2ano Sociologia-Apost 1

17
CONCEITOS & DISCUSSÕES I Grupo social Procurando o verbete "grupo social" no dicionário Aurélio, encontramos a seguinte definição: "Forma básica da associação humana; agregado social que tem uma entidade [individualidade] e vida própria, e se considera como um todo, com suas tradições morais e materiais". Para o psicanalista argentino José Bleger, "um grupo é um conjunto de pessoas que entram em interação, mas, além disso, o grupo é, fundamentalmente, uma sociabilidade estabelecida". Complementando o conceito de Bleger sobre o que é um grupo social, o filósofo francês Jean-Paul Sartre afirma que "enquanto não se estabelecer a interação não existe grupo, há somente uma serialidade, em que cada indivíduo é equivalente a outro e todos constituem um número de pessoas equiparáveis e sem distinção entre si". (Um exemplo de serialidade são pessoas numa fila de ônibus ou de cinema. Elas estão juntas mas não interagem, pois não se comunicam entre si. Não formam, portanto um grupo.) Seja qual for a definição, uma coisa é certa: grupo social sempre significa a reunião de pessoas que estão mutuamente em interação (duas pessoas já podem formar um grupo). A partir daí, cada ciência amplia o conceito de acordo com o objeto e objetivo de seus estudos. Para a Sociologia, grupo social é toda reunião mais ou menos estável de duas ou mais pessoas associadas pela interação. Devido à interação social, os grupos têm de manter alguma forma de organização, no sentido de realizar ações conjuntas de interesse comum a todos os seus membros. Os grupos sociais apresentam normas, hábitos e costumes próprios, divisão de funções e posições sociais definidas. Como exemplos podemos apontar a família, a escola, a igreja, o clube, a nação, etc. Principais grupos sociais: grupo familial, grupo vicinal, grupo educativo, grupo religioso, grupo de lazer, grupo profissional e grupo político. Principais características dos grupos sociais Os grupos sociais se caracterizam por ter: - pluralidade de indivíduos - interação social - organização - objetividade e exterioridade - conteúdo intencional ou objetivo comum - consciência grupal ou sentimento de "nós" - continuidade. Tipos de grupos sociais Como os contatos sociais, os grupo sociais podem ser classificados em: - grupos primários - predomínio dos contatos primários (pessoais diretos), caracterizados pela intimidade e cooperação - família, vizinhos, grupo de lazer. - grupos secundários - possui certas características que se apresentam como opostas às do grupo primário. As relações geralmente são estabelecidas por contato indireto e, no caso de serem por contato direto, são passageiras e desprovidas de intimidade; as relações são ainda formais e SOCIOLOGIA - 2º ANO - Apostila nº 1 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 1

description

2ano Sociologia-Apost 1

Transcript of 2ano Sociologia-Apost 1

OCR Document

CONCEITOS & DISCUSSES IGrupo socialProcurando o verbete "grupo social" no dicionrio Aurlio, encontramos a seguinte definio: "Forma bsica da associao humana; agregado social que tem uma entidade [individualidade] e vida prpria, e se considera como um todo, com suas tradies morais e materiais".Para o psicanalista argentino Jos Bleger, "um grupo um conjunto de pessoas que entram em interao, mas, alm disso, o grupo , fundamentalmente, uma sociabilidade estabelecida".

Complementando o conceito de Bleger sobre o que um grupo social, o filsofo francs Jean-Paul Sartre afirma que "enquanto no se estabelecer a interao no existe grupo, h somente uma serialidade, em que cada indivduo equivalente a outro e todos constituem um nmero de pessoas equiparveis e sem distino entre si". (Um exemplo de serialidade so pessoas numa fila de nibus ou de cinema. Elas esto juntas mas no interagem, pois no se comunicam entre si. No formam, portanto um grupo.)Seja qual for a definio, uma coisa certa: grupo social sempre significa a reunio de pessoas que esto mutuamente em interao (duas pessoas j podem formar um grupo). A partir da, cada cincia amplia o conceito de acordo com o objeto e objetivo de seus estudos.

Para a Sociologia, grupo social toda reunio mais ou menos estvel de duas ou mais pessoas associadas pela interao. Devido interao social, os grupos tm de manter alguma forma de organizao, no sentido de realizar aes conjuntas de interesse comum a todos os seus membros.

Os grupos sociais apresentam normas, hbitos e costumes prprios, diviso de funes e posies sociais definidas. Como exemplos podemos apontar a famlia, a escola, a igreja, o clube, a nao, etc.Principais grupos sociais: grupo familial, grupo vicinal, grupo educativo, grupo religioso, grupo de lazer, grupo profissional e grupo poltico.

Principais caractersticas dos grupos sociais

Os grupos sociais se caracterizam por ter:

- pluralidade de indivduos

- interao social

- organizao

- objetividade e exterioridade

- contedo intencional ou objetivo comum

- conscincia grupal ou sentimento de "ns"

- continuidade.

Tipos de grupos sociaisComo os contatos sociais, os grupo sociais podem ser classificados em:

- grupos primrios - predomnio dos contatos primrios (pessoais diretos), caracterizados pela intimidade e cooperao - famlia, vizinhos, grupo de lazer.

- grupos secundrios - possui certas caractersticas que se apresentam como opostas s do grupo primrio. As relaes geralmente so estabelecidas por contato indireto e, no caso de serem por contato direto, so passageiras e desprovidas de intimidade; as relaes so ainda formais e impessoais. Ex: o coletivo de um nibus.Agregados

Para o socilogo Karl Mannheim existem sensveis diferenas entre grupos sociais e agregados sociais.Agregado social uma reunio de pessoas com fraco sentimento grupal e frouxamente aglomeradas. Mesmo assim, conseguem manter entre si um mnimo de comunicao e de relaes sociais.

O agregado social se caracteriza por no ser organizado - no tem estrutura estvel nem hierarquia de posies e funes. As pessoas que dele participam so relativamente annimas, isto , so praticamente desconhecidas entre si. O contato social entre elas limitado e de pequena durao.

Tipos de agregados

- multido - se caracterizam por falta de organizao, anonimato, objetivos comuns, indiferenciao (todos so iguais), proximidade fsica. Ex: reunio de folies no carnaval ou multido observando um incndio.- pblico - um agrupamento de pessoas que seguem os mesmos estmulos. Ex: pblico de uma partida de futebol;- massa - consiste num agrupamento relativamente grande de pessoas separadas e desconhecidas uma das outras e que recebem, de maneira mais ou menos passiva, opinies formadas, que so veiculadas pela mdia.Identidade

Na Grcia Antiga, o filsofo pr-socrtico Parmnides de Elia trouxe tona o que chamou de "princpio de identidade ou princpio da no-contradio", cuja sntese se expressa na seguinte frase: ou uma coisa ou no .De outra forma: o ser ; o no-ser no .

Parmnides contemporneo e arquiinimigo de Herclito de feso. Herclito considerado o pai da dialtica, que ensinava que "tudo flui e que, portanto, uma coisa '' e 'no-' ao mesmo tempo". Com isto, Herclito abre caminho para a discusso e compreenso do movimento ou das coisas em movimento, na poca, considerado algo catico, incompreensvel, portanto, incognoscvel.A posio de Parmnides foi defendida por Plato de Atenas, que costumava cham-lo de "O Grande Parmnides". O princpio da identidade, em termos polticos, de matiz conservador, ao adotar a perspectiva de que nada muda e que tudo carrega em si sua prpria essncia. Logo uma perspectiva conceitual, classificatria e defensora da ordem (que naquela poca era escravagista). No aceitava a crtica ou a reviso de conceitos, pois que estes eram considerados definitivos e imutveis. OUTROS USOS DO TERMO - Alm da origem filosfica do termo, ele usado tambm em diversas outras reas, tais como na psicologia, na psicologia social e na matemtica (A=B, se todas as propriedades que caracterizam A caracterizarem tambm B - lei de Leibniz ou da identidade abstrata).IdentificaoSegundo o 'Dicionrio de Cincias Sociais', da Fundao Getlio Vargas, "Em sentido geral, identificao designa: a) reconhecimento de outro por um aspecto, propriedade ou atributo: identificar algum; b) assimilao de um aspecto, propriedade ou atributo de outro: identificar-se". "O 'identificar-se' o processo que vai dar condies ao crescimento do psiquismo. A fantasia facilita a identificao". (Idem)

"Inicialmente coube a S. Freud, fundando-se na existncia do inconsciente, buscar uma nova explicao para fatos antes mencionados como imitao, estabelecendo assim o conceito de identificao; mas sobretudo em M. Klein que fica evidente, atravs da fantasia, o processo de produo da identificao". (Idem)Identidade e diferena

"A identidade e a diferena esto, pois, em estreita conexo com as relaes de poder. O poder de definir a identidade e de marcar presena no pode ser separado das relaes mais amplas de poder. A identidade e a diferena no so, nunca, inocentes". (Tomaz Tadeu da Silva)Art. 5. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza. (Constituio Brasileira, 2002, p. 15).

"Temos o direito a sermos iguais quando a diferena nos inferioriza. Temos o direito a sermos diferentes quando a igualdade nos descaracteriza. As pessoas querem ser iguais, mas querem respeitadas suas diferenas. (Boaventura de Souza Santos)

A identidade em questoO trecho a seguir de Stuart Hall, em "A identidade cultural na ps-modernidade":A questo da identidade est sendo extensamente discutida na teoria social. Em essncia, o argumento o seguinte: as velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, esto em declnio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivduo moderno, at aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada "crise de identidade" vista como parte de um processo mais amplo de mudana, que est deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referncia que davam aos indivduos uma ancoragem estvel no mundo social.

(...) as identidades esto sendo "descentradas", isto , deslocadas ou fragmentadas. (...)

(...) Para aqueles/as tericos/as que acreditam que as identidades modernas esto entrando em colapso, o argumento se desenvolve da seguinte forma. Um tipo diferente de mudana estrutural est transformando as sociedades modernas no final do sculo XX. Isso est fragmentando as paisagens culturais de classe, gnero, sexualidade, etnia, raa, e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido slidas localizaes como indivduos sociais. Estas transformaes esto tambm mudando nossas identidades pessoais, abalando a idia que temos de ns prprios como sujeitos integrados. Esta perda de um "sentido de si" estvel chamada, algumas vezes, de deslocamento ou descentrao do sujeito. Esse duplo deslocamento - descentrao dos indivduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos - constitui uma "crise de identidade" para o indivduo. Como observa o crtico cultural Kobena Mercer, "a identidade somente se torna uma questo quando est em crise, quando algo que se supe como fixo, coerente e estvel deslocado pela experincia da dvida e da incerteza" (Mercer, 1990, p. 43)."Ciladas da diferena" e

"Em defesa da Histria"O texto a seguir uma resenha, extrada da Internet, elaborada por Marcelo Coelho sobre os dois livros citados acima.

O ser humano no existe: existem ingleses, chineses, americanos. O americano no existe: existem mulheres americanas, negros americanos, gays americanos. A mulher americana no existe: existem mulheres americanas negras, mulheres americanas gays. A mulher americana negra no existe: existem mulheres americanas negras de classe mdia, mulheres americanas negras operrias... Isto no tudo. As classes sociais tambm no existem. H grupos que se redefinem a cada momento, a cada circunstncia: motoristas de txi se dissolvem em corintianos ou palmeirenses, que se dissolvem em adolescentes ou velhos, que se constroem enquanto moradores do Bixiga ou da Lapa. A Lapa no existe: uma construo imaginria, uma identidade geogrfica criada segundo juzos de valor, experincias subjetivas, jogos de linguagem sedimentados historica-mente. S que a histria no existe tampouco: existem fices, narrativas que podemos organizar conforme uma estrutura de comeo, meio e fim, mas que sempre iro trair a arbitrariedade bsica com a qual cada sujeito compe os dados da realidade. Lembre-se tambm que o sujeito no existe: um campo onde se entrecruzam percepes, desejos, linguagens. De resto, a realidade no existe tampouco. Bobagens como as escritas acima correm o risco, atualmente, de passar como puro senso comum. Com maior ou menor intensidade, volta e meia topamos com raciocnios desse tipo, que correspondem a uma espcie de vulgata ps-moderna. um grande alvio, nesse quadro de relativismo exacerbado, ler livros como "Ciladas da Diferena" ou "Em Defesa da Histria". No primeiro, o socilogo Antnio Flvio Pierucci desmonta, com clareza e bom humor, os paradoxos a que leva o culto contemporneo "identidade" (social, racial, cultural, sexual etc.). A crtica ao "ser humano abstrato", hoje to disseminada entre a esquerda ps-moderna e os tericos mais radicais dos movimentos negro e feminista nos Estados Unidos, passa hoje em dia por ser coisa avanada. Nota Pierucci, entretanto, que suas razes podem ser encontradas no extremo oposto do espectro poltico. No sculo passado, tericos ultracon-servadores como Edmund Burke e Joseph de Maistre, em plena luta contra a idia de direitos humanos universais, aferravam-se constatao emprica das "diferenas". De Joseph de Maistre, Pierucci cita uma frase tirada das "Consideraes sobre a Frana": "O homem (universal) no existe. Em minha vida eu vi franceses, italianos, russos etc. (...) Quanto ao homem, contudo, declaro que nunca o encontrei". Mais de cem anos depois, o "elogio da diferena" se torna um tema da "nova esquerda", que, contudo, no pode deixar de lado o tema clssico da igualdade. Pierucci ironiza: "Como se v, tudo parece muito simples, muito claro: "Os seres humanos so diferentes, mas iguais". Neste jogo de linguagem, tudo se passa inocentemente como se no fosse tambm um jogo de palavras". como se a luta contra as vrias discriminaes, a luta por direitos iguais, estivesse imbricada com outra luta, na qual se procura afirmar a identidade, o valor, a originalidade de um grupo. O que, em si, no encerra nenhuma contradio. Mas, diz Pierucci, quando o movimento negro, por exemplo, vem afirmar que "negro diferente", isto ser repetir algo que os racistas sempre disseram: "Legitima que a diferena seja enfocada e as distncias, alargadas... essa atmosfera ps-moderna que muitos de ns hoje respiramos nos ambientes de esquerda, essa onda de celebrao neobarroca das diferenas, de apego s singularidades culturais (...), tudo isso assusta muito pouco as cabeas de direita...". O que provoca ojeriza na direita "ainda hoje, 200 anos depois, o discurso dos direitos humanos, o discurso revolucionrio da igualdade". No fundo, o problema dessa e outras "ciladas" talvez seja redutvel a um mal-entendido lingustico: s posso defender quem "diferente" em nome da igualdade; mas a defesa do "diferente" passa a se chamar, num modismo ps-moderno, defesa da "Diferena", com letras maisculas... e a, evidentemente, a igualdade fica falando sozinha. Com ensaios que tratam desde a mentalidade do eleitor de direita na cidade de So Paulo at as mudanas no feminismo americano, "Ciladas da Diferena" mantm uma admirvel unidade de argumentao, que se aproxima bastante da de alguns textos reunidos no livro "Em Defesa da Histria". O escritor Kenan Malik, por exemplo, em "O Espelho da Raa: O Ps-modernismo e a Louvao da Diferena", nota que "a crtica ps-moderna ao universalismo, longe de formular uma crtica teoria racial, apropria-se, na verdade, de muitos de seus temas e reproduz os prprios pressupostos sobre os quais, historicamente, assentou-se o racismo". Mas este apenas um dos temas do volume, que surge como uma impressionante mquina terica contra os vrios cacoetes da teoria ps-moderna. A introduo do volume, escrita por Ellen Meiksins Wood -editora da publicao inglesa de esquerda "The Monthly Review"- aponta de forma demolidora a falta de novidade de temas como "o fim da histria", "a fragmentao do sujeito" ou o antiuniversalismo ps-moderno. A ironia de tudo, diz a autora, que se insiste na fragmentao e no particularismo num momento em que, como nunca, o capitalismo se tornou uma realidade totalizante num grau sem precedentes. Marxista do comeo ao fim, com grande vigor crtico e variedade de enfoques - e, sobretudo, sem nenhum rano "pr-queda do Muro de Berlim"-, o livro traz ensaios de tericos conhecidos no Brasil, como Terry Eagleton ("De Onde Vm os Ps-modernistas?") e Fredric Jameson ("Cinco Teses Sobre o Marxismo Realmente Existente"), nenhum dos dois, a meu ver, no melhor de sua forma. graas s contribuies de Aijaz Ahmad (sobre cultura nos pases "ps-coloniais"), de Bryan Palmer (sobre a pertinncia do conceito de classes sociais), de Meera Nanda (contra a "desconstruo" do conhecimento cientfico) e de Carol Stabile (sobre feminismo) que este volume se faz indispensvel. Pelo menos para quem esteja farto do oba-oba ps-moderno.

Fonte: http://www.cliohistoria.110mb.com/ biblioteca/resenhas/ciladas_marcelo.htmlFRASE PARA REFLETIR:

"A humanidade s saiu da barbrie mental primitiva quando se evadiu do caos das suas velhas lendas e no temeu mais o poder dos taumaturgos, dos orculos e dos feiticeiros. Os ocultistas de todos os sculos no descobriram nenhuma verdade ignorada, ao passo que os mtodos cientficos fizeram surgir do nada um mundo de maravilhas. Abandonemos s imaginaes mrbidas essa legio de larvas, de espritos, de fantasmas e de filhos da noite e que, no futuro, uma luz suficiente os dissipe para sempre."(Gustave Le Bon - 1841-1931. Socilogo)

CRTICA AO DISCURSO PS-MODERNO SOBRE DIFERENA

Leonardo Docena Pina1

As diferenas no podem florescer enquanto

homens e mulheres definham sob formas de

explorao (EAGLETON, 1998, p.118).

1. INTRODUO

Wood (2003), ao refletir sobre o que se convencionou chamar de poltica de identidade, resume a forma de pensamento que vem sendo adotada por uma corrente substancial da esquerda. A autora explica que, atualmente, integrantes de tal corrente argumentam que a sociedade contempo-rnea caracteriza-se por uma fragmentao crescente, pela diversificao de relaes e experincias sociais, pela pluralidade de estilos de vida, assim como pela multiplicao de identidades; dizem que vivemos em uma sociedade ps-moderna ou ps-industrial ou sociedade do conhecimento etc., na qual a dominao de classe teria cedido lugar a outras formas de opresso, igualmente ou at mais importantes do que a prpria opresso de classe. Essas leituras da realidade, cada vez mais comuns nos dias de hoje, fazem parte de uma ampla gama de pensamentos que configuram uma espcie de agenda ps-moderna (WOOD, 1999).

O presente texto busca refletir sobre o modo como a referida agenda vm pensando a questo da diferena.

2. O REORDENAMENTO DO MUNDO DO TRABALHO

Aps o longo perodo de acmulo de capitais durante o apogeu do fordismo e da fase keynesiana, o capitalismo, sobretudo no incio da dcada de 1970, viu-se em um quadro crtico acentuado (ANTUNES, 2006). Pela primeira vez, esse modo de produo conhecia um tipo de situao que combinava baixas taxas de crescimento econmico com altas taxas de inflao condio esta que veio a ser denominada de estagflao (CHAU, 2001).

Expresso de modo contingente como crise do padro de acumulao taylorista/fordista, esse quadro crtico fez com que o capital implementasse uma tentativa de recuperar seus patamares de expanso anteriores (ANTUNES, 2006). Mas, conforme alerta Antunes (2006), embora a crise do fordismo e do Keynesianismo tenha sido a expresso fenomnica da crise estrutural do capital, a resposta a esse fato se deu apenas em nvel superficial, isto , sem transformar os pilares essenciais que sustentam o modo de produo capitalista2.

Anderson (1998) explica que, sob o ponto de vista do iderio neoliberal, as razes da crise capitalista do incio dos anos de 1970 estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e do movimento operrio, que haviam corrodo as bases da acumulao capitalista atravs da presso por aumentos de salrio e encargos sociais do Estado. A alegao dos neoliberais era a de que esses dois processos destruram os nveis necessrios de lucro das empresas e desencadearam processos inflacionrios que s poderiam acarretar uma crise generalizada das economias de mercado (ANDERSON, 1998).

Para os neoliberais, a soluo dessa crise encontrava-se na construo de um Estado forte, capaz de controlar o dinheiro e de quebrar o poder dos sindicatos e dos movimentos operrios; mas que, por outro lado, fosse tambm um Estado parco, em relao a todos os encargos sociais e s intervenes econmicas (ANDERSON, 1998).

Estabilidade monetria, esta deveria ser a meta principal de qualquer governo. Mas para atingi-la, explica Anderson (1998), alguns procedimentos deveriam ser tomados, a exemplo da conteno dos gastos sociais com bem-estar e da restaurao da taxa natural de desemprego atravs da formao de um exrcito de reserva capaz de quebrar o poder dos sindicatos. Ainda de acordo com Anderson (1998), outro procedimento defendido pelos neoliberais era a realizao de reformas fiscais para incentivar agentes econmicos. Segundo Chau (2001), esse incentivo fiscal significava uma reduo dos impostos sobre o capital e as fortunas; reduo que deveria ser acompanhada de um aumento dos impostos sobre a renda individual e, portanto, sobre o trabalho, o consumo e o comrcio. Sob a tica neoliberal, o crescimento retornaria quando a estabilidade monetria e os incentivos essenciais fossem restitudos (ANDERSON, 1998).

Portanto, como tentativa de gerenciar a sua crise estrutural, iniciou-se um processo de reorganizao do capital e de seu sistema ideolgico e poltico de dominao, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, a desregulamentao dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, alm de um intenso processo de reestruturao da produo e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumental necessrio para tentar repor os patamares de expanso anteriores (ANTUNES, 2006).

A resposta capitalista crise estrutural do capital acarretou um processo de substituio do modelo industrial fordista e do modelo poltico-econmico Keynesiano pelo regime de acumulao flexvel (HARVEY, 2007). Chau (2001) explica que, ao modelo fordista, a economia respondeu com a terceirizao, a desregulamentao, o predomnio do capital financeiro, a disperso e fragmentao da produo, alm da centralizao/velocidade da informao e da velocidade das mudanas tecnolgicas; ao modelo Keynesiano do Estado de Bem-Estar, a poltica neoliberal respondeu com a idia do Estado mnimo, a desregulao do mercado, a competitividade e a privatizao da esfera pblica (CHAU, 2001). Alm disso, ao contra-poder que emergia das lutas sociais, o capital se ops de modo a gestar um projeto de recuperao da hegemonia nas mais diversas esferas da sociabilidade (ANTUNES, 2006).

Pode-se dizer, em conformidade com Chau (2001), que ao conjunto de condies materiais do capitalismo contemporneo delineadas pelo novo regime de acumulao do capital corresponde um determinado imaginrio social, o qual tem como objetivo, dentre outros: justificar, como racionais, as condies materiais do capitalismo atual; legitimar, como corretas, tais condies; e dissimul-las, como formas contemporneas da explorao e dominao. Trata-se do neoliberalismo como ideologia.

3. PS-MODERNISMO: IDEOLOGIA ESPECFICA DO NEOLIBERALISMO

Segundo Chau (2001), a ideologia do novo regime de acumulao do capital tem como principal subproduto a ideologia ps-moderna. Nesse ponto, faz-se necessrio esclarecer, em conformidade com Eagleton (1998), a distino entre o ps-moderno entendido como uma tendncia nas artes ou como um sistema de idias herdadas.

Apesar de o termo ps-modernismo abranger essas duas coisas, nossa preocupao centra-se no segundo aspecto, isto , no ps-modernismo enquanto uma ampla e diversificada agenda que, conforme veremos a seguir, engloba vrias linhas de pensamento. Sobre a referida distino, Eagleton (1998, p.7) explica que

A palavra ps-modernismo refere-se em geral a uma forma de cultura contempornea, enquanto o termo ps-modernidade alude a um perodo histrico especfico. Ps-modernidade uma linha de pensamento que questiona as noes clssicas de verdade, razo, identidade e objetividade, a idia de progresso ou emancipao universal, os sistemas nicos, as grandes narrativas ou os fundamentos definitivos de explicao. Contrariando essas normas do iluminismo, v o mundo como contingente, gratuito, diverso, instvel, imprevisvel, um conjunto de culturas ou interpretaes desunificadas, gerando, um certo grau de ceticismo em relao objetividade da verdade, da histria e das normas, em relao s idiossincrasias e a coerncia de identidades. Essa maneira de ver, como sustentam alguns, baseia-se em circunstncias concretas: ela emerge da mudana histrica ocorrida no ocidente para uma nova forma de capitalismo para o mundo efmero e descentralizado da tecnologia, do consumismo e da indstria cultural, no qual as indstrias de servios, finanas e informao triunfam sobre a produo tradicional, e a poltica clssica de classes sede terreno a uma srie difusa de poltica de identidade. Ps-modernismo um estilo de cultura que reflete um pouco essa mudana memorvel por meio de uma arte superficial, descentrada, infundada, auto-reflexiva, divertida, caudatria, ecltica e pluralista, que obscurece as fronteiras entre a cultura elitista e a cultura popular, bem como entre a arte e a experincia cotidiana (...) Embora essa distino entre ps-modernismo e ps-modernidade me parea til, (...) Optei por adotar o termo mais trivial ps-modernismo para abranger as duas coisas dadas a evidente e estreita relao entre elas.

Moraes (1996) afirma que o discurso ps-moderno e as teorias que o compem no expressam um corpo conceitual coerente e unificado. Trata-se, segundo Wood (1999), de linhas de pensamentos que formam uma espcie de agenda ps-moderna, a qual composta por uma vasta gama de tendncias intelectuais e polticas que surgiram em anos recentes. Dentre as correntes de pensamento que se apresentam como subdivises dentro do ps-modernismo, pode-se citar, em conformidade com Duarte (2004): o ps-estruturalismo, o neopragmatismo, o multiculturalismo, o ps-colonialismo e outras correntes similares, que possuem em comum a atitude ctica em relao razo, cincia, ao marxismo e possibilidade de o capitalismo ser superado por uma sociedade que lhe seja superior. Esses e outros pontos em comum apresentados pelas correntes de pensamento que compem o ps-modernismo correspondem exatamente ao seu papel ideolgico de atender aos interesses do capital. Conforme explica Chau (2001, p. 22-23),

Por ser a ideologia da nova forma de acumulao do capital, o ps-modernismo relega condio de mitos eurocntricos totalitrios os conceitos que fundaram e orientaram a modernidade: as idias de racionalidade e universalidade, o contraponto entre necessidade e contingncia, os problemas da relao entre subjetividade e objetividade, a histria como dotada de sentido imanente, a diferena entre natureza e cultura etc. Em seu lugar, afirma a fragmentao como modo de ser da realidade; preza a superfcie do aparecer social ou as imagens e sua velocidade espao-temporal; recusa que a linguagem tenha sentido e interioridade para v-la como construo, desconstruo e jogo de textos, tomando-a exatamente como o mercado de aes e moedas toma o capital; privilegia a subjetividade como intimidade emocional e narcsica, elegendo a esquizofrenia como paradigma do subjetivo, isto , a subjetividade fragmentada e dilacerada; define a filosofia, a cincia e a arte como narrativas, isto , como elaboraes imaginrias de discursos auto-referidos. Realiza trs grandes inverses ideolgicas: substitui a lgica da produo pela da circulao; substitui a lgica do trabalho pela da comunicao; e substitui a luta de classes pela lgica da satisfao-insatisfao imediata dos indivduos no consumo.

A ofensiva do capital no mbito ideolgico contou com o auxlio de alguns acontecimentos marcantes, a exemplo da experincia do fracasso das revoltas dos estudantes em maio de 1968, a experincia do nazismo, o colapso dos partidos stalinista e social-democrata na dcada de 1980, alm da derrota dos movimentos da classe trabalhadora em meados do sculo XX. Segundo Malik (1999), tais fatos contriburam para que tericos radicais chegassem a concluses semelhantes a dos liberais, os quais j haviam perdido a esperana na possibilidade de transformao social e, conseqentemente, passaram a seguir deriva rumo crena de que a desigualdade inevitvel e, at mesmo, necessria. Decepcionados com o curso da histria e sem esperana na mudana social, pensadores ps-modernistas afirmaram que igualdade e humanidade no tinham sentido e que a diferena e a diversidade deveriam ser a meta (MALIK, 1999).

Fato que tambm parece ter contribudo de forma decisiva para a hegemonia do ps-modernismo foi a falncia do que se convencionou chamar de socialismo real. Segundo Saviani (2005), o desmoronamento das experincias do chamado socialismo real contribuiu para propagar nos meios intelectuais a idia de que o liberalismo e a economia de mercado triunfaram em termos absolutos, e teriam se transformado em padro permanente e definitivo de organizao da vida humana (SAVIANI, 2005).

Alm do mais, conforme ressalta Malik (1999), a barbrie do sculo XX passou a ser interpretada pelos tericos do ps-guerra no como produto de relaes sociais especficas, mas como conseqncia da modernidade. De um lado, h modernidade de um ponto de vista intelectual ou filosfico que sustenta ser possvel compreender o mundo atravs da razo e da cincia o que veio a ser chamado de projeto do iluminismo e do progresso tecnolgico deles resultante; de outro lado, modernidade tambm passou a significar uma sociedade particular em que essas idias encontraram expresso vale dizer, a sociedade capitalista (MALIK, 1999).

Ao fundir as relaes sociais do capitalismo com o progresso intelectual e tecnolgico da modernidade, os resultados do primeiro podem ser atribudos ao segundo. Os problemas especficos criados pelas relaes sociais capitalistas perdem seu carter histrico. No discurso ps-estruturalista, a teoria racial, o colonialismo e o holocausto no so investigados em sua especificidade, mas reunidos num saco de gatos como conseqncia geral da modernidade. Dessa maneira, os aspectos positivos da sociedade moderna sua invocao da razo, seus progressos tecnolgicos, seu compromisso ideolgico com a igualdade e o universalismo so denegridos, enquanto seus aspectos negativos a incapacidade do capitalismo superar as divergncias sociais, a propenso para tratar grandes segmentos da humanidade como inferiores ou subumanos, o contraste entre progresso tecnolgico e torpeza moral, as tendncias para a barbrie so consideradas como inevitveis ou naturais (MALIK, 1999, p. 142).

Esse ponto consiste exatamente em uma das ironias do pensamento ps-moderno: enquanto aceita o capitalismo, ou pelo menos a ele se rende, o ps-modernismo rejeita o projeto iluminista, responsabilizando-o por crimes que seriam mais justamente creditados ao prprio capitalismo (WOOD, 1999). Dessa forma, enquanto alega ter transcendido a modernidade, o ps-modernismo abandona toda esperana de transcender o capitalismo em si e ingressar em uma era ps-capitalista (FOSTER, 1999).

Na contemporaneidade, a rejeio ao projeto iluminista tem sido acompanhada pelo anncio de uma profunda crise dos paradigmas filosficos e cientficos da modernidade. De acordo com Lombardi (2005), o argumento sustenta-se na idia de que a referida crise decorrncia do colapso de um modelo de anlise baseado em uma perspectiva macroscpica, privilegiadora das regularidades sociais e que tem, por fundamento, uma lgica vinculada tradio da modernidade de f na razo. Ao declarar o fim da modernidade ou da razo moderna, o ps-modernismo instaura, no campo terico, a crise da razo3 (CHAU, 2001). Essa crise no campo terico se exprime por cinco aspectos principais, descritos a seguir em conformidade com Chau (2001).

O primeiro aspecto apontado por Chau (2001) a negao de que haja uma esfera da objetividade, por esta ser considerada um mito da razo. Em seu lugar surge a figura da subjetividade narcsica desejante. O segundo aspecto se refere negao de que a razo possa propor uma continuidade temporal e captar um sentido da histria. Surge, em seu lugar, a perspectiva do contingente (ou incerto - NDE), do descontnuo, do local, ou seja: o tempo passa a ser visto como descontnuo, e a histria, como local, descontnua, desprovida de sentido e necessidade, tecida pela contingncia. Outro aspecto apontado pela autora consiste na negao de categorias gerais como universalidade, objetividade, ideologia, verdade que so entendidas como mitos de uma razo etnocntrica e totalitria. Nega-se a idia de que a razo possa captar ncleos de universalidade no real. Em seu lugar, surge a nfase na diferena, alteridade, subjetividade, contingncia, descontinuidade, privado sobre o pblico. A realidade passa a ser constituda por diferenas e alteridades. O quarto aspecto apontado por Chau (2001) a negao da diferena entre Natureza e Cultura, tanto porque movimentos ecolgicos msticos tendem a antropomorfizar a Natureza, quanto porque a biogentica, a bioqumica e a engenharia gentica determinam o cultural como simples efeito dos cdigos genticos naturais. O quinto aspecto a negao da existncia de uma estrutura de poder que se materializa atravs de instituies fundadas tanto na lgica da dominao quanto na busca pela liberdade. a negao de que o poder se realize distncia do social, por meio de instituies que lhe so prprias e fundadas nas lgicas referidas anteriormente. Em seu lugar, surgem micro-poderes invisveis e capilares que disciplinam o social.

nesse contexto, de crise da razo, que vem se instaurando o senso comum sobre a emergncia ou existncia de um novo paradigma neoliberal, ps-estruturalista, ps-crtico etc. que atenderia aos desafios de uma nova sociedade, entendida como sociedade ps-industrial, sociedade do conhecimento etc. Porm, essa compreenso resulta de uma determinada concepo de realidade: alicerada ao esquecimento histrico (EAGLETON, 1998), ou dito de outra forma: despida de historicidade, que no distingue, no plano histrico, mudanas ou rupturas que mudam a natureza das relaes sociais e do modo de produo vigente, daquelas que, apesar de profundas, mantm a velha ordem social (FRIGOTTO, 2001).

Segundo Frigotto (2001), o iderio que tem se afirmado atualmente defende a idia de que estamos iniciando um novo tempo para qual devemos nos adaptar irreversivelmente; tempo da globalizao, da modernidade competitiva, da reestruturao produtiva, do qual supe-se que estamos defasados e devemos nos ajustar. Trata-se, ainda de acordo com Frigotto (2001), de teorias e de um corpo ideolgico que atuam em sentido duplo: de um lado, mascaram no s a especificidade e a profundidade da crise do capital e sua violncia na destruio de direitos, como tambm mascaram a mutilao da vida da grande maioria dos seres humanos que habitam o planeta Terra e a prpria ameaa das bases da vida; de outro lado, afirmam horizontes tico-polticos utilitaristas que sustentam o iderio do mercado auto-regulado como parmetro das relaes sociais, alm de impor a ditadura da razo do capital.

4. PS-MODERNISMO E DIFERENA

A influncia do ps-modernismo no modo de se pensar a questo diferena tem contribudo para camuflar a opresso de classe, ao mesmo tempo em que privilegiada a luta puramente contra outras formas de opresso, s quais se vinculam s diferenas de sexo, raa, sexualidade etc. Conforme explica Palmer (1999), o antagonismo do ps-modernismo s metanarrativas trouxe consigo uma etiqueta especial de preo, na qual a importncia da classe quase sempre remarcada para baixo. Identificada como sendo simplesmente uma de muitas subjetividades pluralistas, a classe tem sido obscurecida e reduzida viso analtica e poltica do edifcio analtico do ps-modernismo, erigido no exato momento em que a esquerda necessita urgentemente da clareza e direo que a classe, como categoria e instrumento, pode fornecer (PALMER, 1999).

A nfase do ps-modernismo na natureza fragmentada do mundo e do conhecimento humano acarretou a impossibilidade de qualquer poltica emancipatria em uma perspectiva totalizante, que passou a ser entendida como metanarrativa iluminista, no mnimo ultrapassada (MORAES, 2004). At mesmo em suas manifestaes menos extremas, o ps-modernismo insiste na impossibilidade de qualquer poltica libertadora baseada em algum tipo de conhecimento ou viso totalizantes (WOOD, 1999). Na verdade, conforme explica Wood (1999), a poltica, em qualquer um dos sentidos tradicionais da palavra, ligando-se ao poder dominante de classes ou Estados e oposio a eles, excluda. Em seu lugar, surgem lutas fragmentadas de polticas de identidades. Uma forma de se testar os limites dessa poltica de identidade , segundo Wood (2003), explorar seu prprio princpio constitutivo: o conceito de identidade.

Wood (2003) explica que esse conceito afirma ter a virtude de possuir a capacidade de igualmente sem preconceito ou privilgio abranger tudo, desde gnero a classe, de etnia at raa ou preferncia sexual, ao contrrio das noes como classe, que seriam reducionistas ou essencialistas. Em vista disso, a poltica de identidade afirma ser mais afinada em sua sensibilidade com a complexidade da experincia humana e mais inclusiva no alcance emancipatrio do que a velha poltica do socialismo; to inclusiva que aspira a uma comunidade democrtica que reconhea, incentive e celebre todo o tipo de diferena de gnero, cultura, sexualidade etc. (WOOD, 2003). Porm, conforme afirma Wood (2003), a poltica de identidade revela suas limitaes tanto tericas quanto polticas quando se tenta situar as diferenas de classe em sua viso democrtica. Nas palavras da autora:

A diferena que define uma classe como identidade , por definio, uma relao de desigualdade e poder, de uma forma que no necessariamente a das diferenas sexual ou cultural. (...) em que sentido seria democrtico celebrar as diferenas de classe? (...) claro que existem muitos pontos fracos no conceito de identidade tal como aplicado s relaes sociais, e isso verdade no apenas como referncia classe; mas se emancipao e democracia exigem a celebrao de identidade em um caso, e sua supresso em outro, isso certamente j suficiente para sugerir que algumas diferenas importantes esto sendo ocultadas numa categoria abrangente que se prope a cobrir fenmenos sociais muito diferentes, como classe, gnero, sexualidade ou etnicidade. No mnimo, a igualdade de classe significa algo diferente e exige condies diferentes das que se associam igualdade sexual ou racial. Em particular, a abolio da desigualdade de classe representaria por definio o fim do capitalismo (WOOD, 2003, p.221).

Enquanto a igualdade de classe significa por princpio a superao do capitalismo, a igualdade racial e de gnero, por exemplo, no parecem ser antagnicas a esse modo de produo. Wood (2003) explica que o capitalismo indiferente s pessoas que explora: ao contrrio dos modelos anteriores de produo, a explorao capitalista no se liga a identidades, desigualdades ou diferenas extra-econmicas, polticas ou jurdicas; a extrao da mais-valia dos trabalhadores ocorre em uma relao entre indivduos formalmente iguais e livres, sem pressupor diferenas de condio poltica ou jurdica. Alm do mais, o capitalismo possui uma tendncia positiva a solapar essas diferenas e a diluir identidades como gnero ou raa, sem esquecer o dado de que toda opresso extra-econmica pode ser utilizada pelo capital em benefcio prprio (WOOD, 2003). Da a firmao de Harvey (2007): o capitalismo no inventou o outro, mas por certo fez uso dele e o promoveu sob formas dotadas de um alto grau de estruturao. Atravs de sua poltica de identidades, o ps-modernismo tem contribudo para ocultar as realidades estruturais do sistema capitalista, alm de fragmentar a classe trabalhadora, tal como explica Wood (1999):

Quando os setores menos privilegiados da classe trabalhadora coincidem com as identidades extra-econmicas como gnero ou raa, como acontece com freqncia, pode parecer que a culpa pela existncia de tais setores de causas outras que no a lgica necessria do sistema capitalista. (...) apesar de ser capaz de tirar vantagens do racismo ou do sexismo, o capital no tem a tendncia estrutural para a desigualdade racial ou opresso de gnero, mas pelo, contrrio, so eles que escondem as realidades estruturais dos sistema capitalista e dividem a classe trabalhadora (WOOD, 2003, p.229).

5. CONSIDERAES FINAIS

Meszros (2002) entende que a transferncia da lealdade dos socialistas desiludidos da classe trabalhadora para os chamados novos movimentos sociais hoje valorizados em oposio ao trabalho e desprezando todo o seu potencial emancipador deve ser considerada como prematura e ingnua. que os movimentos de questo nica, mesmo quando lutam por causas no-integrveis, podem ser derrotados e marginalizados um a um, j que no podem alegar estar representando uma alternativa coerente e abrangente ordem dada como modo de controle sociometablico e sistema de reproduo social (MSZROS, 2002). Da o enfoque no potencial emancipador socialista do trabalho ser mais importante hoje do que nunca (MSZROS, 2002).Vale lembrar, segundo Mszros (2002), que o trabalho pode proporcionar o quadro de referncias estratgico abrangente no qual todos os movimentos emancipadores de questo nica podem conseguir transformar em sucesso sua causa comum para a sobrevivncia da humanidade.

Apesar de ser um empreendimento mais difcil, pela dificuldade de resgatar o sentido de pertencimento de classe, que o capital e suas formas de dominao procuram ocultar, a emancipao dos nossos dias centralmente uma revoluo no trabalho, do trabalho e pelo trabalho (ANTUNES, 2006). E a construo dessa emancipao exige que sejam convocados interesses e recursos que unifiquem a luta anticapitalista (WOOD, 1999). Da a necessidade de pensar a temtica da diferena transcendendo o fetichismo da diversidade instaurado pelo ps-modernismo, de modo a visualizar a superao do modelo contraditrio de sociedade contempornea e o sentido histrico da luta de classes. Pois, segundo Wood (1999), so os interesses e recursos da classe, a mais universal fora isolada capaz de unificar lutas libertrias diferentes (WOOD, 1999).

NOTAS

1 Leonardo Docena Pina, Licenciado em Educao Fsica pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), mestrando em Educao pelo Programa de Ps-graduao em Educao (PPGE) da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). bolsista da CAPES e membro do Grupo de Estudos em Trabalho, Educao Fsica e Materialismo Histrico (GETEMHI). Contato (e-mail): [email protected]

2 Antunes (2006) explica que a denominada crise do fordismo e do keynesianismo exprimia, em seu significado mais profundo, uma crise estrutural do capital, na qual se destacava a tendncia decrescente da taxa de lucro. Segundo Antunes (2006), essa crise manifestava a incontrolabilidade do sistema de metabolismo social do capital, alm do sentido de sua lgica destrutiva, presente na intensificao da lei de tendncia decrescente do valor de uso das mercadorias.

3 Frigotto (1995) explica que o neoliberalismo se pe como uma alternativa terica, econmica, ideolgica, tico-poltica e educativa crise do capitalismo do final do sculo XX. Porm, conforme explica o autor, essa alternativa deriva do delrio de uma razo cnica que prognostica o fim da histria. De acordo com Frigotto (1995), esse delrio se apresenta em diferentes planos, como por exemplo: o plano econmico, o ideolgico, o tico e o terico. Para os fins deste texto, nos limitamos apenas reflexo sobre a expresso do delrio no plano terico.

REFERNCIAS

ANDERSON, Perry. Balano do neoliberalismo. IN: SADER, Emir; GENTILI, Pablo (orgs.). Ps-neoliberalismo: As polticas sociais e o Estado democtico. 4 ed. So Paulo: Paz e Terra, 1998.

ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho. Ensaio sobre a afirmao e a negao do trabalho. 2ed. So Paulo. So Paulo: Boitempo, 2006.

CHAU, Marilena. Escritos sobre a Universidade. So Paulo: Editora UNESP, 2001.

DUARTE, Newton. A rendio ps-moderna individualidade alienada e a perspectiva marxista da individualidade livre e universal. In: DUARTE, Newton (org). Crtica ao fetichismo da individualidade. Campinas: Autores Associados, 2004.

EAGLETON, Terry. As iluses do ps-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

FOSTER, John Bellamy. Em defesa da histria. In: WOOD, Ellen Meiksins; FOSTER, John Bellamy (orgs.). Em defesa da histria: Marxismo e ps-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

FRIGOTTO, Gaudncio. A nova e a velha faces da crise do capital e o labirinto dos referenciais tericos. In: _________; CIAVATTA, Maria (orgs.). Teoria e Educao no Labirinto do Capital. Petrpolis: Vozes, 2001.

_____ . Os delrios da razo: crise do capital e metamorfose conceitual no campo educacional. IN: GENTILI, Pablo (org). Pedagogia da excluso: crtica ao neoliberalismo em educao. Petrpolis: Vozes, 1995.

HARVEY, David. Condio Ps-Moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudana cultural. 16 ed. So Paulo: Loyola, 2007.

LOMBARDI, Jos Claudinei. Apresentao. In: LOMBARDI, Jos Claudinei;

SAVIANI, Dermeval. (orgs.). Marxismo e Educao: debates contemporneos. Campinas: Autores Associados, 2005.

PALMER, Bryan D. Velhas posies/novas necessidades: histria, classe e metanarrativa marxista. In: WOOD, Ellen Meiksins; FOSTER, John Bellamy (orgs.). Em defesa da histria: Marxismo e ps-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

MALIK, Kenan. O espelho da raa: o ps-modernismo e a louvao da diferena. In: WOOD, Ellen Meiksins; FOSTER, John Bellamy (orgs.). Em defesa da histria: Marxismo e ps-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

MESZROS, Istvn. Para alm do capital. So Paulo/Campinas: Boitempo/Editora da UNICAMP, 2002.

MORAES, Maria Clia Marcondes. Os ps-ismos e outras querelas ideolgicas. Perspectiva. Florianpolis: NUP/CED/UFSC, ano 14, n.25, p.45-60, jan/jun. 1996.

_____ . O renovado conservadorismo da agenda ps-moderna. Cadernos de Pesquisa, v. 34, n.122, maio/ago. 2004.

SAVIANI, Dermeval. Transformaes do capitalismo, do mundo do trabalho e da educao. In: LOMBARDI, Claudinei; SAVIANI, Dermeval; SANFELICE, Jos Lus (orgs). Capitalismo, Trabalho e Educao. 3 ed. Campinas: Autores Associados, 2005.

WOOD, Ellen Meiksins. O que agenda ps-moderna?. In: WOOD, Ellen Meiksins; FOSTER, John Bellamy (orgs.). Em defesa da histria: Marxismo e ps-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999.

_____ . Democracia contra capitalismo: a renovao do materialismo histrico. So Paulo: Boitempo, 2003.SOCIOLOGIA - 2 ANO - Apostila n 1 - Prof. Renato Fialho Jr.- Pgina 2