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Capítulo I O conceito de cultura e a sua presença na sala de aula

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  • Captulo I

    O conceito de cultura e a sua presena na sala de aula

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    1.1. O homem como animal social

    1.1.1. O Conceito de Cultura

    Segundo o dicionrio publicado pela Academia das Cincias de Lisboa, o termo

    antropolgico de cultura apresenta-se de forma bastante ampla e enquadra as seguintes

    definies, passo a citar:

    Cultura [kultr]. s.f. (do latim cultura). () 1. Agr. Aco ou modo de trabalhar, de

    amanhar a terra para a tornar mais frtil e, assim, obter melhores produes agrcolas;

    acto ou efeito de cultivar. 7. Conjunto de costumes, prticas, comportamentos, que so

    adquiridos e transmitidos socialmente, de gerao em gerao. 8. Patrimnio literrio,

    artstico e cientfico de um povo. 9. Conjunto de conhecimentos adquiridos por algum,

    de experincia que permitem o enriquecimento do esprito, o desenvolvimento de

    capacidades intelectuais (semelhante a) INSTRUO, SABEDORIA, SABER. 10.

    Actividade ou servio que se ocupa das questes intelectuais, do enriquecimento do

    esprito 11. Desenvolvimento ou incremento de uma ou mais faculdades intelectuais, do

    fsico 12. Conjunto de conhecimentos relativos a um ou vrios domnios cientficos, a

    uma ou mais reas do saber (VV. AA., 2001:1042).

    A etimologia da palavra cultura remonta poca latina, termo usado nesse

    perodo para fazer referncia agricultura, ocupao com o crescimento natural, ao

    cultivo. Com o passar do tempo, a palavra sofreu um desdobramento semntico, sendo

    transposta para os assuntos do esprito.

    Por meados do sculo XVI, o vocbulo adquire um significado mais abstrato, ou

    seja, passa a designar o cultivo de uma faculdade mental e no apenas a mera associao

    natureza que at ento lhe era atribuda (CUCHE, 2003:30).

    Progressivamente, o sentido figurado do vocbulo passa da ao de instruir o

    esprito para a cultura como estado, ou seja, o estado de uma mente trabalhada pela

    educao (CUCHE, 2003:30).

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    Para os iluministas, a cultura entendida como um trao distintivo de toda a

    espcie humana, como a soma dos saberes acumulados e transmitidos pela

    humanidade, considerada como totalidade, ao longo da sua histria (CUCHE,

    2003:32).

    J no vocabulrio francs do sculo XVIII a palavra adquire uma proximidade

    com o termo civilizao (CUCHE, 2003:32).

    No sculo XIX, com o nascimento de novas cincias, em particular a

    antropologia e a etnografia, o termo cultura torna-se uma ferramenta de trabalho

    importante na explorao da identidade e realidade do Homem. No entanto, a

    delineao do conceito no ser linear nem objetiva, pois as interpretaes tendem a

    divergir.

    Tylor, um dos primeiros etnlogos que trabalha o conceito de cultura, emprega a

    seguinte definio descritiva: Ensemble complexe incluant les savoirs, les croyances,

    lart, les moeurs, le droit, les coutumes, ainsi que toute disposition ou usage acquis par

    lhomme vivant en socit (TYLOR apud BRONTE & IZARD, 1991:190).

    Neste sentido, o mesmo autor esclarece que cultura um trao distintivo da

    condio humana, universal, antagnico natura como havia sido referido

    anteriormente. A definio emprica de Tylor deixou a descoberto uma das

    caractersticas basilares da cultura: a sua transmissibilidade, a qual se verifica

    implicitamente associada a palavras como costume, tradio, herana ou tradio

    cultural (BRONTE & IZARD, 1991:190).

    De acordo com Lvi-Strauss, o termo empregue para agrupar um conjunto de

    caractersticas significativas cujos limites coincidem aproximadamente, desenvolvendo

    o conceito de relativismo cultural, ou seja, as culturas assemelham-se e, ao mesmo

    tempo, diferenciam-se. Estas no se encontram isoladas e a dinmica cultural no um

    acumulado de acontecimentos, mas uma interao permanente entre culturas diferentes

    (BRONTE & IZARD, 1991:191). Lvi-Strauss preconiza a antropologia estrutural, ou

    seja, tenta ultrapassar uma viso particularista da cultura para procurar a sua

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    invariabilidade, aquilo que comum a toda a humanidade, procurando estabelecer

    regras universais para os princpios da vida social.

    Tambm Franz Boas (BOAS in BRONTE & IZARD, 1991:193/4) postula o

    relativismo cultural, mas no acredita no valor de leis culturais universais, rejeita as

    generalizaes. Cada cultura nica. Para entender valores culturais de uma forma

    integral, insiste num estudo atomizado das unidades culturais, pois o seu valor poder

    variar segundo os seus contextos sociais e histricos.

    Malinowski, nos anos 40, prope uma definio de cultura dicotmica em

    condicionalismos e constrangimentos biolgicos e na capacidade do Homem para criar

    um ambiente secundrio, na aptido para criar artefactos e poder apreci-los

    (MALINOWSKI, 1997:37). Acrescenta que neste ambiente secundrio h elementos em

    constante mutao que vo exigir que alguns aspetos necessitem de ser readaptados,

    sem que se verifique uma perda da essncia cultural, pois em cada cultura h

    mecanismos prprios de carter educativo. Cada cultura um todo coerente e todos os

    componentes esto em constante mutao e harmonizao em resposta s mudanas que

    se verificam no ambiente.

    Em suma, no seu sentido mais geral, o termo fundamentalmente usado pelos

    antroplogos para descrever a srie completa dos instrumentos no geneticamente

    adquiridos pelo homem assim como todas as facetas adquiridas aps o nascimento

    (TOMALIN & STEMPLESKI, 1994:2/3) e de valorar a forma de ver o mundo e de agir

    uma vez que, segundo Titiev (TITIEV, 2000:14),

    cada sociedade diferenciou formas, culturalmente prprias ou imprprias, de executar

    essas funes e colocou assim as bases para um cdigo moral ou tico. Respirar em

    toda a parte uma necessidade biolgica do homem, mas, na nossa cultura, considerado

    imprprio entrar pressa e a arfar numa sala, para uma entrevista importante.

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    1.2. O papel da cultura na sala de aula de Lngua Estrangeira

    A aprendizagem de uma lngua no pode ser apenas considerada como a

    aprendizagem de um novo cdigo lingustico. H um mundo novo que se esconde por

    detrs das palavras. Da que abarque um desfocar do ponto de vista do eu, da forma

    como este percebe e processa a realidade do contexto social em que se insere. O eu ter

    que reconhecer-se como um ser cultural (VALDES, 2002:2), condicionado pelo

    ambiente que o rodeia, consciente de que possui uma mentalidade condicionada pelo

    grupo social que o rodeia, para assim tentar compreender a realidade do outro, pois

    The most successful language learners are able to take on the mindset of the

    speakers of the second language (thought not, of course, without reservations that are

    consistent with their own mindsets) (VALDES, 2002:2).

    Os aprendentes ao iniciar a aprendizagem de uma LE j so atores competentes

    num mundo social e integram uma forma coletiva de descodificar e interpretar a

    realidade. Segundo Neuner, as etiquetas verbais definem a forma como vemos o mundo.

    Se pedirmos aos aprendentes de diferentes culturas para fazer o desenho de algo to

    simples como uma rvore, os desenhos podem ser os mais variados, desde palmeiras,

    salgueiros ou pinheiros, tendo em conta as caractersticas do meio onde o aprendente se

    insere (NEUNER, 2003:45). No que concerne aprendizagem de uma outra Lngua, no

    QECR defende-se que a comunicao depende da congruncia das imagens do mundo

    e da lngua interiorizadas pelas pessoas implicadas (Conselho da Europa, 2002:147).

    Tais imagens e sentidos devem ser explicados e explorados em ambiente de sala de

    aula, pois o uso indevido de certas palavras em determinados contextos pode deturpar o

    sentido da mensagem, dificultando a comunicao, o desenvolvimento de uma

    competncia sociocultural:

    As members of a community we learn in the course of our socialization its rules and its

    conventions who says what to whom, how, when and where (Del Hymes). Inter-

    ethnic misunderstanding frequently arises as a result of an incompatibility between

    conventions used by the partners, and between systems of thought, values and beliefs

    underlie them. For these reasons the development of a language learners sociocultural

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    competence with regard to the community or communities whose language he or she is

    studying has been seen of great importance (TRIM apud BYRAM & ZARATE,

    1997:11).

    Aquando da aprendizagem de uma LE, o aprendente tem a disposio de transferir o

    mundo que conhece para a outra cultura, por exemplo, crenas ou hbitos culturais. No

    tem a noo de que o mesmo acontecimento pode ter interpretaes diferentes mediante

    o padro cultural em que os elementos da outra cultura ocorrem. Nos anos cinquenta,

    Lado determina trs variantes para uma interpretao incorreta de um acontecimento: a

    forma, o sentido e a distribuio, exemplificando com a tourada (LADO, 2002: 55/56)1:

    1. Forma: Um homem, vestido com um traje especfico, capa vermelha e

    espada, numa praa de touros, desafia, ataca e mata um touro. H toda uma

    gama de vocabulrio especfico para descrever este acontecimento (tourada,

    forcados, toureiro).

    2. Sentido: Em Espanha, a tourada considerada um desporto. encarada

    como o triunfo da arte do toureiro sobre a fora bruta do touro. uma prova

    de coragem.

    3. Distribuio: A tourada insere-se numa poca especfica do ano, ocorre em

    dias especficos da semana, num local determinado para isso. Todos os

    membros da cultura espanhola conhecem estas caractersticas.

    Para Lado, qualquer um destes aspetos podia ser objeto de desentendimento

    perante outra cultura. O supra referido autor exemplifica com a perspetiva de um

    americano que vai julgar a tourada pelos seus padres culturais. Vai entender a mesma

    como cruel, ao passo que a palavra cruel, em Espanha, normalmente no ocorre

    associada ao contexto da tourada (LADO, 2002:55/56). Da mesma forma, um nico

    acontecimento pode ter diferentes interpretaes e apresentar-se sob diferentes formas

    dependendo do contexto cultural em que se insere. Pensemos num pequeno-almoo

    1 Traduo minha.

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    portugus, espanhol ou ingls, nos ritos, nos horrios em que ocorrem e nos alimentos

    que so consumidos.

    Ser pertinente esclarecer que um pas e uma cultura no so um todo

    homogneo, pois dentro de uma mesma cultura podem ocorrem comportamentos

    divergentes. Como tal, importante trabalhar em contexto de sala de aula unidades

    culturais, no sentido de desconstruir possveis esteretipos e generalizaes que se

    podem condicionar ou constringir a abertura outra cultura.

    A sala de aula, em contexto monolingue, um espao especfico de contacto

    cultural entre duas culturas. Verifica-se uma apresentao dissimtrica da Lngua e da

    Cultura. A Cultura, ao contrrio da Lngua no pode ser apresentada de forma objetiva,

    no h listas culturais ou uma gramtica da cultura. Transpor uma Lngua para outra

    uma tarefa mais simples do que transpor uma Cultura. Enquanto no domnio lingustico

    h a presena de um locutor competente, de gramticas, de dicionrios, no domnio

    cultural h imagens, simulaes, a representao cultural atravs de um discurso, de

    citaes, de descries, enfim, um tratamento da cultura como um objeto. O professor

    um transmissor de conhecimentos culturais criados por outrem, um intermedirio dos

    saberes, que intervm a partir do seu prprio conhecimento da realidade e de

    experincias com a outra cultura. La classe de langue se rvle constituer un lieu de

    reprsentation discursif de ralits culturelles qui nont pas dautre prsence matrielle

    que celle-l (BEACCO, 2000:68). Conclui-se que a cultura na sala de aula tambm

    filtrada pelo professor.

    A perspetiva de Neuner vai acrescentar um novo aspeto a este panorama,

    clarificando que no que concerne ao ensino-aprendizagem de uma cultura no se lida

    diretamente com a realidade da outra cultura, mas com um mundo filtrado pelos meios

    audiovisuais e pela seleo dos itens pelas autoridades, o qual convive lado a lado com a

    perceo da outra cultura que a imaginao dos aprendentes preconcebe. Neuner intitula

    esta dicotomia de interim worlds ou seja dois mundos internos: as posies oficiais

    acerca do ensino da lngua (os conceitos preformados acerca da Lngua Alvo e as suas

    variantes) e a perceo do mundo alvo pelos aprendentes (NEUNER, 2002:17/18).

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    Em suma, as diferenas culturais devem ser exploradas na sala de aula no

    sentido de formar atores sociais capazes de desfocar-se do seu ponto de vista cultural e

    tentar ver a realidade filtrada por outra cultura que no a sua. Na sala de aula, estas

    diferenas e similaridades entre as culturas sero exploradas. Assim, importante

    trabalhar no sentido de promover atividades que permitam o desenvolvimento de uma

    conscincia cultural para que o aprendente seja capaz de tomar conscincia e reconhecer

    os seus comportamentos como inerentes sua mundividncia cultural; tomar

    conscincia e reconhecer comportamentos culturalmente induzidos nos outros e, desta

    forma, criar os instrumentos necessrios para explicar a sua prpria posio cultural2

    (TOMALIN & STEMPLESKI, 1994:5); tornar-se como tal um mediador entre as duas

    culturas.

    1.3. A aprendizagem de uma segunda cultura

    A escola, espao onde se concretiza a educao dos cidados, surge como um

    trunfo indispensvel humanidade na sua construo dos ideais de paz, de liberdade e

    de justia social (DELORS, 2000:11), como veculo de culturas e de valores

    (DELORS, 2000:45). Para tal h que consciencializar os aprendentes das suas razes,

    permitindo-lhes que consolidem os referentes culturais atravs dos quais se definem e

    ao mesmo tempo ensinar a respeitar o outro na sua diferena (DELORS, 2000:42).

    Tomalin e Stempleski, partindo do modelo proposto por Ned Seelye

    (TOMALIN & STEMPLESKI, 1994:7/8), propem sete objetivos para a educao

    intercultural:

    1- To help students to develop understanding of the fact that all people exhibit

    culturally-conditioned behaviours.

    2- To help students to develop an understanding that social variables such as age, sex,

    social class, and place of residence influence the ways in which people speak and

    behave.

    2 Traduo minha.

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    3- To help students to become more aware of conventional behaviour in common

    situations in the target language.

    4- To help students to increase their awareness of the cultural connotations of words

    and phrases in the target culture.

    5- To help students to develop the ability to evaluate and define generalization about

    target culture, in terms of supporting evidence.

    6- To help students to develop the necessary skills to locate and organize information

    about the target culture.

    7- To stimulate students intellectual curiosity about the target culture, and to

    encourage empathy towards its people.

    Ento, para a sala de aula, o professor deve selecionar uma vasta gama de

    materiais e atividades que permitam no s refletir sobre o sistema lingustico mas

    tambm discutir ou trabalhar contedos culturais no sentido de promover a reflexo

    sobre a cultura estrangeira partindo, por exemplo, dos modelos familiares da cultura

    nativa, promovendo um ambiente de empatia com a cultura estrangeira e favorecendo o

    dilogo intercultural. No entanto, a criao desta relao de empatia nem sempre fcil,

    mormente no que se refere a culturas com valores e comportamentos divergentes.

    Brown defende que aprender uma outra cultura implica adquirir uma segunda

    identidade, apropriar-se de uma segunda cultura (BROWN apud VALDES, 2002:33).

    A apropriao de uma segunda cultura implica uma redefinio e reestruturao

    do eu. Como dizia o poeta portugus primeiro estranha-se e depois entranha-se3, ou

    seja, aps um primeiro contacto com uma nova cultura, um indivduo pode sentir-se

    deslocado e/ou surpreendido; no entanto, medida que se vai integrando e

    compreendendo essa cultura, vai incorporando novos hbitos, atitudes ou crenas,

    reformulando assim a forma como se define e criando como tal uma nova identidade,

    um novo eu. Douglas Brown esclarece que, no que concerne aprendizagem de uma

    segunda cultura, necessrio compreender os seguintes conceitos (BROWN in

    VALDES, 2002:33):

    3 Slogan criado por Fernado Pessoa (http://www.vidaslusofonas.pt/fernando_pessoa.htm)

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    - aculturao: fenmeno que significa a aquisio, total ou parcial de uma

    cultura estrangeira, que est em contacto direto com a nativa (MAIA, 2002:12). Este

    processo de adaptao nova cultura, implica que a persons world view, self-identity,

    his system of thinking, acting, feeling, and communicating, are disrupted by a change

    from one culture to another (BROWN in VALDES, 2002:34), que se traduzem numa

    reestruturao da forma de pensar, de sentir ou inclusivamente de comunicar. Se

    pensarmos no caso de um aprendente alemo que estuda espanhol, o mesmo vai ter que

    adotar hbitos comportamentais que no so naturais na sua cultura. Segundo o mesmo

    autor, os diferentes contextos de aprendizagem de uma Lngua (segunda ou estrangeira)

    envolvem diferentes graus de aculturao, dada a proximidade ou distanciamento de

    uma Lngua/Cultura Alvo Lngua/Cultura Materna e dos objetivos de aprendizagem.

    Acton & Felix propem um modelo de aculturao compreendido em quatro fases:

    turista (neste momento a lngua e cultura alvo so praticamente inacessveis; para

    comunicar o aprendente recorre sistematicamente aos recursos e estratgias da Lngua

    Materna); sobrevivente (nesta fase o aprendente adquiriu as funes bsicas da Lngua e

    Cultura Alvo; o aprendente tende a usar a interlngua para comunicar); imigrante (neste

    momento o aprendente j alcanou um nvel de conhecimento da Lngua e da Cultura

    aceitvel; muitos aprendentes no progridem para alm desta fase); cidado (neste fase

    o aprendente est quase ao nvel de um nativo, dado que raramente mal-interpreta as

    subtilezas da Lngua; este aprendente domina os gestos e a pronncia da Lngua/Cultura

    Alvo (ACTON & FELIX in VALDES, 2002:22).

    - choque cultural: durante um primeiro contacto com uma Lngua e Cultura

    Estrangeiras, uma experincia comum aos aprendentes o choque cultural, mormente se

    esto em contexto de imerso lingustica e cultural. Haver aspetos da cultura alvo que

    podero surpreender pela positiva enquanto outros sero pela negativa (OLIVERAS,

    2000:57). Tanto pode englobar uma ligeira irritao como um pnico profundo.

    Associa-se a sentimentos de constrangimento, tristeza, solido, frustrao que, com o

    passar do tempo, podero desaparecer medida que compreende o contexto social e

    lingustico em que se insere (BROWN in VALDES, 2002:35). Este processo no pode

    ser evitado mas pode ser aligeirado pelo professor (BROWN in VALDES, 2002:39).

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    - distncia social: o termo distncia refere-se ao sentido abstrato da

    dissemelhana entre duas culturas com as quais um indivduo contacta. Esta distncia,

    em maior ou menor grau, juntamente com as relaes entre as duas culturas (forma de

    ver o outro, posio social ante o outro, preconceitos) e afeio perante a Lngua e

    Cultura Alvo, bem como os objetivos de aprendizagem, vo proporcionar situaes de

    aprendizagem favorveis ou desfavorveis (BROWN in VALDES, 2002:39).

    - perceived social distance: segundo Brown, este termo proposto por Acton

    (apud BROWN in VALDES, 2002:41) refere-se forma como o aprendente entende a

    cultura estrangeira. A relao de proximidade ou afastamento da Lngua/Cultura

    Estrangeira no pode ser medida, dado que algo abstrato, pelo que o importante a

    forma como o aprendente a entende a sua Cultura Nativa e a sua relao com a Cultura

    Alvo (BROWN in VALDES, 2002:41). Acton entende que estas percees da realidade

    vo facultar ou condicionar o processo de aprendizagem. De acordo com Brown, para

    quantificar um bom aprendente, medindo esta relao de distncia/proximidade, Acton

    prope a realizao de um teste no mbito concetual em trs dimenses:

    distncia/diferena entre o indivduo e os seus compatriotas em geral; distncia entre o

    indivduo e os membros da Cultura Alvo; distncia entre os compatriotas e os membros

    da Cultura Alvo (BROWN in VALDES, 2002:41).

    O dilogo entre culturas nem sempre fcil, dado que uma cultura no um

    todo homogneo e pesa, como j referido anteriormente, o fator afetivo de proximidade

    ou longevidade. Cada cultura tem traos gerais com os quais todos os membros se

    identificam. No entanto, h que considerar que dentro de uma cultura h subculturas,

    que podem depender da idade, dos ideais polticos ou religiosos, dos gostos pessoais, de

    estatuto econmico ou social. Ento, a questo que se coloca no mbito do ensino-

    aprendizagem das LE relaciona-se com os contedos culturais que se podem ou devem

    abordar em sala de aula. Neste mbito, a prpria personalidade do professor, os seus

    valores, gostos pessoais, interesses e inclusivamente o grau de conhecimento da Cultura

    Alvo e relao de maior ou menor empatia vo filtrar os contedos culturais e a forma

    como estes so apresentados e trabalhados em sala de aula.

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    1.4. Que cultura transmitir?

    Lengua y cultura se nos presentan como un todo indisociable, porque a todo

    hecho de la lengua subyace un hecho de cultura y porque todo hecho de lengua se

    estructura en funcin de una dimensin social y cultural (DAZ, 2004:838). Como tal,

    ao longo dos ltimos anos, a Didtica das LE tambm se tem debruado sobre o termo

    Cultura dada a sua estreita relao com a Lngua. Valdes salienta a influncia da cultura

    na organizao do pensamento/raciocnio que se traduz no sistema lingustico dos

    falantes, sobretudo no vocabulrio que reflete a sua mundividncia. O significado de um

    vocbulo pode tornar-se obscuro caso no se verifique o reconhecimento de algum valor

    cultural (VALDES, 2002:3) ou referencial cultural. Assim, atravs do sistema

    lingustico que o aprendente, tido como um ator social, constri a sua identidade social:

    a forma como percebe o mundo, como se comporta, como relaciona as imagens com os

    objetos, como se relaciona com os outros (DAZ, 2004:837).

    De acordo com Lvi-Strauss, as relaes entre Lngua e Cultura podem ser

    encaradas por diferentes perspetivas mas sempre indissociveis: num primeiro

    momento, mais superficial, a Lngua pode ser entendida como um produto da Cultura,

    pois reflete os aspetos culturais de um grupo social; no entanto, vista de uma forma

    mais aprofundada a mesma tida como parte da Cultura, na medida em que constitui

    um dos seus elementos integrantes; por ltimo, pode tratar-se a linguagem como

    condio da Cultura, uma vez que atravs da primeira que o indivduo instrudo,

    educado (LVI-STRAUSS, 1989: 86).

    No que concerne ao ensino da Cultura no mbito escolar, Galisson entende que

    h dois tipos de cultura que legitimamente devem ocupar um lugar na sala de aula: la

    culture savante (a cultura institucional, abstrata, erudita) e la culture courante (a cultura

    comportamental, fsica, popular), ou seja, trata-se de uma cultura de esprito e uma de

    corpo fsico. Este autor acrescenta que o ensino das LE privilegiou durante muito tempo

    a primeira (GALISSON, 1999:104).

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    Nas correntes atuais do ensino-aprendizagem das LE, o termo cultura foi

    dicotomizado em duas grandes vertentes: a cultura com C (maisculo) e a cultura com

    c (minsculo), ou seja, por um lado as grandes realizaes da humanidade (Artes,

    Histria, Instituies) e, por outro lado, os comportamentos sociais dos nativos (valores,

    interaes, quotidiano) (TOMALIN & STEMPLESKI, 1994:2/3). Passemos ento a

    mencionar os contedos que podero ser tratados em cada uma delas em contexto de

    sala de aula.

    1.4.1. A cultura com C

    Hermidas e Benavente definem este conceito de cultura como la erudicin; las

    producciones legitimadas por una sociedad y cuyo conocimiento se transmite por las

    instituciones de poder (HERMIDAS & BENAVENTE, 2002:02), por outras palavras,

    a cultura veiculada atravs das instituies pblicas e de poder, como as produes

    literrias, musicais e artsticas, o sistema de governo, a histria, a geografia, entre

    outros.

    Os programas curriculares de nvel inicial elaborados pelo Ministrio da

    Educao portugus para o ensino do Espanhol preveem os seguintes aspetos

    socioculturais a tratar no mbito da cultura com C:

    Os contedos socioculturais previstos nos Programas Nacionais de Espanhol4

    Ensino Bsico Ensino Secundrio (formao

    especfica)

    Ensino Profissional

    (formao sociocultural e

    cientfica)

    4 Quadro de elaborao prpria tendo como referncia os contedos socioculturais previstos nos

    programas nacionais para o Ensino do Espanhol dos nveis aos quais lecionei. Tendo em conta que o

    estgio que efetuei no ano letivo 2010/2011 foi monolingue, apenas descrevo os contedos previstos nos

    Programas de Espanhol.

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    O meio em que se vive em

    Espanha: caracterizao

    fsica das cidades e

    povoaes; ruas; servios

    pblicos; comrcio e lojas;

    habitao;

    Espanha: geografia fsica;

    Referncias geogrficas

    sobre pases hispanos;

    Presena em Portugal do

    Espanhol: filmes, canes,

    notcias, anncios em jornais

    e estabelecimentos pblicos,

    manuais, etiquetas,...

    Espanha: localizao das

    cidades mais importantes;

    A escola em pases hispano-

    falantes;

    Os tempos livres: a msica e

    o cinema;

    Viagens e transportes;

    Servios: os bancos e o euro;

    Espanha: conhecimento de

    uma cidade a lecionar;

    So mencionados os

    domnios de referncia e

    algumas possibilidades para

    a explorao das tarefas

    sugeridas. A aprendizagem

    da lngua no deve fazer-se

    de forma independente da

    realidade sociocultural.

    Lngua e cultura so

    indissociveis, uma vez que

    a lngua, alm de veicular a

    cultura de um espao

    geogrfico, serve para

    expressar toda a sua

    realidade. Todos os objetivos

    comunicativos previstos no

    programa devem ser

    trabalhados em ntima

    conexo com a realidade

    sociocultural dos pases de

    lngua oficial espanhola.

    1.4.2. A cultura com c

    El concepto moderno de cultura se confunde con la vida de los hombres

    (DAZ, 2004:840), por isso o interesse pelos hbitos, valores e costumes dos elementos

    integrantes de um meio social. Se antes estes aspetos culturais tinham sido relegados

    para um segundo plano e apresentados de forma suplementar, dependendo dos

    interesses dos alunos (TOMALIN & STEMPLESKI, 1994:7), agora tm um lugar de

    maior destaque.

  • Captulo I Pgina 20

    Os contedos socioculturais previstos nos Programas Nacionais de Espanhol5

    Ensino Bsico Ensino Secundrio (formao

    especfica) Ensino Profissional

    Eu e os outros:

    identificao e

    caracterizao;

    O meio em que se vive em

    Espanha: alimentao; o

    consumo; a qualidade de

    vida; a conservao do meio

    ambiente;

    Relaes humanas: a

    organizao social; a famlia;

    os jovens; locais de encontro

    da juventude; o trabalho; o

    tempo livre; as festas; as

    frias;

    Espanha: geografia

    humana;

    Referncias culturais

    sobre pases onde se fala

    espanhol;

    Temas transversais: educao

    para a cidadania e aspetos

    sociais e culturais dos pases

    onde se fala espanhol, prximos

    dos interesses e motivaes dos

    alunos;

    Eu e os outros: descrio,

    interesses e preferncias;

    As relaes humanas: famlia,

    amigos e outras pessoas da

    comunidade;

    A escola: formas de aprender

    e trabalhar;

    O consumo: a alimentao e

    outros aspetos a selecionar;

    Os tempos livres: as frias;

    Cuidados corporais: a sade;

    So mencionados os

    domnios de referncia e

    algumas possibilidades para

    a explorao das tarefas

    sugeridas. A aprendizagem

    da lngua no deve fazer-se

    de forma independente da

    realidade sociocultural.

    Lngua e cultura so

    indissociveis, uma vez que

    a lngua, alm de veicular a

    cultura de um espao

    geogrfico, serve para

    expressar toda a sua

    realidade. Todos os objetivos

    comunicativos previstos no

    programa devem ser

    trabalhados em ntima

    conexo com a realidade

    sociocultural dos pases de

    lngua oficial espanhola.

    5 Quadro de elaborao prpria tendo como referncia os contedos socioculturais previstos nos

    programas nacionais para o Ensino do Espanhol dos nveis aos quais lecionei. Tendo em conta que o

    estgio que efetuei no ano letivo 2010/2011 foi monolingue, apenas descrevo os contedos previstos nos

    Programas de Espanhol.

  • Captulo I Pgina 21

    Atravs dos quadros observados, pode concluir-se que, no mbito dos programas

    nacionais, a cultura com C ainda ocupa um lugar de maior destaque. Alm disso, a

    cultura com c apresenta-se de forma menos objetiva, entendendo-se portanto que cabe

    ao professor selecionar materiais e temas adequados. Ainda em relao aos programas,

    pode observar-se que, quanto ao Ensino Profissional, os temas so tratados de forma

    menos objetiva, dando assim mais relevncia ao papel ativo do professor na seleo e

    transmisso destes contedos.

    No mbito da perspetiva europeia sobre os contedos culturais a transmitir, o

    QECR defende que o conhecimento da sociedade e da(s) comunidade(s) onde a lngua

    falada um dos aspetos do conhecimento do mundo (), suficientemente importante

    para merecer uma ateno especial (Conselho da Europa, 2001:148). Assim sendo, no

    que concerne ao conhecimento sociocultural, prope sete domnios: a vida quotidiana;

    as condies de vida; as relaes interpessoais; os valores, as crenas e as atitudes em

    relao a vrios fatores; a linguagem corporal; as convenes sociais; os

    comportamentos rituais (Conselho da Europa, 2001:149/150).

  • Captulo II

    Da competncia comunicativa competncia comunicativa

    intercultural

  • Captulo II Pgina 23

    2.1. A Competncia Comunicativa

    2.1.1. Breve retrospetiva histrica

    Chomsky estabelece uma dicotomia fundamental no mbito da

    aprendizagem/aquisio da linguagem entre os conceitos de competncia (o

    conhecimento que o falante possui da Lngua) e performance (o uso efetivo da mesma)

    (CHOMSKY, 1975:84). Esta dicotomia, deveras importante para o estudo lingustico,

    esteve no cerne das correntes de ensino-aprendizagem de LE que prevaleceram at

    finais da dcada de sessenta, baseadas na rigidez das estruturas gramaticais, Contudo,

    ser pertinente salientar que a sua teoria tem por base

    um falante-ouvinte ideal, situado numa comunidade lingustica completamente

    homognea, que conhece a lngua perfeitamente, e que, ao aplicar o seu conhecimento

    da lngua numa performance efectiva, no afectado por condies gramaticalmente

    irrelevantes tais como limitaes de memria, distraes, desvios de ateno e de

    interesse, e erros (casuais ou caractersticos) (CHOMSKY, 1975:83).

    Hymes aponta que a teoria de Chomsky, centrada no falante-ouvinte ideal, inseridos em

    contextos ideais, se encontra distante da realidade comunicativa dado que dentro de uma

    comunidade lingustica h diferentes graus de conhecimento da Lngua e diferentes

    contextos comunicativos (HYMES, 1972:269). De facto, Hymes argumenta que teoria

    de Chomsky falta-lhe a componente social dos falantes que interfere significativamente

    nos atos comunicativos. J Bloomfield tinha exemplificado com o caso de um falante

    que comunica em dois idiomas embora com restries:

    White Thunder, a man around forty, speaks less English than Menomini, and that is a

    strong indictment, for his Menomini is atrocious. His vocabulary is small, his inflictions

    are often barbarous; he constructs sentences of a few threadbare models. He may be said

    to speak no language tolerably. His case is not uncommon among young men, even

    when they speak but little English. (BLOOMFIELD apud HYMES, 1972:273)

  • Captulo II Pgina 24

    Hymes conclui que o fator social dos falantes interfere no apenas no ato de

    comunicao, ou seja na performance, como tambm na prpria competncia intrnseca,

    modificando-a, salientado desta forma a relevncia dos fatores sociais e da

    heterogeneidade da competncia interna dos falantes (HYMES, 1972: 274).

    Hymes amplia o conceito de Chomsky de competncia, at ento entendido

    apenas como o domnio da gramtica, para competncia comunicativa. Esta engloba

    vrias subcompetncias, inclusivamente uma competncia gramatical. Para um ato

    comunicativo ter sucesso no basta produzir frases gramaticalmente corretas, h que

    adequ-las ao contexto social em que as mesmas se produzem, ativando uma srie de

    processos internos de descodificao da realidade social em que se processa o ato

    comunicativo. Da mesma forma, um enunciado gramaticalmente fragmentado ou

    incorreto pode difundir uma mensagem com sucesso (HYMES, 1972: 281/2). Ento,

    este autor prope uma nova dicotomia concetual: gramaticalidade versus aceitabilidade

    (HYMES, 1972: 281).

    Na perspetiva de Hymes a CC um termo geral para descrever um conjunto de

    destrezas e conhecimentos que os falantes de uma comunidade lingustica possuem para

    interagir de forma eficaz na comunicao. Esta depende tanto do conhecimento efetivo

    da Lngua enquanto sistema lingustico como da capacidade de descodificar o contexto

    comunicativo e os comportamentos e regras sociais inerentes, para ativar as estruturas e

    comportamentos adequados situao comunicativa (HYMES, 1972: 282).

    Este conceito foi posteriormente trabalhado por Widdowson que declara que

    prefere o termo capacidade ao de competncia comunicativa dado que este ltimo

    parece implicar uma perspetiva analtica dos modelos lingusticos e uma conformidade

    s convenes sociais presumindo que language behaviour is rule governed,

    determined by a knowledge system which has only to be invoked and applied on

    particular occasions for communication to take place (WIDDOWSON, 1984:25). Ao

    preferir o termo capacidade, este terico pretende sublinhar a contnua criatividade

    lingustica dos falantes bem como a sua aptido para descodificar expresses inovadoras

  • Captulo II Pgina 25

    que no se conformem com as regras sociais previamente estabelecidas

    (WIDDOWSON, 1984:26).

    No mbito das didticas das LE, Widdowson delineia uma nova dicotomia que

    representa a manifestao do conhecimento efetivo da Lngua como sistema (usage),

    por um lado, e o propsito comunicativo (use), por outro. No basta apenas produzir

    frases gramaticalmente corretas nos contextos sociais adequados h que atingir tambm

    um objetivo comunicativo para que haja comunicao (WIDDOWSON, 1978:3). Assim

    sendo, este linguista compreende que um enunciado pode ser gramaticalmente correto

    mas no ter valor comunicativo, assim como um fragmento de uma frase pode veicular

    uma mensagem que seja percetvel para o ouvinte, distinguindo desta forma a correo

    gramatical (correctness) da adequao do enunciado ao contexto comunicativo

    (appropriacy) (WIDDOWSON, 1978:01). Ainda neste mbito, Widdowson introduz os

    conceitos de significado (signification) e valor (value), esclarecendo que uma frase pode

    ter significado do ponto de vista do sistema lingustico, ou seja, ser gramaticalmente

    correta mas no ser significativa do ponto de vista comunicativo. Da mesma forma, um

    fragmento ou palavra pode adquirir valor comunicativo quando usada num contexto

    apropriado (WIDDOWSON, 1978:10).

    Partindo deste panorama, da distino entre a Lngua enquanto sistema e como

    comunicao, Canale entende que h que discernir os conceitos de communicative

    competence (competncia comunicativa - o conhecimento subjacente s regras de

    comunicao) e actual communication (comunicao autntica o uso desse

    conhecimento para realizar atos de fala que pode ser afetado por alguns

    constrangimentos como cansao, nervosismo, distraes,...) (CANALE, 1983:3). Este

    autor estabelece um paralelo com os conceitos propostos por Chomsky de competncia

    e performance. No entanto, esclarece que:

    the difference, however, is that language used for communication is not an

    impoverished manifestation of an idealized system of knowledge but an ongoing

    process of negotiation and evaluation which is a product of complex interactional

    processes. (RICHARDS & SCHMIDT, 1983:1).

  • Captulo II Pgina 26

    Assim sendo, a definio de CC proposta por Canale engloba no apenas o

    conhecimento do sistema lingustico de uma dada Lngua mas o conjunto de

    capacidades e competncias que permitem comunicar de forma eficaz (CANALE,

    1983:5). Ao contrrio do que propunha Chomsky, a CC no pode ser definida luz de

    um falante ideal, pois est intimamente relacionada com o comportamento e ao

    humanos. Os atos de comunicao revelam que os falantes ativam outras competncias

    que interagem com a CC e que permitem a eficcia da comunicao (CANALE &

    SWAIN, 1981:32).

    2.1.2. As diferentes componentes da competncia comunicativa

    No incio da dcada de oitenta, Canale e Swain propem um modelo descritivo

    de CC dividido em trs subcompetncias:

    - competncia gramatical: a qual compreende o domnio do cdigo lingustico

    verbal e no-verbal: dos itens lexicais, das regras de morfologia, sintaxe, semntica e

    fonologia, para que o falante reconhea o sentido literal dos atos de fala e os reproduza

    (CANALE & SWAIN, 1981:32/33). Num artigo posterior, Canale acrescenta o domnio

    da ortografia e a formao de frases (CANALE, 1983:22/23).

    - competncia estratgica: engloba o domnio das formas verbais e no-verbais

    da comunicao no sentido de colmatar possveis pausas na comunicao, quer por

    insuficincia do conhecimento gramatical da Lngua quer pelo dbil desenvolvimento

    da competncia sociolingustica (CANALE & SWAIN, 1981:33). Canale acrescenta

    mais duas reas nas quais a competncia estratgica pode ser til para atingir o objetivo

    comunicativo: no mbito do discurso (entoao e padres de comportamento

    discursivo,...) e do desempenho (rudo de fundo, interrupes, distraes,...) (CANALE,

    1983:24/25).

    - competncia sociolingustica: engloba dois conjuntos de regras - as regras

    socioculturais do uso e as regras do discurso. As primeiras tm por base o conceito de

  • Captulo II Pgina 27

    adequao proposto por Hymes, e j referido anteriormente, o qual possibilita a

    descodificao da inteno comunicativa do falante ou do contexto social e que

    permitem a reao adequada por parte do ouvinte. As segundas referem-se s regras de

    coeso e coerncia dos atos de fala numa sequncia discursiva (CANALE & SWAIN,

    1981:32/33). Posteriormente, Canale prope uma reformulao da descrio desta

    subcompetncia, passando a englobar apenas a expresso e compreenso de significados

    sociais adequados nos diferentes contextos lingusticos, e a expresso e compreenso

    das formas gramaticais adequadas para os diferentes contextos sociolingusticos

    (CANALE, 1983:23).

    Canale acrescenta uma quarta sub competncia ao modelo proposto partindo das

    regras do discurso que havia primeiramente englobado na competncia sociolingustica

    (CANALE, 1983:23/24).

    - competncia discursiva: refere-se capacidade de combinar as formas

    gramaticais e o significado para produzir um discurso coeso e coerente no mbito dos

    diferentes gneros discursivos (CANALE, 1983:23/24).

    O modelo proposto por Canale e Swain dominou o ensino das LE durante mais

    de uma dcada e coexistiu posteriormente com o modelo proposto por Bachman

    (BACHMAN, 1990). luz dos trabalhos de Savignon e Kramsch, Bachman

    (BACHMAN, 1990:83) reconhece que:

    Recent formulations of communicative competence thus provide a much more

    inclusive description of the knowledge required to use language than did the earlier

    skills and component models, in that they include, in addition to the knowledge of

    grammatical rules, the knowledge of how language is used to achieve particular

    communicative goals, and the recognition of language use as a dynamic process.

    (BACHMAN, 1990:83)

    Dada a variedade e complexidade de subcompetncias e capacidades que

    compem a CC, Bachman prefere o uso do termo capacidade lingustica comunicativa

    (communicative language hability) descrevendo-a como consisting in both knowledge,

  • Captulo II Pgina 28

    or competence, and the capacity for implementing, or executing that competence in

    appropriate, contextualized communicative language use (BACHMAN, 1990:84).

    Neste sentido, Bachman prope trs componentes:

    1 - competncia lingustica6: ao contrrio dos autores supra referidos, Hymes e

    Canale & Swain, Bachman no define esta competncia como meramente gramatical.

    Inclui neste domnio os conceitos propostos por Munby: a codificao lingustica (a

    realizao da linguagem como formas verbais), a orientao sociocultural (adequao

    ao contexto e s necessidades comunicativas), as bases scio semnticas do

    conhecimento lingustico e o nvel de operacionalizao do discurso (BACHMAN,

    1990:84/85).

    Para Bachman, o termo competncia lingustica mais abrangente e permite

    agrupar no mbito outras capacidades que no o mero conhecimento gramatical da

    Lngua, como o caso da competncia discursiva (CANALE, 1983) e competncia

    sociolingustica (CANALE & SWAIN, 1981), tidas como competncias independentes

    nos modelos descritivos propostos por outros autores.

    Esta sub competncia lingustica subdivide-se em duas categorias: por um lado,

    uma competncia organizacional, que inclui a capacidade de compreender e produzir

    estruturas formais da Lngua corretas, adequadas ao contexto discursivo, englobando

    por isso a competncia gramatical (vocabulrio, morfologia, sintaxe, fonologia,

    grafologia) e a competncia textual (coerncia e coeso discursiva ou textual)

    (BACHMAN, 1990:87/88). Por outro lado, uma competncia pragmtica que engloba

    tanto a compreenso da fora ilocutria dos atos de fala como a capacidade para

    interpretar e manipular a informao, solucionar problemas de comunicao e entender

    significados implcitos na mensagem (BACHMAN, 1990:89-94), como uma

    competncia sociolingustica, que permite ao falante dominar as convenes lingusticas

    apropriadas a cada contexto comunicativo e ainda ser sensvel s diferenas dialetais e

    6 Traduo minha do termo language competence usado por Bachman.

  • Captulo II Pgina 29

    de registo, agir de forma parecida de um nativo e a capacidade para descodificar

    referencias culturais ou sentidos figurados da mensagem (BACHMAN, 1990:94-98).

    2 - competncia estratgica: reconhecendo que o uso da Lngua um processo

    dinmico, o qual envolve uma avaliao do contexto comunicativo, da linguagem usada

    e da consequente negociao de sentidos por parte dos intervenientes no ato

    comunicativo, Bachman prope trs componentes para definir esta competncia:

    avaliao: (a) capacidade de identificar a informao necessria para realizar um ato

    comunicativo; (b) determinar as competncias lingusticas disposio para transmitir a

    informao de maneira eficaz; (c) determinar as capacidades e conhecimentos que so

    partilhados com o interlocutor; (d) aps a tentativa de comunicar, avaliar at que ponto

    o objetivo comunicativo foi bem-sucedido (BACHMAN, 1990:100/101).

    planificao: capacidade para recuperar e ativar aspetos relevantes da competncia

    lingustica para formular um plano de ao capaz de atingir o objetivo comunicativo. No

    caso de um falante bilingue, este pode recorrer a estratgias da Lngua Materna e

    transp-las para a Lngua Alvo, recorrendo ao sistema lingustico da interlngua. esta

    funo da competncia estratgica que deve combinar a nova informao obtida atravs

    do contexto e process-la com a informao previamente disponvel para criar mapas de

    sentidos de forma a obter um uso mais eficaz das capacidades lingusticas

    (BACHMAN, 1990:102).

    execuo: capacidade para ativar mecanismos psicofisiolgicos para levar a cabo o

    plano delineado, dentro do modelo e do canal adequados, no sentido de atingir o

    objetivo comunicativo (BACHMAN, 1990:103).

    3 - Mecanismos psicofisiolgicos: estes referem-se mormente aos processos

    neurolgicos e psicolgicos que esto diretamente envolvidos no uso da lngua

    (BACHMAN, 1990:107).

    Partindo do princpio que o aprendente recorre a outras competncias para alm

    das relacionadas apenas com o uso e conhecimento da Lngua e reconhecendo o falante

  • Captulo II Pgina 30

    como um ator social, o QECR (Conselho da Europa, 2001:147-156) delineia um

    conjunto de competncias psicossociais que interatuam em qualquer ato comunicativo.

    Essas competncias gerais so as seguintes:

    Fig.17

    As competncias supra referidas interagem combinadas com as competncias

    comunicativas em Lngua, delineando assim um conceito mais abrangente de CC. Por

    um lado, as capacidades e conhecimentos prvios, associados a caractersticas pessoais

    e sociais e em constante evoluo mediante as novas experincias e, por outro, as

    componentes relacionadas especificamente com o ato comunicativo que se subdividem

    em trs categorias e que, por sua vez, englobam outras subcompetncias:

    - Competncias lingusticas: entendidas num sentido restrito como o conhecimento

    lingustico, ou seja, as ferramentas formais do sistema a partir do qual se podem

    formular mensagens corretas e us-las de forma adequada. Engloba uma competncia

    lexical, gramatical, semntica, fonolgica, ortogrfica e ortopica. Esta ltima

    7 Elaborao prpria inspirada nas competncias presentes no QECR, pgs 147 a 156.

  • Captulo II Pgina 31

    competncia revela-se uma novidade em relao definio de competncia lingustica

    proposta por Bachman (BACHMAN, 1990:67-71).

    - Competncias sociolingusticas: referem-se s capacidades para conhecer e aplicar a

    dimenso social do uso da lngua em situaes de comunicao no sentido de formar

    falantes capazes de interatuar de forma competente em diferentes contextos sociais. As

    subcompetncias englobadas referem-se ao uso da Lngua: os marcadores lingusticos

    de relaes sociais; as regras de delicadeza; as expresses de sabedoria popular; as

    diferenas de registo; os dialetos e os sotaques (Conselho da Europa, 2001:169-174).

    - Competncias pragmticas: englobam a competncia discursiva, a competncia

    funcional (refere-se capacidade para usar o discurso escrito ou falado para fins

    comunicativos especficos, como identificar, pedir informaes, persuadir, estruturar o

    discurso, narrar, entre outros) e a competncia de conceo (refere-se capacidade para

    sequenciar de forma lgica os esquemas de comunicao internacionais e transacionais,

    por exemplo das sequncias pergunta/resposta ou pedido/oferta) (Conselho da Europa,

    2001:174-184).

    pertinente referir que o QECR define as subcompetncias da CC de forma

    plural, salientando assim o facto de que estas so compostas por sua vez por outras

    subcomponentes, traando um esquema mais detalhado e abrangente da CC encarada

    como em constante evoluo. De facto, este documento assume uma grande importncia

    dado no se contentar em fornecer um escalamento geral das capacidades

    comunicativas, mas tambm decompor as categorias globais em componentes, para as

    quais fornece, igualmente, escalas (Conselho da Europa, 2001:187). Assim sendo,

    atravs destes descritores possvel observar que o desenvolvimento das diferentes

    componentes da CC no se efetua de forma equilibrada, podendo haver um

    desfasamento, por exemplo, entre a competncia lingustica e a pragmtica ou a

    sociolingustica. Deste modo, o ensino-aprendizagem das Lnguas deixa de ter por

    objetivo apenas o ensino da Lngua para passar a englobar uma srie de competncias,

  • Captulo II Pgina 32

    capacidades e atitudes que permitiro uma maior eficcia de atuao em contextos

    comunicativos, quer estes sejam familiares ou no:

    - as competncias gerais e comunicativas em Lngua;

    - as capacidades para fazer atuar essas competncias;

    - a capacidade para empregar as estratgias necessrias para fazer atuar essas

    competncias. (Conselho da Europa, 2001:185).

    Conclui-se, atravs dos diferentes descritores e componentes englobados pela

    definio de CC proposta, que o aprendente dever adquirir uma competncia

    plurilingue e uma competncia pluricultural (Conselho da Europa, 2001:188/189), a

    qual dever relacionar as competncias adquiridas em Lngua Materna com a Lngua

    Estrangeira no sentido de formar cidados que sejam capazes de reformular a sua

    identidade luz de novas identidades culturais ou estabilizar a sua prpria identidade de

    acordo com aprendizagens ou vivncias sociais e lingusticas:

    Enquanto a viso tradicionalista da competncia comunicativa monolingue na

    lngua materna se apresenta como rapidamente estabilizada, uma competncia

    plurilingue e pluricultural sugere um perfil transitrio e uma configurao em evoluo.

    Dependendo da trajectria profissional, da histria da famlia, da experincia de

    viagens, das leituras e dos passatempos do indivduo em causa, dar-se-o modificaes

    significativas na sua biografia lingustica e cultural, que alteram as formas de

    desigualdade no seu plurilinguismo e tornam mais complexa a sua experincia da

    pluralidade de culturas. Isto no implica, de forma alguma, a instabilidade, incerteza ou

    falta de equilbrio da pessoa em questo, antes contribui, na maioria dos casos, para uma

    maior conscincia da sua identidade (Conselho da Europa, 2001:188).

    Em suma, entende-se que o falante-aprendente desenvolve e reformula a sua CC

    luz das novas experincias, saberes, interaes, maturidade, estando por isso sempre

    em constante transformao.

  • Captulo II Pgina 33

    2.2. Rumo a uma Competncia Comunicativa Intercultural

    As transformaes sociais, polticas, geogrficas e de comunicao determinam

    encontros entre culturas frequentes e em mltiplos contextos. Estes fomentaram a

    necessidade de delinear competncias gerais de comunicao, as quais so transversais

    s diversas Lnguas, o que culminou na modificao do que se entendia como CC em

    Lngua Materna e Lngua Estrangeira, deixando esta de ser entendida como estanque

    para passar a ser transversal, dado que h competncias, estratgias ou capacidades que

    podem facilitar a aprendizagem de novos contedos e que podem ser transferidos de

    uma Lngua para outra. De facto, Quantas mais lnguas um indivduo tiver aprendido,

    mais apto estar para aprender nomeadamente outras lnguas, mais capaz ser de se

    reconhecer e conhecer os outros, de se respeitar e respeitar os outros. (BIZARRO &

    BRAGA, 2005:61).

    Segundo Oliveras, las personas que estudian una lengua extranjera se

    encuentran cada vez ms en situaciones donde no slo tienen que aprender outra lengua

    y otra cultura, sino que experimentan otra forma de vivir, entendendo como tal que a

    competncia que devem possuir para se tornarem falantes competentes uma

    competncia comunicativa intercultural (OLIVERAS, 2000:28). Oliveras defende que o

    conceito de competncia intercultural mais abrangente que a sub competncia

    sociocultural integrada no mbito da definio de CC descrita no captulo anterior.

    Coloca-se a tnica no aspeto cultural, ou seja, trabalha-se o conhecimento, as atitudes e

    as capacidades na sala de aula de LE (OLIVERAS, 2000:32), centra-se o aluno, os seus

    interesses, os seus objetivos, as suas motivaes, as suas necessidades ao relacionar-se

    com outras pessoas e outras culturas (OLIVERAS, 2000:32).

    Byram, partindo do modelo proposto por Van EK, entende que a definio da

    competncia intercultural deve abranger, no apenas as sub competncias

    sociolingustica, estratgica e sociocultural, mas tambm deve incluir as atitudes (saber

    ser), a capacidade para adquirir novos conceitos (saber aprender) e a capacidade integrar

    as diferentes experincias (saber fazer) (BYRAM apud OLIVERAS, 2000:33). No

  • Captulo II Pgina 34

    suficiente possuir conhecimentos, necessrio ter a capacidade para ativ-los no sentido

    de descodificar o mundo e saber interatuar de forma competente em qualquer situao

    comunicativa, adaptando-se mesma e ser competente no mbito do contexto de

    comunicao. O contacto intercultural dever possibilitar ao aprendente estabilizar a sua

    identidade cultural e ao mesmo tempo ajudar os outros a estabilizar a sua (MEYER

    apud OLIVERAS, 2000:37), tornando-se assim num mediador cultural (TAFT apud

    OLIVERAS, 2000:37).

    O objetivo do processo ensino-aprendizagem passa por levar o aprendente a

    adquirir uma competncia que possibilite uma compreenso bilateral em contextos

    interculturais (OLIVERAS, 2000:33). Oliveras argumenta a necessidade de reformular

    o conceito de CC luz de quatro argumentos chave (OLIVERAS, 2000:33/34):

    1. Una necesidad de dar mayor importancia al aspecto sociocultural en la

    enseanza y en el aprendizaje de una lengua.

    2. El concepto de competencia comunicativa est basado en el hablante ideal:

    un hablante ideal en interaccin con otro hablante ideal. () El objetivo de la

    enseanza y el aprendizaje de una lengua extranjera debe ser realista en relacin con lo

    que se puede ensear y aprender. El alumno tiene un bagaje cultural propio que debe ser

    tenido en cuenta, ya que influye en cmo se ve l en la nueva cultura.

    3. Es necesario introducir en el aula ambas culturas: la del alumno y la de la

    lengua extranjera, para hacerla intercultural. ()

    4. Tradicionalmente, la formacin en lenguas extranjeras se ha centrado en el

    aspecto cognitivo de aprender una nueva lengua y otra cultura, mientras que se han

    subestimado los aspectos emocionales en el contacto con una cultura extranjera la

    experiencia demuestra que desempean un papel importante.

    Numa abordagem intercultural objectivo central da educao em lngua

    promover o desenvolvimento desejvel da personalidade no seu todo, bom como o seu

    sentido de identidade, em resposta experincia enriquecedora da diferena na lngua e

    na cultura (Conselho da Europa, 2001:19). H que considerar que o aprendente no

  • Captulo II Pgina 35

    adquire uma nova identidade, uma nova forma de atuar autnoma, mas reformula a

    nativa, atravs da integrao dos novos conhecimentos e experincias, que conduzem a

    uma consciencializao, uma capacidade e uma competncia de realizao

    interculturais (Conselho da Europa, 2003:73). Neste sentido, importa focar na sala de

    aula a personalidade dos aprendentes e estabelecer uma relao de empatia e afetividade

    com a Lngua e Cultura Alvo para que os mesmos no sofram o choque cultural ou

    stress cultural (OLIVERAS, 2000:35), os quais constrangem a aprendizagem e

    fomentam sentimentos de insegurana, ansiedade e negativismo.

    Segundo Meyer (MEYER apud OLIVERAS, 2000:38), a competncia

    intercultural

    como parte de una amplia competencia del hablante de una lengua extranjera, identifica

    la habilidad de una persona de actuar de forma adecuada y flexible al enfrentarse con

    acciones, actitudes y expectativas de personas de otras culturas. La adecuacin y la

    flexibilidad implican poseer un conocimiento de las diferencias culturales entre la

    lengua extranjera y la propia; adems, tener la habilidad de solucionar problemas

    interculturales como consecuencia de dichas diferencias. La competencia intercultural

    incluye la capacidad de estabilizar la propia identidad en el proceso de mediacin entre

    culturas y la de ayudar a otras personas a estabilizar la suya.

    Para Meyer (MEYER apud OLIVERAS, 2000:38), a aquisio desta

    competncia sucede em trs fases:

    - monocultural: o aprendente encara a cultura estrangeira e soluciona os problemas de

    acordo com os moldes da sua cultura nativa;

    - intercultural: o aprendente situa-se mentalmente entre as duas culturas; tem

    capacidades e recursos para estabelecer comparaes entre as duas culturas e consegue

    explicar diferenas culturais;

  • Captulo II Pgina 36

    - transcultural: o aprendente consegue distanciar-se das culturas em questo; recorre a

    princpios internacionais de cooperao e comunicao; neste nvel de compreenso o

    aprendente consegue desenvolver a sua prpria identidade.

    Para concluir, o desenvolvimento da CCI passa pelo desenvolvimento dos

    aprendentes em todas as dimenses psicossociais, pessoais e intelectuais. No

    suficiente trabalhar as competncias comunicativas em lngua, h que interlig-las com

    as competncias gerais: saber, saber fazer, saber ser e saber aprender.

  • Captulo III

    Proposta didtica e reflexo

  • Captulo III Pgina 37

    3.0 Introduo

    O presente relatrio pretende ser uma reflexo sobre a minha prtica letiva no

    mbito das aulas da Iniciao Prtica Pedaggica em Lngua Espanhola. A minha

    licenciatura em Lnguas e Literaturas Modernas, realizada no perodo pr-Bolonha, j

    englobou um estgio pedaggico a duas Lnguas, a saber: a Lngua Materna e a Lngua

    Estrangeira - Ingls, motivo pelo qual me foi atribuda uma equivalncia ao estgio

    pedaggico em ingls, englobado pelo Mestrado em Ensino de Ingls e Espanhol no

    Ensino Bsico e Ensino Secundrio. Este relatrio apenas consiste por isso numa

    reflexo sobre a minha prtica pedaggica em Lngua Espanhola durante o ano letivo

    2010/2011.

    O tema que escolhi para trabalhar no mbito deste relatrio prende-se com a

    minha experincia enquanto estudante Erasmus, em Copenhaga, e Assistente

    Lingustica ao abrigo do Programa Comenius, em Londres. Estas experincias

    alargaram os meus horizontes culturais, inclusivamente a minha forma de definir-me

    enquanto ser social e de encarar o outro na sua diferena. Estes programas de

    intercmbio europeu foram muito importantes para a forma como encaro o papel da

    cultura na aprendizagem de uma Lngua Estrangeira e para a minha prtica pedaggica,

    pois experimentei contextos sociais em que os mal-entendidos culturais condicionaram

    a comunicao, desde aspetos to simples como a traduo de uma simples palavra at

    gestos ou comportamentos.

    Ao longo das diferentes unidades didticas que foram trabalhadas nas vrias

    turmas, cujos temas se enquadram sempre na planificao anual prevista para esse

    momento nos diferentes grupos, selecionei subtemas que, na minha perspetiva, iam ao

    encontro dos interesses, gostos pessoais e faixa etria dos alunos. Segundo Fernndez

    (FERNNDEZ, 2009:17),

    en el caso de alumnos escolarizados, para que los que la lengua extranjera es una

    asignatura ms en su plan de estudios, esa motivacin inicial puede no estar tan clara y

  • Captulo III Pgina 38

    es necesario suscitarla partiendo de sus intereses y de acuerdo con las caractersticas

    psicolgicas de su edad().

    Esta preocupao, de propor atividades significativas partindo de temas que

    despertassem o interesse dos alunos, foi sempre um dos eixos que regeu a planificao

    das minhas unidades temticas, bem como o equilbrio entre os diferentes contedos a

    lecionar e as competncias a desenvolver.

    Na apresentao deste relatrio no englobei todos os momentos trabalhados ao

    longo das aulas planeadas mas momentos pontuais que visaram desenvolver a CCI. Por

    vezes, nas atividades que proponho, a mesma est presente apenas de forma implcita

    no sendo o objetivo central da tarefa.

    O facto de trabalhar sempre com grupos diferentes no permitiu verificar a

    integrao dos conhecimentos adquiridos nas minhas aulas na formao pessoal e social

    dos alunos, a qual apenas se pode verificar num processo a longo prazo. No entanto, os

    mesmos demonstraram, atravs da resoluo das tarefas finais que proponho no final de

    cada unidade, as quais integram os conhecimentos trabalhados ao longo da mesma, que

    ampliaram a CC e enriqueceram o seu universo sociocultural.

    O mtodo utilizado para este relatrio foi a observao direta dos

    comportamentos, a anlise das reaes espontneas dos alunos s tarefas ou atividades

    propostas e os comentrios e observaes dos mesmos em relao a aspetos pontuais

    abordados em sala de aula. Foram igualmente importantes as notas e observaes das

    colegas de estgio e da professora orientadora.

    A escolha desta metodologia prende-se com o facto de no ter especificado o

    tema deste relatrio no incio do ano letivo; e tambm com o facto de ter lecionado as

    minhas unidades didticas em grupos diferentes, no sendo por isso possvel fazer um

    diagnstico e avaliao contnua de um grupo. Assim sendo, pareceu-me que seria mais

    interessante centrar as minhas observaes nas reaes, comentrios e concluses dos

    alunos em relao s atividades propostas em sala de aula.

  • Captulo III Pgina 39

    3.1. A Escola Secundria Dr. Manuel Laranjeira

    3.1.1. Localizao e caraterizao da comunidade em que se insere

    A Escola Secundria Dr. Manuel Laranjeira localiza-se na cidade de Espinho.

    Tem cerca de trinta e cinco mil habitantes8, a maior parte dos quais alocados no centro

    da cidade. Dada a sua localizao privilegiada, junto ao mar, um dos setores

    econmicos mais rentveis o turismo, o qual emprega grande parte da populao.

    Espinho uma comunidade aberta diferena. Na realidade, acolhe uma vasta

    comunidade de imigrantes, sobretudo oriundos da Venezuela. Tal facto levou criao

    do Centro Social Luso-venezuelano em 19879, uma associao sem fins lucrativos. As

    atividades do centro tm por objetivo divulgar a cultura venezuelana com o fim de

    promover o dilogo entre culturas e trabalhar para a integrao de alguns dos seus

    aspetos culturais na cultura portuguesa. Em Abril de 2010, esta associao inaugurou

    um centro de apoio integrao de imigrantes10

    com o objetivo de acolher e apoiar

    cidados estrangeiros que pretendam estabelecer-se em Portugal, promovendo assim a

    igualdade e apelando ao dilogo intercultural.

    3.1.2. O espao fsico e social

    A Escola Secundria Dr. Manuel Laranjeira tem o nome de um mdico

    importante para a comunidade espinhense, um homem dedicado s letras, tendo-se

    tornado numa referncia da literatura portuguesa. A escola, fundada em 196711

    , era

    constituda inicialmente por cinco pavilhes12

    . Durante o ano de realizao deste estgio

    8 Fonte: http://www.cm-espinho.pt/turismo/Espinho/caracteristicas.htm (consultado em 21/12/2010) 9 Fonte: http://hi5.com/friend/242953851--Centro%2BLuso%2BVenezolano--Profile-html (consultado

    em 21/12/2010) 10 Fonte:

    http://www.centrolusovenezolano.com/index.php?option=com_content&view=article&id=74&Itemid=95

    (consultado em 04/10/2011) 11 Fonte: http://www.esmlaranjeira.net/escola/escola.html (consultado em 21/12/2010) 12 Fonte: http://www.esmlaranjeira.net/escola/escola2.html (consultado em 21/12/2010)

  • Captulo III Pgina 40

    pedaggico, o espao encontrava-se em obras de renovao e alargamento. Dado que as

    obras ainda no estavam concludas, algumas aulas ainda foram lecionadas nos

    chamados monoblocos, salas de aula improvisadas e temporrias, por vezes bastante

    pequenas para acomodar a turma e as professoras estagirias. As condies fsicas da

    escola no foram as ideais no arranque do ano letivo.

    No ano letivo 2010/2011 a escola tinha 5213

    turmas. Destas, 25 eram de Ensino

    Bsico e 27 de Ensino Secundrio. O nmero de alunos que optou pela disciplina de

    Espanhol foi tambm bastante elevado. De facto, 10 turmas de 3 ciclo optaram pela

    variante de Espanhol e, no Ensino Secundrio, 11 turmas escolheram a referida

    disciplina.

    A comunidade educativa nesta escola muito vasta. Apesar disso, penso que h

    um ambiente de cooperao e solidariedade entre os diferentes membros, quer

    professores quer funcionrios. Tambm os encarregados de educao so muito ativos,

    envolvendo-se frequentemente no percurso escolar dos seus educandos e mostrando

    interesse pelas atividades desenvolvidas pela escola.

    3.1.3. As orientaes internas da escola e a competncia intercultural

    A Escola Secundria Dr. Manuel Laranjeira prope um Projeto Educativo de

    Escola (PEE14

    ) centrado na formao do indivduo como ser humano. Sem deixar de

    parte as competncias cientficas, aquisio de hbitos de trabalho, a motivao para a

    aprendizagem e para o empreendedorismo, a escola aposta na formao integral dos

    alunos alicerada numa componente cultural, na educao voltada para cidadania, para a

    sade e para uma conscincia ambiental. Neste sentido, visa promover uma escola para

    todos, na qual se respeitam e aceitam as diferenas.

    13 Fonte: http://www.esmlaranjeira.net/organizacao/dt_turmas/DT_turmas.html (consultado a 21 de

    dezembro de 2010) 14 Fonte: http://www.esmlaranjeira.net/regulamentacao/proj_educativo/princip.html (consultado a 21 de

    dezembro de 2010)

  • Captulo III Pgina 41

    Apostando na formao global do indivduo, a escola mostra abertura ao dilogo

    intercultural promovendo sempre que possvel intercmbios com alunos e escolas de

    outros pases para que, uns e outros, identifiquem e valorizem aquilo que os une e

    tambm o que os distingue15

    . De facto, os professores de Francs desta escola propem

    anualmente uma visita de estudo a Frana e o intercmbio com escolas francesas,

    contactando com alunos das mesmas e recebendo-os em Espinho.

    Outras atividades promovidas pela escola que tambm apelam ao dilogo

    intercultural passam pela comemorao de datas festivas de diferentes culturas, como o

    Da de la Hispanidad ou o Halloween, a Semana da Francofonia, o Dia do Espanhol ou

    a Semana das Lnguas. Neste mbito, o ncleo de Estgio de Espanhol teve a

    oportunidade de participar de forma ativa na dinamizao das atividades promovidas

    pelo grupo.

    3.2. Atividades propostas

    3.2.1. Atividades da Regncia 0

    a) Tema de unidade: De regreso a clases

    b) Turma e nvel: a turma de dcimo ano (E) era constituda por 26 alunos

    embora apenas 18 estivessem matriculados na disciplina de Espanhol, nvel iniciao

    (A1). Os 5 rapazes e 13 raparigas, com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos,

    viviam maioritariamente fora do centro, embora em localidades prximas. A maior

    parte destes alunos pretendia concluir o ensino secundrio e obter um curso

    universitrio.

    No geral, os alunos da turma eram interessados e estavam motivados para a

    aprendizagem do espanhol, facto verificado pela adeso dos alunos s tarefas propostas.

    15 Citado de: http://www.esmlaranjeira.net/regulamentacao/proj_curricular/proj_curricular31.html

    (consultado em 21/12/2010)

  • Captulo III Pgina 42

    Assim que, por vezes, a participao era bastante confusa devido sua vontade em

    participar de forma sistemtica.

    c) Objetivos especficos: introduzir o lxico alusivo aos materiais que se podem

    encontrar na sala de aula; consolidar o lxico introduzido; reconhecer semelhanas e

    diferenas entre a Lngua Materna e a Lngua Alvo; introduzir e consolidar o uso das

    preposies de lugar; produzir breves textos orais e escritos na Lngua Alvo;

    d) Contedos a lecionar:

    atitudinais: valorizar a realidade cultural apresentada em sala de aula;

    valorizar a relao de semelhana/diferena entre a Lngua e a Cultura

    Materna e a Alvo;

    comunicativos: descrever imagens; identificar objetos da sala de aula;

    descrever objetos da sala de aula; opinar sobre a realidade apresentada

    em sala de aula;

    culturais: reconhecer a relao de semelhana/diferena entre a Lngua

    e a Cultura Materna e a Alvo; identificar diferenas/semelhanas entre o

    sistema educativo nativo e o estrangeiro;

    procedimentais: ativar conhecimentos prvios para identificar objetos e

    compreender os vdeos; inferir o significado de termos desconhecidos;

    extrair dos enunciados orais informao especfica; utilizar estratgias

    pessoais para superar problemas de compreenso.

    lexicais: campo lexical dos objetos e material da sala de aula; as

    preposies de lugar;

    e) Contexto das atividades: as atividades propostas inserem-se numa aula de

    noventa minutos na primeira aula do estgio pedaggico. Esta aula foi lecionada em

  • Captulo III Pgina 43

    outubro, ou seja, no incio do ano letivo, no comeo do processo de aprendizagem da

    Lngua Estrangeira.

    f) Desenvolvimento e avaliao das atividades: nesta aula, lecionada como

    Regncia Zero, o tema foi introduzido atravs da explorao de um anncio

    publicitrio16

    das Farmacias Arrocha. Numa primeira visualizao foi pedido aos

    alunos que observassem o vdeo pois teriam que descrever o que nele se passava (uma

    me preparava os filhos e levava-os a uma loja para adquirir material escolar). Numa

    fase posterior, foi pedido aos alunos que visualizassem o vdeo uma segunda vez e que

    preenchessem um exerccio de escolha mltipla, onde deveriam marcar as palavras que

    conseguiam identificar quando ouviam a msica publicitria. Posteriormente foi

    esclarecido e trabalhado o vocabulrio que constava na ficha de trabalho (Anexo 1, pg.

    73). Selecionei esta atividade porque as observaes dos alunos em relao ao vdeo

    projetado foram pertinentes. Os alunos atentaram no facto da loja se chamar farmcia.

    Esta associao relacionou-se com o reconhecimento da palavra na Lngua Materna e o

    relacionamento da mesma com o conceito que lhes era familiar. De acordo com Neuner,

    comum ao deparar-nos com conceitos ou acontecimentos da Lngua/Cultura Alvo que

    nos fazem lembrar algo familiar e os filtremos segundo o nosso contexto sociocultural

    (NEUNER, 2003:47). Assim sendo, neste momento foi necessrio esclarecer que,

    apesar de se chamar farmcia, na verdade trata-se de um conceito de loja parecido com

    o de um hipermercado. Este esclarecimento foi deveras pertinente pois a comunicao

    depende da congruncia de imagens do mundo e da Lngua interiorizadas pelas pessoas

    implicadas (Conselho da Europa, 2001:147).

    Aps a visualizao foi pedido aos alunos que comentassem o vdeo. Direcionei

    os seus comentrios para a realidade do vdeo:

    se este anncio era parecido com os que realizam em Portugal: os alunos indicaram

    que de facto era bastante parecido, mormente no que concerne ao ritmo da msica

    usada;

    16 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=ucMcX01F5SU&feature=related

  • Captulo III Pgina 44

    se gostavam/gostam de comprar material escolar novo no incio do ano letivo: alguns

    disseram que era essencial uma mochila, estojo e vrios cadernos, que no gostavam de

    reutilizar os cadernos do ano anterior;

    se quando eram da idade das crianas no vdeo se entusiasmavam no momento de ir

    comprar o material escolar: vrios alunos responderam que sim, que gostavam de

    escolher o material dos seus heris preferidos mas que agora preferiam cadernos pretos,

    pois gostavam de personaliz-los.

    A reflexo sobre os contedos do vdeo foi importante para estabelecer laos

    entre comportamentos transversais s duas culturas. importante, desde o incio da

    aprendizagem de uma Lngua e Cultura Estrangeira, estabelecer pontos comuns para

    criar uma relao de empatia que permitir uma aprendizagem significativa. por isso

    importante, partir de modelos familiares para refletir sobre o eu e depois sobre outro.

    Delors acredita que o conhecimento das outras culturas torna-nos, pois conscientes da

    singularidade da nossa prpria cultura, mas tambm da existncia de um patrimnio

    comum ao conjunto da humanidade (DELORS, 2000:42).

    Dado que se tratava de uma turma do dcimo ano, com uma capacidade

    cognitiva bastante desenvolvida, o vocabulrio relacionado com o tema foi amplamente

    tratado. No entanto, decidi que seria mais vantajoso introduzi-lo de forma faseada e

    atravs de diferentes tipos de atividades que pudessem centrar-se em diferentes estilos

    de aprendizagem (cf. Anexo 1, pg. 73/74).

    Num momento posterior, proponho uma atividade de ampliao de vocabulrio

    que consistia no relacionamento de palavras com a sua respetiva definio (Anexo 1,

    pg.74). Esta obrigou os alunos a ativar conhecimentos prvios e a estabelecer uma

    relao de comparao com a LM. Esta verificao da existncia de uma relao de

    semelhana com a LM deveras importante, pois as lnguas no so armazenadas em

    divises mentais independentes. Para a construo da CC contribui todo o

    conhecimento e experincia das lnguas e na qual as lnguas se inter-relacionam e

    interagem (Conselho da Europa, 2001:23). Tambm Bolvar corrobora as vantagens de

    uma aprendizagem integrada das lnguas, uma vez que as capacidades lingusticas no

  • Captulo III Pgina 45

    so estanques, pelo contrrio, integram-se e relacionam-se (BOLVAR, 2008:37). Neste

    sentido importante valorizar as vantagens que o papel da LM tem na aprendizagem de

    uma nova lngua, ampliando desta forma a competncia comunicativa.

    Posteriormente foi pedido aos alunos que visualizassem um outro vdeo17 sobre

    uma aluna que apresentava o seu material escolar e a sua sala de aula. Esta atividade

    tinha por objetivo aplicar os contedos lexicais previamente introduzidos para

    interpretar um vdeo. Durante uma primeira visualizao foi pedido aos alunos que

    resolvessem um exerccio de escolha mltipla na ficha de trabalho (Anexo 2, pg. 75).

    Atravs do vdeo, os alunos puderam contactar com uma realidade diferente da

    sua, dado que a sala de aula em que a aluna se inseria apresentava vrias diferenas com

    a realidade do sistema de ensino portugus. O contedo do vdeo foi explorado

    oralmente atravs do questionrio dirigido. Foi pedido aos alunos que identificassem

    algumas diferenas que observaram em relao sua realidade quando tinham a idade

    da aluna presente no vdeo. Algumas da diferenas apontadas pelos alunos prendem-se

    com o espao fsico da sala de aula (o mobilirio mesas individuais; o material

    tecnolgico presente a presena da televiso, vdeo e computador e projetor; a

    quantidade de dicionrios presente e psteres informativos ou com trabalhos dos alunos)

    e espao psicolgico (o facto da aluna se referir professora pelo seu sobrenome). Este

    contraste com a sua realidade importante para a sua formao, pois atravs do

    contacto com outra realidade escolar, os alunos ampliaram o seu universo cultural,

    conheceram uma realidade diferente da sua, tornando assim o seu conhecimento do

    mundo mais rico.

    Atravs destas atividades, os alunos ampliaram os seus conhecimentos sobre

    uma Lngua e Cultura Estrangeira. O facto de poderem visualizar outros jovens

    inseridos numa realidade diferente da sua e comparar com o seu contexto permite-lhes

    desenvolver uma maior conscincia de que existe um Outro, que se insere num contexto

    social diferente do seu. Segundo Delors, uma das tarefas principais da educao,

    17 Fonte: http://www.videoele.com/A1_Voy_al_instituto.html

  • Captulo III Pgina 46

    prende-se com a necessidade de preparar cada indivduo para se compreender a si

    mesmo e ao outro, atravs de um melhor conhecimento do mundo (DELORS,

    2000:41).

    No geral, as atividades propostas receberam bastante interesse por parte dos

    alunos. O primeiro vdeo trabalhado foi muito motivador pois marcou os alunos pela

    diferena, ou seja, pelo ritmo, mantendo-os atentos aos contedos trabalhados e

    participativos. Compreenderam de forma clara o que foi pedido e reagiram de forma

    adequada. Em relao ao segundo vdeo trabalhado, verifiquei que os objetivos de

    aprendizagem propostos em momentos anteriores da aula tinham sido atingidos dado

    que os alunos aplicaram bastante vocabulrio ao descrever o vdeo. Alm disso, no se

    mostraram inibidos no momento de comparar o sistema educativo apresentado com a

    sua realidade escolar.

    3.2.2. Atividades da Regncia 1 e 2

    a) Tema de unidade: La descripcin fsica y psicolgica: profesores y alumnos

    b) Turma e nvel: turma de dcimo ano (E), nvel iniciao (A1), formao

    especfica

    c) Objetivos especficos: adquirir e consolidar vocabulrio relativo descrio

    fsica e psicolgica; refletir sobre caractersticas gerais da subcultura dos alunos;

    valorizar o conhecimento de aspetos culturais como enriquecimento pessoal;

    d) Contedos a lecionar:

    atitudinais: valorizar a riqueza cultural de pases estrangeiros; respeitar

    a opinio dos colegas; participar de forma refletida e ordenada;

    comunicativos: descrever imagens; expressar opinio; enumerar

    caractersticas fsicas e psicolgicas;

  • Captulo III Pgina 47

    culturais: conhecer uma banda hispnica; contactar com uma pgina de

    redes sociais utilizada pelos alunos na Lngua Alvo; refletir sobre traos

    e comportamentos culturais;

    procedimentais: ativar conhecimentos prvios para compreender e

    produzir enunciados orais e escritos; compreender enunciados escritos e

    orais; produzir enunciados orais e escritos gramaticalmente corretos;

    inferir o significado de lxico desconhecido;

    lexicais: campo lexical da descrio fsica e psicolgica; as oraes

    coordenadas e disjuntivas; as oraes simples com ser e tener;

    e) Contexto das atividades: as atividades propostas inserem-se na segunda aula

    da unidade didtica das Regncias 1 e 2, dedicada ao campo lexical da descrio fsica e

    psicolgica. Esta unidade, lecionada ainda no incio de ano letivo, teve por tema os

    professores e alunos. Pareceu-me que seria interessante personalizar o tema da unidade

    centrando-me na realidade da sala de aula dos alunos, de forma a conseguir motiv-los

    para que a aprendizagem se tornasse eficaz (FERNNDEZ, 2009:18). Neste sentido, ao

    longo da primeira aula foi trabalhado o tema da descrio fsica, o qual se centrou na

    professora orientadora e nas professoras estagirias que viriam a promover atividades na

    turma. Partindo das particularidades fsicas das professoras, foi introduzida e trabalhada

    a respetiva rea lexical. Na segunda aula da unidade, o tema foi centrado nos

    esteretipos de alunos que existem na sala de aula, abordando o tema desde uma

    perspetiva ldica.

    f) Desenvolvimento e avaliao das atividades: para introduzir o lxico do

    campo lexical da descrio psicolgica foi usada uma projeo com animaes

    representando esteretipos de caractersticas dos alunos. Foi pedido aos alunos que

    descrevessem a imagem usando apenas uma palavra. Esta era posteriormente projetada

    e registada na ficha de trabalho que acompanhava a projeo (Anexo 3, pg. 76). Ao

    utilizar uma palavra para descrever uma imagem os alunos estavam a verbalizar a sua

    representao mental, descodificando assim o seu significado. Por outras palavras,

  • Captulo III Pgina 48

    partindo de uma representao mental, a qual era partilhada por um grupo, uma vez que

    a verbalizao da representao no era dspar, os alunos confirmaram que possuam

    uma perceo do mundo partilhada (NEUNER, 2003:46). Pareceu-me tambm

    significativo, o facto de reconhecerem um smbolo internacional expresso pela imagem

    J (Anexo 3, pg. 76), que conduziu interpretao da imagem como ligada ao mundo

    das crianas. Outro aspeto relevante foi o facto de, atravs de um dilogo com os

    alunos, os mesmos reconhecerem que muitas vezes lhes colocada uma etiqueta social

    sobre um trao caracterstico como por exemplo, o falador, o gozo, o distrado, e

    definidos por ele. No entanto, os alunos refletiram sobre os seus comportamentos, no

    se limitando a usar apenas uma caracterstica para se definirem, mas vrias. Para

    exemplificar, um aluno mencionou que, por vezes, fazia desenhos nos cadernos e os

    professores e colegas pensavam que ele estava distrado quando na realidade conseguia

    ouvir os mesmos e prestar ateno ao que estava a ser tratado. Esta desconstruo dos

    esteretipos essencial para a formao do indivduo e um passo importante para o seu

    desenvolvimento emocional e para a forma como se relaciona socialmente. Todos os

    indivduos estabelecem relaes com grupos sociais que definem a sua identidade

    (Conselho da Europa, 2001:19), neste caso, os alunos identificaram um conjunto de

    traos comuns que os define como o grupo dos estudantes. Esta conscincia daquilo que

    os une promove o seu sentido de identidade. pois importante trazer para a sala de aula

    as diferentes subculturas, pois em cada pas convivem grupos sociais diferentes

    (HERMIDA & BENAVENTE, 2002:4).

    Num momento posterior da aula foi trabalhada uma cano da banda Los Twist

    sobre um estudante, retratado de forma irnica como ideal18. A escolha deste recurso

    assentou na premissa de que a msica aparece como um vector privilegiado da

    abertura e do intercmbio culturais e um instrumento eficaz para o intercultural

    (PEROTTI, 2003:68), pois motiva para a aprendizagem e veicula referentes culturais,

    que podem ser explorados em contexto de sala de aula. Assim, no mbito do vdeo que

    acompanhava a cano, os alunos observaram que os estudantes seriam do tempo dos

    18 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=Vb3tn026_4I

  • Captulo III Pgina 49

    seus avs: usavam batas, uma bolsa lateral ao invs da mochila, recebiam castigos

    fsicos e psicolgicos). Os alunos indicaram que estavam conscientes que atualmente os

    professores no podiam usar mtodos fsicos para disciplinar os alunos. No entanto,

    admitiram que existiam colegas que no respeitavam a autoridade dos professores.

    Acrescentaram que naquela poca os alunos tinham medo dos professores, pois os

    mesmos recorriam frequentemente a castigos fsicos, verificando-se assim um forte

    contraste entre o sistema de ensino no passado e hoje em dia. Esta reflexo revela que

    os alunos reconheceram que os comportamentos socialmente aceitveis, tanto pelos

    professores como pelos alunos, podem variar transversalmente no mbito de uma

    mesma cultura. Neste sentido, este estudo atomizado de contedos culturais, tal como

    defendido por Boas (in BRONTE & IZARD, 1991:193/4), permitir aos alunos aceitar

    que os valores culturais podem variar no s segundo um contexto histrico e social,

    mas tambm entre duas culturas, criando desta formas pontes para o encontro

    intercultural.

    Ainda em relao letra da msica, foi explicado aos alunos que o sistema de

    educao argentino diferente do portugus. Enquanto em Portugal existem trs ciclos

    de ensino bsico e o ensino secundrio, na Argentina os ciclos de estudos dividem-se

    em primrio e secundrio, cada um com seis anos, referidos como grados. Estas

    informaes foram pertinentes para o alargamento conceptual de sistema educativo dos

    alunos. Ao constatar diferenas entre o sistema educativo argentino e o portugus, os

    alunos perceberam que a realidade portuguesa no a nica, que existem outros

    sistemas educativos com outras regras. Esta conscincia alargada ajuda a colocar

    ambas as culturas em contexto (Conselho da Europa, 2002:150) e a fomentar o dilogo

    intercultural.

    Em seguida, foi pedido aos alunos que realizassem a ficha de trabalho (Anexo 4,

    pg. 77) centrada na reflexo sobre os traos do estudante da cano e que refletissem

    sobre a sua postura enquanto estudantes. Na resoluo destes exerccios os alunos foram

    bastante honestos ao descreverem-se, facto observado pelas reaes e comentrios dos

    colegas da turma, dado que j se conheciam de anos anteriores.

  • Captulo III Pgina 50

    Numa fase final da unidade e da aula foi pedido aos alunos que realizassem uma

    tarefa final que teve como ponto de partida um referente cultural que j faz parte do

    universo de todos: criar um perfil numa pgina das redes sociais (Anexo 5, pg. 79).

    Atravs desta atividade, levada a cabo ativando as competncias adquiridas num

    momento anterior, o