2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO...
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Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) Florianópolis, Santa Catarina
XIV SIMGeo Simpósio de Geografia da UDESC
2º SEMINÁRIO NACIONAL DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO ÁREA TEMÁTICA: PLANEJAMENTO TERRITORIAL, PLANEJAMENTO
URBANO.
CIRCULAÇÃO E DINÂMICAS URBANO-RURAIS: Questões de planejamento
territorial à luz do estudo de uma localidade rural a noroeste de Jacareí, SP.
André Luiz de Toledo1 Adriane A Moreira de Souza2
Cilene Gomes3
Resumo
Partindo de relatos das visitas e conversas informais realizadas em campo, o presente artigo descreve as condições de estradas vicinais no bairro da Figueira, localidade rural do município de Jacareí/SP. Nas visitas foram observados problemas da circulação e suas interferências diretas nas condições de acessibilidade social das populações aí residentes. A constatação in loco de uma relativa degradação do ambiente natural e físico incidindo na condição deficitária da vida da população local levou ao estudo das relações entre o sistema de circulação e a organização territorial para melhor contextualização e compreensão da situação sócio-espacial da realidade da região Noroeste do município. Além disso, suscitou a uma reflexão sobre dinâmicas urbano-rurais e questões do planejamento territorial ligadas, sobretudo, aos principais instrumentos regulatórios de intervenções no âmbito municipal.
Palavras-chave: Relações Urbano-Rurais, Sistema de Circulação, Planejamento Territorial.
Abstract
From the reports of visits and informal conversations conducted in the field, this article describes the conditions of local roads in the neighborhood of Figueira, rural town on the outskirts of Jacarei / SP. In visits circulation problems and their direct interference in the conditions of social accessibility of populations residing there were observed. The in situ observation of a relative degradation of the natural and physical environment focusing on deficit condition of life of the local population led to the study of relations between the circulation system and the territorial organization for better contextualization and
1Mestrando em Planejamento Urbano e Regional na Universidade do Vale do Paraíba. E-mail:
[email protected]. 2 Doutora em Geografia Humana e Professora da Universidade do Vale do Paraíba, atuando na Graduação e no Programa de Pós-Graduação e como Coordenadora do Curso de Geografia. E-mail: [email protected]. 3 Doutora em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo, atualmente é Pós-Doutoranda do Programa de Planejamento Urbano e Regional da Universidade do Vale do Paraíba. E-mail: [email protected]
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understanding of socio-spatial reality of the situation in the region northwest of the city. Moreover, elicited by a reflection on urban-rural dynamics and territorial planning issues related mainly to the main regulatory instruments assistance at the municipal level.
Keywords: Urban-Rural Relations, Circulation System, Physical Planning. Introdução
A Revolução Industrial trouxe a revolução da mobilidade. Com a instalação das
ferrovias o mapa do Mundo começa a mudar. A velocidade dos transportes aumenta e o
horizonte mercantil amplia-se consideravelmente. A era da máquina a vapor vem baixar a
poeira das antigas estradas vicinais e inicia-se uma verdadeira revolução na comunicação
terrestre.
No Brasil, este processo se dá a partir do século XIX e já na primeira década do
século XX implanta-se o Rodoviarismo, que constitui um dos principais fatores do
acelerado processo de urbanização, a partir dos anos 50, trazendo consequências profundas
nas dinâmicas de circulação regional e local e no acesso das populações aos bens e
serviços necessários à sustentação da vida coletiva e individual.
No Vale do Rio Paraíba do Sul, a leste do Estado de São Paulo, a urbanização tende
a se intensificar desde o final do século XIX, com o desenvolvimento da industrialização e,
sobretudo, com a implantação da Rodovia Presidente Dutra no início dos anos 50. No
início da industrialização, a instalação da variante ferroviária do Parateí vem consolidar a
marginalidade de antigas vias de circulação terrestre da região, como a da Estrada Velha
Santa Isabel-Jacareí que tem um trecho interrompido desde 1952, até os dias de hoje.
Esta estrada atravessa a região noroeste do município de Jacareí, nas imediações do
bairro da Figueira, nossa área de estudo, escolhida a partir de uma série de percursos
realizados em meio rural com o uso de bicicleta, e do incômodo causado (desde outras
oportunidades anteriores de circulação em outros municípios) pela constatação de
dificuldades ou obstáculos à livre circulação da população habitante no local.
Desde então, um estudo foi definido4 no sentido de percorrer as estradas rurais do
bairro da Figueira, e observar e relatar suas reais condições de circulação, indo além da
descrição histórica-naturalista dos antigos viajantes estrangeiros que circularam pelo Brasil
4 Para desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade do Vale do Paraíba (São José dos Campos, SP), no contexto da elaboração da dissertação de Mestrado intitulada A questão da circulação e reflexão sobre a satisfação das
necessidades básicas da população rural do bairro da Figueira em Jacareí, SP, a ser defendida até fevereiro de 2015.
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colonial, propondo-se a uma análise das relações entre dinâmicas de circulação e
acessibilidade social para subsidiar uma discussão crítica a respeito de questões sobre o
planejamento territorial ligadas ao plano diretor, às relações urbano-rurais e à questão da
cidadania.
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Figura 1 – Mapa de localização da área de estudo
Fonte: Prefeitura Municipal de Jacareí e IBGE. Elaborado por André Luiz de Toledo. Objetivo
Nesse contexto de estudo, o presente artigo foi elaborado com o objetivo de reunir e
apresentar alguns resultados já obtidos. Assim sendo, partindo de um relato das visitas e
conversas informais realizadas em campo, objetiva-se, inicialmente, mostrar os problemas
de cerceamento das vias locais e a difícil situação relativa à acessibilidade social de seus
habitantes.
Em seguida, pretende-se alinhar os entendimentos obtidos com as leituras
realizadas acerca de aspectos da história regional e das relações entre sistema de circulação
e organização territorial do município de Jacareí, bem como aqueles que podem colaborar
para uma discussão inicial sobre as relações urbano-rurais à luz de marcos regulatórios do
planejamento municipal, como o Estatuto da Cidade e seu principal instrumento, o Plano
Diretor.
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Metodologia
O plano metodológico do estudo em desenvolvimento inclui até o presente
momento duas etapas de trabalho e respectivos procedimentos gerais.
Na primeira etapa, uma pesquisa de campo não sistemática e de caráter exploratório
foi realizada. Foram feitos percursos e registros de campo com utilização de uma bicicleta,
veículo que, fazendo parte do cotidiano da população ali habitante, funcionou como “chave
de acesso” ao campo, já que com seu uso o pesquisador pôde superar os obstáculos das
vias locais encontrados ao longo de trinta quilômetros, tais como o condomínio fechado, a
linha ferroviária e ausência de duas pontes para transpor o Rio Parateí, nos bairros Figueira
em Jacareí e Parateí, em Santa Isabel.
Diversas observações foram registradas mediante anotações em caderno de campo.
Conversas informais com moradores e transeuntes – tais como, carroceiro, comerciantes à
margem da Dutra, ciclista, moradores de condomínio e dos arredores da Ponte da Figueira
– foram estabelecidas ao longo da Estrada Velha Santa Isabel.
Foram também utilizados aparelho de Sistema de Posicionamento Global (GPS),
para coleta de pontos (waypoints) e trajetos (tracklogs) das estradas do Vale do Parateí, e
câmera fotográfica para registro das paisagens locais. Além disso, foram utilizados o
programa de geoprocessamento ArcGis e o de GPS Trackmaker.
Com esses procedimentos adotados durante as idas ao campo, fatos, problemas e
aspectos característicos do mundo físico e social do bairro da Figueira foram identificados
e, assim, por meio desta aproximação de natureza qualitativa consubstanciada pelos relatos
de campo, um processo de indagação e análise teve início, gerando a necessidade de uma
segunda etapa de investigações marcada pela pesquisa documental.
Nessa fase, além da busca de referências bibliográficas para fundamentação teórica
dos fenômenos estudados, inspirada em teorias da produção social do espaço, foram
consultados documentos de caráter normativo elaborados pela Prefeitura Municipal de
Jacareí (Plano Diretor, Plano Municipal do Meio Ambiente) e outras fontes de informação
factual.
Relatos de campo
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Definida a área de estudo, o pesquisador estabeleceu pontos de apoio ao longo da
Rodovia Presidente Dutra, sentido Rio-São Paulo. O primeiro local foi o “Restaurante
Pachecão”, próximo à Saída 169 para acesso à Rodovia Dom Pedro I (SP-65), município
de Jacareí. O segundo ponto foi o “Restaurante Galeto de Ouro”, a 500 metros antes da
saída 178 – Acesso à Rodovia Ayrton Senna (SP-70), município de Guararema.
A primeira aproximação com a Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí foi realizada na
manhã do feriado nacional de 30 de Maio de 2013. Nesse primeiro dia de trabalho de
campo foram percorridos 16,48 quilômetros em um intervalo de três horas. Após os
primeiros 1900 metros às margens da Dutra, o pesquisador teve acesso à estrada de terra.
Na primeira bifurcação da estrada se deparou com um carroceiro. Perguntou a ele
sobre as condições da estrada até Santa Isabel. O mesmo respondeu que a circulação de
bicicleta era possível. A ferrovia e uma pinguela sobre o Rio Parateí estavam a poucos
quilômetros à frente. Informou que se houvesse meio de trafegar até Santa Isabel por essa
via seria muito útil já que a Rodovia Dutra não permite o tráfego de carroças.
A um quilômetro e meio a frente foi identificado o Condomínio Chácara Itapoã.
Nesse ponto, a estrada velha havia “desaparecido” da paisagem. Foi necessário prosseguir
até o fim da rua deste Condomínio e seguir por trilha ao encontro do antigo curso da
Estrada Velha com a ferrovia. O condomínio de chácaras e a linha ferroviária constituíram
os dois primeiros obstáculos à circulação no Trecho 01, Estrada Jacareí-Santa Isabel (JCR-
095A) (Figura 2).
Figura 2 - Área de estudo: Bairro da Figueira
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Fonte: Prefeitura Municipal de Jacareí e levantamentos em campo realizado por André Luiz de Toledo. Elaborado por André Luiz de Toledo.
Após transpor a linha ferroviária o autor deu início ao percurso e levantamento do
Trecho 02, Estrada Okamura (JCR 111B) e Estrada Ophata (JRC 109), entre a Variante
Ferroviária do Parateí e o bairro Figueira, onde notou residências ao longo do percurso
com presença de piscinas. Percorridos 1,64 quilômetros, chegou ao entroncamento com a
Estrada da Figueira (JCR 123) onde observou ruínas que, segundo os moradores que ali
aguardavam por transporte, eram de uma escola e uma capela que ali funcionavam há
aproximadamente dez anos atrás. Percorridos 2,46 quilômetros chegou-se a uma residência
próxima ao Rio Parateí. Nesse ponto, a travessia do rio só é realizada por pedestres ou
ciclistas.
De acordo com o morador, uma enchente ocorrida há 26 anos aproximados havia
levado a estrutura da ponte. Em precárias condições, o pesquisador realizou a travessia
sobre o leito do rio através de uma pinguela. Na figura 3 observa-se a Ponte no bairro da
Figueira arrastada pelas chuvas em 1986 e também pelo assoreamento do Rio Parateí em
decorrência da extração de areia praticada em suas margens.
Figura 3 – Precariedade da circulação na área
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Fonte: acervo do autor – 30/05/2013.
Após a travessia do rio, seguiu-se até a divisa com Santa Isabel5, localizada a 1,35
quilômetros da pinguela. O próximo trecho da estrada se deu até o quilômetro 1,87 após a
divisa onde novamente, uma segunda ponte, que fora arrastada pela enchente de janeiro de
2010, interrompia a circulação pela Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí. Na figura 4
observa-se na margem oposta, a cabeceira da antiga ponte arrastada pela água que vazou
da represa de Jaguarí, em Igaratá na enchente de 04/01/2010. Ligava os bairros do Parateí e
Figueira.
Figura 4 – Precariedade na circulação em área de Santa Isabel
5 Essa divisa entre Jacareí e Santa Isabel é coincidente com a divisa entre a Região Metropolitana da Grande São Paulo e a Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte.
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Fonte: acervo do autor – 30/05/2013.
O Trecho 3 foi realizado em 10/11/2013 sendo percorridos 35,43 quilômetros no
total, entre a Estrada da Figueira (JCR 123), Estrada Ophata (JCR 109-Estrada Velha Santa
Isabel), Estrada Hondo (JCR 111) e Estrada do Mandi (sem cadastro municipal), já na
outra margem do Rio Parateí, além dos deslocamentos em asfalto entre as rodovias Dutra e
Dom Pedro I. Nos primeiros 840 metros da Estrada da Figueira o autor encontrou um
veículo incendiado e grande área de pastagens. O objetivo dessa segunda aproximação da
área de estudo, além da coleta de pontos GPS da Estrada da Figueira, foi transpor o Rio
Parateí através de um caminho alternativo, ao invés de cruzar pela pinguela como
anteriormente. Esse caminho se deu através da Estrada do Hondo e Estrada do Mandi.
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Foram necessários 6,23 quilômetros para realizar o caminho alternativo, passar por duas
cercas e uma ponte precária que suporta somente veículos leves.
Nesse trecho o autor estava diante da real situação do sistema de circulação do Vale
do Parateí a Noroeste de Jacareí. As ruínas da Ponte do Figueira representam a mais antiga
das ocorrências de isolamento por desabamento de pontes sobre o Rio Parateí nas últimas
três décadas. Santana (2010)6 relata o mais recente caso de interrupção da circulação da
Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí em mais um trecho (Figura 4), pela mesma enchente do
verão de 2010 que assolou o município de São Luiz do Paraitinga. Ainda no Vale do
Parateí, o autor localizou uma Indicação7 de um vereador de Mogi das Cruzes solicitando
ao Governo do Estado de São Paulo a “construção de uma ponte na Estrada do Davi sobre
o Córrego Taboãozinho, nas proximidades do Rio Parateí, mais especificamente na Divisa
dos Municípios de Mogi das Cruzes e Santa Isabel” (SÃO PAULO, 2008).
Dessa forma, por meio de conversas informais com transeuntes encontrados ao
longo da Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí, anotações em caderno de campo e os registros
com GPS e fotografias da paisagem local, o autor observou dificuldades quanto ao acesso
físico e social da população que nitidamente “espera” por melhorias.
6 SANTANA, Jamile. Defesa Civil interdita nove imóveis por causa de risco de deslizamento de terra. Mogi
News. Mogi das Cruzes, 05 Jan. 2010. Edição 6171. Região, Santa Isabel. Disponível em: <http://www.moginews.com.br/materia/51745/defesa-civil-interdita-nove-imoveis-por-causa-de-r.aspx >. Acesso em: 1 nov. 2013. 7 Indicação – Solicitação imediata realização dos estudos necessários visando a destinação de
recursos financeiros.
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Sistema de Circulação e Organização Territorial da região Noroeste de Jacareí
Essas visitas e primeiros relatos levaram à necessidade de pensar sobre as relações
entre o sistema de circulação terrestre e a organização territorial de Jacareí, a fim de
melhor contextualizar e compreender a situação socioespacial no bairro rural da Figueira.
Nesse sentido, para realizar uma leitura do atual sistema viário municipal de Jacareí
buscou-se, primeiramente, a descrição de Ab’Saber (1969, p.6) a respeito das limitações
físicas locais: “entre as vertentes dos morros mamelonizados e o Paraíba, a jusante de
Jacareí, apertam-se diversas vias de circulação (estrada de rodagem, estrada de ferro), em
uma faixa de menos de 150 metros de largura.”. Titarelli (1975) também caracterizou em
sua tese a individualidade geográfica do Vale do Parateí, dizendo que sua posição distante
dos municípios de Arujá, Santa Isabel, Guararema, Moji das Cruzes e Jacareí, havia sido
“compensada” entre os anos de 1940 e 1950 com a instalação da Via Dutra e a Variante
Ferroviária da Estrada de Ferro Central do Brasil, respectivamente, duas grandes artérias
que ligam dois grandes centros do País, Rio de Janeiro e São Paulo.
O Vale do Parateí, sob o ponto de vista da circulação, constitui um verdadeiro
corredor de passagem. Seu rio, o Parateí, considerado secundário em suas modestas
dimensões, sofre há mais de três décadas com constantes problemas de enchentes, tais
como o arrastar de pontes e o cerceamento da Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí, que liga
bairros rurais dessas cidades. Por essa estrada já passaram tropas de bois. Nos dias de hoje,
além da população rural local, circulam cavaleiros em romaria rumo à cidade de
Aparecida, ciclistas a passeio e outros transeuntes.
Essa porção noroeste do sistema viário é de natureza vicinal e interliga-se a dois
importantes eixos rodoviários expressos organizadores do território municipal, a via Dutra,
que leva ao Rio de Janeiro, e a Dom Pedro que dá acesso à região de Campinas (SP). No
conjunto, estas ramificações viárias representam o potencial de acessibilidade física e
social dos moradores, a depender naturalmente do serviço de transporte oferecido para
atender à necessidade de deslocamentos da população local, seja em meio rural ou para
acesso ao meio urbano e seus serviços.
Nesse contexto, o bairro da Figueira constitui apenas uma amostra da atual situação
da organização do espaço rural de Jacareí, com problemas visíveis em sua dinâmica de
circulação e condições de acessibilidade social. Trata-se de uma situação local indesejável
que parece refletir problemas gerais do desenvolvimento social e do processo de
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planejamento urbano e regional, hoje elevados a uma ordem de questões que devem ser
tratadas no quadro de inter-relações político-institucionais do município de Jacareí e
demais instâncias sociais interessadas nos rumos da Região Metropolitana do Vale do
Paraíba e Litoral Norte.
Considerando o modelo de desenvolvimento desigual implantado no país, orientado
por uma perspectiva quase exclusivamente econômica e ambientalmente não sustentável
(RONCA, 2004, p. 135) esclarece que não é raro constatar que cidades ou localidades
distantes dos eixos de circulação mais importantes permanecem, ainda hoje, na ótica
socioeconômica, em situação mais desfavorecida.
O sistema de circulação é fator da hierarquia urbana e regional. Esse é um fato
histórico em aberto, e no caso da região do Vale do Paraíba e imediações, fora já bem
elucidado por estudiosos como Ab´Saber (1951), apontando a posição marginal de Santa
Isabel antes da instalação da Dutra, e Muller (1969), ao dimensionar a rede urbana
valeparaibana pela estrutura industrial e de serviços em meados dos anos 60.
Os moradores de Santa Isabel e Jacareí, residentes no Vale do Parateí ainda nos
dias de hoje enfrentam grande dificuldade de circulação e acessibilidade social, tendo em
vista que as rodovias modernas, ao estabelecerem preferencialmente direções, velocidades
e acessos favoráveis aos locais mais integrados economicamente, terminam por funcionar,
muitas vezes, como é o caso em estudo, mas também de outras localidades de Jacareí,
como verdadeiros entraves aos deslocamentos e à sustentação da vida das populações.
Além disso, a ponte sobre o Rio Parateí que teve sua estrutura levada pelas
enchentes há quase três décadas é um retrato sintomático do descaso do poder público e da
ação privatista neoliberal, tal como a que envolve grandes propriedades como a área de
uma construtora localizada entre a via Dutra (saída 173) e a Estrada Velha Santa Isabel-
Jacareí, próximo ao bairro da Figueira, que, ao serem cercadas, restringem o acesso
causando impedimentos à livre circulação (figura 5).
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Figura 5 – Propriedade de construtora localizada às margens da via Dutra (saída 173)
Fonte: acervo do autor – 09/11/2013.
Com isso, a cidade intencionalmente produzida em favor de interesses político-
econômicos e sociais contrários aos direitos de cidadania das populações desfavorecidas,
torna-se cada vez mais espraiada e fragmentada, “invadindo” e obstruindo os espaços
rurais e tornando-os ainda mais isolados ou desintegrados.
O papel que as estradas vicinais desempenham nas dinâmicas da vida social rural
(CUNHA, 2010, p. 75) e das relações com o mundo urbano é ainda bastante ignorado e
pouco estudado. Trata-se de uma questão também importante no contexto dos processos e
atividades do planejamento territorial municipal.
Dinâmicas Urbano-Rurais e questões do planejamento territorial
Os problemas da circulação em meio rural interferem diretamente nas condições de
acessibilidade social das populações aí habitantes. Em municípios onde a expansão da
urbanização se dá de forma especulativa, dispersa e fragmentada, e sem o perímetro urbano
instituído por lei, como em Jacareí, tais problemas facilmente passam desapercebidos.
Nesse sentido, vale indagar: quem está organizando e produzindo espaços no
território municipal e urbano de Jacareí? Como de fato poderíamos organizar o território e
desenhar a cidade?
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Se o perímetro urbano é definido por vontades político-administrativas e tem a
função de controlar a expansão urbana pela pressão dos interesses imobiliários anti-sociais,
sua ausência pode favorecer a ação devoradora de glebas em áreas de vocação agropastoril
ou de interesses ambientais (PMJ, 2002, p. 5).
Além disso, seria improvável supor que, muitas vezes, tais glebas possam ser mais
baratas e, possivelmente, sem a incidência de imposto territorial urbano, embora não raro
utilizadas para fins de atividades caracteristicamente urbanas?
Em Jacareí, algumas destas glebas têm sido utilizadas para a urbanização de áreas
adjacentes à Represa de Igaratá, a construção de condomínios de segunda residência ou
instalações industriais. Como podemos ver na figura 6, o macrozoneamento municipal
retrata a intenção de manutenção desta situação.
Figura 6 – Macrozoneamento de Jacareí
Fonte: Prefeitura Municipal de Jacareí.
Dessa forma, se antevê o jogo de interesses que se debatem politicamente para
prevalecerem nos processos de organização territorial e produção do espaço, em
desconsideração às reorientações da política urbana após a Constituição Federal de 1988 e
de sua regulamentação instituída em 2001 com o Estatuto da Cidade.
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Nesse contexto mais favorável à função social da propriedade, à participação social
e, assim, aos direitos de cidadania, como os Planos Diretores estão sendo elaborados ou
revistos, considerando sua abrangência municipal e não exclusivamente urbana? Como
estão sendo tratadas as relações complementares entre o meio urbano e o rural? E os
problemas das estradas ou da circulação do meio rural?
Para Moura Filho (2010), o território deixa de ser referencial estático quando
fundado na velha dicotomia campo e cidade. O território municipal organiza-se
essencialmente pelas dinâmicas urbano-rurais que, por isso, não podem ser tratadas de
forma dissociada. Essa complementaridade entre mundo urbano e rural é fundamental para
a integração social e a extensão dos direitos a todos os cidadãos, independentemente do
local onde vivem.
Nessa ótica, observa-se que a população do bairro Figueira está desintegrada não
apenas de seu entorno como também da própria vida de relações sociais características da
cidade. A dificuldade de acesso às suas próprias moradias ou aos pequenos núcleos
urbanos mais próximos (como o bairro 22 de abril) e aos serviços, bens e equipamentos
que se localizam no centro urbano de Jacareí e de municípios vizinhos, tais como o acesso
à educação e saúde, tornam seus habitantes não-cidadãos.
Seria falta de vontade política das administrações públicas em garantir um
planejamento mais integral ou prioritariamente de interesse social?
Situações de conflito persistem e influenciam diretamente nas relações urbano-
rurais. Dentre os fatos que as sustentam, como já mencionados no PDOT (2002) destacam-
se: a ausência de perímetro urbano, a insuficiência de infraestruturas em bairros
periféricos, a falta de políticas de incentivo ao desenvolvimento rural, carência de relações
intermunicipais (em particular com o Município de Santa Isabel cujo território é também
atravessado pela Estrada Velha Santa Isabel Jacareí), ausência de integração social
regional.
Além delas, é preciso que se considere o fato do bairro da Figueira ser praticamente
fronteiriço com a grande área de interesse industrial definida pelo macrozoneamento
municipal nos arredores da Dutra e Dom Pedro, onde em 2010 as indústrias chinesas Chery
e Sany demarcam seu território com incentivos e investimentos, acentuando ainda mais o
paradoxo do desenvolvimento regional, planejado empresarialmente, em detrimento de um
planejamento municipal contemplativo das relações do mundo urbano e rural e do mundo
rural propriamente dito.
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Com as populações rurais à margem das políticas públicas, caminhos alternativos e
soluções próprias são buscados no bairro da Figueira e demais localidades situadas no
“vácuo” dos interesses politico-econômicos globais. Sem a força do cidadão equiparável à
do Estado ou de grandes agentes da economia mundial. Sem coesão social e do próprio
poder público. Sem a causa maior por um projeto de nação.
O ordenamento territorial e o desenho da cidade, socialmente justos, continuam
sendo um grande desafio, tanto quanto o direito à urbanidade (TOLEDO e RIBEIRO,
2013, p. 3) e à vida social rural integrada e digna.
Resultado Crítico Conclusivo
Ao percorrer o Trecho 1 da Estrada Velha Santa Isabel-Jacareí o autor identificou o
Condomínio Chácara Itapoã, mas somente depois veio saber, pelo PMMA (2010), que se
tratava de um loteamento clandestino (Sítio Pedra Branca). Aí, não havia portaria ou
portão. Observou-se que as residências possuem características de área urbana:
portões/grades com segurança, cachorros nos quintais e piscinas.
Recentemente, ao percorrer a Estrada da Figueira (JCR 123) o autor observou
propriedades de terras ocupadas por cabeças de gado que, em primeira análise, parecem
constituir um espaço de “engorda” da especulação imobiliária. Restringem o acesso da
população local, já isolada pelas diversas ocorrências causadas pelas enchentes das últimas
três décadas. Essa faixa territorial monopolizada por construtoras representa mais um
entrave à circulação.
Tudo indica que a localidade “Figueira” está à margem da atenção dos
planejadores. Após ter sido mencionada “timidamente” no Plano Diretor de 2002, como
um dos loteamentos do meio rural, neste ano de 2014, ao solicitar dados à Prefeitura, a
resposta do Poder Público é de que “não há dados oficiais de um bairro que não consta no
Cadastro Técnico Municipal”. A população encontra-se distante do direito de ir e vir, de
poder transpor o rio em busca de um posto de saúde mais próximo ou da satisfação de
outras necessidades essenciais, já que no bairro não tem como satisfazê-las.
Situado no limite de áreas de interesse industrial e rural e no limite dos municípios
de Jacareí e Santa Isabel, que à sua vez, coincide com o limite das regiões metropolitanas
do Vale do Paraíba e de São Paulo, o Figueira representa, em sua microescala, a população
rural esquecida de muitas outras regiões do país e do Vale do Paraíba. A estrada da
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Figueira leva hoje apenas o nome e a direção de quem só chega e não sai em razão da
obrigatoriedade do pedágio para o acesso de retorno à Rodovia Presidente Dutra (sentido
São Paulo). Oficialmente, o Figueira “já existiu”. Mas hoje não temos explicação para
entender porque o bairro não faz parte do cadastro oficial do poder público local. Dessa
forma, parece prevalecer uma verdadeira política antí-circulação e anti-cidadania.
Estamos assistindo no Brasil a realização do grande evento mundial que se tornou a
Copa do Mundo, onde padrões internacionais de qualidade de serviços foram buscados
segundo exigências da FIFA, ao mesmo tempo em que constatamos uma realidade em
situação de puro déficit de condições mínimas para a circulação e a acessibilidade social de
uma população vivendo em meio rural.
O que nos leva a ponderar sobre as imensas contradições e defasagens sociais não
incluídas na formulação de políticas públicas, em desrespeito, portanto, aos direitos de
cidadania dos habitantes que vivem em meio rural, no Vale do Parateí, no Figueira, ou em
qualquer outra localidade rural da região ou do país.
Eis a situação da população rural do Figueira: órfãos de um rio que já deu peixe,
vítimas da transformação de uma fonte de alimento em paisagem deteriorada pelo
assoreamento e a poluição industrial - que afastam as poucas cabeças de gado dos sitiantes
- de uma estrada que já circulou gente e de um tempo que, segundo eles, não volta mais.
Sair do discurso é ir além das ferramentas técnico-burocráticas. É possibilitar
efetivamente que os moradores isolados superem os limites de seu próprio bairro e
município e conquistem seus direitos de cidadãos, independente de limite, denominação ou
qualquer classificação que os desclassificam. Quando será que a centralidade no homem e
na vida social digna será o foco das atividades do planejamento e das políticas públicas de
caráter territorial? Quando a equidade social e a evolução do ser humano serão a
verdadeira preocupação de toda a sociedade?
Tratar as populações desfavorecidas como objetos que ora constam ora não
constam do banco de dados público é praticamente o mesmo que consentir com a
perversidade da globalização capitalista de nossos dias.
BIBLIOGRAFIA CITADA AB’SABER, Aziz Nacib. O sítio urbano de Jacareí (Estado de São Paulo). Geomorfologia, São Paulo, n.12, p.6-7, 1969.
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