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3. MINHA MÃE Ao reler o texto em que começo a contar a saga da nossa família, desde o casamento de nossos pais, pensei em nossa mãe, avó de nossos filhos e bisavó de nossos netos.. Tinha intenção de escrever sobre ela, em maio, na semana do dia das mães, assim como fiz sobre o papai, na semana do dia dos pais. Mas não quero esperar até maio. Pois o esteio, a base de toda a formação desta família, foi a ação desta mulher notável, amada e querida pelo seu marido, pelos seus filhos, pelos netos, noras e genros que a conheceram e por todos os que tiveram o privilegio de privar de sua amizade. Escrever sobre ela é muito fácil e muito difícil ao mesmo tempo. Fácil porque sua presença foi total em todos os acontecimentos da família. Difícil porque esta presença era discreta, mas permanente e decisiva. Filha caçula de “Pai Jonas” e “Mãe Tide,” nasceu no dia 22 de maio de 1916, em São Sebastião do Paraíso. Fez magistério na Escola Normal “Paula Frassinetti”, mas pouco lecionou, a não ser como professora substituta em Capetinga, ainda solteira e depois de casada em Arceburgo. Na prática, porem, era pós-graduada em educação. Foi uma verdadeira educadora de seus quatorze filhos. Formou-os dentro dos princípios cristãos, incentivando-os na busca da verdade, da justiça e do amor. E dava a todos um amor total sem divisões. Educava-os, criando uma metodologia própria em casa, fazendo todos os filhos participarem da organização da casa, por meio de pontos e prêmios. Muitas são as lembranças de sua presença na minha vida. Convivi intensamente com ela, como filho mais velho, até aos 11 anos, pois nesta idade fui para o seminário. Dos 11 aos 32, a convivência era mais nas férias. Volte a conviver depois, aos 32 anos, quando voltei para a casa dos meus pais. Meus irmãos devem também ter suas lembranças. Vejo-a dando aula em Arceburgo, quando eu, Luisinho e Paulinho, de banho tomado, sentávamos ao lado dos alunos. Vejo-a organizando as nossas coisas nas sucessivas mudanças que tivemos. Em uma delas, de Arceburgo para Paraiso, íamos na carroceria do caminhão da mudança e no meio da viagem, fomos obrigados a descer. Enquanto o guarda-roupa era retirado para que o caminhão pudesse passar debaixo da linha do trem, ela nos reunia sentados na grama e nos contava historias. Lembro-me da sua preocupação comigo, quando ainda pequeno tive pneumonia. Não havia, na época, antibiótico e o tratamento era com emplasto de polenta quente no peito. Lembro-me das responsabilidades dos

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3. MINHA MÃE

Ao reler o texto em que começo a contar a saga da nossa família, desde o casamento de nossos pais, pensei em nossa mãe, avó de nossos filhos e bisavó de nossos netos.. Tinha intenção de escrever sobre ela, em maio, na semana do dia das mães, assim como fiz sobre o papai, na semana do dia dos pais. Mas não quero esperar até maio. Pois o esteio, a base de toda a formação desta família, foi a ação desta mulher notável, amada e querida pelo seu marido, pelos seus filhos, pelos netos, noras e genros que a conheceram e por todos os que tiveram o privilegio de privar de sua amizade. Escrever sobre ela é muito fácil e muito difícil ao mesmo tempo. Fácil porque sua presença foi total em todos os acontecimentos da família. Difícil porque esta presença era discreta, mas permanente e decisiva.

Filha caçula de “Pai Jonas” e “Mãe Tide,” nasceu no dia 22 de maio de 1916, em São Sebastião do Paraíso. Fez magistério na Escola Normal “Paula Frassinetti”, mas pouco lecionou, a não ser como professora substituta em Capetinga, ainda solteira e depois de casada em Arceburgo. Na prática, porem, era pós-graduada em educação. Foi uma verdadeira educadora de seus quatorze filhos. Formou-os dentro dos princípios cristãos, incentivando-os na busca da verdade, da justiça e do amor. E dava a todos um amor total sem divisões. Educava-os, criando uma metodologia própria em casa, fazendo todos os filhos participarem da organização da casa, por meio de pontos e prêmios. 

Muitas são as lembranças de sua presença na minha vida. Convivi intensamente com ela, como filho mais velho, até aos 11 anos, pois nesta idade fui para o seminário. Dos 11 aos 32, a convivência era mais nas férias. Volte a conviver depois, aos 32 anos, quando voltei para a casa dos meus pais. Meus irmãos devem também ter suas lembranças. Vejo-a dando aula em Arceburgo, quando eu, Luisinho e Paulinho, de banho tomado, sentávamos ao lado dos alunos. Vejo-a organizando as nossas coisas nas sucessivas mudanças que tivemos. Em uma delas, de Arceburgo para Paraiso, íamos na carroceria do caminhão da mudança e no meio da viagem, fomos obrigados a descer. Enquanto o guarda-roupa era retirado para que o caminhão pudesse passar debaixo da linha do trem, ela nos reunia sentados na grama e nos contava historias. Lembro-me da sua preocupação comigo, quando ainda pequeno tive pneumonia. Não havia, na época, antibiótico e o tratamento era com emplasto de polenta quente no peito. Lembro-me das responsabilidades dos filhos mais velhos de pajear os bebês que nasciam seguidamente. Lembro-me das faxinas semanais, aos sábados, antes de minha ida para o seminário, faxinas que continuaram por muito tempo com meus irmãos. Lembro com que amor e carinho cuidou do “Pai Jonas”, muito doente e com a perna amputada no fim de sua vida. Lembro recebendo, com alegria, para morar em casa, sua sobrinha Irene que se tornou sua grande amiga e confidente, e depois, seu irmão mais velho, o querido Pepedo. Vejo-a, depois das refeições, sentada numa poltrona, fumando seu cigarrinho. Vejo-a junto com a Geralda, preparando os almoços dos domingos, reunindo todos os filhos em volta da mesa, almoços alegres, constituídos de macarronada e frango. É verdade que as coxas do frango eram uma para mim, (seminarista e depois padre) e a outra para seu irmão Pepedo, enquanto ficavam, para os mais novos, o pescoço e os pés!! Depois do almoço de domingo, relaxava jogando “buraco” com suas noras. Vejo-a com um papel na mão tomando nota das necessidades da família, fazendo compras mensais na Cooperativa dos Bancários. 

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Houve na sua vida momentos alegres e momentos de muita tristeza, de muito sofrimento. E ela sabia enfrentar com muita compreensão e equilíbrio estes momentos difíceis. Quanta alegria na festa de minha ordenação sacerdotal e quanta compreensão no dia em que disse que estava me afastando do ministério! Quanta alegria na formatura de seus filhos, nos seus casamentos e no nascimento de seus netos e quanta compreensão nos momentos de doença e de cirurgias delicadas do Paulinho e da Aurea!! Quanto sofrimento e compreensão na opção de sua filha Isaurinha ao seguir com seu marido Euler na clandestinidade!

Além de mãe, amiga e confidente de suas filhas, nas conversas ao pé da cama, de manhã, levando café para elas. Além de mãe, conselheira de seus filhos, conversando com eles sobre seus problemas. Num dos momentos difíceis, de conflito, entre nós irmãos, ela disse algo que tomei nota em um caderno de reflexões: “nós precisamos em família de viver ás claras. É preciso haver mais diálogo. Não é no monólogo que resolveremos nossos problemas, mas no diálogo, no contato de alma a alma que deve haver entre os irmãos e entre pais e filhos”. Como mãe, amiga, confidente e conselheira, compreendia as opções dos filhos, ao longo de suas vidas, opções religiosas, políticas e filosóficas. Não só compreendia, mas acompanhava a evolução de seus filhos, sem perder suas convicções religiosas.

Mamãe nos deixou muito cedo. Sempre nos dizia que não agüentaria a morte de um filho. Manhã de 2 de fevereiro de 1976. As lembranças vêm à tona. Dia fechado e chuvoso. Fui com a Valeria que já estava no final da gravidez da Isaura, visitá-la. Falou muito sobre o Osvaldo que estava em São Carlos onde tinha ido com a Silvinha, grávida de sete meses, despedirem-se dos pais dela, pois, de férias, iriam para o Rio comprar o enxoval do bebê que estava para nascer. Mamãe estava meio tensa. Voltamos para almoçar em casa. Após o almoço, recebemos um telefonema. Valeria atendeu. Era um policial rodoviário, avisando que tinha havido um acidente na Via Anhanguera, perto de Americana, com meu irmão. O acidente foi grave, o carro estava no estacionamento da Policia e o Osvaldo e a Silvinha tinham sido levados para um hospital em Americana. Telefono para a casa de meu pai. Ele tinha ido para Jundiaí e a mamãe estava indo para a casa da Aurea, no Jardim Amazonas. Era aniversario da Aurea. Valeria e eu fomos avisá-la. No meio do caminho, a encontramos no carro. Não lembro quem estava dirigindo. Paramos o carro e a avisamos do acidente, dizendo que íamos para lá. Ela imediatamente entrou no nosso carro, dizendo que também queria ir. Nada a demoveu ao contrario. Perto da Policia Rodoviária, parei o carro e fui conversar com os policiais. Comunicaram-me que os dois tinham falecido, pois o carro bateu com violência, em alta velocidade, num caminhão estacionado no acostamento. Entregaram-me as malas e os travesseiros que estavam no carro. Ao voltar para o carro, percebi ao passar em frente o estacionamento que mamãe reconheceu o carro todo arrebentado. Valeria me perguntou baixinho, para ela não ouvir, se eles morreram. Nada respondi. Mamãe deu um grito, pediu para parar o carro e sair. Não deixamos, dissemos que estava chovendo e que não sabíamos o que tinha acontecido. Ao chegar ao hospital, perguntei na recepção sobre o acidente. Uma moça nos apontou uma porta. Ao passar por ela, demos num pátio, onde havia uma ambulância e. do outro lado, veio o Luizinho, transtornado, que abraçou a mamãe. Ela desmaiou e a levamos a um quarto. Os corpos de Osvaldo e Silvinha estavam num quarto contiguo cobertos com lençol. Mamãe foi atendida por um medico. Um pouco depois, voltou a si e quis ver seu filho. Não queríamos deixar, mas o medico concordou. Levei-a amparada até

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o outro quarto. Ao descobrir o rosto do Osvaldo, teve um segundo desmaio. Aos poucos foram chegando papai e alguns irmãos e os pais da Silvinha. Ficou resolvido e foram tomadas as providências para fazer enterro dos dois em São Carlos. Mamãe foi desmaiada com suas filhas num carro e lá, em São Carlos, direto para um hospital. Já na viagem, Áurea percebeu que ela estava sem sensibilidade num dos lados do corpo, o que foi constatado também pela Joana, medica, irmã do Euler, que chegou em São Carlos, de madrugada. Era necessário transferi-la para Campinas urgentemente, e isto foi feito após o enterro de Osvaldinho e Silvinha. Vim na frente com a Valeria para tomar providências junto ao Hospital Vera Cruz. Tendo chegado ao hospital e após ser examinada pela equipe medica do Dr. .... Fui com um irmão ouvir a conclusão a que chegaram os médicos. Mamãe tinha tido um aneurisma cerebral grave, era necessário cirurgia urgente. Ela resistiria, mas provavelmente ficaria só com vida vegetativa. Foi muito doloroso ouvir isto. Durante uma semana, todos, papai, meus irmãos, genros, noras, netos, parentes, amigos, torcemos e rezamos pela sua recuperação, permanecendo dia e noite no saguão do hospital. Na véspera da missa de sétimo dia do Osvaldinho e Silvinha, celebrada em Jundiaí, ela faleceu. Na missa em sua homenagem afirmei que ela continuaria presente em todos nós e que seu exemplo de vida iria iluminar toda a nossa vida. Alguns dias depois, nasce nossa segunda filha. Valeria e eu demos a ela o nome de Isaura. Mais alguns dias nasce Tininha, filha da Tide e Augusto. A família continuou firme em torno de nosso pai, continuando a vida, mas certamente lamentando a ausência de nossa mãe ausência sentida até hoje por todos, em todos os momentos, mas principalmente quando nos reunimos em festas de aniversario e de Natal.DepoimentosTide Arnaldo ,vc sabe que não choro com facilidade, mas não tem como não chorar ao ler seu belo depoimento sobre nossa mãe.Acho que a dificuldade que temos de escrever e falar sobre ela ,é que ao mesmo que temos belissimas lembranças, a dor da perda ainda doi demais !

Vera Maria Lemos Pameiro - Ela era mesmo linda ,transmitia paz e foi um exemplo de mãe.Me recordo quando fomos ai em Campinas vc eram bem jovens ,assim como eu tb na época bastava um olhar dela vcs saiam da sala para ela conversar com os adultos.Parabéns por vc continuar esta linda história da família.

Deca Aprendi que é preciso ser forte,ser ter serenidade para enfrentar estas tragédias da vida e tentar ser um pouco da Dona Izaura, sua delicadesa e educação eram marcantes o respeito e a preocupação com seus parentes que mais presisavam,linda,penso em voce, lembro cad momento que passamos juntas.

Isaura Que triste. .. e que mulher incrível ! Tenho a honra e o orgulho de carregar seu nome e depois de ler tudo isso minha vontade de ser uma pessoa cada vez melhor ficou mais forte. Pai vc entrou no seminário muuitoooo cedo!!!

Samantha - Que texto lindo, pai! Que mulher maravilhosa!! E triste seu fim.... Sinto muito por não ter conhecido vovó Isaura!...

Dindo -Acredito que reflexo em volta de nossa mãe nesta foto é do espelho, essa foto ficou magica, linda como sempre, aqui ela está como se fosse uma santa, lembranças de sua bondade, determinada, exemplo de vida para todos, foto e mensagem e texto do Arnaldo, para guardar para sempre em nossas memórias.

Jonas Naves Me emocionei ao ver a foto e o histórico. Ela foi um pouco minha mãe, ajudou a amamentar eu e o José, gêmeos da mesma idade do Luizinho! Tinha incrível controle emocional em uma casa com tanta gente, incluindo o tio Arnaldo que não era fácil....Em fevereiro de 74, tinha acabado de chegar á Brasília, nem telefone eu tinha e foi sofrido prá mim. Ficou a imagem de uma grande mulher...

Tide Li de novo o belo texto do Arnaldo sobre nossa mâe e chorei de novo ,ainda não tenho condiçoes de escrever sobre ela. A dor da perda ainda é muito grande !

Marilda Saudades... Mostrei para Júlia a foto da bisa e ela achou linda,disse nossa....

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Daniela - Mulher admirável!! Deixou em suas filhas e netas uma semente de força e uma vocação pra maternidade inegáveis! E aos filhos e netos ensinou uma masculinidade companheira e generosa!!! Pena não ter convivido com essa mulher incrível...

Ionio - Tive o privilégio de conhecê-la e conviver com ela durante o período em que trabalhei na Supergaz (1963/64) junto com o Assis. Aos domingos a família (e ela em particular) me recebiam para almoço e bate-papos. Momentos leves, descontraídos e muito familiar para um mineirinho que saia pela primeira vez de casa para estudar e trabalhar numa cidade grande (Campinas)... O acolhimento de Isaura é inesquecível para mim. Mais uma vez parabenizo a você Arnaldo, pelo resgate histórico da saga de uma família que marcou uma época inesquecível da minha vida. Um abraço a todos os primos.

Maria Aurea - Arnaldo, estou como a Tide, emocionada e ainda sem condições de escrever o meu relato sobre a mamãe...Acredito que todos nossos irmãos terão um olhar, um testemunho a dar, sobre essa grande Mulher Maravilhosa... e do orgulho de sermos seus filhos...Vou aguardar o momento certo para dar a minha contribuição para esse seu lindo relato, maravilhoso e comovente...valeu Arnaldo! Que saudades da mamãe...

Tininha - Sem palavras, tio. Como disse a Daniela Lemos, daí vem a nossa paixão e vocação para maternidade. Uma mulher incrível! Trago comigo todas as intensidades de ter nascido neste momento.

Maria Teresa - Tio, nem sei o que escrever... estou também muito emocionada como a tia Tide e a tia Aurea... Eu tinha seis anos quando a Vó Isaura faleceu...Como eu era muito criança, não me lembro das tristezas...só das alegrias e me recordo de alguns momentos com ela... quando eu passava as férias em Campinas... quando passava um caminhão de doce em frente da casa e ela comprava todos os doces que eu e meu irmão queríamos.. Lembro-me dela indo ao salão de beleza arrumar o cabelo e voltando linda...de seu porta- moedas dourado... das moedinhas que ela me dava com carinho para comprar chiclete no bar da esquina...dela jogando buraco com a minha mãe e a tia Valéria na parte de baixo da casa...Dela falando pro vô Arnaldo: 'Deixa a menina brincar de comidinha com o arroz cru, Arnaldo! " Enfim, guardo para sempre na minha memória esses e outros momentos , que marcaram muito a minha infância. Obrigada tio por relatar de maneira tão tocante, real e sensível as memorias da vó Isaura.Um abraço, tio! ! Te amo vovó! !