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119 Unitermos Nomes anatômicos; órgãos; sistemas orgânicos; anatomia humana. Keywords Anatomical names; organs; organic systems; human anatomy. A nomenclatura anatômica e sua importância A Anatomia Humana é uma ciência antiga, sendo algumas vezes referida como a “velha anatomia“. Com o posterior me- lhor desenvolvimento dos conhecimentos científicos, através dos séculos, surgiu também o estudo dos animais que mais tarde se transformou no estudo da Zoologia 1-5 . Os relatos anatômicos humanos iniciaram-se com o surgimento dos próprios hominídeos e ainda hoje se encontram na França e na Alemanha desenhos representativos dos homens e animais dessa época e das suas caçadas. Esta anatomia inicial tinha grande representação de atos místicos e da melhor maneira de se produzir ferimentos em animais durante as caçadas grupais para a obtenção de “carne” para o clã 6 . Esse período compreende uma época de aproximadamente vinte e oito mil anos 1,3,4,6 . No Brasil, essas figuras rupestres encontradas desenhadas com óxido de cobre, em grutas do Nordeste, datam de nove há vinte e três mil anos. Após essas expressões humanas iniciais, surgiram antigas civilizações como a Mesopotâmica, entre os rios Tigre e Eufrates, hoje parte do Iraque, na qual as dissecações humanas tinham caráter religioso, procurando-se a sede da alma, que localizaram no fígado 7 . Já na civilização egípcia, o avanço anatômico também não foi muito destacado, embora fosse hábito a conservação dos corpos pelo processo de embalsamamento que era realizado por indivíduos chamados “parachistas”, os quais apesar de sua nobre missão “divina”, cheiravam mal e para complicar mais ainda a situ- ação desses preparadores cadavéricos, algumas pessoas associavam a retirada de órgãos com atividades demoníacas fazendo com que exprimissem tal aversão à população que quando os via faziam-nos correr com pedradas e às vezes os matavam 2 . Essa anatomia quase nada tinha de científica e sim com a religião egípcia que acreditava na preservação do corpo e da alma para a outra vida que viria após a morte, quando os mortos despertariam do seu sono da morte e voltariam novamente a ter vida para em seguida novamente adormecerem no sono dos que já se foram, e assim sucessivamente durante séculos 2,7 . No processo de mumificação, restava somente o aparelho locomotor que era mumificado, sendo as vísceras retiradas e conservadas em potes chamados “puticuli” 2 . O estudo do corpo humano com finalidade científica ini- ciou-se aproximadamente quinhentos anos antes de Cristo com Alcmeon da colônia grega de Cróton, na Itália meridional 6 e foi posteriormente, pouco a pouco, desenvolvido por pesquisas e pesquisadores que se foram sucedendo, procurando-se separar as crendices e misticismos da verdadeira concepção científica das estruturas, órgãos e tecidos até o século III antes de Cristo, em Alexandria com Herophilo (o pai da anatomia) e Erasistrato (o pai da fisiologia) 2,3,6 . A aquisição desses conhecimentos durante os séculos seguintes foi grandemente dificultada; por exemplo, na Idade Média, “a idade das trevas”, havia vários dogmas religiosos que impediam o estudo interno do corpo humano dizendo-se que: “não era lícito observar-se o corpo humano por dentro“, chegando-se inclusive a várias proibições, como a do “Tribunal da Santa Inquisição“, que julgava como hereges e bruxos todos os que não aceitassem as orientações eclesiásticas da Igreja Cató- lica 2,5,6 . Nessa época vários indivíduos que iniciaram estudos em ramos diferentes das ciências físicas e das biológicas, em pontos diferentes da Europa, foram julgados e condenados a serem quei- mados vivos em praças públicas, pois foram considerados bruxos e, pelo que se sabe, por todo o longo período em que perdurou este severo tribunal na Europa, nenhum acusado de tais infrações foi absolvido. Este grave erro cometido contra muitos dos cientistas ilustres e que nos legaram os seus conhecimentos à custa de suas próprias vidas, foi posteriormente reconhecido por vários Papas que pediram desculpas públicas sucessivas por este comportamento trágico dos seus predecessores. Dentre os muitos que sofreram tais perseguições encontra-se, por exemplo, Miguel Servet 2,6 , nascido em 1511 e morto em 1553, o descobridor da pequena circulação ou também chamada circulação pulmonar, que dizia que o sangue circulava do coração para os pulmões e destes retornava ao coração, por isso foi condenado e queimado vivo, o que hoje sabemos ser a expressão exata da verdade no corpo humano. A nomenclatura anatômica e sua importância e anatomical nomenclature and its importance José Henrique Busetti, Marlene Pereira Busetti Disciplina de Anatomia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Artigo de Revisão Recebido: 22/11/2004 Aprovado: 11/11/2005 Arq Med ABC. 2005;30(2):119-20.

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    Unitermos Nomesanatmicos;rgos;sistemasorgnicos;anatomia

    humana.

    Keywords Anatomicalnames;organs;organicsystems;human

    anatomy.

    A nomenclatura anatmica e sua importnciaA Anatomia Humana uma cincia antiga, sendo algumas

    vezes referida como a velha anatomia. Com o posterior me-lhor desenvolvimento dos conhecimentos cientficos, atravs dos sculos, surgiu tambm o estudo dos animais que mais tarde se transformou no estudo da Zoologia1-5.

    Os relatos anatmicos humanos iniciaram-se com o surgimento dos prprios homindeos e ainda hoje se encontram na Frana e na Alemanha desenhos representativos dos homens e animais dessa poca e das suas caadas. Esta anatomia inicial tinha grande representao de atos msticos e da melhor maneira de se produzir ferimentos em animais durante as caadas grupais para a obteno de carne para o cl6. Esse perodo compreende uma poca de aproximadamente vinte e oito mil anos1,3,4,6. No Brasil, essas figuras rupestres encontradas desenhadas com xido de cobre, em grutas do Nordeste, datam de nove h vinte e trs mil anos.

    Aps essas expresses humanas iniciais, surgiram antigas civilizaes como a Mesopotmica, entre os rios Tigre e Eufrates, hoje parte do Iraque, na qual as dissecaes humanas tinham carter religioso, procurando-se a sede da alma, que localizaram no fgado7. J na civilizao egpcia, o avano anatmico tambm no foi muito destacado, embora fosse hbito a conservao dos corpos pelo processo de embalsamamento que era realizado por indivduos chamados parachistas, os quais apesar de sua nobre misso divina, cheiravam mal e para complicar mais ainda a situ-ao desses preparadores cadavricos, algumas pessoas associavam a retirada de rgos com atividades demonacas fazendo com que exprimissem tal averso populao que quando os via faziam-nos correr com pedradas e s vezes os matavam2. Essa anatomia quase nada tinha de cientfica e sim com a religio egpcia que acreditava

    na preservao do corpo e da alma para a outra vida que viria aps a morte, quando os mortos despertariam do seu sono da morte e voltariam novamente a ter vida para em seguida novamente adormecerem no sono dos que j se foram, e assim sucessivamente durante sculos2,7. No processo de mumificao, restava somente o aparelho locomotor que era mumificado, sendo as vsceras retiradas e conservadas em potes chamados puticuli2.

    O estudo do corpo humano com finalidade cientfica ini-ciou-se aproximadamente quinhentos anos antes de Cristo com Alcmeon da colnia grega de Crton, na Itlia meridional6 e foi posteriormente, pouco a pouco, desenvolvido por pesquisas e pesquisadores que se foram sucedendo, procurando-se separar as crendices e misticismos da verdadeira concepo cientfica das estruturas, rgos e tecidos at o sculo III antes de Cristo, em Alexandria com Herophilo (o pai da anatomia) e Erasistrato (o pai da fisiologia)2,3,6. A aquisio desses conhecimentos durante os sculos seguintes foi grandemente dificultada; por exemplo, na Idade Mdia, a idade das trevas, havia vrios dogmas religiosos que impediam o estudo interno do corpo humano dizendo-se que: no era lcito observar-se o corpo humano por dentro, chegando-se inclusive a vrias proibies, como a do Tribunal da Santa Inquisio, que julgava como hereges e bruxos todos os que no aceitassem as orientaes eclesisticas da Igreja Cat-lica2,5,6. Nessa poca vrios indivduos que iniciaram estudos em ramos diferentes das cincias fsicas e das biolgicas, em pontos diferentes da Europa, foram julgados e condenados a serem quei-mados vivos em praas pblicas, pois foram considerados bruxos e, pelo que se sabe, por todo o longo perodo em que perdurou este severo tribunal na Europa, nenhum acusado de tais infraes foi absolvido. Este grave erro cometido contra muitos dos cientistas ilustres e que nos legaram os seus conhecimentos custa de suas prprias vidas, foi posteriormente reconhecido por vrios Papas que pediram desculpas pblicas sucessivas por este comportamento trgico dos seus predecessores. Dentre os muitos que sofreram tais perseguies encontra-se, por exemplo, Miguel Servet2,6, nascido em 1511 e morto em 1553, o descobridor da pequena circulao ou tambm chamada circulao pulmonar, que dizia que o sangue circulava do corao para os pulmes e destes retornava ao corao, por isso foi condenado e queimado vivo, o que hoje sabemos ser a expresso exata da verdade no corpo humano.

    A nomenclatura anatmica e sua importnciaThe anatomical nomenclature and its importance

    Jos Henrique Busetti, Marlene Pereira Busetti

    Disciplina de Anatomia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC).

    Artig

    o de R

    evis

    o

    Recebido: 22/11/2004

    Aprovado: 11/11/2005

    Arq Med ABC. 2005;30(2):119-20.

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    Andreas Vesalius2,3,5,7,8, o reformador da anatomia, tambm foi condenado, mas como era professor da Universidade de Pdua e mdico da realeza, foi enviado por influncia desta ltima para a Palestina afim de que fizesse Santas Oraes, para apaziguar os nimos que estavam exaltados e pediam a sua cabea, e quando este retornava para a Itlia, morreu em um naufrgio no mar Mediterrneo, em 1564, com a idade de cinqenta anos.

    Com as proibies s dissecaes, aliadas ao costume de se queimar os corpos aps a morte, como ocorria na Grcia e em outras partes2, onde se cremava os corpos e as suas cinzas eram guardadas pelos seus familiares por muitos anos, era muito plau-svel que a anatomia humana se desenvolvesse s escondidas em pontos esparsos de cada pas. Nesse processo de descobrimento das estruturas anatmicas, muitas vezes um pesquisador no conhecia as descobertas de outro seu colega contemporneo ou pregresso, pois as descobertas no eram divulgadas pelas dificuldades mencionadas. Como resultado dessa prtica, foram idealizados nomes diferentes para as mesmas estruturas, variando-se de um pas para outro e tambm de uma localidade para outra no mesmo pas.

    Com isso, a atual Nomina Anatomica9 tambm referida como Nomenclatura Anatmica ou mais recentemente Terminologia Anatmica10, tinha na poca vinte a trinta mil nomes. Esse fato impedia que os conhecimentos sobre o corpo humano circulassem de um lugar para outro, ou de um pas para outro, onde os idiomas eram diferentes e tambm as expresses idiomticas.

    A liberao da arte das dissecaes anatmicas, com o incio dos tempos modernos5,7, levou a vontade de se conhecer o corpo humano, reprimida durante sculos, ao exagero de se fazer demons-traes de dissecaes em praas pblicas. As famlias europias

    ricas compravam peas anatmicas humanas conservadas em vidros, para poderem exibi-las nas salas de estar das suas residncias. As preparaes de Duverney (1648-1730)2 estavam entre as mais caras e procuradas. Ao lado da nomenclatura cientfica extensa e que se avolumava mais a cada dia, existia tambm aquela formada pelos epnimos, consagrados por vrios sculos de uso.

    Na tentativa de tornar os nomes anatmicos universais, sob a presidncia do professor Wilhelm His9, no ano de 1895, eminentes anatomistas reuniram-se na cidade de Basilia (Sua) e fizeram a primeira Nomenclatura Anatmica (Nomina Anatomica), escrita em latim por ser uma lngua extinta e no correr mais o risco de sofrer variaes, com a possibilidade de os nomes grafados em latim serem versados para os vernculos de vrios pases, unifor-mizando-se assim os termos anatmicos para o mundo inteiro. Ao mesmo tempo, os nomes foram reduzidos para ao redor de cinco mil, retirando-se as repeties. A essa lista inicial foram acrescentados termos novos, nas sucessivas reunies realizadas nas dcadas seguintes e que continuam at os dias atuais10.

    Atualmente, os anatomistas renem-se, em mdia, a cada quatro anos durante congressos para decidirem sobre a incluso de novos termos e retirada daqueles considerados obsoletos ou errados. Os epnimos como, por exemplo, Ligamento de Fallopio, Torcular de Herophilo, Polgono de Willis, Trompa de Eustaquio, Ligamento de Poupart, de Thompson, de Henle, de Gimbernat, Canal de Hunter, Linha de Spiegel, Arco de Douglas, etc., ain-da so muito utilizados na nomenclatura clnica, pois como j expressamos, esta tem sculos de tradio e uso1,2,3,5,8,9,10. Estes termos muitas vezes no representam com fidelidade cientfica o indivduo ao qual se referem e por isso esto deixando cada vez mais de serem empregados tanto na nomenclatura cientfica bsica como na prtica clnica cotidiana5,10.

    1. Lissner I. Descoberta do mundo: assim viviam nossos an-tepassados. 3 ed. Belo Horizonte, Itatiaia, 1963. 252p.

    2. Pereira-Guimares J. Tratado de anatomia descritiva. Rio de Janeiro, Laemmert, s/d, p. 9-27.

    3. Senet A. Descoberta do mundo: o homem descobre seu corpo. 2 ed. Belo Horizonte, Itatiaia, 1962. 246p.

    4. Senet, A. Descoberta do mundo: o homem descobre seus an-tepassados. 2 ed. Belo Horizonte, Itatiaia, 1962. 310p.

    5. Nomina Anatomica. 5 ed. Rio de Janeiro, Medsi, 1984. 110p.

    6. Singer, C. Uma breve histria da anatomia e fisiologia desde os gregos at Harvey. Campinas, Editora Unicamp, 1996. 234p.

    7. Histria ilustrada da medicina. So Paulo, Manole, 1998. 192p.

    8. Terminologia anatmica. So Paulo, Manole, 2003.

    9. Van De Graaff KM. Anatomia humana. 6 ed. So Paulo, Manole, 2003. p. 1-19.

    10. Vesalius A. De humani corporis fabrica. Campinas, Editora Unicamp, 2003. 266p.

    Referncias bibliogrficas

    Endereo para correspondncia

    Prof. Jos Henrique Busetti e/ou Marlene Pereira Busetti

    Faculdade de Medicina do ABC - Instituto de Morfologia

    Av. Prncipe de Gales, n 821

    Santo Andr, SP - CEP: 09060-650

    Arq Med ABC. 2005;30(2):119-20.