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TÍTULO: SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO: INFLUÊNCIAS E CAMINHOS PERCORRIDOS NA REALIDADE BRASILEIRA AUTORA: Evelyn Secco Faquin EIXO TEMÁTICO: EIXO II – O debate sobre as teorias críticas na formação profissional (El debate sobre las teorias críticas en la formación profesional) INSTITUIÇÃO: Doutoranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e Docente do Curso de Serviço Social da Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (FAFIPA). ENDEREÇO: Avenida Paraná, nº 1374, Apto. 2, Jardim América, Paranavaí/PR, CEP: 87705-190, Brasil. TELEFONES: (44) 3045-5443 residencial / (44) 9831-2303 celular ESPECIFICIDADE DO TRABALHO: O presente trabalho é resultado de uma pesquisa bibliográfica. RESUMO: O presente ensaio tem por objetivo realizar um breve resgate do processo percorrido pelo Serviço Social para se constituir enquanto profissão na realidade brasileira. Para sua construção nos valemos de uma revisão de literatura, a qual aborda a emergência do Serviço Social enquanto profissão, o Serviço Social no Brasil, Movimento de Reconceituação, Serviço Social na contemporaneidade e a conformação do Projeto Ético-Político da profissão. Palavras-Chave: Serviço Social; Movimento de Reconceituação; Projeto Ético-Político. Introdução O Serviço Social como profissão vem trilhando um árduo caminho em busca de sua consolidação e rompimento com práticas conservadoras. Caminho este repleto de lutas e resistências. Durante esse processo a profissão foi influenciada por matrizes teórico metodológicas que ora levavam a uma prática de ajustamento e ora possibilitam um posicionamento crítico. A categoria profissional muito se mobilizou por meio de movimentações sociais e releituras do seu próprio fazer para que tivéssemos o perfil profissional que temos hoje, tendo consciência de que existem em seu bojo processos de continuidade e ruptura. Dessa forma o presente trabalho objetiva realizar um breve resgate do processo percorrido pelo Serviço Social para se constituir enquanto profissão na realidade brasileira. Não tendo a pretensão de esgotar as diversas problematizações necessárias acerca desse assunto. A emergência do Serviço Social enquanto profissão De acordo com Martinelli (2003) o modo de produção capitalista é extremamente antagônico e contraditório, sua origem deriva desde os tempos feudais. No entanto, foi a partir da Revolução Industrial, no século XIX, que seus efeitos começaram a ser sentidos mais profundamente pela sociedade. “Com o capitalismo se institui a sociedade de classes e se plasma um novo modo de relações sociais, mediatizadas pela posse privadas de bens. O capitalismo gera o mundo da cisão, da ruptura, da exploração da maioria pela minoria [...]” (MARTINELLI, 2003, p. 54). Segundo Netto (2001), no último quartel do século XIX, o capitalismo passa por intensas inflexões em seu ordenamento, o que corresponde à passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista, acarretando em modificações na sociedade. O capitalismo monopolista eleva as contradições existentes na sociedade, como a alienação e a exploração da classe trabalhadora.

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TÍTULO: SERVIÇO SOCIAL COMO PROFISSÃO: INFLUÊNCIAS E CAMINHOS PERCORRIDOS NA REALIDADE BRASILEIRA

AUTORA: Evelyn Secco Faquin

EIXO TEMÁTICO: EIXO II – O debate sobre as teorias críticas na formação profissional (El debate sobre las teorias críticas en la formación profesional)

INSTITUIÇÃO: Doutoranda do Programa de Estudos Pós-Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e Docente do Curso de Serviço Social da Faculdade Estadual de Educação, Ciências e Letras de Paranavaí (FAFIPA).

ENDEREÇO: Avenida Paraná, nº 1374, Apto. 2, Jardim América, Paranavaí/PR, CEP: 87705-190, Brasil.

TELEFONES: (44) 3045-5443 residencial / (44) 9831-2303 celular

ESPECIFICIDADE DO TRABALHO: O presente trabalho é resultado de uma pesquisa bibliográfica.

RESUMO: O presente ensaio tem por objetivo realizar um breve resgate do processo percorrido pelo Serviço Social para se constituir enquanto profissão na realidade brasileira. Para sua construção nos valemos de uma revisão de literatura, a qual aborda a emergência do Serviço Social enquanto profissão, o Serviço Social no Brasil, Movimento de Reconceituação, Serviço Social na contemporaneidade e a conformação do Projeto Ético-Político da profissão.

Palavras-Chave: Serviço Social; Movimento de Reconceituação; Projeto Ético-Político.

Introdução

O Serviço Social como profissão vem trilhando um árduo caminho em busca de sua consolidação e rompimento com práticas conservadoras. Caminho este repleto de lutas e resistências.

Durante esse processo a profissão foi influenciada por matrizes teórico metodológicas que ora levavam a uma prática de ajustamento e ora possibilitam um posicionamento crítico.

A categoria profissional muito se mobilizou por meio de movimentações sociais e releituras do seu próprio fazer para que tivéssemos o perfil profissional que temos hoje, tendo consciência de que existem em seu bojo processos de continuidade e ruptura.

Dessa forma o presente trabalho objetiva realizar um breve resgate do processo percorrido pelo Serviço Social para se constituir enquanto profissão na realidade brasileira. Não tendo a pretensão de esgotar as diversas problematizações necessárias acerca desse assunto.

A emergência do Serviço Social enquanto profissão

De acordo com Martinelli (2003) o modo de produção capitalista é extremamente antagônico e contraditório, sua origem deriva desde os tempos feudais. No entanto, foi a partir da Revolução Industrial, no século XIX, que seus efeitos começaram a ser sentidos mais profundamente pela sociedade.

“Com o capitalismo se institui a sociedade de classes e se plasma um novo modo de relações sociais, mediatizadas pela posse privadas de bens. O capitalismo gera o mundo da cisão, da ruptura, da exploração da maioria pela minoria [...]” (MARTINELLI, 2003, p. 54).

Segundo Netto (2001), no último quartel do século XIX, o capitalismo passa por intensas inflexões em seu ordenamento, o que corresponde à passagem do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista, acarretando em modificações na sociedade. O capitalismo monopolista eleva as contradições existentes na sociedade, como a alienação e a exploração da classe trabalhadora.

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O autor acrescenta que a classe burguesa alcança sua maturidade com a emergência do capitalismo monopolista, que viabiliza o controle dos mercados para assim aumentar os lucros capitalistas.

Além disto, a ordem monopólica propicia fenômenos como: aumento progressivo dos preços das mercadorias e serviços ofertados pelo monopólio; aumento da taxa de lucro nos setores monopolizados; acréscimo da taxa de acumulação; centralização dos investimentos nos setores de maior concorrência; admissão de novas tecnologias, acarretando no aumento da tendência de economizar trabalho vivo; e aumento do exercito industrial de reserva.

Com todas as modificações ocorridas na sociedade surge à necessidade de mais mão-de-obra, mas para resolver este problema era preciso transferir os trabalhadores das aldeias para as cidades. No entanto, existia, por exemplo, na Inglaterra, vários dispositivos legais que limitava o trabalhador a sua aldeia. Esses dispositivos impediam a vontade do capital que era ter a livre circulação dos trabalhadores, tendo estes à liberdade de trabalho, comércio e religiosa. A burguesia pretendia com essa liberdade aos trabalhadores expandir as bases do capitalismo (MARTINELLI, 2003).

O Estado revogou vários dispositivos que restringiam o trabalhador, tornando este livre, contudo esta correspondia a liberdade ao consumo, essencial para o desenvolvimento e acumulação do sistema capitalista.

Sobre a intervenção do Estado, Netto (2001) ressalta que no capitalismo concorrencial o Estado apenas intervinha nos momentos de crises, de forma pontual, contudo, na ordem monopólica o Estado passa a intervir de forma contínua e sistemática, se tornando um poder político e econômico, que exerce várias funções, tanto diretas como indiretas, visando manter os superlucros do capitalismo monopolista.

A real intenção do capital com essa liberdade ao trabalhador era de aumentar o exército industrial de reserva disponível para expansão do capital (MARTINELLI, 2003).

A autora ainda descreve que para explicar a liberdade de trabalho e crença religiosa, o capital aderiu ao discurso da igualdade de todos, através do qual a burguesia encobria a grande desigualdade existente entre as classes e a verdadeira finalidade dessa liberdade, que se resumia em facilitar a livre concorrência, mecanismo indispensável ao desenvolvimento do mercado capitalismo.

No decorrer da primeira metade do século XIX, os trabalhadores estavam desorganizados e se constituíam em uma classe heterogênea, devido à rápida ampliação da mão-de-obra, valendo-se desta situação a burguesia, com seu poder de classe, manipulou os salários dos trabalhadores e as condições de trabalho destes.

Contudo isto se modifica, nos fins da primeira metade do século XIX, pois os trabalhadores se organizam e ampliaram suas lutas coletivas. Com a expansão do movimento operário, que reivindicava questões trabalhistas e sindicais, os trabalhadores conseguiram conquistas trabalhistas que além de diminuir a violência do cotidiano fortaleceu a luta coletiva dos trabalhadores.

Os burgueses preocupados com o fortalecimento do movimento trabalhista buscaram estratégias de controlar esse movimento. “O esforço conjunto dos capitalistas e do próprio Estado liberal burguês centrava-se no objetivo de dar ao seu poder político uma estabilidade plena, tanto quanto possível, tornando-o intocável pelos trabalhadores e irreversível historicamente” (MARTINELLI, 2003, p.60).

Os capitalistas se inquietavam com a ampliação do movimento dos trabalhadores, e ainda com o crescente aumento dos problemas sociais decorrentes da expansão do sistema capitalismo.

Tal expansão deixava a burguesia muito apreensiva, pois era um retrato vivo daquilo que, até mesmo como estratégia de autopreservação do capitalismo, pretendia ocultar: a face da exploração, da opressão, da dominação, da acumulação da pobreza e da generalização da miséria. Era crucial para o capitalismo manter sempre escondida, ou no mínimo dissimulada, essa massacrante realidade por ele produzida, evitando que suas próprias contradições e antagonismos constituíssem fatores propulsivos da organização do proletariado e da estruturação de sua consciência de classe (MARTINELLI, 2003, p. 60-61).

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Para o capitalismo continuar a se desenvolver é necessário que este mascare as diversidades existentes entre os trabalhadores e os burgueses, que detém os meios de produção. É fundamental para os capitalistas que a classe trabalhadora não tome consciência da exploração que é submetida diariamente, para assim evitar que esta classe se una contra essa exploração.

De acordo com Martinelli (2003) o capital utilizou-se da racionalização da prática social como estratégia para consolidar o modo de produção capitalista, com o objetivo de racionalizar a assistência, a burguesia se aproximou dos agentes que desenvolviam ações filantrópicas, para poder através, desta prática social, chegar às famílias trabalhadoras, a fim de desmobilizar suas reivindicações.

Com o discurso da igualdade e da harmonia entre as classes, a burguesia queria disseminar entre os operários a idéia de que a sociedade se preocupava com a vida dos trabalhadores. Desse modo a burguesia conseguiu tornar a prática social um instrumento ao seu favor que auxiliava na alienação do trabalhador. Porém, na década de 1860, o capitalismo entra em uma de suas crises cíclicas e constantes. Neste período de crise o movimento dos trabalhadores se fortalece.

Para tentar oprimir os movimentos dos trabalhadores a burguesia, a igreja e o Estado se unem para conter a classe trabalhadora. Como fruto desta união foi criado na Inglaterra a Sociedade de Organização da Caridade, em 1869, reunindo os reformistas sociais para que estes assumissem a responsabilidade pela racionalização e pela normatização da prática da assistência. “Surgiram, assim, [...] os primeiros assistentes sociais, como agentes executores da prática da assistência social, atividade que se profissionalizou sob dominação de ‘Serviço Social’, acentuando seu caráter de prática de prestação de serviços” (MARTINELLI, 2003, p.66).

De acordo com Martinelli (2003) o surgimento do Serviço Social tem um profundo envolvimento com o projeto hegemônico do poder burguês, a profissão era entendida como uma prática a serviço dos trabalhadores, no entanto foi utilizado pelo capitalismo como uma forma de controlar a classe trabalhadora, influenciando no comportamento destes indivíduos perante a sociedade, com o intuito de manter as taxas de acumulação elevadas.

Portanto o Serviço Social tem sua origem atribuída ao capitalismo, nasce como um mecanismo de controle social com o objetivo de garantir a consolidação do sistema capitalista e encobrir a exploração e dominação da classe subalterna.

Quanto à origem do Serviço Social como profissão Netto (2001, p.69) descreve “é somente na intercorrência do conjunto de processos econômicos, sócio-político e teórico-culturais que [...] se instaura o espaço histórico-social que possibilita a emergência do Serviço Social como profissão”.

A emergência da profissão seria decorrente de um processo cumulativo da organização da filantropia, que no desenvolver de suas práticas incorporou parâmetros teórico-científicos. Esta tese aparece em diversos autores que escrevem sobre o Serviço Social. Contudo esta tese provém da relação de continuidade entre o Serviço Social profissional e as práticas filantrópicas e assistenciais existentes desde o surgimento da sociedade burguesa.

Esta continuidade se explica pelo fato de que nenhuma profissão se cria sem embasamentos, a construção de uma profissão se inicia com os agentes profissionais desenvolvendo práticas preexistentes, e, portanto, como foi o caso do Serviço Social, esses agentes podem utilizar suportes institucionais anteriores por um período de tempo (NETTO, 2001).

No entanto, não é a relação de continuidade que explica a constituição do Serviço Social como profissão, e sim a relação de ruptura que “[...] se revela no fato de, pouco a pouco, os agentes começarem a desempenhar papéis executivos em projetos de intervenção cuja funcionalidade [...] está posta por uma lógica e uma estratégia objetiva que independe da sua intencionalidade“ (NETTO, 2001, p. 71).

A partir do momento em que os agentes começam a desenvolver práticas que são desvinculadas das instituições em que se desenvolvem as protoformas do Serviço Social e se vinculam a instituições diversas é que estes agentes se profissionalizam e se inserem no mercado de trabalho. Referente a isto Netto (2001) ressalta:

Ora, um tal mercado não se estrutura, para o agente profissional, mediante as transformações ocorrentes no interior do seu referencial ou no marco de sua prática [...]; na emergência profissional do Serviço Social, não é este que se constitui para criar um dado espaço na rede sócio-ocuapacional, mas é a existência deste espaço que leva à constituição profissional. [...] É somente na

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ordem societária comandada pelo monopólio que se gestam as condições histórico-sociais para que, na divisão social (e técnica) do trabalho,constitua-se um espaço em que se possam mover práticas profissionais como as da assistente social. A profissionalização do Serviço Social não se relaciona decisivamente à ‘evolução da ajuda’, à ‘racionalização da filantropia’ nem à ‘organização da caridade’; vincula-se à dinâmica da ordem monopólica (NETTO, 2001, p.73).

A profissionalização do Serviço Social ocorre com a transição do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista, mediante o estabelecimento de um espaço na divisão sócio-técnica do trabalho devido o agravamento da questão social, onde a base para esta profissionalização está na forma como o Estado burguês vai enfrentar a questão social, que resultou na intervenção através da política social.

O Estado necessitava de profissionais que planejassem, formulassem e executassem as políticas sociais, para assim intervir na questão social. Está posto o espaço sócio ocupacional do assistente social, que se responsabilizam pela execução das políticas sociais. Estes agentes se laicizam por meio do desempenho de funções, atribuições e execução provenientes da ocupação deste espaço.

Através da política social o Estado burguês passa a intervir nas expressões da questão social, objetivando a preservação e o controle da força de trabalho, para assim assegurar o desenvolvimento do capitalismo monopolista.

O Serviço Social é capturado pela ordem burguesa, tendo seus agentes à função de executores da política social, instituídas como respostas as exigências da ordem monopólica. No entanto, na medida em que o Serviço Social vai caminhando em sua profissionalização ele deixa de ser vinculado apenas com a burguesia e torna-se permeável a outros projetos sócio-político.

A primeira escola de Serviço Social foi criada na cidade de Nova York, em 1898, sob influência de Mary Richmond (1861-1928)1, e recebeu o nome de Escola de Filantropia Aplicada (Training School in Applied Philantropy), sendo criada com o objetivo de qualificar os agentes para atuação profissional . Esta escola impulsionou o processo de profissionalização e institucionalização do Serviço Social. Após a criação da primeira escola de Serviço Social várias foram surgindo, sendo que na Europa a primeira escola de Serviço Social, foi fundada em 1899, na cidade de Amsterdã.

O Serviço Social no Brasil

Na América Latina a emergência do Serviço Social está relacionada ao modo como cada país absorveu o processo de industrialização, que desencadeou no surgimento de novas classes sociais, necessárias as relações de produção embasadas na exploração e alienação do trabalhador (CASTRO, 2003).

Segundo Martinelli (2003) no Brasil o Serviço Social surge nos primeiros anos da década de 1930, como fruto da iniciativa de vários setores da burguesia, respaldado pela Igreja Católica, seguindo o modelo do Serviço Social europeu. De acordo com Iamamoto (2008, p.91-92) a origem do Serviço Social “está imbricada no amplo movimento social em que a Igreja, buscando uma presença mais ativa [...] avança de uma postura contemplativa para a recuperação de áreas de influência ameaçadas pela secularização e pelo redimensionamento do Estado”.

O Serviço Social “surge da iniciativa particular de grupos e frações de classe, que se manifestam, principalmente, por intermédio da Igreja Católica. Possui em seu início uma base social bem delimitada e fontes de recrutamento e formação de agentes sociais” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000, p.127). Portanto, o campo de atuação dos assistentes sociais era delimitado pela Igreja Católica e pela burguesia, o que restringia a atuação profissional, bem como os espaços sócio-ocupacionais destes profissionais.

No início o Serviço Social no Brasil baseou-se na atuação dos profissionais europeus, que tinham como método central o atendimento de casos individuais. Os assistentes sociais brasileiros foram movidos pelo agir imediato, pela ação espontânea, alienada e alienante,

1 É considerada uma das fundadoras da profissão de Serviço Social, dirigiu a Sociedade de Organização de Caridade de Baltimore, o Movimento de Desenvolvimento de Escolas de Formação para Assistentes Sociais. Também foi responsável pelo desenvolvimento do primeiro programa de ensino em serviço social.

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executando práticas que reproduziam os interesses da classe dominante (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000; MARTINELLI, 2003).

Os autores ainda descrevem que no Brasil a implantação do Serviço Social ocorre em um contexto histórico de reivindicação dos trabalhadores, pois neste período o país passa por um profundo processo de industrialização, sendo os trabalhadores submetidos a condições precárias de trabalho, salários irrisórios, jornada de trabalho exaustiva, entre outros fatores.

Diante deste quadro de extrema exploração, o proletariado se fortaleceu em seus movimentos de reivindicação e a questão social tornou-se visível na sociedade brasileira. Portanto, a classe dominante precisava controlar a força de trabalho, para continuar seu processo de acumulação e alienação da classe proletária.

Neste período, o Estado se une a Igreja a fim de fortalecer seus mecanismos de controle social, para assim amenizar/acalmar a classe trabalhadora. A Igreja através desta união restaura seus antigos privilégios e adquirem novos.

A profissionalização do Serviço Social acontece quando os trabalhadores emergem na cena política lutando por seus direitos. Diante deste contexto, o Estado encontra novas estratégias para canalizar as reivindicações dos trabalhadores.

Essas estratégias consistem na ampliação do Estado, que passa a administrar o conflito de classe, buscando não apenas de modo coercitivo, mas de maneira consensual respostas para enfrentar a questão social, que se agrava na ordem monopólica (BRAVO e MATOS, 2009).

O Estado então implanta políticas sociais e leis sociais que atendem as reivindicações dos trabalhadores (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000).

Diante desta iniciativa do Estado, surgem e se desenvolvem as grandes instituições assistenciais. Com a criação destas instituições “o mercado de trabalho se amplia para o Serviço Social e este rompe com o estreito quadro de sua origem para se tornar uma atividade institucionalizada e legitimada pelo Estado e pelo conjunto das classes dominantes” (IAMAMOTO, 2008, p.93).

Quanto à ação estatal neste período Bravo e Matos (2009) ressaltam:

O Estado, ao centralizar a política sócio-assistencial efetivada através da prestação de serviços sociais, cria as bases sociais que sustentam um mercado de trabalho para o assistente social. O Estado e os estratos burgueses tornam-se uma das molas propulsoras dessa qualificação profissional, legitimada pelo poder. O Serviço Social deixa de ser um mecanismo da distribuição da qualidade privada das classes dominantes – rompendo com a tradicional filantropia – para transformar-se em uma das engrenagens da execução das políticas públicas e de setores empresariais [...] (BRAVO e MATOS, 2009, p. 172).

No momento em que o Serviço Social se insere na divisão sócio-técnica do trabalho,

através da intervenção do Estado no agravamento da questão social, por meio da política social, este rompe com os traços filantrópicos para se constituir em uma profissão, na qual seus agentes desempenham o papel de executores da política social, e assim se inserem no mercado de trabalho.

Yazbek (2009) afirma que o Serviço Social brasileiro incorpora no seu processo de institucionalização idéias e conteúdos doutrinários do pensamento social da Igreja Católica e também matrizes teórico metodológicas acerca do conhecimento do social na sociedade burguesa.

Essas influências, segundo a autora, permearam o desenvolvimento da profissão em seu processo de consolidação/institucionalização, estando presentes até os dias atuais.

No que se refere aos conteúdos doutrinários do pensamento social da Igreja Católica, imprime à profissão um caráter de apostolado, tendo a questão social como problema moral e religioso. Sua intervenção prioriza a formação da família e do indivíduo para que com isso possa solucionar problemas e prestar atendimento às suas necessidades materiais, morais e sociais. Assim há uma perspectiva de integração à sociedade, às relações sociais estabelecidas na ocasião.

Yazbek (2009) coloca que essa aproximação com o ideário católico fundamentou a elaboração dos primeiros objetivos político/sociais da profissão. Esses objetivos, por sua vez, se orientavam por prerrogativas de cunho humanista conservador, contrários aos ideários liberal e

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marxista, buscando uma espécie de retomada da hegemonia do pensamento social da Igreja no enfrentamento da questão social.

Quando refletimos sobre o processo de incorporação das matrizes teórico metodológicas vivenciado pelo Serviço Social em seu processo de institucionalização, verificamos que há uma forte presença, a partir dos apontamentos de Yazbek (2009), do positivismo, em especial em sua orientação funcionalista e da teoria social de Marx.

Acerca da influência positivista, verificamos a incorporação de pressupostos que se vinculavam a apreensão manipuladora, instrumental e imediata do ser social. Com sua apropriação a partir da orientação funcionalista temos um trabalho social direcionado ao ajustamento à ordem social vigente, com a instalação de um crescente processo de burocratização e preocupação com o aperfeiçoamento de instrumentos e técnicas.

Posteriormente, a aproximação com o marxismo vem no intuito de buscar a construção de um novo projeto comprometido com as demandas das classes subalternas. No entanto, esse processo se consolida repleto de incorreções, ganhando maior evidências no bojo do Movimento de Reconceituação, o qual será tratado nas próximas páginas.

Em 1932 abre-se o Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo (CEAS) com o objetivo de orientar “para formação técnica especializada [...] para a ação social e a difusão da doutrina social da Igreja” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000, p. 173). Por meio dos esforços do CEAS e o apoio da hierarquia, em 1936 é fundada a Escola de Serviço Social de São Paulo, sendo esta a primeira escola de Serviço social do Brasil.

Ao final da década de 1940, e nas duas décadas seguintes, o Estado foi o grande empregador dos assistentes sociais. Este e a classe dominante foram abrindo espaço para que o Serviço Social avançasse em processo de institucionalização, o que acarreta para o Serviço Social uma mudança em seu público alvo, pois suas ações passam a atingir grandes setores do proletariado, e não apenas pequenas parcelas de indivíduos pobres (BRAVO; MATOS, 2009; IAMAMOTO, 2008).

Segundo Bravo e Matos (2009, p.198) “os assistentes sociais brasileiros começaram a defender que o ensino e a profissão nos Estados Unidos haviam atingido um grau mais elevado de sistematização [...]”. Diante disto, ao longo da década de 1940, a prática profissional e as perspectivas de ensino e de formas de abordagem passam a ser influenciadas pelo modelo do Serviço Social norte-americano, este modelo substituiu o europeu.

O marco desta passagem ocorreu em 1941, no Congresso Interamericano de Serviço Social, na cidade de Atlantic City (EUA). Em seguida, foram criados vários mecanismo de intercâmbio mais dinâmicos como, por exemplo, oferecimento de bolsas aos profissionais brasileiros. Neste período inicia-se o intercâmbio, o Serviço Social americano passa a receber assistentes sociais brasileiras para treinamento (BRAVO; MATOS, 2009; MARTINELLI, 2003).

Em 1945 a profissão começa a se expandir de maneira significante devido ao aprofundamento do capitalismo no país (BRAVO; MATOS, 2009). O país vivenciou nesta década um intenso processo de expansão industrial no qual as taxas de lucros atingiram percentuais elevadíssimos, contudo houve uma intensificação da exploração da classe trabalhadora, sendo registrado o declínio do salário mínimo.

O Estado pressionado pela burguesia industrial passa a intervir regularmente no mercado, facilitando os mecanismos de acumulação do capital. No entanto, devido a este contexto de intenso abuso os trabalhadores passam a manifestar seu descontentamento, reivindicando melhores condições de trabalho e existência (IAMAMOTO; CARVALHO, 2000).

Esse quadro de reivindicações por parte dos trabalhadores contribui para o surgimento de grandes instituições assistenciais como: a Legião Brasileira de Assistência (LBA), criada em 1942, primeira grande instituição nacional de assistência social; o Serviço Nacional de Aprendizagem (SENAI), fundado em 1942; o Serviço Social da Indústria (SESI), instituído em 1946 e a Fundação Leão XIII criado em 1946.

Ainda de acordo com os autores essas instituições se constituíram em importante espaço sócio-ocupacionais para os assistentes sociais, pois através da criação destas instituições o Serviço Social ampliou seu mercado de trabalho, sendo os assistentes sociais absorvidos de forma contínua por estas instituições.

O Serviço Social, nos anos de 1960, busca se desenvolver teoricamente. Contudo, neste período o Brasil vivia um momento de grande agitação, a luta de classe ganhava as ruas, os movimentos populares cresciam. Para controlar este quadro social os militares implantam a

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ditadura militar em 1964, com isso houve uma retração de todos os movimentos sociais (MARTINELLI, 2003). Insensível a essa realidade o Serviço Social continuava o seu percurso alienante e alienador devido a:

Seus efeitos não ultrapassarem os limites das manifestações aparentes dos fenômenos, pois a estrutura reificada da consciência coletiva dos agentes e o pensamento esvaziado de reflexão e critica que nela habitava não os levava a realizar questionamentos mais profundos ou a buscar resultados mais efetivos. Gastava a prática fetichizada, ritualística e fragmentária [...] (MARTINELLI, 2003, p.142).

Os assistentes sociais não possuíam um pensamento crítico em relação a sua atividade

profissional, pois a categoria não se articulava para analisar os resultados da atuação destes profissionais, que continuavam, exclusivamente, atendendo as necessidades do poder econômico vigente, sem olhar para a classe subalterna de forma crítica.

O governo militar com sua política de modernização conservadora determinou a renovação do Serviço Social, frente à repressão da classe trabalhadora pelo Estado. A teoria elaborada neste período difundia a adaptação da profissão as requisições da perspectiva modernizadora, esta perspectiva não questionava a ordem sociopolítica vigente, preocupava-se, principalmente, em integrar o Serviço Social no processo de desenvolvimento e introduzir a profissão numa moldura teórica e metodológica (BRAVO; MATOS, 2009).

As autoras ainda descrevem que o Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio em Serviços Sociais (CBCISS) foi o principal meio de elaboração teórica do Serviço Social no período de 1965-1975.

No entanto, o segmento mais crítico da categoria profissional, os agentes que superaram a alienação, entendia que a identidade do Serviço Social não podia ser constituída apenas por funções ideológicas e econômicas atribuídas pelo capitalismo. Segundo Martinelli (2003, p.143) “para estes, a profissão encontrava-se diante de uma grave crise, na qual se inseria o questionamento sobre a sua identidade profissional, sobre sua legitimidade no mundo capitalista”.

O Serviço Social e o Movimento de Reconceituação

Situada em um processo amplo de caráter mundial, a Reconceituação, constituía-se em um “[...] processo internacional de crítica ao tradicionalismo profissional”. (NETTO, 2005, p. 9).

Começa a dar indícios, na segunda metade dos anos 1960, na maioria dos países em que o Serviço Social já se institucionalizara como profissão, tendo como marco uma conjuntura de profunda erosão das suas práticas profissionais e consequentemente, dos diversos cursos teóricos ou pseudoteóricos2 que as legitimavam.

Para tanto, o século passado, mais precisamente a transição da década de 1960 para 1970, foi marcada por uma forte crítica ao sumariamente designado do Serviço Social Tradicional3, na qual os profissionais se questionavam sobre qual seria o papel do Serviço Social, da sua prática frente à questão social, a viabilidade dos “métodos” tradicionais, estando a Reconceituação atrelada ao circuito sociopolítico latino-americano:

[...] a ruptura com o Serviço Social tradicional se inscreve na dinâmica de rompimento das amarras imperialistas, de luta pela libertação nacional e de transformações da estrutura capitalista excludente, concentradora, exploradora” (FALEIROS, 1987 apud NETTO, 2005, p.9).

2 “Pseudo” é tudo aquilo que não o chega a ser por inteiro, independentemente do esforço aplicado para que o fosse ou das tentativas levadas a cabo. “Teórico” Que pertence à teoria, ou diz respeito a ela; sem nenhum caráter prático real: discussão puramente teórica.

3 Prática empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada, orientada por uma ética-liberal burguesa, que, de um ponto de vista claramente funcionalista, visava enfrentar as incidências psicossociais da questão social sobre indivíduos e grupos, sempre pressuposta a ordenação capitalista da vida social como um dado factual que não se elimina (NETTO, 2005, p. 9).

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Como já vimos o Movimento de Reconceituação acontece na América Latina a partir da década de 1960. Nesse período os Estados Unidos da América (EUA), tinha se estabilizado como uma grande potência passando a financiar golpes militares, naquela época o principal objetivo dos países democráticos era o de se instaurar como ditaduras. A exemplo do Brasil a ditadura militar foi apoiada pela burguesia, autorizando os militares a assumirem o Estado brasileiro a fim de favorecer a hegemonia dos EUA, frente a essa e a outras questões surge à indagação sobre qual a contribuição do Serviço Social na superação do subdesenvolvimento, na busca por mudanças. Os profissionais se unem então contra o tradicionalismo, sendo o marco inicial da Reconceituação foi o I Seminário Regional Latino-Americano de Serviço Social4, composto por assistentes sociais apreensivos e ávidos por renovação que:

[...] Neste marco, indagaram-se sobre o papel da profissão em face de expressões concretamente situadas da “questão social”, sobre a adequação dos procedimentos profissionais em face das nossas realidades regionais e nacionais, sobre a eficácia das ações profissionais, sobre a pertinência de seus fundamentos pretensamente teóricos e sobre o relacionamento da profissão com os novos protagonistas que surgiam na cena político-social. (NETTO, 2005, p. 9)

Com intuito de tornar público para a categoria todas as suas propostas, os profissionais do Serviço Social aderiram ao Movimento de Reconceituação, na luta contra a ditadura, formando assim um grande grupo heterogêneo composto pelas chamadas, frente heterogênia modernizadora5 e frente heterogênea crítica6.

Para Netto (2005, p. 10) em meados da década de 1970 a Reconceituação se viu congelada devido à brutal repressão que então se abateu sobre o pensamento Latino Americano, sendo que “[...] muitos dos protagonistas do movimento experimentaram o cárcere, a tortura, o exílio ou entraram para lista de desaparecidos”. Portanto, vale ressaltar segundo Netto (2005) algumas das conquistas e limites do Movimento de Reconceituação:

[...] Conquistas: articulação de uma nova concepção da unidade Latina Americana; explicitação da dimensão política da ação profissional; interlocução crítica com as ciências sociais; inauguração do pluralismo profissional.Limites: Forte tendência ao ativismo, obscurecendo o limite entre profissão e militarismo, ou seja, os profissionais passaram a confundir prática profissional com militância; negação das teorias externas, principalmente daquelas que vinham da Europa ou dos EUA; confusionismo ideológico, questionamento a respeito da prática profissional (NETTO, 2005, p. 11-13).

Graças a este “Serviço Social Crítico” que vem redimensionando a imagem social da profissão na atualidade, como veremos a seguir, a profissão irá adquirir novas formatações.

O Serviço Social na Contemporaneidade

No que diz respeito ao Serviço Social na contemporaneidade, é resultado de um processo histórico, mais precisamente das transformações societárias, que consequentemente procedem na emergência de novas demandas para o Serviço Social bem como na necessidade de redimensionar a formação profissional, o que para Iamamoto (2009a, p.20) significa “[...] extrapolar o Serviço Social para melhor apreendê-lo na história da sociedade da qual ele é parte e expressão”.

4 Realizado em maio de 1965 em Porto Alegre, com a presença de 415 participantes do Brasil, Uruguai e Argentina (NETTO, 2005, p. 9).

5 Vinculava-se a projetos desenvolvimentistas de planejamento social, a fim de modernizar o Serviço Social para torná-lo compatível com as demandas macrossocietárias (NETTO, 2005, p. 10).

6 Defendia a inteira ruptura com o passado profissional, para só assim poder sintonizar a profissão com os projetos de ultrapassagem de estruturas sociais de exploração e dominação (NETTO, 2005, p. 10).

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Com relação ao viés do fazer profissional, Iamamoto aponta como um dos maiores desafios que o assistente social vive no presente:

[...] desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo (IAMAMOTO, 2009a, p.20).

Ao longo da história o assistente social vem exercendo importante papel como agente profissional responsável pela execução de políticas públicas, portanto vale ressaltar que na atualidade esse profissional vem conquistando lugar de destaque na formulação, execução e gestão de políticas sociais. Contrapondo a afirmação ora realizada por Netto (2001) que concebe o assistente social como mero executor terminal de políticas sociais, que atua na relação direta com a população usuária.

Para tanto o redimensionamento da formação profissional se dá a partir de procedimentos investigativos que tomem como objeto as mudanças presentes nos diferentes espaços sócio ocupacionais dos assistentes sociais, Iamamoto afirma que, responder a tais requerimentos exige:

[...] uma ruptura com a atividade burocrática e rotineira, que reduz o trabalho do assistente social a mero emprego, como se esse se limitasse ao cumprimento burocrático de horário, à realização de um leque de tarefas as mais diversas, ao cumprimento de atividades preestabelecidas. Já o exercício da profissão é bem mais que isso. É uma ação de um sujeito profissional que tem competência para propor, para negociar com a instituição aos projetos, para defender o seu campo de trabalho, suas qualificações e funções profissionais (IAMAMOTO, 2009a, p. 21).

Não estamos falando aqui das competências institucionalmente permitidas e autorizadas pelas instâncias burocráticas dos organismos empregadores, ao passo que essas devem ser executadas com eficácia e de acordo com as formas de ação pré-traçadas.

O discurso acima se refere à chamada competência crítica7, para o exercício da mesma é necessário ultrapassar as fronteiras que permeiam as rotinas institucionais, buscando apreender a realidade, para assim poder detectar tendências e possibilidades nela presentes, possíveis de serem utilizadas para intervenção do profissional.

Com relação a esse processo de renovação do Serviço Social, resultado de um amplo movimento de lutas sociais, no que diz respeito ao Serviço Social brasileiro contemporâneo, Iamamoto salienta que o mesmo:

[...] apresenta uma feição acadêmico profissional e social renovada, voltada à defesa do trabalho e dos trabalhadores, do amplo acesso a terra para produção de meios a vida, ao compromisso com a afirmação da democracia, da liberdade, da igualdade e da justiça social no terreno da história. Nessa direção social, a luta pela afirmação dos direitos a cidadania, que reconheça as efetivas necessidades e interesses dos sujeitos sociais, é hoje fundamental como parte do processo de acumulação de forças em direção a uma forma de desenvolvimento social inclusiva para todos os indivíduos sociais (IAMAMOTO, 2009b, p. 18).

7 A competência crítica supõe: a) um diálogo crítico com a herança intelectual incorporada pelo Serviço Social e nas autorrepresentações do profissional, cuja porta de entrada para a profissão passa pela história do pensamento social na modernidade, construindo um diálogo fértil e rigoroso entre teoria e história; b) um redimensionamento dos critérios da objetividade do conhecimento, para além daqueles promulgados pela racionalidade da burocracia e da organização, que privilegia sua conformidade com o movimento da história e da cultura; c) uma competência estratégica e técnica ou técnico-política, com rumos e estratégias de ação estabelecidos a partir da elucidação de tendências presentes no movimento da própria realidade, decifrando assim, suas manifestações particulares, no campo sobre a qual incide a ação profissional (IAMAMOTO, 2009b, p. 17)

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Lembrando que os profissionais precisam apropriar-se dessas alternativas de intervenção para só então transformá-las em projetos e frentes de trabalho, uma vez que as possibilidades dadas na realidade não se transformam instantaneamente em alternativas profissionais.

Para Iamamoto (2009a) tais práticas de intervenção são de extrema importância a fim de se evitar uma “atitude fatalista”, o chamado fatalismo histórico, por parte do profissional de Serviço Social, onde o mesmo só consegue visualizar uma realidade posta de forma definitiva, mais precisamente a realidade já definida na historia, desdobramentos predeterminados, com limites estabelecidos, passando assim a considerar a hipótese de que pouco se pode fazer para superá-la, o que conduz esse profissional a acomodação, à rotina no trabalho, ao burocratismo e a mediocridade profissional.

Dentro dessa perspectiva também é preciso evitar o chamado “messianismo profissional”, que consiste em uma visão heróica do Serviço Social, ou seja, o assistente social trata os usuários como sujeitos isolados, alimentando uma falsa ilusão de que todos os problemas destes serão resolvidos, sem ao menos considerar suas particularidades, ou desvendar as condições de vida dos indivíduos, grupos e coletividades, descartando assim toda e qualquer possibilidade e limite da realidade social, aspetos esses que são essenciais para compressão da totalidade, para Iamamoto o assistente social precisa buscar apreender o movimento da realidade a fim de detectar disposições e possibilidades nela presentes passíveis de serem impulsionadas pelo profissional, para a autora:

[...] Essa observação merece atenção: as alternativas não saem de uma “cartola mágica” do Assistente Social; as possibilidades estão dadas na realidade, mas não são automaticamente transformadas em alternativas profissionais. Cabe aos profissionais apropriarem-se dessas possibilidades e, como sujeitos, desenvolvê-las transformando-as em projetos e frentes de trabalho (IAMAMOTO, 2009a, p. 21)

É preciso, portanto olhar para além do Serviço Social, uma vez que as mudanças históricas exigem a readequação de toda e qualquer profissão, valorizando assim possibilidades inovadoras para a ação com base nos métodos sociais contemporâneos.

O Serviço Social brasileiro e a conformação do Projeto Ético-Político

De acordo com Netto (2009) o atual projeto ético político do Serviço Social brasileiro teve sua discussão iniciada na transição dos anos de 1970 a 1980, período em que o Serviço Social viveu um momento de recua e crítica do conservadorismo profissional.

Devido à ditadura no Brasil, implantada em 1964, a classe trabalhadora, descontente com o modo vigente de poder, reapareceu na cena política, por meios das movimentações e mobilizações dos trabalhadores, que lutavam pelo fim da ditadura e pela democratização do país.Em meio a essas transformações no país o Serviço Social se identificou com a camada trabalhadora, sendo possível então ao corpo profissional do Serviço Social a constituição de um novo projeto profissional8.

Contudo, o corpo profissional sendo heterogêneo não teve o mesmo comportamento, nem todos os profissionais queriam a ruptura, no entanto os profissionais críticos se mobilizaram contra a política, “os segmentos mais dinâmicos do corpo profissional vincularam-se ao movimento dos trabalhadores e, rompendo com a dominância do conservadorismo, conseguiram instaurar na profissão o pluralismo9 político” (NETTO, 2009, p.150).

A conquista da democracia, a modificação no corpo profissional, com o acréscimo de profissionais da classe média, possibilitou ao corpo profissional a disputa entre projetos societários10 distintos aos interesses da classe dominante. Além disto, nos de 1970, “o Serviço

8 Projetos Profissionais representam a auto-imagem das profissões, instituem normas e funções, bem como delimitam e priorizam seus objetivos. São projetos dinâmicos os quais se modificam e renovam.

9 A categoria profissional que estabelece o projeto profissional se constitui de modo heterogêneo, por isso o copo profissional é uma unidade não-homogênea, com indivíduos diferentes, sendo possível então surgir projetos profissionais diferentes.

10 Os projetos societários são projetos coletivos, projetos de classes que se constituem em projetos macroscópicos, como proposta para o conjunto da sociedade.

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Social legitimou-se no âmbito acadêmico, surgiram os cursos de pós-graduação (primeiro os mestrados e depois, nos anos oitenta, os doutorados; também foram fomentadas as especializações)” (NETTO, 2009, p. 151).

A acumulação teórica realizada pelo Serviço Social favoreceu o processo de tentativa de ruptura com o conservadorismo profissional, pois as matrizes teóricas e metodológicas utilizaram vertentes críticas, na qual se destaca a tradição marxista. Com isso instaurou-se, também, no plano teórico o pluralismo, que permitiu aos profissionais de Serviço Social um embasamento teórico metodológico engajado com os projetos societários da classe trabalhadora.

Em 1982, foi realizada a reforma curricular, a fim de adequar os profissionais para que estes respondam às novas demandas postas na sociedade democrática de maneira competente.

Nos anos de 1980 “as vanguardas profissionais procuraram consolidar estas conquistas com a formulação de novo Código de Ética Profissional, instituído em 1986” (NETTO, 2009, p.154).

O Código de Ética de 1986 significou o rompimento concreto ao conservadorismo e o compromisso profissional com a população trabalhadora, no entanto em pouco tempo esse Código teve que ser reelaborado devido à falta de elucidação das dimensões éticas e profissionais, e por apresentar baixa operacionalidade.

O novo Código de Ética profissional de 1993, vigente até os dias atuais, “[...] incorporou tanto a acumulação teórica realizada nos últimos vinte anos pelo corpo profissional quanto aos novos elementos trazidos ao debate ético pela urgência da própria revisão” (NETTO, 2009, p. 154).

Foi na década de 1990 que o projeto ético-político do Serviço Social de 1993 conquistou sua hegemonia, sua construção acompanhou o desenvolvimento da democracia no país. Este projeto tem a liberdade como valor ético central, sendo seu compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos sujeitos sociais. Quanto a isto Netto (2009, p.155) descreve:

[...] este projeto profissional se vincula a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem exploração/dominação de classe, etnia e gênero. A partir destas opções que o fundamentam, tal projeto afirma a defesa intransigente dos direitos humanos e o repúdio do arbítrio e dos preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo, tanto na sociedade como no exercício profissional. A dimensão política do projeto é claramente enunciada: ele se posiciona a favor da equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e serviços relativos às políticas e programas sociais; a ampliação e a consolidação da cidadania são explicitamente postas como garantia dos direitos civis, políticos e sociais das casses trabalhadoras.

O projeto ético-político do Serviço Social tem como valor central a liberdade enquanto democracia busca o reconhecimento da autonomia dos indivíduos e de seus direitos, bem como defende a cidadania, sendo contra qualquer tipo de preconceito e exploração. Contudo, a categoria profissional a fim de fortalecer seus objetivos se vincula a um projeto societário que tenha o mesmo objetivo, a luta contra a exploração, da minoria sobre a maioria, vigente na sociedade capitalista.

Outro ponto importante no projeto profissional é o compromisso com a competência profissional que está diretamente relacionado com uma formação acadêmica qualificada, fundada em concepções críticas da realidade social.

O projeto profissional prioriza a qualidade dos serviços prestados a população, contudo os assistentes sociais para desenvolverem suas ações comprometidas com a população necessitam articular-se com outras categorias profissionais com objetivos similares, para assim fortalecer seu compromisso com a classe trabalhadora.

O Brasil, nos anos 1990, reciclou seu projeto societário, optando pelo projeto neoliberal, já caracterizado acima, conseqüentemente este projeto se opõe totalmente ao projeto ético-político do Serviço Social, o que dificulta a implementação deste, uma vez que o neoliberalismo prega a privatização entre outras coisas. Contudo, fica evidente que o projeto ético-político do Serviço Social tem objetivos claros vinculados a defesa da população, portanto combate ao neoliberalismo de modo a assegurar os valores do projeto societário da classe trabalhadora.

Considerações Finais

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A partir do exposto, pudemos conhecer o percurso traçado pelo Serviço Social na realidade brasileira e verificar os esforços desprendidos para que houvesse um distanciamento de práticas conservadoras, colocando-se assim ao “lado” da classe subalterna.

Observamos assim que há muito ainda o que percorrer para que consigamos a efetivação do rompimento com herança conservadora que perpassa a história da profissão, mas não podemos desprezar os ganhos obtidos. Há necessidade de uma maior articulação para aqui assim possamos efetivar o Projeto Ético-Político profissional em tempos de ofensiva neoliberal.

Todavia, destacamos que esse breve ensaio não esgotou as possibilidades de estudo em torno do objetivo proposto, ao contrário, acreditamos que este servirá de estímulo a realização de muitos estudos referentes a essa temática, permitindo uma maior apropriação dos conteúdos e respostas qualificadas as diferentes demandas postas à esta profissão.

REFERÊNCIAS

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CASTRO, Manuel Manrique. História do Serviço Social na América Latina. Tradução de José Paulo Netto e Balkys Villalobos. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2003.

IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. 17 ed. São Paulo: Cortez, 2009a.

IAMAMOTO, Marilda Villela. O Serviço Social na cena contemporânea. In: Conselho Federal de Serviço Social – CFESS; Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009b.

IAMAMOTO, Marilda Villela. Renovação e Conservadorismo no Serviço Social. 10 ed. São Paulo: Cortez, 2008.

IAMAMOTO, Marilda Villela; CARVALHO, Raul de. Relações Sociais e Serviço Social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2000.

MARTINELLI, Maria Lúcia. Serviço Social: identidade e alienação. 8 ed. São Paulo: Cortez, 2003.

NETTO, José Paulo. A construção do projeto ético-político do Serviço Social. In: MOTA, Ana Elizabete (Org.). Serviço Social e Saúde: formação e trabalho profissional. 4 ed. São Paulo: Cortez, 2009.

NETTO, José Paulo. Capitalismo Monopolista e Serviço Social. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2001.

NETTO, José Paulo. O Movimento de Reconceituação: 40 anos depois. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 84, p. 5-20, nov. 2005.

YAZBEK, Maria Carmelita. Os fundamentos históricos e teórico-metodológicos do Serviço Social brasileiro na contemporaneidade. In: Conselho Federal de Serviço Social – CFESS; Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS. Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais. Brasília: CFESS/ABEPSS, 2009.