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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros TAMBELLINI, A.T., et al. A Abrasco e os Anos de Chumbo: a Comissão da Verdade no campo da saúde. In: LIMA, N.T., SANTANA, J.P., and PAIVA, C.H.A., orgs. Saúde coletiva: a Abrasco em 35 anos de história [online]. Rio de Janeiro: editora FIOCRUZ, 2015, pp. 69-99. ISBN: 978-85-7541- 590-0. Available from: doi: 10.7476/9788575415900.0005. Also available in ePUB from: http://books.scielo.org/id/q4gzb/epub/lima-9788575415900.epub. All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International license. Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons Atribição 4.0. Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative Commons Reconocimento 4.0. 3. A Abrasco e os Anos de Chumbo a Comissão da Verdade no campo da saúde Anamaria Testa Tambellini Carlos Botazzo Guilherme Chalo Nunes Paulo Buss

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SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros TAMBELLINI, A.T., et al. A Abrasco e os Anos de Chumbo: a Comissão da Verdade no campo da saúde. In: LIMA, N.T., SANTANA, J.P., and PAIVA, C.H.A., orgs. Saúde coletiva: a Abrasco em 35 anos de história [online]. Rio de Janeiro: editora FIOCRUZ, 2015, pp. 69-99. ISBN: 978-85-7541-590-0. Available from: doi: 10.7476/9788575415900.0005. Also available in ePUB from: http://books.scielo.org/id/q4gzb/epub/lima-9788575415900.epub.

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3. A Abrasco e os Anos de Chumbo a Comissão da Verdade no campo da saúde

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Anamaria Testa TambelliniCarlos Botazzo

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Falar sobre os anos de chumbo no Brasil é remontar à ditadura civil-militar que, durante 21 anos (1964-1985), expôs sua face mais cruel e perversa, aquela da repressão do Estado instalada sob um regime de terror. É falar de mortes, genocídios, desaparecimentos forçados, sequestros, prisões, torturas, banimentos e exílios, demissões e aposentadorias arbitrárias, e até do uso de armas químicas e biológicas contra opositores do regime – crimes que estiveram presentes na vida de várias gerações de brasileiros e que até hoje ainda doem como ferida aberta, não cicatrizada, malcuidada e escondida sob um manto de desconhecimento e interrogações. Falar sobre a ditadura civil-militar é lembrar que a estratégia do regime definiu todos os opositores, e mesmo os que com eles se identificassem, como inimigos internos da nação e, que, nesta condição, deveriam ser neutralizados e, em muitos casos, eliminados fisicamente.

A um só tempo, falar sobre a ditadura civil-militar é também falar sobre alguns elementos que nos permitam entender o conhecimento produzido e as práticas vigentes no campo da saúde pública, bem como as formas de resistência ao arbítrio, notadamente aquelas referentes à falta de liberdade de pesquisar e agir nesse específico campo.

Falar sobre a Abrasco (na sua fundação e durante três décadas denominada Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva; hoje, Associação Brasileira de Saúde Coletiva) desse tempo e nesse contexto é revisitar suas origens, repensar sua razão de ser para além das aparências, de seus estatutos e regimentos, de seus métodos e preocupações financeiras, de seus elementos burocráticos. É falar de uma luta pela sobrevivência, solidária e generosa, de uma forma de união e consenso que teve como razão de ser um trabalho digno, consciente, informado, criativo e, portanto, vivido com liberdade e libertário – que exigiu

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e exige o compromisso entre o conhecimento e a saúde, entre o pensar, o sentir e o viver acompanhando as necessidades coletivas e indo ao encontro delas, privilegiando a equidade na apropriação e no uso social dos seus trabalhos.

Enfim, falar da Abrasco nos anos de chumbo no Brasil é compreendê-la como integrante da mais alta expressão da resistência à ditadura no campo da saúde, como parte da luta pela redemocratização e pela saúde do povo, compondo-se com outras entidades da área científica e tecnológica, com os movimentos sociais e políticos e com os sindicatos de trabalhadores.

Neste capítulo abordaremos, em primeiro lugar, a ditadura brasileira como processo militar, civil e empresarial, considerando-a em suas diferentes fases e diferentes ângulos, para situar o momento em que emergem novas entidades associativas que, além de congregar os trabalhadores das respectivas áreas de atividades, tinham por objetivo a defesa de sua independência e trabalho ante o governo ditatorial e a organização de vínculos entre instituições com o mesmo ethos e proposições políticas, tais como a Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais (Anpocs, 2014) e o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes, 2013), entre outras, sem esquecer a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC, 2014), que se mantinha viva e aguerrida desde 1948.

Em segundo lugar, trataremos das condições de emergência da Abrasco nos planos da política e da atividade profissional, colocando em relevo sua singularidade. Pretendemos identificar um feixe de ações políticas harmônicas de grupos diferenciados de profissionais e agentes sociais que puderam atuar na repressão e sobreviver a ela, o que culminou na adoção de uma nova designação para o novo campo de conhecimentos e práticas que se fundava (saúde coletiva), uma peculiar entidade de representação (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva), uma causa de Estado democrático (sistema nacional de saúde).

Por último, abordaremos a proposta da Comissão da Verdade da Reforma Sanitária Abrasco-Cebes (CVRS), que se desenvolveu concretizando – em seus objetivos, metodologia e técnicas de investigação – os princípios éticos e políticos de acordo com os critérios de participação democrática e solidária da transparência, da recuperação da memória, da procura da verdade, da justiça e da reparação.

A DitADurA BrAsileirA: Breve resumo Dos Anos De chumBo

A análise das notícias publicadas sobre o período ditatorial brasileiro (Arbex Jr. & Souza, 2007; Brasil, 2015), assim como dos fatos e movimentos políticos que o antecederam, contribuiu para sua eclosão, permanência e esgotamento (Alves, 1984; Garcia & Dahás, 2012; Costa, 2011). Pode-se dizer que o governo do presidente Jango (João Belchior Marques Goulart, 1918-1976), que se iniciou após a renúncia de Jânio da Silva Quadros (1917-1992), em agosto de 1961, pretendia realizar as chamadas reformas de base que levariam

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a mudanças estruturais necessárias naquele momento. Tais reformas abarcavam um amplo leque de problemas de interesse para as camadas populares no plano da economia e das relações sociais, problemas esses que ainda hoje persistem em nosso país, principalmente nas parcelas menos favorecidas da população.

Por sua abrangência e significados – uma vez que elas compreendiam, entre outros aspectos, o acesso à posse da terra, ao sistema educacional e à relação com o capital financeiro nacional e internacional, questões que de um modo ou de outro se achavam ligadas à autonomia e à soberania nacionais –, essas reformas implicariam mudanças na Constituição de 1946, então vigente. Como projeto de sociedade, as reformas foram concebidas entre 1960 e 1963 com uma orientação popular e democrática, ao qual se opuseram ferrenhamente as forças conservadoras. Seu amadurecimento político e sua anunciação pública em 13 de março de 1964 funcionaram como estopim para que grupos de direita iniciassem o movimento que culminaria com o golpe de Estado (denominado de revolução pelos golpistas) que derrubou o governo Goulart. Fortes manifestações da classe média contra os planos do governo, conduzidas por grupos políticos conservadores, incluindo membros do alto clero da Igreja católica, e tendo à frente o governador de São Paulo, Adhemar de Barros (Adhemar Pereira de Barros, 1901-1969), incendiaram um ambiente político que já vinha tenso e preocupado.

Na noite de 31 de março de 1964, após os movimentos iniciais da tomada de poder, os militares já dispunham dos nomes daqueles que teriam o comando do processo conspiratório, cabendo ao marechal Humberto de Alencar Castello Branco (1900-1967) a articulação política, ao tempo que o marechal Arthur da Costa e Silva (1902-1969) se autoproclamava comandante delegado do Exército e chefe do comando supremo da revolução.

Na madrugada de 1º de abril, antes mesmo de o nome de Castello Branco ser anunciado pelos principais governadores apoiadores do golpe – o que aconteceria em 4 de abril no Palácio Guanabara –, teve início a perseguição dos inimigos internos, que foram caçados por todo o país, ao tempo que os meios de comunicação de massa – com destaque para as Organizações Globo – dedicavam-se à função de convencimento de que o novo governo não era golpista, mas emergia de vontade popular, utilizando a velha tática de propaganda do fascismo de semear o pavor aos perigosos comunistas, que o povo deveria abominar e auxiliar a identificá-los. Nesse primeiro momento, são feitas prisões em números tão alarmantes que tornou necessário o uso de velhos navios da Marinha como prisões improvisadas – caso do Raul Soares, que funcionou como cárcere entre abril e novembro de 1964, permanecendo ancorado no porto de Santos. Tornaram-se rotineiras as delações, com listas de supostos envolvidos em atividades subversivas entregues às autoridades militares.

No dia 10 de abril, sai a primeira lista dos cassados que perderam mandatos e direitos políticos por dez anos, com cem nomes, entre eles antigos ocupantes do poder, chefes e líderes de partidos políticos contrários ao regime, bem como personalidades de relevo, incluindo pesquisadores e professores universitários. Alguns deles da área de saúde, como o geneticista

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Warwick Estevam Kerr (1922-), pesquisador da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto/Universidade de São Paulo (USP), o parasitologista Luiz Hildebrando Pereira da Silva (1928-2014), professor da Faculdade de Medicina da USP, e o acadêmico Josué Apolônio de Castro (1908-1973), médico e nutrólogo da Universidade Federal de Pernambuco.

Pesquisas conduzidas nos anos recentes sobre a ditadura têm documentado que a instalação do regime de exceção foi, na verdade, uma bem urdida trama envolvendo militares, sem dúvida, mas que contou desde o início com lideranças da sociedade civil. Foram seus aliados os agentes do capital (empresários, latifundiários, profissionais liberais), setores da Igreja católica e do alto protestantismo e setores significativos da classe média, trabalhados por uma propaganda que disseminava o pavor irracional aos comunistas como inimigos da pátria, da família, das tradições e da propriedade. Assumindo posição de mando e de condução das novas orientações, esses foram, de fato, os verdadeiros pilares do governo ditatorial.

Sabemos também, hoje, que o governo dos Estados Unidos não só apoiou o golpe e a ditadura que a ele se seguiu, mas também trabalhou efetivamente para a própria construção desse processo ditatorial de governo. São bastante conhecidas as posições adotadas pelo presidente dos Estados Unidos na época, John Fitzgerald Kennedy (1917-1963), por intermédio do embaixador Abraham Lincoln Gordon (1913-2009), que montou a Operação Brother Sam, como veio a se denominar o projeto norte-americano de apoio explícito ao golpe de Estado, uma verdadeira intervenção militar.

É preciso lembrar que em 1960 teve início o projeto de treinamento para enfrentar uma possível guerra de guerrilha – na Escola das Américas, no Panamá – organizada e conduzida pelo Pentágono, que incluía, além da disseminação da doutrina geopolítica norte-americana e da doutrinação de quadros militares (oficiais superiores) da América Latina, o treinamento de interrogatórios com uso sistemático de tortura, visando ao controle dos cidadãos considerados inimigos da liberdade ou suspeitos de ligações com os propósitos do comunismo internacional. Já naquele momento, em 1964, havia se instalado em Natal (RN) uma base naval, e também ocorrera o deslocamento de navios de guerra da frota do Caribe para o Atlântico Sul, os quais se mantiveram expectantes ao longo da costa do Espírito Santo desde o dia 30 de março.

O governo autoritário, paulatinamente, foi construindo um arcabouço legal e constitucional para sustentá-lo por meio de leis e decretos antidemocráticos que legitimavam o regime, o qual se mantinha por meio de acordos e pactos com os aliados civis e, principalmente, com o desenvolvimento de um sistema de repressão complexo que cobria todas as instituições da nação, punindo com mão de ferro cidadãos descontentes de todos os matizes, impondo a censura às artes, às atividades de ensino e pesquisa, aos órgãos associativos e de defesa dos trabalhadores. Principalmente, a repressão se voltava para os partidos políticos considerados de esquerda.

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O golpe militar efetivamente forjou a inserção do Brasil no esquema da Guerra Fria, uma vez que os militares brasileiros foram treinados em colégios de guerra norte-americanos, como a Escola das Américas. Os grupos apoiados por Washington com o pretexto de barrar o comunismo foram municiados financeiramente com grandes aportes de capital e material de propaganda. Hoje é sabido que houve dinheiro norte-americano financiando a campanha de desestabilização do governo e das instituições democráticas e populares, mas houve também considerável aporte de capital nacional, principalmente para o financiamento de centros de interrogatório e tortura, como foram a Operação Bandeirantes (Oban) e o Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi).

Os ocupantes do governo conseguiram debelar os entraves e sanear a economia ao adotar o arrocho salarial e o controle político dos trabalhadores como pontos fundamentais da nova política econômica. A um só tempo, começaram a planejar uma proposta de crescimento que, no início dos anos 1970, resultou no chamado “milagre econômico”, ou seja, o modelo de capitalismo selvagem brasileiro, com altas taxas de acumulação de capital e aumento da desigualdade social. Foi assim que o país se tornou uma das dez maiores economias do mundo desenvolvendo projetos de infraestrutura, como pontes e rodovias, a consolidação da matriz energética com a construção de grandes hidrelétricas e outras formas de geração de energia, inclusive atômica, promovendo ainda uma forte industrialização de bens de consumo de massa. Torna-se relevante acrescentar que esse verdadeiro programa político e econômico, fruto do arrocho e do fechamento da sociedade, foi realizado mediante a progressiva internacionalização da economia.

Durante a ditadura, a Presidência da República foi ocupada por cinco militares de alta patente, todos oficiais generais ou generais de Exército, indicados pelo Estado-Maior das Forças Armadas e supostamente eleitos indiretamente por um Congresso Nacional castrado. De forma resumida vamos percorrer, a seguir, quatro desses governos – os dois últimos estarão contemplados na conjuntura da criação da Abrasco –, procurando apontar seus feitos mais importantes em termos gerais, mas nos deteremos principalmente no aparelho repressivo e seus resultados no que se refere à comunidade acadêmica e à dos trabalhadores da saúde.

Governo Castello Branco (1964-1967)

Castello Branco assume o governo no dia 15 de abril, logo após a promulgação de um ato institucional em 9 de abril. Esse ato não foi numerado, já que deveria ser o único, mas foi o primeiro de um total de 17 atos institucionais, e ainda havia a expectativa de que as eleições presidenciais de 1965 se realizassem. Como se sabe, tal expectativa jamais se realizou. Ao contrário, aprofundou-se a intervenção na vida política nacional, com a suspensão de eleições diretas para governadores e prefeitos das capitais dos estados e de cidades consideradas estratégicas (sedes de portos, refinarias e siderúrgicas), os quais

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eram consensualmente indicados pelos comandos militares e posteriormente eleitos pelas assembleias estaduais ou câmaras municipais.

O Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 13 de junho de 1964, tinha como objetivo consolidar as atividades de informação e contrainformação em todo o território nacional, principalmente as que interessavam à segurança nacional. Como serviço de inteligência, produzia e manipulava dossiês e fichas de informação de cidadãos brasileiros e estrangeiros, e posteriormente entregava os resultados para os órgãos de repressão. Esse sistema de repressão se organizava a partir de uma agência central que coordenava cinco secretarias, cada uma delas destinada a um tipo de problema (administrativo, político, ideológico, econômico e psicossocial), e comandava milhares de agentes denominados cachorros e secretas.

Durante o governo Castello Branco ocorreu o que Alves (1984) chamou de “varredura com pente fino” com violações em massa, dirigidas aos participantes do governo anterior, políticos de partidos de esquerda, líderes sindicais, professores, estudantes membros de organizações da sociedade civil e dissidentes do movimento católico apoiador do golpe. Nesse período são extintas a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a Central Geral dos Trabalhadores (CGT), e seus dirigentes são presos. Partidos políticos de esquerda ou identificados com o governo deposto são proscritos, as ligas camponesas são aniquiladas, a economia brasileira se subordina aos ditames do Fundo Monetário Internacional (FMI), surge o SNI já mencionado, e uma nova lei de imprensa é imposta. Coroando esse processo, é promulgada uma nova Lei de Segurança Nacional, em 3 de maio de 1967. Finalmente, em 14 de maio de 1967, entra em vigor uma nova constituição, que institucionalizou a ditadura, concentrando grandes poderes nas mãos do presidente da República, que passa a governar por meio de decretos e atos institucionais, sem necessidade de consulta parlamentar – reduzindo o poder do Congresso Nacional e submetendo o Judiciário ao Executivo.

A caçada aos subversivos se fazia inicialmente com base em listas de suspeitos nas instituições de ensino e empresas, ou por meio de denúncias feitas por pessoas que assim entendiam colaborar com o processo tido como revolucionário pelos militares. Mas também eram detidas pessoas sem documentos ou prova de incidência, o que ocasionou prisões, torturas e mortes, fugas, entradas na clandestinidade e milhares de inocentes humilhados. Além disso, o expurgo nas Forças Armadas alcançou mil e duzentos militares, sendo quinhentos do Exército. Alguns deles tiveram como punição a declaração de morte em vida com a perda automática de todos os benefícios de que usufruíam.

Estima-se a existência de cinquenta mil presos políticos no país nesse período, incluindo militares e policiais. Habitualmente eram feitas várias prisões temporárias, nas quais ocorriam espancamentos e violências por horas, até que a soltura se dava por meio de habeas corpus para depois de algum tempo acontecer novamente o mesmo processo com a mesma pessoa. As prisões eram feitas na rua, no trabalho e nas residências; as pessoas geralmente não estavam

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armadas, e esse padrão se manteve enquanto perdurou o habeas corpus. Mas a violência cada vez mais se acentuou, e os instrumentos e meios de tortura se intensificaram (José, 2012). Em 1966, vem à tona o primeiro caso de tortura e morte em decorrência de prisão política. Trata-se do sargento Manuel Raimundo Soares, em Porto Alegre, cujo corpo foi identificado em 24 de agosto de 1966 e ficou conhecido como “o caso das mãos amarradas” (Documentos Revelados, 2015).

Governo Costa e Silva (1967-1969)

Eleito em outubro de 1966 e tomando posse em 15 de março de 1967, o governo do marechal Costa e Silva foi marcado por acontecimentos de alto significado político. Além das grandes manifestações populares de 1967 e 1968 e da decretação do ato institucional n. 5, mais dois episódios tiveram grande repercussão. O primeiro foi a criação de uma chamada Frente Ampla de oposição à ditadura, que uniu lideranças de orientação política e ideológica bastante divergentes, formada, entre outros, por Juscelino Kubitschek de Oliveira (1902-1976), Carlos Frederico Werneck de Lacerda (1914-1977) e João Goulart. Esses políticos imaginavam que tal frente, por mais absurdo que pudesse parecer (Lacerda foi um dos responsáveis diretos pela derrubada de Jango), catalisaria a insatisfação com os militares e teria papel condutor nas eleições gerais marcadas para 1970. Mal foi lançada, todavia, e logo na publicação de manifesto contra a ditadura, é sufocada com a cassação de seus membros mais proeminentes. O segundo fato deu-se com a morte do ex-presidente Castello Branco, que, em razão do momento de crise por que passava o governo na condução da sua revolução, tornou-se politicamente conveniente de vários pontos de vista: consequência de mero acidente aéreo sem maiores explicações quando o avião militar em que viajava foi atingido em pleno voo por um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) – acidente esse considerado por muitos como um verdadeiro atentado.

O ano de 1967 acabou marcado por manifestações contra a ditadura, em escala crescente, mas a tomada das ruas com grandes manifestações pela democracia aconteceu em 1968. A resposta da ditadura foi o aumento da violência e da repressão. Em março de 1968, uma singela manifestação de estudantes terminou com a morte de um deles, Edson Luís de Lima Souto (1945-1968), e funcionou como o estopim para manifestações populares de grandes proporções, como a passeata dos cem mil, em junho desse ano no Rio de Janeiro. Ademais, 1968 foi marcado por ações de guerrilha urbana, que anunciavam a existência de organizações armadas no enfrentamento da ditadura. Foi também o ano dos combates da rua Maria Antônia, em São Paulo, entre os alunos de filosofia da USP e grupos de extrema direita da Universidade Mackenzie, situada no outro lado da mesma rua, ligados ao Comando de Caça aos Comunistas (CCC).

Ainda nesse ano ocorreu o Congresso Nacional da UNE na clandestinidade, em Ibiúna, São Paulo, que foi interrompido por forte cerco policial com centenas de estudantes presos.

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E teve início o Projeto Rondon, que levou estudantes universitários a realizar estágios e estudos nas regiões Centro-Oeste e Norte do país, prestando assistência a suas populações. Deu-se início, assim, ao projeto geopolítico baseado na proposta do general Golbery do Couto e Silva (1911-1987) de ocupação e integração territorial do país e executado sob o comando do Ministério do Interior com o lema “Integrar para não entregar”. Um dos objetivos velados desse projeto era afastar os estudantes dos centros urbanos e das manifestações de oposição ao governo.

Nesse período ocorreu a primeira greve após a instalação da ditadura, realizada pelos metalúrgicos em abril de 1968, no município de Contagem (MG), seguindo as manifestações do Primeiro de Maio na Praça da Sé, em São Paulo, e logo depois a greve de Osasco, em São Paulo. Além da ditadura em si, para os trabalhadores esse regime significou uma forte contenção dos salários, que tiveram diminuição real de quase 30% entre 1964 e 1968. Esses movimentos tiveram a questão salarial como base, mas não apenas. A greve de Contagem iniciou-se na companhia Belgo-Mineira, e em poucos dias mais de vinte mil trabalhadores haviam cruzado os braços. O ato da praça da Sé desmontou a farsa do governador Abreu Sodré de realizar um ato demagógico de celebração do Dia do Trabalhador: o palanque oficial foi cercado e os participantes foram atacados; tiveram de ser retirados do local sob forte esquema de segurança. A greve de Osasco se iniciou na Companhia Brasileira de Materiais Ferroviários (Cobrasma) e, tal como em Contagem, teve forte adesão dos trabalhadores: já no dia seguinte ao seu anúncio, o setor metalúrgico estava completamente paralisado. A greve terminou com centenas de prisões e intervenção militar no sindicato dos metalúrgicos, com tropas do Exército ocupando fábricas e a cidade. Apesar da brutal repressão, tais acontecimentos indicavam insatisfação crescente com a ditadura entre os trabalhadores, assim como a retomada do movimento sindical, que havia quase desaparecido depois do golpe (Centro da Memória Sindical, 2015).

No sentido de fortalecer o combate à subversão, pois as atividades de oposição à ditadura se espraiavam, o governo adotou medidas como a criação do Conselho Superior de Censura, enquanto grupos de extrema direita e paramilitares iniciavam uma série de invasões e depredações de teatros, universidades, organizações estudantis e sindicais.

As atividades da luta armada continuaram e se tornaram mais visíveis, com ações contra quartéis ou bancos e alvos identificados com a ditadura – caso do jornal O Estado de S.Paulo e a organização de extrema direita Tradição, Família e Propriedade. Mas também havia atividade de inteligência nesse tipo de luta, como ocorreu com a identificação, a localização e a eliminação física do capitão do Exército americano Charles Rodney Chandler (1938-1968), ação coordenada por um comando da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), uma das organizações da esquerda armada, caso noticiado pela Folha de S.Paulo (1969). Outras atividades de inteligência resultaram em ações espetaculares, como o sequestro do embaixador dos Estados Unidos Charles Burke Elbrick (1908-1983), em 1969, realizado pela

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Aliança Libertadora Nacional (ALN), em conjunto com o Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), em troca da libertação de 15 líderes da esquerda presos.

A todas essas manifestações de insatisfação, a resposta do governo Costa e Silva foi baixar o ato institucional n. 5, em 13 de dezembro de 1968. Foi redigido pelo ministro da Justiça Luiz Antônio da Gama e Silva (1913-1979), ex-reitor da USP, um dos mais reconhecidos e fiéis membros da comunidade acadêmica a favor do arbítrio, da repressão e do autoritarismo – enfim, um homem da ditadura (Huggins, 2011; Última Instância, 2014). Aprovado pelo Conselho de Segurança Nacional, na prática anulava a Constituição imposta em 1967 e seria considerado pelos militares a consolidação do movimento de março de 1964 contra atos oriundos dos mais distintos setores políticos e culturais. O AI-5 suspendeu as garantias individuais, entre elas o habeas corpus, estabelecendo a prisão por tempo indeterminado para averiguação de casos que atentassem contra a segurança nacional (crimes políticos) e a ordem econômica e social.

Esse governo tinha como lema “Produção e paz” e deu concretude a um plano de desenvolvimento econômico autoritário, o qual posteriormente produziu o “milagre brasileiro”, que se estenderia de 1967 a 1974. O período se caracterizou por forte crescimento econômico, combinando produção de grandes massas de lucros com rígido controle salarial e repressão sindical, expressão indelével do que foi considerado o “capitalismo selvagem brasileiro”.

Governo Médici (1969-1974)

O governo do general Emílio Garrastazu Médici (1905-1985) caracterizou-se pela extrema crueldade dos processos repressivos, com o uso de torturas físicas e psicológicas sofisticadas e variadas, consolidando um regime de terror em que a impunidade do sistema repressivo era completa (de cada dez desaparecidos, oito foram nesse governo, 78% dos quais de 1971 a 1973). Por sua vez, alcançaram-se resultados significativos do ponto de vista econômico (Cano, 2004; Lessa, 1973), já tendo como base as reformas institucionais dos sistemas monetário, financeiro e tributário e uma agricultura que havia sofrido com o processo de modernização conservadora – tudo isso com a garantia dos investimentos necessários para tais avanços providenciados por acordos com os Estados Unidos, o que levou ao aumento da internacionalização da economia.

O período do milagre brasileiro se caracterizou por grande importação de bens de capital, produto interno bruto (PIB) elevado, maior que 10% ao ano, com drástico agravamento da concentração de renda pessoal e má distribuição dos ganhos da produtividade, com prejuízo para os trabalhadores. Porém, a crise de 1972 determinou a queda da demanda no comércio exterior da produção industrial e agrícola, fazendo crescer o endividamento externo. O milagre perdeu impulso, e a desaceleração da economia já começou a ser percebida em 1974, quando, além da reconcentração da renda que acompanhou o arrocho salarial, produziram-se altos níveis de inflação. Ao lado dessa face econômica, nessa gestão – e, em grande parte, como

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consequência dela – foram produzidos altos níveis de poluição urbana, como antes não se havia visto no país, em decorrência da grande expansão industrial, realizada sem preservação ambiental, e da intensa urbanização, ocorrida numa forma de crescimento desordenado e sem a infraestrutura de saneamento básico e de energia necessária a essas mudanças.

As migrações campo-cidade foram precedidas pelo processo econômico de modernização autoritária do campo, que resultou na implantação da agroindústria. Essa capitalização do setor agropecuário se realizou de maneira desigual, com privilégio de espaços mais avançados economicamente, resultando em maior atraso para as regiões mais pobres do país – apesar da expansão das áreas cultivadas e da chamada “revolução verde”, elemento do processo de modernização que aumentou a produtividade agrícola pelo uso intensivo de adubos químicos e agrotóxicos (pesticidas), também denominados de defensivos agrícolas por seus entusiastas e pelas indústrias produtoras (Porto & Soares, 2012; Soares & Porto, 2007).

Foi a partir da década de 1970, com o 1º Plano Nacional de Desenvolvimento (1º PNAD), o Programa de Integração Nacional (PIN) e a Política de Segurança Nacional adotada (Santana, 2009; Bomfim, 2010), que tomaram forma e avançaram na Amazônia: 1) a ocupação de territórios considerados vazios (na realidade já se encontravam ocupados por 170 nações indígenas, garimpeiros, quilombolas, além de pequenos posseiros e proprietários rurais); 2) a expansão das fronteiras econômicas da acumulação capitalista (redirecionadas e entregues à exploração do capital internacional); 3) a legitimação de todos esses processos, como elementos de equilíbrio geopolítico (havia o interesse de diminuir a tensão política gerada pela insatisfação com as condições de trabalho, entre elas o desemprego, nas regiões Sudeste e Nordeste, propiciando sua migração para a Amazônia, assim como prevenir a instalação da guerrilha naquela região). As entradas foram lideradas pelo Exército, que construía as estradas por onde se iniciavam as ocupações.

O planejamento proposto não teve a aplicação desejada, em parte pela complexidade dos grandes espaços a serem ocupados, em parte pela desaceleração da economia. Acabou desativado em fins dos anos 1970, deixando um rastro de destruição e violações de direitos por onde tentou ser implantado. As populações indígenas foram dizimadas, como os krenakores, que passaram de mil e quinhentos antes de o projeto atingi-los para 130, quando foram removidos para o Parque Nacional do Xingu, em 1975. Ecossistemas foram destruídos, houve perdas da biodiversidade, influências nefastas das mazelas da sociedade ocidental na cultura e nos modos de vida indígenas. O latifúndio foi mantido, houve conflitos e violência social pela posse da terra. Nessa região aconteceram, entre outras violências, mortes, sequestros, desaparecimentos, assaltos com armas biológicas e químicas, como também genocídios.

Durante o governo Médici se institucionalizaram os centros de interrogatório, tortura e extermínio, diretamente vinculados aos comandos militares (Arquidiocese de São Paulo, 1985; Benjamin, 2013; Caldas, 2004; José, 2012; Teles, 2009). Começou em São Paulo a

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atuação conjunta dos órgãos de informação do Exército, da Marinha e da Aeronáutica com os órgãos de segurança – Departamento de Ordem Política e Social (Dops), forças estaduais e Polícia Federal. Foi em julho de 1969, em São Paulo, que se deu a criação da Oban, por iniciativa do comandante do 2º Exército, general José Canavarro Pereira. Em vista das manifestações cada vez mais frequentes e ousadas da oposição armada, os serviços de inteligência militar concluíram que as polícias estaduais não tinham organização e estratégias suficientes para o enfrentamento de partidos políticos e grupos clandestinos de oposição à ditadura, e que para isso as Forças Armadas deveriam centralizar e comandar a repressão aos opositores de quaisquer matizes.

Se inicialmente tinha-se em mira as organizações de esquerda que propunham a luta contra a ditadura por meios violentos, posteriormente todos os partidos de esquerda na clandestinidade e uma ampla gama de opositores, fossem ligados ou apenas simpatizantes de partidos e organizações novas, armadas ou não, acabaram tendo o mesmo tratamento. Concebida à margem dos códigos internacionais sobre tratamento a presos e das próprias leis brasileiras vigentes, a Oban foi organizada pelo Comando do 2º Exército reunindo forças militares, policiais e políticos de direita, além de empresários da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que eram os responsáveis por seu financiamento. Seu principal membro civil e emulador foi o presidente da Ultragás, Henning Albert Boilesen (1916-1971), natural da Dinamarca e naturalizado brasileiro – um anticomunista convicto que se fez notado, pois costumava frequentar o prédio da Oban, onde assistia a torturas e, dizem alguns, delas participava, tendo sido morto por um comando guerrilheiro em abril de 1971.

A criação do DOI-Codi, em setembro de 1970, resultou da ampliação da experiência paulista exitosa da Oban para o resto do país. Estava consolidado assim o Sistema de Segurança Interna (Sissegin), instituído por diretrizes sigilosas do Conselho de Segurança Nacional e aprovadas pelo presidente da República. Desse modo, tal sistema permanecia inclusive fora da aparente legalidade construída pelo poder ditatorial, que então passou a acobertar as violações de todos os tipos cometidas pelas forças repressivas militares e civis.

É importante destacar que data dessa época a militarização das polícias, em infeliz permanência até os dias de hoje. De fato, as forças públicas dos estados da federação foram convocadas como força auxiliar em um dito combate à subversão e nessa condição colocadas – agora com a denominação de Polícia Militar – sob o comando do Estado-Maior das Forças Armadas. Também foram militarizados o Corpo de Bombeiros e a Polícia Rodoviária.

Em 1967 e 1968, tornou-se convicção entre opositores que o caminho para enfrentar a ditadura implicava o uso da violência. Acuados e sem possibilidades de contestação, os partidos de esquerda, muitos dos quais na clandestinidade, se dividiram e se refundaram para adotar a luta armada, utilizando ações de guerrilha urbana como ataques a quartéis, empresas e pessoas identificadas com a ditadura, assaltos a bancos, para a constituição de fundos e estoques de armas e, também, a guerrilha no campo.

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Além da extrema repressão, agentes da ditadura realizaram atentados para incutir medo na população, ao tempo que produziram intensa propaganda com cartazes, fotos e textos sobre os considerados terroristas procurados, com o incentivo à delação, comum desde os primeiros tempos ditatoriais. Calcula-se atualmente que apenas nos anos de 1969 e 1970 foram feitas cerca de quinhentas prisões políticas de militantes da luta armada urbana. Somente em março de 1972 é que ocorreu a primeira incursão militar contra a guerrilha do Araguaia, que seria palco de inenarráveis crueldades, não só com os guerrilheiros, mas também com toda a população civil, a maioria constituída por pequenos proprietários e posseiros, e principalmente com as tribos indígenas existentes naquele espaço (Fonteles, 2013).

Em 1973, aconteceu o Massacre de Manguinhos, com a cassação de dez pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro, que ficaram proibidos de trabalhar no país (com base no ato institucional n. 10, o AI-10). Com a saída desses pesquisadores, seus auxiliares e estagiários também perderam as possibilidades de trabalho e aprendizagem, uma vez que os projetos de investigação e as docências foram suspensos. Paralelamente, houve corte nos investimentos não só na Fiocruz como também em outras unidades de ensino e pesquisa (Costa et al., 2008; Gomes et al., 1998; Tavares, 2012).

O semanário Movimento (1980a, 1980b) faz um balanço das atividades terroristas acontecidas no meio urbano no período 1968-1980, caracterizando-as como iniciativas da direita clandestina e, principalmente, executadas por órgãos de repressão do Estado a partir de 1970 (69% do total). Foram 74 ações no total, das quais 34% dirigidas contra instituições acadêmicas (universidades e órgãos estudantis).

A AbrAsco e A construção dA cidAdAniA nA sAúde (1979-1989)

A Abrasco é formalmente criada num momento crítico da história política brasileira do século XX. De um lado, como parte da resistência da sociedade brasileira à ditadura; de outro, para simultaneamente – e de forma coerente – revisar o ensino e a pesquisa em saúde pública. Nesse longo processo de lutas, que em setembro de 2014 completou 35 anos, a associação foi capaz de ajudar a construir o país, cumprindo o compromisso da comunidade técnico-científica da saúde coletiva. Focaremos o período 1979-1989, ou seja, os primeiros dez anos da instituição, cruciais para a redemocratização do país, os anos fundantes da reconstrução do país pós-ditadura, que foram simultaneamente fundantes da própria associação (Buss, 2014; Gaspari, 2002).

A associação surge em 1979 da convergência de dois movimentos encetados ao longo da década de 1970: um político, de reação à ditadura, a Abrasco política; e outro, a Abrasco técnico-científica e educacional, absolutamente coerente com a visão da primeira, que buscava a renovação conceitual e a reorganização técnico-científica da área.

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A Abrasco e a política

Em 1974, após o violento governo Médici, assumia a Presidência da República para o período 1974-1978 o general Ernesto Beckmann Geisel (1908-1996), com a promessa de promover uma “abertura lenta, gradual e segura”, formulação de Golbery do Couto e Silva, general e ideólogo da Escola Superior de Guerra, para o processo político que deveria se seguir. Segundo diversos analistas, nos cinco anos de seu governo, com altos e baixos, esse prometido processo teve curso, não por concessões dos quartéis e generais da ditadura, mas pela pressão da sociedade brasileira. Nesse governo, em que o país já era reconhecido internacionalmente como “Brasil Potência”, também acontecem o fim do milagre econômico e a extinção da guerrilha. A Operação Condor é oficializada para todos os países do Cone Sul, e assim continuam as mortes de opositores, cassações e prisões, principalmente do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Ademais se mantém a ocultação das desigualdades sociais e econômicas exacerbadas pelo modelo de desenvolvimento adotado pelas forças ditatoriais como também suas consequências – como pode ser visto no caso da epidemia de meningite (1974-1981), que ocasionou 2.575 mortes em São Paulo e outras centenas pelo Brasil afora, sem que se pudesse mencioná-las ou estudá-las.

Geisel toma posse em março de 1974, eleito por um colégio eleitoral seguro definido por Médici: um Congresso Nacional composto ao feitio da ditadura, com delegados das assembleias legislativas estaduais, nas quais o governo tinha ampla vantagem. A oposição, reunida em torno do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), sem chance de vitória, participa do processo com as anticandidaturas de Ulysses Silveira Guimarães (1916-1992) para presidente e de Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000), presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), para a Vice-Presidência. O povo reage à farsa da democracia, e nas eleições de novembro de 1974 o MDB recebe quase 50% dos votos para a Câmara dos Deputados e 59% para o Senado (16 das 22 cadeiras em disputa), além de eleger prefeitos em 79 das noventa cidades com mais de cem mil habitantes.

O governo Geisel enfrenta dificuldades econômicas e sociais: dívida externa alta, inflação, empregos e salários patinando. Nos quartéis, os militares da linha dura se opõem à abertura. Em 1975, Vladimir Herzog (1937-1975) é assassinado sob tortura no DOI-Codi da rua Tutoia, em São Paulo, produzindo enorme clamor popular. Nos anos seguintes intensifica-se o movimento social pelo fim do regime militar: trabalhadores e estudantes vão às ruas. A despeito do discurso de abertura lenta e gradual, em 1977 a resposta do governo Geisel é o Pacote de Abril, conjunto de medidas que alteram as regras eleitorais para beneficiar a Aliança Renovadora Nacional (Arena), o partido da ditadura. O Congresso Nacional é novamente fechado, e o mandato do general Geisel é prorrogado em mais um ano (Silva et al., 2012; Salvadori Filho, 2012).

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O movimento sanitário se reforça com a criação do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), em 1976, que organiza uma série de debates e lança a revista Saúde em Debate, em ambos os casos denunciando as iniquidades econômico-sociais e a perversidade do sistema de saúde privatizado e antissocial, no dizer de Eleutério Rodriguez Neto (1946-2013) na sua tese de doutorado, depois transformada em livro (Rodriguez Neto, 1998).

O movimento sindical intensifica sua organização, Luiz Inácio Lula da Silva (1945-) lidera a primeira greve na região do ABC, em 1978, com cerca de três milhões de trabalhadores parados em várias fábricas, e os estudantes reorganizam a UNE. Nas eleições de novembro desse mesmo ano, o MDB inflige importante revés eleitoral ao partido da ditadura, minimizado pelas regras eleitorais.

No ano da criação da Abrasco (1979), por meio do Colégio Eleitoral, o Congresso formaliza o general João Baptista de Oliveira Figueiredo (1918-1999) como o quinto presidente da ditadura, que governa de 1979 a 1985.

Com maioria parlamentar garantida para a Arena, em razão das regras pró-regime, e a despeito da enorme pressão popular, antes de sua saída do governo o general Geisel enviou ao Congresso a emenda constitucional que acabava com o AI-5, restaurava o habeas corpus, e punha um fim à censura prévia, mas mantinha a proibição das greves para os setores estratégicos, como o da energia.

Em 1979, Figueiredo sanciona a Lei da Anistia, e milhares de exilados começam a retornar ao país. Restaurado o pluripartidarismo, surgem novos partidos, como o Partido dos Trabalhadores (PT), que vinha sendo gestado no movimento dos trabalhadores do ABC, além do Partido Democrático Trabalhista (PDT) e do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), entre outros. A pressão popular continua, e é aprovada a emenda que garante eleições diretas para governadores a partir de 1982. No campo popular, surge o movimento pela reforma agrária e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). O regime reluta em abrir-se completamente, e grupos militares da linha dura – cujos atentados, inclusive à bomba, foram particularmente notáveis na segunda metade da década de 1970 –, num quase derradeiro ato terrorista, perpetram em 1981 o atentado do Riocentro.

No período de 1983 a 1984, com o lema “Diretas já!”, as organizações populares e os partidos de esquerda começam manifestações nas ruas pelas eleições diretas para a Presidência da República. A emenda do deputado Dante Martins de Oliveira (1952-2006) recebe a maioria dos votos, mas as esperadas diretas não chegam porque o Pacote de Abril passara a exigir dois terços dos votos do plenário do Congresso.

A Abrasco, juntamente com o Cebes, participa ativamente de todos esses movimentos de pressão. Em 1983, realiza-se em São Paulo o 1º Congresso Nacional da associação, que coloca na pauta o tema da democratização. Numerosas reuniões são realizadas, cruzando os temas das políticas de saúde e das conjunturas sociais e políticas.

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Em 1985, o Colégio Eleitoral elege Tancredo de Almeida Neves (1910-1985), que não assume em decorrência da sua morte, num dos episódios mais dramáticos da história recente do Brasil. No seu lugar, o vice-presidente eleito na chapa, José Sarney, chega ao poder.

As pressões populares passam a exigir alterações na legislação herdada pela ditadura. Antônio Sergio da Silva Arouca (1941-2003) assume a Presidência da Fiocruz, e Hesio de Albuquerque Cordeiro (1942-), a Presidência do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), ambos antigos militantes antiditadura e pró-mudanças políticas democráticas lastreadas pela ciência e pelas técnicas no sistema de saúde vigente no país. A pressão agora é pela Constituinte. Abrasco e Cebes somam-se ao movimento popular. O presidente Sarney convoca, ainda em 1985, a 8ª Conferência Nacional de Saúde, que se realiza em março de 1986, um processo arrancado do governo pela intensa mobilização da liderança da sociedade civil e dos grupos organizados da saúde coletiva brasileira. A Abrasco lança um documento-chave para o processo, o qual é discutido em todo o país. Sonia Fleury, então sua vice-presidente e militante da saúde coletiva, que se dedica ao estudo das políticas de saúde como políticas sociais, é a representante da entidade na plenária final de Brasília.

Realiza-se em 1986 o 1º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, no Rio de Janeiro, sob a presidência de Sebastião Antônio Loureiro de Souza e Silva, tendo como tema central “Reforma Sanitária e Constituinte: garantia do direito universal à saúde”, lançando as bases para a saúde no texto constitucional. O congresso aprova a organização de uma frente popular de defesa da Reforma Sanitária e uma proposta de conteúdo sobre “Saúde para a Constituição”, elaborada por Eleutério Rodriguez Neto, com base no relatório da 8ª CNS, visando à Assembleia Nacional Constituinte.

A declaração final do congresso defende:

a necessidade da continuidade no processo de mobilização social em torno da reforma iniciado com a VIII CNS; o apoio à Comissão Nacional da Reforma Sanitária (...); o apoio estratégico aos avanços representados pelas AIS [Ações Integradas de Saúde] (...); a necessidade de construção de uma Frente Popular pela Reforma Sanitária (...); e o engajamento decisivo no processo constitucional, estabelecendo um projeto para a saúde a ser inscrito na nova Constituição e comprometendo desde agora os candidatos com as propostas da Reforma Sanitária.1

Além disso, para sua diretoria, segundo depoimento de Paulo Buss, o congresso representou um novo patamar na construção científica do saber, ao mesmo tempo que permitiu a formulação de propostas estratégicas da Reforma Sanitária que, certamente, serão inscritas na nova Constituição brasileira.

Em fevereiro de 1987 instala-se a Assembleia Nacional Constituinte, e em outubro de 1988 é promulgada a nova Constituição, que contém o texto elaborado pelo movimento da saúde coletiva ao longo do período, sob a liderança da Abrasco e do Cebes.

1 Disponível em: <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X1986000300013&lng=es&nrm=iso&tlng=es>. Acesso em: 30 maio 2015.

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O período da conferência, do processo que se seguiu até a Constituinte e os anos imediatamente posteriores, até a promulgação das leis n. 8.080 e 8.142, foram para o sistema de saúde brasileiro os anos fundantes, e as mencionadas leis, instrumentos jurídicos de institucionalização. Foram anos de intensa atividade política: a diretoria e vários associados percorreram as conferências estaduais e municipais de saúde em todo o Brasil, apresentando as ideias e propostas da instituição para a saúde na nova Constituição. Pela intensa e decisiva participação nos anos fundantes, a Abrasco transforma-se em uma instituição fundamental para a construção das bases políticas, sociais e legais dos períodos constitucional e pós-constitucional do país.

Em 1989, ocorrem as primeiras eleições diretas para a Presidência da República, e Fernando Collor de Melo (1949-) é eleito. As leis do Sistema Único de Saúde (SUS) são discutidas e aprovadas, com grandes dificuldades, durante o seu governo. A Abrasco está na frente da luta pelos textos que representam a vontade expressa dos constituintes de 1988, mas Collor veta diversas partes, particularmente aquelas relacionadas com carreira, financiamento, participação e controle social. Em 1992 ocorre o impeachment de Collor, e assume Itamar Augusto Cautiero Franco (1930-2011).

Os anos 1990 são de intenso confronto entre um sistema de saúde público baseado no direito à saúde, de um lado, e de outro as propostas de Estado social mínimo e de privatização, que no campo internacional foi representado pelo Banco Mundial, com seu famigerado relatório de 1993, Investing in Health (World Bank, 1993). Mais uma vez a Abrasco se posta à frente dessa luta, na defesa da saúde como direito e de um sistema único, universal, gratuito, integral, equitativo e de qualidade. É também a grande divulgadora das políticas e práticas da descentralização e da participação social na saúde, que constam da Constituição Federal e das leis instituintes do SUS.

No campo da política, especificamente, seus congressos nacionais sempre tiveram pautas inclusivas ao tema da política. Um exemplo foi o amplo destaque para os debates dos candidatos à Presidência da República nas eleições ainda indiretas de 1985, bem como os manifestos elaborados e difundidos pelas diretorias da associação ante diversos processos políticos relevantes desde sua criação.

A Abrasco e a renovação do ensino e da pesquisa em saúde coletiva

O desenvolvimento do ensino e da pesquisa em saúde coletiva foi um processo também extremamente dinâmico, coerente com o dinamismo, os desafios e as contradições da política nessas duas décadas a que estamos nos referindo: 1970 e 1980. Era impossível que as bases políticas das ações da Abrasco não afetassem suas bases epistêmicas e vice-versa.

Principalmente a partir do período Geisel, já podiam ser observados e reconhecidos os avanços da concretização das propostas de desenvolvimento científico e tecnológico nacional planejadas pela ditadura. Os Planos Nacionais de Desenvolvimento (PND) surgem

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no contexto dos anos 1970, durante o milagre econômico e a propaganda nacionalista realizada pelo regime militar. Antes desses planos, os programas e projetos desenvolvidos para a área de ciência e tecnologia eram pontuais e setorizados. O 1º PND, lançado em 1968, já tinha um capítulo dedicado à área de ciência e tecnologia e promoveu, ao longo dos anos subsequentes, mudanças nos vínculos e nas estruturas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Uma importante característica da doutrina de segurança nacional era garantir para o Brasil, na condição de potência militar, uma indústria de defesa autônoma, e esta foi uma forte motivação do 1º PND, que se desenrolaria até o governo Geisel.

Contudo, pelo filtro ideológico aplicado pelo regime militar, milhares de pesquisadores e dezenas de universidades e institutos de pesquisa foram profundamente afetados nos anos 1960, depois do golpe militar, e nos anos 1970 em razão da perseguição aos comunistas e subversivos. Perderam-se, no período, preciosos acervos e experiências acumuladas em pesquisa, e pessoal qualificado foi cassado, preso, torturado e exilado – muitos aposentados compulsoriamente e proibidos de trabalhar em instituições públicas.

Conduzido por João Paulo dos Reis Velloso (1931-), então ministro do Planejamento, Geisel criou no início do governo, em 1975, o Sistema Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, formalizado ao longo dos três anos seguintes. Nesse contexto, o governo institui o 2º Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT), que passa a financiar, de forma mais regular e consistente, a pesquisa e o desenvolvimento tecnológicos, inclusive na saúde pública – esta no contexto da área de desenvolvimento social que o plano explicita entre suas prioridades.

Assim, instituições importantes da área da saúde coletiva recebem apoio. A Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz), por exemplo, implanta o Programa de Estudos Socioeconômicos em Saúde (Peses) e o Programa de Estudos Populacionais e Epidemiológicos (Peppe). Ambos contribuem de forma decisiva e fundamental na institucionalização de grupos importantes de pesquisa e na reorganização de sua pós-graduação, transformando, em definitivo, o perfil da pesquisa e da formação em saúde pública no país.

Um núcleo de políticas de saúde aprofunda a crítica ao modelo de atenção à saúde em curso e passa a formular alternativas que redundarão, em sintonia com outros movimentos, nas bases da Reforma Sanitária brasileira. Juntamente com os departamentos de medicina preventiva e social das universidades, constituem-se no cerne do pensamento crítico em saúde e no embrião da Reforma. Pelo lado do ensino, a Ensp institui em 1975 os cursos descentralizados de saúde pública, inicialmente no Rio Grande do Sul e no Pará, e que depois se espalhariam rapidamente pelo Brasil todo. Em 1978, com apoio do Inamps, a Ensp cria o Programa de Apoio às Residências em Medicina Social, Medicina Preventiva e Saúde Pública (PAR), reunindo inicialmente dez programas de alguns dos principais departamentos

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de medicina preventiva e social da época. Esse componente da Reforma se estrutura, portanto, em torno dos programas e projetos de pesquisa e de pós-graduação, propiciados pela reorganização da pesquisa, no contexto do 2º PBDCT, e dos projetos educacionais do PAR e dos cursos de especialização descentralizados da Ensp.

São irmãos o movimento científico da saúde coletiva e o político-social da Reforma Sanitária, ambos liderados pela Abrasco, pelo Cebes e pelo conjunto de escolas e departamentos de saúde pública, medicina preventiva e social que se reuniram, pouco a pouco, no mesmo campo político e técnico da saúde coletiva.

O projeto político-técnico da Abrasco

O PAR foi um dos projetos que organizaram a comunidade técnico-científica da saúde coletiva, permitindo intercâmbios, encontros e eventos nos quais foi se engendrando a criação de uma associação maior do que apenas a de residências. No evento fundador da Abrasco, implanta-se a primeira diretoria e sua primeira secretaria executiva, cargo ocupado por Paulo Buss no período de 1979 a 1989.

Como dito antes, esse projeto político se complementava com a revisão da pesquisa e do ensino – neste caso, suas modalidades pedagógicas e conteúdos disciplinares. O objetivo era sedimentar e qualificar as modalidades de pós-graduação (especializações, residências e pós-graduação stricto sensu) e as disciplinas que compunham a saúde coletiva (epidemiologia, ciências sociais aplicadas à saúde, administração e planejamento de saúde, saúde ocupacional e ambiental).

Nesses primeiros anos, o processo de qualificação do ensino e da pesquisa seguiu uma lógica de realizações de reuniões de especialistas das modalidades de pós-graduação e das principais disciplinas do campo, antecedidas de levantamentos sobre as concepções e práticas existentes nas diversas instituições associadas. Seguiam-se informes que procuravam registrar a situação vigente, os problemas encontrados e as perspectivas futuras, definindo-se o papel da Abrasco nessa condução. Também ocorreram encontros de docentes dessas áreas e de alunos dos cursos antes mencionados. Todo esse processo ajudou a criar uma identidade conceitual para a nova área da saúde coletiva, além de estabelecer um esprit de corps na comunidade técnico-científica da área.

Frutos desse processo foram produzidos quatro volumes sobre o ensino e a pesquisa da área, com os quais se procurava estabelecer uma discussão substantiva e, simultaneamente, registrar a memória do processo. Tal estratégia continua representada ainda hoje nas comissões e nos congressos nacionais e naqueles específicos de áreas temáticas, tais como os da epidemiologia, de política, planejamento e gestão, de ciências sociais e demais. Faltava naquele tempo – por ainda não se ter completado sua formulação, por não ter havido o tempo necessário para a sua concretização como áreas de pesquisa, ensino e serviço, ou por sua existência agregada a outras áreas de conhecimento e ação em saúde – a especificação de áreas e campos disciplinares e temas como: vigilância sanitária, alimentação e nutrição,

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saúde do trabalhador e saúde e ambiente, por exemplo, que foram agregados aos grupos temáticos institucionais ao longo do processo nas décadas que se seguiram.

No campo da renovação conceitual do campo da saúde coletiva, portanto, a Abrasco também teve papel de proa, juntamente com os departamentos de medicina preventiva das faculdades médicas, a Ensp e as demais escolas de saúde pública nas quais os cursos descentralizados se instalaram e sofreram grandes avanços. Uma função alimentou dialeticamente a outra, criando-se uma das mais bem reconhecidas contribuições contemporâneas à construção de um país mais justo para toda a sua população.

Foi o processo vivido pela Abrasco que lhe permitiu coletivamente pensar a construção de uma comissão da verdade para a área da saúde, já que, antes mesmo de ser concluída a abertura lenta, gradual e segura de acordo com os interesses dominantes, os movimentos sociais, entidades e grupos de pressão denunciavam os limites de uma anistia recém-promulgada no país e reivindicavam a investigação das violações de direitos que tiveram curso nos anos de chumbo. Esses movimentos tiveram êxitos muito limitados e circunscritos. É preciso destacar que a ausência de mobilização mais forte da sociedade acabou por acomodar interesses e, em certo sentido, legitimar a posterior resistência dos setores conservadores, incluindo instituições e autoridades ligadas ao Judiciário.

comissão nAcionAl dA VerdAde do brAsil: Antecedentes e propostA

Em 1974, foi instalada em Uganda a Comissão de Investigação sobre os Desaparecidos de Uganda, criada por Idi Amin Dada (1925-2003) para investigar os desaparecidos nos primeiros anos de seu governo, com o intuito de responder às críticas contra o regime. Depois dela, 44 outras comissões foram instaladas, distribuídas por todos os continentes, inclusive nos países de democracia consolidada e bem posicionados economicamente, como Alemanha e Estados Unidos, mas principalmente em países de grande instabilidade política, economias deficitárias e desigualdades. O traço comum a todas elas é a presença de conflitos, da violência em massa ou da violação sistemática dos direitos humanos nos espaços em que são criadas, haja ou não um regime político de exceção, como nas ditaduras (Comissões de Memória e Verdade no Mundo, 2013). Deve-se assinalar que 35 (81%) dessas comissões foram instaladas no século XXI e que em quatro países duas comissões foram criadas com pequeno intervalo de tempo, tendo como objetivo complementar e ampliar os trabalhos, dadas a parcialidade e a restrição da primeira tentativa em alguns casos. No Chile, a comissão de 1992 concluiu seus trabalhos com a identificação de 2.279 assassinatos praticados pelo regime, e após sua reabertura, em 2003, recebeu cerca de 28 mil denúncias. No Uruguai, aconteceu processo similar (Brasil, 2013a).

A comissão mais famosa e com resultados admiráveis pela realização de seus objetivos é a Comissão de Reconciliação e Verdade da África do Sul, em que 23 mil vítimas foram

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ouvidas (Cintra, 2001). Instalou-se num país cujas instituições eram sabidamente frágeis, após a queda de um regime de segregação racial jamais visto e que, além de moribundo, se mantinha vivo com as feridas à mostra em todos os grupos sociais. Construída sob o signo de uma justiça não tradicional que adotava o perdão seletivo como elemento determinante da harmonia social a ser conquistada, assumiu como princípios o compromisso com a verdade e a força para enfrentar o passado. Inovou ao adotar a transparência em suas atividades, ao abrir-se para a participação das vítimas, ao fomentar a sensibilização pública, ao manter o compromisso das equipes e ter uma relação próxima com a sociedade. Enfim, assumiu o que hoje é conhecido como justiça restaurativa, que se propõe a restaurar o processo de ampliação das políticas da justiça em períodos de transição para a democracia, ou seja, trata da construção de paz sustentável após período de conflito, violência em massa ou violação sistemática dos direitos humanos. Assim, essa justiça, que é transicional e abrange diversas iniciativas. Tem o intuito de reconhecer que houve violação de direitos das vítimas, propor sua reparação e punir os considerados culpados, promover a paz, facilitar a reconciliação e garantir o fortalecimento da democracia (Damous, 2013; Gauer, Saavedra & Gauer, 2011; Gonzalez & Varney, 2013; Âmbito Jurídico, 2013).

Na América Latina, onde um grande número de países (15) tem comissões da verdade equivalentes, o Brasil ocupa o último lugar nesse ranking temporal de instalações. Em nosso país, uma comissão nacional da verdade só se instalou após trinta anos de uma transição democrática com as instituições em situação estável e funcionando com regularidade (Pinto, 2010).

A Comissão Nacional da Verdade do Brasil (CNV) foi criada por meio da lei n. 12.528, de 18 de novembro de 2011 (Brasil, 2012a), no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, e instalada em maio de 2012, com o objetivo de examinar e esclarecer as violações dos direitos humanos praticadas pelos agentes do Estado no período de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988, “a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional” (Brasil, 2012b). O período de duração estabelecido de dois anos foi aumentado para três, findos os quais se obrigava a apresentar à nação um relatório conclusivo e circunstanciado de suas atividades, incluindo recomendações.

Apesar das críticas de que seu trabalho apresentava limitações, o fato é que a instalação da CNV teve efeito multiplicador, e numerosas comissões da verdade surgiram nos legislativos estaduais e municipais, nas universidades e associações profissionais ou científicas, potencializando movimentos políticos na busca da verdade e da recuperação da memória em situações concretas ou realidades locais. Para a compreensão desse processo interessa a resolução n. 4, de 17 de setembro de 2012, que estabeleceu as possibilidades de intercâmbio de informações com as Comissões Estaduais da Verdade ou quaisquer outras de natureza semelhante. Atualmente, há intercâmbio com comissões de universidades, sindicatos, associações de pesquisa, órgãos de luta pelo direito das mulheres, camponeses e, ainda, instituições e comissões internacionais. Em consonância com a resolução, no âmbito da CNV foram criados 13 grupos de trabalho para diferentes temáticas com pontos focais definidos.

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A pesquisa oral de fatos e circunstâncias com esclarecimento de violações graves, tais como torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres, incluídas a violência sexual e o terrorismo de Estado (Brasil, 2013b), foi feita por meio da tomada de depoimentos, seja em audiências públicas, seja de forma reservada. Deve-se dizer que por lei se atribuiu à CNV, de forma expressa, o poder de “convocar para entrevista ou testemunho pessoas que possam guardar relação com fatos e circunstâncias examinados” (Brasil, 2012a).

A pesquisa documental foi realizada com base em registros e dados existentes nos arquivos dos órgãos de segurança nacional, que tiveram sua estrutura analisada nos níveis federal, estadual e municipal, como também nos arquivos existentes em outros órgãos e instituições públicas e privadas, como universidades e empresas. Estabeleceu-se uma rede de cooperação com instituições que têm a guarda de documentos históricos e administrativos, tais como o Arquivo Nacional e os arquivos estaduais, as antigas polícias políticas, como o Dops, e outras entidades, tais como o Comitê Brasileiro de Anistia e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos, por exemplo.

A comissão dA VerdAde dA reformA sAnitáriA AbrAsco-cebes

Sabemos que profissionais dos serviços de saúde com vários níveis e tipos de formação, além de pesquisadores, técnicos, professores em distintos âmbitos do campo da saúde, foram perseguidos, presos, torturados, exilados, perderam seus empregos e bens, foram afastados de suas famílias e, inclusive, adoeceram em consequência das violações que sofreram, praticadas por agentes públicos e privados de organizações no período ditatorial. Algumas dessas violações foram reconhecidas e suas vítimas anistiadas e reparadas pelo Estado já no período democrático, mas muitos atingidos nem foram identificados ou tiveram suas violações reconhecidas.

Advogamos ser nosso direito e dever, como cidadãos e trabalhadores da saúde, batalhar para que toda a verdade seja descoberta e a história da saúde desse período seja restaurada. É necessário que nossa energia e compromisso com a verdade se tornem concretos nesse esforço para que, coletiva e individualmente, possamos contribuir para o reconhecimento e a reparação a que têm direito e são merecedores nossos companheiros, ainda que, em alguns casos, somente no plano simbólico. Temos a pretensão de que nosso esforço consiga, ao se unir aos esforços dos demais brasileiros movidos pelos mesmos motivos, contribuir para uma compreensão maior da nossa realidade e servir de alerta para que construamos uma sociedade em que essa aviltante história não se repita.

A proposta de criação de uma comissão da verdade na área da saúde foi apresentada e aprovada pela Assembleia dos Grupos de Trabalhos e Comissões da Abrasco, em seu Congresso Nacional realizado em Porto Alegre em novembro de 2012. Essa aprovação gerou um processo de elaboração da hoje denominada Comissão da Verdade da Reforma Sanitária

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Abrasco-Cebes (CVRS), lançada oficialmente no 6º Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco, no Rio de Janeiro, em novembro de 2013, a qual pretende-se aqui apresentar resumidamente (Abrasco & Cebes, 2013).

Inicialmente integrada por 13 membros, a maioria pertencente a ambas as entidades promotoras e provenientes de diferentes regiões do país, até maio de 2015 contava com o total de 15 membros, com a incorporação de associados que passaram a ter funções de coordenação em alguns dos sete núcleos locais criados em diferentes estados no decorrer dos trabalhos da comissão. As decisões foram propostas, discutidas e tomadas pelos próprios membros da CVRS.

O objetivo geral da CVRS é investigar as violações dos direitos humanos praticados por agentes do Estado (1964-1985) contra trabalhadores(as) da saúde, de modo a compartilhar as informações e os conhecimentos produzidos com outras entidades e instituições que tenham os mesmos objetivos e princípios e com a sociedade brasileira em geral, de modo a contribuir para um projeto de sociedade democrática e justa.

Entende-se por trabalhadores(as) da saúde os(as) técnicos(as), pesquisadores(as), docentes, administradores(as) e auxiliares que realizem, ou tenham realizado, atividades profissionais em qualquer tipo de instituição de saúde: prestadoras de serviços de saúde propriamente ditas, produtoras de conhecimento técnico e científico, instituições de docência e ensino nas áreas da saúde, bem como os estudantes dessas áreas no período ditatorial considerado.

Desdobramos esse objetivo em sete objetivos específicos, que serão apresentados seguidos da síntese dos principais resultados obtidos:

1) Identificar e caracterizar os(as) trabalhadores(as) da saúde violados pelos agentes da repressão, bem como as consequências desse processo na vida, no trabalho e na saúde dos trabalhadores e de suas famílias. Foi possível a identificação de 173 que permanecem em lista sob a guarda da presidência da comissão, sendo que 90% deles são de universidades e outras instituições de pesquisa, fato que é corroborado por estudiosos da repressão (Motta, 2014; Silva et al., 2012; Asduerj, 2008; Salvadori Filho, 2012), que identificaram grande número desses profissionais perseguidos pela repressão nas diversas fases da ditadura. Com um pequeno número dos sujeitos encontrados (17), foram realizadas entrevistas ou colhidos depoimentos que indicaram uma considerável resistência deles a se revelarem. Alguns mantinham esses acontecimentos velados em relação aos seus familiares, relutando principalmente em descrever e mesmo mencionar os tipos de torturas a que foram submetidos. Porém, estiveram presentes em muitos familiares a que tivemos acesso as consequências das tensões e a persistência de sintomas de alterações psíquicas que percebiam neles próprios e no(s) parente(s) violado(s). Esses processos de tentativa de ocultação, bem como todo um quadro psicológico acompanhado de grande sofrimento experimentado pelos cidadãos submetidos às diversas formas de violação, sobremaneira quando houve prisão e tortura, têm sido analisados por autores tais como Seligman-Silva (2009) e Teles (2009).

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2) Identificar e categorizar os processos de violação. As violações encontradas são de vários tipos: mortes, desaparecimentos, sequestros, prisão com ou sem torturas físicas e psíquicas de tipos variados do perseguido ou de seus familiares, envenenamentos, exílio, banimento, cassações, demissões de emprego decretadas ou voluntárias (impostas por pressões) e atentados.

3) Produzir esclarecimentos sobre os processos de violação com apuração de responsabilidades.

4) Identificar e caracterizar os(as) trabalhadores(as) que atuaram profissionalmente nos processos de violação dos direitos dos(as) cidadãos(ãs), bem como sua função/papel no aparelho repressivo. Foi possível aumentar o número de profissionais, no caso de médicos que faziam parte do sistema de repressão e que atuavam de várias maneiras: emitindo laudos e atestados falsos para encobrir assassinatos e mortes sob tortura, em alguns casos participando diretamente de torturas, seja realizando seja assessorando os torturadores sobre vulnerabilidades ou quanto aos limites de resistência dos presos, administrando medicamentos e drogas que facilitassem o processo de obtenção das informações desejadas. O núcleo paulista da CVRS (Comissão da Verdade da Saúde Pública, APSP) identificou claramente 51 opositores políticos assassinados entre 1969 e 1976, a maioria mortos sob tortura e que tiveram sua causa mortis adulterada ou falsificada pelo trabalho deliberado de médicos-legistas do Instituto Médico-Legal de São Paulo. Identificaram-se 32 legistas cujas assinaturas constam dos laudos falsos. Alguns deles sofreram processo de cassação no Conselho Regional de Medicina de São Paulo, e apenas um deles – Harry Shibata – teve sua cassação concluída no nível estadual, todavia suspensa pelo Conselho Federal de Medicina. Além disso, a CV/APSP teve acesso às listas de cassação de professores da Faculdade de Medicina da USP e pesquisadores de institutos da área médica, nomeadamente o Instituto Butantã, corroborando a hipótese de que a repressão nas instituições havia sido preparada de dentro por apoiadores do regime.

Também foi possível procurar e encontrar pistas sobre a existência de tortura em presos políticos internados em hospitais. Esse trabalho foi feito em parceria com a Clínica do Testemunho – coordenada pela psicóloga Vera Vital Brasil no Rio de Janeiro – e assumido pela Comissão da Verdade do estado do Rio de Janeiro e pela CNV, realizando diligências nas dependências hospitalares. O caso hoje é investigado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal. Entretanto, devemos salientar que muitos profissionais da saúde se organizaram em grupos clandestinos, quase todos fornecendo cuidados profissionais a famílias de presos políticos e aos próprios presos quando eram libertados, bem como a combatentes que voltavam das lutas de guerrilha adoentados física ou mentalmente, ou com lesões traumáticas em razão dos combates com as forças militares ou de acidentes propriamente ditos. Esses grupos existiam por todo o país, e deles faziam parte não só militantes de oposição como também cidadãos conservadores cuja ética profissional era imbatível.

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5) Construir e operar os sistemas de informação e comunicação da CVRS. Este objetivo foi realizado com a construção de um portal (<http://cvrs.icict.fiocruz.br>) que abriga um sistema de informações com material sobre a CVRS e demais comissões da verdade, possibilitando o relato on-line de casos de violação e os estudos resultantes e um sistema de comunicação com notícias, textos, filmes, anúncios de atividades de interesse para as comissões. Entretanto, a possibilidade de relatos virtuais não se verificou, e estamos procurando entender as razões, pois julgamos que a proposta possa ser aproveitada em outros projetos e atividades similares, inclusive no Observatório, como veremos a seguir.

6) Desenvolver um Observatório Repressão-Trabalho-Saúde. O projeto deste observatório ainda se encontra em elaboração e tem por objetivo continuar o trabalho de estudo e denúncia de violação de direitos em populações vulneráveis, que hoje tem assumido grandes proporções no país. Estamos em diálogo com outras comissões da verdade, movimentos sociais, organizações não governamentais (ONGs), sindicatos e demais instituições interessadas nas questões dos direitos e democracia e saúde para o estabelecimento de um fórum que permita a discussão, o entendimento, a formulação de projetos de investigação, planos e atividades e sua difusão para todos os cidadãos interessados, principalmente para estudantes e professores de todos os níveis.

7) Participar coletivamente na produção de conhecimentos e ações que resultem na formação de um grupo ativo e reflexivo sobre as condições e necessidades para a formulação de um projeto democrático para a sociedade. Essa participação foi verificada de várias maneiras durante todo o tempo de existência da comissão e nos permitiu refazer o pensamento sobre as funções e o âmbito das comissões da verdade rumo a um trabalho de múltiplas possibilidades e usos.

O espaço de atuação da CVRS é em nível nacional, acompanhando o âmbito das entidades que a promovem. Tal alcance significou a necessidade de se imaginarem recursos, técnicas e especificações dos processos de trabalho a serem desenvolvidos, tais como instrumentos de pesquisa, registros de dados coletados e guarda de informações obtidas que pudessem dar conta não só da totalidade do espaço a ser coberto, mas também de sua heterogeneidade em termos de tipos de colaboradores e da própria realidade local – seja dos pontos de vista cultural, político e econômico, seja das formas assumidas pela repressão e pelos movimentos de resistência locais, das quais já se tinha algum conhecimento prévio.

Por sua vez, o compromisso com a democracia, a verdade e a transparência implicou uma construção coletiva, cujo trabalho e resultados proviessem do esforço de todos para sua consecução. Tornou-se imperativa a abertura das tomadas de decisões, seus processos e consequências para todos os envolvidos nas questões – com a intenção de que pudessem contribuir pedagogicamente para o esclarecimento e o aumento do nível de consciência dos trabalhadores da saúde, cidadãos e sujeitos desses processos sobre a importância do conhecimento da história recente do país e da preservação da memória, para se evitar a repetição de processos autoritários e de governos ditatoriais em nossa realidade.

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O trabalho da CVRS só terá valor para a sociedade brasileira e para cada um dos brasileiros que dela fizerem parte se puder contribuir para mudanças que determinarão a construção de um futuro no qual os fatos que estamos trazendo à tona não tiverem mais possibilidades de se repetir. Nesse sentido, é de fundamental importância que se juntem esforços para dar visibilidade às verdades que forem encontradas e que se propiciem discussões, apresentações, iniciativas de coletivos para trabalhar sobre os temas das violações, e principalmente para incluir no ensino formal ou informal as questões em análise.

notAs pArA umA conclusão

Os impactos da ditadura na saúde são muito mais amplos, difusos e, ao mesmo tempo, profundos do que nossos objetivos, como comissão da verdade de um grupo específico de trabalhadores, qual seja aqueles, da saúde e mesmo os da CNV (Huggins, 2011; Bastos, 2009). Tais comissões setoriais não poderiam dar conta da totalidade dos impactos uma vez que concentraram seus esforços na decifração de casos considerados mais graves de violação de direitos – mortes e desaparecimentos – e na análise dos pareceres dos laudos repressivos, nesses casos para apurar as responsabilidades sobre tais ocorrências e prever suas reparações, seja em ternos pecuniários, seja na revisão das penas a que foram sujeitos os indivíduos violados.

Quanto aos demais casos de violações, foram identificados aqueles em que a penalidade aparece como uma medida legal tomada pelo Estado e facultada pela legislação, de exceção, como, por exemplo, as cassações pelo AI-5 e outras. Também há violações praticadas por atividades repressivas clandestinas, ou que tenham tomado uma forma escamoteada de represália a atividades consideradas de oposição ao regime ditatorial instalado e, portanto, situadas no front da guerra dos inimigos internos do país – como as referentes a demissões de empregos, principalmente de servidores públicos ou operários de empresas públicas ou privadas, especialmente daquelas apoiadoras do golpe e engajadas em seu processo de repressão, como a Petrobras e a Companhia Metalúrgica de Volta Redonda (RJ), por exemplo.

Vários tipos de problemas e contingências não tornaram possível alcançar os próprios objetivos expressos nos projetos e plataformas das comissões da verdade criadas no país. Além dos aventados, podemos elencar: falta ou desaparecimento de registros de casos; insuficiência de informações contidas nos documentos históricos, causando dificuldades para identificar, processar e analisar o material registrado (por exemplo, a repressão não incluía a profissão nas fichas dos dados pessoais, como pudemos observar naquelas examinadas do Dops); falta de recursos financeiros materiais e humanos, em termos qualitativos e quantitativos, para o exercício das tarefas das pesquisas históricas e de casos apontados; dificuldades relacionadas às memórias pessoais, dado o grande lapso entre o período ditatorial (1964-1985) e a instalação de uma comissão da verdade no país (2011), ou seja, 26 anos após o fim da ditadura; formas ideológicas com que o Estado e os cidadãos coletivamente lidavam com a história e as

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situações históricas traumáticas nelas contidas, acrescidas das defesas no plano psicológico com que os indivíduos lidam com tais situações (esquecimento, negação dos fatos, repressão da memória de vivências e não valorização dos processos sociopolíticos e históricos).

Todas essas questões foram agravadas pelo intenso processo de censura ocorrida no país e pela difusão do medo da punição a que estavam sujeitos todos os cidadãos em geral, em todos os tipos e níveis de atividades. Contribuiu também para essa situação uma poderosa máquina de propaganda dos sucessos e boas intenções do governo ditatorial vis-à-vis a apresentação dos opositores como guerrilheiros, mal intencionados, pessoas a serviço do comunismo e ligadas a governos de países não amigáveis – inimigos externos –, uma montagem ideológica para falsificar a realidade.

Tais considerações podem nos ajudar a entender a grande dificuldade de se conseguir, em primeiro lugar, identificar os cidadãos vítimas de violações que foram consideradas menos graves ou lesivas. Como a maioria deles saiu da prisão para a vida em sociedade rotulados como elementos perigosos pelas forças ditatoriais, muitas das vítimas e suas famílias se mantiveram na clandestinidade por se sentirem ameaçados e receando um novo episódio de prisão, o que de fato aconteceu inúmeras vezes. Dessa forma estes indivíduos já traumatizados pelo sistema repressivo, em qualquer nível e grau, se sentiam acuados e prejudicados em suas vidas e trabalhos, e até procuravam esconder o episódio de violência do Estado. E de fato, alguns deles, têm se recusado a reconhecer ou relatar os episódios de violação que sofreram.

O trabalho da CVRS possibilitou entender que existe uma variada gama de impactos causados pela ditadura sobre a saúde no Brasil que ainda permanecem ignorados ou muito pouco pesquisados. Tais impactos se exerceram de formas diferenciadas:

1) Sobre a saúde da população do país de maneira geral, mas atingindo de forma diferenciada grupos populacionais específicos e incidindo de forma negativa principalmente sobre as populações vulneráveis, seja sobre aqueles menos favorecidos social e economicamente, seja sobre aqueles reconhecidamente diversos quanto à sua cultura e hábitos, como as denominadas populações tradicionais – com destaque para as populações indígenas.

2) Sobre o sistema de saúde como um todo, com ênfase sobre os recursos humanos em exercício e em formação (estudantes) no período ditatorial. A respeito dos efeitos sobre o modelo, estrutura e dinâmica do sistema, sua cobertura populacional, equidade e competência, muito já se estudou e escreveu.

3) Sobre os cidadãos tornados objetos das torturas que ainda hoje carregam as marcas desses acontecimentos gravadas em seus corpos e mentes na forma de sofrimentos, doenças, incapacidades e disfunções que não têm sido objeto de nosso sistema de saúde ou de nossas políticas e planos técnicos e científicos, sequer de simples projetos de investigação isolados. Na área de saúde mental, psicólogos, psiquiatras e psicanalistas têm organizado clínicas de tratamento gratuitas para essa população e seus familiares.

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4) Sobre os sistemas socioecológicos e os biomas em todo o país, dadas as políticas de desenvolvimento adotadas de forma autoritária e sem retaguarda das áreas científicas que trabalham as questões interessadas nas mudanças que tais políticas produzem e suas consequências ambientais e sociais.

5) Sobre as populações de todos os tipos e qualificações que foram submetidas à exposição de agentes lesivos à saúde, tais como de agentes químicos e biológicos em diversos tipos de combate aos inimigos internos da ditadura. Esses agentes continuam a ser usados, de formas escamoteadas e não explícitas, nos embates das polícias contra as manifestações da sociedade civil. É necessário que haja um posicionamento mais forte e baseado em evidências científicas do setor e dos trabalhadores da saúde sobre a produção, os efeitos na saúde e o uso de tal tipo de armas. Nesse sentido, pesquisas devem ser elaboradas e controles sociais devem ser criados.

Por último, queremos afirmar que as consequências da ditadura civil-militar são ainda visíveis em nossa sociedade, na medida em que uma justiça de transição, nos moldes do que foi praticado em situações análogas à brasileira, entre nós vem se efetivando tardia e parcialmente. As polícias militares hoje, atuam no controle da população pobre e negra em bairros periféricos. E os jovens negros têm sido as vítimas preferenciais desse tipo de intervenção. Estudos demonstram que cor da pele e status social baixo determinam um número várias vezes maior de mortes por causas externas (Batista, 2002).

A essa situação, seguem-se outras de igual relevância e significado para os propósitos de uma sociedade democrática, ainda que se tenham registrado importantes avanços nas políticas públicas nas últimas décadas, com uma já conhecida redução de importantes indicadores de mortalidade, como a taxa de mortalidade infantil e o aumento relativo na expectativa de vida. Mesmo com o aumento da massa salarial observada na última década e com programas de transferência de renda, ainda é escandalosa a concentração da riqueza, com impactos diretos e indiretos na qualidade de vida e saúde da população e nos escores aceitáveis de distribuição do poder.

A ação de grupos organizados no Estado para a prática de ilícitos de toda ordem, com ou sem desvio de recursos públicos, é garantida com o abusivo recurso ao formalismo da lei e a inação das autoridades quando se trata de criminosos influentes. Tal situação decorre, direta e indiretamente, da impunidade de que se cercaram os agentes da ditadura e que ainda perdura em nossa polícia.

Se hoje o Brasil se faz passar por uma das economias mais dinâmicas do planeta, é bom lembrar que as condições de trabalho não acompanharam tais avanços, e nós já testemunhamos esse tipo de processo na ditadura, na produção do “milagre brasileiro”, quando o autoritarismo mostrava sua face. Hoje, acreditamos que ele seja imposto pela concorrência e pela competição promovida pelo neoliberalismo, em que o capitalismo financeiro globalizado vem impondo também a flexibilização das leis de proteção aos trabalhadores e seus benefícios,

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além de ajustes da dívida, com penalização principalmente dos salários dos trabalhadores, como podemos observar a cada dia nas notícias veiculadas pela mídia. A intensificação dos processos de trabalho é a palavra de ordem dessa fase crítica da economia globalizada e perpassa todos os setores da própria economia.

Sabemos que grupos sociais inteiros operam no limite do humano. Nem mesmo trabalhadores intelectuais e científicos, como são os professores universitários e pesquisadores, escaparam ao produtivismo desses novos tempos, e se expõem hoje a uma carga de trabalho docente e de produção e publicação de literatura científica incompatíveis com a atividade crítica, própria da academia.

Nesse sentido é que se revestiram da maior importância os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e de todas as outras comissões, entre as quais se inclui a nossa Comissão da Verdade da Reforma Sanitária. É como parte desse processo dinâmico e contraditório que nos juntamos a esse gigantesco esforço pela causa da Democracia em nosso país. Precisamos atuar para restabelecer a Verdade, para reestabelecer nossa história porque queremos Justiça.

A justiça que queremos para os eventos do passado é a mesma que desejamos para as situações do presente. Esta é ainda uma forma de continuar combatendo a ditadura militar-empresarial. É uma forma de completar a redemocratização da sociedade brasileira, que não se realizará enquanto permanecerem impunes os crimes cometidos naqueles tempos sombrios.

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