

carreiras e aumento de remuneração do Poder Executivo.

No anexo anterior, a discriminação dos reajustes ao

Poder Executivo era: “Reestruturação da remuneração de

cargos, funções e carreiras no âmbito do Poder Executivo,

inclusive militares das Forças Armadas”, passando a ter a

seguinte abrangência: “Reestruturação da remuneração

de cargos, funções e carreiras no âmbito do Poder Execu-

tivo, inclusive servidores integrantes do Plano Geral de

Cargos do Poder Executivo - PGPE, instituído pela Lei

nº 11.357, de 2006, e militares das Forças Armadas”.

Sendo assim, apesar de permanecer, de certo modo,

ainda bastante genérico quanto às demais carreiras a

serem contempladas com recursos, o novo relatório as-

segurou o montante de R$ 350 milhões a ser destinado

ao aumento da remuneração dos servidores integrantes

do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – PGPE.

Mesmo diante do anúncio dos cortes, o novo Proje-

to de Lei Orçamentária para 2008 incluiu em seu texto

mais recente dispositivo que faculta ao Poder Executi-

vo promover adequações no Anexo V, com vistas a mi-

norar os efeitos dos cortes efetuados. Tal prerrogativa

está contida no substitutivo ao Projeto de Lei nº 30, de

2007-CN em seu artigo 4º, parágrafo 3º, com a seguinte

redação:

§ 3º Em decorrência da recomposição autorizada no

inciso XXIV deste artigo, o Anexo V desta Lei poderá ser

ampliado até os montantes constantes do projeto de

lei encaminhado ao Congresso Nacional, para despe-

sas com efeitos financeiros a partir de 2008.

O substitutivo apresentado à Comissão Mista de

Orçamento prevê, adicionalmente, recursos para pagar,

já este ano, um possível reajuste do subsídio dos minis-

tros do Supremo Tribunal Federal, bem como os efeitos

dessa alteração no Poder Judiciário da União.

Segundo o relator do Orçamento, esse efeito ocorre

porque o subsídio dos ministros serve de teto salarial

para os servidores federais. a premissa adotada é um

reajuste de 4,46% sobre o valor que foi proposto pelo

STF no fim de 2006 para vigorar em 2007 (R$ 25,75 mil),

mas que não chegou a ser aprovado pelo Congresso.

Isso permite elevar o teto dos atuais R$ 24,5 mil para

cerca de R$ 26,9 mil.

Outro detalhe importante é que a avaliação das

verbas constantes do PLOA/2008 levou à constatação de

que o projeto de lei não contempla dotação específica

para a revisão geral da remuneração dos servidores, pre-

vista no inciso X do art. 37 da Constituição e regulamen-

tada pela Lei nº 10.331, de 2001. Cabe lembrar que, os últi-

mos anos em que tal dispositivo constitucional veio a ser

observado ocorreram em 2002 e 2003, onde os índices,

respectivamente, foram de 3,5% (três vírgula cinco por

cento) e 1% (um por cento).

Vale mencionar também que, em recente reunião

ocorrida no Ministério do Planejamento, foi informado

oficialmente à Condsef que os R$ 350 milhões já mencio-

nados anteriormente estão reservados no Orçamento da

União para os mais de 290 mil servidores do Plano Geral

de Cargos do Poder Executivo (PGPE).

Apesar disso, o montante foi considerado insuficiente

pela entidade que solicitou ao Planejamento a revisão do

valor. O PGPE está entre as categorias que tiveram suas

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‘‘

Apesar de permanecer, de certo modo, ainda

bastante genérico quanto às demais carreiras a

serem contempladas com recursos, o novo relatório

assegurou o montante de R$ 350 milhões a ser destinado ao aumento

da remuneração dos servidores integrantes do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – PGPE.

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janeiro / março / 2008

negociações de reajuste interrompidas no final do ano

passado com o anúncio do fim da CPMF.

Com a afirmação do governo de que as negociações

continuam, a Condsef espera chegar a um acordo que

garanta um reajuste para a categoria que possui uma

das piores situações salariais da União. O Planejamento

vai promover mais estudos referentes ao reajuste para

este ano e agendou uma nova reunião para o dia 18 de

março.

Registra-se que todo o processo de negociação ocor-

rido entre a Condsef e o governo até aqui foi debatido

neste final de semana quando a entidade realizou, nos

dias 23 e 24 de fevereiro, sua Plenária Nacional.

Depois de dois dias reunidos, mais de 200 represen-

tantes de servidores de 27 Estados brasileiros definiram

uma agenda de mobilização da Condsef que dura todo

o mês de março. Neste momento, a categoria optou por

não apontar um indicativo de greve. A ordem é que as

entidades filiadas à Confederação realizem assembléias

com o objetivo de preparar a categoria para uma possível

paralisação, caso o governo recue da decisão de cumprir

acordos e compromissos firmados, ao longo de 2007,

com 28 categorias2 que continuam sem respostas.

A Condsef busca também unificar a luta com outras

entidades do setor público. Para isso, foi agendada uma

marcha à Brasília no dia 26 de março que terá o apoio

da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Com a ativi-

dade, os servidores pretendem conseguir uma audiên-

cia com o ministro Paulo Bernardo. O resultado deste

encontro seria determinante para definir uma possível

greve em abril.

Quanto aos cortes previstos em Investimento e cus-

teio, praticamente todos os três Poderes sofrerão redu-

ção de aproximadamente 20% nos recursos destinados a

tais categorias de despesa. A intenção é efetuar diminui-

ções na ordem de R$ 6,8 bilhões e R$ 2 bilhões, respecti-

vamente, segundo já foi salientado anteriormente.

Para implementar os cortes de custeio, adotou-se

como critério básico a aplicação de percentual de até

20% em programações primárias discricionárias. As áreas

de Saúde, Educação, Segurança Pública e Justiça Eleitoral

foram protegidas, enquanto as áreas de Defesa Nacional,

Assistência Social, Previdência e Ciência e Tecnologia so-

freram redução de até 10% de suas programações, sendo

que, até o Bolsa Família poderá sofrer redução. Mas o rela-

tor alertou para a possibilidade de se proceder rearranjos

internos em cada órgão para não comprometer progra-

mas considerados prioritários.

Em relação aos projetos de investimentos com início

previsto para 2008, foram reduzidos em até 20%, enquan-

to as áreas de Defesa Nacional, Assistência Social, Previ-

dência, Ciência e Tecnologia e os demais Investimentos

em execução foram abatidos em até 10%. Excluíram-se

dos cortes as áreas de Saúde, Educação e Segurança Pú-

blica3, como também as obras referentes ao PAC (Progra-

ma de Aceleração do Crescimento).

Outro detalhe é que foram excluídos do cancela-

mento, tanto do custeio quanto do investimento, as

programações orçamentárias de valor inferior a R$ 3

milhões.

Em relação à questão dos prazos de tramitação, a Co-

missão Mista de Orçamento espera aprovar o texto final

no Congresso até o dia 28 de fevereiro.

Finalmente, apesar de todos os cortes previstos na

nova proposta orçamentária que resultou no significati-

vo corte de mais de R$ 12 bilhões no orçamento enviado

ao Congresso no ano passado pelo Executivo, um peque-

no alento foi o fato de que o relator ao menos manteve

o valor do salário mínimo em R$ 412,404, conforme esta-

belecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias do ano de

2008 e que foi fruto de intensas negociações ocorridas

em 2007 envolvendo o governo e as centrais sindicais.

Max LenoEconomista do Departamento Intersindical de Estatística e

Estudos Socioeconômicos – DIEESE

2 Para maiores detalhes, verificar estudo: “Propostas em discussão envolvendo as carreiras que fazem parte da base da Condsef e o Governo Federal” – janeiro/2008.

3 Ainda falta a definição quanto aos cortes do Judiciário e do Ministério Público, setores esses que pretendem ser contemplados com os mesmos critérios estabelecidos para as Forças Armadas.

4 Superior aos R$ 407,33 previstos no PLOA/2008.

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Artigo

Nos últimos dez anos, as metas de política fiscal do

governo federal estiveram representadas na manuten-

ção de superávits primários e de déficits nominais de-

crescentes. O cumprimento dessas metas possibilitou

alcançar o maior objetivo da política fiscal, que é a re-

dução da dívida pública calculada como proporção do

Produto Interno Bruno. Tendo em vista que no período

foram praticadas altas taxas de juros, a viabilização dos

resultados fiscais foi possível principalmente por meio

da elevação, ano a ano, da carga tributária.

Na comparação com países desenvolvidos – os

da OCDE, por exemplo – a carga tributária brasileira é

menor, mas é significativamente superior a dos países

emergentes, com PIB per capita similares ao do Brasil,

como China, Chile, Argentina e México. Considerada a

pressão tributária brasileira, os indicadores de desen-

volvimento do País deveriam ser melhores. O Índice de

Desenvolvimento Humano – IDH do Brasil, inferior a 0,8,

é bem menor que o de 0,95 da Austrália e do Canadá,

países com carga tributária semelhante à brasileira.

São inúmeras as razões que determinaram, ao lon-

go do tempo, as características e o volume de imposi-

ção tributária no Brasil. De um lado, esteve a preferên-

cia por tributos de menor resistência – contribuições

e impostos indiretos, por exemplo – e, de outro, a mais

importante, a necessidade de financiar despesas gover-

namentais sempre crescentes.

Esgotado o ciclo do crescimento da carga tributária,

com o que parece concordar a opinião generalizada,

abre-se espaço para a discussão sobre as despesas pú-

blicas, em especial sobre a qualidade, a eficiência e a

efetividades delas.

O tema chegou a fazer parte da última campanha

eleitoral para a Presidência da República. A diminuição

do número de ministérios era apontada por um dos

candidatos como exemplo de medidas necessárias

para a redução das despesas administrativas do gover-

no. Gastos menores permitiriam até mesmo a redução

da carga tributária, providência geralmente apontada

como indispensável para que a economia do País entre

num ciclo vigoroso de crescimento.

É conhecida a pouca margem de manobra na ges-

tão financeira do governo federal. Proporção por volta

de 85% da despesa primária – a que não considera os

juros e o pagamento da dívida – é de execução obri-

gatória, pois decorre de disposições da própria Cons-

tituição ou de leis. Os encargos restantes configuram

despesas discricionárias que, entretanto, em boa parte,

são essenciais para o funcionamento da administração

pública. Conhecedor dessa realidade, o candidato/pre-

sidente Lula minimizou as teses alarmistas sobre o

crescimento das despesas e negou, sistematicamente,

a necessidade de enxugamento da máquina adminis-

trativa.

Em campanhas eleitorais, os políticos sabem que

argumentar sobre a necessidade de diminuir despe-

sas é sempre um grande risco, pois o eleitor tenderá a

supor que os cortes serão realizados exatamente nos

Reduzir gastos públicos. É possível? Quais? Como?

James Giacomoni

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janeiro / março / 2008

programas e projetos de seu interesse. Os funcionários

públicos temerão pelos futuros reajustes salariais; os

beneficiários da saúde pública imaginarão serviços ain-

da mais deficientes; o programa Bolsa-Família poderá

sofrer descontinuidade, e assim por diante.

Passada a eleição, imprensa, empresários, políticos,

economistas de dentro e de fora do governo têm man-

tido o tema na ordem do dia. Autoridades oficiais não

fogem mais do assunto e medidas de redução de des-

pesas no âmbito da União passam a ser cogitadas, par-

ticularmente a partir da não renovação da CPMF.

Não é difícil entender os dados da questão. O cres-

cimento da economia depende principalmente dos

investimentos em capital fixo, em especial a realização

de obras e a aquisição de equipamentos visando ao

aumento da produção de bens e serviços. Numa eco-

nomia de mercado, a maior parte dos investimentos

está a cargo do setor privado. Os investimentos sob a

responsabilidade do setor público, principalmente a

infra-estrutura de transportes e energia, ainda que em

montante menor, tem enorme importância por seu ca-

ráter estratégico. Contabilizando déficits há bastante

tempo, ou seja, sem praticamente nenhuma poupança,

o governo federal investe, com recursos orçamentários,

volume muito aquém das necessidades. De acordo com

o Ministério da Fazenda, em 2005 a taxa de investimen-

to com recursos orçamentários foi de 0,88% do PIB. O

Ipea calcula que a taxa, naquele exercício, não passou

de 0,60% do PIB.

Já que é impossível financiar os necessários inves-

timentos com o aumento da carga tributária, a solução

está, no primeiro momento, em estancar o crescimento

das despesas correntes e, depois, onde for possível, na

redução delas.

O desafio da diminuição das despesas públicas ten-

de a ser percebido de duas maneiras distintas. A primei-

ra diz respeito à macroeconomia ou macrogestão do

gasto público, isto é, valorizam-se os grandes números

e, assim, há poucas ilusões de que sejam viáveis mu-

danças importantes na atual composição do gasto. As

dificuldades políticas para mudar a legislação são enor-

mes e resultados pequenos são vistos com indiferença

diante do quadro de dificuldades fiscais. A macrogestão

do gasto prefere apostar no crescimento da economia

com o que crescerá a receita orçamentária.

A outra percepção leva em conta a necessidade

de boas práticas gerenciais em cada entidade gover-

namental. Os agregados fiscais têm a sua importância,

mas isso só não basta. Há um enorme espaço para uma

agenda que considere medidas voltadas à incorpora-

ção de maior eficiência microeconômica do gasto, a

adoção de indicadores de gestão, ao cálculo de custos,

dentre outras.

Redução de juros e encargos incidentes sobre o

refinanciamento da dívida pública e reforma da pre-

vidência social são exemplos de medidas defendidas

no âmbito da macrogestão do gasto, onde se valori-

za o alcance de resultados importantes mais rapida-

mente. A simples defesa da diminuição de despesas

correntes visando viabilizar maiores investimentos é

igualmente uma tese voltada à macrogestão. A reali-

zação dos serviços públicos dá-se, principalmente, por

meio de despesas correntes, a maior parte delas, indis-

pensáveis. De outro lado, nem todo o investimento é

realmente necessário e justificável do ponto de vista

econômico-social.

Os agregados fiscais têm a sua importância, mas isso só não basta. Há um enorme espaço para uma agenda que

considere medidas voltadas à incorporação

de maior eficiência microeconômica do gasto, a adoção de

indicadores de gestão, ao cálculo de custos,

dentre outras.

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a

A microgestão do gasto governamental volta-se

para os inúmeros processos onde se exercitam os atos

da administração pública que produzem despesas e

custos. Nos níveis centrais da política e da administra-

ção pública, tende-se a dar pouco crédito a esta alter-

nativa, já que os esforços exigidos são grandes e os re-

sultados demoram a aparecer.

Uma parte das medidas iniciais tomadas pelos go-

vernadores que tomaram posse em janeiro de 2007 es-

tão na linha da segunda orientação: extinção de cargos

de livre provimento; extinção e fusão de secretarias e

unidades; adoção de metas de redução de despesas de

custeio; revisão de contratos de terceirização; etc. Cer-

tamente espera-se que tais medidas apresentem resul-

tados. Serão suficientes?

A experiência mostra que, com o passar do tempo,

diminui o empenho dos gestores públicos principais

em manter a redução de gastos como política e prática

de governo. A cobrança por parte da sociedade por

mais e melhores serviços públicos e a necessidade de

mostrar uma agenda de realizações, que significa maio-

res gastos, atropela qualquer outra medida voltada à

diminuição das despesas.

É necessário que políticos e administradores acre-

ditem que é possível reduzir gastos e, ao mesmo tem-

po, manter o nível de atendimento dos serviços e até

mesmo expandi-lo. Para tanto, devem aceitar que há,

em medida não desprezível, desperdícios e ineficiência

no uso de recursos. O desafio é colocar em prática sis-

temas e modelos de gestão que identifiquem e neutra-

lizem esses focos.

Extinção de unidades aqui e ali com o objetivo de

diminuir o tamanho da máquina administrativa produ-

zirá resultados positivos, mas não reduzirão os eventu-

ais desperdícios nos demais setores não atingidos pelo

enxugamento. Outro ponto importante: quem deve

encarregar-se da elaboração de diagnósticos sobre dis-

funções e desperdícios e da apresentação de propostas

corretivas? É duvidoso que consultoria externa possa

conhecer com profundidade as rotinas administrativas

e de serviços e aí identificar alternativas que represen-

tem menores dispêndios. Melhores resultados serão

obtidos se os próprios servidores de cada unidade fo-

rem envolvidos nos processos reformistas, motivados a

identificar os desperdícios e encarregados de implan-

tar as sugestões e as melhores práticas.

No desenvolvimento de processos de redução de

despesas e custos, a principal oportunidade para a rea-

lização de diagnósticos ocorre com a elaboração do or-

çamento anual. Já que apenas as despesas autorizadas

na lei orçamentária poderão ser realizadas, o momen-

to da preparação da proposta deve ser integralmente

aproveitado para a efetiva avaliação de quais recursos

são realmente necessários para o desenvolvimento do

trabalho e alcance dos resultados pretendidos. Se, nes-

sa fase sensível e crítica, as avaliações de necessidades

são realizadas de maneira superficial, a tendência será

reproduzir, nos exercícios futuros, os orçamentos do

passado.

A cada ano, em meados do exercício, todos os se-

tores governamentais envolvem-se em detalhados

procedimentos de preparação da proposta orçamentá-

ria para o ano seguinte. O Poder Executivo consolida

A experiência mostra que com o passar do tempo diminui o empenho dos

gestores públicos principais em manter a redução

de gastos como política e prática de governo. A cobrança por parte da sociedade por mais e

melhores serviços públicos e a necessidade de mostrar uma agenda de realizações,

que significa maiores gastos, atropela qualquer outra medida voltada à

diminuição das despesas.

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janeiro / março / 2008

todos esses levantamentos na forma de projeto de lei

que é, então, encaminhado ao Poder Legislativo para

apreciação.

Geralmente aceita-se que o modelo que melhor

descreve a forma e a prática da elaboração orçamentá-

ria é o incrementalismo que, mesmo baseado na experi-

ência norte-americana, pode ser transportado para ou-

tras realidades, inclusive a brasileira. De acordo com o

modelo, um orçamento diferencia-se muito pouco da-

quele praticado no ano anterior; cada novo orçamento

incorporará, aqui e ali, alguns incrementos, enquanto a

base, que é a maior parte, continuará a mesma.

No diagnóstico de Aaron Wildavsky, principal for-

mulador do modelo incremental, o processo orçamen-

tário é histórico, seqüencial e repetitivo, ou seja, as

mesmas ações e valores autorizados e executados num

exercício serão autorizados para o ano seguinte e assim

por diante.

Tal prática repetitiva não enseja a oportunidade

para certas indagações como: serão realmente neces-

sárias no novo exercício todas as despesas realizadas

no ano anterior? Será possível alcançar os mesmos

resultados sem realizar necessariamente todos esses

gastos?

A tendência de os gestores agilizarem medidas no

final de ano para a execução integral de seus orçamen-

tos é um subproduto distorcido do orçamento repeti-

tivo. Todo o responsável sabe que se não executar os

valores autorizados em seu orçamento, há o risco con-

creto de que o futuro orçamento venha a ser diminuí-

do. Despesas que talvez não sejam realmente necessá-

rias acabam sendo realizadas apenas com o intuito de

manter o orçamento em determinado patamar.

O que pode ser feito para atenuar, ainda que em

parte, o caráter repetitivo e incremental dos orçamen-

tos públicos? Parece bastante claro que é necessário

revisar os valores da base, retirando o seu caráter histó-

rico. É certo que existirão dificuldades para tanto, já que

nenhum gestor aceitará contribuir com um processo

de reforma orçamentária em que o seu orçamento ve-

nha a ser simplesmente reduzido.

Todo o projeto de mudança nos métodos e práticas

tradicionais de trabalho sofre resistências que precisa-

rão ser contornadas. Uma estratégia de convencimento

das vantagens e dos benefícios das mudanças deverá

ser posta em prática visando obter a adesão e o apoio

dos participantes. Exemplo de medida de convenci-

mento, no caso da reforma do orçamento, é a garantia,

por parte do órgão central, de que eventuais economias

obtidas não irão beneficiar outras unidades, ficando na

própria instituição para que ela possa realizar certos

tipos de despesas, para as quais, invariavelmente, não

são autorizados recursos.

Tal estratégia será ainda mais eficaz se for possível

agregar alguma modalidade de premiação, na forma

de recursos adicionais a serem atribuídos, proporcio-

nalmente, às economias realizadas na base.

James GiacomoniEconomista, consultor de orçamentos do Senado Federal

(aposentado) e professor da Universidade de Brasília.

Parece bastante claro que é necessário revisar

os valores da base, retirando o seu caráter histórico. É certo que existirão dificuldades

para tanto, já que nenhum gestor aceitará

contribuir com um processo de reforma

orçamentária em que o seu orçamento venha

a ser simplesmente reduzido.

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a

ArtigoNo ano de 2001 o Brasil sofreu um forte desequilíbrio

entre a oferta e demanda de energia elétrica, que ficou

conhecido por Crise do Apagão. A causa estrutural e prin-

cipal desta crise está diretamente associada ao processo

de privatização do setor elétrico brasileiro iniciado em

1990 com o Plano Nacional de Desestatização. A partir

deste programa de privatização, o setor elétrico brasileiro

– SEB – perdeu capacidade de investimento e planeja-

mento da expansão. Como resultado, a Crise do Apagão

impôs a todas as classes de consumo um racionamento

equivalente a 20% do volume médio de demanda de

energia elétrica. Ao final de 2001 o crescimento do Pro-

duto Interno Bruto (PIB) foi de apenas 1,3%, muito baixo

se comparado ao do ano 2000, com crescimento de 4,3%.

(IBGE, 2007).

Para entender a dinâmica do setor elétrico, o equilíbrio

entre a oferta e demanda no Brasil depende, de forma

estrutural, do aproveitamento do potencial hidrológico

estimado em mais de 150.000 MW. Este valor correspon-

dente a cerca de 200% da atual capacidade geradora ins-

talada e está localizada basicamente na região da Ama-

zônia. O aproveitamento deste potencial, possivelmente

um dos maiores do mundo, vem enfrentado problemas e

restrições diante da legislação ambiental mais especifica-

mente na questão dos licenciamentos. O presente artigo

pretende analisar esta questão.

Atualmente, alguns analistas têm assinalado a possi-

bilidade de uma crise de oferta de energia elétrica no cur-

to prazo, tendo por base as previsões para o crescimento

do PIB e da demanda por energia elétrica. Três seriam os

fatores que poderiam ser responsáveis pela ocorrência

deste desequilíbrio: precipitações pluviométricas abaixo

das médias históricas, incapacidade de direcionar gás na-

tural do consumo industrial e veicular para o despacho

das termelétricas e as restrições provenientes da legisla-

ção ambiental.

Para se ter uma dimensão do problema, com base nas

estimativas de expansão média do PIB, a EPE projetou

uma necessidade de expansão da capacidade de gera-

ção estimada em cerca de 3.000 a 3.500 MW médios anu-

ais nos próximos 10 anos, o que representa um aumento

entre 5% a 5,5% de oferta de energia elétrica. (MME/EPE,

2007, p. 148 e 164). A partir da dura e cara experiência

obtida com a Crise do Apagão, tornou-se imprescindí-

vel recuperar as condições de planejamento e estímulo

à expansão da oferta de energia elétrica. Neste sentido,

o governo buscou um aprimoramento da regulação do

setor, a partir de 2003. De acordo com Castro (2007), esta

reestruturação do setor elétrico, associada com outros

fatores, em especial com a melhoria significativa dos fun-

damentos macroeconômicos do Brasil e da economia

mundial, possibilitou a solução de vários problemas que

impediam a expansão da oferta de geração verificada

no período de 1990 até 2002. Entretanto, persiste um en-

trave para o aumento da oferta. Trata-se da questão dos

licenciamentos ambientais e, por conseguinte, da neces-

sidade de aprimoramento e ajustes na legislação perti-

nente ao tema (CASTRO, 2007, p. 70). Como o modelo de

A Legislação ambiental e o desenvolvimento do setor elétrico no Brasil1

Nivalde J. de CastroVictor José Ferreira Gomes

1Publicado no IFE nº 2165 de 27 de novembro de 2007.

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privatização percebido entre 1990 e 2002 não induzia

novos investimentos, o aparato legal de licenciamentos

derivado da Lei nº 6.938/81 (lei que dispõe sobre a Políti-

ca Nacional do Meio Ambiente) e da Constituição Federal

de 1988, que se aplicará á construção das novas usinas,

ainda não foi devidamente “testado” e assimilado. Implica

assinalar que as exigências ambientais não criaram uma

experiência acumulada, ou seja, uma massa crítica de

conhecimentos que podem servir de base para a cons-

trução das novas usinas hidroelétricas. É um problema de

aprendizado social em relação ao meio ambiente.

De acordo com a Resolução 006/87 do Conama (Con-

selho Nacional do Meio Ambiente), o procedimento de li-

cenciamento ambiental possui três etapas distintas para

as usinas hidrelétricas (UHE), respeitadas as peculiarida-

des de cada caso:

Etapa 1: Licenciamento Prévio (LP) – requerida no iní-

cio do estudo de viabilidade da Usina;

Etapa 2: Licenciamento de Instalação (LI) – obtida

antes da realização da licitação para construção do

empreendimento; e

Etapa 3: Licenciamento de Operação (LO) – obtida

antes do fechamento da barragem.

Para o Ibama (2007), o licenciamento ambiental pos-

sui como uma de suas mais expressivas características a

participação social na tomada de decisão, por meio da

realização de Audiências Públicas como parte do pro-

cesso. No nível federal, o Ibama durante o processo de

licenciamento ouve os Órgãos Ambientais (OEMAs) en-

volvidos no licenciamento e os Órgãos Federais de ges-

tão do Patrimônio Histórico (Iphan), das Comunidades

Indígenas (Funai), de Comunidades Quilombolas (Funda-

ção Palmares), de controle de endemias (Funasa), entre

outros.

A exigência de três licenças, a ausência de critérios

objetivos e técnicos para o licenciamento e o grande nú-

mero de órgãos envolvidos determinam a possibilidade

concreta de uma grande quantidade de exigências ad-

ministrativas que acabam por burocratizar e dificultar o

processo de licenciamento, gerando indefinições e atra-

sos na aprovação dos pedidos. Para os agentes econômi-

cos envolvidos com a construção das UHE, as incertezas

determinam uma impossibilidade de determinar, ex ante,

ou seja, até o momento da realização dos leilões o cus-

to ambiental total associado à construção da UHE. Esta

incerteza na definição concreta de uma rubrica da estru-

tura de custos cria sérios riscos econômicos para o em-

preendimento, dificultando e afastando investidores na

medida em que o preço que a energia elétrica, que será

vendida no futuro, é definida no leilão. Assim a receita é

definida no leilão, seu valor é fixo e corrigido anualmente

pelo IPCA a partir do início da operação da UH. Mas o cus-

to da construção não é definido na sua integridade. Este

descompasso entre despesa (custos ambientais) e receita

cria um risco para os novos e necessários investimentos.

Desta forma, há a necessidade de um aprimoramento

na legislação pertinente ao tema e nos critérios dos ór-

gãos executores do licenciamento. Uma alternativa seria

a adoção do mecanismo fast-track (tramitação rápida)

existente em países como Inglaterra e Estados Unidos e

sugerido por Calou (2007). Outra necessidade seria o fiel

cumprimento dos prazos para o deferimento ou indeferi-

mento das licenças pelos órgãos responsáveis. De acordo

com Calou, o tempo médio observado na emissão da

LP pelo Ibama referente aos 63 empreendimentos entre

1997 e 2006 foi de 1.188 dias ante o prazo legal de 270

Para os agentes econômicos envolvidos com a construção das

UHE, as incertezas determinam uma

impossibilidade de determinar, ex ante, ou seja, até o momento da realização dos leilões o custo ambiental total

associado à construção da UHE.

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dias estabelecidos pelo art. 17 da Instrução Normativa

65/2005 do Ibama.

Cabe ressaltar que, de acordo com dados do Balanço

Energético Nacional de 2007, a energia hidráulica res-

ponde por 75,9% do total da capacidade de oferta de

energia elétrica no Brasil (EPE, 2007). Com as dificuldades

na obtenção de licenças ambientais, esta fonte de ener-

gia limpa e renovável tende a perder espaço na matriz

energética brasileira. De acordo com Castro (2007, p.73),

“não há experiência no mundo, que garanta no curto e

médio prazo, uma conversão radical na matriz energética

em favor de fontes alternativas”, o que sustenta a necessi-

dade e prioridade da fonte hidrelétrica para o crescimen-

to econômico brasileiro, mantendo-se minimamente os

mesmos padrões de poluição ambiental. Nos últimos

anos (entre 1999 e 2006), houve um crescimento do nú-

mero de licenças prévia bem menor que o número total

de licenças, sinalizando problemas sérios na oferta de no-

vos empreendimentos de geração nos leilões de energia

nova (CASTRO, 2007).

Como ilustração da dificuldade da obtenção das li-

cenças ambientais para empreendimentos hidrelétricos,

pode-se mencionar os pedidos sucessivos por parte das

empresas interessadas pelo adiamento do leilão das

usinas do Rio Madeira, derivado de dificuldades no pro-

cesso de obtenção das licenças ambientais. Deve-se assi-

nalar que uma UHE só é ofertada em leilão com o licen-

ciamento prévio obtido pela EPE. Os sucessivos atrasos

na obtenção do licenciamento prévio da UHE de Santo

Antônio no Rio Madeira são um exemplo concreto deste

tipo de problema que pode comprometer o equilíbrio

entre oferta e demanda de energia elétrica. A outorga da

licença prévia permitiu a fixação da data do leilão, mas o

consórcio vencedor terá que “vencer” ainda duas etapas

de licenciamento e cumprir o prazo de início de operação

das primeiras turbinas em 2012-2013.

Nestes termos e a título de conclusão, pode-se afir-

mar que existe um risco potencial de desequilíbrio de

oferta de energia elétrica no Brasil, derivado de uma bai-

xa adequação da legislação ambiental à realidade e ne-

cessidade de energia fundamental. A reestruturação do

setor elétrico iniciada em 2003 tem conseguido superar

os problemas institucionais da crise de energia elétrica e

com isto minimizar as incertezas e garantir o retorno dos

investimentos. Assim, ao consolidar o marco regulatório e

criar, via leilões de energia nova, contratos de longo pra-

zo para os novos empreendimentos, foi possível construir

um novo padrão de financiamento baseado nas linhas de

financiamento do BNDES, acesso ao mercado de capitais

e capital próprio. Desta forma, para que o risco potencial

de crise não se configure e fique em patamares mínimos

e aceitáveis associados à matriz de hidroeletricidade, é

necessário um aprimoramento da legislação ambiental

que, em síntese, permita uma desburocratização do pro-

cedimento de licenciamento ambiental para as novas

usinas hidrelétricas capaz de permitir, ex-ante, a precifica-

ção dos custos inerentes à preservação ambiental.

Bibliografia

BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução

006/87. Dispõe sobre o licenciamento ambiental de obras

do setor de geração de energia elétrica. Diário Oficial [da

República Federativa do Brasil], Brasília, 22 out. 1987. Seção

I, p. 17.499.

CALOU, Sílvia. Desenvolvimento Energético e Licencia-

mento Ambiental. In: Anais do 8º ENCONTRO DE ENERgIA.

2007, São Paulo, 45p.

CASTRO, Nivalde José de. O destravamento ambiental do

setor elétrico brasileiro. Revista Custo Brasil, Rio de Janeiro,

ano 2, n. 8, p. 68-73, abr./maio 2007.

Ibama. Licenciamento. Disponível em: <http://www.Ibama.

gov.br/licenciamento/> Acesso em: 25 out. 2007.

IBGE. Dados Consolidados 2002. Disponível em: <http://

www.ibge.gov.br/home/#sub_indicadores>. Acesso em:

20 nov. 2007.

MME/EPE. Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica

2007/2016 [em Consulta Pública]. Brasília: MME/EPE, 2007.

Nivalde J. de CastroProfessor do Instituto de Economia da UFRJ e Coordenador

do GESEL – Grupo de estudos do Setor Elétrico

Victor José Ferreira GomesAssistente de pesquisa do Grupo de Estudos

do Setor Elétrico GESEL-IE-UFRJ

1�

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19

janeiro / março / 2008

Artigo

Dimensões da crise

A presente crise financeira se origina de uma bolha

imobiliária localizada nos Estados Unidos, decorrente

de excessos nos empréstimos concedidos a pessoas

de baixa capacidade econômica, os mutuários chama-

dos pejorativamente de ninjas – “no income, no jobs, no

assets”. Trata-se, portanto, de uma crise financeira origi-

nada nas unidades familiares e explicitada no início do

segundo semestre de 2007.

Conforme informações divulgadas pela imprensa

especializada, a questão é séria – as perdas imediatas

do sistema financeiro americano poderiam potencial-

mente alcançar cifras da ordem de 15% a 20% do PIB, e

até mais. Justificam plenamente as preocupações de-

monstradas pelo Presidente do FED (Federal Reserve

Bank, o Banco Central americano), pelo Secretário do

Tesouro (equivalente ao Ministro da Fazenda) e pelo

próprio Presidente da República, além dos principais

atores dos mercados financeiros internacionais.

Isto nada obstante, a solução do problema estaria, em

princípio, ao alcance do Governo dos Estados Unidos, que

dispõe de solvência e credibilidade suficientes para tal. O

custo político de colocar dinheiro público na solução do

embroglio pode, entretanto, ser grande.

Aparentemente as autoridades estão no caminho

certo, embora existam riscos de que não consigam no

final evitar o espraiamento da crise numa cadeia in-

controlável de insolvências de conseqüências impre-

visíveis. Daí as tensões nos mercados.

Segundo dados compilados pelo Departamento

de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco1, re-

lativos ao final de 2007, a riqueza líquida das famílias

americanas monta a US$ 57,7 trilhões, o que equivale

a 5,58 vezes a renda disponível (US$ 10,3 trilhões). Os

imóveis, avaliados em US$ 22,5 trilhões, correspondem

a 39% daquela riqueza líquida ou 31% dos ativos bru-

tos das famílias.

Estimativas citadas pelo mesmo estudo do Brades-

co indicam que a razão entre a riqueza das famílias e

sua renda líquida deverá cair para algo em torno de

4,8, o que implica uma deflação da ordem de 14% da

riqueza líquida total, com o valor dos imóveis caindo

20% (US$ 4,5 trilhões) e dos demais ativos, exclusive os

depósitos bancários, 11,6% (US$ 3,6).

Estas reduções abruptas de valor nos ativos das fa-

mílias implicam num efeito riqueza negativo da ordem

de US$ 8,1 trilhões equivalentes a quase 60% do PIB

anual, de US$ 13,8 trilhões.

Suponha-se, para efeito de raciocínio, que metade da

perda de valor dos imóveis se transforme em prejuízos

bancários, com base no fato de que as hipotecas cor-

respondem a praticamente metade do valor dos imó-

veis. Adicionalmente, admita-se que 10% da deflação

O Brasil e a crise financeira internacional

Carlos Eduardo de Freitas

1BRADESCO, Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (DEPEC) Destaque Diário, 17.03.2008.

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de preços dos demais ativos também repercutissem no

sistema financeiro, considerando, na mesma linha de

raciocínio, isto é, que 8,4% desses outros ativos teriam

contrapartida, ainda que não numa relação biunívoca,

em créditos do sistema financeiro (crédito ao consumi-

dor). Esses outros ativos corresponderiam aos bens du-

ráveis (US$ 4,0 trilhões) e aos ativos financeiros, excluin-

do os depósitos bancários diretos (US$ 13,3 trilhões) e

indiretos, sob a hipótese de que 25% das aplicações dos

fundos de investimento e fundos de pensão estejam

em depósitos bancários – US$ 4,2 trilhões.

Com base nas duas hipóteses acima, chega-se a

perdas potenciais do sistema financeiro americano da

ordem de US$ 2,6 trilhões, sendo US$ 2,25 trilhões do

setor imobiliário e US$ 0,36 trilhões decorrentes da

deflação dos demais ativos. Isto significa possíveis pre-

juízos do sistema financeiro de19% do PIB. Admitamos

que metade desse valor fosse absorvida em termos de

mercado, isto é, por novas chamadas de capital ou por

fusões e aquisições. E que a outra metade, digamos, o

equivalente a 10% do PIB, tivesse que ser assumida di-

reta ou indiretamente pelo Governo. Isto elevaria a dí-

vida pública americana para 73% do PIB, com um custo

adicional anual de 0,35% do PIB, à taxa de juros atual de

3,48% a.a.3. Não é de forma alguma matéria trivial, até

pelas repercussões políticas do uso de dinheiro públi-

co; mas parece exeqüível do ponto de vista econômi-

co, considerando que o déficit fiscal americano encon-

tra-se em 2,4% do PIB4. Assim, se o Governo assumisse

perdas do sistema bancário de 10% do PIB – US$ 1,4

bilhões – o seu déficit aumentaria Coeteris Paribus para

2,75% do PIB, nível perfeitamente gerenciável.

Balanço das Famílias (inclui ISFLSF)2

US$ trilhões

Ativo Passivo

Ativo Fixo 26,5 Passivo Exigível 14,4

Imóveis 22,5 Crédito Imobiliário 10,5

Bens Duráveis4,0

Crédito ao Consumidor 2,6

Ativos Financeiros 44,5 Outras Obrigações 1,3

Depósitos Bancários 13,3 Patrimônio Líquido (Riqueza Líquida) 57,7

Ações (aplic. diretas) 6,2

Fundos de investimentos 4,5

Fundos de pensão 12,3

Empresas não incorporadas 7,3

Outros Ativos 1,1

Total do Ativo 72,1 Total do Passivo 72,1

Fonte: BRADESCO, Departamento de Estudos e Pesquisas Econômicas (DEPEC), Destaque Diário, 17.03.2008.

2 Instituições sem fins lucrativos a serviço das famílias.

3 government Bonds de 10 anos cf. The Economist, March 15th – 21st 2008, p.118.

4 The Economist, March 15th – 21st 2008, p.118.

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janeiro / março / 2008

Os riscos do colapso

Falências em cadeia, como ocorreram em 1929,

quando o estouro da bolha na bolsa de valores foi se-

guido de uma crise bancária, causaram a profunda de-

pressão econômica da década de 1930. As suas conse-

qüências políticas desastrosas, por demais conhecidas,

dispensam comentários.

Os bancos trabalham fortemente alavancados,

como é de sua natureza de intermediários financei-

ros. Por esta razão, uma crise bancária que venha a se

generalizar conduz a falências sucessivas e contamina

todo o sistema econômico. Como diz Martim Wolf5, o

sistema bancário, em última análise, é uma subsidiária

do Estado e o Governo não pode deixá-lo à deriva: “Um

governo solvente pode e deve organizar uma operação

de salvamento”.

Se aqueles valores potenciais se concretizassem,

sem dúvida estar-se-ia diante de uma tormenta eco-

nômica talvez mais catastrófica do que a de 1929. Vá-

rios analistas da cena econômica internacional têm

explicitado receios nesse sentido.

O valor estimado acima para os prejuízos potenciais

do sistema bancário, de US$ 2,6 trilhões, encontra-se

dentro dos montantes que têm sido referidos na im-

prensa especializada. Martim Wolf6 cita: Ben Bernanke,

Presidente do Federal Reserve, sugeriu US$ 100 bilhões,

para começar, apenas em julho de 2007; o Goldman

Sachs falou em US$ 500 bilhões; Nouriel Roubini, da

Escola da Administração de Empresas Stern da Univer-

sidade de Nova York mencionou U$ 1 a US$ 2 trilhões,

e, mais recentemente, chegou a US$ 3 trilhões, dizen-

do que pode até ser pior, dependendo de uma espiral

de inadimplências combinadas a estrangulamento do

crédito bancário.

O Federal Reserve tem procurado enfrentar o pro-

blema com reduções agressivas da taxa de juros bá-

sica, o que proporciona um efeito riqueza positivo ao

sistema econômico em geral e ao sistema bancário,

em particular. Além disso, abriu linhas especiais de

redesconto, aceitando, inclusive, hipotecas como las-

tro e financiou parcialmente a compra do Bear Stearns

pelo J. P. Morgan.

Todas essas medidas procuram evitar quebras ban-

cárias, compensar, ainda que parcialmente, o choque

negativo da destruição de riqueza e não permitir o co-

lapso do crédito.

Se elas serão suficientes é uma pergunta sem res-

posta no momento. E, se for necessário aprofundar as

medidas, até que ponto o governo americano estaria

preparado para levar adiante as providências?

A questão fundamental é a seguinte: como se trata

de um problema de solvência, não de liquidez, o Go-

verno Americano teria amparo legal e coragem políti-

ca para assumir explicitamente as perdas, se e quando

isso se tornasse inevitável, mesmo sob o risco de ser

acusado de estar salvando banqueiros quebrados?

Não se pode esquecer o drama brasileiro da crise

bancária pós-eliminação da hiperinflação, quando o

Governo Fernando Henrique, por intermédio do Proer7,

evitou um colapso bancário sem proporcionar nem um

5 Martim Wolf, Fingir que nada aconteceu é um erro. Valor, 27.02.2008.

6 Martim Wolf, Quem dá mais? Valor, 12.03.2008.

7 PROER: Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional.

Os bancos trabalham fortemente alavancados,

como é de sua natureza de intermediários financeiros.

Por esta razão, uma crise bancária que venha a se generalizar conduz

a falências sucessivas e contamina todo o sistema

econômico.

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centavo aos banqueiros, donos das instituições quebra-

das. Entretanto, não conseguiu livrar-se da pecha de ter

usado dinheiro público para ajudar banqueiros falidos.

Os riscos das medidas de salvaguarda

O que pode sair errado?

Em primeiro lugar, embora pouco provável, as me-

didas para evitar a espiral deflacionista poderiam aca-

bar revertendo a tendência de contenção de despesas

das famílias, voltando-se ao ritmo anterior de absorção

doméstica (poupança + investimento).

Nesse caso, a economia americana estaria a salvo do

colapso, mas o retorno ao diapasão pretérito de consumo

pessoal, com o conseqüente impacto sobre a demanda

agregada, significaria que os Estados Unidos continua-

riam a requerer elevado volume de financiamento ex-

terno. O déficit do balanço de pagamentos em transa-

ções correntes americano é de 4,7% do PIB, embora em

descenso. Chegou a estar acima de 6% do PIB. A taxa de

juros muito baixa poderia dificultar o financiamento.

Nessa hipótese a desvalorização do dólar se acen-

tuaria com eventuais reflexos inflacionários. Se isso

ocorresse com a taxa de juros baixa como está, a de-

manda por ativos financeiros em dólares poderia des-

pencar e ele até perderia o seu status de moeda de re-

serva. Este cenário de fuga do dólar é explosivo. Entre

70% e 75% das transações internacionais ainda são

denominadas em dólares. Além de principal reserva

de valor, o dólar é o grande meio de pagamento e de-

nominador comum de valores da economia mundial.

Não tem substituto a vista e não existe ainda um banco

central mundial que emita uma moeda internacional.

Como se sabe, a idéia do bancor lançada por Keynes

em 1944, na Conferência de Bretton Woods, fracassou.

Nesse encontro em que foi criado o Fundo Monetário

Internacional (FMI), prevaleceu a proposta americana

do sistema “câmbio-ouro” com o dólar no papel de mo-

eda central do sistema financeiro internacional.

O bancor seria uma moeda internacional emitida

pela novel instituição – o FMI – e, portanto, desvincula-

da dos problemas de política interna envolvidos na con-

dução da política monetária de um país em particular.

A outra possibilidade é que as medidas não alcan-

cem o objetivo de evitar o desdobramento da crise

num círculo vicioso deflacionista, de inadimplências,

estrangulamento do crédito bancário, falências, de-

semprego e depressão econômica – 1929 à vista.

Por que isso ocorreria? Por hesitação do governo

americano e insuficiência das providências para lidar com

uma crise séria de insolvência das unidades familiares.

Note-se que os resultados são potencialmente mui-

to semelhantes, tanto num quadro de excesso como

de insuficiência das medidas. É isso que faz a arte da

política econômica tão fascinante e complexa. Não há

modelo exato, nem receita para ser aplicada. É o ajuste

fino, onde a maturidade profissional se faz preciosa.

Seria absurdo o governo oferecer segurança aos

donos e acionistas dos bancos de que sairiam ilesos

do estouro da bolha. Significaria tornar-se cúmplice

de más práticas bancárias, aceitando implicitamente a

chantagem de que o sistema bancário não pode que-

brar. Mas ao mesmo tempo não pode haver prejuízos

dos depositantes.

Em 1984 o Federal Reserve conduziu-se com particu-

lar brilhantismo na crise do Continental Illinois, um gran-

de banco de Chicago. Nacionalizou o banco, diluiu com-

pletamente os acionistas, capitalizou-o e posteriormente

Em primeiro lugar, embora pouco provável, as medidas

para evitar a espiral deflacionista poderiam

acabar revertendo a tendência de contenção de despesas das famílias,

voltando-se ao ritmo anterior de absorção

doméstica (poupança + investimento).

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janeiro / março / 2008

o privatizou. Uma solução de todo semelhante à aplica-

da pelo Banco Central do Brasil no caso do Banespa e de

outros bancos estaduais com o PROES8.

Culpados

Os grandes culpados dessas crises, a meu ver, são

os bancos centrais. Essas instituições foram criadas jus-

tamente para controlar o crédito bancário e evitar que

prosperem as bolhas. No entanto, têm freqüentemente

fracassado.

Uma corrente importante de economistas prega a

independência dos bancos centrais, no sentido de que

disponham de autonomia operacional em relação aos

governantes de plantão. Entretanto, o Federal Reserve

Bank é tido como instituição independente nesse senti-

do e assistiu passivamente ao desenvolvimento da bo-

lha imobiliária nos Estados Unidos até o seu estouro.

A questão é que os bancos centrais podem ser inde-

pendentes dos governos, mas não são independentes

da sociedade, esta representada pelas diferentes cor-

rentes de opinião pública, setores empresariais, acadê-

micos, políticos, associações de classe, etc.. Os dirigentes

dos bancos centrais não operam numa cápsula isolada

do mundo. Eles são partes da dinâmica social. Parece-me

ilusória a autonomia formal em relação aos governos.

Independentes, os dirigentes têm que ser. Os car-

gos de direção nos bancos centrais são incompatíveis

com agendas paralelas e ambições outras. E por quê?

Porque o banco central é o desmancha prazer social

por excelência. Esta é a sua função.

Quando tudo parece ir bem, pessoas mais pobres es-

tão ascendendo economicamente, expandindo seus gas-

tos de consumo e seu investimento em bens duráveis; a

frota de automóveis cresce exponencialmente; a classe

média faz turismo, adquire seus imóveis e seus filhos en-

contram boas oportunidades de emprego; os industriais

e comerciantes estão felizes; os negócios prosperando; a

popularidade do governo “bombando”; nesse momento,

o Banco Central entra em cena para anunciar que a ex-

pansão do crédito é excessiva, que há indícios de tensões

inflacionárias, que o superávit primário deve aumentar.

Como dizia um amigo que foi colega de Diretoria no Ban-

co Central: no melhor da festa, aparece um sujeito avisando

que o uísque e o vinho serão substituídos por água mineral e

refrigerantes; e que, além disso, a música vai dar um interva-

lo. Esse desmancha prazer tem o nome de banco central.

A sua missão institucional é a de ser o núcleo de raciona-

lidade econômica dentro do governo.

A crise afeta o Brasil?

Claro que sim. Os Estados Unidos respondem por

29% da economia mundial, considerando os dados de

renda nacional de 2005 do Banco Mundial9.

Os grandes culpados dessas crises, a meu ver, são os bancos

centrais. Essas instituições foram criadas justamente para

controlar o crédito bancário e evitar que prosperem as

bolhas. No entanto, têm freqüentemente fracassado.

Uma corrente importante de economistas prega a

independência dos bancos centrais, no sentido de que disponham de autonomia

operacional em relação aos governantes de plantão.

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8 PROES: Programa de Incentivo à Redução da Participação do Setor Público Estadual na Atividade Financeira Bancária, lançado em agosto de 1996, por intermédio de Medida Provisória.

9 Atlas of Global Development, The World Bank, Washington, D.C., 2007, p. 126.

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Como visto acima, os riscos de desdobramentos

mais pessimistas estão presentes. Evitá-los cabe à ha-

bilidade do Federal Reserve, do Office of the Comptroller

of the Currency e do Departamento do Tesouro dos

Estados Unidos em dosar as medidas de maneira a não

permitir que a destruição de riqueza das famílias ori-

ginada do desmantelamento da bolha imobiliária se

propague em ondas e contamine todo o sistema eco-

nômico.

Manter o PIB crescendo próximo a 3%a.a.10 como

nos últimos anos é impossível. Evitar a débâcle, não.

O cenário mais provável é que os Estados Unidos en-

frentem uma fase de atividade econômica reduzida, e

mesmo de semi-estagnação devido ao inevitável freio

do consumo das famílias, responsável por 70% da de-

manda agregada naquele país.

O quadro ideal seria que este consumo fosse

substituído por exportações, o que, aliás, já começou

a acontecer. Importante também seria que os estran-

geiros detentores de ativos financeiros denominados

em dólares os convertessem em investimentos dire-

tos, reduzindo a necessidade de intervenção gover-

namental direta para equilibrar o sistema bancário. O

fundo soberano chinês chegou a oferecer US$ 1 bilhão

pelo Bear Stearns, há coisa de 1 mês. A negociação não

prosperou (os chineses recuaram?).

O quadro ideal, contudo, exige coordenação inter-

nacional para que países como a China, a Índia, Japão,

etc., aceitem aumentar a absorção (consumo e investi-

mento interno), reduzindo as exportações. O Brasil, por

exemplo, vem aumentando suas importações de for-

ma significativa, e já vai apresentar déficit no balanço

de pagamentos em transações correntes em 2008.

Também requer baixo nível de atrito e de descon-

fianças políticas, de forma que os investimentos exter-

nos de árabes, chineses, japoneses, e de outros países

possam fluir com desenvoltura aos Estados Unidos. De

certa forma e não obstante o recuo chinês no caso do

Bear Stearns, este processo pode estar em curso. Exem-

plo: a venda pela Ford à Tata Motors, indiana, das in-

dústrias de automóveis Jaguar e Land Rover.

Do ponto de vista brasileiro, é igualmente preciso

ficar claro que os Estados Unidos nos anos vindouros

não deverão ser um lugar tão bom como tem sido para

vender, mas melhor do que têm sido para comprar.

O que fazer?

O Brasil tem uma posição privilegiada no caso

presente, porque não está em excesso de velocidade

(ainda), porque sua dívida pública foi desvinculada do

dólar e o país é, hoje, credor líquido no exterior. Confor-

me os dados de dezembro de 2007, o Brasil era credor

líquido do resto do mundo em US$ 11 bilhões.

Entretanto, não há milagres. A economia líder foi

ferida pelo estouro de uma bolha. Dificilmente o Brasil

vai continuar na trajetória de prosperidade dos últimos

anos, que se acelerou agora em 2007. Provavelmente o

crescimento econômico retornará a um padrão de 3%

a 4%a.a.

É preciso ficar claro que manter esta velocidade

de crescimento seria, olhando-se a conjuntura econô-

mica internacional hoje, um resultado já muito bom.

Para isso, é necessário que o Banco Central tome des-

de logo as medidas necessárias de aumento de juros e

restrições à expansão do crédito. Ajudaria muito se o

Ministério da Fazenda elevasse o objetivo de superávit

primário.

Carlos Eduardo de FreitasEconomista do Corecon/DF

10 O PIB americano cresceu 2,86%a.a. em média no qüinqüênio 2003-2007, conforme dados do Banco Central (site do Banco Central, Séries Históricas).

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Page 27: 33-revista

INFORMAÇÕES:

(61) 3964-8366, 3964-8368 e 3223-1429www.corecondf.org.br

Apoio: Conselho Federal de Economia – COFECON

XV PRÊMIO CORECON-DF DE ECONOMIAMonografias

2008

1º Lugar: R$ 5.000,002º Lugar: R$ 3.000,003º Lugar: R$ 2.000,00

Serão premiadas as três melhores monografiasaprovadas nos Cursos de Graduação do DF

Até três monografias selecionadas em cada Faculdade, deverão ser encaminhadas pelos respectivos

Departamentos de Economia, até 01/09/2008, desde que aprovadas nos doze meses anteriores à inscrição.

Poderá haver, também, inscrição de monografias

diretamente pelo autor, desde que tenha recomendação escrita do orientador.

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Reforma tributária: urgente e necessária

Nos 19 anos da Constituição de 1988 a carga tribu-

tária aumentou 16,07 pontos percentuais, correspon-

dendo a um crescimento de 80%, conforme informa o

Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário - IBPT, e

quem sofre com esta alta carga tributária no Brasil é o

contribuinte.

No ano passado, a carga tributária atingiu o índice

de 36,08% e teve o crescimento de 1,02% em relação

ao ano de 2006, que foi de 35,06% do PIB. De acordo

com informações dadas pelo Jornal Nacional, veiculado

no dia 27 de março de 2008, o Banco Mundial comparou

empresas de 177 países, e o Brasil é o primeiro da lista

dos países com as maiores burocracias em impostos.

Uma empresa brasileira gasta 2,6 mil horas por ano para

organizar o pagamento de impostos. Uma canadense,

119h. Uma suíça, 63h. Por estes motivos a alta carga tri-

butária, o excesso de burocracia e os juros elevados que

prejudicam o empreendedorismo no Brasil fazem com

que muitos economistas acreditem na urgência de uma

reforma tributária. Segundo o IBPT, em 2007 foram arre-

cadados R$ 2,53 bilhões por dia, contra R$ 2,24 bi diários

em 2006. Por segundo, foram arrecadados R$ 29.275,65

em 2007, contra R$ 25.936,78 em 2006. Cada brasilei-

ro pagou de tributos em média R$ 4.943,15 em 2007

(36,5%), contra R$ 4.379,39 em 2006, representando um

aumento de R$ 563,76 por habitante.

Para o professor da Escola Brasileira de Administra-

ção Pública de Empresas da Fundação Getúlio Vargas

(FGV), Fernando Rezende, a reforma tributária é mais

do que urgente, é essencial. Já o consultor econômico,

Raul Velloso, acredita que o sistema de impostos sem-

pre tem problemas e precisa ser permanentemente

aperfeiçoado. “Só não sei se as mudanças devem ser

tão ambiciosas como normalmente aparecem nas cha-

madas ‘reformas tributárias’. Acredito mais em mudan-

ças incrementais que vão ajustando o sistema de for-

ma mais viável politicamente, conforme os problemas

sejam detectados”, explica. “O problema de reformas

muito ambiciosas é que, como se tem visto na prática,

acabam morrendo no processo de tramitação, pois os

conflitos de interesse são sempre muito fortes. Basta

tomar dois temas sempre presentes em reformas tri-

butárias: pacto federativo e vinculações de receita, em

que todos se insurgem contra quaisquer mudanças”,

afirma Velloso.

Fernando Rezende também acredita neste clima de

desconfiança entre as partes envolvidas no processo

de reforma tributária, e fala ainda da necessidade de

discutir uma reforma mais abrangente para se cons-

truir um modelo de federalismo fiscal. Assim como o

economista Amir Khair, que sustenta a simplificação

do sistema tributário e principalmente redução da tri-

butação sobre o consumo e ampliá-la sobre a renda e

o patrimônio para tornar o sistema menos regressivo

também são questões prioritárias.

Para muitos não existe um modelo de reforma úni-

co e ideal, aplicável para todas as situações, o que se

deve levar em conta é a característica de cada país e

sua trajetória econômica, explica Fernando Rezende.

“No caso do Brasil, o modelo tributário ideal é aquele

que desonere integralmente os investimentos e impor-

tações. Transfira o ônus da tributação para o consumo e

adote uma maneira mais justa de aumentar a capacida-

de contributiva da sociedade”, disse Rezende.

por Daniela Lima

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Page 29: 33-revista

Reforma tributária: urgente e necessária

Impostos

“Imposto bom é imposto velho”. Raul Velloso de-

fende essa máxima quando diz que os impostos que

estão aí existem, em geral, por algum motivo relevante.

“A Contribuição sobre o Lucro foi criada para não par-

tilhar entre os membros da federação um adicional do

Imposto de Renda da Pessoa Jurídica que poderia ter

sido criado em seu lugar. Só vale a pena mexer nela

se estiver sendo refeito o pacto federativo. O proble-

ma, nesse caso, é que é muito difícil mexer em pactos

desse tipo, a não ser em momentos de ruptura política”,

explica. Outros impostos, defendidos por Khair, devem

continuar a valer no Brasil, como o Imposto de Renda,

Imposto sobre o Valor Adicionado e Imposto sobre o

Patrimônio, além dos regulatórios: imposto de impor-

tação, exportação e operações financeiras.

Descentralização tributária

Para muitos especialistas, seja ele jurista, economista,

advogado, contador, a descentralização tributária não

dificulta a possibilidade de uma reforma no sistema tri-

butário do País. O professor Fernando Rezende afirma

que a descentralização tributária é o caminho da mo-

dernidade. “Os países avançam no caminho de aumen-

tar o poder de atuação dos governos locais – esses são

os governantes que estão mais próximos do cidadão.

Isso torna a reforma mais complexa, mas não é isso que

a torna mais difícil, e sim a ausência dessa dispensável

desconfiança entre as partes que discutem a reforma

tributária”, diz o economista.

Raul Velloso destaca que governadores e prefeitos vão

sempre resistir às tentativas de recentralizar o sistema de

cobrança de tributos, ainda que, como se dá no caso do

ICMS, a cobrança unificada pela União pudesse resolver

vários problemas, inclusive de eficiência econômica.

“Qualquer reforma tributária envolve conflitos agu-

dos de interesse, pelas perdas e ganhos que enseja. É

por isso que, desde 1988, não se consegue fazer nenhu-

ma reforma de vulto. Seria preciso um outro ponto de

descontinuidade política, capaz de desarmar espíritos

(por bem ou à força), e de viabilizar as mudanças reque-

ridas”, conclui Velloso.

Evolução da carga tributária brasileira em relação ao PIB (atual e antiga metodologia do IBGE)

Arrecadação tributária geral (em R$ milhões)

PIB PIB Tributos Tributos Tributos Total Carga trib./PIB Carga trib./ PIB

ANOMetodologia

anteriorNova

metodologiaFederais Estaduais Municipais Arrecadação Anterior Nova

1996 778.887 843.966 139.484 62.980 10.116 212.580 27,29% 25,19%

1997 870.743 939.147 158.566 69.320 11.305 239.191 27,47% 25,47%

1998 914.188 979.276 181.828 72.070 14.219 268.117 29,33% 27,38%

1999 973.846 1.065.000 210.691 79.154 15.096 304.941 31,64% 28,63%

2000 1.101.255 1.179.482 250.302 95.383 16.011 361.696 32,84% 30,67%

2001 1.198.736 1.302.136 278.599 108.262 16.884 403.745 33,68% 31,01%

2002 1.346.028 1.477.822 341.510 122.234 18.742 482.486 35,84% 32,65%

2003 1.556.182 1.699.948 391.052 139.137 22.990 553.179 35,54% 32,54%

2004 1.766.621 1.941.498 454.313 166.117 29.705 650.135 36,80% 33,49%

2005 1.937.598 2.147.943 514.417 187.873 30.574 732.864 37,82% 34,12%

2006 2.100.946 2.332.936 570.789 211.956 35.193 817.938 38,80% 35,06%

2007 2.558.821 650.997 233.416 38.832 923.924 36,08%

*Diferenças nas somatórias devem-se a arredondamentos.**Novos valores correntes do PIB divulgados pelo IBGE em 28/03/2007.

Fonte: IBPT

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janeiro / março / 2008

Page 30: 33-revista

Evolução da carga tributária por Presidente da República

Arrecadação tributária geral: em US$ milhões (1986 a 1991)/ R$ milhões (1992 em diante)

Ano PIBTributos federais

% s/ PIB

Tributos estaduais

% s/ PIB

Tributos municipais

% s/ PIB

Total arrecadação

% s/PIB

Crescimentocarga tribut.

ano anterior (%)

1986 337.832 56.386 16,69 17.160 5,08 2.095 0,62 75.641 22,39

1987 360.810 55.048 15,26 16.015 4,44 2.093 0,58 73.156 20,28 - 2,11

1988 371.999 55.542 14,93 16.656 4,48 2.232 0,60 74.430 20,01 -0,27

1989 399.647 58.544 14,65 27.613 6,91 2.398 0,60 88.555 22,16 2,15

1990 398.747 79.352 19,90 36.219 9,08 3.684 0,92 119.255 29,91 7,75

1991 405.679 65.386 16,12 29.686 7,32 4.781 1,18 99.853 24,61 -5,3

1992 355.453 60.437 17,00 26.297 7,40 3.480 0,98 90.214 25,38 0,77

1993 429.968 79.510 18,49 25.398 5,91 2.971 0,69 107.879 25,09 -0,29

1994 477.920 98.199 20,55 34.334 7,18 4.200 0,88 136.733 28,61 3,52

1995 646.192 124.695 19,30 53.139 8,22 9.024 1,40 186.858 28,92 0,31

1996 843.966 139.484 16,53 62.980 7,46 10.116 1,20 212.581 25,19 -3,73

1997 939.147 158.566 16,88 69.320 7,38 11.305 1,20 239.191 25,47 0,28

1998 979.276 181.828 18,57 72.070 7,36 14.219 1,45 268.117 27,38 1,91

1999 1.065.000 210.691 19,78 79.154 7,43 15.096 1,42 304.941 28,63 1,25

2000 1.179.482 250.302 21,22 95.383 8,09 16.011 1,36 361.696 30,67 2,03

2001 1.302.136 278.599 21,40 108.262 8,31 16.884 1,30 403.745 31,01 0,34

2002 1.477.822 341.510 23,11 122.234 8,27 18.742 1,27 482.486 32,65 1,64

2003 1.699.948 391.052 23,00 139.137 8,18 22.990 1,35 553.179 32,54 -0,11

2004 1.941.498 454.313 23,40 166.117 8,56 29.705 1,53 650.135 33,49 0,95

2005 2.147.944 514.417 23,95 187.873 8,75 30.574 1,42 732.864 34,12 0,63

2006 2.332.936 570.789 24,47 211.956 9,09 35.193 1,51 817.938 35,06 0,94

2007 2.558.821 650.997 25,44 233.416 9,12 38.832 1,52 923.924 36,08 1,02 P

Fonte: IBPT

*Diferenças nas somatórias devem-se a arredondamentos** Valores do PIB de 1996 a 2006 revistos pelo IBGE em 28/3/2007.

Governo Sarney: 1985 - 1990

Governo Collor : 1990 - 1992

Governo Itamar: 1992 - 1994

Governo FHC 1: 1995 - 1998

Governo FHC 2: 1999 - 2002

Governo Lula: 2003 - 2007

Curiosidades tributárias

• Pela antiga metodologia de cálculo do PIB (IBGE), a carga tributária estaria em 39,92%;

• Os tributos federais cresceram 0,97 ponto percentual, os estaduais 0,04 p.p. e os municipais 0,01 p.p.;

• Em valores nominais os tributos federais tiveram crescimento de R$ 80,19 bi-lhões, os estaduais R$ 21,47 bi e os municipais R$ 3,63 bi, totalizando um aumen-to de arrecadação de R$ 105,29 bilhões;

• Percentualmente, os tributos federais cresceram 14,05%, os estaduais 10,13% e os municipais 10,32%, sendo que o aumento de arrecadação nominal foi de 12,87%;

• Em valores nominais os tributos que mais tiveram crescimento foram Imposto de Renda, INSS e ICMS;

• Percentualmente, os tributos que mais cresceram foram CSLL, Imposto de Im-portação e IPI;

• Enquanto o PIB “per capita” cresceu 4% em termos reais, cada brasileiro pagou 7,2% a mais de tributos em 2007;

• Se não houvesse aumento da carga tributária em 2007, cada brasileiro teria um acréscimo de renda de R$ 141,00;

Fonte: IBPT

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Page 31: 33-revista

Evolução da carga tributária por Presidente da República

Arrecadação tributária geral: em US$ milhões (1986 a 1991)/ R$ milhões (1992 em diante)

Ano PIBTributos federais

% s/ PIB

Tributos estaduais

% s/ PIB

Tributos municipais

% s/ PIB

Total arrecadação

% s/PIB

Crescimentocarga tribut.

ano anterior (%)

1986 337.832 56.386 16,69 17.160 5,08 2.095 0,62 75.641 22,39

1987 360.810 55.048 15,26 16.015 4,44 2.093 0,58 73.156 20,28 - 2,11

1988 371.999 55.542 14,93 16.656 4,48 2.232 0,60 74.430 20,01 -0,27

1989 399.647 58.544 14,65 27.613 6,91 2.398 0,60 88.555 22,16 2,15

1990 398.747 79.352 19,90 36.219 9,08 3.684 0,92 119.255 29,91 7,75

1991 405.679 65.386 16,12 29.686 7,32 4.781 1,18 99.853 24,61 -5,3

1992 355.453 60.437 17,00 26.297 7,40 3.480 0,98 90.214 25,38 0,77

1993 429.968 79.510 18,49 25.398 5,91 2.971 0,69 107.879 25,09 -0,29

1994 477.920 98.199 20,55 34.334 7,18 4.200 0,88 136.733 28,61 3,52

1995 646.192 124.695 19,30 53.139 8,22 9.024 1,40 186.858 28,92 0,31

1996 843.966 139.484 16,53 62.980 7,46 10.116 1,20 212.581 25,19 -3,73

1997 939.147 158.566 16,88 69.320 7,38 11.305 1,20 239.191 25,47 0,28

1998 979.276 181.828 18,57 72.070 7,36 14.219 1,45 268.117 27,38 1,91

1999 1.065.000 210.691 19,78 79.154 7,43 15.096 1,42 304.941 28,63 1,25

2000 1.179.482 250.302 21,22 95.383 8,09 16.011 1,36 361.696 30,67 2,03

2001 1.302.136 278.599 21,40 108.262 8,31 16.884 1,30 403.745 31,01 0,34

2002 1.477.822 341.510 23,11 122.234 8,27 18.742 1,27 482.486 32,65 1,64

2003 1.699.948 391.052 23,00 139.137 8,18 22.990 1,35 553.179 32,54 -0,11

2004 1.941.498 454.313 23,40 166.117 8,56 29.705 1,53 650.135 33,49 0,95

2005 2.147.944 514.417 23,95 187.873 8,75 30.574 1,42 732.864 34,12 0,63

2006 2.332.936 570.789 24,47 211.956 9,09 35.193 1,51 817.938 35,06 0,94

2007 2.558.821 650.997 25,44 233.416 9,12 38.832 1,52 923.924 36,08 1,02 P

Fonte: IBPT

*Diferenças nas somatórias devem-se a arredondamentos** Valores do PIB de 1996 a 2006 revistos pelo IBGE em 28/3/2007.

Governo Sarney: 1985 - 1990

Governo Collor : 1990 - 1992

Governo Itamar: 1992 - 1994

Governo FHC 1: 1995 - 1998

Governo FHC 2: 1999 - 2002

Governo Lula: 2003 - 2007

ArtigoA proposta de Emenda Constitucional 233, de 2008

Está no Congresso desde 28 de fevereiro nova pro-

posta do governo de reforma tributária. Ela é resultado

de duas décadas de debate político e técnico acerca

dos problemas do sistema impositivo brasileiro, envol-

vendo União, Estados e municípios.

A última iniciativa de reforma tributária data de 2003

(PEC 41), que, depois de fatiada e aprovados seus dispo-

sitivos inadiáveis, estacionou na forma de duas novas

PEC. A principal, PEC 285/04, que trata preponderan-

temente da unificação e cobrança do Imposto sobre a

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) no destino,

não prosperou porque se tornou difícil a aprovação de

um texto eivado de tantas exceções e ressalvas. Dadas

as peculiaridades da distribuição vertical das compe-

tências e receitas tributárias do federalismo brasileiro,

acabam predominando no debate, em lugar de argu-

mentos técnicos, instâncias burocráticas e políticas.

A PEC 233/08 retoma o processo cinco anos mais

tarde. Segundo a argumentação oficial, trata-se da re-

forma possível, para resolver questões que se colocam

no plano constitucional. A PEC incorpora alguns avan-

ços textuais obtidos anteriormente, mas evita constitu-

cionalizar o que pode ser regulado por outros instru-

mentos (leis complementares, e mesmo ordinárias).

Histórico e iniciativas anteriores

Mudança radical na estrutura tributária como a

que houve em 1965 foi possível porque à época o re-

gime político era autoritário. A Constituição de 1988

produziu movimento na direção oposta à ordem an-

terior, descentralizando a receita e aumentando a au-

tonomia legislativa dos Estados e municípios. Mais in-

tensamente a partir de 1992, instalou-se a competição

entre Estados via incentivos tributários e financeiros no

campo do ICMS, pela localização de empreendimentos

privados, a chamada “guerra fiscal”.

De outro lado, a redistribuição, em 1988, das receitas

disponíveis desequilibrou as finanças federais, levando

a União a buscar, nos anos seguintes – em particular

após a queda acentuada da inflação –, financiamento

crescente mediante a criação e sucessivos aumentos

de alíquotas de contribuições (Contribuição para o

Programa de Integração Social/Contribuição para o Fi-

nanciamento da Seguridade Social – PIS/Cofins, Contri-

buição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL, Contribui-

ção Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF,

Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

– Combustíveis – CIDE...), quase todas vinculadas à se-

guridade social, não partilhadas com as demais esferas,

indiretas e cumulativas.

Já se reconhecia a necessidade de reforma tribu-

tária na primeira metade da década de 90, mas prati-

camente nada prosperou. Missão de assistência téc-

nica do FMI chefiada pelo diretor do Departamento

de Assuntos Fiscais, em 1992, recomendou mudanças

que influenciaram ou coincidiram com as propostas

de revisão constitucional de 1993; a principal tentativa

seguinte, de iniciativa do Executivo (PEC 175, de 1995,

discutida durante 8 anos); e a PEC 293/04, que resultou

do fatiamento da PEC 41/03, na sua volta do Senado

para a Câmara.

A reforma tributária de 2008José Fernando Cosentino Tavares 29

janeiro / março / 2008

Page 32: 33-revista

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a

Vito Tanzi e sua equipe atribuíram prioridade à refor-

ma do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), do

ICMS e do Imposto sobre Serviços (ISS), e preconizaram,

para esses três tributos, num primeiro momento, (1) a

transformação do IPI em Imposto sobre o Valor Adicio-

nado (IVA)1 do tipo consumo aplicado à indústria, com

alíquota única, eliminando-se o efeito cascata remanes-

cente, i.e., admitindo-se também créditos financeiros

pela aquisição de bens de capital e bens de uso e con-

sumo do estabelecimento); (2) a criação de impostos

seletivos sobre o consumo (droits d’accise) de tabaco,

bebidas e automóveis, energia, gazes de efeito estufa e,

eventualmente, outros bens de luxo; (3) em relação ao

ICMS, pelas mesmas razões acima, a permissão para o

crédito nas compras de bens para integrar o ativo fixo e

para uso e consumo, e ainda a aplicação do princípio do

destino nas exportações, ressarcindo-se os Estados ex-

portadores-perdedores a partir de um fundo financiado

com ICMS sobre importações cobrado pela União.

Recomendaram ainda que, numa segunda fase da

reforma do ICMS, o ISS e todos os serviços se incorpo-

rariam à base. A mudança nos dois tributos e na articu-

lação entre os Estados seria aprovada pelo Congresso.

Esse novo IVA teria poucas alíquotas, incidentes sobre

categorias de mercadorias e serviços estabelecidos

nacionalmente. A competência tributária dos Estados

se resumiria à fixação de sobretaxas acima do alíquo-

ta-piso nacional das várias categorias. A alíquota inte-

restadual seria a menor das alíquotas e única, implican-

do que as preocupações redistributivas viessem a ser

atendidas por outros instrumentos.

Já a cobrança se faria na origem. A expectativa é de que

as sobretaxas fossem sendo gradualmente eliminadas, e

que o ICMS acabasse se transformando em um IVA nacio-

nal, com alíquotas uniformes. Por fim, o IPI se somaria ao

novo ICMS em um único tributo sobre o valor adicionado,

simplificando o sistema e facilitando a inserção do Brasil

no Mercosul, que começava a se fortalecer à época.

Principais avanços conseguidos

As distorções do ICMS foram o foco das sucessivas

iniciativas de reforma, porque o principal tributo esta-

dual onerava exportações de bens semi-elaborados e

primários e bens de capital. Isso resolveu-se, no caso

das exportações, primeiro com a Lei Complementar 87,

1 Nessa forma de tributação, a cobrança é feita ao longo da cadeia produtiva, deduzindo a cada etapa os valores de tributo já recolhidos em etapas anteriores. Dessa forma, diminui o risco de perda da receita por sonegação na ponta final do varejo, e cada contribuinte tem interesse em fiscalizar a emissão da nota fiscal pelo seu fornecedor, assegurando-se a utilização dos créditos do imposto. Um IVA moderno deve ser neutro, sua carga deve ser repassada para o consumidor, para não gerar distorções econômicas. A neutralidade impositiva é um atributo cada vez mais importante em um mundo interdependente e competitivo. É o contraponto da incidência cumulativa, ou em cascata. Aqui não se sabe quanto paga de tributo o consumidor final, não se consegue desonerar diretamente as exportações, nem o investimento, e o produto importado é favorecido, pois circula menos. O IVA tornou-se a principal forma de tributação do consumo e é comum a países grandes e pequenos. Esse tipo de tributo expandiu-se rapidamente nos últimos cinqüenta anos. Quase desconhecido em 1960, hoje mais de cento e quarenta países já têm o IVA ou similar, entre elas nove das dez principais economias (os Estados Unidos da América são exceção), arrecada globalmente cerca de 20% das receitas tributárias e compõe o cardápio de reformas na maioria dos países em desenvolvimento.

Esse novo IVA teria poucas alíquotas, incidentes sobre categorias de mercadorias

e serviços estabelecidos nacionalmente. A competência

tributária dos Estados se resumiria à fixação

de sobretaxas acima do alíquota-piso nacional das

várias categorias. A alíquota interestadual seria a menor das alíquotas e única, implicando

que as preocupações redistributivas viessem a ser atendidas por outros

instrumentos.

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de 1996, e depois com a Emenda Constitucional 42, de

2003, que constitucionalizou a desoneração e o fundo

de compensação correspondente, embora continue

faltando a lei complementar para regulá-lo. A Lei Com-

plementar 87/96 resolveu apenas em parte o caso de

bens de capital, mas as soluções adotadas não foram

consagradas na Constituição, como agora se pretende

com a PEC 233/08, que ainda revoga esse fundo.

Reconheciam-se outros defeitos no sistema tributá-

rio, como a cumulatividade das contribuições, em par-

ticular da Cofins e do PIS/Pasep, onerando as exporta-

ções, e sua não-incidência sobre produtos importados.

Em 2002, por legislação ordinária, o PIS/Pasep tornou-

se não-cumulativo e deixou de incidir sobre receitas

de exportação, e passou a incidir sobre importados. O

mesmo ocorreu com a Cofins um ano depois.

A CPMF, outro elemento de cumulatividade no sis-

tema tributário brasileiro, acabou de ser extinta. Apro-

vada a reforma, o ISS será o único tributo indireto não

-regulatório no sistema a incidir cumulativamente.

Oportunidade da atual reforma

O governo acredita que este é um bom momento

para a aprovação de mudanças no sistema tributário. As

expectativas de crescimento permanecem favoráveis, a

economia está estável, as contas públicas, em ordem, e

os setores produtivos procuram inserção internacional.

Evidências dessa solidez são os recordes sucessivos de

arrecadação federal neste primeiro trimestre, apesar do

fim da CPMF. Crescimento e melhora nos métodos de co-

brança parecem responder pela elasticidade das receitas.

Tudo isso permite supor concessões das partes interessa-

das, em particular da União, mesmo que na PEC as com-

pensações propostas aos Estados ainda sejam acanhadas.

Muito mais precisará ser oferecido por lei complementar.

Eventualmente a reforma não se concretizará em

2008, por ser ano eleitoral e por haver muito a esclarecer

a respeito da PEC. Mas é do interesse mútuo do gover-

no atual e da oposição, ambos com probabilidade igual

de deter o poder de 2011 a 2014, promover a reforma

em 2009. Esse impasse poderá estar superado antes das

eleições majoritárias de 2010, preparando-se o terreno

para pontos percentuais a mais de crescimento futuro.

Conteúdo da proposta e justificativas

Problemas do Sistema Tributário Brasileiro

Há inúmeras razões para reforma, dado que nosso

sistema é complexo e ineficiente. Parte dessa comple-

xidade resulta da autonomia tributária dos governos

subnacionais e da vinculação e critérios de repartição

das receitas previstos na Constituição. A reforma, mes-

mo que não seja completa, parece estar indo na dire-

ção certa: 1) simplificar: são 6 os tributos indiretos so-

bre bens e serviços, em parte cumulativos, e 2 impostos

sobre lucros; 2) desburocratizar: no caso do ICMS, 27

Estados legislam; a vasta legislação tributária brasileira

é alterada com demasiada freqüência. De acordo com

pesquisa de 2008 do Banco Mundial e Pricewaterhouse-

Coopers2, a empresa-padrão brasileira é, dentre 178 pa-

íses pesquisados, a que gasta o maior número de horas

anuais com o cumprimento das obrigações relativas

aos impostos (2.600 horas, em 137º lugar); 3) aumentar

A reforma não se concretizará em 2008 por ser ano

eleitoral e por haver muito a esclarecer a respeito da PEC. Mas é do interesse mútuo do governo atual e da oposição,

ambos com probabilidade igual de deter o poder de 2011 a 2014, promover a

reforma em 2009.

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2 Ver http://www.doingbusiness.org/documents/FullReport/2008/DB08_Full_Report.pdf ou http://www.doingbusiness.org/documents/Paying_Taxes_2008.pdf.

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a formalidade, do que resultaria melhor distribuição da

carga tributária; (4) minimizar as distorções do sistema

(p.ex. cumulatividade), desonerando os investimentos e

as exportações; e (5) substituir a competição tributária

predatória entre Estados, já esgotada como incentivo à

localização dos negócios, por mecanismos apropriados

de desenvolvimento regional.

Como descrito no documento oficial de apresenta-

ção da proposta3, a solução da guerra fiscal está à vista,

mediante a cobrança do ICMS na origem e a destina-

ção da receita preponderantemente para o Estado de

destino da mercadoria ou serviço. Isso se fará sem que

essas mudanças impliquem maior evasão, nem perdas

estaduais sem adequada compensação, nem descon-

trole da carga tributária, pois a implantação da nota fis-

cal eletrônica é condição para a reforma e constará da

Constituição. O funcionamento da nota fiscal eletrônica

tem sido unanimemente bem avaliado.

As armas dessa guerra são benefícios negociados

caso a caso, à margem do organismo que deveria exer-

cer a coordenação do processo (o Conselho de Política

Fazendária – Confaz). As iniciativas isoladas, desarticula-

das, prejudicam a concorrência, pois favorecem uma em-

presa em detrimento de outra e geram insegurança para

os investidores, que não podem antecipar quais condi-

ções virão a ser oferecidas futuramente a um concorren-

te. Mesmo empresas já com incentivos temem não tê-los

renovados, ou perdê-los, ou mesmo ter que ressarcir os

já aproveitados, por conta de decisões judiciais que jul-

guem seus benefícios inconstitucionais. Além disso, cada

vez mais Estados não estão honrando o crédito de ICMS

de mercadorias cujos produtores receberam incentivos

nos Estados de origem (ou seja, se apropriaram de cré-

ditos sem ter havido a cobrança do imposto) ou, sendo

exportadores, recolheram o imposto no outro Estado.

IVA Federal e o IPI

A reforma cria um imposto “sobre operações com

bens e prestações de serviços”, para unificar parte dos

tributos federais que incidem sobre a produção e o

consumo. Vale a comparação com outras denomina-

ções: se valesse a terminologia adotada na União Eu-

ropéia, seria “imposto sobre o volume de negócios” (Di-

rectiva 112/2006), ou sobre “transmissões de bens e as

prestações de serviços” (IVA português).

Esse novo IVA absorverá o PIS, a Cofins e a Cide-

Combustíveis, mas poderá ser mais amplo. Para vender

a idéia e relacionar essa iniciativa com propostas ante-

riores, foi apelidado de Imposto sobre Valor Adicionado

Federal (IVA-F). O novo IVA não abrange o IPI.

Ainda, quanto à amplitude do IVA-F, pela Lei nº

10.833/03, a Cofins “com a incidência não-cumulativa tem

como fato gerador o faturamento mensal, assim entendi-

do o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, in-

dependentemente de sua denominação ou classificação

contábil”, o total das receitas compreende a receita bruta

da venda de bens e serviços nas operações em conta pró-

pria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela

pessoa jurídica”, e a base de cálculo da contribuição é o

valor do faturamento, conforme definido acima.

No caso dos serviços, a PEC considera prestação de

serviço sujeita ao IVA-F toda e qualquer operação que não

constitua circulação ou transmissão de bens. Os serviços

Esse novo IVA absorverá o PIS, a Cofins e a

Cide-Combustíveis, mas poderá ser mais amplo. Para vender a

idéia e relacionar essa iniciativa com propostas anteriores, foi apelidado de Imposto sobre Valor

Adicionado Federal (IVA-F). O novo IVA não

abrange o IPI.

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3 Ver http://www.fazenda.gov.br/portugues/documentos/2008/fevereiro/Cartilha-Reforma-Tributaria.pdf.

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sujeitos ao ICMS estão listados na Constituição, e os ser-

viços sujeitos ao ISS continuam sendo os definidos em lei

complementar. Existe margem para se onerar esses mes-

mos serviços pelo IVA-F. Prestadores de serviços têm ou-

tro problema. Muitos desses contribuintes continuaram

sujeitos ao PIS/Cofins à alíquota cumulativa de 3,65% cal-

culados sobre o faturamento, por ser mais vantajosa. É de

se supor que o IVA-F será cobrado exclusivamente de for-

ma não-cumulativa, aumentando-lhes a carga tributária

e os custos de manter registros de créditos e débitos.

Um aspecto do PIS/Cofins que merece atenção é

a apuração do imposto devido. Débitos e créditos são

calculados mediante aplicação da alíquota sobre, res-

pectivamente, o faturamento e o valor de bens adqui-

ridos e outros custos. Esse método presumivelmente

não deverá prevalecer no IVA-F, pois, segundo a PEC, a

exemplo do ICMS, o imposto integrará sua própria base

de cálculo. O saldo a recolher passará a ser apurado

pelo sistema de débito e crédito de imposto.

A Exposição de Motivos compromete-se com a

completa e imediata desoneração dos investimentos

na regulamentação do IVA-F – hoje os créditos são

apropriados em 24 meses, no âmbito da Cofins – e com

a apropriação de créditos pela compra de bens e servi-

ços que não integram o produto final – o que depende

apenas de lei. A apresentação afirma que não se po-

derá cumprir com o compromisso já em 2009, porque

frustrou-se a arrecadação da CPMF.

No campo federal, o IPI continuará sendo cobrado

separadamente. A não-inclusão do IPI no IVA federal se

justifica de três maneiras: 1) os incentivos à informática

e à Zona Franca de Manaus, para serem contemplados

no IVA, exigiriam multiplicidade de alíquotas; 2) a natu-

reza seletiva do IPI propicia que seja um tributo à par-

te, nos termos da legislação infraconstitucional, e caso

incluído no IVA-F, exigiria alíquotas extremamente ele-

vadas para alguns produtos supérfluos; e 3) o imposto

se presta a instrumentar medidas de política industrial,

caso se venha a adotar tal política.

O novo ICMS

Para eliminar a guerra fiscal, o objetivo da reforma

em relação ao ICMS é o de unificar a legislação e trans-

ferir em sua maior parte a receita da origem (Estado

que produz o bem) para o destino (onde é consumido).

A intenção, tecnicamente correta, de incorporar ao im-

posto os serviços sobre os quais incide o Imposto sobre

Serviços (ISS), não prosperou pela inviabilidade política

de retirar competência dos municípios.

Prevê a PEC que o novo ICMS seja instituído por lei

complementar, em substituição da Lei Complementar

87/96. O novo ICMS será de competência conjunta dos

Estados e do Distrito Federal. A iniciativa da lei caberá

a um terço dos membros do Senado Federal ou a um

terço dos governadores ou das assembléias legislativas,

manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa

de seus membros, desde que estejam representadas,

nos casos anteriores, todas as regiões do País, e ao Pre-

sidente da República.

No estabelecimento das alíquotas, as atribuições es-

tão compartilhadas entre o Senado Federal e o Confaz,

Um aspecto do PIS/Cofins

que merece atenção é

a apuração do imposto

devido. Débitos e créditos

são calculados mediante

aplicação da alíquota

sobre, respectivamente, o

faturamento e o valor de

bens adquiridos e outros

custos. Esse método

presumivelmente não deverá

prevalecer no IVA-F, pois,

segundo a PEC, a exemplo do

ICMS, o imposto integrará sua

própria base de cálculo.

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a

supondo-se que o primeiro zelaria para que a carga tri-

butária não fosse aumentada com a possibilidade de

alíquotas exageradas, e o segundo, para que as receitas

estaduais fossem preservadas. Note-se, na descrição

abaixo, a margem para ajustes suplementares com vis-

tas a esses mesmos objetivos.

A alíquota padrão e as demais alíquotas (imaginam-

se 4 ou 5, a partir das que existem hoje e dos debates

anteriores sobre a federalização do ICMS) serão defini-

das por resolução do Senado Federal, de iniciativa de

um terço dos senadores ou de um terço dos governa-

dores, aprovada por três quintos do Senado. Resolução

do Senado, desta vez aprovada pela maioria de seus

membros, enquadrará mercadorias e serviços nas de-

mais alíquotas, podendo apenas aprovar ou rejeitar as

proposições do Confaz. Além disso, quanto às alíquo-

tas: 1) o Confaz poderá reduzi-las e restabelecê-las; 2)

lei estadual poderá aumentar ou reduzir a alíquota de

mercadorias e serviços definidos em lei complementar.

No caso das transações interestaduais, o imposto

poderá ser cobrado na origem, onde é menor o núme-

ro de contribuintes, mas será entregue em sua maior

parte ao Estado de destino. Entendeu-se que parte da

receita deveria caber ao Estado de origem da mercado-

ria ou serviço. O raciocínio subjacente a essa decisão é

de que o Estado onde será feita a cobrança do imposto

merece um incentivo para fiscalizar o tributo. Outro for-

te argumento, menos ortodoxo, é o de que não é justo

que o Estado onde está a infra-estrutura que viabiliza

a produção não participe da receita. A PEC propõe, em

regra geral, que o equivalente a 2% da base de cálcu-

lo do imposto pertença ao Estado de origem, embora

haja pressões para que esse percentual dobre de forma

a atender São Paulo e outros Estados produtores. Admi-

te-se que parcela tão pequena do imposto não habilite

nenhum Estado a manter a guerra fiscal. Ainda assim,

a PEC prevê sanções para o Estado que isoladamente

conceder benefício tributário no âmbito do ICMS.

A transferência da receita da origem para o destino

estará completa ao fim de oito anos (2016, se a PEC for

aprovada este ano), preservado um percentual para o Es-

tado de origem. Esse prazo, aparentemente longo, é o ne-

cessário para que se efetuem os devidos ajustes, pois ha-

verá alteração significativa na distribuição dos recursos

entre os Estados, em que os produtores (p. ex., São Paulo)

perderão receita, e a obrigação da União de providen-

ciar um mecanismo confiável para as devidas compen-

sações. O prazo é igualmente necessário para que não se

quebrem compromissos, nem cessem abruptamente os

favores concedidos ao setor privado no âmbito da guer-

ra fiscal, e menos ainda que a legislação unificada tenha

que acomodar a pluralidade de incentivos concedidos

estadualmente. A perspectiva da rápida extinção dos

benefícios poderia ainda provocar o deslocamento de

investimentos num horizonte relativamente curto.

A desoneração dos investimentos do novo ICMS

estará concluída simultaneamente com transição para

a tributação no destino. Em 2016 (ou em oito anos a

contar da aprovação da reforma), quando a alíquota

interestadual cair para 2%, a apropriação dos créditos

sobre bens de capital será imediata.

As alíquotas interestaduais muito elevadas de hoje

(de 7% ou 12%, conforme o grau de desenvolvimento

do Estado de origem, comparadas com entre 2% e 4%

que agora se discutem) propiciam o acúmulo de crédi-

tos do ICMS da parte de empresas que adquirem insu-

mos e os créditos correspondentes em outros Estados,

A desoneração dos investimentos do novo ICMS estará concluída

simultaneamente com transição para a

tributação no destino. Em 2016 (ou em oito anos a contar da aprovação da reforma), quando a

alíquota interestadual cair para 2%, a apropriação

dos créditos sobre bens de capital será imediata.

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exportadoras (se geram, por conta de vendas para o

mercado interno débitos insuficientes para absorver os

créditos) ou não.

Incorporação da CSLL ao Imposto de Renda da Pessoa

Jurídica

A PEC contempla a incorporação da CSLL ao impos-

to de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), para fins de sim-

plificação, uma vez que ambos têm como mesma base

o lucro. Isso se fará mediante a mera revogação do dis-

positivo constitucional que prevê a citada contribuição.

De interessante, há o ajuste relacionado com a possibi-

lidade de cobrança de adicionais do IRPJ diferenciados

por setor econômico, estendendo-se ao imposto sobre

o lucro, o que já é permitido para a CSLL, pela Constitui-

ção, desde 1998.

Desoneração da Folha de Pagamentos

Outro ponto da proposta governamental diz respei-

to à desoneração da folha de pagamento. As finalidades

são conhecidas: reduzir a informalidade do mercado de

trabalho, desonerar as exportações de um tributo que

não pode ser compensado e estimular setores intensi-

vos em mão-de-obra.

A PEC acaba com a alíquota de 2,5% do salário-edu-

cação e recupera essa receita mediante ajuste, a ser cal-

culado, na alíquota do IVA-F. Anunciou-se o propósito de,

em um segundo momento, reduzir de 20% para 14% a

contribuição patronal para a Previdência Social. Combina-

damente, representarão desoneração equivalente a 8,5%

da folha de salários, ao fim de desonerações gradativas.

A redução da contribuição patronal não pode cons-

tar desta proposta porque alguns temeram que escas-

seassem os meios de financiamento da seguridade. Ali-

ás, esse argumento equivocado valeria com a mesma

força para a integração da Cofins ao IVA-F e da CSLL

ao imposto de renda. Um outro fator a considerar, que

não reforça os argumentos sindicalistas, nem deve ser

impeditivo da desoneração pretendida, é que se perde

definitivamente de vista qualquer noção de déficit da

Previdência, já hoje tão controverso.

No caso da alíquota da contribuição previdenciária,

a PEC determina o encaminhamento, pelo Executivo, no

prazo de 90 dias da aprovação da reforma, de projeto

de lei determinando a redução e as medidas “para com-

pensar este impacto” (sobre o déficit da Previdência).

Essa compensação não poderá se viabilizar na forma de

vinculação do conjunto de receitas que formam a nova

“base ampla” (IR+IPI+IVA-F), pois a reforma já terá estabe-

lecido o percentual dela destinado à seguridade social.

As novas vinculações e repartições de receitas

Com a criação do IVA federal, tributo do orçamento

fiscal, a PEC traz duas importantes alterações no qua-

dro das vinculações e das partilhas constitucionais de

receitas.

A próxima tabela procura combinar e resumir os

dados contidos na apresentação do Ministério da Fa-

zenda.

A PEC elimina algumas contribuições extremamen-

te rentáveis (Cofins, sobre o faturamento, e a CSLL, sobre

A PEC acaba com a alíquota de 2,5% do salário-

educação e recupera essa receita mediante ajuste, a ser calculado, na alíquota do IVA-F. Anunciou-se o

propósito de, em um segundo momento, reduzir de 20% para 14% a contribuição

patronal para a Previdência Social. Combinadamente,

representarão desoneração equivalente a 8,5% da

folha de salários, ao fim de desonerações gradativas.

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o lucro das empresas) e suas vinculações a despesas da

seguridade social. Esta mudança extingue o orçamento

da seguridade social tal como se conhece desde 1988.

Além disso, subverte a noção de que o orçamento da

seguridade social é superavitário. Por essa mesma ra-

zão, passa a ser dispensável o artifício da desvinculação

de receitas da União (DRU) para o propósito de evitar

que o orçamento da seguridade social não financie o

orçamento fiscal.

A PEC foi elaborada de maneira a manter, grosso

modo, tendo por referência a arrecadação realizada em

2006, os mesmos volumes de recursos dos programas

de governo a que são destinados, total ou parcialmen-

te, tributos federais que passam a integrar o IVA-F e o

novo IRPJ. Nada impede que esses dados sejam revistos

à luz do desempenho da arrecadação de 2007 e 2008.

A EC 56/07 manteve nas disposições constitucionais

transitórias a DRU, de 20% dos impostos, contribuições

sociais e de intervenção no domínio econômico, sem

afetar a repartição com Estados e municípios. As novas

vinculações foram calculadas depois da desvinculação.

Metodologicamente, da base ampla (IR+IPI+IVA-F),

são estabelecidos percentuais destinados à seguridade

social (38,8%), para reproduzir o montante da Cofins e

da CSLL incorporados, respectivamente, ao IVA-F e ao

novo IRPJ; percentual destinado ao Fundo de Amparo

ao Trabalhador (FAT) e ao BNDES (6,7%), para repro-

duzir o montante do PIS; percentual destinado à infra-

estrutura de transportes e meio ambiente (2,5%), para

reproduzir o montante da CIDE-Combustíveis (antes da

partilha com Estados e municípios); e o percentual des-

tinado à educação (2,3%), para reproduzir o montante

do salário-educação.

Deduzidos esses montantes, o saldo de recursos

compõe a base da partilha federativa, que se distribui

entre fundos. São preservados em milhões de reais de

2006 os fundos de participação de Estados e municí-

pios, mas os fundos de exportação e os fundos consti-

tucionais desaparecem, dando lugar, com valor global

ligeiramente maior, ao Fundo Nacional de Desenvolvi-

mento Regional (FNDR) e ao Fundo de Equalização de

Receitas (FER). O funcionamento desses fundos será

disciplinado por lei complementar, atendidas algumas

condições expressas na Constituição.

tabela cosentino

Receita Federal e Partilha Federativa. Simulação 2006 (R$ bilhões)

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A apresentação da PEC chama atenção para o fato

de que, embora no curto prazo não se alterem substan-

cialmente os valores dos fundos de participação dos

Estados e dos municípios, a partilha federativa passa

a ser definida em proporção de uma base ampla que

inclui o produto da arrecadação de contribuições so-

ciais que não são atualmente partilhadas com Estados

e municípios.

Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional

Ao FNDR caberá 4,8% da receita da base da partilha

federativa. Para o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste

irão ao menos 95% dos recursos, a partir do sexto ano.

Outros 5% poderão ser destinados a outras áreas me-

nos desenvolvidas do País. No mínimo 60% serão, de

acordo com a PEC, destinados a programas de finan-

ciamento do setor produtivo das regiões por meio de

suas instituições financeiras regionais. Parte dos recur-

sos do FNDR poderá ser aplicada em desenvolvimento

regional diretamente pelo orçamento federal, outra

parte será transferida a fundos de desenvolvimento

dos Estados e DF para aplicação em gastos diretos de

investimentos de infra-estrutura e incentivos ao setor

produtivo.

A tabela mostra que o FNDR excede os fundos cons-

titucionais em quase 60%, em parte explicado pelo fato

de incluir os valores destinados no orçamento fede-

ral aos fundos de desenvolvimento do Nordeste e da

Amazônia (FDA e FDNE). Entretanto, o FNDR supera a

soma desses fundos.

Fundo de equalização de receitas

Ao FER caberá 1,8% da base da partilha federativa,

sendo 75% de seus recursos distribuídos em aos Esta-

dos e 25% aos Municípios. Esse fundo equivale aos 10%

do IPI atualmente destinados ao FPEx que, na falta da

lei complementar que regule o funcionamento do FER,

continuarão sendo repartidos entre os Estados e o DF

nos moldes atuais (participação dos Estados nas expor-

tações). As disposições transitórias da PEC, em seu art.

5º, abrem espaço para que lei complementar defina

montante adicional de recursos a serem destinados ao

FER e estipule a respectiva fonte.

Críticas mais freqüentes

A PEC despertou críticas importantes, que provavel-

mente acompanharão sua tramitação.

Avalia-se, em nove, o número de leis complementa-

res e ordinárias que se seguiriam à aprovação da PEC,

dando sentido à proposta de reforma. Em dois casos ao

menos o Executivo comprometeu-se a antecipar minu-

tas da legislação infraconstitucional, para incentivar o

debate e tranqüilizar os interessados nos casos citados,

ao tratarmos adiante da carga tributária e do FER.

Descaracterização do orçamento da seguridade social

Houve inúmeras manifestações de preocupação

com as perdas das fontes exclusivas do orçamento da

seguridade social. Em contraposição, o governo diz

atender a críticas ao fato de a União manipular alíquo-

tas de tributos que não são partilhados, em detrimen-

to das esferas subnacionais. Admite o governo que a

agregação do PIS/Cofins ao IVA poderia ser feito por lei

Parte dos recursos do FNDR poderá ser aplicada

em desenvolvimento regional diretamente

pelo orçamento federal, outra parte será

transferida a fundos de desenvolvimento

dos Estados e DF para aplicação em gastos

diretos de investimentos de infra-estrutura e incentivos ao setor

produtivo.

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ordinária. Foi inscrito na Constituição expressamente

para redefinir o atual mecanismo de financiamento da

seguridade social. Outra intenção foi a de eliminar inci-

dências sobre mesma base (lucro, faturamento ...).

Regressividade do sistema tributário

À esquerda do campo político, a reclamação é pela ausência de medidas que reduzam a regres-sividade do sistema tributário, em particular da tri-butação indireta, e de medidas que implementem plenamente os impostos sobre o patrimônio, inclu-sive o imposto sobre as grandes fortunas, e tornem progressivos os demais. Defendem também maior progressividade do imposto de renda das pessoas físicas, ainda que essa decisão caiba em legisla-ção ordinária. Segundo essas manifestações, não se prioriza o que deveria ser o principal objetivo da reforma: justiça fiscal. De fato, a proposta do go-verno caracteriza-se exatamente por pretender a neutralidade. Todo o rearranjo de receitas federais

e respectivas vinculações baseiam-se no desempe-nho da arrecadação em 2006.

Falta de transparência

É crescente o interesse dos contribuintes, de em-

presários e de parlamentares (há projetos de lei trami-

tando no Congresso, para que essa informação se torne

disponível) em ver estampado na embalagem do pro-

duto ou na nota fiscal do consumidor o conteúdo de

impostos no preço pago na transação. A PEC vai na con-

tramão dessa tendência, pois, além de não haver qual-

quer dispositivo no sentido de atender ao princípio da

transparência tributária – que os “consumidores sejam

esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre

mercadorias e serviços” (art. 150, § 5º, da Constituição),

prevê-se que, a exemplo do ICMS, o IVA-F seja cobrado

por dentro. Esse procedimento oculta o imposto pago

pelo comprador e a alíquota efetiva. Quando se cobra

25% por dentro, a incidência efetiva é de 33,3% sobre o

preço líquido de imposto.

Carga tributária

O aumento da carga tributária a que assistimos em

vinte anos foi expressivo (era de 20% do PIB em 1988,

25% em 1992, chegou a 34% do PIB em 2006, possi-

velmente a 35% do PIB em 2007). Países da dimensão

econômica do Brasil ostentam cargas menores; cargas

iguais à brasileira caracterizam sociedades em que o

Estado provê serviços adequados e ampla cobertura

assistencial. A crítica é de que a PEC não previu meca-

nismos para reduzir globalmente o peso dos impostos,

o que, aliás, não é propósito da proposta de reforma.

O Executivo reconhece que mudanças na sistemáti-

ca de cobrança de tributos têm redundado em aumen-

to da carga tributária, como no caso do fim da cumula-

tividade do PIS e da Cofins.

As primeiras manifestações do setor produtivo em

relação à reforma tributária foram no sentido de exigir

que as alíquotas do novo ICMS sejam discutidas em

paralelo. Os Estados com saldo negativo na balança

comercial interestadual, importadores líquidos, serão

beneficiados pelo aumento de sua receita, com nova

repartição a favor da jurisdição do consumidor. Os

Países da dimensão econômica do Brasil

ostentam cargas menores; cargas iguais à brasileira caracterizam sociedades em que o Estado provê

serviços adequados e ampla cobertura assistencial. A

crítica é de que a PEC não previu mecanismos para

reduzir globalmente o peso dos impostos, o que, aliás,

não é propósito da proposta de reforma.

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‘‘3�

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exportadores líquidos perderão e deverão se compen-

sar para o que pode ser necessário o aumento da carga

tributária.

A PEC admite que lei complementar estabeleça li-

mites para a carga tributária relativa apenas aos tribu-

tos que estão sendo alterados (IVA-F, imposto de ren-

da e ICMS), que os críticos gostariam de discutir junto

com a proposta. O Executivo comprometeu-se apenas

a enviar o projeto que visa evitar a elevação da carga

tributária nesse caso. O texto fixaria um limite de cresci-

mento real da receita para o ano da implementação da

mudança, comparativamente à arrecadação dos tribu-

tos substituídos no último exercício em que estiveram

em vigor.

Os demais impostos e contribuições federais que

ficam inalterados são menos rentáveis e majoritaria-

mente têm função regulatória.

Alíquota elevada

Alguns comentaristas, impressionados por debates

do tempo em que se previa a incorporação do IPI, do

ISS e até mesmo da contribuição previdenciária em um

novo IVA, retomaram a antiga questão da magnitude

excessiva da alíquota que seria necessária para gerar o

mesmo volume de receitas, assinalando que consistirá

em estímulo à evasão.

Enquanto se tratar apenas da soma de PIS/Cofins,

CIDE-Combustíveis e contribuição para o salário-educa-

ção, os dados de 2006, tais como apresentados oficial-

mente, e a regra de 3 mostram que, supondo-se alíquota

efetiva nominal do PIS/Cofins de 9,25% (deve ser menor,

pois parte dos contribuintes preferiu manter-se no siste-

ma cumulativo), serão suficientes 10,5% de IVA-F. No caso

do IRPJ, a alíquota nominal passaria de 25% para 34%,

sem contar as sobretaxas que a Constituição autoriza.

Equalização de receitas

Ponto polêmico da reforma continua sendo a com-

pensação das perdas causadas pela transferência da

cobrança do ICMS da origem para o destino, no caso

de operações interestaduais. Isso acarreta fortes perdas

aos Estados exportadores líquidos, como São Paulo,

Amazonas e outros do Sul e do Sudeste.

A crítica se faz à insuficiência dos recursos do FER,

equivalentes a 1,8% da base de partilha federativa. De

outro lado, quanto aos critérios de distribuição des-

ses parcos recursos, tanto parlamentares de oposição

quanto economistas do setor público, argumentam

que já houve experiências malsucedidas com fundos

de compensação de impostos, como a Lei Kandir.

Parece evidente que o Executivo toma posição de

barganha, uma vez que não somou ao FPEx nem ao

menos a dotação do orçamento da União executada

em 2006, transferida a título de Lei Kandir e de com-

pensação do ICMS a Estados por exportações. Uma

possível justificativa disso é a convicção do governo

que exportações devem ser desoneradas de qualquer

imposto, por princípio, sem que caiba aos Estados re-

compensa. Na PEC, fica extinto o FPEx.

Como agravante, as reivindicações dos Estados são

substanciais. São Paulo referiu-se, na voz de seu Secre-

tário de Fazenda, o ressarcimento da ordem de R$ 16

bilhões, no caso da aprovação da reforma, Minas Gerais,

de R$ 4 bilhões, e o Espírito Santo, de 20% a 25% de sua

arrecadação do ICMS. Reclamam as autoridades esta-

duais que a PEC visa constitucionalizar as perdas para

os Estados, notadamente dos Estados superavitários na

balança comercial interestadual, mas não constitucio-

naliza os mecanismos compensatórios.

O segundo projeto de lei complementar a ser divul-

gado por antecipação pelo Executivo, atendendo aos

diversos pleitos, é, portanto, o que vai definir as fontes

de recursos e o funcionamento do FER, para além da

vinculação constitucional.

José Fernando Cosentino TavaresEconomista e Consultor de Orçamento da Câmara dos Deputados

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Artigo

1. Introdução

A imprensa noticiou com grande destaque, há pou-

cas semanas, os inúmeros problemas que marcaram a

cobrança do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial

e Territorial Urbana)1, no Distrito Federal, neste ano de

2008. Em função de erros identificados nos carnês emi-

tidos, milhares de contribuintes tiveram de procurar as

agências da Secretaria de Fazenda para reclamar dos

valores lançados, principalmente da aplicação de rea-

justes superiores ao limite máximo de 16,58%, que foi

autorizado pela Câmara Legislativa por meio da Lei n°

4.072/08.

Após certa indefinição de como enfrentar a ques-

tão, o governo finalmente decidiu encaminhar um

novo projeto de lei à Câmara Legislativa explicitando

que nenhum contribuinte sofreria reajuste superior ao

limite fixado legalmente, exceto nas hipóteses em que

houvesse alteração na destinação do imóvel ou am-

pliação da área construída. Além disso, o projeto de lei

resgatou o desconto de 5% para aqueles contribuintes

que efetuarem o pagamento do tributo em cota única.

Esse desconto tinha sido aprovado pelos deputados,

mas foi vetado pelo governador.

É importante registrar, no entanto, que a aprovação

do mencionado projeto de lei, mesmo resolvendo os pro-

blemas pontuais que foram identificados, nem de longe

corrige as graves e inaceitáveis distorções que ocorrem

na administração do IPTU, no Distrito Federal, e que vêm

contribuindo para transformá-lo em um tributo extrema-

mente regressivo e injusto, que incide com maior intensi-

dade sobre as famílias de menor nível de renda, residen-

tes em imóveis de menor valor de mercado.

Este artigo pretende fazer uma breve discussão

das principais questões que afetam a administração

do IPTU e de suas implicações sobre a incidência do

imposto entre os diferentes grupos de contribuintes.

Além disso, pretende sugerir que o Distrito Federal não

tem aproveitado corretamente todo o potencial do

IPTU como fonte de receita para o financiamento de

importantes políticas públicas, como, por exemplo, a

erradicação do trabalho infantil, o acesso à educação

infantil para todas as crianças com idade inferior a seis

anos e a melhoria da qualidade do atendimento nos

hospitais da rede pública de saúde. Tais políticas, com

certeza, contribuiriam para reduzir as enormes desi-

gualdades características da distribuição de renda no

Distrito Federal.

O IPTU no Distrito Federal: um tributo que precisa ser melhor administrado

Paulo Luiz Figueirêdo de Oliveira

1 O IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana é um tributo de competência municipal, de acordo com o art. 156, I, da Constituição Federal. O imposto tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel, por natureza ou por acessão física, nos termos definidos na lei civil, localizado em área urbana.

40

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41

janeiro / março / 2008

O presente artigo, que se baseou em parte nas idéias

principais contidas na dissertação de mestrado2 apre-

sentada pelo autor ao Departamento de Economia da

Universidade, em 1991, está assim estruturado: a Seção 2

discute brevemente as vantagens e desvantagens atribu-

ídas ao IPTU como fonte de financiamento para governos

municipais; a Seção 3 discute as distorções que caracteri-

zam a aplicação do IPTU no Distrito Federal, apontando

as diferenças em relação a outras cidades e também que

os problemas observados na administração do IPTU vêm

contribuindo para transformá-lo em um imposto injusto

e ineficiente; A Seção 4 discorre sobre a falta que o IPTU

faz no financiamento de políticas públicas de inclusão

social, que, muitas vezes deixam de ser executadas, se-

gundo a justificativa oficial, por falta de recursos. A Seção

5 apresenta as conclusões do trabalho.

2. O IPTU como fonte de receita municipal

2.1 As vantagens do IPTU

A literatura especializada em finanças públicas tradi-

cionalmente faz referência à tributação da propriedade

urbana como uma importante fonte de financiamento

para os governos locais (VARSANO, 19773; MUSGRAVE4,

1980; LONGO5, 1987). Isso ocorre porque essa forma de

tributação apresenta algumas vantagens quando com-

parada a outros tipos de impostos. A primeira delas seria

a minimização da possibilidade de guerra fiscal entre os

municípios como ocorre, por exemplo, com o ISS – Im-

posto sobre Serviços, em que, muitas vezes, a alíquota do

tributo é reduzida com o objetivo de atrair contribuintes

e assegurar o recolhimento do imposto em determinada

localidade. No caso do IPTU, como os imóveis, fato gera-

dor do tributo, estão fisicamente localizados dentro dos

limites geográficos de um dado município, a rigor, não

existe a possibilidade de competição pela receita dele de-

corrente.

Uma segunda vantagem associada ao IPTU diz res-

peito à imobilidade de sua base tributária e à facilidade

de identificação de seu proprietário, o que, em tese, de-

veria contribuir para facilitar a exigência do pagamento

do tributo. Não é possível, por exemplo, ao contribuin-

te querer eximir-se do pagamento do tributo transfe-

rindo-se para outro município ou omitindo do Fisco a

ocorrência do fato gerador.

Deve ser mencionada, ainda, a relativa estabilidade

que essa fonte de tributação oferece aos municípios na

medida em que, em geral, as flutuações econômicas de

2 O Iptu no Distrito Federal: Uma Análise Sob O Ponto de Vista da Ineqüidade Administrativa. Brasília, 1991, MIMEO.

3 VARSANO, Ricardo. O Imposto Predial e Territorial Urbano. Pesquisa e Planejamento Econômico, v.7, n. 3, p. 581-622, 1977.

4 MUSGRAVE,R.; Musgrave, P. Finanças Públicas: Teoria e Prática. Ed. Campus, USP, Rio/S

5 LONGO, Carlos A. A Distribuição dos Gastos e Receitas Públicas entre Níveis de Governo: um enfoque econômico, Revista de Finanças Públicas, n. 369, p. 16-29,1987.

Uma vantagem associada ao IPTU diz respeito à

imobilidade de sua base tributária e à facilidade de identificação de seu proprietário, o que, em tese, deveria contribuir

para facilitar a exigência do pagamento do tributo. Não é possível ao contribuinte

querer eximir-se do pagamento do tributo

transferindo-se para outro município ou omitindo do

Fisco a ocorrência do fato gerador.

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curto prazo afetam menos os preços dos imóveis quando

comparados aos preços de outros ativos. Em tese, isso de-

veria assegurar aos municípios maior estabilidade no flu-

xo de suas receitas e maior capacidade de planejamento

de seus gastos visando ao equilíbrio das contas públicas.

Em que pese as vantagens apontadas, normalmen-

te atribuídas ao IPTU, estudos recentes (CARVALHO

Jr6.,2006; SIMONETTI7, 2007) , entretanto, parecem re-

forçar o entendimento de que a experiência brasi-

leira com esse tributo, como fonte de recursos para o

financiamento dos gastos municipais, tem sido pouco

satisfatória. A próxima seção apontará alguns dos fato-

res responsáveis pela baixa produtividade do IPTU em

quase todos os municípios brasileiros.

2.2 As desvantagens do IPTU

A principal explicação apresentada por diversos es-

tudiosos (VARSANO, 1977; SILVA8, 1983; GUEDES9, 1979)

para a baixa produtividade do IPTU, e que tem sido

apontada como a maior dificuldade desse imposto, é

a complexa estrutura requerida para a sua adequada

administração. Isso ocorreria porque essa forma de tri-

buto exige a implantação e alimentação de um amplo

cadastro imobiliário, que deve contar com informações

sempre atualizadas a respeito de todos os imóveis situ-

ados na zona urbana do município.

A experiência brasileira, no entanto, tem demonstra-

do que a maioria dos municípios não dispõe dos recur-

sos materiais, humanos e financeiros necessários para a

implantação e permanente atualização de tal cadastro.

Com isso ficam impossibilitados de definir a planta ge-

nérica de valores imobiliários, ou seja, fixar o valor de

cada imóvel para fins de lançamento e arrecadação do

tributo a que fariam jus legalmente. Muitos municípios

desconhecem não apenas o valor de mercado de cada

um desses imóveis, como também quantos são, que

destinação têm e onde estão localizados.

Diante das dificuldades encontradas para manuten-

ção dos cadastros imobiliários devidamente atualiza-

dos, muitos municípios decidem apenas corrigir, pelos

índices de inflação disponíveis, anualmente, os valores

dos imóveis registrados em seus territórios. Tal procedi-

mento, a par de reduzir a base de cálculo potencial do

tributo, pois, em geral, a valorização dos imóveis supe-

ra os percentuais da inflação acumulados no período

considerado, introduz graves distorções na distribuição

da carga tributária entre os diferentes grupos de con-

tribuintes na medida em que nem todos os imóveis se

valorizam na mesma proporção. Esse procedimento,

portanto, pode afetar fortemente o grau de ineqüidade

inerente ao tributo10.

6 CARVALHO Jr., Pedro Humberto Bruno de. “IPTU no Brasil: progressividade, arrecadação e aspectos extrafiscais”, (Texto para Discussão n° 1251). Brasília: IPEA, 2006.

7 SIMONETTI, Eliana. “Imposto Concreto”. Desafios do Desenvolvimento, Ano 4, n. 32, p. 39-45, 2007.

8 SILVA, Fernando A. Rezende. Finanças Públicas. São Paulo: Ed.Atlas, 1983.

9 GUEDES, José Rildo M. IPTU – A Ineficácia de um Imposto. Revista de Administração Municipal, v. 26, n. 152, p. 22-39 , 1979.

10 Segundo alguns autores, o IPTU apresentaria uma característica intrínseca de ineqüidade por ser calculado sobre o valor venal do imóvel sem levar em consideração o nível de renda do contribuinte.

A principal explicação apresentada por diversos estudiosos para a baixa

produtividade do IPTU, e que tem sido apontada

como a maior dificuldade desse imposto, é a complexa

estrutura requerida para a sua adequada administração. Isso

ocorreria porque essa forma de tributo exige a implantação

e alimentação de um amplo cadastro imobiliário.

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janeiro / março / 2008

Além da complexa administração, outro fator que

contribui para a baixa produtividade do IPTU refere-se

ao ônus político que a correta e rigorosa exigência do tri-

buto impõe aos administradores municipais. O medo da

impopularidade e do desgaste perante a opinião pública

faz com que, muitas vezes, sejam aprovadas plantas gené-

ricas de valores, para fins de lançamento do IPTU, que não

refletem os verdadeiros valores de mercado dos imóveis.

Com isso, há uma tendência natural para que os valores

venais registrados no cadastro imobiliário passem a apre-

sentar uma crescente defasagem em relação aos verda-

deiros valores de mercado dos imóveis, fazendo com que

gradativamente seja minada a produtividade do tributo.

Um estudo recente (SIMONETTI, 2007) mostrou, no

entanto, que os municípios que decidem investir na

atualização de seus respectivos cadastros imobiliários

conseguem obter expressivos aumentos na arrecada-

ção do tributo, chegando, em alguns casos, a mais do

que duplicar a arrecadação do IPTU. Com o objetivo de

estimular os municípios a investirem na atualização de

seus cadastros, o Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES) e o Banco Interamericano

de Desenvolvimento (BID) criaram programas específi-

cos para proporcionar apoio técnico e financeiro aos mu-

nicípios, principalmente aqueles com população de até

20 mil habitantes, visando permitir-lhes fazer a correta

administração do imposto. Parece claro, portanto, que, se

houver vontade política por parte dos administradores e

a determinação de promover os investimentos necessá-

rios visando à adequada implantação ou atualização dos

cadastros imobiliários, o IPTU pode funcionar como uma

importante fonte de recursos para o financiamento dos

gastos públicos.

3. O IPTU no Distrito Federal

Antes de examinar a evolução do IPTU como fonte de

receita no Distrito Federal, convém apontar algumas ca-

racterísticas que diferenciam a administração do tributo,

no Distrito Federal11, quando comparada à de outros mu-

nicípios brasileiros. Uma primeira diferença importante

refere-se aos tipos de alíquotas adotados, que são unifor-

mes, ao contrário do que ocorre em muitos outros municí-

pios, onde prevalecem alíquotas diferenciadas não apenas

em relação ao valor de mercado do imóvel, mas também

em relação à localização ou ao tamanho do imóvel.

De forma simplificada, as alíquotas vigentes no Dis-

trito Federal são as seguintes:

• 0,3% para imóveis de natureza residencial;

• 1,0% para imóveis edificados de natureza não-

residencial;

• 3,0% para imóveis não edificados.

Isso significa que a cobrança do IPTU no Distrito Fe-

deral, em tese, é proporcional, variando o montante do

imposto pago apenas em função do valor de mercado

do imóvel.

Outro fator que contribui para a baixa produtividade do IPTU refere-se ao ônus político que a correta e rigorosa exigência

do tributo impõe aos administradores municipais.

O medo da impopularidade e do desgaste perante a opinião

pública faz com que, muitas vezes, sejam aprovadas

plantas genéricas de valores, para fins de lançamento

do IPTU, que não refletem os verdadeiros valores de

mercado dos imóveis.

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11 O Distrito Federal, por não ser dividido em municípios, acumula a competência para instituir os tributos que a Constituição Federal atribui a esses níveis de governo, sendo considerado como município para esse fim.

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Os dados disponíveis, no entanto, parecem eviden-

ciar que, na prática, tal proporcionalidade está deixan-

do de existir e que, em muitos casos, têm prevalecido

alíquotas efetivas12 decrescentes de acordo com o valor

de mercado do imóvel. De fato, como se pode observar

pela análise da Tabela I13, as alíquotas efetivas do IPTU

para os imóveis localizados no Lago Sul, cuja população

tem o maior nível de renda per capita do Distrito Fede-

ral, variam entre 0,09% e 0,15%; portanto, muito aquém

da alíquota nominal prevista para imóveis residenciais,

que é 0,30%. Dos seis imóveis do Lago Sul, incluídos

na amostragem, sobre dois deles, que têm os maiores

valores de mercado (R$ 3.500.000,00 e R$ 4.900.000,00,

respectivamente) incidirão as menores alíquotas efeti-

vas, estimada em 0,09%. A alíquota efetiva média para

os imóveis do Lago Sul foi estimada em apenas 0,12%,

inferior, portanto, à media obtida para o conjunto dos

imóveis pesquisados, que ficou em 0,16% . Isso significa

que, em tese, os proprietários de imóveis residenciais

localizados no Lago Sul estão pagando apenas 30% do

valor do IPTU efetivamente devido.

Por outro lado, nas demais regiões administrativas

consideradas, a alíquota efetiva média foi estimada em

0,19%, que corresponde a 63,33% da alíquota correta.

Como se vê, isso significa que a alíquota efetiva para

esses imóveis é mais do que o dobro daquela incidente

sobre os imóveis do Lago Sul. Para essas regiões admi-

nistrativas, a alíquota efetiva mais baixa (0,11%) encon-

trada foi para um imóvel localizado no Condomínio

Del Lago, no Paranoá, enquanto que a alíquota efetiva

mais alta incidiu sobre um imóvel situado no Setor Les-

te, no Gama, que atingiu 0,34. Nesse último caso, salvo

algum engano ou erro nas informações obtidas, estaria

ocorrendo uma grave e flagrante injustiça na cobrança

do tributo, pois o valor estimado para o IPTU superou

aquele efetivamente devido.

Como a Tabela II mostra também, o Lago Sul, que apre-

senta alíquota efetiva média de 0,12, tem não apenas a

renda per capita mais elevada do Distrito Federal, mas tem

também o maior valor para o IDH e o menor percentual de

famílias com renda entre 2 e 5 salários mínimos. Por outro

lado, Ceilândia, que tem o terceiro menor nível de renda

per capita; o segundo mais baixo nível de IDH (0,784) e o

maior percentual (35,6) de domicílios com renda entre 2 e

5 salários mínimos, apresenta uma alíquota efetiva média

de 0,20% para o IPTU. Esses dados evidenciam de forma

contundente a grave distorção que está ocorrendo na ad-

ministração do IPTU no Distrito Federal.

A título de ilustração, vale ressaltar que um estudo

recente do Ipea (Carvalho Jr., 2006) mostrou que as des-

pesas com o pagamento do IPTU comprometem 3,86%

da renda mensal das famílias que ganham entre 2 e 5

salários mínimos, ao mesmo tempo em que absorvem

apenas 0,47% da renda das famílias que ganham mais

de 60 salários mínimos por mês.

12 Considerou-se como alíquota efetiva o produto da alíquota nominal para imóveis residencial (0,3%) pela razão entre o valor fiscal e o valor de mercado do imóvel considerado.

13 Tabela elaborada com base em informações extraídas de anúncios, selecionados aleatoriamente, de classificados e sites de imobiliárias para venda de casas.

A alíquota efetiva média para os imóveis do Lago

Sul foi estimada em apenas 0,12%, inferior, portanto,

à media obtida para o conjunto dos imóveis

pesquisados, que ficou em 0,16% . Isso significa que, em tese, os proprietários de imóveis residenciais localizados no Lago Sul estão pagando apenas 30% do valor do IPTU efetivamente devido.

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janeiro / março / 2008

Certamente, as distorções apontadas na cobrança do

IPTU contribuem de forma significativa para transformar

Brasília na cidade que apresenta o maior nível de con-

centração de renda no Brasil, conforme mostraram pes-

quisas divulgadas há pouco tempo. Vale mencionar que

o IPTU, por ser um tributo que incide sobre o patrimônio,

deveria ter um caráter progressivo e ser usado como um

importante instrumento na redução das desigualdades

sociais e de distribuição da renda, conforme preconiza-

do pelos estudiosos de finanças públicas. Isso serviria

exatamente para neutralizar a forte incidência dos tribu-

tos indiretos do tipo ICMS e ISS, que, por serem cobrados

sobre os bens e serviços adquiridos diariamente, que

atingem mais diretamente as famílias mais pobres, por

destinarem uma parcela maior ou quase a totalidade de

suas ao consumo de tais bens e serviços.

No caso específico do IPTU, no Distrito Federal, a

injustiça observada na aplicação do imposto, parece

decorrer principalmente dos erros cometidos no pro-

cesso de avaliação dos imóveis no momento de definir

os seus valores para fins de cobrança do tributo. Isso

aconteceria porque a administração tributária tem uma

tendência a superavaliar o valor fiscal dos imóveis mais

baratos, fixando-o, em geral, muito próximo daquele

que seria o seu real valor de mercado. Comportamento

inverso ocorreria, entretanto, em relação aos imóveis

considerados de luxo ou de alto luxo, cujos valores fis-

cais tenderiam a ser, sistematicamente, estabelecidos

bem abaixo de seus verdadeiros valores de mercado.

A maior facilidade da administração em determinar

com maior exatidão o valor de mercado aproximado

dos imóveis mais simples e mais baratos, geralmente

localizados nas regiões administrativas em que resi-

dem as famílias com níveis de renda mais baixos, de-

correria do fato de que tais imóveis são mais homogê-

neos entre si e comercializados com maior freqüência,

o que contribuiria para que os seus verdadeiros valores

de mercado fossem determinados mais facilmente. As-

sim, quando é aplicada a alíquota do IPTU sobre o valor

do imóvel para determinar o imposto a ser pago, o go-

verno consegue cobrar dessas famílias um valor muito

próximo daquele que efetivamente deveria ser pago.

Na medida, entretanto, em que o governo precisa de-

finir o valor dos imóveis considerados de luxo ou de alto

luxo, ele não consegue atingir o mesmo grau de exatidão

observado nos imóveis mais simples. Isso aconteceria

porque esses imóveis apresentam um elevado grau de

diferenciação entre eles e não são comercializados com

grande freqüência, deixando a administração sem refe-

rencial para a identificação de seus reais valores de mer-

cado. Com isso, terminam sendo definidos valores para

fins de cobrança do IPTU muito inferiores aos reais valo-

res de mercado desses imóveis. Assim, os proprietários

desses imóveis, normalmente situados em áreas nobres

do Distrito Federal, que detêm elevados níveis de ren-

da, terminam pagando um valor de IPTU muito inferior

àquele que efetivamente deveria ser cobrado.

É importante destacar que as distorções observa-

das na cobrança do IPTU, em decorrência de erros no

processo de avaliação dos imóveis, além do impacto

negativo que exerce sobre a distribuição de renda e em

termos de justiça fiscal, traz também imensos prejuízos

para a população do Distrito Federal pela perda de ar-

recadação delas decorrentes, como será visto a seguir.

A injustiça observada na aplicação do IPTU no DF parece

decorrer principalmente dos erros cometidos no processo de avaliação dos imóveis no momento de definir os seus

valores para fins de cobrança do tributo. Isso aconteceria

porque a administração tributária tem uma tendência

a superavaliar o valor fiscal dos imóveis mais baratos, fixando-

o, em geral, muito próximo daquele que seria o seu real

valor de mercado.

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4. A falta que o IPTU faz

De fato, conforme pode ser observado pela aná-

lise da Tabela III, a participação do IPTU no conjunto

dos impostos arrecadados pelo Distrito Federal vem

decrescendo continuamente, passando de 5,30% , em

2003, para 4, 62% em 2007. Essa tendência é contrária

àquela observada para o IPVA, que vem ampliando

sistematicamente a sua participação no montante de

impostos arrecadados no Distrito Federal. Era de se es-

perar que o IPTU apresentasse uma trajetória idêntica

à do IPVA, pois tem crescido de forma significativa, nos

últimos anos, o número de imóveis incluídos no cadas-

tro imobiliário do Distrito Federal em conseqüência da

ocupação de inúmeras áreas novas. Além disso, o valor

de mercado dos imóveis, no Distrito Federal, quando

comparado aos de outras cidades, é considerado extre-

mamente elevado. Parece claro, portanto, que a dete-

rioração do IPTU como fonte de receita deve ser atribu-

ída principalmente à má administração do tributo. Os

dados apresentados permitem observar também que,

no período considerado, o IPTU foi o tributo que apre-

sentou menor crescimento real ( 22,27%), muito menor

do que a média dos impostos arrecadados pelo Distrito

Federal, que foi de 40,08% . Tanto o ICMS ( 26,19%), o

ISS (32,56%) e o IPVA (74,81%) tiveram um desempe-

nho muito melhor.

A título de ilustração, são apresentados na Tabela IV

os valores de arrecadação per capita de IPTU, em 2006,

para os municípios das capitais. Nesse ranking, o Distrito

Federal, com uma arrecadação aproximada de R$ 112,00;

ocupa a 8ª posição, atrás de São Paulo (R$ 240,18); Flo-

rianópolis (R$ 182,00); Rio de Janeiro (R$ 170,00); Belo

Horizonte (R$ 143,32); Curitiba (R$ 133,22); Goiânia (R$

132,02) e Porto Alegre (R$ 127,31). Dessas cidades, ape-

nas São Paulo e Rio de Janeiro, e, talvez, Belo Horizonte

são maiores do que Brasília. As outras são cidades médias,

de porte muito inferior ao de Brasília e, em tese, deveriam

ter um menor potencial de arrecadação de IPTU. O bom

desempenho que apresentam parece ser uma clara de-

monstração de que vêm administrando corretamente o

imposto.

No caso do Distrito Federal, ficou claro pelos dados

apresentados que o IPTU não só vem sendo pouco ex-

plorado quanto à sua capacidade de geração de recei-

tas públicas, como vem sendo administrado de forma

injusta em relação aos contribuintes de menores níveis

de renda, contribuindo para torná-lo um imposto extre-

mamente regressivo. As distorções apontadas, no en-

tanto, poderiam ser corrigidas a curto prazo desde que

houvesse vontade política para isso. Para alcançar o ob-

jetivo pretendido, seria indispensável, no entanto, que

fosse feita uma ampla e imediata atualização do Cadas-

tro Imobiliário do Distrito Federal; com a implantação

de modernas tecnologias e equipamentos de avaliação

de imóveis. Seria importante, entre outras medidas, a

urgente criação de um setor específico para o acom-

panhamento permanente e sistemático dos imóveis de

luxo e de alto luxo, de forma diferenciada do método

tradicional de avaliação aplicado aos demais imóveis.

Uma outra medida que também precisaria ser ado-

tada de imediato seria a ampliação do quadro de ser-

vidores da Secretaria de Fazenda, com a realização de

concurso público para auditor tributário. Isso porque,

apesar de a Subsecretaria da Receita, responsável pela

A participação do IPTU no conjunto dos impostos

arrecadados pelo Distrito Federal vem decrescendo continuamente, passando de 5,30% , em 2003, para

4, 62% em 2007. Essa tendência é contrária

àquela observada para o IPVA, que vem ampliando sistematicamente a sua

participação no montante de impostos arrecadados

no Distrito Federal.

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‘‘46

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administração dos tributos de competência do Distrito

Federal, contar com um quadro de servidores extrema-

mente qualificado, ele é insuficiente para acompanhar

e fiscalizar adequadamente o grande e diversificado

universo de contribuintes do Distrito Federal.

Certamente, se forem feitos os investimentos ne-

cessários visando dotar a Secretaria de Fazenda das

condições adequadas para o desenvolvimento de suas

atividades, as distorções observadas na cobrança do

IPTU, que são apenas as mais visíveis, mas que acon-

tecem também em outros tributos como o ICMS, o ISS,

o ITBI, o IPVA, para citar apenas alguns exemplos, po-

derão ser rapidamente superadas, e o Distrito Federal

poderá alcançar um montante de arrecadação muito

superior ao que obtém atualmente e com maior nível

de justiça fiscal.

Para se ter uma idéia do que isso significa, bas-

ta mencionar que, provavelmente, o Distrito Federal

deixará de arrecadar com o IPTU, em 2008, um valor

aproximado entre R$ 400 milhões e R$ 450 milhões.

Esse valor foi estimado considerando a receita prevista

para o IPTU, para o corrente exercício (R$ 335 milhões)

e aquela que poderia ser obtida (R$ 800,0 milhões) se o

tributo fosse corretamente administrado. Isso partindo

do princípio de que atualmente o IPTU no Distrito Fe-

deral vem incidindo apenas sobre 40% do verdadeiro

valor de mercado dos imóveis. Não parece exagerado,

no entanto, estimar-se que, superadas todas as distor-

ções e ineficiências que caracterizam a administração

do IPTU, a sua arrecadação poderia alcançar um valor

de 3 a 4 vezes superior àquela que é obtida atualmen-

te. São recursos preciosos que, certamente, poderiam

contribuir para financiar importantes políticas públicas

de inclusão social nas áreas da educação, assistência

social, saúde, entre outras.

No caso de políticas protetivas destinadas à criança

e ao adolescente, por exemplo, a Constituição Federal,

no art. 227, estabelece que “é dever da família, da socie-

dade e do Estado assegurar à criança e ao adolescen-

te, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à

alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,

à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à con-

vivência familiar e comunitária, além de colocá-los a

salvo de toda forma de negligência, discriminação, ex-

ploração, violência, crueldade e opressão”. No Distrito

Federal, entretanto, esse preceito não passa de uma bo-

nita declaração de intenção. Conforme pesquisa divul-

gada pelo Correio Braziliense no dia 8 de novembro de

2007, o Distrito Federal ocupa a 5ª posição no ranking

nacional entre as Unidades da Federação onde crianças

e adolescentes têm maiores chances de morrer assas-

sinados.

Enquanto a média nacional de jovens entre 10 e 19

anos que são assassinados é de 21,6 por 100 mil habi-

tantes, no Distrito Federal a média é de 35,5; ou seja,

um índice 64,3% superior à media nacional. Nessa tris-

te estatística, o Distrito Federal supera o Estado de São

Paulo, que tem uma população muito maior. De acordo

com a pesquisadora Márcia Westphal, da Universidade

de São Paulo, que é uma das autoras do estudo, a ex-

clusão social e a falta de vínculo familiar forte são duas

das principais causas que explicam a morte de jovens e

adolescentes. Além disso, as estatísticas disponíveis in-

dicam que o Distrito Federal é a unidade da Federação

que apresenta o mais alto índice de criança e adoles-

cente em conflito com a lei.

O Distrito Federal deixará de arrecadar com o

IPTU, em 2008, um valor aproximado entre R$ 400 milhões e R$ 450 milhões.

Esse valor foi estimado considerando a receita

prevista para o IPTU, para o corrente exercício (R$

335 milhões) e aquela que poderia ser obtida (R$

800,0 milhões) se o tributo fosse corretamente

administrado.

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‘‘

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Rev

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a

A exclusão social, no entanto, poderia ser superada

por meio da implementação de políticas públicas ade-

quadas, que focalizem a aplicação dos recursos orça-

mentários nos segmentos mais pobres da população,

em que seja assegurado, por exemplo, o acesso à edu-

cação de qualidade, em escolas com adequadas insta-

lações físicas, que contém com professores motivados e

bem remunerados; modernos laboratórios de informá-

tica e de ciências, bibliotecas, videotecas, etc.

Os dados mostram, entretanto, que também no

quesito educação, o Distrito Federal deixa muito a de-

sejar. Matéria publicada pelo Correio Braziliense14, no

dia 22 de fevereiro , comentando os prejuízos causados

pelas chuvas do dia anterior, em Santa Maria, mostrava

que muitas mães não estavam deixando os filhos fre-

qüentarem a escola por receio de que algo grave lhes

acontecesse. De acordo com a matéria, a escola encon-

trava-se em péssima situação, com fios desencapados,

havendo registro de crianças que declararam ter rece-

bido choque elétrico ao tocarem nas paredes. Segundo

alguns depoimentos, isso seria rotina na escola em dias

de chuva.

Isso mostra que pouca coisa mudou de 2006 para

cá. Conforme auditoria do Tribunal de Contas do Distri-

to Federal, no início daquele ano letivo, apenas 16,8 das

escolas dispunham de instalações físicas adequadas

para o desenvolvimento de suas atividades. A grande

maioria das escolas estava funcionando de forma ex-

tremamente precária em instalações absolutamente

inadequadas. Ressalte-se, ainda, que muitas escolas

funcionam em prédios que não são próprios para o

nível de ensino que oferecem. Tem escolas de ensino

médio funcionando em prédios destinados ao ensino

fundamental, escolas de ensino infantil funcionando

em prédios próprios para outros níveis de ensino, etc.

A auditoria constatou, ainda, que, sistematicamente,

são incluídos recursos na lei orçamentária destinados

à reforma e à construção das escolas, mas que tais re-

cursos são remanejados para outros tipos de gastos

considerados mais prioritários. Vale mencionar tam-

bém que, em 2006, pouco mais de 600 crianças, com

idade inferior a 4 anos, conseguiram vagas em creches

públicas. Esse número é absolutamente insuficiente,

principalmente pelo fato de que a expressiva maioria

das crianças nessa faixa etária reside em algumas das

regiões administrativas que apresentam os mais baixos

níveis de renda per capita, como Estrutural, Itapoã, Ara-

poanga, Recanto das Emas, etc.

Outro exemplo emblemático da omissão do Po-

der Público, no cumprimento do aludido preceito

constitucional, consiste no pouco interesse efetivo na

implementação de políticas destinadas à erradicação

do trabalho infantil. Segundo informações divulgadas

pela imprensa, existem no Distrito Federal aproximada-

mente 10.700 crianças submetidas ao trabalho infantil.

Essas crianças, encontram-se fora da escola e sobrevi-

vem ajudando os pais a catarem objetos recicláveis e,

em alguns casos, quiçá, até mesmo sobras de alimentos

Em 2006, pouco mais de 600 crianças, com idade inferior

a 4 anos, conseguiram vagas em creches públicas. Esse número é absolutamente

insuficiente principalmente pelo fato de que a expressiva

maioria das crianças nessa faixa etária reside em algumas das regiões

administrativas que apresentam os mais baixos níveis de renda per capita,

como Estrutural, Itapoã, Arapoanga, Recanto das

Emas, etc.

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14 Perigo em Escola de Santa Maria, Correio Braziliense, 22/2/08, CIDADES, pág. 24.

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janeiro / março / 2008

Tabela I – Comparativo entre o valor de mercado, o valor fiscal, o valor do IPTU e a alíquota efetiva do imposto,

para imóveis residenciais unifamiliares, no Distrito Federal em 2008.

Localização do imóvelÁrea do

terreno (m²)Área

construída (m²)Valor de Mercado

Valor FiscalValor do

IPTUAlíquota Efetiva

do IPTU (%)

Lago Sul – SHIS QI 25 776,0 620,0 1.700.000,00 693.635,00 2.080,91 0,12

Lago Sul – SHIS QI 09 Cj. 04 776,0 726,0 2.900.000,00 1.003.064,50 3.009,19 0,10

Lago Sul – SHIS QI 16 Cj. 01 1.320,0 850,0 2.600.000,00 1.210.264,00 3.630,79 0,14

Lago Sul – SHIS QI 09 776,0 760,0 3.500.000,00 1.025.827,90 3.077,48 0,09

Lago Sul – SHIS QI 05 1.320,0 1.200,0 4.900.000,00 1.432.874,50 4.298,62 0,09

Lago Sul – SHIS Ql 12 - Ponta de Picolé

2.700,0-Presumida

900,0 5.400.000,00 2.795.441,00 8.386,32 0,16

Cruzeiro – SRE Qd. 04 120,0 156,0 285.000,00 221.600,42 664,80 0,23

Guará – QE 34 Cj.”M” 120,0 100,0 205.000,00 109.264,12 327,79 0,16

Guará – QI 02 Cj. “B” 200,0 260,0 430.000,00 217.657,04 652,97 0.15

Guará – QE 28 Cj .“O” 200,0 90,0 220.000,00 131.358,88 394,08 0,18

Ceilândia – QNP 19 CONJ. “B” 135,0 90,0 52.000,00 39.527,16 118,58 0.23

Ceilândia – QNP 26 135,0 100,0 67.000,00 42.311,76 126,94 0,19

Ceilândia – QNQ 05 144,0 80,0 45.000,00 24.662,54 73,99 0,16

Ceilândia – QNP 30 Cj. “C 135,0 135,0 68.000,00 52.857,86 156,17 0,23

Ceilândia – QNP 05 135,0 120,0 74.000,00 47.880,96 143,64 0,19

Riacho Fundo II – QN 14 C 80,0 150,0 70.000,00 40.214,11 120,64 0,17

Paranoá – Qd. 02 250,0 174,0 130.000,00 50.624,51 151,87 0,12

Planaltina – Qd. 09 Cj. “H” Arapoanga

700,0 194,0 65.000,00 37.574,60 112,72 0,17

Gama – Qd. 37 Setor Leste 275,0 380,0 250.000,00 225.633,59 676,90 0,27

Gama – Qd. 21 Setor Leste 275,0 580,0 280.000,00 316.215,59 948.65 0,34

Valor total / Valor médio • • • • • 0,19

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em informações extraídas de anúncios publicados nos classificados do Correio Braziliense e em sites de

imobiliárias, escolhidos aleatoriamente.

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no Lixão da Estrutural, em condições inteiramente ina-

dequadas, sem qualquer assistência ou proteção do

Estado. Os dados do Sistema de Acompanhamento da

Execução Orçamentária do Distrito Federal mostram,

no entanto, que, de um valor de R$ 4,8 6 milhões autori-

zado na Lei Orçamentária de 2007 para o programa de

erradicação do trabalho infantil, até o mês de outubro,

apenas R$ 445 mil foram empenhados, mas somente

R$ 339 mil foram liqüidados. Ressalte-se que a meta fi-

xada para o ano era o atendimento de 5.020 crianças, o

que corresponde apenas a 46,92% do total de crianças

submetidas ao trabalho infantil. Mas nem sequer esse

percentual insuficiente foi cumprido.

Fica claro, portanto, que, a par de possíveis questio-

namentos quanto à qualidade da gestão dos recursos

públicos, a correta administração do IPTU poderia con-

tribuir, de forma significativa, para ampliar o montante

de recursos públicos destinados a importantes políti-

cas pública de inclusão social e de redução das desi-

gualdades na distribuição de renda no Distrito Federal.

Com certeza, se a aplicação desses recursos adicionais

for feita de forma absolutamente transparente, com a

participação e o amplo acompanhamento da popu-

lação, inclusive por meio do orçamento participativo

e outras alternativas similares, poderá contribuir para

transformar Brasília em uma cidade de todos nós.

Tabela II – Comparativo entre a alíquota efetiva média do IPTU a população, a renda per capita da localidade

e o respectivo IDH

Localidade PopulaçãoRenda

per capita

Percentual de domicílios com renda entre 2 e 5

salários mínimosValor do IDH

Alíquota efetiva média do IPTU

Lago Sul 24.406 2.798,00 7,3 0,945 0,12

Cruzeiro 40.934 807,00 15,0 0,928 0,23

Guará 112.989 852,00 17,0 0,867 0,16

Gama 112.019 404,00 26,8 0,815 0,30

Ceilândia 332.455 323,00 35,6 0,784 0,20

Riacho Fundo II 26.093 386,00 25,9 0,826 0,17

Planaltina 141.097 200,00 25,2 0,764 0,17

Paranoá 39.630 316,00 32,8 0,785 0,12

Média - - 0,16

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em informações extraídas de informações divulgadas pela CODEPLAN.

Se a aplicação desses recursos adicionais for feita de forma absolutamente

transparente, com a participação e amplo acompanhamento da população, inclusive

por meio do orçamento participativo e outras alternativas similares,

poderá contribuir para transformar Brasília em

uma cidade de todos nós.

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janeiro / março / 2008

5. Conclusão

O presente estudo deixou claro que o Distrito Fede-

ral não vem administrando corretamente o IPTU, pois,

de uma forma geral, os proprietários de imóveis de luxo

e de alto luxo, situados em áreas nobres, vêm pagando

um montante de imposto muito inferior àquele que se-

ria efetivamente devido. Por outro lado, os proprietários

de imóveis localizados em áreas menos valorizadas pa-

gam, proporcionalmente, mais do que o dobro do IPTU

cobrado daquele grupo de contribuintes menciona-

dos anteriormente. Mostrou também que isso cria não

apenas uma inaceitável distorção do ponto de vista da

eqüidade, mas também uma substancial perda de ar-

recadação. Os recursos adicionais que a correta admi-

nistração do IPTU poderia gerar, certamente, poderiam

contribuir para o financiamento de importantes políti-

cas públicas de inclusão social, necessárias para reduzir

a extrema desigualdade na distribuição de renda que,

segundo pesquisas divulgadas recentemente, caracte-

rizam o Distrito Federal. As distorções observadas na

administração do IPTU, no entanto, podem ser corri-

gidas a curto prazo, se houver vontade política nesse

sentido e se forem feitos os investimentos necessários

para oferecer ao Fisco condições de trabalho adequa-

das para o desenvolvimento de suas atividades.

Tabela III – Quadro demonstrativo da arrecadação de impostos no Distrito Federal – 2003-2007 (em R$ 1.000,00)

Arrecadação de impostos

2003 2004 2005 2006 2007

IPTU 225.004 (5,30)242.084

(5,06)256.713

(5,00)269.090

(4,71)276.036

(4,62)

IPVA213.414

(4,99)250.749

(5,24)289.501

(5,64)332.937

(5,83)373.059

(6,25)

ISS473.406(11,07)

527.798(11,04)

604.313(11,77)

634.883(11,11)

627.537(10,68)

ICMS2.718.617

(63,57)3.024.360

(63,24)3.163.262

(61,61)3.437.124

(60,22)3.430.573

(57,44)

Outros644.035(15,07)

737.114(15,42)

820.150(15,98)

1.033.319(18,11)

1.264.741(21,18)

TOTAL4.242.431 (100,00)

4.782.105(100,00)

5.133.939(100,00)

5.707.353(100,00)

5.971.946(100,00)

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em informações produzidas pela Secretaria de Fazenda do DF. Valores atualizados pelo IPCA-MÉDIO de dezembro de 2007.

Os recursos adicionais que a correta administração do IPTU poderia gerar, certamente, poderiam

contribuir para o financiamento de

importantes políticas públicas de inclusão social,

necessárias para reduzir a extrema desigualdade na distribuição de renda que, segundo pesquisas

divulgadas recentemente, caracterizam o Distrito

Federal.

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Tabela IV - Demonstrativo da receita per capita do IPTU, em 2006, para os municípios das capitais

Município População IPTU IPTU per capita

Aracajú 505.286 31.057.924,08 61,47

Belém 1.428.368 30.773.551,00 21,55

Belo Horizonte 2.399.920 343.976.222,90 143,33

Campo Grande 765.247 63.990.950,35 83,62

Cuiabá 542.861 15.531.214,68 28,61

Curitiba 1.788.559 238.268.164,27 133,22

Florianópolis 406.564 73.995.454,21 182,00

Fortaleza 2.416.920 91.426.145,53 37,83

Goiânia 1.220.412 161.122.620,42 132,02

João Pessoa 672.081 19.757.941,13 29,40

Macapá 368.367 1.989.666,68 5,40

Maceió 922.458 30.828.003,50 33,42

Manaus 1.688.524 31.897.175,33 18,89

Natal 789.896 25.538.711,22 32,33

Palmas 220.889 3.469.446,53 15,71

Porto Alegre 1.440.939 183.456.474,77 127,32

Porto Velho 380.974 3.860.918,24 10,13

Recife 1.515.052 131.285.429,00 86,65

Rio Branco 314.127 3.902.748,48 12,42

Rio de Janeiro 6.136.652 1.047.540.108,16 170,70

Salvador 2.714.018 124.486.709,31 45,87

São Luís 998.385 23.738.819,76 23,78

São Paulo 11.016.700 2.645.953.739,27 240,18

Teresina 801.971 12.939.154,04 16,13

Vitória 317.085 23.983.231,88 75,64

Brasília 2.300.000 276.036.000,00 112,02

Fonte: Tabela elaborada pelo autor com base em dados extraídos do Finanças do Brasil – Execução Orçamentárias dos Municípios das Capitais, elabo-rado pela Secretaria do Tesouro Nacional, do Ministério da Fazenda, exceto para Brasília, cujas informações foram inseridas pelo autor.

Paulo Luiz Figueirêdo de OliveiraEconomista filiado ao Corecon-DF

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Não quebre a corrente!

Conselho Regional de Economia da 11ª Região-DFSCS Qd. 04, Ed. Embaixador, Sala 202

CEP 70300-907 - Brasília -DF Tels: (61) 3225-9242 / 3223-1429

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Mas, para que esta luta seja bem-sucedida, é importante a participação de todos. Visite o seu Conselho. Critique. Dê sugestões.

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