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75 Ciberativismo no Brasil AFONSO DE ALBUQUERQUE ELEONORA DE MAGALHãES CARVALHO MARCELO ALVES DOS SANTOS JR INTRODUçãO Em junho de 2013, as ruas das principais cidades brasileiras foram tomadas por milhares de manifestantes que protestavam contra o aumento no preço da tarifa do transporte público. Os protestos, cujo alvo inicial eram prefeituras mu- nicipais e governos estaduais, logo se transformaram em manifestações contra o governo federal e a política em geral. As manifestações voltaram a se repetir em 2014, agora tendo como tema os gastos com a Copa do Mundo. Em 2015, mais uma série de protestos, promovidos por apoiadores do candidato Aécio Neves, derrotado nas eleições do ano anterior, pediram o impeachment da presidente Dilma, com base em alegações de conivência com a corrupção. Organizadas atra- vés das mídias sociais, estas manifestações marcaram um ponto de inflexão na política brasileira. A importância das mídias sociais sobre a vida social brasileira é inegável. O Brasil é, hoje, o quarto país no ranking mundial de tempo gasto nas mídias sociais como Facebook, Twitter e Instagram 1 . Além disto, o país se notabiliza por um uso particularmente intenso e criativo das ferramentas, com práticas inteiramente distintas daquelas que caracterizam o ambiente americano, por exemplo. Mas como isto se converte em capital político? Qual foi exatamen- te o papel que as redes desempenharam nos protestos? Que agentes participam delas? Como eles se organizam? Como atuam? Qual o impacto que eles exercem sobre as instituições tradicionais da vida política brasileira? Como estas institui- ções afetam o seu funcionamento? 1 http://www.statista.com/statistics/270229/usage-duration-of-social-networks-by-country/

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AfonSo de AlBuqueRque

eleonoR A de mAgAlhãeS C ARvAlho

mARCelo AlveS doS SAnToS JR

inTRodução

■ Em junho de 2013, as ruas das principais cidades brasileiras foram tomadas por milhares de manifestantes que protestavam contra o aumento no preço da tarifa do transporte público. Os protestos, cujo alvo inicial eram prefeituras mu-nicipais e governos estaduais, logo se transformaram em manifestações contra o governo federal e a política em geral. As manifestações voltaram a se repetir em 2014, agora tendo como tema os gastos com a Copa do Mundo. Em 2015, mais uma série de protestos, promovidos por apoiadores do candidato Aécio Neves, derrotado nas eleições do ano anterior, pediram o impeachment da presidente Dilma, com base em alegações de conivência com a corrupção. Organizadas atra-vés das mídias sociais, estas manifestações marcaram um ponto de inflexão na política brasileira. A importância das mídias sociais sobre a vida social brasileira é inegável. O Brasil é, hoje, o quarto país no ranking mundial de tempo gasto nas mídias sociais como Facebook, Twitter e Instagram1. Além disto, o país se notabiliza por um uso particularmente intenso e criativo das ferramentas, com práticas inteiramente distintas daquelas que caracterizam o ambiente americano, por exemplo. Mas como isto se converte em capital político? Qual foi exatamen-te o papel que as redes desempenharam nos protestos? Que agentes participam delas? Como eles se organizam? Como atuam? Qual o impacto que eles exercem sobre as instituições tradicionais da vida política brasileira? Como estas institui-ções afetam o seu funcionamento?

1 http://www.statista.com/statistics/270229/usage-duration-of-social-networks-by-country/

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Tais questões representam um desafio de primeira grandeza para os cientis-tas políticos, e para os estudiosos da comunicação política de modo particular e, até o presente momento, existem poucos elementos que nos ajudem a dar conta delas satisfatoriamente. Este artigo apresenta um esforço neste sentido, ao comparar dois grupos de agentes que atuam no universo da internet política no Brasil: a Blogosfera Progressista Ampliada (BPA) e a Rede Anti-Petista (RAPT). Originalmente constituído por blogueiros de esquerda, o primeiro grupo agrega diversos meios de comunicação, inclusive alguns que existem fora do ambiente online, tais como publicações alternativas (como Carta Capital) e mantém uma relação próxima com entidades do campo político da esquerda (partidos e per-sonalidades), movimentos sociais e mesmo agências do governo (petista). Nas eleições de 2014, um território de atuação até então pouco explorado por esses agentes passou a ser fortemente utilizado pelos blogueiros: as redes sociais, em especial Twitter e Facebook, e é justamente por não se limitarem ao universo dos blogs que se optou em chamar de “ampliada” a “blogosfera progressista”. O segundo grupo, por sua vez, articula fan-pages de estilos e orientações ideológicas bastante diversas, cujo ponto de contato é o ódio pelas esquerdas de modo geral, e pelo governo petista em particular.

O texto se organiza em quatro partes. A primeira delas apresenta em termos gerais o panorama da comunicação política brasileira como fundamentalmente de-sequilibrado, tanto no plano da política quanto no da comunicação. De um lado, temos um partido dominante, o PT e partidos de oposição com uma identidade frágil, que não apresentam muitos traços definidores para além do fato de serem anti-PT. De outro lado, temos uma mídia que, em sua maioria esmagadora, tem se posicionado contra o PT. A esta situação denominamos “paralelismo assimétrico”. Em seguida, apresentamos a BPA e suas características fundamentais. Em particular, destacamos a natureza orgânica do grupo, bastante organizado e solidamente vincu-lado a instituições do mundo social e político, e seu empenho em se constituir como força anti-hegemônica frente à mídia tradicional. A terceira parte introduz à RAPT, um grupo de natureza totalmente diferente, articulado a partir de uma lógica mui-to mais reativa do que orgânica. A quarta parte apresenta evidências empíricas das diferenças entre os dois grupos, através do uso de metodologias de análise de rede.

mídiA e políTiCA no BRASil: o pARAleliSmo ASSiméTRiCo

■ Antes de considerarmos especificamente a natureza das relações políticas que se estabelecem no ambiente da internet, temos que considerar questões mais ge-

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rais, relativas ao panorama da comunicação política, tal como ele se apresenta no Brasil. Argumentamos, aqui, que a relação que se estabelece entre meios de comunicação e agentes políticos no Brasil pode ser descrita através do conceito de “paralelismo assimétrico”. O conceito de paralelismo assimétrico guarda al-guma relação com o conceito de paralelismo político. Criado originalmente por Seymour-Ure (1974), e reapropriado por Blumler e Gurevitch (1995) e Hallin e Mancini (2004), o conceito se refere ao grau com que os meios de comunicação espelham as forças políticas existentes – em especial os partidos políticos – exis-tentes em uma dada sociedade. O conceito de paralelismo político foi original-mente formulado como uma categoria de validade universal, cuja aplicabilidade concreta diria respeito fundamentalmente a uma questão de grau: uma sociedade poderia ter mais ou menos paralelismo político. Hallin e Mancini fizeram do pa-ralelismo político um dos quatro eixos fundamentais de análise dos sistemas mi-diáticos dos países ocidentais, juntamente com o papel do Estado na organização dos sistemas midiáticos, o desenvolvimento dos mercados midiáticos e o grau de profissionalismo daqueles que exercem a profissão de jornalista nestas sociedades. Eles chegam, contudo, a apresentar o modelo de jornalismo independente – no qual o jornalismo se afirma como uma instituição diretamente relacionada ao interesse do público, sem a mediação do Estado ou de qualquer força política em particular – como uma alternativa concreta ao paralelismo político.

Em um artigo recente, Albuquerque (2013) argumentou que o uso do con-ceito de paralelismo político como categoria analítica universal é equivocado e abusivo, pois as circunstâncias que permitiriam a existência deste fenômeno não se encontram presentes em toda parte. Em particular, o autor sugere que dois fatores são requisitos indispensáveis para a existência de paralelismo político. Por um lado, deve haver pluralidade tanto no âmbito das forças políticas quanto dos meios de comunicação. O paralelismo político só faz sentido enquanto sistema. É apenas na medida em que existe diversidade de possibilidades, que a relação entre esta força política e aquele meio de comunicação pode se tornar significativa nos termos de um paralelismo. Do contrário, existe apenas escassez. Desta forma, o conceito de paralelismo político só faz sentido no contexto de sistemas competitivos. Por outro lado deve existir um grau razoável de estabilidade na relação entre os meios de co-municação e as forças políticas pois, do contrário, seria impossível falar em parale-lismo. Ao cruzar estas duas variáveis, o artigo propõe quatro tipos ideais de mode-los de relacionamento entre mídia e política, os quais denomina: 1) Competitivo/Estável (a situação na qual o paralelismo político se faz possível; 2) Competitivo/Instável; 3) Não-Competitivo/Estável; 4) Não-Competitivo/Instável.

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O caso brasileiro parece se inserir adequadamente dentro dos parâmetros do tipo Competitivo/Instável. Desde meados da década de 1980, um sistema políti-co democrático competitivo se estabeleceu no país. O país conta atualmente com 28 partidos representados no Congresso Nacional e ampla liberdade de expressão reconhecida pela Constituição. Contudo, a relação entre os meios de comunica-ção e as forças políticas não se pauta em qualquer princípio estável. Nos primeiros anos que se seguiram ao retorno à ordem democrática, os meios de comunicação frequentemente definiram o seu papel frente à ordem política nos termos de um Poder Moderador, ao qual caberia resolver as disputas entre os poderes estabe-lecidos da República (Albuquerque, 2005). Contudo, desde a eleição de 2002, que levou Luiz Inácio Lula da Silva e seu Partido dos Trabalhadores (PT) à Presidência esta relação se transformou totalmente, na direção do fenômeno que denominamos “paralelismo assimétrico”.

O paralelismo assimétrico se constitui a partir da articulação tensa entre um sistema político e um sistema midiático que se definem um em oposição ao outro. No lado que cabe à política, temos um sistema estruturado em torno de um único partido. Isto acontece não porque ele seja um partido efetivamente hegemônico – ao contrário, a base parlamentar do PT jamais chegou a corresponder a vinte por cento das cadeiras do Congresso Nacional, nem na Câmara dos Deputados, nem no Senado Federal – mas porque ele foi o único partido brasileiro capaz de construir, de maneira estável, uma identidade partidária de massa. Além disto, a visibilidade da legenda foi largamente ampliada pelo fato de que ela detém a Presidência desde 2003 (e o atual mandato, de Dilma Rousseff, que deverá se encerrar em 2018). A oposição política ao PT foi, ao longo deste período, historicamente frágil, incapaz de apresentar consistentemente propostas políticas alternativas ao partido no governo e construir identidades políticas reconhecíveis. Do lado da mídia, porém, temos uma situação inversa. Os meios de comunicação brasileiros são em sua quase totalidade privados, e controlados por grupos fami-liares que historicamente se acostumaram a estar próximos do poder. Quando estes grupos se viram privados do acesso ao poder, pela ascensão de um partido político com o qual eles mantiveram historicamente uma relação de desconfian-ça, quando não de hostilidade aberta, eles passaram a fazer oposição aberta ao governo petista. Inicialmente tímida, esta oposição se radicalizou na medida em que, eleição a eleição, o PT renovava o seu mandato presidencial. Para alguns de seus agentes, caberia à mídia desenvolver a verdadeira oposição no país, já que os partidos políticos não estavam em condição de fazê-lo. O PT conta com pouco ou nenhum suporte no âmbito da mídia tradicional.

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Temos, portanto, uma situação na qual um partido político exerce o governo sem que uma oposição política se apresente efetivamente, e outra situação em que uma mídia desempenha fortemente um papel oposicionista, sem uma imprensa simpática (ou ao menos não-hostil) às forças governistas faça frente à ela. Como veremos, esta situação está na base do drama político que se desenrola nas mídias sociais brasileiras. A motivação fundamental por detrás do advento da BPA foi justamente criar um agente midiático alternativo, capaz de se contrapor às pers-pectivas antipetistas e antigoverno veiculados pela mídia tradicional. Por sua vez, a RAPT se constituiu como um instrumento de ataque sistemático ao governo, ao PT e às esquerdas em geral, através de recursos de comunicação de guerrilha, se colocando muitas vezes à margem da imprensa. As características destes agentes serão mais bem exploradas nas seções seguintes.

A BlogoSfeRA pRogReSSiSTA AmpliAdA

■ “Os jornais perderam a capacidade de gerar escândalos. Criaram anticorpos que agora são potentes na blogosfera. Com os blogs, há uma articulação fantás-tica. Em 2006, eram quatro ou cinco blogueiros atuando. Hoje há um universo de blogs (...)” (Nassif, 2009, p. 25). Foi a partir da campanha eleitoral daquele ano que surge a BPA como grupo relativamente institucionalizado, como forma de contrabalançar o viés anti-PT adotado sistematicamente por boa parte dos principais veículos de comunicação brasileiros. Atualmente, somam 230 blogs institucionalmente reunidos no Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, cujo presidente é o também blogueiro e militante do PCdoB Altamiro Borges. Analisados individualmente, os componentes da BPA não parecem cha-mar muita atenção. O principal site associados à blogosfera é o R7.com, per-tencente à rede Record, mas que não pode ser considerado um componente em essência da blogosfera petista. No ranking brasileiro, a página ocupa a 51ª posição (fonte: Alexa.com). O primeiro membro do “núcleo duro” da blogosfera no mes-mo ranking é Brasil 247, classificado na 241ª posição. É justamente no caráter coletivo, de articulação em rede, que reside o peso político alcançado por esse grupo de midiativistas de esquerda cujo principal propósito declarado é oferecer uma alternativa contra-hegemônica à grande mídia – a saber: organizações Globo, jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo e revista Veja.

Foi um conjunto de circunstâncias específicas ocorridas no Brasil nos últi-mos anos que possibilitou o desenvolvimento da blogosfera progressista brasilei-ra. Dois aspectos em particular merecem destaque: o primeiro deles diz respeito

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às mudanças políticas que tiveram lugar no país a partir da eleição do candidato de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente do país em 2002, que rompeu os padrões de relativa proximidade que se estabeleciam até então entre a grande mídia e os governos federais; o segundo se refere à premissa, para os jornalistas brasileiros, de que o verdadeiro jornalismo só poderia ser realizado fora das orga-nizações jornalísticas tradicionais, em face das restrições que seus compromissos políticos e econômicos apresentam à autonomia do trabalho dos jornalistas, cujas origens remetem à imprensa alternativa das décadas de 1960/70 (Kucinski, 1991). Esse projeto de fazer jornalismo sem jornal (Magalhães e Albuquerque, 2014) se tornou viável com os avanços tecnológicos das últimas duas décadas que possi-bilitou computadores ligados em rede transmitindo mensagens para um vasto público, a um custo reduzido.

Mas diferentemente do que ocorre com a blogosfera progressista norte--americana (Bowers e Stoller, 2005), a brasileira se construiu sobre instituições e lideranças anteriores à existência da blogosfera. Assim, esse ecossistema midiático não é formado primordialmente por um “novo conjunto de lideranças”, ao con-trário, é um grupo institucionalizado cujo vigor remete a instituições existentes fora da internet. Alguns dos blogueiros mais proeminentes devem muito de seu prestígio à carreira construída anteriormente na grande mídia, pela militância em partidos de esquerda como PT e PCdoB ou em movimentos sociais. No campo dos jornalistas, por exemplo, Paulo Henrique Amorim trabalhou como âncora na TV Globo, Luis Nassif já foi membro do concelho editorial da Folha de S. Paulo e Mino Carta trabalhou como editor em várias revistas de renome, como Veja e Istoé. Altamiro Borges é militante político do PCdoB, e Conceição Oliveira é ativista dos movimentos feminista e de democratização da mídia. Assim, a “blo-gosfera de esquerda” se estrutura segundo uma lógica de laços fortes, abarcando, além de jornalistas, diversos outros agentes para a construção desse ecossistema midiático. O uso do termo “blogosfera” para nomear esses agentes, entretanto, não é de todo preciso. Do grupo também fazem parte meios de comunicação existentes apenas na internet – como os jornais Brasil 247, o site oficial do PCdoB Vermelho.org e blog PT na Câmara, da liderança do PT – ou fora dela – como as revistas Fórum e Carta Capital, que surgiram como mídia impressa antes de migrarem também para o ambiente virtual.

A BPA se organiza em torno de redes de relacionamento em que a atuação se dá sob parâmetros que amalgamam a lógica do jornalismo e da militância sin-dical, ambas atravessadas pelo modelo leninista (cf. Albuquerque e Silva, 2009; Ferreira, 2002). A lógica institucional do partidarismo, levada para a rede dos

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blogueiros, cria a base para a construção de alianças relativamente estáveis dentro da BPA, que se apresenta como “de esquerda” e “alternativa à mídia tradicional”. É esse o “território de caça” dos blogueiros (Panebianco, 2005). Para a manuten-ção de relações de longo prazo, os componentes da blogosfera atuam de modo a reforçar a reciprocidade interna do grupo, desenvolvendo lealdades estáveis, reforçadas por citações recíprocas e a manutenção de links que direcionam para as páginas uns dos outros. Além disso, realizam encontros periódicos para discuti-rem assuntos de interesse do grupo e buscam recrutar novos agentes, oferecendo, por meio do Centro de Estudos Brarão de Itararé, cursos para orientar “a capa-citação de jornalistas, blogueiros, ativistas digitais e comunicadores sociais, no sentido de fortalecer a mídia comunitária, sindical e alternativa”.

Uma das questões que se tornou cara aos blogueiros diz de sua sobrevivên-cia econômica. Identificam-se três vertentes: a) blogs que não aceitam verbas do governo federal, de empresas ou estatais (financiamento via crowdfunding); b) meios custeados por publicidade (pública ou privada) ou via edital público; c) meios mantidos por entidade política. De modo geral, todos – mesmo aqueles que buscam se financiar unicamente através dos leitores, como o blog Viomundo – participam de um movimento que reivindica para a blogosfera uma fatia maior da verba gasta em publicidade pelo governo federal, uma vez que cerca de 70% dos recursos são destinados à imprensa tradicional. Isso porque a BPA, como deixa ver a frase de Nassif que abre esta seção, reivindica o papel de criar qua-dros interpretativos capazes de mobilizar a militância de esquerda, pró-governo do PT, mas também de oferecer interpretações diferentes às disseminadas pela grande mídia, produzindo “antídotos” aos relatos anti-governo que circulam nos jornais e revistas tradicionais. Ao fazer as vezes de “mídia partidária”, a blogosfera contribui para reforçar a subordinação da mídia tradicional à lógica do partido, uma vez que esta passa a ocupar o lugar de oposição institucionalizada ao governo petista – na falta de um partido político forte que o faça. Mais que “imprensa al-ternativa”, a BPA se apresenta como aquela que faz as críticas ao PT e ao governo Dilma “pela esquerda” e participa de uma disputa por legitimidade, no papel de defensora do interesse público em oposição à grande mídia.

Ao atuar junto às redes sociais, sobretudo a partir das eleições de 2014, a BPA contribuiu para o “rejuvenescimento” de seu núcleo de leitores, até então associados majoritariamente à faixa-etária dos adultos entre 35 e 45 anos (Fonte: Alexa.com). Se pensarmos que o contexto envolve um movimento de crise da objetividade na imprensa tradicional, principalmente entre os jovens (Marchi, 2012), ampliar a BPA para as redes sociais é uma forma de garantir a sobrevivência

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do lugar dos jornalistas-blogueiros enquanto mediadores autorizados e intérpretes do cotidiano.

A Rede AnTipeTiSTA (RApT)

■ O fenômeno comunicativo denominado neste trabalho de Rede Antipetista (doravante mencionado como RAPT) é um agregado heterogêneo que inclui cer-ca de 500 fan-pages conservadoras de conteúdo gerado por usuário no Facebook. A maior parte destas páginas é anônima e possui ciclo de vida curto, apesar de que as mais populares têm maior alcance do que a BPA. Por exemplo, a TV Revolta, o canal antipetista de maior público, possui 3,6 milhões de seguidores, grosso modo, o triplo do número da Carta Capital, com 1,3 milhões de fãs, a primeira entre o universo da BPA.

A estrutura da RAPT também difere totalmente da BPA. O mais influente entre elas, Olavo de Carvalho, é um filósofo autodidata de direita, que possuiu alguma visibilidade como colunista na mídia tradicional entre 1990 e começo dos anos 2000. Hoje, ele mantém ativamente canais no Youtube, Facebook e Twitter, por meio dos quais Olavo difunde teorias extremistas. Frequentemente, ele faz uso de retórica paranoica e conspiratória (ver Bratich, 2008; Hofstadter, 1996) com tons de escárnio e de hostilidade contra o que ele chama de a “Ditadura Comunista do PT”. A lista também inclui páginas oficiais de dois personagens políticos: Aécio Neves (PSDB) e Jair Messias Bolsonaro (PP-RJ). Apesar de não ser um membro ativo da RAPT, Aécio se tornou um importante referencial para os oponentes do governo petista por sua atuação na corrida pre-sidencial de 2014 e por compartilhar as convocatórias dos atos pró-impeachment entre dezembro de 2014 e abril de 2015. Bolsonaro, por outro lado, foi capitão do Exército Brasileiro, e ferrenho defensor do regime ditatorial, atuando como deputado federal no Congresso Nacional. Ele é um agente central na RAPT, tendo em vista sua militância performática nas mídias sociais contra as políticas petistas e progressistas, alçando-o à categoria de mito entre os demais canais: o “BolsoMito”.

Em paralelo, há inúmeros canais gerados por usuários como microblogs para comentar e disseminar opiniões políticas. O Canal da Direita e Direita Política, por exemplo, são duas fan-pages não-oficiais que são reconhecidas no Facebook pela militância comunicativa conservadora. Fora-PT é um canal forte-mente movimentado durante a eleição de 2014 para compartilhar boatos, spams e propaganda negativa contra os candidatos petistas. Bolsonaro Zuero, Eu era

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esquerdista mas a zuera me curou e Este é um idiota inútil são páginas de humor vexatório e ofensivo, dedicadas a ridicularizar esquerdistas e idolatrar direitistas. Finalmente, a página oficial do Exército Brasileiro ocupa o nono lugar na lista, um órgão governamental que não cumpre papel ativo na rede. Contudo, sua presença deriva menos de seu comportamento concreto, do que do desejo ma-nifesto de alguns extremistas de direita por uma intervenção militar na política, a fim de “salvar os brasileiros do comunismo”, com um notável sentimento de nostalgia àquela época.

Contrário ao que acontece na BPA, os laços que conectam as páginas anti-petistas às instituições políticas, midiáticas e movimentos sociais (mesmo os co-letivos de direita) são muito frágeis. Embora a imprensa tradicional ofereça con-siderável espaço para colunistas de direita, como Merval Pereira, Augusto Nunes e Rodrigo Constantino, entre outros – todos incansáveis oponentes do PT – seu impacto entre as fan-pages da RAPT é, de certo modo, limitado. O mesmo acon-tece com o PSDB, principal partido desafiante das eleições: enquanto que parte dos antipetistas não hesita em apoiar a campanha de seus candidatos, muitos deles considera o partido insuficientemente alinhado aos seus interesses e brando na oposição ao PT, sobretudo, no que tange à adoção das teses de “criminalização do PT”; e “Ditadura Comunista/Bolivariana na América Latina”.

Em exceção a alguns poucos casos, os canais antipetistas evitam um discur-so argumentativo/propositivo em função de um posicionamento que se asseme-lha com táticas populistas e agressivas. Muitas de suas postagens promovem um moralismo político com ancoragem no senso comum, opondo o virtuoso “nós” – representados pelo “cidadão comum de bem” – aos corruptos “eles” – represen-tados pelos políticos governistas em geral, focando na figura petista em particular. Outros simplesmente disseminam discurso de ódio por meio de práticas conhe-cidas na literatura internacional como flaming2 (O’Sullivan, Flanagin, 200) e hoaxes3 (Garrett, 2011). As referências ideológicas que inspiram estas fan-pages são muito diversos: alguns deles adotam a retórica ultraliberal, enquanto que outros assumem o discurso conservador ou de direita radical. O que os unifica de forma geral como um agente político reconhecido e homogêneo é a militância midiática contra um inimigo em comum: o PT e seus aliados.

2 Flaming é o termo empregado na bibliografia estrangeira para tratar os xingamentos e as acu-sações dirigidas a personalidades na Internet.

3 Hoaxes são textos ou propagandas contendo rumores e boatos espalhados sobre candidatos, geralmente, por e-mails e circulares.

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AnáliSe

■ Os dois objetos contemplados neste trabalho, a Blogosfera Progressista Ampliada e a Rede Antipetista, são agentes comunicativos que tangenciam as organizações midiáticas tradicionais por meio da difusão de conteúdo político online. No entanto, o modo pelo qual BPA e RAPT atuam na internet e fora dela difere completamente, não apenas no que se refere às suas linhas políticas, mas também pelos métodos aplicados. Nesta seção, iremos realizam uma análise comparativa, delineando pontos de similaridade e de diferença que caracterizam os objetos de pesquisa com relação a dois parâmetros: (1) a estrutura da rede organizada em torno deles; e (2) seu relacionamento com instituições existentes fora da internet.

Para cumprir tais objetivos, partimos de procedimentos metodológicos da Análise de Redes Sociais online. Os dados foram coletados da plataforma de re-lacionamentos Facebook utilizando a função “Page Like Network” do aplicativo de código aberto Netvizz (Rieder, 2013). Os nós-semente foram determinados respeitando duas variáveis: a homofilia e a saturação das redes; o que significa que as listas de fan-pages que foram os pontos de partida dos quais a mineração de dados teve início representam dois grupos distintos de agentes comunicativos, de modo geral, reconhecíveis e coerentes. Em seguida, os dados foram filtrados, organizados e analisados com a ferramenta Gephi (Valdez et al., 2012), plotando a rede com o layout Force Atlas 24 e escalonando o tamanho dos nós pela métri-ca de grau de entrada5. Finalmente, nós identificamos os clusters em cada rede aplicando o algoritmo de Modularidade (Blondel et al., 2008), que agrupa nós próximos de acordo com a densidade de conexões entre eles6.

4 o Force Atlas 2 é um modelo de espacialização baseado nas leis da gravidade: os nós produ-zem força de repulsão entre si, enquanto que as arestas os aproximam. A gravidade atrai os nós para o centro e espalha os hubs pela periferia (Jacomy et al., 2011).

5 o Grau de Entrada ou Indegree é a métrica de Análise de Redes Sociais que, em grafos com arestas direcionadas, indica a quantidade de ligações que apontam para determinados nós. Em nossa análise, por exemplo, o GE quer dizer a quantidade de páginas que curtem determinada página dentro do universo amostral levantando. o que nos leva a compreender qual a impor-tância de cada canal inserido no contexto da BPA e da RAPT.

6 “Quanto mais densas as interconexões entre um determinado grupo de nós, maiores as chan-ces de eles constituírem um módulo na rede. Ela tende a separar clusters de nós dentro da rede” (Recuero, 2013, p. 68).

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eSTRuTuRA dA Rede

■ A estrutura da rede se refere à natureza dos nós conectando cada particular subgrupo de fan-pages existente em um dado universo. Abordagens do estudo da internet focadas no usuário, em geral, enfatizam a importância dos laços fracos, isto é, nós de pequena densidade em um conjunto de indivíduos, comumente tendo papel de pontes entre diferentes comunidades (Granovetter, 1983). De fato, a lógica de laços fracos nos parece adequada para descrever a formação estrutural da RAPT, na medida em que a maior parte de seus canais está conectada de modo fluido e não funciona como uma rede de ações coordenadas, mas como células distintas com um objetivo em comum: enfraquecer a imagem pública do governo federal por meio de uma estratégia de comunicação conflitiva e difamatória de antagonismo direcionado ao sistema partidário brasileiro centrado no PT. Nesse sentido, a RAPT possui algumas comunidades de fronteiras imprecisas, que enfa-tizam diferentes acentos político-ideológicos que permeiam mutações da retórica antipetista nas mídias sociais.

figuRA 1. estrutura da Rede Antipetista

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Grosso modo, é possível dividir a RAPT em seis clusters. O centro da rede (a) é ocupado por uma miscelânea de canais ultradireitistas, organizados em torno de um conjunto de líderes de direita, os quais derivam seu prestígio, sobretudo, de suas per-sonalidades pitorescas, extremismo e anti-esquerdismo. Os mais importantes entre eles são: o político Jair Messias Bolsonaro; o pensador ultradireitista e verborrágico, Olavo de Carvalho; o entrevistador e humorista, Danilo Gentili, e os jornalistas Paulo Eduardo Marins e Rachel Sheherazade. Além do ódio que eles manifestam contra o PT e o governo atual, estes personagens não possuem muito em comum. O grupo também inclui páginas geradas por usuários cujo principal propósito é compartilhar conteúdo político conservador, como: Canal da Direita, Radio Vox, Fora PT, Direita Política, Mídia Inversa, Brasil Conservador, O Reacionário.

Os demais cinco clusters aglutinam canais de acordo com princípios mais específicos:

(b) o cluster “ultraliberal” se opõe contra políticas de bem-estar social, acusando--as de representativas de regimes comunistas, e é composto, em geral, de páginas geradas por usuários, como Contra Comunismo; Marx da Depressão; Resistência Anti-Socialismo; e Menos Mises Mais Marx;

(c) o cluster “anticorrupção” vocaliza um discurso político moralizante e de senso comum que culpa o PT como o catalisador de toda corrupção existente no Brasil. Alguns exemplos são: Movimento Contra Corrupção; Organização de Combate à Corrupção; TV Revolta; e Revoltados Online;

(d) o cluster “troll” é um grupo difuso de canais humoristas que agem por meio de memes e piadas ofensivas contra hábitos e estereótipos esquerdistas, go-vernistas e petistas. Eles incluem: Eu era direitista mas a zuera me curou; Libertroll; Este é um idiota inútil;

(e) o cluster “antidemocrático” é um agrupamento periferal de páginas que reivin-dicam um golpe militar, como: Comando de Caça aos Corruptos; Movimento Brasileiro de Resistência; e Intervenção Militar Constitucional;

(f ) o cluster institucional é um coletivo de atores marginais de referência pas-siva, como a revista conservadora Veja e um de seus principais colunistas, Reinaldo Azevedo, além do candidato oposicionista, Aécio Neves.

Em contraponto, a estrutura da BPA no Facebook apresenta evidência da influência considerável que instituições políticas, midiáticas e movimentos sociais exercem no ambiente esquerdista na internet. Nossa análise identifica seis clusters atuando dentro da BPA:

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figuRA 2. estrutura da Blogosfera progressista

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(a) o cluster de “prestígio” domina o centro da rede, com publicações midiáticas alternativas que existem a priori fora da internet, como Carta Capital, revista Caros Amigos, e sites reconhecidos como Carta Maior e Conversa Afiada, bem como, no campo político, páginas oficiais da presidente Dilma e do ex--presidente Lula;

(b) o cluster “jornalismo independente” também ocupa posição central na rede, mas é menor que o agrupamento de “prestígio”, e congrega blogs progressis-tas que, como regra, não são tão influentes como aqueles descritos acima. Na prática, veículos pertencentes a estes dois clusters estabelecem relacionamen-tos bastante próximos;

(c) o cluster “governo” inclui agências governamentais, como o Ministério da Cultura, a Secretaria Nacional de Juventude; Palácio do Planalto; e também Observatório da Imprensa; Observatório de Favelas, e a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI);

(d) o cluster “movimentos sociais” inclui grupos orientados pelo ativismo, como a União Nacional dos Estudantes, Movimento dos Trabalhadores sem Terra, Intervozes e a Revista Fórum;

(e) o cluster organizado em torno do Partido Comunista do Brasil (PC do B), um membro menor do governo petista, que ocupa uma posição relativamen-te marginal na rede BPA, cercado de agentes com inclinação comunista;

(f ) o cluster com ativistas de extrema-esquerda, incluindo alguns daqueles que lideraram as manifestações de 2013 e de 2014, que estabelecem relações instá-veis com o centro da BPA, como a Mídia Ninja e o MPL [Movimento Passe Livre].

A comparação entre os padrões de conexão estabelecidos entre a BPA e a RAPT revelam sólida evidência da integração da internet e das mídias sociais por agentes políticos, seguindo uma lógica de cunho bifocal. Ambos os objetos são determinados pelo momento atual de institucionalização do sistema político--partidário brasileiro, de um lado, e pela insatisfação generalizada contra os polí-ticos, de outro. Neste sentido, a BPA demonstra claramente a incorporação das ferramentas digitais pela lógica partidária, indicando fortes vieses partidários e a organização de um conjunto de agentes comunicativos que defendem o governo e criticam as corporações midiáticas tradicionais. Pelo outro lado, a RAPT é um grande agrupamento de páginas anti-establishment criadas por usuários que com-partilham conteúdo hostil contra o sistema político centrado no PT por meio de táticas de guerrilha online, isto é, células autônomas com ligações de lógica de

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laços fracos que possuem um inimigo em comum. Portanto, BPA e RAPT de-senvolvem seu ativismo político-midiático a partir de características particulares do sistema partidário brasileiro, gravitando, em geral, em torno de duas faces do petismo: apoiadores e contestadores.

RelACionAmenTo Com inSTiTuiçõeS

■ A análise da rede do Facebook da BPA traz sólidas evidências sobre a exten-são da influência que instituições políticas como o governo, partidos, a mídia e organizações sociais exercem no ambiente online. A primeira coisa a observar é a influência do antigo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva e da atual, Dilma Rousseff, no universo da BPA, destacando o relacionamento próximo entre os progressistas e os governos petistas. Ao lado deles, é possível identificar um cluster7 de organizações políticas de esquerda, circulando em torno do Partido Comunista do Brasil (PC do B), um membro da aliança encabeçada pelo PT. Um segundo grupo de instituições que influencia a BPA inclui instituições midi-áticas. Enquanto que publicações de inclinação à esquerda no espectro político--ideológico, como Carta Capital e revista Caros Amigos ocupam uma posição central neste aspecto, veículos mainstream ou catchall, como a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo são referências mais deslocadas às margens daquela rede. Instituições governamentais formam um terceiro grupo, incluindo o Palácio do Planalto (página oficial da presidência do Brasil), os ministérios do Trabalho e da Cultura e a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), um serviço de trans-missão público. O ultimo grupo inclui um diversificado número de movimentos sociais.

Em contraste, na RAPT instituições existentes fora da rede digital desempe-nham um papel menor e, comparativamente, ocupam um lugar marginal. Elas incluem políticos de partidos de oposição, como o PSDB e o DEM, e organiza-ções de mídia tradicional, como – O Globo, Folha de S. Paulo e Veja, entre algu-mas outras – ou jornalistas, como Reinaldo Azevedo e Ricardo Noblat. Todavia, a atenção que eles recebem é modesta em comparação com a dos demais agentes, os quais desempenham um papel marginal que tangenciam as organizações ofi-ciais, como, por exemplo, Jair Bolsonaro e a jornalista ultraconservadora Rachel Sheherazarde.

7 Clusters são agrupamentos ou subagrupamentos de nós em uma determinada rede.

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figuRA 3. Agentes institucionais na BpA

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figuRA 4. Agentes institucionais na RApT

ConSideRAçõeS finAiS

■ A análise conduzida neste paper joga luz sobre como o debate político e a cam-panha eleitoral acontecem na internet e desafiam algumas premissas instaladas e perspectivas teóricas que dominam a pesquisa nesta área. Neste contexto, nosso estudo dá um passo à frente no sentido de uma abordagem mais institucional, na medida em que não entende a internet como uma entidade existente à parte das instituições políticas. A proposta, aqui, não é examinar o impacto da internet nas práticas políticas estabelecidas, nem, ao contrário, estudar como instituições polí-ticas alteram seu comportamento na internet. Por outro lado, nós entendemos a

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internet como um ambiente específico integrado em uma arena comunicacional mais ampla, em contexto com a mídia tradicional e as instituições políticas. A BPA se define como um instrumento contra-hegemônico, o qual tenta balancear a orientação majoritária da mídia mainstream contrária ao PT.

O papel ativo realizado pelo PT e seus aliados na esfera pública da internet também desafia a segunda premissa, altamente compartilhada pela literatura aca-dêmica especializada, a qual associa a expansão da internet com o declínio da polí-tica partidária. Na verdade, o debate sobre a queda dos partidos políticos precede a internet. Por um longo período, cientistas políticos debateram temas como a diminuição das capacidades dos partidos exercerem algumas de suas funções tradi-cionais, como atuar como agentes do governo, ou estabelecer laços com cidadãos e organizações da sociedade civil (Pedersen e Saglie, 2005). Outros sugeriram que os partidos perderam muito de sua consistência ideológica, seja em função de sua tentativa de aumentar a competitividade eleitoral – tornando-se, assim, partidos catch-all (Kirchhemeier, 1966) – ou porque eles compreenderam que todos pos-suem um interesse comum similar e estabeleceram um modus vivendi estável – as-sim se tornando partidos cartéis (Katz e Mair, 1995). Estudiosos de comunicação política descreveram a mídia de massa, e a televisão em particular, como sendo prejudiciais à saúde dos partidos. Alguns deles defendem que a televisão favorece a imagem à substância (Sartori, 1997), enquanto que outros defendem que a lógica midiática irá, progressivamente, sobressair à lógica partidária (Mazzoleni, 2000); afirmando que há uma difusão mundial do modelo de jornalismo independente, em detrimento do paralelismo político (Hallin e Mancini, 2004). Algo similar acontece nos estudos acerca de internet e política. Enquanto que alguns deles fo-cam no potencial da internet para o empoderamento dos cidadãos com relação às instituições políticas e hierarquias partidárias (Blanchard, 2006; NORRIS, 2003), outros sustentam que a internet favorece a personalização da política, em detri-mento da ação coletiva e de instituições políticas (Bennett e Segerberg, 2011).

Nossos achados contradizem a hipótese do declínio do partido. Durante as úl-timas décadas, o sistema partidário brasileiro se tornou mais forte, não oposto, em-bora se organize ao redor de apenas um partido, o PT. Em particular, a rede da BPA fornece um exemplo poderoso da colonização da internet pela lógica partidária. A motivação central que levou à criação da BPA foi contrabalancear a, em grande parte, cobertura hostil da mídia tradicional contra governos petistas. Estudados em unidade, os integrantes da BPA não são expressivos. Contudo, sua força vem da atu-ação em grupo, dada a sua habilidade em coordenar as ações e alcançar um público mais extenso com a ajuda de sua militância entusiástica. Graças a estas qualidades,

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a BPA provou ser um formidável adversário para a mídia tradicional e realizou um papel importante nos triunfos petistas das eleições de 2002, 2006 e 2010. No topo disto, vimos os blogueiros progressistas estabelecerem um relacionamento próximo com instituições governamentais e partidárias, além de instituições midiáticas que existem também fora da internet, como a revista Carta Capital.

A Rede Antipetista adota uma perspectiva individualista totalmente dife-rente, que é mais próxima às descrições características de boa parte da literatura especializada. Eles agem como um numeroso e diversificado grupo de células descentralizadas, que se unem no sentido de atacar o PT e o governo federal, mas que não possuem coesão ideológica ou a habilidade de coordenar uma ação cole-tiva mais ambiciosa e propositiva em longo prazo. Ao contrário, eles promovem um tipo de comunicação que se assemelha às práticas de guerrilha, orquestrando rápidas e poderosas ondas de ataque contra seus inimigos. Como regra geral, os antipetistas nas mídias sociais compartilham uma abordagem anti-institucional com relação à mídia e às organizações políticas em geral.

Em conclusão, o caso brasileiro de campanha eleitoral na internet provi-dencia sólidas evidências que demonstram que algumas premissas centrais que guiam a pesquisa em Internet e Política não tem aplicabilidade universal. Em muitos aspectos importantes, elas parecem refletir características peculiares a so-ciedades ocidentais, as quais não estão presentes em outras sociedades espalhadas pelo mundo. A lógica partidária definitivamente não está em declínio no Brasil. Ao contrário, ela é o aspecto central a se prestar atenção para compreender as características do uso político da internet no Brasil. Isso porque todo o sistema partidário brasileiro se refere ao PT, único partido político que conseguiu estabe-lecer uma identificação partidária de massa robusta em décadas.

Afonso de Albuquerque · Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ. Professor Titular do departamento de Estudos Culturais e Mídia e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF. Pesquisador do CnPq desde 1998, atua principalmente nas áreas de Comunicação Política, Jornalismo e Comunicação Comparada. É responsável pelo Laborató-rio de Mídia e Democracia (Lamide/UFF).

Eleonora de Magalhães Carvalho · Doutoranda em Comunicação pela Universida-de Fede ral Fluminense (UFF). Desde 2006 atua como professora do ensino superior e se dedica à pesquisa acadêmica, tendo como principais temas de trabalho Comunicação Política, Jorna-lismo e novas Tecnologias. É membro da Laboratório de Mídia e Democracia (Lamide/UFF).

Marcelo Alves dos Santos Jr · Mestrando em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pesquisa temas relacionados à Comunicação Política nas mídias sociais, com atenção especial para os processos metodológicos no período de campanhas eleitorais, difusão de notícias, e ações de partidos. É membro da Laboratório de Mídia e Democracia (Lamide/UFF).

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