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ESTADO DE GOIÁSPROCURADORIA GERAL DO ESTADO

Revista de Direito PGE-GO

Publicação do Centro de Estudos

Marconi Ferreira Perillo JúniorGovernador do Estado de Goiás

Alexandre Eduardo Felipe TocantinsProcurador-Geral do Estado de Goiás

Cleuler Barbosa das NevesProcurador-Chefe do Centro de Estudos

Revista de Direito PGE-GO Goiás Volume 27 p. 1-153 2012

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Revista de Direito PGE-GO

Procuradoria-Geral do Estado de GoiásAlexandre Eduardo Felipe TocantinsProcurador-Geral

Centro de Estudos JurídicosCleuler Barbosa das NevesProcurador-Chefe

Capa:* Eurípedes Silvério da Cruz - Editora EficazRua C-37, N. 384 - Jardim América, Goiânia - GO

CIP – Brasil – Catalogação na fonteBIBLIOTECA IVAN RODRIGUES

G56r Goiás (Estado). Procuradoria Geral do Estado. Revista de Direito / Cleuler Barbosa das Neves (Org.)

Goiânia: Centro de Estudos Jurídicos, 2012. 153 p.; v. 27 ISSN 0034-799X ISSN Eletrônico 2238-1597

1. Direito – periódicos. I. Título. II. Série CDU: 34(05)

* A imagem que ilustra a capa é inspirada na escultura "A Justiça" de Alfredo Ceschiatti que está em frente ao edifício do Supremo Tribunal Federal em Brasília-DF.

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Expediente

Editor-ChefeDr. Cleuler Barbosa das Neves

Editor-AssistenteEnnio Jacintho Danesi

Assessor de EditoraçãoRoberto Goulart de Paula Silva

Conselho Editorial

Dr. Alexandre Walmott Borges Dr. Cleuler Barbosa das Neves Dra. Deusa de Fátima Pereira Dr. Fabrício Macedo MottaDr. João Maurício Leitão Adeodato Dr. Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho Dra. Maria Rita FerragutDr. Paulo de Barros Carvalho Dr. Ricardo Lodi RibeiroDra. Valentina Jungmann Cintra

A Revista de Direito PGE-GO é uma publicação do Centro de Estudos Jurídicos da Procuradoria Geral do Estado De Goiás. Toda correspondência deve ser dirigida à REVISTA DE DIREITO PGE-GO – PROCURADORIA GERAL DO ESTADO DE GOIÁS – Praça Dr. Pedro Ludovico Teixeira, N.03 - Setor Central, Goiânia-GO, CEP.: 74003-010. Endereço eletrônico: <http://revista.pge.go.gov.br/> - e-mail: <[email protected]>

© CEJUR 2012 – Todos os direitos reservados. A reprodução ou tradução de qualquer parte desta publicação será permitida com a prévia permissão escrita do Editor, nos termos da Lei nº 9.610, de 20 de junho de 1998. Solicita-se permuta. Os conceitos emitidos em trabalhos assinados são de responsabilidades exclusiva de seus autores

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Sumário

EditorialDr. Cleuler Barbosa das Neves.......................................................................................................7

Artigos

A INCORPORAÇÃO DE EMPRESAS ESTATAIS EM LIQUIDAÇÃOFrederico Garcia Pinheiro e Valdenira Oliveira Gomes ...............................................................11

A APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DE EMPREGADO PÚBLICO DIRIGENTE SINDICAL CUJA EMPREGADORA ESTÁ EM PROCESSO DE LIQUIDAÇÃOCarlos Augusto Sardinha Tavares Junior................................................................................. .....27

O CUSTO FINANCEIRO DOS DIREITOS SOCIAIS E OS GASTOS COM SAÚDEBruno Moraes Faria Monteiro Belem...........................................................................................43

PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA: SUA REPERCUSSÃO NOS ENQUADRAMENTOS CONVALIDADOS PELO ART. 54 DA LEI Nº 9.784/1999, NO QUE CONCERNE À EXIGÊNCIA DO TEMPO NA CARREIRA CONSTANTE DAS EC NºS 41/2003 E 47/2005Beatriz Duarte Fleury Florentino..................................................................................................57

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO PARA UMA EFETIVA DEFESA CONTRA O ESTADO PATERNALISTA: UMA RELEITURA JURÍDICO DOGMÁTICA GERMÂNICA E A QUESTÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS PARA O SETOR DE COMUNICAÇÃOTathiana de Melo Lessa Amorim..................................................................................................79

O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL VIRTUAL E O SUJEITO ATIVO DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICMS) NAS OPERAÇÕES REALIZADAS PELA INTERNETThaís Gaspar...................................................................................... ...........................................97

Parecer

ARRECADAÇÃO DIRETA DA COMPENSAÇÃO FINANCEIRA DE EXPLORAÇÃO MINERAL (CFEM) PELOS ESTADOS- PETIÇÃO DE INGRESSO “AMICUS CURIAE” ADI N.4606/BA EM CURSO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERALLucas Bevilacqua........................................................................................................................133

Notas e Informações

DIRETRIZES PARA AUTORES........................................................................................... ....149

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Editorial

Dando continuidade à missão de promover a atualização e o aperfeiçoamento dos

integrantes da PGE-GO na representação judicial e na consultoria jurídica da Administração

Pública do Estado de Goiás, o CEJUR chega ao volume 27 de sua Revista de Direito. Assim

como o anterior, este volume foi publicado em formato eletrônico, visando assim, consolidar a

veiculação de trabalhos jurídico-doutrinários via internet. O Centro de Estudos Jurídicos da

PGE-GO, nesse sentido, junta-se àqueles que acreditam na globalização dos estudos jurídicos

por meio das publicações eletrônicas. Obrigado a todos que debruçaram-se em suas pesquisas

e depois nos confiaram seus trabalhos. Reconhecemos seus valiosos esforços por meio de

mais esta cuidadosa publicação. Sabemos que criar um bom artigo científico hoje em dia, na

área do Direito, não é tarefa das mais fáceis. Eis os artigos.

O Mestre em Direito Agrário e Procurador do Estado, Frederico Garcia Pinheiro e,

a Mestre em Direito Público e Procuradora do Estado Valdenira Oliveira Gomes, no artigo "A

incorporação de empresas estatais em liquidação", analisam a viabilidade jurídica, conforme a

legislação brasileira, de haver incorporação entre empresas estatais (empresas públicas ou

sociedades de economia mista) que estão em processo de liquidação.

Em "A aposentadoria compulsória de empregado público dirigente sindical cuja

empregadora está em processo de liquidação", o Procurador do Estado de Goiás, Carlos

Augusto Sardinha Tavares Junior, dispõe-se a refletir acerca da aposentadoria compulsória do

empregado público de empresa estatal em processo de liquidação que ocupe cargo de

dirigente sindical, apontando que disposições aplicar ao caso: o art. 51, da Consolidação das

Leis do Trabalho ou o art. 40, da Constituição Federal.

O Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e

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Procurador do Estado de Goiás, Bruno Moraes Faria de Monteiro Belém em, "O custo

financeiro dos direitos sociais e os gastos com saúde", discute, a partir de uma perspectiva

jurídico-constitucional e orçamentário-financeira., alguns aspectos relacionados aos gastos

com saúde no Brasil e em Goiás.

No artigo "Princípio da segurança jurídica: sua repercussão nos enquadramentos

convalidados pelo art. 54 da lei nº 9.784/1999, no que concerne à exigência do tempo na

carreira constante das ec nºs 41/2003 e 47/2005", a especalista em Direito do Estado e também

Procuradora, Beatriz Duarte Fleury Florentino, analisa os efeitos da convalidação do ato

administrativo de enquadramento de servidor público, segundo a regra do artigo 54 da Lei nº

9.784/99 (regula o processo administrativo na Administração Pública Federal), em face do seu

direito adquirido à aposentadoria com fundamento nas regras constitucionais de transição das

EC nºs 41/2003 e 47/2005, no que concerne à exigência de tempo na carreira.

Partindo-se da atual formação de monopólios e oligopólios no âmbito da

comunicação de massas em nosso país, o artigo "A liberdade de expressão para uma efetiva

defesa contra o estado paternalista: uma releitura jurídico dogmática germânica e a questão

das agências reguladoras para o setor de comunicação"; da Relatora e Membro do Tribunal de

Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal e advogada

Tathiana de Melo Lessa Amorim, procura resolver questões relacionadas à liberdade de

expressão em face da autoridade estatal, através de um modelo regulatório condizente no país.

Buscando a participação de colaboradores de outros estados, tivemos a satisfação

de publicar, nesta edição, o artigo "O estabelecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da

relação jurídica tributária do imposto sobre circulação de mercadorias (ICMS) nas operações

realizadas pela internet", de nossa colega do Estado do Mato Grosso, a procuradora Thaís

Gaspar. Em seu trabalho a procuradora propõe-se a investigar o local de ocorrência das

operações de circulação de mercadorias realizadas pela Internet procurando identificar o

sujeito ativo na relação jurídica tributária delas surgida.

Assim como no volume anterior deste periódico, esta edição também encerra-se

com um parecer. Em "Arrecadação direta da Compensação Financeira de Exploração Mineral

(CFEM) pelos Estados- Petição de ingresso “amicus curiae” ADI n.4606/BA em curso no

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Supremo Tribunal Federal". O Procurador do Estado Lucas Bevilácqua nos traz uma petição

de ingresso do Estado de Goiás na condição de “amicus curiae” em Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADI) n. 4606/BA ajuizada pela Presidente da República em face de lei

do Estado da Bahia.

Que as linhas dispostas nas próximas páginas, criadas por estes(as) nobres e

insistentes estudiosos(as) de nossas fontes jurídicas, à luz de sua aplicação no âmbito da

Administração Pública; possam ser úteis não só aos seus destinatários diretos, os integrantes

da Procuradoria Geral do Estado de Goiás; mas a todos que corajosamente assumem seus

papéis de críticos e, por isso mesmo, criadores e modificarores do Direito. Bem vindos ao

rigoroso, porém sutil, campo das ciências jurídicas, onde cada um de nós, à sua maneira,

procura respostas para os problemas de sua época; muitos dos quais, legados de uma história

em acelerada transformação.

Cleuler Barbosa das Neves*

Editor Chefe da Revista de Direito PGE-GOProcurador-Chefe do CEJUR

*Doutor em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de Goiás (2006). Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás (2001). Professor adjunto 2 da Universidade Federal de Goiás e Procurador doEstado de Goiás.

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A INCORPORAÇÃO DE EMPRESAS ESTATAIS

EM LIQUIDAÇÃO

Frederico Garcia Pinheiro1

Valdenira Oliveira Gomes2

RESUMOO presente artigo visa analisar a viabilidade jurídica, conforme a legislação brasileira, de haver incorporação entre empresas estatais (empresas públicas ou sociedades de economia mista) que estão em processo de liquidação.

PALAVRAS-CHAVE: Empresa estatal. Empresa pública. Sociedade de economia mista. Incorporação. Liquidação.

ABSTRACTThis article aims to analyze the feasibility, as Brazilian law, there merger between state-owned enterprises (public entrerprises or mixed economy companies) that are in the process of liquidation.

KEY-WORDS: State-owned company. Public enterprise. Mixed economy company. Incorporation. Liquidation.

1 Mestre em Direito Agrário e Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Especialista em Direito Processual pelo Axioma Jurídico. Mastering of Laws em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Professor no Instituto Goiano de Direito Empresarial (IGDE) e Palestrante da Escola Superior de Advocacia da OAB-GO. Procurador do Estado de Goiás. Advogado, sócio do Pinheiro & Fortini escritório de advocacia.2 Mestre em Direito Público pela Universidade de Franca-SP (UNIFRAN). Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Professora na Pós-Graduação em Direito Constitucional e Administrativo da PUC-GO. Procuradora do Estado de Goiás.

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12 Frederico G. PINHEIRO, Valdenira O. GOMES, A incorporação de empresas estatais em... p. 11-26

INTRODUÇÃO

A Administração Pública Indireta do Estado de Goiás é composta por diversas

empresas estatais, algumas das quais são empresas públicas e outras, sociedades de economia

mista. Várias dessas empresas estatais encontram-se em processo de liquidação ordinária, há

muito tempo, sem que haja sucesso na extinção pretendida. Os motivos desse insucesso são

muitos, mas o principal deles é que a grande quantidade de dívidas vencidas e não pagas,

mesmo tendo o Estado de Goiás assumido a responsabilidade pelo pagamento delas.

Diante desse contexto, motivada por provocação do liquidante dessas empresas

estatais, a Procuradoria Geral do Estado de Goiás foi instada a estudar a viabilidade jurídica

de se promover a incorporação entre essas empresas estatais.

A mencionada incorporação – caso seja juridicamente possível – possibilitaria ao

liquidante adotar uma medida alternativa que resultaria na extinção da personalidade jurídica

de algumas empresas estatais que seriam incorporadas, ainda que em processo de liquidação

ordinária.

Com esse intuito, foram realizados estudos no âmbito da Procuradoria Geral do

Estado de Goiás acerca da viabilidade jurídica de se promover a incorporação entre empresas

estatais em liquidação e esses estudos serviram de base para a elaboração do presente artigo.

1 ASPECTOS GERAIS DA INCORPORAÇÃO

A incorporação é a operação de concentração empresarial que implica na

transferência do patrimônio de uma pessoa (incorporada) para outra (incorporadora). Por

intermédio da incorporação, a incorporadora sucede a incorporada em todos os direitos e

obrigações e resulta na extinção dessa última em conseqüência. Segundo Marlon Tomazette,

“a incorporação é a operação pela qual uma sociedade absorve outra, que desaparece. A

sociedade incorporada deixa de operar, sendo sucedida em todos os seus direitos e obrigações

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pela incorporadora, que tem um aumento no seu capital social”.3 No mesmo sentido, Alfredo

de Assis Gonçalves Neto doutrina:

A incorporação é a operação de concentração empresarial pela qual uma ou várias sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações. Era o que dizia o art. 227 da Lei das S.A., reproduzido, nessa parte, pelo art. 1.116 do Código Civil.4

Portanto, a incorporação promove a transferência dos direitos e obrigações da

pessoa jurídica incorporada para a incorporadora, ou seja, há a transferência de todo o

patrimônio da pessoa jurídica incorporada.

Destaque-se que os dispositivos legais que tratam da incorporação têm por foco a

operação entre sociedades, mas tais dispositivos também devem ser aplicados quando se tratar

de qualquer pessoa jurídica empresarial. O conceito de pessoa jurídica empresarial vale tanto

para as sociedades empresárias (incluindo as sociedades de economia mista), quanto para as

“pessoas jurídicas unipessoais” admitidas pela legislação brasileira, como a subsidiária

integral de determinada sociedade anônima (arts. 251 e 252 da Lei 6.404/76), a empresa

pública unipessoal (art. 5º, inc. II, do Decreto-Lei 200/67) e a recém-criada empresa

individual de responsabilidade limitada – EIRELI (art. 980-A do Código Civil).5

Feito esse esclarecimento, chega-se à conclusão de que, em razão da transferência

de todo o patrimônio da pessoa incorporada, esta é extinta, até mesmo porque, conforme

doutrina Fábio Konder Comparato, “Assim como não há patrimônio sem sujeito, tampouco

pode existir sujeito sem patrimônio, ou, melhor dizendo, sem capacidade patrimonial.”

Sobre a natureza do processo de incorporação, é importante destacar que ele não

pode ser confundido com o procedimento de liquidação. Nesse sentido, Alfredo de Assis

Gonçalves Neto assevera que “não se pode falar em liquidação da sociedade incorporada, pois

um dos característicos da incorporação é transferir o patrimônio desta sociedade à

incorporadora, provocando, destarte, a extinção daquela.”6 Para chegar à mesma conclusão,

3 Marlon TOMAZETTE, Curso de Direito Empresarial, 2009, p. 588.4 Alfredo de Assis GONÇALVES NETO, Manual das Companhias ou Sociedades Anônimas, 2010, p. 278.5 A “pessoa jurídica unipessoal” não se confunde com a “sociedade unipessoal”, que o direito brasileiro admite quando

determinada sociedade que já opere venha a, posteriormente, quedar-se com apenas um único sócio. Nesse caso, em razão de a unipessoalidade ser superveniente e temporária, admitida em prol da preservação da empresa (art. 1.033, inc. IV, do Código Civil ou art. 206 da Lei 6.404/76 ou Lei das S/A’s), é que se poderia cogitar de chamá-la de “sociedade unipessoal”.

6 Alfredo de Assis GONÇALVES NETO, Manual das Companhias ou Sociedades Anônimas, 2010, p. 278-279.

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14 Frederico G. PINHEIRO, Valdenira O. GOMES, A incorporação de empresas estatais em... p. 11-26

Fábio Konder Comparato afirma que a incorporação provoca:

[...] uma dissolução da sociedade sem liquidação patrimonial, isto é, sem que o patrimônio social seja decomposto, mediante a transformação dos bens do ativo em dinheiro e pagamento das dívidas. É todo o patrimônio, intacto, da sociedade incorporada […], ativo e passivo, que se transfere, de pleno direito, para a sociedade incorporadora […], de modo a alterar ou compor ex novo o capital destas últimas.7

Nessa perspectiva, é possível afirmar que a liquidação e a incorporação não se

confundem, mas são espécies de procedimentos para a extinção de pessoa jurídica empresarial

(seja ela sociedade empresária, EIRELI ou empresa pública). Nessa linha, o art. 219 da Lei n.

6.404/76 é taxativo ao prever que a companhia (sociedade anônima) se extingue ou pelo

encerramento da liquidação (inciso I) ou pela incorporação, fusão ou cisão com versão de

todo o patrimônio (inciso II).

2 VANTAGENS DA INCORPORAÇÃO PARA EXTINÇÃO DE PESSOA

JURÍDICA EMPRESARIAL

Na prática, o meio mais rápido de se extinguir uma pessoa jurídica empresarial é

mediante o uso do instituto da incorporação. Assim, o referido instituto vem sendo muito

utilizado como instrumento de reorganização societária com os mais diversos objetivos, como

por exemplo, para adoção de melhor estratégia de mercado, para planejamento tributário, para

diminuição dos custos burocráticos etc. Nesse sentido, eis os comentários de Lamy Filho

Pedreira:

A grande maioria das operações de unificações de sociedades observadas no Brasil são negócios jurídicos de incorporação, o que se explica por algumas vantagens que apresenta: preserva a personalidade jurídica de uma das sociedades (que em geral é a de maior dimensão ou reputação no mercado), reduz a averbação da unificação nos registros públicos de propriedade dos bens e requer menos formalidades do que a constituição da nova companhia criada pela fusão.8

7 Fábio Konder COMPARATO, Sucessões Empresariais, 2011, p. 1145.8 Lamy Filho PEDREIRA, Incorporação, fusão e cisão. In: José Luiz Bulhões PEDREIRA. (org.). Direito das Companhias,

2009, p. 1.746.

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Além disso, na incorporação não há necessidade da criação de uma nova pessoa

jurídica empresarial, pois uma pessoa jurídica preexistente absorve o patrimônio de uma ou

mais pessoas jurídicas que se extinguirão no processo de incorporação. Assim, restará uma

pessoa jurídica única, cujo patrimônio corresponderá ao somatório dos patrimônios líquidos

de todas as pessoas jurídicas absorvidas no processo de incorporação.

3 A INCORPORAÇÃO ENTRE EMPRESAS ESTATAIS

A incorporação extingue a pessoa jurídica. Logo, pode-se concluir que, quando a

pessoa jurídica for uma empresa estatal (empresa pública ou sociedade de economia mista),

há necessidade de autorização legislativa para se iniciar o respectivo processo de

incorporação, tal qual é exigido, quando se objetiva a liquidação de tais empresas estatais.

Essa autorização legislativa é decorrente do princípio do paralelismo das formas, conforme

defende Edmir Netto de Araújo:

A conclusão lógica é que, dependendo de lei que autorize a sua criação, só por essa via pode ser extinta, e não por vontade própria, em Assembleia Geral ou por decisão de seu Conselho de Administração, por exemplo, pois qualquer ato, privado ou público, de hierarquia inferior à lei deixaria existente e vigente o ato legislativo que autorizou a criação da empresa (princípio do paralelismo das formas), em situação jurídica indefinida.9

Quanto à necessidade de legislação específica autorizando a incorporação (ou

outra forma de extinção) das pessoas jurídicas integrantes da Administração Indireta, no

passado já se tentou conferir ao Chefe do Poder Executivo uma autorização genérica para

fazê-lo. Entretanto, com a evolução legislativa e doutrinária sobre a questão, dúvidas não há

quanto à exigência de autorização específica, conforme ensinamentos de Maria Sylvia Zanella

di Pietro:

Quanto à extinção das empresas públicas e sociedades de economia mista (bem como das autarquias e fundações), o artigo 178 do Decreto-lei n.º 200/67 previa a

9 Edmir Netto de ARAÚJO, Curso de Direito Administrativo, 2006, p. 210.

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16 Frederico G. PINHEIRO, Valdenira O. GOMES, A incorporação de empresas estatais em... p. 11-26

possibilidade da sua liquidação ou incorporação a outras entidades, “por ato do Poder Executivo, respeitados os direitos assegurados aos eventuais acionistas minoritários, se houver, nas leis e atos constitutivos de cada entidade”.Esse dispositivo sempre foi criticado pelos doutrinadores, por atribuir ao Poder Executivo a possibilidade de desfazer ato do legislador, sendo, portanto, inconstitucional.Na atual Constituição, ficou fora de dúvida sua revogação, pois a competência do Presidente da República para dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Federal, que era invocada para justificar aquela norma, passou a ser exercida “na forma da lei” (art. 84, VI, em sua redação original). Esse dispositivo foi alterado pela Emenda Constitucional n.º 32/2000, que deu competência ao Presidente da República para dispor, por decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, porém quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos. A mesma Emenda Constitucional também alterou o artigo 61, § 1º, alínea e, exigindo lei de iniciativa do Presidente da República para a criação e extinção de Ministérios e órgão da administração pública. Se a exigência é feita para órgãos (que não têm personalidade jurídica própria), com muito mais razão se justifica em relação aos entes da administração indireta, que são pessoas jurídicas distintas da pessoa política que as instituiu.10

No mesmo sentido, José dos Santos Carvalho Filho é categórico em afirmar que

para implementar a extinção da empresa pública ou sociedade de economia mista é necessária

lei autorizadora prévia:

A extinção das empresas públicas e das sociedades de economia mista reclama lei autorizadora. Significa dizer que o Poder Executivo, a que são normalmente vinculadas, não tem competência exclusiva para dar fim às entidades. O fato se justifica pela teoria da simetria, isto é, se a própria Constituição exige que a autorização criadora se faça através de lei, é evidente que somente ato desta natureza será legítimo para extingui-las.11

Portanto, desde que haja prévia autorização legislativa, dúvidas não há quanto à

possibilidade de uma empresa estatal ser incorporada e de ser, conseqüentemente, extinta.

Vale ressaltar que essa autorização legislativa precisa ser específica, isto é, deve indicar que a

extinção deverá ser feita por incorporação, e não por outra forma. Sendo assim, uma eventual

lei que autorize a liquidação de determinada empresa estatal não pode ser utilizada por

analogia, quando se pretender a extinção por incorporação dessa empresa estatal.

Para a extinção de empresa estatal por incorporação é necessária prévia

autorização legal, mas não é exigida tal autorização legal quando a empresa estatal é que

pretender incorporar o patrimônio de outra pessoa jurídica empresarial. Quando a empresa 10 Maria Sylvia Zanella DI PIETRO, Direito Administrativo, 2011, p. 459.11 José dos Santos CARVALHO FILHO, Manual de Direito Administrativo, 2004, p. 403.

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estatal assume o papel de incorporadora, não se faz necessária a prévia autorização legislativa,

mas se ambas, incorporadora e incorporada, forem empresas estatais, é conveniente que a lei

que autorizará a incorporação, além de mencionar a empresa estatal incorporada, também

identifique a empresa estatal incorporadora – procedimento este que é relevante para conferir

mais publicidade à operação.

Sendo certo que as empresas estatais em liquidação podem ser incorporadas ou

incorporarem o patrimônio umas das outras, mesmo estando em processo de liquidação, resta

saber se há diferença de tratamento entre a empresa pública e a sociedade de economia mista.

A empresa pública é uma pessoa jurídica de direito privado, na qual todo o capital

deve ser integralizado, obrigatoriamente, por uma pessoa jurídica de direito público, podendo

adotar qualquer forma admitida em direito (art. 5º, inc. II, do Decreto-lei n. 200/67). Por seu

turno, a sociedade de economia mista também é uma pessoa jurídica de direito privado, que

deve adotar, obrigatoriamente, a forma de sociedade anônima (S/A) e que, se houver partes de

ações pertencentes a particulares, uma pessoa jurídica de direito público deve ser a detentora

de, pelo menos, mais da metade daquelas ações com direito a voto (art. 5º, inc. III, do

Decreto-lei n. 200/67).

Destaque-se que se adotaram aqui, na definição de empresa pública e sociedade de

economia mista, basicamente, os conceitos do Decreto-lei n. 200/67 que, apesar de tratar da

Administração Pública federal, tem status de lei federal e é aplicado por analogia aos demais

entes federados, haja vista que a competência para legislar sobre Direito de Empresa ou

Direito Comercial é privativa da União (art. 22, inc. I, da CF/88).

Tomando por base tais definições, basta considerar que as empresas públicas são

sociedades unipessoais e todas as suas “ações” ou “quotas sociais” têm direito a voto e são

pertencentes à pessoa jurídica de direito público que as criou.

Dito isso, adotando-se a ideia posta acima sobre a empresa pública, conclui-se que

é juridicamente possível a incorporação entre empresas públicas e sociedades de economia

mista, tendo em vista que o caput do art. 223 da Lei n. 6.404/76 admite que a incorporação

seja realizada entre “sociedades de tipos iguais ou diferentes”.

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18 Frederico G. PINHEIRO, Valdenira O. GOMES, A incorporação de empresas estatais em... p. 11-26

4 A INCORPORAÇÃO ENTRE EMPRESAS ESTATAIS EM PROCESSO

DE LIQUIDAÇÃO

Se as empresas estatais se encontrarem em processo de liquidação, é possível que

sejam incorporadas ou que incorporem o patrimônio uma das outras, já que, se o processo de

liquidação ainda está em curso, conclui-se que existe patrimônio da empresa pública em

liquidação e ainda não houve extinção da respectiva pessoa jurídica; logo, o referido

patrimônio pode ser incorporado a outra empresa estatal.

Durante o processo de liquidação é possível prosseguir no exercício da atividade

empresarial, desde que haja deliberação da assembleia geral nesse sentido (art. 211, parágrafo

único, da Lei 6.404/76), e por questão de lógica também deve ser admitida a eventual

incorporação de empresas estatais entre si, ainda que ambas estejam em processo de

liquidação. E essa incorporação também requer deliberação da assembleia geral (art. 225 da

Lei 6.404/76).

É importante destacar que, em ambas as situações – prosseguimento na atividade

empresarial e incorporação –, o regime jurídico específico da empresa estatal ainda exige

prévia autorização legislativa, não bastando a mera autorização conferida pela assembleia

geral. Essa autorização legislativa é necessária porque deve revogar a anterior autorização

legislativa para a liquidação da empresa estatal, sendo que, no caso de incorporação, também

deve haver autorização legislativa para a utilização dessa modalidade de extinção.

5 O PROCEDIMENTO PARA A INCORPORAÇÃO

Conquanto o Código Civil não tenha tratado do procedimento e dos documentos

societários necessários à incorporação, tais formalidades continuam sendo exigidas para a

validade do negócio. Aliás, os documentos deverão ser arquivados na Junta Comercial para

fins de registro público. Para tanto, aplicam-se as regras previstas na Lei nº. 6.404/76. Sobre o

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tema, é oportuno transcrever as lições de Sílvio de Salvo Venosa e Cláudia Rodrigues:

O procedimento de incorporação tem início com a investigação da situação da sociedade incorporada (due dilligence) para a verificação da viabilidade da operação. O resultado desse procedimento preliminar dará as bases da operação de incorporação e de reforma do ato constitutivo. A Lei nº 6.404, de 1976, estabelece a necessidade de apresentação de justificação, que vem a ser um relatório técnico elaborado pelos administradores para ser apresentado aos sócios, com o detalhamento da operação e dos motivos para sua realização. Apresentada a justificação, com os vários consideranda (sic), procede-se ao protocolo, que pode ser definido como um contrato preliminar pelo qual incorporada e incorporadora manifestam a vontade de realizar a operação, ficando assim vinculadas. Embora o Código Civil não traga essa regra, tratando-se de incorporação que envolva sociedade por ações, essas peças são indispensáveis para as tratativas preliminares da operação. Nada impede, igualmente, que mesmo nas incorporações que envolvam outra natureza societária apliquem-se as regras das sociedades por ações, diante da omissão do Código. Trata-se de forma mais segura e mais transparente de realizar o processo.12

Para a realização da incorporação, a Lei n. 6.404/76 determina expressamente que

sejam elaborados determinados documentos societários, os quais deverão ser firmados ou

ratificados pelos acionistas/sócios das pessoas jurídicas submetidas ao processo de

incorporação. Destacam-se o protocolo, a justificação e o laudo de avaliação. Esses

documentos societários também devem ser interpretados e providenciados analogicamente

para as pessoas jurídicas unipessoais que participem do processo de incorporação.

O protocolo é o primeiro documento societário imprescindível para a realização

da incorporação, cuja base legal encontra-se no art. 224 da Lei n. 6.404/76:

Art. 224. As condições da incorporação, fusão ou cisão com incorporação em sociedade existente constarão de protocolo firmado pelos órgãos de administração ou sócios das sociedades interessadas, que incluirá:I - o número, espécie e classe das ações que serão atribuídas em substituição dos direitos de sócios que se extinguirão e os critérios utilizados para determinar as relações de substituição;II - os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, no caso de cisão;III - os critérios de avaliação do patrimônio líquido, a data a que será referida a avaliação, e o tratamento das variações patrimoniais posteriores;IV - a solução a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital de uma das sociedades possuídas por outra;V - o valor do capital das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do capital das sociedades que forem parte na operação;

12 Sílvio de Salvo VENOSA; Cláudia RODRIGUES, Direito civil: direito empresarial, 2012, p. 208. 3ªed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 208.

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20 Frederico G. PINHEIRO, Valdenira O. GOMES, A incorporação de empresas estatais em... p. 11-26

VI - o projeto ou projetos de estatuto, ou de alterações estatutárias, que deverão ser aprovados para efetivar a operação;VII - todas as demais condições a que estiver sujeita a operação.Parágrafo único. Os valores sujeitos a determinação serão indicados por estimativa.

Sobre o protocolo é relevante registrar que os requisitos mínimos estão previstos

no art. 224 da Lei n. 6.404/76; entretanto, poderão existir outras cláusulas ou elementos

complementares ou especiais para a incorporação e, se existirem, deverão ser incluídos no

protocolo. Esse documento, na verdade, tem a finalidade de apresentar aos acionistas as

condições em que se dará a futura incorporação e deve ser elaborado e assinado pelos órgãos

de administração ou sócios das sociedades interessadas no negócio.

Sobre a natureza do protocolo, é esclarecedora a lição de Modesto Carvalhosa,

para quem “o protocolo constitui convenção de natureza pré-contratual que manifesta e

vincula a vontade das sociedades envolvidas através dos órgãos de administração da

companhia ou dos sócios-gerentes das sociedades de pessoas”.13

Vale salientar que, apesar de ser elemento essencial à validade da incorporação e

por isso sujeito a registro na Junta Comercial, o protocolo não gera responsabilidade aos

administradores pela não realização da incorporação, pois esse ato depende da decisão que

será tomada na Assembleia Geral, quando a operação envolver apenas sociedades anônimas.

A Assembleia Geral ou a reunião de quotistas não podem alterar ou emendar o protocolo.

Havendo recusa parcial das condições fixadas no protocolo, deverá ser elaborado novo

documento para submissão à nova apreciação do órgão deliberativo.

Outrossim, é importante registrar que, via de regra, na data da celebração do

protocolo, dificilmente os órgãos de administração das pessoas jurídicas empresariais

envolvidas terão condições de demonstrar de forma definitiva os valores da operação;

portanto, o protocolo não precisa apresentar números definitivos, mas estimativas que serão

determinadas no futuro; daí, a previsão do parágrafo único do art. 224 da Lei n. 6.404/76.

A justificação é segundo documento societário exigido para a incorporação e seu

conteúdo está mencionado no art. 225, incisos I a VI, da Lei n. 6.404/76. A doutrina sustenta

que o protocolo é um documento de natureza mais técnica, cuja finalidade é detalhar as

13 Modesto CARVALHOSA, Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 1999, p. 253.

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informações sobre a reorganização pretendida e a justificação é na verdade uma exposição de

motivos a ser exposta pelos órgãos de administração aos sócios ou acionistas; contudo, deverá

conter obrigatoriamente os itens exigidos no art. 225 da Lei n. 6.404/76.14

A recusa parcial da justificação provoca as mesmas consequências da recusa

parcial do protocolo. Assim, nesta circunstância impõe-se a elaboração de nova minuta de

justificação. Após a aprovação do protocolo e da justificação, os sócios/acionistas das

sociedades envolvidas na operação deverão nomear três peritos ou uma empresa especializada

em auditoria dessa natureza para avaliar o patrimônio líquido da sociedade a ser incorporada.

Por último, o laudo de avaliação é o terceiro documento societário imprescindível

à realização da incorporação. Esse laudo tem o objetivo de apurar o patrimônio líquido da

sociedade a ser incorporada e deverá ser elaborado segundo as regras do art. 8º da Lei n.

6.404/76.

Quanto aos critérios para a avaliação do patrimônio líquido, anote-se que os

sócios ou acionistas poderão escolher entre o valor de mercado ou contábil, conforme prevê o

art. 21 da Lei n. 9.249/95, o qual dispõe, também, sobre as medidas que devem ser adotadas

para efeito do imposto de renda. Eis a redação do dispositivo:

Art. 21. A pessoa jurídica que tiver parte ou todo o seu patrimônio absorvido em virtude de incorporação, fusão ou cisão deverá levantar balanço específico para esse fim, no qual os bens e direitos serão avaliados pelo valor contábil ou de mercado.

§ 1º O balanço a que se refere este artigo deverá ser levantado até trinta dias antes do evento.

§ 2º No caso de pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado, que optar pela avaliação a valor de mercado, a diferença entre este e o custo de aquisição, diminuído dos encargos de depreciação, amortização ou exaustão, será considerada ganho de capital, que deverá ser adicionado à base de cálculo do imposto de renda devido e da contribuição social sobre o lucro líquido.

§ 3º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, os encargos serão considerados incorridos, ainda que não tenham sido registrados contabilmente.

§ 4º A pessoa jurídica incorporada, fusionada ou cindida deverá apresentar declaração de rendimentos correspondente ao período transcorrido durante o ano-calendário, em seu próprio nome, até o último dia útil do mês subseqüente ao do evento.

14 Ian MUNIZ, Fusões e Aquisições – Aspectos Fiscais e Societários, 2009, p. 160-165.

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22 Frederico G. PINHEIRO, Valdenira O. GOMES, A incorporação de empresas estatais em... p. 11-26

Acerca do procedimento, cabe ressaltar também que os atos de reorganização

societária e, dentre eles a incorporação, devem ser arquivados perante o Registro Público de

Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais. O arquivamento dos atos de

incorporação de sociedades mercantis está regulamentado pela Instrução Normativa n. 88, de

02 de agosto de 2001, do Departamento Nacional de Registro do Comércio – DNRC, a qual

em seus artigos de 10 a 12 especifica os documentos imprescindíveis a tal finalidade.

Deverá, ainda, ser observada a Instrução Normativa n. 115, de 30 de setembro de

2011, também do DNRC, que prevê, em seu art. 1º, que as certidões relativas à comprovação

de quitação de tributos e contribuições sociais federais deverão acompanhar os pedidos de

arquivamento de incorporação.

Salienta-se, ainda, no que tange ao procedimento, que, por força das disposições

do art. 234 da Lei n. 6.404/76, a certidão passada pela Junta Comercial, sobre a incorporação,

fusão ou cisão, é o documento hábil para a averbação, nos registros públicos competentes, da

sucessão, decorrente da operação, em bens, direitos e obrigações. Por fim, alerta-se que há a

necessidade de observância das regras contidas nos artigos de 1.150 a 1.154 do Código Civil,

que tratam do registro das pessoas jurídicas empresariais.

6 O PRAZO DECADENCIAL PARA ANULAR A INCOPORAÇÃO

A legislação prevê prazo decadencial para que algum eventual credor prejudicado

pleiteie a anulação da incorporação; porém, com a vigência do atual Código Civil, há

divergências sobre a amplitude desse prazo decadencial (60 ou 90 dias), já que o art. 1.122 do

Código Civil estabeleceu o prazo de 90 (noventa) dias, enquanto o art. 232 da Lei n. 6.404/76

já previa o prazo de 60 (sessenta) dias.

A jurisprudência ainda não tem posição pacífica sobre qual prazo decadencial

deve prevalecer, mas a maioria dos dourinadores tem defendido a tese de que o prazo

decadencial é de 90 (noventa) dias, senão veja-se:

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O credor que não exercer a ação anulatória no prazo de 90 dias da publicação do ato constitutivo da incorporação, da fusão ou da cisão, decai desse direito. O art. 232 da Lei 6.404/1976 fixa esse prazo em 60 dias. Por paradoxal que possa parecer, apesar de vir sustentando que a Lei das S.A. não foi revogada em matéria de incorporação, fusão e cisão, prosseguindo sua aplicação às sociedades por ações e às demais sociedades naquilo em que omisso o tratamento do Código Civil, tenho para mim que essa regra do seu art. 232 deixou de viger porque não diz respeito a nenhuma sociedade, destinada que é à proteção de credores, qualquer que seja a devedora.15

Em se tratando de sociedade por ações, o artigo 232 da Lei 6.404/76 fixa prazo de até 60 dias para pleitear judicialmente a anulação da operação. Embora seja recomendável que as partes e seus advogados não se arrisquem, respeitando esse prazo menor pela simples possibilidade de entendimento diverso do Judiciário, parece-me que a previsão anotada no artigo 1.122 do Código Civil derroga a previsão do artigo 232 da Lei 6.404/76, aplicando-se, em todos os casos, prazo decadencial de 90 dias.16

Nos termos do art. 1.122 do Código Civil de 2002 [neste particular acreditamos prevalecer o prazo do Código Civil de 2002, em face do prazo de 60 dias que era previsto no artigo 232 da Lei 6.404/76], os credores prejudicados têm o prazo decadencial de 90 dias para pleitear a anulação da operação, prazo este contado da publicação dos atos relativos a esta.17

Portanto, com a finalidade de proteger terceiros interessados (credores), a

interpretação coerente é a de que o art. 1.122 do Código Civil revogou tacitamente o art. 232

da Lei n. 6.404/76, razão pela qual o prazo decadencial para eventuais credores prejudicados

pleitearem a nulidade da incorporação é de 90 (noventa) dias.

7 A POSSIBILIDADE DE INCORPORAÇÃO DE EMPRESA COM

PATRIMÔNIO LÍQUIDO NEGATIVO

Uma questão controvertida é a possibilidade de incorporação de empresas com

patrimônio líquido negativo, situação que pode acontecer em muitos casos. Embora parte da

doutrina afirme não ser possível a incorporação de empresa com patrimônio líquido negativo,

principalmente em razão das disposições do art. 2.261 da Lei n. 6.404/76, a verdade é que

várias incorporações de empresas deficitárias estão ocorrendo. E mais, os doutrinadores que

15 Alfredo de Assis GONÇALVES NETO, Direito de Empresa, 2008, p. 526.16 Gladston MAMEDE, Direito Empresarial Brasileiro, 2007, p. 216.17 Marlon TOMAZETTE. Curso de Direito Empresarial, 2009, p. 592.

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24 Frederico G. PINHEIRO, Valdenira O. GOMES, A incorporação de empresas estatais em... p. 11-26

concluem pela impossibilidade de tal incorporação fazem-no porque só conseguem

vislumbrar a incorporação com aumento de capital.18 Todavia, a incorporação pode ocorrer

sem aumento de capital.

Sobre a possibilidade de incorporação de empresa com patrimônio negativo, cabe

mencionar aqui alguns precedentes favoráveis à concretização de tal arranjo empresarial.

Primeiramente, registra-se o Parecer CONJUR/MICT n. 29, de 26 de dezembro de 1996, o

qual tratou especificamente dessa questão e do qual se extrai o seguinte trecho:

A lei não veda a incorporação de sociedade cujo patrimônio líquido seja negativo, caso em que se exclui o aumento de capital. Não impede a incorporação o fato de a sociedade incorporanda estar em liquidação. De qualquer modo, fica a salvo o direito da minoria e de terceiros.

Na citação supra, o tema foi abordado com profundidade e o Ministério da

Indústria e Comércio reformou decisão da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro, que

negara o registro de uma incorporação sob o argumento de que a empresa incorporada

ostentava patrimônio negativo.

Pedro Anan Júnior, ao tratar do tema, assevera o seguinte:

Uma grande questão que se coloca é se uma pessoa jurídica pode incorporar uma outra que possui patrimônio líquido negativo (passivo a descoberto – passivos superiores aos ativos). O que se coloca é que nessas situações o que ocorre, em realidade, é uma assunção de dívidas por parte da sociedade incorporadora, tendo em vista que a pessoa jurídica a ser incorporada possui mais passivos do que ativos.19

Ainda, sobre a possibilidade de a incorporadora assumir dívidas da incorporada

deficitária, registra-se um precedente autorizado pela ANEEL – Agência Nacional de Energia

Elétrica, conforme se deduz do voto proferido no processo n. 48500.006714/2007-00

envolvendo a incorporação da Companhia Energética do Amazonas pela Manaus Energia S/A.

O voto proferido na ANEEL ostenta a seguinte passagem:

O Laudo de avaliação deverá obter o valor do patrimônio líquido negativo da INCORPORADORA na data de 30 de setembro de 2007. O valor desse patrimônio será convertido em “crédito a receber” junto à ELETROBRÁS, acionista majoritária da INCORPORADA, devendo essa obrigação ser formalizada através de Contrato

18 Por exemplo, Wilson de Souza Campos BATALHA, Comentários à Lei das SA, 1977, p. 1056/1057.19 Pedro ANAN JÚNIOR, Fusão, Cisão e Incorporação de Sociedades, 2009, p. 166.

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de Assunção de Débito no prazo de até 10 (dez) dias, após a aprovação da incorporação pelos acionistas das sociedades; A existência de patrimônio líquido negativo não impede a incorporação, conforme parecer do Consultor Jurídico do Ministério de Estado, do Comércio e do Turismo – CONJUR/MICT nº. 129 de 26.12.96, mas implica a impossibilidade de se efetuar o aumento de capital na INCORPORADORA, uma vez que não haverá acréscimo de qualquer patrimônio na mesma.20

Há ainda a Instrução Normativa n. 88/01 do DNRC que também permite deduzir

que é possível realizar a incorporação de uma pessoa jurídica com patrimônio negativo, sem

aumento de capital, uma vez que o seu art. 9º, inc. I, prevê:

Art. 9º. omissis

I – a assembleia geral extraordinária ou a alteração contratual da sociedade incorporadora deverá aprovar o protocolo, a justificação e o laudo de avaliação do patrimônio líquido da sociedade incorporada, elaborado por três peritos ou empresa especializada, e autorizar, quando for o caso, o aumento do capital com o valor do patrimônio líquido incorporado.

Diante disso, conclui-se que é possível a incorporação de empresa com patrimônio

líquido negativo; entretanto, ressalte-se que se trata de reorganização societária complexa, por

isso, recomenda-se que se proceda à contratação de uma empresa ou de um expert em

operações desse tipo para prestar o assessoramento necessário.

CONCLUSÃO

As empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista) podem

ser incorporadas entre si, ainda que estejam em processo de liquidação não finalizado ou

ainda que a empresa incorporada tenha patrimônio líquido negativo, desde que haja lei

autorizando tal incorporação, pois a incorporação é uma das formas de extinção da

personalidade jurídica das empresas estatais.

O procedimento a ser seguido é o previsto para as sociedades anônimas, na Lei n.

6.404/76, o qual, além de ser aplicado às sociedades de economia mista, também deve ser

aplicado quando se tratar de empresas públicas. O Código Civil não tratou desse 20 Disponível no sítio www.aneel.gov.br. Veja fls. 57-60.

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26 Frederico G. PINHEIRO, Valdenira O. GOMES, A incorporação de empresas estatais em... p. 11-26

procedimento, apesar de ter regulamentado aspectos da incorporação como, por exemplo, a

extensão de 60 (sessenta) para 90 (noventa) dias o prazo decadencial para que credores

pleiteiem eventual anulação do processo de incorporação.

Assim, com relação às empresas públicas, deve ser aplicado mutatis mutandis o

mesmo procedimento de incorporação previsto para as sociedades anônimas (incluindo as

sociedades de economia mista), principalmente considerando que todas as suas “ações” ou

“quotas sociais” têm direito a voto e pertencem a uma mesma pessoa – a pessoa jurídica de

direito público que instituiu a referida empresa pública.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANAN JÚNIOR, Pedro. Fusão, Cisão e Incorporação de Sociedades – Teoria e Prática. 3ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009.ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2006.BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei das SA. Rio de Janeiro: Forense, 1977. v. 03.CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. Vol. 4. Tomo I. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999.COMPARATO, Fábio Konder. Sucessões Empresariais in Doutrinas Essenciais – Direito Empresarial, v. 03. São Paulo: RT, 2011.DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de Empresa. 2ª ed. São Paulo: RT, 2008.________. Manual das Companhias ou Sociedades Anônimas. São Paulo: RT, 2010.MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro. v. 02. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.MUNIZ, Ian. Fusões e Aquisições – Aspectos Fiscais e Societários, 2ª ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009.PEDREIRA, Lamy Filho. Incorporação, fusão e cisão. In: José Luiz Bulhões PEDREIRA. (org.). Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009, Vol. II.VENOSA, Sílvio de Salvo; RODRIGUES, Cláudia. Direito Civil: Direito Empresarial. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial. v. 01. São Paulo: Atlas, 2009.

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A APOSENTADORIA COMPULSÓRIA DE EMPREGADO

PÚBLICO DIRIGENTE SINDICAL CUJA EMPREGADORA

ESTÁ EM PROCESSO DE LIQUIDAÇÃO

Carlos Augusto Sardinha Tavares Junior1

RESUMOO presente artigo tem o singelo escopo de efetuar breves reflexões acerca da aposentadoria compulsória do empregado público de empresa estatal em processo de liquidação e que ocupe cargo de dirigente sindical. Que disposições aplicar ao caso: art. 51, da Consolidação das Leis do Trabalho ou art. 40, da Constituição Federal?Apontar – se – á, em sequência, se são devidas indenizações em tal forma de aposentação, dadas as suas características.

PALAVRAS – CHAVE: Aposentadoria compulsória. Empregado público. Dirigente sindical. Empresa em liquidação.

ABSTRACTThis article has the simple scope of making brief reflections about the compulsory retirement of public employee state - owned company into liquidation and occupying the position of union leader. What provisions apply to the case: art. 51, Consolidation of Labor Laws or art. 40 of the Federal Constitution?Point - if - will, in sequence, if indemmities are due on such retirement, given their characteristics.

KEY - WORDS: Compulsory retirement. Public employee. Union leader. Company in liquidation.

1 Procurador do Estado de Goiás.

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28 Carlos Augusto Sardinha Tavares JUNIOR, A aposentadoria compulsória de empregado... p. 28-41

INTRODUÇÃO

Substancial controvérsia existe em se saber se ao empregado público dirigente

sindical aplica – se as normas constitucionais acerca da aposentadoria compulsória. E isso se

deve ao fato de tais agentes públicos serem regidos, ao menos em parte, pela Consolidação

das Leis do Trabalho, que prevê a modalidade de aposentação compulsória, mas vinculada a

requerimento patronal, e não de forma automática como previsto no comando constitucional.

Dessa forma, que diploma aplicar na situação em epígrafe: o diploma consolidado

ou a Carta Magna? E ainda há uma peculiaridade, pois trataremos das empresas estatais em

processo de liquidação.

Há que se fixar, também, indenizações e implicações legais de rescisões

contratuais desta natureza. A questão, pois, cinge – se à resposta aos seguintes

questionamentos: a possibilidade do desligamento compulsório de empregado público

septuagenário, as indenizações devidas e as implicações legais.

1 ESTABILIDADE E APOSENTADORIA

Preambularmente, há que se tecer algumas considerações a respeito dos temas

estabilidade (dos trabalhadores regidos pela CLT) e aposentadoria.

1.1 Estabilidade

A estabilidade, consoante os ensinamentos do prof. Renato Saraiva, “é espécie

do gênero garantia no emprego, que se materializa quando o empregador está impedido,

temporária ou definitivamente, de dispensar sem justo motivo o laborante.”2. Assim, formas

outras de garantia no emprego convivem juntamente com a estabilidade. Como exemplo

podemos citar o estabelecimento de indenizações no intuito de se tornar mais onerosa a

2 SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 9ª ed. p. 289.

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rescisão contratual.

Retrocedendo à estabilidade, o ordenamento jurídico nacional nos apresenta

hipóteses definitivas e provisórias. São tidas como modalidades definitivas a estabilidade

decenal da CLT e a prevista no art. 19 do ADCT da CF/88.

O diploma celetista, em seu art. 492, assevera que:

Art. 492. O empregado que contar mais de dez anos de serviço na mesma empresa não poderá ser despedido senão por motivo de falta grave ou circunstância de força maior, devidamente comprovadas.

A estabilidade em questão, todavia, deixou de existir nos dias atuais. Em 1966, a

Lei nº 5.107 instituiu o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço como alternativa ao regime

da CLT, passando a coexistir dois regimes jurídicos, podendo o trabalhador, na época, optar

pelo regime do FGTS ou pelo sistema da CLT. No primeiro, o empregado passaria a fazer jus

ao recolhimento mensal na conta vinculada ao fundo no percentual de 8% (oito por cento)

incidente sobre sua remuneração,

com direito, em caso de dispensa imotivada, ao saque dos depósitos efetuados, além do pagamento de indenização compensatória de 10% dos valores depositados na conta do FGTS (que passou a ser de 40% após a promulgação da CF/1988).3.

Já no segundo, o trabalhador teria direito à indenização em caso de dispensa

imotivada nos moldes dos arts. 477 e 478 da CLT, ou seja, um mês de salário para cada ano

trabalhado ou fração igual ou superior a seis meses, alcançando estabilidade ao completar dez

anos de serviços ininterruptos. As opções, pois, seriam: recursos do FGTS ou a estabilidade

decenal.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, entretanto, o regime do FGTS

passou a ser obrigatório, de modo que deixou de existir a estabilidade decenal, só restando tal

garantia para aqueles que na data da promulgação da Constituição já haviam completados o

decênio.

E a outra forma de estabilidade definitiva encontra guarida no art. 19, do ADCT

da CF/88, assim positivado:

3 Op. cit. p. 275.

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30 Carlos Augusto Sardinha Tavares JUNIOR, A aposentadoria compulsória de empregado... p. 28-41

Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.

Essa última modalidade, contudo, nos termos de entendimento jurisprudencial do

Colendo TST, não se aplica aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia

mista:

I - RECURSO DE REVISTA DA INFRAERO. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA. ESTABILIDADE CONSTITUCIONAL DO ART. 19 DO ADCT.Os empregados das empresas públicas, ainda que concursados, não estão ao abrigo da estabilidade concedida pelo art. 19 do ADCT, pois essas empresas, por força da Constituição Federal, art. 173, § 1º, II, estão sujeitas ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações trabalhistas. A estabilidade prevista no citado dispositivo da Constituição somente se aplica aos servidores públicos civis da União, dos Estados e Municípios, da Administração direta, autarquias e fundações, que não foram nomeados por concurso, mas que se encontravam em exercício há pelo menos cinco anos continuados na data da promulgação da Constituição. Recurso de revista a que se dá provimento. II - RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 11ª REGIÃO. EMPREGADO DE EMPRESA PÚBLICA. ESTABILIDADE CONSTITUCIONAL DO ART. 19 DO ADCT . Prejudicado. (TST - RECURSO DE REVISTA: RR 7646400842003511 7646400-84.2003.5.11.0900).

Este também é o entendimento estampado no enunciado nº 390, II, da Súmula do

TST.4. Conclui – se, pois, a ausência de estabilidade constitucional permanente dos

empregados de empresas estatais, salvo se, até 1988, satisfeitos os requisitos legais do art. 492

consolidado e inexistente a opção pelo regime do FGTS.

Em prosseguimento, podemos apontar como modalidades provisórias de

estabilidade as seguintes: dirigente sindical, empregos eleitos membros da CIPA, gestante,

acidentado, empregados membros do conselho curador do FGTS, empregados membros do

CNPS, empregados eleitos diretores de sociedades cooperativas e empregados eleitos

membros de comissão de conciliação prévia.

4 I – O servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da CF/88 (ex – OJ SDI -1 240) (Res. TST 129/05, DJ 20.04.05). II – Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/88”. (ex-OJ SDI -1 229) (Res. TST 129/05, DJ 20.04.05)

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Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 31

1.2 Estabilidade provisória do dirigente sindical. Antecedente e consequente

normativos.

Interessa – nos, no caso em testilha, a estabilidade provisória do dirigente sindical,

que encontra previsão na CLT e na Constituição Federal. O diploma consolidado, em seu art.

543, §3º, assim estabelece:

§3º. Fica vedada a dispensa do empregado sindicalizado ou associado, a partir do momento do registro de sua candidatura a cargo de direção ou representação de entidade sindical ou de associação profissional, até um ano após o final do seu mandato, caso seja eleito, inclusive como suplente, salvo se cometer falta grave devidamente apurada nos termos desta Consolidação.

Já a Constituição assim dispõe, em seu art. 8º, VIII:

VIII – é vedada a dispensa do empregado sindicalizado, a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei.

Interessante colacionar, também, o enunciado nº 369 da Súmula do TST:

369. Dirigente sindical. Estabilidade provisória. I – É indispensável a comunicação, pela entidade sindical, ao empregador, na forma do § 5º do art. 543 da CLT. II – O art. 522 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Fica limitada, assim, a estabilidade a que alude o art. 543, § 3º, da CLT a sete dirigentes sindicais e igual número de suplentes.III – O empregado de categoria diferenciada eleito dirigente sindical só goza de estabilidade se exercer na empresa atividade pertinente à categoria profissional do sindicato para o qual foi eleito dirigente.IV – Havendo extinção da atividade empresarial no âmbito da base territorial do sindicato, não há razão para subsistir a estabilidade. V – O registro da candidatura do empregado a cargo de dirigente sindical durante o período de aviso prévio, ainda que indenizado, não lhe assegura a estabilidade, visto que inaplicável a regra do § 3º do art. 543 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Abeberando – nos, ainda que de forma singela, dos ensinamentos do Prof.

Lourival Vilanova, vê – se que a norma jurídica possui estrutura dual, existindo duas partes,

norma primária e norma secundária:

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32 Carlos Augusto Sardinha Tavares JUNIOR, A aposentadoria compulsória de empregado... p. 28-41

Naquela, estatuem – se as relações deônticas direitos/deveres, como consequência da verificação de pressupostos, fixados na proposição descritiva de situações fácticas ou situações já juridicamente qualificadas; nesta, preceituam – se as consequências sancionadoras, no pressuposto do não cumprimento do estatuído na norma determinante da conduta juridicamente devida.5

No dispositivo de lei que veicula a norma que concede provisória estabilidade ao

dirigente sindical, podemos fazer a distinção entre norma primária e norma secundária. Antes

de indicar cada norma, contudo, é de bom alvitre se ressaltar que no interior de cada uma

delas há um antecedente em um consequente normativos, em uma relação implicacional (a

ocorrência do fato antecedente implica em uma consequência normativa).

Assim, o fato descrito pela antecedente da norma primária é a eleição para cargo

de dirigente sindical. Esse acontecimento implica no surgimento da estabilidade provisória

prevista em lei (leia – se: vedação de dispensa do empregado desde o registro da candidatura

até um ano após o término do mandato, salvo prática de falta grave), que é o consequente da

norma primária.

E quando seria aplicável a norma secundária? Quando inobservada a norma

primária, haja vista aquela ter caráter sancionador. Dessa forma, a não observância da

estabilidade do dirigente sindical (antecedente da norma secundária) implica no dever de

indenização salarial e reintegração ao emprego (consequente da norma secundária).

E qual seria a utilidade desses conceitos? Para verificarmos que aposentadoria não

significa dispensa do emprego, e assim não pode ser tida como antecedente da norma primária

comentada, de forma a permitir o recebimento de indenizações. Aposentadoria não implica

em violação à estabilidade do empregado, haja vista não se tratar de dispensa, que pressupõe

ato volitivo do empregador.

1.2.1 Estabilidade provisória e liquidação da empresa

Já foi fixado que o dirigente sindical, durante o período estável, só pode ser

demitido por falta grave, apurada mediante inquérito judicial (Súmula nº 379, TST). Chama –

nos atenção, entretanto, o item IV da Súmula 369, retrotranscrita. No dispositivo há referência 5 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do Direito Positivo. 2010. p. 73.

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à insubsistência da estabilidade no caso de extinção da atividade empresarial. Frise – se:

extinção da atividade empresarial, e não da empresa. Portanto, quando por motivos legais

ocorrer o encerramento da atividade da sociedade, como pode se dar na liquidação

extrajudicial, deixa de existir o substrato legal que permite o gozo da estabilidade.

Ressai do art. 210, IV, da Lei nº 6.404/76, a confirmação de encerramento das

atividades da sociedade em liquidação, ao se estabelecer como um dos deveres do liquidante

“ultimar os negócios da companhia, realizar o ativo, pagar o passivo, e partilhar o

remanescente entre os acionistas.”

Nos ensinamentos do Prof. Fábio Ulhoa Coelho,

Após a dissolução – ato, a sociedade empresária conserva personalidade jurídica apenas para cumprir as finalidades da liquidação (realização do ativo e satisfação do passivo). Para proteger os interesses de terceiros de boa – fé, nessa fase, além do registro do ato dissolutório na Junta, prevê a lei que a sociedade acresça ao seu nome a expressão “em liquidação”, e o órgão de representação legal não seja mais a diretoria ou gerência, mas sim o liquidante.6

Assim, pode – se concluir que, estando as empresas estatais em processo de

liquidação, com as atividades negociais encerradas, não há mais substrato legal a amparar a

estabilidade provisória de dirigente sindical. Para ilustrar, é válido observar a ementa abaixo:

I -AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIRIGENTE SINDICAL. ESTABILIDADE. EXTINÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. Decisão regional em que se assegura estabilidade a dirigente sindical após o encerramento da atividade empresarial da Reclamada. Contrariedade à Súmula nº 369, item IV, desta Corte aparentemente demonstrada. Agravo de instrumento a que se dá provimento, nos termos do art. 3º da Resolução Administrativa nº 928/2003.II -RECURSO DE REVISTA. DIRIGENTE SINDICAL. ESTABILIDADE. EXTINÇÃO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. SÚMULA Nº 369, ITEM IV, DESTA CORTE. Decisão regional em que se assegura estabilidade a dirigente sindical após o encerramento da atividade empresarial da Reclamada. Contrariedade à Súmula nº 369, item IV, desta Corte em que se preconiza: -Havendo extinção da atividade empresarial no âmbito da base territorial do sindicato, não há razão para subsistir a estabilidade-. Recurso a que se dá provimento (TST - RECURSO DE REVISTA: RR 8027566020015095555 802756-60.2001.5.09.5555 DJ 14/12/2007).

O enunciado da Súmula 369 do TST cristaliza, assim, o entendimento

jurisprudencial sobre o fim da estabilidade do dirigente sindical, na hipótese do encerramento

das atividades da empregadora, desobrigando o empregador, em caso de rescisão do contrato,

6 COELHO, Fábio Ulhoa Curso de Direito Comercial. 2012. p. 495.

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de efetuar a reintegração ou a indenização pelo período respectivo.

1.3 Aposentadorias e o empregado público dirigente sindical septuagenário

Superada a questão da ausência de estabilidade após o encerramento das

atividades empresariais, considerações precisam ser feitas a respeito da aposentadoria.

Na seara privada, submetida ao regime da CLT e ao Regime Geral de Previdência

Social, a aposentadoria se dá nos termos do art. 201, §7º, I e II, da CF, e arts. 42 a 58 da Lei nº

8.213/91. Esse último diploma traz as modalidades de aposentadoria por invalidez, por idade,

por tempo de serviço e especial. Em seu art. 42, apresenta a primeira das espécies, nos

seguintes termos:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

Ao se referir à aposentadoria por idade, assim se manifestou a lei:

Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar sessenta e cinco anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

Chama – nos a atenção um dispositivo logo em sequência, art. 51:

Art. 51. A aposentadoria por idade pode ser requerida pela empresa, desde que o segurado empregado tenha cumprido o período de carência e completado 70 (setenta) anos de idade, se do sexo masculino, ou 65 (sessenta e cinco) anos, se do sexo feminino, sendo compulsória, caso em que será garantida ao empregado a indenização prevista na legislação trabalhista, considerada como data da rescisão do contrato de trabalho a imediatamente anterior à do início da aposentadoria.

Trata ele de uma modalidade específica de aposentadoria por idade, que se dá em

relação ao trabalhador septuagenário, ou que tenha sessenta e cinco anos, se mulher. É uma

modalidade que independe de requerimento e vontade do obreiro, porquanto pode ser

requerida pela empresa e será compulsória.

Ao se referir à aposentadoria por tempo de serviço, assim se posicionou a lei de

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benefícios:

Art. 52. A aposentadoria por tempo de serviço será devida, cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que completar 25 (vinte e cinco) anos de serviço, se do sexo feminino, ou 30 (trinta) anos, se do sexo masculino.

Acontece, todavia, que a reforma previdenciária encampada pela Emenda

Constitucional nº 20/98 alterou tal forma de aposentação, substituindo o tempo de serviço

pelo tempo de contribuição. Assim, o simples acúmulo de anos de trabalho não geram direito

ao gozo de benefícios se estiverem apartados da devida contribuição previdenciária.

Por fim, a aposentadoria especial foi assim caracterizada:

Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei.

Já no serviço público, a sistemática é um pouco diferente. No art. 40, §1º, da

CF/88, vemos três modalidades de jubilamento: invalidez permanente, compulsória (aos

setenta anos de idade) e voluntária. Ressalte – se que o §4º do mesmo artigo ressalva a

possibilidade de aposentadorias com critérios especiais. Afora os diferentes critérios de

concessão em relação à atividade privada, importante distinção ocorre em relação às

consequências da aposentadoria sobre o vínculo laboral nos setores público e privado.

Em regra, a aposentadoria no serviço público ocasiona a extinção do vínculo

existente, e caso o aposentado deseje retornar à seara pública, deverá se submeter a novo

concurso público. Todavia, a Lei nº 8.112/90 excepciona tal regra, ao permitir a reversão (art.

25) do aposentado por invalidez (a qualquer tempo, desde que junta médica oficial declare

insubsistentes os motivos da aposentadoria) ou do aposentado voluntariamente, satisfeitos os

requisitos das alíneas “a” a “e” do inciso II, do art. 25 e do art. 27.

No setor privado, a aposentadoria espontânea, nos termos do §2º do art. 453, da

CLT, provocava a extinção do pacto laboral, e caso o obreiro desejasse continuar na empresa,

uma nova relação se iniciava, o que geraria reflexos em verbas trabalhistas. Assim está

positivado o preceptivo:

§ 2º O ato de concessão de benefício de aposentadoria a empregado que não tiver

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completado trinta e cinco anos de serviço, se homem, ou trinta, se mulher, importa em extinção de vínculo empregatício.

Acontece, contudo, que o STF, por maioria de votos, julgou procedente a ADI nº

1.721-3, declarando a inconstitucionalidade do parágrafo acima. A decisão ficou assim

ementada:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3º DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.596-14/97, CONVERTIDA NA LEI Nº 9.528/97, QUE ADICIONOU AO ARTIGO 453 DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO UM SEGUNDO PARÁGRAFO PARA EXTINGUIR O VÍNCULO EMPREGATÍCIO QUANDO DA CONCESSÃO DA APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.1. A conversão da medida provisória em lei prejudica o debate jurisdicional acerca da “relevância e urgência” dessa espécie de ato normativo.2. Os valores sociais do trabalho constituem: a) fundamento da República Federativa do Brasil (inciso IV do artigo 1º da CF); b) alicerce da Ordem Econômica, que tem por finalidade assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, e, por um dos seus princípios, a busca do pleno emprego (artigo 170, caput e inciso VIII); c) base de toda a Ordem Social (artigo 193). Esse arcabouço principiológico, densificado em regras como a do inciso I do artigo 7º da Magna Carta e as do artigo 10 do ADCT/88, desvela um mandamento constitucional que perpassa toda relação de emprego, no sentido de sua desejada continuidade.3. A Constituição Federal versa a aposentadoria como um benefício que se dá mediante o exercício regular de um direito. E o certo é que o regular exercício de um direito não é de colocar o seu titular numa situação jurídico-passiva de efeitos ainda mais drásticos do que aqueles que resultariam do cometimento de uma falta grave (sabido que, nesse caso, a ruptura do vínculo empregatício não opera automaticamente).4. O direito à aposentadoria previdenciária, uma vez objetivamente constituído, se dá no âmago de uma relação jurídica entre o segurado do Sistema Geral de Previdência e o Instituto Nacional de Seguro Social. Às expensas, portanto, de um sistema atuarial-financeiro que é gerido por esse Instituto mesmo, e não às custas desse ou daquele empregador.5. O Ordenamento Constitucional não autoriza o legislador ordinário a criar modalidade de rompimento automático do vínculo de emprego, em desfavor do trabalhador, na situação em que este apenas exercita o seu direito de aposentadoria espontânea, sem cometer deslize algum.6. A mera concessão da aposentadoria voluntária ao trabalhador não tem por efeito extinguir, instantânea e automaticamente, o seu vínculo de emprego.7. Inconstitucionalidade do § 2º do artigo 453 da Consolidação das Leis do Trabalho, introduzido pela Lei nº 9.528/97.

Assim, a aposentadoria voluntária na seara privada não tem o condão de provocar

a extinção do vínculo trabalhista. Nada obstante, comentários precisam ser feitos da

aposentadoria compulsória para os empregados subordinados à CLT. Para tais trabalhadores,

aplica – se o disposto no art. 51 da Lei nº 8.213/91, já transcrito acima. Possui como

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requisitos: o advento da idade especificada (70 anos para homens e 65 para mulheres),

cumprimento de período de carência (mínimo legal de contribuições) e requerimento do

empregador. A lei, ao final, ressalta a garantia ao empregado de indenização prevista na

legislação trabalhista. Relativamente à prevista no serviço público, pela redação do art. 40,

§1º, II, da CF, esta parece se dar de forma automática, ao passo que a privada depende de

requerimento do empregador.

A controvérsia ganha corpo quando se está diante de trabalhador celetista

integrante de empresa estatal (empresas públicas e sociedades de economia mista). Que

regra aplicar quando atingida a idade de setenta anos: art. 51, da Lei nº 8.213/91 ou art. 40,

§1º, II, da CF/88? E mais: a aposentadoria compulsória efetuada em relação a servidores

celetistas extingue o contrato de trabalho?

Em referência aos questionamentos, com fulcro nas ementas abaixo colacionadas,

temos que se aplica o dispositivo constitucional para a aposentadoria compulsória, com a

extinção do contrato por força de lei. Vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. JUBILAMENTO COMPULSÓRIO AOS 70 ANOS. INVIABILIDADE DE REINTEGRAÇÃO AO SERVIÇO PÚBLICO. DESPROVIMENTO DO APELO POR ÓBICE EXCLUSIVAMENTE PROCESSUAL.É cediço que a aposentadoria compulsória, aos 70 anos, do servidor público estatutário ou do servidor regido pela CLT , inclusive os empregados dos demais entes estatais (empresas públicas, sociedades de economia mista, etc.), extingue, sim, automaticamente seu vínculo jurídico estatutário ou empregatício com a respectiva entidade estatal, por força de comando constitucional inarredável. É que a Constituição, consagrando os princípios da impessoalidade, da moralidade e da eficiência na administração pública (caput do art. 37 daCF), além da democratização ampla do acesso aos cargos, empregos e funções públicas (art. 37, I e II, da CF), proíbe, enfática e expressamente, a acumulação remunerada de tais cargos, empregos e funções públicas (art. 37, XVI e XVII, da CF), salvo restritas exceções (art. 37, XVI, a , b e c , e § 10, da CF). Esta proibição à acumulação estende-se, de modo expresso, à -percepção simultânea de proventos de aposentadoria (...) com a remuneração de cargo, emprego ou função pública- (§ 10 do art. 37 da CF). Por decorrência lógica, para que não haja a rejeitada acumulação, não é possível a continuidade do vínculo do servidor estatutário ou do celetista tão logo consumada sua aposentadoria compulsória. Registre-se que o jubilamento compulsório após os 70 anos não se confunde com a aposentadoria voluntária por tempo de contribuição (antigo tempo de serviço), a qual pode ocorrer muito antes dos 70 anos, esta, sim, não importando na extinção do contrato, segundo jurisprudência do STF. Na hipótese vertente, o Regional entendeu pela reintegração do Reclamante ante a impossibilidade de cessação do contrato de trabalho pela aposentadoria compulsória, o que estaria em dissonância com os dispositivos

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constitucionais supracitados. Com isso, determinou a reintegração de servidor com mais de 70 anos (sic!). Sucede, entretanto, que o recurso de revista carece de adequada fundamentação, porquanto não aborda a matéria à luz da aposentadoria compulsória, limitando-se a destacar que a aposentadoria espontânea encerra o contrato de trabalho. Ademais, não aborda quaisquer das hipóteses previstas no art. 896 da CLT, razão pela qual o apelo não merece ser provido por óbice exclusivamente processual. Agravo de instrumento desprovido. TST - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA: AIRR 927000720085150055 92700-07.2008.5.15.0055, DEJT 04/05/2012).

2 INDENIZAÇÕES (IN)DEVIDAS

A essa altura, há que se fixar quais indenizações são devidas aos empregados

públicos septuagenários que, eventualmente, gozam de estabilidade de dirigente sindical,

porquanto a Lei nº 8.213/91 (art. 51) aponta que será garantida ao empregado a indenização

prevista na legislação trabalhista.

Em auxílio, podemos destacar a ementa abaixo:

RECURSO DE REVISTA. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL CELETISTA. REINTEGRAÇÃO. APOSENTADORIA ESPONTÂNEA SEGUIDA DE APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. ARTIGO 40, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.A Súmula nº 390, I, desta Corte Superior consagra a estabilidade dos empregados públicos celetistas da administração pública direta, autárquica ou fundacional. Na hipótese, o reclamante era servidor público estadual, contratado pelo regime da CLT, em 1963; requereu sua aposentadoria especial em 1994 e continuou laborando até 2007, momento em que foi desligado dos quadros da reclamada, quando contava com 74 anos de idade. Nesse contexto, não se vislumbra contrariedade ao referido verbete, tendo em vista que o autor, não obstante ser servidor público, não era detentor da estabilidade prevista no artigo41 da Constituição Federal, visto que, nos termos dos artigos 51 da Lei nº 8.213/91 e 40, § 1º, II, da Constituição Federal, a aposentadoria é compulsória, quando o servidor completa 70 anos de idade. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. MULTA DE 40% DO FGTS. O entendimento desta Corte é no sentido de que a rescisão do contrato de trabalho pela aposentadoria compulsória não enseja o pagamento da multa de 40% do FGTS, tendo em vista que decorre de previsão constitucional, inserta no artigo 40, § 1º, II, da Lei Maior. Não decorre, portanto, da vontade dos contratantes. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. É incontroversa a dispensa do autor quando este contava com 74 anos de idade, após 43 anos de serviços prestados. Entretanto, a mera dispensa não permite concluir que houve ofensa à honra, à moral e à dignidade do trabalhador, principalmente se se considerar que, na hipótese, ela decorreu de expressa determinação constitucional (artigo 40, § 1º, II).

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Recurso de revista de que não se conhece (RR 618005320085020071 61800-53.2008.5.02.0071, DEJT 21/10/2011).

Pensamos, pois, que o art. 51 da lei por último citada deve ser interpretado com

parcimônia. No caso em debate, discute – se as indenizações incidentes no tocante a agentes públicos,

integrantes de empresas estatais em liquidação. A estes, como já destacado acima, aplicam – se as

disposições do art. 40, da CF, sendo, nesse sentido, indevidas indenizações trabalhistas em

consequência da rescisão, porquanto esta se dá ex lege. Semelhante caso já foi enfrentado

relativamente a empregado da Universidade de São Paulo, uma autarquia. Vejamos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO CELETISTA COM AUTARQUIA PÚBLICA ESTADUAL (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP). APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. EFEITOS NO CONTRATO DE TRABALHO. Demonstrado, no agravo de instrumento, que a decisão regional viola, em princípio, o art. 40, § 1º., II, da CF, deve ser determinado o processamento do recurso de revista.RECURSO DE REVISTA. VÍNCULO CELETISTA COM AUTARQUIA PÚBLICA ESTADUAL (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP). APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. EFEITOS NO CONTRATO DE TRABALHO. A aposentadoria compulsória do servidor público estatutário ou do servidor regido pela CLT, inclusive os empregados dos demais entes estatais (empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias etc.), extingue automaticamente seu vínculo jurídico estatutário ou empregatício com a respectiva entidade estatal, por força de comando constitucional inarredável. É que a Constituição, consagrando os princípios da impessoalidade, moralidade e eficiência na administração pública (caput do art. 37 da CF), além da democratização ampla do acesso aos cargos, empregos e funções públicas (art. 37, I e II, da CF), proíbe enfática e expressamente, a acumulação remunerada de tais cargos, empregos e funções públicas (art. 37, XVI e XVII, da CF), salvo restritas exceções (art. 37, XVI, a, b e c, e § 10, da CF). Esta proibição à acumulação estende-se, de modo expresso, à "percepção simultânea de proventos de aposentadoria (...) com a remuneração de cargo, emprego ou função pública" (§ 10 do art. 37 da CF). Por decorrência lógica, para que não haja a rejeitada acumulação, não é possível a continuidade do vínculo do servidor estatutário ou do celetista tão logo consumada sua aposentadoria compulsória. Registre-se que o jubilamento compulsório (70 anos: caso dos autos) não se confunde com a aposentadoria voluntária por tempo de contribuição (antigo tempo de serviço), a qual pode ocorrer muito antes dos 70 anos (no caso dos homens, desde 53 anos; das mulheres, desde 48 anos), esta sim não importando na extinção do contrato, segundo jurisprudência do STF. Estender regras, critérios e efeitos da modalidade voluntária de jubilação para a modalidade compulsória, em afronta a diversas regras constitucionais enfáticas, não é viável, do ponto de vista jurídico.Recurso de revista conhecido e provido (Recurso de Revista nº TST-RR-986/2006-008-15-40.5, DETJ 01/10/2009).

Ressoa das ementas já transcritas, que a jurisprudência nacional é firme no sentido

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da aplicação da aposentadoria compulsória aos trabalhadores regidos pela CLT de uma

maneira geral e, sobretudo, aos empregados públicos; estes por inafastável comando

constitucional. Firmada também a ideia da ausência do direito à percepção de indenização de

multa de 40% do FGTS quando da aposentadoria compulsória.

Como já afirmado nas ementas transcritas, o rompimento do vínculo se dá por

imperativo legal. Dessa forma, não há manifestação de vontade das partes para extinção do

pacto. A lei é quem o faz, de forma peremptória, afastando a incidência de indenização, que é

instituto vinculado à ocorrência de um ilícito (arts. 186 e 187, do Código Civil). Ora, se não

existe ilícito, não subsiste qualquer indenização trabalhista.

CONCLUSÃO

Com o breve exposto, conclui – se pela inexistência de estabilidade de dirigente

sindical ocupante de emprego público nos casos em que ocorre o encerramento das atividades

da empresa e/ou já possui setenta anos de idade

E ainda que subsistente eventual estabilidade provisória, esta também não

resistiria aos comandos dos arts. 40, §1º II, da CF/99 e art. 51 da Lei nº 8.213/91, em virtude

do jubilamento compulsório do obreiro quando atingida a idade legal limite.

Como a extinção do vínculo se dá por força de lei, não tem como se alegar, s.m.j.,

a ausência de justa causa no desligamento, porquanto, como já repisado pela jurisprudência, o

rompimento não se efetua pela vontade dos contratantes. Assim, indevido o pagamento, a

título de indenização, de multa de 40% (quarenta por cento) do FGTS e demais verbas

indenizatórias que se refiram à rescisão contratual sem justa causa.

A última ementa citada aponta que a extinção do vínculo se dá automaticamente

com a aposentadoria compulsória, ou seja, a partir do implemento da idade, que é o único

requisito exigido pelo legislador constituinte. É necessário, nesse ínterim, o requerimento

da empresa para que se efetue a aposentadoria compulsória? Pensamos que não, pois tal

requisito é necessário quando se está diante unicamente da aplicação do art. 51, da Lei nº

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8.213/91. No presente, entretanto, deve – se aplicar o art. 40 da CF. Em que pese tais

considerações, não sendo necessário o requerimento da empresa para que a

aposentadoria compulsória de empregado público se efetive, é proibido tal

requerimento? Também entendemos que não. Aliás, até se recomenda, como precaução para

que se evite problemas no tocante tanto à continuação indevida da prestação de serviços

como a percepção ilegal de salários após se completar a idade septuagenária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. Ed. Método. São Paulo. 9ª ed. 2008.COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa. Ed. Saraiva. São Paulo. 16ª ed. 2012.VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do Direito Positivo. Ed. Noeses. São Paulo. 4ª ed. 2010.

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O CUSTO FINANCEIRO DOS DIREITOS SOCIAIS

E OS GASTOS COM SAÚDE

Bruno Moraes Faria Monteiro Belem1

RESUMONeste ensaio o direito à saúde será discutido a partir de uma perspectiva jurídico-constitucional e orçamentário-financeira. Para isso a exposição divide-se em três partes: I) o custo financeiro dos direitos fundamentais; II) o que se deve considerar despesa própria com saúde nos termos da Lei complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012 e, por fim, III) alguns aspectos relacionados aos gastos com saúde no Brasil e em Goiás.

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Sociais, orçamento, gastos públicos, saúde pública

ABSTRACTIn this trial the right to health will be discussed from a legal and constitutional perspective, and financial and budget. For that, this exhibition is divided into three parts: I) the financial cost of fundamental rights; ii) what must be considered the expense of own health under the Complementary Law number 141 of January 13, 2012 and, finally, iii) some aspects related to health spending in Brazil and in the state of Goiaz.

Key words: social rights, budget, public spending, public health

1 Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa e Procurador do Estado de Goiás

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44 Bruno Moraes Faria Monteiro BELÉM, O custo financeiro dos direitos sociais e os gatos... p. 43-56

INTRODUÇÃO

Temas relacionados aos direitos sociais em geral, e ao direito à saúde em

particular, podem ser desdobrados em diversos subtemas: i) fundamentalidade dos direitos

sociais; ii) custo financeiro dos direitos sociais e a reserva do financeiramente ou mesmo do

tecnicamente possível; iii) conteúdo mínimo da norma definidora de direitos sociais; iv)

formas de provisão de serviços públicos sociais; v) controle judicial das omissões estatais

relacionadas aos direitos sociais etc. Os direitos sociais ou o direito à saúde em particular

poderiam ainda ser objeto de investigação sob o ponto de vista histórico, político, filosófico,

ideológico, jurídico-constitucional, jurídico-administrativo, jurídico-financeiro etc.

Neste ensaio o direito à saúde será discutido a partir de uma perspectiva jurídico-

constitucional e orçamentário-financeira. Para isso a exposição divide-se em três partes: i) o

custo financeiro dos direitos fundamentais; ii) o que se deve considerar despesa própria com

saúde nos termos da Lei complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012 e, por fim, iii) alguns

aspectos relacionados aos gastos com saúde no Brasil e em Goiás.

1 CUSTO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1 Direitos fundamentais X Deveres fundamentais

Em primeiro lugar deve-se ter em consideração os aspectos teóricos que

tradicionalmente a teoria de direitos fundamentais apresenta acerca dos direitos e dos deveres

fundamentais. Nesse campo figuram, de um lado, os direitos, e, do outro, os deveres. Se se

olhar para os deveres imputados ao Estado ver-se-á que eles se dividem em dever de respeito,

dever de proteção e dever de promoção. Em síntese, o dever de respeito está associado a

abstenções estatais (dever de o Estado não impedir o acesso a bens jusfundamentais). Já o

dever de proteção está conectado com prestações jurídicas ou normativas (dever de o Estado

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garantir o acesso a bens jusfundamentais através da edição de normas jurídicas). Por fim, o

dever de promoção relaciona-se com prestações materiais ou fáticas (dever de o Estado criar

condições materiais e fáticas de acesso aos bens protegidos constitucionalmente). Por isso,

costumeiramente, os direitos sociais são associados a um dever positivo (promoção) e os

direitos de liberdade a um dever negativo (respeito).

Apenas quando o particular tem a faculdade de acionar a realização efetiva de um

interesse próprio, autônomo e individualizado, é que, verdadeiramente, a garantia jurídica

revelada pelo direito fundamental se apresenta para ele, integralmente, na sua dimensão

subjetiva.2 Logo, reside na justiciabilidade, no interesse e por iniciativa do particular, o cerne

da dimensão subjetiva dos direitos fundamentais. O art. 5, §º 1º, da CF/1988 estabelece que as

normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são dotadas de aplicabilidade

imediata. Afirmar que os direitos sociais, ao contrário dos direitos de liberdade (direitos

individuais civis e políticos), não são direitos fundamentais é o primeiro passo para lhes negar

a capacidade de gerar em favor dos seus titulares, e em face do Poder Público, pretensões

jurídicas plenamente exercitáveis.

Todavia, a discussão sobre a natureza fundamental ou não fundamental dos

direitos sociais não parece atrair conclusões pragmáticas, ao menos no direito positivo

brasileiro3, visto que a capacidade ou não de produzir em favor dos seus titulares certas

posições subjetivas de vantagem prontamente exercitáveis em face do Estado não decorre

apenas da atribuição ou não do rótulo da fundamentalidade. A questão é antes saber quais são

as consequências dogmáticas desse reconhecimento constitucional. De fato, em Estado

constitucional, a fundamentalidade de alguns direitos implica, desde logo, a consequência da

vinculação jurídica dos poderes constituídos à norma constitucional. Todavia, o tipo e o grau

dessa vinculação podem, e até devem, ser muito diversos.

2 A teoria ou concepção institucional dos direitos fundamentais, desenvolvida, sobretudo, através dos estudos de Peter Häberle, chamou, pela primeira vez, a atenção para a dupla dimensão dos direitos fundamentais: a subjetiva como lado jurídico-individual de garantia de um direito subjetivo público e de um lado jurídico-institucional, enquanto garantias constitucionais de âmbitos de vida de liberdade ordenados pelo direito (cf. NOVAIS, Jorge Reis, As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadadas pela Constituição. Coimbra: Coimbra, 2003, p. 57 et seq.).

3 Ao contrário do que se pode dizer em ordens constitucionais como a Alemanha, os Estados Unidos da América ou a Espanha, que não acolhem os direitos sociais na Constituição ou que os acolhem, mas não com o alcance e natureza de direitos fundamentais.

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46 Bruno Moraes Faria Monteiro BELÉM, O custo financeiro dos direitos sociais e os gatos... p. 43-56

A identificação do regime jurídico-constitucional dos direitos sociais pressupõe o

enfrentamento da estrutura e do conteúdo das normas definidoras de tais direitos, sem ignorar

os fatores que podem condicionar a sua validade e a sua eficácia. Deve-se, pois, apurar em

que medida há distinções substanciais de natureza ou de estrutura no conjunto dos direitos

fundamentais (de liberdade ou sociais) que podem acarretar diferentes níveis de controle do

agir ou do não agir da Administração Pública.

A fim de afastar o caráter de fundamentalidade aos direitos sociais e, com isso,

negar-lhes a qualidade de autoaplicabilidade, são utilizados, dentre vários, dois argumentos

principais: i) o custo financeiro gerado pela sua realização; ii) a indeterminabilidade do seu

conteúdo normativo.4 Pretende-se aqui demonstrar que qualquer que seja a distinção que se

queira fazer entre os regimes jurídicos dos direitos sociais e dos direitos de liberdade ela não

deve se assentar apenas na primeira premissa.

1.2 Direitos de liberdade e deveres negativos versus direitos sociais e deveres

positivos?

Como direitos sociais, numa dimensão relativamente consolidada própria de

Estado de Direito social, consideram-se os direitos à saúde, à moradia, à segurança social, ao

trabalho e ao ensino, por exemplo. Os direitos sociais como um todo5 apresentam duas e

decisivas características em comum: i) o respectivo objeto de proteção refere-se ao acesso

individual a bens de natureza econômica, social e cultural absolutamente indispensáveis a

uma vida digna e ii) a sua realização exige o acesso a bens escassos, custosos, a que os

indivíduos só alcançam se dispuserem, por eles próprios ou pela ajuda do Estado, de

suficientes recursos financeiros.

4 O segundo argumento foi por nós enfrentado no artigo A eficácia das normas de direitos sociais na CF/88, por isso prefere-se, aqui, não enfrentá-lo (cf. BELEM, Bruno Moraes Faria Monteiro. A eficácia das normas definidoras de direitos sociais na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. In: Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Estado de Goiás, v. 25, p. 55-62, 2010).

5 NOVAIS, Jorge Reis. Direitos sociais. Teoria jurídica dos direitos sociais enquanto direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2010, p. 41.

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As características que tradicionalmente são atribuídas aos regimes jurídicos dos

dois tipos de direitos decorrem da desatenção em relação ao caráter multifuncional de cada

um dos direitos.6 Em outras palavras, tal como os direitos de liberdade, os direitos sociais

impõem ao Estado deveres de respeitar (essencialmente um dever de abstenção), de proteger

(essencialmente prestações normativas ou, eventuamente, fáticas) e de promover

(essencialmente prestações fáticas ou, eventualmente, normativas)7 o acesso individual aos

bens jusfundamentalmente protegidos, e a depender da dimensão, um direito de liberdade

pode gerar custos financeiros tão ou mais onerosos do que certas pretensões ligadas a direitos

sociais.

Também os direitos de liberdade, os direitos negativos clássicos, geram custos

financeiros significativos, de modo que um condicionamento econômico e financeiro não é

exclusivo dos direitos sociais8. Imagine-se a quantidade de normas, instituições e servidores

públicos para se garantir, preventiva ou repressivamente, a efetividade do direito à

propriedade privada, ao acesso à jurisdição através da criação, do aparelhamento e da

manutenção de instituições como a Defensoria ou mesmo para se garantir eleições livres, tudo

isso a consumir uma enorme quantidade de recursos financeiros.

Apenas para se ter uma ideia do montante gasto com a proteção de direitos de

liberdade, a previsão de despesa com Segurança Pública em Goiás no ano de 2012 é de R$

1.981.452.999,28, ao passo que com Saúde é de R$ 2.539.975.328,05.9 Ou seja, a previsão de

gastos com segurança pública é de quase 80% da previsão de gastos com saúde. O custo das

eleições municipais de 2012 foi de R$ 395.270.694,0010 e a estimativa de gasto com as

6 NOVAIS, 2010, ob. cit., p. 44. 7 Sobre os deveres estatais de respeito, de proteção e de promoção dos direitos fundamentais, cf. NOVAIS,

2010, ob. cit., p. 257-269.8 HOLMES, Stephen; SUNSTEIN, Cass. The cost of rights, why liberty depends on taxes. New York: Norton,

2000, p. 94. No mesmo sentido quanto à constatação de que também os direitos de liberdade implicam custos financeiros, mas, ao contrário do que aqui se quer demonstrar, defendendo uma ampla justiciabilidade dos direitos sociais, cf. ABRAMOVICH, Victor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles. Madrid: Trotta, 2004, p. 24 et seq.

9 Relatório Resumido da Execução Orçamentária, janeiro a agosto de 2012. Disponível em http://www.transparencia.goias.gov.br/itransparencia/control?txtExercicio=2012&cmd=ListarSiofi. Acesso em 23.11.2012.

10 Dados disponíveis em: http://www.tse.jus.br/noticias-tse/2012/Novembro/eleicoes-2012-foram-as-mais-baratas-desde-a-implantacao-do-voto-eletronico. Acessado em 26.11.2012.

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48 Bruno Moraes Faria Monteiro BELÉM, O custo financeiro dos direitos sociais e os gatos... p. 43-56

eleições estaduais de 2010 é de R$ 490.000.000,00.11

Percebe-se que, assim como os direitos sociais, os direitos de liberdade são

também custeados pelos contribuintes, e, por isso, uma distinção forte entre esses mesmos

direitos não pode se apoiar, sem distinções, no argumento da reserva do financeiramente

possível.12 E isso ocorre simplesmente porque não há uma correpondência necessária entre

direitos sociais e obrigações de fazer, de um lado, e direitos de liberdade e obrigações de não

fazer, de outro.13

O que diferencia o direito social do direito de liberdade não é a dicotomia direito

positivo versus direito negativo, como muitas vezes incorretamente se propala, mas sim a

natureza do direito fundamental e das pretensões a ele correspondentes. O fato de uma dada

Constituição qualificar ou sistematizar um determinado direito fundamental enquanto direito

social ou enquanto direito de liberdade não é dogmaticamente decisivo.14 O direito à vida e o

direito ao ensino são dois bons exemplos.

A despeito de ser visto como expressão por excelência dos direitos de liberdade, o

direito à vida pode alcançar uma miríade de faculdades, pretensões e deveres, tanto de direitos

negativos como de direitos positivos (prestações fáticas e/ou jurídicas). Uma manifestação da

dimensão negativa do direito à vida reside no direito a não ser privado da própria vida (dever

de respeito realizado através de uma abstenção), ao passo que do mesmo direito pode decorrer

a pretensão de proteção do direito à vida por meio da edição de normas penais (dever de

proteção realizado através de prestações normativas), ou da criação de um corpo policial

capaz de proteger o indivíduo em caso de ameaça ou agressão por parte de terceiros (dever de

proteção realizado através de prestações fáticas), ou, ainda, da provisão de recursos

11 Informação disponível em: http://eleicoes.uol.com.br/2010/ultimas-noticias/2010/10/31/eleicoes-2010-custaram-r-490-milhoes-diz-tse.jhtm. Acessado em 26.11.2012.

12 Cf. SILVA, Virgílio Afonso da. O judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo à realização dos direitos sociais. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direitos sociais: fundamentação, judicialização e direitos sociais em espécies, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 593.

13 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang e TIMM, Luciano Benetti (orgs.). Direitos fundamentais, orçamento e “reserva do possível”. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 17. A artificialidade da distinção é notada també por DAINTITH, Terence. The Constitutional Protection of Economic Rights, In: International Journal of Constitutional Law, v. 2, n.1, 2004, p. 56, 57-64.

14 NOVAIS, 2010, ob. cit., p. 64.

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financeiros suficientes para se garantir o mínimo necessário para uma existência condigna

(dever de promoção realizado através de prestações financeiras).

O direito ao ensino, reconhecidamente um direito social, pode ser realizado

através do dever de o Estado não impedir o acesso à educação daqueles que dispõem de

condições financeiras próprias para custear os seus estudos (dever de respeito realizado

através de uma abstenção), ou, no plano dos deveres positivos, através da construção e

manutenção de escolas públicas (dever de promoção realizado através de prestações fáticas e

financeiras).

Portanto, a identificação do grau adequado ou constitucionalmente permitido de

controlabilidade judicial deve partir da investigação acerca da natureza da pretensão

manifestada pelo titular do direito. É preciso saber se se trata de um agir ou de uma abstenção,

independentemente de o direito que lhe confere cobertura jurídico-constitucional se inserir

dentro de um direito como um todo15 com natureza de direito de liberdade ou de direito social.

Embora se queira aqui desmistificar a separação rígida entre direitos sociais e deveres

positivos, de um lado, e direitos de liberdade e deveres negativos, de outro, não se ignora o

fato de a dimensão principal dos direitos sociais – tendo em conta as diversas pretensões e

faculdades a eles inerentes – estar relacionada com o direito a prestações, ao passo que a

dimensão principal dos direitos de liberdade – ainda considerando as inúmeras pretensões a

eles inerentes – encontrar-se conectada à ideia de abstenções ou obrigações de não fazer.

O que se quer é tão-somente fazer incidir luz sobre a circunstância de que, unida à

dimensão principal dos direitos fundamentais, existe um plano acessório que não raras vezes é

olvidado pelos operadores jurídicos.

Seja como for, a cisão entre o direito fundamental em si e as diversas pretensões a

15 NOVAIS, 2010, ob. cit., p. 134. Jorge Reis Novais afirma que a partir da mesma norma de direito fundamental é possível deduzir um complexo de posições ou pretensões jurídicas de direitos fundamentais e que é necessário integrar as distinções analítico-estruturais num enquadramento tipológico que, considerando o direito fundamental como um todo, apresente as caracterísiticas elementares sobre a natureza dos interesses em causa. De acordo com o mesmo autor, é preciso que se tenha em foco uma distinção que raramente é feita. Cuida-se da diferenciação, por um lado, entre direito fundamental como um todo e cada um dos direitos e pretensões individuais, bem como deveres estatais, que o integram, e, por outro, da distinção entre direito a título principal e direitos ou pretensões instrumentais dentro do direito fundamental (direito ao ensino como direito social na sua dimensão principal e a pretensão de não ser impedido de aprender ou ensinar como expressão acessória do direito de liberdade) (NOVAIS, 2003, ob. cit., p. 112 e 129).

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50 Bruno Moraes Faria Monteiro BELÉM, O custo financeiro dos direitos sociais e os gatos... p. 43-56

ele relacionadas revela que tanto os direitos sociais como os direitos de liberdade podem

apresentar ou não custos financeiros. Nos casos em que este custo existe, dúvida parece não

haver que ele limita, ao menos no plano fático, a realização dos direitos fundamentais. Por

outras palavras, tanto os direitos sociais como os direitos de liberdade podem estar sujeitos ao

que se convencionou chamar de reserva do financeiramente possível. A diferença exsurge

apenas quando as lentes se voltam para as dimensões principais de cada direito: no caso dos

direitos sociais, o âmbito de proteção e promoção (direitos a prestações ou deveres positivos),

no caso dos direitos de liberdade o âmbito de respeito (direitos a abstenções ou deveres

negativos).

Holmes e Sunstein, em passagem que já se tornou célebre, afirmam que levar os

direitos a sério é levar também a sério a questão da escassez de recursos.16 A questão que

exsurge diz respeito aos métodos que devem ser adotados para se realizar os direitos sociais

na maior medida possível, especialmente num ambiente em que os direitos são muitos e os

recursos são reduzidos.

Um modelo constitucionalmente adequado e que seja capaz de colocar em

situação de destaque jurídico-constitucional os direitos sociais tem de compor uma dogmática

que insira esses direitos no rol das garantias jusfundamentais, mas sem olvidar as

especificidades das reservas que lhes são inerentes. Assim, será determinante para o nível de

controle judicial sobre as políticas públicas no campo dos direitos sociais o fato de que, ao

contrário dos direitos de liberdade, a reserva do financeiramente possível representa um fator

reforçado de contenção da intervenção judicial. Isso porque esta reserva integra o conteúdo

normativo dos próprios direitos sociais a prestações e porque implicam gastos financeiros

consideravelmente superiores aos dispendidos para a realização dos direitos de liberdade.

A despeito da limitação que a reserva do financeiramente possível impõe ao

controle judicial no domínio dos direitos fundamentais e, para o que interessa ao presente

estudo, dos direitos sociais, certo é que, da opção constitucional em elevar certas posições

jurídicas de vantagens à categoria de direitos fundamentais, deve decorrer consequências

jurídicas reais.

16 HOLMES; SUNSTEIN, 2000, ob. cit., p. 94.

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Os direitos sociais, especialmente num país como o Brasil, em que a taxa de

desigualdade social é a quarta maior do mundo17, funcionam como pré-condição para a

democracia.18 O passivismo judicial pode, nesse contexto, ser tão prejudicial como o ativismo

judicial sem racionalidade. Entretanto, a realização dos direitos sociais não está desconectada

de decisões políticas ou de políticas públicas, mesmo porque implica a alocação de recursos

financeiros segundo diretrizes estabelecidas pelo legislador, domínio em que a intervenção

judicial deve ser medida excepcional. No Brasil, o tema é objeto de grande celeuma

especialmente porque se no ano de 1988 houve um movimento de ampla constitucionalização

das políticas públicas.

A partir dessas ideias, chega-se à conclusão de que a vocação para gerar custos

financeiros não pode ser argumento para se negar a fundamentalidade dos direitos sociais,

pois os direitos de liberdade também geram custos. Dando seguimento a este estudo, mas

agora sob o ponto de vista orçamentário-financeiro, cumpre examinar os gastos com saúde no

Brasil em geral e em Goiás em particular.

2 GASTOS COM SAÚDE NO BRASIL E EM GOIÁS

2.1 O que deve ser considerado gasto com saúde a partir da edição da Lei

complementar nº 141/12?

Os Estados e o Distrito Federal devem, nos termos do art. 198, § 2º, II, da CF/88,

17 Segundo dados apresentados no Relatório de Desenvolvimento Humano (HDR - Human Development Report) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, (Gini Index - razão entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres). As estatísticas estão disponíveis em: http://hdr.undp.org/statistics/data/pdf/hdr04_table_14.pdf.

18 Destacando a indissociabilidade entre direitos sociais e direitos de liberdade, cf. PALMER, Ellie, Judicial Review, Socio-Economic Rights and the Human Rights Act. In: International Journal of Constitutional Law, v. 7, n. 1, 2009, p. 158; CANOTILHO, Joaquim José Gomes. “Bypass” social e o núcleo essencial de prestações sociais. In: Estudos sobre direitos fundamentais. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 252 e, no Brasil, dentre muitos, BARROSO, Luís Roberto. Brazil’s unbalanced democracy: presidential hegemony, legislative fragility and the rise of judicial power. Versão apresentada durante colóquio sobre democracia na Universidade de Yale. Mimeografado, fevereiro de 2011, p. 19.

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52 Bruno Moraes Faria Monteiro BELÉM, O custo financeiro dos direitos sociais e os gatos... p. 43-56

aplicar anualmente em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da

aplicação de percentuais calculados sobre o produto da arrecadação dos impostos de sua

competência, da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer

natureza por eles pagos, da parcela que lhe couber no Fundo de Participação dos Estados e da

parcela de participação da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados, nos termos

do art. 159, II, da CF/1988. O art. 198, § 3º da CF/88, com a redação dada pela Emenda

Constitucional nº 29, de 13 de setembro de 2000, por outro lado, estebelece que lei

complementar deverá especificar regras para a aplicação mínima de recursos que a União, os

Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão aplicar em ações e serviços públicos de

saúde.

Passados mais de 11 anos, editou-se a Lei complementar nº 141, de 13 de janeiro

de 2012. De acordo com essa Lei, Estados e Distrito Federal devem aplicar, anualmente, em

ações e serviços públicos de saúde, no mínimo 12% das receitas mencionadas acima.19 Além

de regras sobre a aplicação e fiscalização dos recursos públicos, a LC 141/12 detalhou o que

se deve considerar como despesas com ação e serviços públicos de saúde.

Comparativamente com o que dispunha a Resolução nº 322, de 8 de maio de

2003, do Conselho Nacional de Saúde, que regulamentava a questão antes do advento da LC

141/12, este ato normativo foi mais específico quanto ao tipo de despesa considerada com

ações e serviços públicos de saúde, bem como minudenciou o tipo de gasto que não deve ser

considerado para a contabilização de recursos mínimos a serem aplicados na área, destacando-

se as despesas com pessoal ativo da área da saúde quando em atividade alheia à referida área,

com ações de assitência social, com obras de infraestrutura, ainda que realizadas para

beneficiar direta ou indiretamente a rede de saúde, bem como despesa com sanemanto básico,

salvo as exceções do art. 3º (VI e VII).20

19 Manteve-se o percentual definido no art. 77, II, do ADCT.20 Rodrigo Eugênio Matos Resende argumenta que o art. 3º, VI e VI da LC nº 141/12 é incompatível com o art.

200, IV, da CF/88, que estabelece ser competência do sistema único de saúde a participação na formulação da política e da execução das ações de saneamento básico. Por isso, com razão, o Autor afirma que as despesas com saneamento básico deveriam ser consideradas gastos com saúde pública para fins de contabilização do montante mínimo que o Estado deve gastar com ações e serviços públicos de saúde (RESENDE, Rodrigo Eugênio Matos. A regulamentação da emenda constitucional nº 29: esperança ou decepção para o financiamento da saúde pública. Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado de Goiás, v. 6, p. 59-81. Goiânia: Centro de Estudos Jurídicos da PGE-GO, 2012, p. 78 e 79).

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Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 53

Com isso, o legislador reduziu significativamente o espaço de manobra que

historicamente foi utilizado pelo gestor para induzir o atingimento dos recursos mínimos que

deveriam ser aplicados na área, embora ainda não haja dados suficientes para comprovar o

incremento nos gastos públicos em ações e serviços públicos de saúde após a edição da Lei.

2.2 Gastos com saúde no Brasil

O Brasil ocupa a 84ª posição entre os 187 países avaliados no estudo no ranking

2011 do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que é divulgado pelo Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).21 Apesar da evolução de 2010 para 2011, o

Brasil ainda tem desenvolvimento humano mais baixo que Jamaica (79º), Bósnia (74º) e

Líbano (71º). Entre os países da América do Sul, o Chile está em 44º lugar, Argentina em 45º,

Uruguai em 48º e Cuba em 51º. Na comparação com os Brics, grupo de países emergentes, o

mais desenvolvido é a Rússia (66º), seguido de Brasil (84º), China (101º) e Índia (134º).

Isso revela que muito ainda há a ser feito para que o Brasil avance no respeito e na

promoção dos direitos fundamentais sociais. Para isso, na linha do que se afirmou acima, será

necessária a aplicação de vultosas quantias de recursos financeiros. Por ora, vale a pena

conferir os gastos públicos em saúde.

Antes de qualquer coisa é preciso ter em conta que os recursos aplicados em ações

e serviços de saúde podem advir da esfera privada ou do Estado. No primeiro caso os serviços

de saúde são custeados com dinheiro proveniente de poupanças e rendas das pessoas, ao passo

que no segundo o montante empregado na área da saúde procede dos cofres públicos.

De acordo com estudo realizado pela Organização Mundial de Saúde (OMS),

56,4% dos gastos com saúde no Brasil é privado, ou seja, a partir de recursos financeiros

pagos diretamente pelos pacientes por meio de planos privados de assistência à saúde.

Segundo o mesmo estudo, a média mundial é de 40,8%, e a média na América é de 50,7%.22

21 Relatório de Desenvolvimento Humano Global de 2011, disponível em: http://hdr.undp.org/en/media/HDR_2011_PT_Complete.pdf. Acesso em: 26.11.2012.

22 World Health Statistics, 2012, p. 133-142. Disponível em:

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54 Bruno Moraes Faria Monteiro BELÉM, O custo financeiro dos direitos sociais e os gatos... p. 43-56

Em valores absolutos, o levantamento constata que os recursos para a saúde quase

dobraram em menos de dez anos no Brasil, somando os gastos governamentais e privados.

Por pessoa, a Saúde no Brasil consumiu o equivalente a US$ 921,00 em 2009, contra US$

502,00 em 2000. Os dados da OMS revelam avanços no Brasil: i) o total gasto por privados e

governos com saúde aumentou de 7,2% do PIB em 2000 para 8,8% em 2009, taxa ainda

inferior à média mundial, que é 9,4%; ii) a expectativa de vida passou de 67 anos em 1990

para 73, em 2009, número que supera a média mundial; e iii) a morte de crianças com menos

de um ano, que em 1990 era de 46 por cada mil, caiu para 17, em 2009.23

De tudo isso, infere-se: i) que no Brasil a participação privada no financiamento

da saúde ainda é grande, considerando que há nesse país um sistema público de saúde; ii) que

o Brasil gasta em saúde relativamenta ao seu PIB menos do que média mundial; e iii) que nos

últimos dez anos houve um significativo aumento na aplicação de recursos na área de saúde,

causa provável da melhora verificada em alguns indicadores da saúde pública no País.

2.3 Gastos com saúde pública em Goiás

No ano de 2008 o Estado de Goiás gastou R$ 434,06 por habitante com ações e

serviços públicos de saúde, menos do que a média nacional, que foi de R$ 575,05.24 Em 2000

o gasto público total per capta com ações e serviços públicos de saúde foi de R$ 164,19 no

Estado de Goiás. Nota-se que a aplicação de recursos públicos em ações e serviços públicos

de saúde mais que dobrou entre 2000 e 2008.

No ano de 2012, a dotação orçamentária própria da saúde foi de R$

2.643.671.969,70. A receita líquida de impostos e tranferências constitucionais e legais foi de

R$ 9.445.705.152,39, ao passo que a despesa própria com saúde, vale dizer, aquela que nos

termos da LC nº 141/2012 deve ser contabilizada para fins de aplicação do limite mínimo

http://www.who.int/healthinfo/EN_WHS2012_Full.pdf. Acesso em: 26.11.2012.23 World Health Statistics, 2011, p. 45-56. Disponível em:

http://www.who.int/whosis/whostat/2011/en/index.html. Acesso em: 26.11.2012. Rodrigo 24 Indicadores e Dados Básicos do Minsitério da Saúde. Disponível em:

http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?idb2010/e0602.def. Acesso em: 22.11.12.

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Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 55

constitucional, foi de R$ 1.226.667.774,11, ou seja, 12,99% daquele montante.25 Se for

considerado o valor empenhado aplicado em saúde chega-se ao percentual de 12,53%, já do 4º

bimestre.26

CONCLUSÕES

A vocação para gerar custos financeiros não pode ser argumento para se negar a

fundamentalidade dos direitos sociais, pois os direitos de liberdade também geram custos.

A Lei Complementar nº 141/12 certamente contribuirá para uma melhora

quantitativa e qualitativa dos recursos públicos aplicados em ação e serviços públicos de

saúde, embora ainda inexistam dados concretos que possam comprovar isso.

O Brasil gasta muito, mas ainda não é suficiente. Todavia, os gastos realizados são

compatíveis com a média mundial e com o que gastam os países da OCDE. Todavia, ao

contrário da média mundial, o gasto privado com saúde ainda representa uma parcela

importante do gasto total na área.

No ano de 2012, segundo dados do Relatório Resumido de Execução

Orçamentária referente ao 4º bimestre, o Estado de Goiás sinaliza no sentido de que irá aplicar

o montante mínimo de recursos financeiros na área da saúde exigido pela Lei complementar

nº 141/12.

O problema de acesso universal e integral à saúde não é apenas um problema de

insuficiência de recursos financeiros. Na esfera administrativa pode-se pensar em formas

alternativas de provisão de serviços públicos por meio de parcerias com entidades privadas.

Uma vez judicializada, recairá sobre o Estado o ônus de justificar por intermédio de

25 A despesa realizada própria com saúde é a despesa realizada com saúde menos a despesa com inativos e pensionistas, as custeadas com recursos do SUS vinculados à saúde, os restos a pagas cancelados vinculados à saúde, a recomposição dos empenhos referentes ao exercício de 2011 e os restos a pagar inscritos sem disponibilidade financeira vinculada à saúde. Essa equação resulta das novas regras da Lei complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012.

26 Relatório resumido da execução orçamentária referente ao ano de 2012. Disponível em: http://www.transparencia.goias.gov.br/itransparencia/control?txtExercicio=2012&cmd=ListarSiofi. Acesso em: 03.01.2013.

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56 Bruno Moraes Faria Monteiro BELÉM, O custo financeiro dos direitos sociais e os gatos... p. 43-56

argumentos objetivamente aferíveis que, a despeito dos esforços empreendidos e dos recursos

investidos, não foi financeira ou tecnicamente possível prestar a assistência à saúde

pretendida.

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PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA: SUA REPERCUSSÃO NOS ENQUADRAMENTOS

CONVALIDADOS PELO ART. 54 DA LEI Nº 9.784/1999, NO QUE CONCERNE À EXIGÊNCIA DO TEMPO NA

CARREIRA CONSTANTE DAS EC NºS 41/2003 E 47/2005.

Beatriz Duarte Fleury Florentino1

RESUMOO presente trabalho tem por finalidade analisar, por meio de uma interpretação bibliográfica e jurisprudencial, os efeitos da convalidação do ato administrativo de enquadramento de servidor público, segundo a regra do artigo 54 da Lei nº 9.784/99 (regula o processo administrativo na Administração Pública Federal), em face do seu direito adquirido à aposentadoria com fundamento nas regras constitucionais de transição das EC nºs 41/2003 e 47/2005, no que concerne à exigência de tempo na carreira.Os atos que resultam em enquadramentos irregulares, como todos os atos administrativos eivados de vício, devem ser revistos em face do poder de autotutela conferido à Administração Pública. No entanto, em face do princípio da segurança jurídica, expresso no art. 5º, XXXVI, da CF/88, decorrido o prazo decadencial de cinco anos previsto no art. 542 da Lei nº 9.784/1999, a Administração fica impedida de anulá-

1 Procuradora do Estado de Goiás. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Católica de Goiás, Especialista em Direito Administrativo, pela conclusão do Curso de Pós-graduação “Lato-Sendu” em Direito Administrativo Contemporâneo, promovido pelo Instituto de Direito Administrativo de Goiás e Especialista em Direito Constitucional pela conclusão no Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp

2 Norma reproduzida no art. 54 da Lei nº 13.800/2001, que trata do processo administrativo no âmbito do Estado de Goiás.

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lo, desde que dele tenham decorrido efeitos favoráveis ao servidor que não tenha agido de má fé. Neste sentido tem-se posicionado a doutrina e a jurisprudência, ainda que de forma um pouco oscilante. Se por um lado a manutenção desses atos, por força do citado artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, favorece a continuidade do servidor no cargo para o qual foi enquadrado irregularmente, com os respectivos efeitos remuneratórios, por outro, somos forçados a concluir que a sua passagem para este cargo não poderá ter efeitos retroativos, passando a ocupá-lo, bem como à carreira a que pertença, a partir da data do ato de enquadramento editado, inclusive para efeito da contagem do tempo de carreira exigido nas aposentadorias efetivadas sob as regras dispostas nas EC nºs 41/2003 e 47/2005. Decorre disso a possibilidade de que o servidor não implemente o tempo na carreira exigido nas citadas regras constitucionais de transição.

Palavras-chaves: segurança jurídica - convalidação – enquadramento – servidor – aposentadoria – EC nº 41/2003 e 47/2005.

ABSTRACTIn light of a bibliographic and jurisprudential interpretation, the present study aimed at analyzing the effects of the validation of the administrative Act for the civil servant career framework pursuant to Article 54 of Law number 9.784/1999 (which regulates the administrative process in the Federal Public Administration), describing the right to pension grounded on the constitutional requirements of transition of CAs number 41/2003 and 47/2005 concerning career length.Actions resulting from non-conformity, as well as all administrative proceedings riddled with error, must be reviewed in view of the self-protection power granted to Public Administration. However, under the legal certainty principle, as stated by the 5th Article, XXXVI, of the 1988 Federal Constitution, which determines that within the five-year deadline period described by Article 543 of Law number 9.784/1999, Public Administration is precluded from annulment, provided that the civil servant has not acted in bad faith. The doctrine and jurisprudence, thus, have taken such positions albeit in an oscillating manner.

3 Provision reproduced in Article 54 os Law 13.800/2001 which deals with the administrative processin the state of Goiás.

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If, on the one hand, the maintenance of such actions described by Article 54 f Law number 9.784/1999 may favor the continuation of the non-conforming employee, with its respective remuneration effects, on the other hand, we are led to believe that such change of position shall not suffer retroactive effects, granting the employee the right to take it over, as well as to the pertaining career, as of the date of the edited framework, also for the purposes of career progression which fall under the requirements of CAs number 41/2003 and 47/2005.This,however, may lead to the possibility of non- compliance with the career length requirements as dictated by the afore-mentioned constitutional requirements of transition.

Key words: legal certainty, validation, career framework, civil servant, pension, CAs number 41/2003 and 47/2005.

INTRODUÇÃO

A reestruturação funcional de quadros de pessoal é medida usual adotada pelas

administrações públicas federal, estaduais e municipais, com o fim de criar ou extinguir

cargos, além de transformá-los. Nesta última hipótese, os cargos existentes desaparecem para

dar lugar a outros que são criados. Há a transformação dos cargos antigos em outros novos.

Nessa oportunidade, não raras as vezes, a Administração Pública promove o

reposicionamento de servidores de forma equivocada, de modo a propiciar que ele venha a

ocupar um cargo diverso daquele que originariamente titularizava, ensejando um provimento

derivado com afronta ao artigo 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988, segundo o qual

todo cargo público deve ser provido por concurso público de provas ou de provas e títulos.

Em grande parte dessas situações, não há a participação culposa ou dolosa do servidor, dessa

maneira os resultados favoráveis que alcançam são obtidos de boa fé.

A Administração Pública tem o dever de desfazer os seus atos praticados com

erro, em razão do poder de autotutela que lhe é conferido, ressalvada a possibilidade de

convalidação nos casos de correção de atos com vícios sanáveis, que podem ser confirmados

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no todo ou em parte.

Nas hipóteses em que se exige a anulação do ato ilegal ou inconstitucional, ela

certamente acarretará prejuízo ao servidor, na medida em que desconstituirá todos aqueles

efeitos que lhe foram favoráveis.

Por outro lado, em vista do princípio da segurança jurídica, expresso no art. 5º,

XXXVI, da CF/88, que impede que a lei possa retroagir para afetar direito adquirido, ato

jurídico perfeito e coisa julgada, o poder de autotutela da Administração Pública esbarra em

limites, entre os quais destaco o temporal, expresso no art. 54 da Lei nº 9.784/1999, que

regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, com

reprodução no art. 54 da Lei nº 13.800/2001 do Estado de Goiás4. A razão final desse

dispositivo legal é assegurar ao servidor o direito à manutenção do ato ilegal que lhe tenha

trazido efeitos favoráveis, após o prazo de cinco anos, desde que não tenha agido de má fé.

Se por um lado, a aplicação do citado artigo 54 da Lei nº 9.784/1999 favorece a

continuidade do servidor no cargo para o qual foi enquadrado irregularmente, com os

respectivos efeitos remuneratórios, por outro, apontando para a impossibilidade de se atribuir

efeitos retroativos a este provimento, é forçoso concluir que o servidor passa a ocupá-lo, bem

como à carreira a que pertença, a partir da data do ato de enquadramento editado, inclusive

para efeito da contagem do tempo de carreira exigido nas aposentadorias efetivadas sob as

regras dispostas nas Emendas Constitucionais nºs 41, de 19 de dezembro de 2003 e 47, de 05

de julho de 2005. Consequência disso é a possibilidade de não contar o servidor com o tempo

de carreira (10 ou 15 anos) necessário à obtenção do benefício previdenciário, ensejando o

indeferimento do respectivo pedido.

Portanto, se o enquadramento do servidor redundou no seu ingresso em carreira

distinta a que pertencia (por força do enquadramento irregular – em cargo diverso do que

ocupava anteriormente - mantido segundo a regra do art. 54 da Lei nº 9.784/1999)5, quando e

4 Art. 54 – O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.

Parágrafo único – No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.

5 O STF já se posicionou pela convalidação de atos de ascensão funcional porque o desfazimento ocorreu em prazo superior a cinco anos (MS 26.393 e 26.404, Rel, Min. CARMEN LÚCIA, em 29.10.2009. Anoto que

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se for o caso de pretender a sua aposentadoria com fundamento nas normas dispostas nas EC

nºs 41/2003 e 47/2005, poderá ele se deparar com a hipótese de não preencher o tempo de

exercício na carreira exigido pelo inciso IV do art. 6º da EC 41 e pelo inciso II do art. 3º da

EC 47 (10 e 15 anos, respectivamente).

Partindo dessa premissa, tem-se que está ausente um dos requisitos

constitucionais para a concessão do benefício previdenciário e, neste caso, será possível o

indeferimento do seu pedido de aposentadoria? Ou considerando a manutenção dos efeitos do

ato de enquadramento do servidor, não seria o caso de se considerar pela regularidade de sua

situação e, nessas condições, esse indeferimento pode configurar afronta ao seu direito

adquirido à aposentadoria voluntária?

Questões como essas devem ser enfrentadas segundo o entendimento doutrinário e

jurisprudencial sobre os efeitos e as consequências da convalidação do ato administrativo de

enquadramento, em face da decadência, extrapolando as questões remuneratórias e com foco

principal na situação funcional do servidor para fins previdenciários.

Assim, o objetivo deste artigo é analisar a repercussão da segurança jurídica no

ato de enquadramento do servidor convalidado em face do transcurso do prazo decadencial

previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/1999, considerando a sua posição funcional, com foco no

tempo na carreira exigido pelas EC nºs 41/2003 e 47/2005, para fins previdenciários.

Também o de verificar a relação entre o direito adquirido à manutenção do ato de

enquadramento inquinado de ilegalidade e o direito adquirido à aposentadoria do servidor

público com fundamento nas regras previstas nas EC nºs 41/2003 e 47/2005.

Pois bem. Tomando como referência a posição doutrinária (FURTADO, 2012), já

defendida em algumas ocasiões pelo Supremo Tribunal Federal6, quanto à impossibilidade de

rever atos ilegais (e mesmo inconstitucionais), após o prazo de cinco anos contados da sua

prática e quando houver a boa fé do destinatário, em vista do princípio da segurança jurídica e

embora a Suprema Corte não tenha muitos julgados neste sentido e que os que foram citados se refiram a casos específicos, existem decisões monocráticas mais recentes, também da Min CARMEN LÚCIA, em situações mais abrangentes, admitindo a aplicação do art. 54 da Lei nº 9.784/99 às ascensões funcionais praticadas a mais de cinco anos, desde que presente a boa fé do servidor, invocando os princípios da segurança jurídica e da estabilidades das relações jurídicas.

6 Convalidação de atos de ascensão funcional porque o desfazimento ocorreu em prazo superior a 5 anos (MS 26.393 e 26.404, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, em 29.10.2009.

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da estabilidade das relações jurídicas, surge a necessidade de que sejam analisados os efeitos

decorrentes dessa convalidação, com relação a outros direitos do mesmo servidor.

A decadência operada aliada à inquestionável conclusão de que as convalidações

de enquadramentos dos servidores em cargos diversos aos que ocupavam originariamente

ensejam um provimento derivado e, portanto, implicam em alteração de carreira, leva-nos a

trabalhar com a hipótese de não implemento do tempo mínimo de carreira exigido nas EC nºs

41/2003 e 47/2005, o que lhes acarretariam a impossibilidade de se aposentarem com

fundamento nessas regras, as quais atualmente são mais vantajosas.

Por outro lado, considerando a visão doutrinária (FURTADO, 2012, p. 252) de

que mesmos os atos nulos podem gerar efeitos aos destinatários de boa fé, será que há a

possibilidade de se considerar que a sua convalidação também deve impedir a ocorrência de

quaisquer prejuízos ao seu destinatário? Pretende-se, assim, abordar as situações aventadas

sob a ótica previdenciária e, pois, verificar o alcance quanto à continuidade do servidor na

carreira para efeito do prazo constitucional exigido para a obtenção da aposentadoria com

base nas EC nºs 41/2003 e 47/2005, na ocorrência da convalidação do enquadramento

irregular antes de completar o tempo de carreira exigido (10 ou 15 anos).

Uma análise detida a ser realizada nas citadas decisões judiciais da Suprema Corte

também servirão para alcançar a resolução do problema enfocado.

Essa pesquisa visa oferecer uma visão panorâmica sobre o princípio da segurança

jurídica, a convalidação de atos administrativos decorrente do nominado princípio e os

respectivos efeitos, notadamente com relação a uma determinada situação previdenciária do

servidor público.

Como procedimento para a sua realização, utilizar-se-á o método hipotético-

dedutivo e, segundo a abordagem do problema, a pesquisa qualitativa.

A pesquisa exploratória é a mais apropriada para atingir ao objetivo que se busca,

porque enseja uma visão macromática do tema proposto. Quanto ao procedimento técnico, a

pesquisa bibliográfica será de suma importância para embasar as proposições e, por fim, as

respectivas conclusões.

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1 PODER DE AUTOTUTELA DA ADMINISTRAÇÃO

1.1 Noções gerais

Segundo o princípio da autotutela, a Administração Pública tem o poder de

controlar os seus próprios atos, seja para anulá-los, quando ilegais, seja para revogá-los,

quando inconvenientes e inoportunos. Para muitos autores (MARINELA, 2010. P. 57), não se

trata de uma faculdade da administração, mas sim de um dever decorrente de sua vinculação

ao princípio da legalidade (art. 37, caput, CF/88), na medida em que a ela não se permite

manter inerte diante de situações de irregularidade, devendo adotar os meios necessários ao

restabelecimento da legalidade, independente de ser provocado, agindo, pois, de ofício.

Esse princípio encontra-se consagrado nas súmulas 346 e 473 do Supremo

Tribunal Federal7.

Além disso, atualmente o ordenamento jurídico pátrio conta com dispositivos que

reafirmam essa possibilidade de controle dos atos pela própria administração, como os já

citados art. 54 da Lei federal nº 9.784/1999 e art. 54 da lei estadual nº 13.800/2001, os quais,

inclusive, estabelecem limites a esse poder de autotutela, em nome do princípio da segurança

jurídica e da estabilidade das relações jurídicas. É que pendências definitivas sobre situações

jurídicas constituídas não podem ser toleradas pelo ordenamento jurídico, ou seja, a

possibilidade de revisão de situações já consolidadas não pode ser indefinida, sob pena de

acarretar mais prejuízo do que a respectiva manutenção.

Portanto, a atuação administrativa de controle ou mesmo de revisão deve ser

efetivada nos limites da lei, sob pena de ilegalidade ou abuso de poder. E, nos moldes

estabelecidos nos dispositivos legais invocados, deve ser observado o prazo decadencial de

cinco anos para a anulação de atos ilegais ou mesmo inconstitucionais, salvo comprovada má

fé do destinatário do ato. “Vê-se, portanto, que depois desse prazo, incabível se torna o

7 Súmula 346: “A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.” Súmula 473: “A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

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exercício de autotutela pela Administração, eis que tal hipótese acarreta, ex vi legis, a

conversão do fato anterior em situação jurídica legítima.” (CARVALHO FILHO, 2010, P. 37)

1.2 Princípios da Segurança Jurídica e da Confiança

Muito embora o princípio da legalidade seja o pilar da Administração Pública, o

ordenamento jurídico não tem fechado os olhos à necessidade de se buscar a estabilidade das

relações jurídicas, situação que muitas vezes se apresenta em confronto com a legalidade. Ao

mesmo tempo em que é imperiosa a conformação dos atos e das condutas aos parâmetros

legais, não se pode negar que é preciso evitar que situações jurídicas permaneçam todo tempo

em nível de instabilidade, de modo a ensejar incertezas e inseguranças entre os indivíduos.

Com vistas a atingir esta estabilização, a ordem jurídica conta com os institutos da prescrição

e da decadência, consagrando o princípio da segurança jurídica, que tem como fundamento

constitucional o art. 5º, XXXVI, que impede que a lei retroaja para atingir direito adquirido,

ato jurídico perfeito e coisa julgada.

A segurança jurídica visa à estabilidade dos direitos subjetivos. O nominado

instituto, segundo Vanossi, apud SILVA (2003, P. 431), consiste no “conjunto de condições

que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências

diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida.”

A estabilidade de certas situações jurídicas tem atualmente dois requisitos: o

decurso do tempo e a boa fé, distinguindo o princípio da segurança jurídica e da proteção à

confiança. O primeiro relaciona-se com o aspecto objetivo do conceito, apontando para a

inafastabilidade da estabilização das relações jurídicas. Já o segundo, refere-se ao aspecto

subjetivo, de modo a considerar o sentimento do indivíduo com relação aos atos praticados

pela administração, que são dotados de presunção de legitimidade e com a aparência de

legalidade (SILVA, 2003. p. 39).

Merecem destaque as previsões contidas nos arts. 2º, 53 e 54 da Lei nº

9.784/1999. Este último consagra os princípios da segurança jurídica e da confiança, na

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medida em que concilia os aspectos de tempo e boa-fé, com o intuito de estabilizar relações

jurídicas, pois dela decorre a limitação da Administração de exercer o seu poder de autotutela,

ficando impedida de retirar efeitos favoráveis dos atos por ela praticados, obtidos pelos

destinatários de boa fé, após o transcurso do prazo de cinco anos. O STF já convalidou atos

administrativos de transposição de carreira em favor do servidor, que foram realizados com

base em lei inconstitucional, invocando o citado dispositivo legal, reconhecendo a proteção do

destinatário, em face da consolidação de sua situação jurídica, homenageando o princípio da

segurança jurídica. De igual forma, outros atos de ascensão funcional também foram

convalidados8, tendo em vista que ultrapassado o quinquênio fixado na Lei nº 9.784/99,

protegendo a confiança do administrado (SILVA, 2003. pp. 39/40).

1.3 O Art. 54 da Lei nº 9.784/99: a decadência para Administração Pública

rever os atos ilegais pelo decurso do tempo.

Segundo o art. 54 da Lei nº 9.784/19999, a Administração tem o direito de anular

os seus atos ilegais de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários, no prazo decadencial

de cinco anos, salvo comprovada má fé.

Ao comentar este dispositivo, Pedro Nadal, apud Figueiredo (2004, p. 229)

assevera que “o prazo para que a Administração anule os atos administrativos de que

decorram efeitos favoráveis para os destinatários é decadencial, sendo certo que: “A

decadência faz perecer o direito e, portanto, o prazo decadencial não se interrompe nem se

suspende.”(REIS, 2000)10

Afirma ainda o citado autor que “Diante deste quadro, a possibilidade de anulação

do ato administrativo na esfera federal limitar-se-ia ao lapso temporal de cinco anos, não

8 MS 28.953 DF. Relatora Min Cármen Lúcia. Impetrante: Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e Ministério Público da União do Distrito Federal. Primeira Turma. Dje 28/03/2012.

9 Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má fé.10 Apud op cit. P 229

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havendo possibilidade de dilargá-lo.”

Por sua vez, FURTADO11 contesta a natureza decadencial desse prazo, admitindo-

o como prescricional, haja vista o disposto no § 2º do art. 54 da Lei nº 9.784/1999

(Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa

que importe impugnação à validade do ato. Explica o autor que:

Se se tratasse de prazo decadencial, a anulação deveria ocorrer dentro dos cinco anos. Ao contrário, a lei estabelece que este é o prazo para que o ato seja impugnado, o que nos leva a caracterizá-lo como prescricional. Fixada sua natureza como prescricional, as interrupções devem ser admitidas e os critérios de interrupção devem ser adotados, nos termos do Código Civil.

Há grande divergência quanto a natureza desse prazo estabelecido pelo art. 54 da

Lei nº 9.784/1999, como já demonstrado, no entanto, há uma tendência maior para que ele

seja considerado decadencial12, utilizando como fundamento o regime do Código Civil.13

Mas o que importa para o tema proposto é que a lei fixa o prazo de cinco anos

para que a Administração anule os seus atos ampliativos de direito que foram editados fora

dos parâmetros legais. Decorrido este prazo, a anulação somente poderá ocorrer se

demonstrada a má-fé do destinatário. Parte da doutrina14 entende que “A consequência, em

relação aos atos praticados de má-fé, é a da imprescritibilidade, ou seja, a qualquer tempo a

Administração poderá rever atos nulos, desde que seja provada a má-fé daquele que se

beneficiou com a prática do ato.” Por outro lado, há autores15 que não concordam com a tese

da imprescritibilidade, por entendê-la que ao final se trataria de uma previsão legal

inconstitucional, vez que afrontosa ao princípio da razoabilidade.

Ainda quanto a má fé, vale registrar a reflexão posta por Juarez Freitas16 de que a

norma admite o impedimento do fluxo da decadência com a má fé do destinatário do ato, do

11 FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Fórum. Belo Horizonte:2012. P. 249.12 Nesse sentido, destaco a preciosa fundamentação exposta por FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria

Fernanda Pires de Carvalho e CAMARÃO, Tatiana Martins da Costa. Processo Administrativo – Comentários à Lei nº 9.874/1999. Editora Fórum. Belo Horizonte:2008. PP 193/194.

13 Cf. MARINELA, Fernanda. Op cit. P. 28614 Op. Cit. P. 249.15 Apud. Op. cit. Nota de rodapé. P. 24916 Apud. Op. cit. FORTINI, Cristiana; PEREIRA, Maria Fernanda Pires de Carvalho e CAMARÃO, Tatiana

Martins da Costa. Processo Administrativo – Comentários à Lei nº 9.874/1999. Editora Fórum. Belo Horizonte:2008. PP 196/197.

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agente público ou de ambos.

Como já dito, o dispositivo em foco consagra os princípios da segurança jurídica e

da boa-fé, que interferem no exame da invalidação do ato em dois aspectos diversos. O

primeiro deles, já explicitado, refere-se ao impedimento para a Administração anular os seus

atos ilegais após o transcurso do prazo de cinco anos. E o segundo, diz respeito à situação em

que a anulação é possível, uma vez que ocorrida no prazo de cinco anos desde a sua prática do

ato, ou após esse prazo caso comprovada a má-fé do beneficiário ou do gestor, com a

preservação de seus efeitos. Isso porque a boa-fé e a segurança jurídica devem nortear a

atuação da administração, evitando que os indivíduos que agiram sem culpa ou dolo sejam

penalizados.

Segundo Bandeira de Melo17, a manutenção ou não dos efeitos produzidos pelo

ato anulado depende de definir se ele produz efeitos restritivos de direitos ou efeitos

ampliativos na esfera de direitos dos administrados. 18 No primeiro caso, a anulação do ato

ilegal deve ser retroativa, produzindo efeitos ex tunc, “exonerando por inteiro quem fora

indevidamente agravado pelo Poder Público das conseqüências onerosas do ato ilegal.”

Já quando o ato ilegal for ampliativo de direitos, estando o seu destinatário de

boa-fé, a anulação produzirá efeitos para o futuro (ex nunc), ou seja, manter-se-ão os efeitos

produzidos antes de sua retirada pelo instituto da anulação.

Assim, como bem pontuado por MARINELA19

Por fim, é também necessário observar a falsidade da afirmação de que os atos ilegais não produzem efeito algum. Primeiro porque eles produzem todos os seus efeitos até a sua declaração, segundo porque ficam protegidos os terceiros de boa-fé, e ainda, a possibilidade de constituição do direito à indenização.Atualmente a doutrina e jurisprudência reconhecem o direito à indenização quando o administrado constituiu em despesa e desde que esteja de boa-fé, isto é, não tenha dado causa a ilegalidade ou concorrido para o vício. Ressalte-se que apenas há que se falar em indenização caso essa tenha havido despesa, pois, caso contrário, restaria tipificado o enriquecimento ilícito do administrado.

Como se vê, o art. 54 da Lei nº 9.784/1999, calcado nos princípios da segurança 17 Apud. MARINELA, Fernanda. Op. Cit. P. 287.18 A primeira situação pode ser exemplificada com a hipótese de um servidor que, em razão

de determinado ato administrativo ilegal, deixou de perceber uma vantagem econômica. Na segunda, ao contrário, o ato administrativo ilegal beneficia o seu destinatário

19 Op. Cit. P. 287.

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jurídica e da boa-fé, disciplina a atuação da Administração quanto a anulação dos seus atos

que foram praticados em desconformidade com os preceitos do ordenamento jurídico. E é em

homenagem aos princípios adotados que ele impôs limitações ao dever de invalidação dos

atos ainda que ilegais ou inconstitucionais, com a previsão expressa de um prazo decadencial

de cinco anos, para a respectiva anulação, desde que constatada a boa-fé do destinatário. E,

uma vez operada esta decadência, com a consequente manutenção do ato ilegal, importa que

sejam analisados os efeitos decorrentes dessa situação.

2 EFEITOS DA MANUTENÇÃO DE ATOS ADMINISTRATIVOS

ILEGAIS EM FACE DA DECADÊNCIA

A Administração Pública, diante de um ato ilegal que tenha praticado, tem o dever

de convalidá-lo, quando o vício que apresente seja sanável, não acarrete lesão ao interesse

público nem prejuízo a terceiros, nos termos previstos no art. 55 da Lei nº 9.784/1999.

Quando ela estiver diante de um ato insuscetível de convalidação na forma da lei, terá a

obrigação de anulá-lo, conforme o disposto no art. 53 do mesmo Diploma Legal, salvo

quando escoado o prazo decadencial estabelecido no art. 54 da Lei nº 9.784/1999, ou, ainda,

quando a desconstituição do ato ilegal gerar maior transtorno à ordem jurídica do que a sua

manutenção.

Por conseguinte, nas hipóteses em que não se reconhece a possibilidade de

convalidação ou anulação do ato ilegal, tem-se que se aplicar o instituto da estabilização dos

efeitos do respectivo ato. Como já se disse, esta solução decorre da necessidade de mitigação

do princípio da legalidade em face de outros princípios constitucionais igualmente

importantes para o ordenamento jurídico, tais como a segurança jurídica, a confiança e a boa-

fé, que são subprincípios do Estado de Direito, que é aquele politicamente organizado, com

leis próprias para cumprir. Vale lembrar que o princípio da legalidade é o pilar deste regime,

entretanto ele não pode ser aplicado de forma absoluta, sem a devida ponderação com outros

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Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 69

princípios do ordenamento jurídico.

Em várias oportunidades, o Supremo Tribunal Federal tem decidido na linha do

raciocínio exposto, mantendo os efeitos de atos ilegais, apesar de seus vícios, inclusive,

reconhecendo a aplicação do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/199920.

Também a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido que a

fixação deste prazo decadencial demonstra quando a legalidade esbarra na segurança jurídica,

devendo esta última prevalecer. Confirme a decisão abaixo transcrita:(...) 1. O poder-dever da Administração de invalidar seus próprios atos encontra limite temporal no princípio da segurança jurídica, pela evidente razão de que os administrados não podem ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade originada do poder de autotutela do Estado, e na convalidação dos efeitos produzidos, quando, em razão de suas conseqüências jurídicas, a manutenção do ato atenderá bumais ao interesse público do que sua invalidação. 2. A infringência à legalidade por um ato administrativo, sob o ponto de vista abstrato, sempre será prejudicial ao interesse público; por outro lado, quando analisada em face das circunstâncias do caso concreto, nem sempre a sua anulação será a melhor solução. Em face da dinâmica das relações jurídicas sociais, haverá casos em que o próprio interesse da coletividade será melhor atendido com a subsistência do ato nascido de forma irregular. 3. O poder da Administração, destarte, não á absoluto, na seara da invalidação de seus atos, de forma que a recomposição da ordem jurídica violada está condicionada primordialmente ao interesse público. O decurso do tempo ou a convalidação dos efeitos jurídicos, em certos casos, é capaz de tornar a anulação de um ato ilegal claramente prejudicial ao interesse público, finalidade precípua da atividade exercida pela Administração. 4. O art. 54 da Lei nº 9.784/99, aplicável analogicamente ao presente caso, funda-se na importância da segurança jurídica no domínio do Direito Público, estipulando o prazo decadencial de 5 anos para a revisão dos atos administrativos viciosos (sejam nulos ou anuláveis) e permitindo, a contrário sensu, a manutenção da eficácia dos mesmos, após o transcurso do interregno mínimo qüinqüenal, mediante a convalidação ex ope temporis, que tem aplicação excepcional a situações típicas e extremas, assim consideradas aquelas em que avulta grave lesão a direito subjetivo, sendo o seu titular isento de responsabilidade pelo ato eivado de vício. (...){RMS 24430 / AC, STJ – Quinta Turma, Relator (a): Min Napoleão Nunes Maia Filho, julgamento: 03/03/2009, Dje 30/03/2009) (destaque estranho ao texto)

Veja ainda a decisão recente proferida no Mandado de Segurança 28.953 DF, que

trata da decadência do direito da Administração anular os atos de ascensão funcional

praticados, em vista da edição da Lei nº 9.784/1999:EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃP. ANULAÇÃO DE ASCENSÕES FUNCIONAIS CONCEDIDAS AOS SERVIDORES DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. PROCESSO ADMINISTRATIVO DE ANULAÇÃO INICIADO MAIS DE 5 ANOS APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 9.784/99. DECADÊNCIA DO DIREITO DE ANULAR OS

20 Decisão MS 28.953 já citada.

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70 Beatriz Duarte Fleury FLORENTINO, Princípio da segurança jurídica: sua repercussão... p. 57-78

ATOS DE ASCENSÃO. SEGURANÇA CONCEDIDA. Impetrante Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e Ministério Público da União no Distrito Federal – SINDJUS/DF – Impetrado: Tribunal de Contas da União. Ministra relatora. Carmén Lúcia. Primeira Turma – 28.02.2012.

Nota-se que a decisão supracitada admite que o ato ilegal não mais passível de

anulação, em razão do transcurso do prazo decadencial de cinco anos, estará convalidado.

Este raciocínio é doutrinariamente bem explicado21, como se verá pela transcrição abaixo:Importa verificar que os princípios da segurança jurídica e da boa-fé interferem no exame da invalidação do ato em dois diferentes aspectos:1. Impedindo a própria anulação do ato na eventualidade de ele ter sido praticado

há mais de cinco anos e;2. Permitindo que, não obstante o ato seja anulado, posto que praticado dentro do

prazo de cinco anos, determinados efeitos dele decorrentes possam ser preservados.

Na primeira situação, que se verifica quanto o ato tiver sido praticado há mais de cinco anos, se o destinatário de ato ampliativo de direito tiver agido de boa-fé, que se presume e somente desaparece se o poder público demonstrar a existência de má-fé, desaparece o poder da Administração de anular o ato. Não se trata de situação que requeira a convalidação do ato. A rigor, o decurso do lapso temporal é, em si, o elemento de convalidação.

É forçoso concluir, pois, que o ato ilegal ou inconstitucional não mais passível de

anulação pelo decurso do tempo fica convalidado com todas as consequências decorrentes

dessa situação.

3 SISTEMA PREVIDENCIÁRIO ATUAL DO SERVIDOR PÚBLICO

3.1 Regras transitórias para a aposentadoria no regime próprio de

previdência estabelecidas nas Emendas Constitucionais nºs 41/2003 e

47/2005, com destaque à exigência do tempo na carreira

O sistema previdenciário do servidor público, desde a edição da Emenda

Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, vem sendo reformado, sendo que as

alterações mais substanciais foram implementadas pelas Emendas Constitucionais nºs 21 FURTADO. Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. Editora Fórum. Belo Horizonte:2012. P. 249.

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41/2003 e 47/2005. A EC nº 41/2003 alterou as regras para a obtenção da aposentadoria

dispostas na EC nº 20/98, a forma de cálculo dos proventos, além de trazer algumas vedações

ao novo sistema implantado. No entanto, resguardou as situações já consumadas, como se

infere da redação do seu art. 3º.

Por outra senda, estabeleceu novas regras de transição para os servidores que

ingressaram no serviço público antes da data de sua publicação, dispostas no seu art. 6º,

atualmente já alteradas posteriormente pela Emenda nº 47/2005 e recentemente pela Emenda

nº 70/2012, cuja redação segue transcrita:

Art. 6º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelo art. 2º desta Emenda, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação desta Emenda poderá aposentar-se com proventos integrais, que corresponderão à totalidade da remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, quando, observadas as reduções de idade e tempo de contribuição contidas no § 5º do art. 40 da Constituição Federal, vier a preencher, cumulativamente, as seguintes condições:

I - sessenta anos de idade, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade, se mulher;

II - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

III - vinte anos de efetivo exercício no serviço público; e

IV - dez anos de carreira e cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se der a aposentadoria.

Art. 6º-A. O servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação desta Emenda Constitucional e que tenha se aposentado ou venha a se aposentar por invalidez permanente, com fundamento no inciso I do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, tem direito a proventos de aposentadoria calculados com base na remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, não sendo aplicáveis as disposições constantes dos §§ 3º, 8º e 17 do art. 40 da Constituição Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 70, de 2012)

Parágrafo único. Aplica-se ao valor dos proventos de aposentadorias concedidas com base no caput o disposto no art. 7º desta Emenda Constitucional, observando-se igual critério de revisão às pensões derivadas dos proventos desses servidores. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 70, de 2012)

Vale anotar apenas para efeito informativo, visto que sem pertinência com o foco

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72 Beatriz Duarte Fleury FLORENTINO, Princípio da segurança jurídica: sua repercussão... p. 57-78

deste trabalho, que a citada Emenda Constitucional nº 70, de 29 de março de 2012 trouxe

alterações ao art. 40 da Constituição Federal, com relação a forma de cálculo dos proventos de

aposentadorias dos servidores públicos que ingressaram no serviço público até o advento da

EC nº 41/2003, inativados por invalidez, restabelecendo-lhes a paridade anteriormente

extirpada.

Retomando ao tema sob análise, observo que a citada EC nº 47/2005, além de

promover alteração na EC nº 41/2003, trouxe nova regra de transição destinada aos servidores

que ingressaram no serviço público até 16 de dezembro de 1998, a saber:

. Art. 3º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até 16 de dezembro de 1998 poderá aposentar-se com proventos integrais, desde que preencha, cumulativamente, as seguintes condições:

I trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

II vinte e cinco anos de efetivo exercício no serviço público, quinze anos de carreira e cinco anos no cargo em que se der a aposentadoria;

III idade mínima resultante da redução, relativamente aos limites do art. 40, § 1º, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, de um ano de idade para cada ano de contribuição que exceder a condição prevista no inciso I do caput deste artigo.

Parágrafo único. Aplica-se ao valor dos proventos de aposentadorias concedidas com base neste artigo o disposto no art. 7º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, observando-se igual critério de revisão às pensões derivadas dos proventos de servidores falecidos que tenham se aposentado em conformidade com este artigo. (destaques estranhos ao texto)

Dentre os requisitos exigidos pelas regras transitórias a serem cumpridos pelos

servidores para se aposentarem com fulcro nas EC nºs 41/2003 e 47/2005, destaco o tempo

mínimo cumprido na carreira e no cargo.

Muito já se discutiu com relação a possibilidade de servidores que se enquadrarem

nas citadas regras previdenciárias de transição que, após aprovados em concurso público,

ingressaram em novo cargo público após a sua vigência. Esta situação foi abordado por

Modesto22, concluindo que: 22 MODESTO, Paulo. Reforma da Previdência e Regime Jurídico da Aposentadoria dos Titulares de Cargo

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embora ingresse em novo cargo público na vigência das novas regras, poderá o servidor efetivo pleitear seu enquadramento nas normas transitórias da Emenda Constitucional nº 41/03. Exige-se apenas que tenha mantido vínculo continuado com o serviço público, em cargos efetivos, de qualquer unidade da Federação e que a origem do vínculo respeite os marcos temporais assinalados nos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional nº 41/2003

Com relação a situação dos servidores que ingressaram em novo cargo público

pela via do concurso público, não restam dúvidas de que o tempo de serviço no cargo anterior

surtirá alguns efeitos previdenciários, desde que atendidas as demais regras exigidas.

Não há a mesma certeza quanto aos servidores enquadrados em cargos diversos

dos seus originários, com essa situação consolidada gerada pela inércia da Administração no

tempo necessário. Resta, pois, que se analise os efeitos da estabilização de sua situação

funcional frente à exigência do tempo de carreira nas EC nºs 41/2003 e 47/2005.

3.2 Efeitos da manutenção do enquadramento do servidor em face da

decadência, com relação ao tempo de carreira exigido nas EC nºs 41/2003 e

47/2005

Segundo dispõe o artigo 37, inciso II da Constituição Federal de 1988, com a

redação determinada pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998:Art. 37......(...)II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

A exigência do concurso público na ordem constitucional anterior referia-se

apenas à primeira investidura, diferentemente do atual, cuja imprescindibilidade se aplica

tanto para os provimentos originários quanto aos derivados, ressalvando-se apenas as

exceções previstas na própria Constituição, tais como a reintegração, o aproveitamento, a Público. MODESTO, Paulo (Coord). Reforma da Previdência. Análise e Crítica da Emenda Constitucional nº 41/2003. Belo Horizonte;2004. P. 96.

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74 Beatriz Duarte Fleury FLORENTINO, Princípio da segurança jurídica: sua repercussão... p. 57-78

recondução, a promoção e a reversão ex offício.23 Destaca-se ainda a permanência do instituto

do enquadramento, que é segundo ANTÕNIO FLÁVIO DE OLIVEIRA24:

… ato de, frente à legislação vigente, situar o servidor no seu plano de cargos. Assim, o servidor que se encontre no serviço público passará, posteriormente a ocorrência de alteração legislativa e, em virtude dessa modificação, a ter cambiada a nomenclatura, o símbolo, o sistema de progressão na carreira erc., do cargo que ocupa. A solução do problema ocasionado pela necessidade de tradução do cargo anterior ao novo cargo criado é dada pelo instituto do enquadramento, que constitui o ato de identificar a situação anterior do servidor, encontrando a novel situação correspondente e diante disso fazer o seu enquadramento.

Esta questão encontra-se consolidada nos Tribunais Superiores, tanto que o STJ

editou a Súmula nº 685, determinando que: “É inconstitucional toda modalidade de

provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público

destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente

investido.”.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal reafirmou seu posicionamento sobre

as limitações do provimento derivado, como se extrai do julgado noticiado no Informativo nº

394 do STF25, que segue parcialmente transcrito:

Salientou-se, também, que a norma em questão padece do vício de inconstitucionalidade material, porquanto a transferência de servidores autorizada constitui provimento derivado de cargo efetivo que ofende a regra do concurso pùblico (CF, art. 37, II). Por fim, reputou inaplicável, ao caso, a orientação fixada pelo Supremo no sentido de admitir o aproveitamento de ocupantes de cargos extintos em recém-criados quando houve plena identidade substancial entre os cargos, compatibilidade funcional e remuneratória e equivalência dos requisitos exigidos em concurso, eis que, na espécie, o cargo de carcereiro em nada se assemelha com o de detetive, o que é reconhecido, inclusive, no próprio texto impugnado.

Nessa esteira, a Administração Pública dos entes federados, no exercício do poder

discricionário, promovem a reestruturação orgânica de seus quadros funcionais, com a

modificação dos níveis de referência das carreiras para acomodações setoriais, ou em certos

casos, extinguem os cargos existentes e criam novos (transformação dos cargos existentes em

23 Cf. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Apud Cristiana Fortini. Servidor Público – Estudos em homenagem ao Professor Pedro Paulo de Almeida Dutra. Editora Fórum. Belo Horizonte:2009. P. 473.

24 OLIVEIRA, Antônio Flávio de. Servidor Público: Remoção, Cessão, Enquadramento e Redistribuição. Belo Horizonte: fórum:2003, P. 113.

25 Informativo 394 do STF, ADI nº 3051/MG, Rel. Min. Carlos Brito, DJU 30.06.2005.

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Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 75

novos).

Ocorre que, em certas ocasiões, as leis que estabelecem novos planos de cargos e

vencimentos trazem dispositivos que ensejam o provimento derivado não permitido pelo

comando constitucional, ou ainda há a possibilidade de que os administradores públicos a

apliquem de forma equivocada e, desse modo, enquadram servidores nos novos cargos

criados sem a necessária observância dos requisitos exigidos ao provimento originário e sem

atender a indispensável correspondência de atribuições entre os cargos.

Tais enquadramentos, que são tidos como ilegais e/ou inconstitucionais reclamam

a devida correção, que deve se dar pela respectiva invalidação. No entanto, sendo certo que

eles produzem efeitos favoráveis aos seus destinatários, somente poderão ser invalidados

dentro do lapso de cinco anos, ressalvada a possibilidade de que tenha havido má fé para a sua

edição, como já exaustivamente explicitado.

Impossibilitada a Administração Pública de anular este enquadramento, a situação

do respectivo servidor público fica estabilizada e, portanto, não podendo mais se questionar a

sua condição de titular do referido cargo e das consequências disso decorrentes.

Entre estas consequências, vale anotar o fato de que o seu ingresso na respectiva

carreira somente se deu por força deste ato estabilizado e, nestas condições, somente a partir

dele se conta o tempo de exercício, o que certamente deve ser observado para efeito do tempo

de carreira exigido nas regras de transição trazidas pelas EC nºs 41/2003 e 47/2005. Como

efeito, a aposentadoria com fundamento nessas regras somente poderá ser concedida após o

transcurso do lapso exigido, além do implemento das demais condições, sob pena de

concessão indevida de benefício previdenciário, passível de anulação.

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76 Beatriz Duarte Fleury FLORENTINO, Princípio da segurança jurídica: sua repercussão... p. 57-78

CONCLUSÕES

Como se viu, atualmente, acata-se o Princípio da Legalidade em sentido mais

amplo, abrangendo todos os atos normativos (e não somente a lei em sentido estrito), bem

como os princípios e os valores previstos na Constituição, de forma expressa ou implícita,

entre os quais, destaca-se, por sua grande importância ao Estado do Direito, o Princípio da

Segurança Jurídica, reconhecido doutrinariamente como um princípio geral do Direito.26 Isso

porque, a estabilização das relações jurídicas que decorre da segurança jurídica é essencial

para a vida do homem na sociedade.

Essa segurança jurídica veio a ganhar maior relevo com a edição da Lei nº

9.784/1999, pois ele está entranhado em vários de seus dispositivos, como o art. 54, que

recebeu análise neste trabalho.

Pode perceber-se que o dispositivo em voga assegurou a manutenção de atos

praticados em desconformidade com os preceitos legais, após o transcurso do lapso de cinco

anos, se constatadas duas situações: que tenham decorridos efeitos favoráveis ao seu

destinatário e que este não tenha agido de má fé, estabilizando uma relação já consumada.

Ainda se percebe, ainda que não com a mesma clareza da assertiva anterior, que a hipótese

tratada pode dar-se na ocorrência de enquadramentos ilegais/inconstitucionais, os quais

podem ter gerado um provimento derivado, com a transposição de um servidor de uma

carreira para outra, sem que atendida a exigência da aprovação em concurso público.

Como demonstrado, o ato ilegal não mais passível de anulação pelo decurso do

tempo fica convalidado com todas as consequências decorrentes dessa situação. O desafio

maior é saber quais são essas consequências e em que elas resultam.

Com foco específico na situação analisada ao longo deste trabalho, se não mais

for possível a anulação de um enquadramento irregular, tem-se como certo que o servidor

deve ser reconhecido como o titular do cargo em que foi enquadrado, a partir da edição do

respectivo ato. Ao mesmo tempo, ele passa a pertencer à carreira correspondente aquele cargo

26SIMÕES, Mônica Martins Toscano . O Processo Administrativo e a Invalidação de Atos Viciados. Malheiros:2004. p. 81.

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e, a partir daí, inicia-se a contagem do tempo nessa carreira.

De modo que, enquanto não implementado o tempo de carreira exigido pelas ECs

nºs 41/2003 e 47/2005, não há possibilidade de o servidor se aposentar sob a égide destas

regras.

Ora, não há dúvidas de que o fato de o servidor ter a sua situação funcional

estabilizada pelo decurso do tempo, por força do art. 54 da Lei nº9.784/1999, com a sua

manutenção em um cargo diverso do qual ingressou no serviço público, confere-lhe todos os

direitos remuneratórios decorrentes, além de outros benefícios estatutários, como as

promoções na respectiva carreira. E com a mesma certeza concluo que esta estabilização não

se refletirá na sua situação previdenciária, pois resta evidenciado que a sua permanência na

carreira do seu cargo decorre do próprio ato de enquadramento, cujos efeitos surgiram da

respectiva edição. Portanto, é indubitável que o tempo na carreira deve ser contado a partir de

então, devendo o servidor nela permanecer o tempo exigido pelas EC nºs 41/2003 e 47/2005,

caso opte por se inativar segundo as suas regras.

Em caso de não contar com o tempo de carreira exigido pela emendas

constitucionais, o indeferimento da aposentadoria é medida que se impõe, cabendo ao

servidor, caso queira e possa, optar por outra regra que se adeque a sua situação, ou,

permanecer no serviço público o tempo necessário ao implemento das condição imposta pelos

inciso IV do art. 6º da EC nº 41/2003 e inciso II do art. 3º da EC nº 47/2005.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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78 Beatriz Duarte Fleury FLORENTINO, Princípio da segurança jurídica: sua repercussão... p. 57-78

Jurídica – Material de Aula da Disciplina: Metodologia da Pesquisa Científica e Jurídica, ministrada nos Cursos de Pós-Graduação Lato Sensu Televirtuais da Anhanguera-Uniderp/Rede LFG, 2011.MADEIRA, José Maria Pinheiro. Servidor público na atualidade. Rio de Janeiro: Campus Jurídico, 2009.MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. Niterói: Impetus,2010.MARTINS, Ricardo Marcondes. Efeitos dos vícios do ato administrativo. Coleção Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2004.MODESTO, Paulo (Org). Reforma da previdência: análise e crítica da Emenda Constitucional nº 41/2003. (doutrina, pareceres e normas selecionadas). Belo Horizonte: Fórum, 2004.MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2011.NETO, João Antunes dos Santos. Da Aaulação ex offício do ato administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2006.PEDRO, Fábio Nadal, Da desistência e outros casos de extinção do processo – da anulação, revogação e convalidação (arts. 51 a 54). FIGUEIREDO, Lúcia Vale Coordenadora. Comentários à Lei Federal de Processo Administrativo – Lei nº 9.784/99. 1ª edição-2ª tiragem, Belo Horizonte, Fórum: 2004. RIGOLIN, Ivan Barbosa. O servidor público nas reformas constitucionais. Belo Horizonte: Fórum, 2006.SILVA. José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo, Malheiros: 2004.SIMÕES, Mônica Martins Toscano. O processo Administrativo e a invalidação de atos viciados. Coleção Temas de Direito Administrativo. São Paulo, Malheiros: 2004.FORTINI, Cristiana. Servidor Público – estudos em homenagem ao Professor Pedro Paulo de Almeida Dutra. Belo Horizonte, Fórum: 2009.

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A LIBERDADE DE EXPRESSÃO PARA UMA EFETIVA

DEFESA CONTRA O ESTADO PATERNALISTA: UMA

RELEITURA JURÍDICO DOGMÁTICA GERMÂNICA E A

QUESTÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS PARA O SETOR

DE COMUNICAÇÃO.

Tathiana de Melo Lessa Amorim1

RESUMOA liberdade de expressão enquanto um direito inerente à condição humana e um direito universal deve ser abordada em face da autoridade do Estado. Sendo assim, essa mesma liberdade deve estar pautada na relação do indivíduo com a sociedade. A liberdade, portanto, decorre da relação horizontal entre os indivíduos, mas também – e principalmente – do relacionamento vertical dinâmico do indivíduo com o Estado. Atualmente o país passa por um momento muito delicado quanto ao combate na formação de monopólios e oligopólios no âmbito da comunicação de massas. O presente trabalho procura resolver essas questões com o direito pátrio e estrangeiro, bem como a solução desta problemática através de um modelo regulatório condizente no país.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais, Liberdade de Expressão, Política, Modelo Regulatório

1 Advogada. Especialista. Relatora e Membro do Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil – Distrito Federal

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80 Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva... p. 79-95

ABSTRACTThe freedom of expression as an inherent human right and a universal right to be addressed in the face of state authority. So, that freedom must be based on the individual's relationship with society. Freedom, therefore, arises from the horizontal relationship between individuals, but also - and especially – the vertical relationship dynamic individual to the state. Currently the country is going through a very delicate time in combat in the formation of monopolies and oligopolies in the context of mass communication. This paper seeks to address these issues with the right parental and abroad as well as the solution to this problem using a consistent regulatory model in the country.

Keywords: Fundamental Rights, Freedom of Expression, Politics, Regulatory Model

SUMÁRIO1 Origem, a Constituição de 1988 e os tratados internacionais; 2 Crise do governo Lula; 3 Autoritarismo e o papel do Estado: Poder Legislativo e nova interpretação; 4 Democratização da comunicação; 5 A questão germânica; 6 Colisão de direitos, teoria da imanência e caso prático nacional; 7 A questão das agências reguladoras e soluções para um modelo regulatório; Conclusão; Referências Bibliográficas.

1 ORIGEM, A CONSTITUIÇÃO DE 1.988 E OS TRATADOS

INTERNACIONAIS

A liberdade de expressão deu-se no epicentro da Guerra Civil Inglesa entre

Parlamento e a Monarquia. O poeta John Milton em 1644 publicou “Areopagitica” com

argumentos racionais contra a censura, sendo um manifesto em favor da liberdade de

imprensa e contra a censura imposta pelo Parlamento.

Nos Estados Unidos sua primeira emenda proibia a edição de leis que limitassem

a liberdade de expressão e de imprensa ou do direito de reunião pacífica.

Karl Marx (1980, p. 65) em um artigo de maio de 1842, publicado na Gazeta

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Revista de Direito PGE-GO, v. 27, 2012 81

Renana, está escrito que “documentos governamentais oficiais experimentaram perfeita

liberdade de imprensa”, seguida pelas definições complementares da crítica e da censura:

A verdadeira censura, baseada na essência mesma da liberdade de imprensa, é a crítica. Esse é o tribunal que se desenvolve a partir da liberdade de imprensa. Censura é crítica como monopólio do governo. Nenhum homem combate a liberdade; no máximo, combate a liberdade dos outros. Portanto, todos os tipos de liberdade sempre existiram, apenas que às vezes como privilégio especial, às vezes como direito universal.

Na Constituição Federal de 1988 há preceitos protegendo a liberdade de

expressão. Temos, no artigo 5°: a liberdade de manifestação do pensamento (inciso IV), a

liberdade de expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação (inciso

IX), e o direito ao acesso à informação e a garantia do sigilo da fonte (inciso XIV). Ainda

consagrou no capítulo específico intitulado “comunicação social”, a garantia da liberdade da

manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação (art. 220, caput),

proibiu a edição de leis contendo embaraço à liberdade de informação jornalística (art. 220, §

1º) e, vedou qualquer censura política, ideológica e artística (art. 220, § 2º).

A liberdade como direito universal consubstanciado na universalidade deve ser

sempre pautada na relação indivíduo/indivíduo e indivíduo/sociedade (Estado). Logo, decorre

de relação horizontal entre indivíduos e vertical dinâmico do indivíduo com o Estado.

Esse direito é tutelado por instrumentos internacionais concebendo o indivíduo

com subjetividade jurídico-internacional. Além de estar prevista em diversas constituições, a

exemplo do artigo 5°, incisos VI a VII da Constituição brasileira e do artigo 41 da

Constituição da República Portuguesa, a liberdade de consciência tem sede entre diplomas de

proteção aos direitos fundamentais do homem desde a Declaração Universal de Direitos do

Homem de 1948. Trata-se de um instrumento pré-jurídico (norma moral), pois não tem força

normativa vinculante, de mera resolução declarativa de princípios, sendo considerada pela

maioria da doutrina apenas uma recomendação com eficácia política para os Estados que a

subscreveram. O direito à liberdade de consciência, de pensamento e de religião foram

previstos expressamente no artigo 18 dessa Declaração.

A Organização das Nações Unidas é dotado de vários órgãos técnicos que

garantem a primazia dos direitos humanos no mundo. A Assembleia Geral é o principal órgão

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deliberativo. Em abril de 2006, a Assembleia Geral da ONU aprovou a criação do Conselho

de Direitos Humanos com a função de tutelar e garantir a proteção universal dos direitos

humanos e das liberdades fundamentais.

No âmbito do Sistema das Nações Unidas, a liberdade de consciência constam em

diversos comentários, resoluções e protocolos internacionais, a exemplo das resoluções

42/2003, 42/2004 e 38/2005, da antiga Comissão de Direitos Humanos da ONU.

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem foi inspirada na Declaração

Universal dos Direitos do Homem, firmada no âmbito do Conselho da Europa desde 1950,

por consequência das gravíssimas atrocidades e violações dos direitos humanos ocorridas

durante a II Guerra Mundial. Os países que firmaram obrigam-se a respeitar suas disposições,

submetendo-se à jurisdição do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Essa Convenção assegura uma garantia jurisdicional efetiva, oferecendo às

vítimas da violação um mecanismo de recurso contra os Estados. O Tribunal Europeu pode

sancionar o Estado culpado, obrigando-o a reparar o dano.

O artigo 9° da Convenção Europeia é expresso ao reconhecer a qualquer pessoa o

direito à liberdade de consciência, englobando todas as convicções da pessoa humana, sejam

elas de ordem filosófica, moral, política, social, econômica e científica. A liberdade de

expressão é tutelada no artigo 10 que o considera abarcador da liberdade de opinião, e da

liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que se possa haver ingerência

de quaisquer autoridades públicas. O titular desse direito é qualquer pessoa – singular ou

coletiva – inclusive pessoa moral. A condição é de a que seja pessoa dependente da jurisdição

do Estado, podendo invocá-lo tanto em face do Estado quanto de uma pessoa privada. As

pessoas privadas devem respeitar e ao Estado cumpre garantir o respeito ao direito à liberdade

de expressão, sob pena de ser responsabilizado. Nos termos do artigo 34 e seguintes da

Convenção poderá o indivíduo recorrer individualmente por meio de petição para o Tribunal

Europeu dos Direitos do Homem; ainda consoante o artigo 41, nos casos de constatação de

violação da Convenção ou de seus protocolos anexos, o Tribunal pode reconhecer o direito a

uma reparação razoável.

Depreende-se que a liberdade de expressão é direito fundamental, sendo que as

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violações aos direitos fundamentais muitas vezes não são produzidas apenas pela ação do

Estado, mas decorrem muitas vezes da sua inércia. O Estado tem obrigações positivas frente

aos direitos individuais clássicos, pois é dever do Estado não só se abster de violar estes

direitos, como também agir positivamente, seja para protegê-los diante de ameaças

representadas pela ação de terceiros, seja para assegurar as condições materiais mínimas

necessárias à viabilização do seu exercício pelos indivíduos.

Por essa razão o artigo 5 °, inciso XIV, consagra o instrumento de realização deste

direito de liberdade na sociedade contemporânea, sendo a atividade da mídia que possui uma

verdadeira missão constitucional de proporcionar à cidadania informações adequadas e

verdadeiras sobre os temas de interesse público. Tal direito fundamental revela que a

disciplina constitucional dos meios de comunicação no Brasil não se volta apenas à proteção

dos emissores das manifestações, priorizando, ao contrário, os direitos dos receptores. Tratase

do poder/dever do Estado de regular a atuação dos veículos de comunicação social, não como

meio de censurar ideias que lhe desagradem, mas sim para assegurar o amplo acesso do

cidadão à informações e pontos de vista diversificados sobre temas de interesse da

coletividade.

O exercício deste direito fundamental tem como pressuposto a constatação da

ocorrência de cobertura manifestamente parcial pelo direito de resposta que funcionaria não

como um meio de proteção de direitos da personalidade, mas como um instrumento de

garantia do acesso à informação e do pluralismo interno dos meios de comunicação. O direito

à informação, bem como o direito de resposta é uma liberdade democrática destinada a

permitir uma autônoma e igualitária participação dos indivíduos na esfera pública. (LAFER,

1991).

2 CRISE DO GOVERNO LULA

Cabe também realçar que o constituinte foi expresso ao proibir a existência de

monopólios ou oligopólios entre os meios de comunicação social (art. 220, § 5º, CF).

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Contudo, não é o que presenciamos atualmente. Vimos que os proprietários dos

jornais de maior circulação no país são, igualmente, os donos das principais emissoras de

rádio e das transmissoras locais de televisão, o que lhes confere um monopólio quase

absoluto, perpetuando, em pleno século XXI, o tradicional coronelismo, completamente

incompatível com a Constituição de 1988. Em 1977 o jurista Goffredo da Silva Telles Júnior

com sua “Carta aos Brasileiros” já dizia

Uma vez reimplantado o Estado de Fato, a Força torna a governar, destronando o Poder. Então, bens supremos do espírito humano, somente alcançados após árdua caminhada da inteligência, em séculos de História, são simplesmente ignorados. Os valores mais altos da Justiça, os direitos mais sagrados dos homens, os processos mais elementares de defesa do que é de cada um, são vilipendiados, ridicularizados e até ignorados, como se nunca tivessem existido. O que os Estados de Fato, Estados Policiais, Estados de Exceção, Sistemas de Força apregoam é que há Direitos que devem ser suprimidos ou cerceados, para tornar possível a consecução dos ideais desses próprios Estados e Sistemas. (…) Com as tenebrosas experiências dos Estados Totalitários europeus, nos quais o lema é, e sempre foi, .Segurança e Desenvolvimento., aprendemos uma dura lição. Aprendemos que a Ditadura é o regime, por excelência, da Segurança Nacional e do Desenvolvimento Econômico. O Nazismo, por exemplo, tinha por meta o binômio Segurança e Desenvolvimento. Nele ainda se inspira a ditadura soviética. Aprendemos definitivamente que, fora do Estado de Direito, o referido binômio pode não passar de uma cilada. Fora do Estado de Direito, a Segurança, com seus órgãos de terror, é o caminho da tortura e do aviltamento humano; e o Desenvolvimento, com o malabarismo de seus cálculos, a preparação para o descalabro econômico, para a miséria e a ruína. Não nos deixaremos seduzir pelo canto das sereias de quaisquer Estados de Fato, que apregoam a necessidade de Segurança e Desenvolvimento, com o objetivo de conferir legitimidade a seus atos de Força, violadores frequentes da Ordem Constitucional. (…) Proclamamos que o Estado de Direito é sempre primeiro , porque primeiro estão os direitos e a segurança da pessoa humana. Nenhuma ideia de Segurança Nacional e de Desenvolvimento Econômico prepondera sobre a ideia de que o Estado existe para servir o homem .Estamos convictos de que a segurança dos direitos da pessoa humana é a primeira providência para garantir o verdadeiro desenvolvimento de uma Nação2.

O Brasil foi marcado pela cultura política autoritária gerando o temor quanto à

contestação à autoridade, trazendo, por fim a anomia e aceitação da ordem dada.

Um ex operário e líder sindical chegou à Presidência da República em 2002. E é

nesse ambiente que sua gestão vem sendo até hoje investigada pelas autoridades e denunciada

em diversos órgãos da imprensa. Tais denúncias atingiram o ápice durante o escândalo do

mensalão e, ao longo dos últimos anos, vitimaram ícones petistas como José Dirceu, Antonio 2 Disponível em < http://oglobo.globo.com/pais/mat/2009/06/28/confira-integra-da-carta-aos-brasileiros

756557959.asp > Acesso em 10 de fevereiro de 2011.

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Palocci e Erenice Guerra. Os mesmos órgãos que investigaram esses petistas também

publicaram denúncias contra tucanos ou democratas.

É cediço que a invocação do interesse público não deve servir de pretexto para

silenciar dissidentes, favorecer pontos de vista preferidos pelos governantes ou para impedir a

difusão de concepções outras sobre temas controvertidos. Ao contrário, o poder regulatório do

Estado o qual sustentamos deve ser exercido sempre para promover a diversidade e o

pluralismo de opiniões, tanto na seara pública, quanto privada.

No primeiro mandato tentou-se instituir um Conselho Federal de Jornalismo, que

seria responsável por punir “erros da imprensa” e que no fundo funcionaria como um

instrumento de censura prévia. Em dezembro de 2009 foi patrocinada a Conferência Nacional

de Comunicação (Confecom) que aprovou 633 propostas, entre elas a criação de um

“observatório de conteúdos midiáticos” - outro eufemismo para a censura. Trata-se de um

projeto de governo, dentro do espírito autoritário que predomina a política brasileira atual.

Ao Estado está o poder/dever, no tocante ao pluralismo externo, de combater a

formação de monopólios e oligopólios no âmbito da comunicação de massas, além de

desenvolver uma mídia pública. Quanto ao pluralismo interno, parece-nos necessário que o

Estado intervenha buscando assegurar que os meios de comunicação de massa se dediquem

efetivamente ao tratamento de temas de interesse público, e que proporcionem à sua audiência

uma cobertura adequada dos diversos pontos de vista existentes.

3 AUTORITARISMO E O PAPEL DO ESTADO: PODER LEGISLATIVO

E NOVA INTERPRETAÇÃO

STF (Supremo Federal Tribunal) julgou a Lei 5250/67 inconstitucional. A Lei de

Imprensa a qual era chamada assegurava o direito de resposta que deveria ser proporcional ao

agravo sofrido pelo ofendido.

Tal lei fora editada na ditadura em um contexto dos ideais cívicos da Segurança

Nacional, contendo vários excessos, almejando o ideal de ameaça e censura aos meios de

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86 Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva... p. 79-95

comunicação, inclusive com a pena de prisão de jornalistas.

O Ato Institucional nº 5 impôs a censura à imprensa, rádio e televisão. O Decreto-

lei nº 477 de 1.969 definiu as infrações disciplinares cometidas por professores, alunos e

funcionários àquela época por emitirem suas convicções.

É bem certo que a Lei de Imprensa não se harmonizava com o novo perfil

democrático da Constituição Federal de 1988. Com isso a Constituição Federal, o Código

Civil e o Código Penal estão sendo aplicados pois, com a revogação total da referida lei

abrese a discussão ampla sobre o respeito de imagem e de resposta do agravado.

Representantes do Judiciário vêm discutindo a indispensabilidade de uma nova

regulação específica sobre o tema. As manifestações de setores do Governo e da própria

doutrina jurídica evocam a proteção aos direitos de personalidade, garantindo a

inviolabilidade do direito à honra, à privacidade, desencadeando processos judiciais para

apurar a responsabilidade civil e penal.

Depreende-se que o conceito jurídico de censura tem merecido um esforço

jurisprudencial dos tribunais, desde os acórdãos decididos pelos tribunais militares até sua

hermenêutica contemporânea.

O papel do debate público e político delineado por uma democracia deliberativa é

trivial ao equacionamento das divergências, pois uma democracia baseada mo diálogo

incorpora uma efetiva proteção à liberdade de expressão, sem o controle do Estado, do poder

econômico ou político privado.

O Estado deve assumir uma visão não paternalista, onde o povo possa avaliar com

plena autonomia o valor de determinadas manifestações o qual está inserido, como bem

explicita Paulo Bonavides (2000, p. 89)

O povo assim qualificado, titular da nova legitimidade, não somente encarna a vontade dos governados, senão que a transmuta em vontade governante. Sujeito da nova titularidade do poder, entrava ele a operar a grande estratégia libertadora do ente humano ao longo dos tempos vindouros, mediante processo centralizador ainda agora em curso e com o qual se familiariza cada geração política.

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4 DEMOCRATIZAÇÃO DA COMUNICAÇÃO

A democracia exige, para seu funcionamento, um minimum de cultura política,

que é precisamente o que falta nos países apenas formalmente democráticos. (Mello, 2004, p.

100). Com efeito, sem a consciência de cidadania, o povo será presa fácil das articulações,

mobilizações e aliciamento da opinião pública, quando necessária sua adesão ou

pronunciamento, graças ao controle que os setores dominantes detêm sobre a mídia, que não é

senão um dos seus braços.

Mills (1968, p. 355) indica a diferença proporcional entre os que formam a

opinião e os que recebem a opinião já formada, dentre as quais: a possibilidade de responder

ou de revidar – direito de resposta – uma opinião sem que tal ato provoque represálias; o

monopólio dos meios de comunicação, por um determinado grupo, que não permite uma

reação, nem sequer “particular” a outras pessoas; a correlação entre a formação da opinião e a

possibilidade de a mesma se concretizar em ato social, e a facilidade de participação efetiva

nas decisões; a posição que o indivíduo ocupa na estrutura de poder e as próprias

características do sistema de autoridade podem limitar, permitir e até estimular essa

correlação; o grau de penetração da autoridade institucional, no público, através de sanções do

controle social, e o grau de autonomia real do público em relação a essa autoridade.

O tipo de comunicação que predomina, em uma sociedade de massa, é o veículo

formal, e as pessoas, expostas ao conteúdo desse veículo de comunicação de massa, tornamse

receptáculos mais ou menos passivos de opiniões já formadas.

Só existe opinião pública quando os indivíduos de uma sociedade têm acesso livre

e total às informações da atualidade e, em contrapartida, podem formular opiniões

autoconscientes. É preciso entender que o processo de formação de opinião pública pressupõe

o acesso potencial de todos os cidadãos às informações estereotipadas que os meios de

comunicação divulgam. Diante dessas informações, que cada indivíduo recebeu (ou pode

receber) livremente, em igualdade de condições com os demais, afigura-se a etapa de tomada

de posição: pessoal, grupal, coletiva, através da livre discussão.

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A opinião pública abarca as opiniões sobre assuntos de interesse da nação, livre e

publicamente expressas por homens que não participam do governo e reivindicam para suas

opiniões o direito de influenciarem ou determinarem as ações, o pessoal ou a estrutura de

governo.

Berger (apud Augras, 1974, p. 16) nos aclara que

a opinião pública é consciente, ou seja, tende a afirmar-se e exprime um juízo; carrega em si uma intenção de racionalidade, pois procura a objetividade e deseja justificar-se; tem um aspecto apaixonante, já que se situa sempre no plano emocional e no das crenças; consiste em um fenômeno social, ou seja, existe apenas em relação a um grupo, é um dos modos de expressão desse grupo e difunde-se utilizando as redes de comunicação do grupo.

Cultura de massa é a divulgação, sem que se possa contestá-las ou debatê-las, de

mensagens pré fabricadas, cuja mediocridade prevê sua aceitação por pessoas de qualquer

nível de conhecimento e idade mental, nivelando “por baixo” as informações, uniformizando

o uniforme e sintetizando os lugares-comuns, com a finalidade de tornar a cultura um

conjunto semelhante, constante e não questionado. Define-se cultura de massa justamente pela

sedimentação das formas de saber, que induzem condutas, ideologias e motivações,

depositadas sem contestação na consciência do homem-massa.

Para além, cultura de massa pode ser decodificada como uma fossilização

progressiva para engrossar a região estática cultural, como um eufemismo para designar um

retrocesso na história da civilização.

Paschoali (1972, p. 77) entende que

Se o discurso massifica pela sua mediocridade adaptável a qualquer idade mental, nível de conhecimento etc., e se uma sociedade de massas se caracteriza pela utilização de bens de consumo standard (tanto materiais quando culturais), um cultura de massas, que é a sedimentação de mensagens pré-fabricadas sob medida para todos, consistirá numa ulterior uniformização do uniforme ou síntese dos lugares-comuns de uma coletividade.

A relação comunicativa dá-se por uma interação bilateral, ou seja, quando

transmissor e receptor apresentam relação de ambivalência, podendo o transmissor passar ao

receptor e vice-versa. Os meios de comunicação são os canais artificiais utilizados para

veicular entre seres racionais – transmissores-receptores – essas linguagens. Quando a

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bilateralidade da autêntica intercomunicação é atrofiada pela enorme desproporção entre os

agentes transmissores e os receptores e, quando o primeiro se assenhora e monopoliza o papel

de informador, reduzindo os segundos a um papel de pessoas passivamente informadas, de

modo irreversível a força expansiva e auto criadora do saber diminui, ficando reduzida sua

função a uma relação unilateral entre dois polos: uma oligarquia informadora, convertida em

elite, e uma pluralidade indiferenciada de receptores, transformada em massa.

No âmbito federal, somente o Conselho de Comunicação Social do Congresso e

alguns espaços institucionais sob controle do Estado, geralmente hegemonizados pela

presença expressiva de representantes do Poder Executivo, permitem a inserção da sociedade

civil organizada no debate de políticas públicas. Atualmente, funcionam no Brasil as seguintes

instâncias de participação ou representação social: Conselho Superior de Cinema (vinculado

ao Ministério da Cultura, Comitê Consultivo do Sistema Brasileiro de TV Digital (vinculado

ao Ministério das Comunicações), Comitê de Defesa dos Usuários de Serviços de

Telecomunicações, Comitê de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (ambos

vinculados à Anatel) Conselho de Acompanhamento da Programação (vinculado à Campanha

Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania da Comissão de Direitos Humanos da

Câmara dos Deputados), Comitê Gestor de Internet (organismo não governamental), Câmara

Setorial de Música e Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (ambas vinculadas ao

Ministério da Cultura). Todos são compostos, em maior ou menor grau, por pessoas físicas de

notório saber ou representantes de entidades da sociedade civil.

5 A QUESTÃO GERMÂNICA

A doutrina alemã ao tratar da liberdade de expressão corrobora que essa mesma

liberdade é um direito subjetivo individual atrelado ao valor irradiante da dignidade da pessoa

humana, sendo também desenvolvida como instrumento de formação da opinião pública e ao

intercâmbio de ideias entre os cidadãos. (SARMENTO, 2006, p. 270). Logo, na Alemanha, a

liberdade de expressão é, igualmente, um direito fundamental de defesa contra o Estado. O

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ponto principal da doutrina alemã foi reconhecer a dimensão objetiva desse direito, trazendo à

baila obrigações positivas para os poderes públicos.

Essa idéia de dimensão objetiva foi desenvolvida a partir do caso Luth, que na

apreciação de Alexy (2003, p. 136) trouxe três principais ideias, a saber: a) os direitos

constitucionais incorporam uma ordem objetiva de valores, sendo que os valores ou princípios

dos direitos constitucionais não se aplica somente na relação entre cidadão eu Estado, mas sim

a todas as áreas do direito; b) exerce, portanto, um efeito irradiante e, todo o sistema jurídico,

tornando-se onipresentes; c) nessa ideia de valores e princípios há a colisão desses princípios

resolvendo-se através do “balanceamento de interesses”.

Na seara dos poderes públicos, o caso Luth trouxe a preocupação destes

absteremse de violar esses direitos, além da obrigação de promovê-los em sua concretude e

garanti-los perante toda e quaisquer ameaças advindas.

A Corte Constitucional alemã tem proferido diversas decisões enfatizando o dever

do Estado de agir no sentido de assegurar o pluralismo comunicativo no campo da mídia

eletrônica, que não pode depender exclusivamente das forças do mercado.

No sistema germânico, cada Estado mantém uma agência reguladora

independente para zelar pelo pluralismo na mídia eletrônica, com responsabilidade pela

emissão e renovação das licenças e pela fiscalização da programação das emissoras.

6 COLISÃO DE DIREITOS, TEORIA DA IMANÊNCIA E CASO

PRÁTICO NACIONAL

Para Dworkin (2002, pp. 42-3) a questão dos pesos entre princípios, na hipótese

de colisão, prevalece o de maior peso sem excluir o outro completamente, pois os princípios

possuem uma dimensão que as regras não têm, qual seja, a dimensão de peso ou importância.

Quando os princípios se intercruzam, aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta

a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o

julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que

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outra frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte

integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem

ou quão importante ele é.

As considerações históricas dos direitos fundamentais, bem como as

características hodiernas desses direitos serão primordiais para o entendimento e conclusão da

análise do HC 82424-2, RS – D.J. 19/03/2004. O acórdão versa sobre um caso em que tenha

ocorrido o crime de racismo, no qual o escritor de origem germânica fazia menções

desabonadoras à comunidade judaica, assim como todos aqueles que tenham alguma

afinidade por essa cultura ou religião.

Para atribuir constitucionalidade àquela norma, invocou-se como fundamento

constitucional o mandamento configurado no art. 5º, XLII, da Constituição Federal, que

aplica a cláusula de imprescritibilidade e inafiançabilidade ao crime de racismo. Adentra-se na

discussão jurídica acerca da proteção do direito referente à liberdade de expressão ou à

dignidade da pessoa humana e suas consequências.

O método hermenêutico concretizador da norma parte dessa para o caso concreto,

levando em consideração as implicações da norma constitucional mediante construção

jurídica.

O direito à liberdade de expressão deve ser interpretado na prática fática, pois

encontra restrições nas hipóteses constitucionalmente estabelecidas. Esse direito não consagra

a possibilidade de incitar a prática discriminatória.

Sendo assim, o direito fundamental à liberdade de expressão pode ser restringido

quando estiver sob ameaça de lesão interesses dignos de proteção de outro indivíduo,

interesses cujo nível hierárquico jurídico fosse superior.

Por essa razão o princípio da ponderação possui duas vertentes, a saber: a)

abstrata – que consiste na comparação “virtual” entre os bens jurídicos do mesmo nível

hierárquico protegidos constitucionalmente com o fito de adotar uma decisão de preferência

entre ambos, que pode estar explícita na Constituição ou decorrer dela; b) concreta – que

consiste na aplicação do princípio da proporcionalidade, ocorrendo o sopesamento quando da

colisão entre princípios com vistas à aplicação do mais adequado.

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Nesse diapasão, apresentamos os sub-princípios da proporcionalidade de modo a

informar seu conteúdo e aplicação: a) adequação (Geeignetheit) significando que a medida a

ser adaptada para a realização do interesse público deve ser apropriada para a prossecução do

fim ou fins a ele subjacentes; b) necessidade ou exigibilidade (Erforderlichkeit),

correspondendo à medida que não pode exceder os limites indisponíveis à conservação do fim

legítimo que se pretenda alcançar; c) proporcionalidade em sentido estrito

(Verhältnismässigkeit) que é a constatação de que o resultado pretendido com o ato estatal é

proporcional à carga coativa. É a correspondência meio e fim com o sopesamento

(Abwägung), colocando de um lado o bem da coletividade e, de outro, as garantias dis

indivíduos (CANOTILHO, 1993, pp. 380-5).

A teoria dos limites imanentes tem sido aceita, sendo esses limites não expressos

no texto constitucional, mas que decorrem do próprio Direito.

Essa doutrina defende que não é possível resolver um conflito aceitando

incondicionalmente a superioridade desse ou daquele direito, pois não há uma ordem

hierarquicamente de bens constitucionalmente protegidos. O que se procura é a concordância

prática dos direitos e bens juridicamente protegidos.

7 A QUESTÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS E SOLUÇÕES PARA

UM MODELO REGULATÓRIO

Agências reguladoras são autarquias sob regime especial, ultimamente criadas

com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades, dentre as quais estão: a) serviços

públicos propriamente ditos – é o caso da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL),

criada pela Lei 9427/96 e da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), criada pela

Lei 9472/97; b) atividades de fomento e fiscalização de atividade privada – é o caso da

Agência Nacional do Cinema (ANCINE), criada pela Medida Provisória 2.281-1/01; c)

atividades exercitáveis para promover a regulação, a contratação e a fiscalização das

atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo – é o caso da Agência Nacional do

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Petróleo (ANP), criada pela Lei 9.478/97; d) atividades que o Estado também protagoniza,

mas são facultadas aos particulares – é o caso da Agência Nacional de Vigilância Sanitária

(ANVS), criada pela Lei 9.782/99; e) as agências reguladoras do uso de bem público – é o

caso da Agência Nacional de Águas(ANA), criada pela Lei 9.984/00.

Agências independentes estão vinculadas hierarquicamente aos respectivos

ministérios com controle interno e externo exercidos por esses. A criação das agências

reguladoras tem como principal ênfase a limitação do papel do Estado na economia (reforma

de desastização) e a flexibilização da gestão pública.

Alguns dos problemas com as agências reguladoras está em se saber o que e até

onde podem regular algo sem estar invadindo competência legislativa.

O princípio da legalidade e a vedação a que os atos inferiores inovem inicialmente

na ordem jurídica nos explicita que determinações normativas advindas das agências hão de

se pautar por aspectos estritamente técnicos, cabendo-lhes expedir normas que se encontrem

abrangidas pelo campo da “supremacia especial” (MELLO, 2004, p. 159).

Assim, certas providências, além de serem amparadas em fundamento legal, não

podem estar em contradição ao que esteja estabelecido em alguma lei ou até mesmo

distorcelhe o sentido para agravar a posição jurídica dos destinatários ou de terceiros, nem

tampouco violar princípios constitucionalmente já consagrados.

O mesmo se propõe quanto ao fato de agência exorbitar em seus poderes e as

disposições atinentes à investidura e fixidez do mandato.

A garantia dos mandatos não pode estender-se além de um mesmo período

governamental, pois isso engessaria a liberdade administrativa do futuro governo. Dessa

forma abre-se ao povo a plena autonomia para que possa eleger outros governantes com

orientações políticas, ideológicas e administrativas diversas do governo precedente.

Um dos principais motivos do modelo regulatório no Brasil é a equidistância do

órgão regulador com os polos de interesse de regulação: o poder concedente (governo),

concessionárias e usuários de serviços públicos.

Por essa razão, posicionamo-nos pela participação popular no processo decisório

de regulação e no efetivo fortalecimento de mecanismos de participação e defesa dos

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94 Tathiana de Melo Lessa AMORIM, A liberdade de expressão para uma efetiva... p. 79-95

interesses consumeristas junto às agências.

Dessa forma, permitindo-se um maior acesso e participação aos usuários está-se

concretizando as garantias fundamentais por meio de uma gestão mais democrática destes

entes reguladores.

Poder-se-ia, igualmente, exigir uma consulta a comitê consultivo formado por

experts, pesquisadores e membros da sociedade civil, previamente à publicação inicial de

projeto de norma regulamentar, além de permitir que todas as decisões e reuniões

deliberativas das agências sejam abertas ao público.

8 CONCLUSÃO

O povo, titular da nova legitimidade, não somente encarna a vontade dos

governados, senão que a transmuta em vontade governante. Sujeito da nova titularidade do

poder, entrava ele a operar a grande estratégia libertadora do ente humano ao longo dos

tempos vindouros, mediante processo centralizador ainda agora em curso e com o qual se

familiariza cada geração política.

Os agentes estatais encarregados da fiscalização quanto aos mecanismos da mídia

devem ter independência em relação ao Estado. A agência reguladora composta por

representantes de vários setores da sociedade (pluralismo interno e externo) é o modelo mais

apreciativo, sem a indicação de seus componentes pelo Chefe do Executivo, para o combate

da violação da liberdade de expressão tão disseminada nos dias atuais, como forma de

implantar um constitucionalismo concretizador de direitos fundamentais.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXY, Robert. Direitos fundamentais, balanceamento e racionalidade. In: Ratio Juris, v.16, nº 2. Trad. Menelick de Carvalho Netto, 2003.AUGRAS, Monique. Opinião pública: teoria e pesquisa. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1974.

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O ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL VIRTUAL E O

SUJEITO ATIVO DA RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA DO

IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS

(ICMS) NAS OPERAÇÕES REALIZADAS PELA INTERNET

Thaís Gaspar1

RESUMOO presente trabalho investiga qual é o local de ocorrência das operações de circulação de mercadorias realizadas pela Internet, a fim de identificar o sujeito ativo na relação jurídica tributária delas surgida. Além da análise do fato capaz de gerar a tributação por ICMS (critério material) nesses casos, o foco principal é a análise do estabelecimento empresarial, considerando o contexto virtual em que está inserido. Defende-se que o ambiente virtual onde são realizadas essas operações (websites), na realidade, forma o estabelecimento como um todo de uma determinada empresa, pois faz parte da estrutura por ela disponibilizada para a venda de seus produtos. Tal afirmativa é feita à luz das disposições normativas contidas na Lei Complementar nº 87/96, uma vez que em seu artigo 11, § 3º, não há qualquer ressalva quanto à estrutura física para a formação do estabelecimento empresarial. Partindo da premissa da capacidade do estabelecimento empresarial estender-se a tantos lugares quantos forem os locais em que é acessado (ubiquidade), considera-se ocorrida a operação no local onde o adquirente a realiza, pois, nesse caso, o estabelecimento a ele se apresenta virtualmente. Consequentemente, uma vez definido o local de ocorrência da operação, define-se qual é o Estado Federado competente para a tributação da operação por meio do ICMS.

1 Procuradora do Estado do Mato Grosso do Sul

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98 Thaís GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relação... p. 97-129

Palavras-Chave: circulação, mercadoria, estabelecimento virtual, ICMS.

ABSTRACTThe present paper investigates the place where transactions of goods circulation carried out through the Internet occur. It aims to come to a conclusion about who would charge the tribute/tax derived from those transactions. Besides the considerations about the act able to generate this charge (material aspect), the main focus is the analysis of what can be called corporation, considering its virtual context. It is defended that the virtual environment where such transactions take place (websites), are in fact part of the corporations themselves, since it was made available by the companies in order to sell their products. Such evaluating is made according to the Act (“Lei Complementar”) nº 87/96, because its article 11, paragraphe 3rd. does not state the need of a physical structure to forme the business. Considering the capacity the corporation have to extend itself to all the places that its website might be accessed from (ubiquity), the transactions is considered to have occurred where the buyers (shoppers) are. After all the corporation is presented to them virtually. As a consequence, once the place where the transaction occurs is defined, it is possible to determine which State is allowed to charge taxes on this operations.

Key-Words: transactions, circulation, goods, virtual corporation, ICMS.

INTRODUÇÃO: A REALIDADE VIRTUAL

Atualmente, é inegável que a realidade atual não se resume mais ao ambiente

físico. O uso cotidiano de computadores, Internet em geral, redes sociais, websites, etc., torna

cada vez mais comum a realização de compras de produtos em ambientes virtuais,

transpondo-se a sistemática tradicional de loja física para uma loja virtual, o que nos faz

indagar acerca da repercussão tributária envolvida nessas operações.

Nesse sentido, a compra de produtos, seja ela realizada de forma física ou virtual,

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é conceitualmente uma operação de circulação de mercadoria, apta a ensejar a tributação por

meio de ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadoria e Serviço). Dessa forma, partindo-

se dessa premissa, serão analisadas as peculiaridades da concretização desta sorte de

operações, a fim de se analisar se o local onde são ofertados os produtos, quais sejam, os

sítios eletrônicos, correspondem ou não à tradicional conceituação de estabelecimento

empresarial.

Esta análise, em um momento seguinte, viabilizará a definição de qual é local de

ocorrência da operação jurídica de circulação de mercadoria, diferenciando-se a circulação

jurídica da física, no intuito de se precisar o que é determinante para a ocorrência da operação

e o que é apenas afeto às necessidades de logística da compra realizada pela Internet.

Por fim, definido o local da ocorrência da operação de circulação de mercadoria,

poder-se-á afirmar quem é o sujeito ativo dessa relação jurídica tributária.

1 A REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

A regra-matriz de incidência tributária corresponde a uma estrutura lógica, cuja

finalidade é expressar o conteúdo de uma determinada norma tributária. Entretanto, não é

qualquer ilação empreendida pelo intérprete que leva à construção de uma regra-matriz de

incidência tributária. Esta, como a própria nomenclatura denuncia, limita-se à construção

normativa atinente à definição de uma tributação propriamente dita, ou seja, a uma hipótese

normativa de imposição tributária. Nesse sentido, segundo CARVALHO, a construção da

regra-matriz de incidência “é um instrumento metódico que organiza o texto bruto do direito

positivo, propondo a compreensão da mensagem legislada num contexto comunicacional bem

concebido e racionalmente estruturado, é subproduto da teoria da norma jurídica”2.

A regra-matriz decompõe a estrutura lógica da norma jurídica tributária. Parte-se

da premissa que toda norma jurídica implica em um juízo hipotético, em que dois ou mais

sujeitos se vinculam e se relacionam por um vínculo deôntico, se ocorrido o fato nela previsto.

2CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 146.

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Assim, alcança-se a estrutura do antecedente e do consequente da norma, em que o fato

hipoteticamente previsto é o antecedente, ao passo que o resultado relacional entre os sujeitos

classifica-se como consequente. Portanto, no antecedente tem-se a descrição do fato jurídico

capaz e apto a ensejar a tributação, com a descrição de todas as condições para tanto. Nesse

tocante, necessário definir qual é o fato tributável, qual é a ação ou fato que denuncia signos

presuntivos de riqueza e as delimitações da ocorrência do fato no tempo e no espaço. Assim,

identificam-se o critério material, o critério espacial e o critério temporal. Por outro lado,

traduzindo-se no aspecto deôntico da norma, o consequente traz a relação intersubjetiva e a

quantificação dos deveres objeto da relação. Nele se enquadram os critérios pessoal e

quantitativo. Aquele com a definição do sujeito passivo e ativo e este com a apuração do valor

devido com fulcro na base de cálculo de alíquota.

Fazendo uso mais uma vez da lição de CARVALHO, temos que:

[...] o critério material é o núcleo do conceito mencionado na hipótese normativa. Nele há referência a um comportamento de pessoas físicas ou jurídicas, condicionado por circunstâncias de espaço e de tempo, de tal sorte que o isolamento desse critério, para fins cognoscitivos, é claro, antessupõe a abstração das condições de lugar e de momento estipuladas para a realização do evento. Já o critério espacial é o plexo de indicações, mesmo tácitas e latentes, que cumprem o objetivo de assinalar o lugar preciso em que a ação há de acontecer. O critério temporal, por fim, oferece elementos para saber, com exatidão, em que preciso instante ocorre o fato descrito3.

A funcionalidade da regra-matriz de incidência tributária, portanto, situa-se na

condição oferecida ao intérprete de, com maior precisão, identificar a subsunção de um fato à

hipótese normativa, de modo a ser capaz de aplicar a regra geral e abstrata à situações

concretas, o que, consequentemente, originará a regra individual e concreta. Ao final do

processo, pode-se dizer que, a partir do evento previsto hipoteticamente na norma tributária,

instaura-se o liame obrigacional, por meio do qual uma pessoa, na qualidade de ‘sujeito

ativo’, será detentora do direito subjetivo de exigir de outra, chamada de ‘sujeito passivo’, o

cumprimento de determinada prestação pecuniária.

A hipótese de incidência tributária é a descrição normativa abstrata do evento

3CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Editora Noeses, 2008, p. 147/150.

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objeto de tributação, ao passo que a concretude do evento nela descrito é que ensejará o

surgimento de uma relação jurídica tributária propriamente dita. É justamente essa descrição

do evento contida abstratamente na hipótese de incidência que corresponde ao critério

material da regra-matriz de incidência tributária (antecedente da norma).

Por outro lado, o elemento pessoal da regra-matriz de incidência tributária situa-se

no consequente da norma. Significa dizer que, constatados e concretizados os elementos

previstos no antecedente da norma, uma consequência advirá. Essa consequência é justamente

a formação da relação jurídica tributária. Tal consequência instaura-se entre duas pessoas e

resulta no dever de pagamento de um determinado valor. Portanto, no consequente da norma,

encontram-se os elementos pessoal e quantitativo da regra-matriz de incidência tributária. É

com essa completude que se instaura o caráter deôntico, segundo o qual as relações são

necessariamente intersubjetivas. É o consequente normativo que impõe à relação jurídica

tributária o dever de cumprimento, a compulsoriedade, em decorrência da concretização do

vínculo obrigacional.

Assim, pode-se afirmar que tanto os elementos componentes do antecedente

quanto os elementos componentes do consequente são necessários e indispensáveis para a

formação da relação jurídica tributária, pois é da conjugação deles que se extrai o vínculo

jurídico entre duas pessoas, em que uma é obrigada a dar uma quantia em dinheiro a título de

tributo e outra tem o dever de exigir o mesmo pagamento.

Portanto, a regra-matriz de incidência permite que se identifiquem todos os

elementos da relação jurídica. Por meio dela, é possível identificar um critério material

(comportamento), condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial),

entre duas ou mais pessoas (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo,

representativo do objeto da relação (base de cálculo e alíquota). A partir da identificação

desses elementos extrai-se o vínculo obrigacional entre as partes.

1.1 A regra-matriz de incidência tributária do Imposto Sobre Circulação de

Mercadorias – ICMS

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102 Thaís GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relação... p. 97-129

Ao distribuir as competências tributárias entre os entes federados, a Constituição

Federal declarou caber aos Estados a instituição e cobrança do Imposto sobre Circulação de

Mercadorias e Serviços (ICMS), incluindo-se nestes os de transporte interestadual e

intermunicipal e os de comunicação. É o que dispõe o artigo 155, II, da Constituição Federal.

Porém, em razão da necessidade inafastável de delimitação do tema, nesta oportunidade

somente será tratada a espécie tributária atinente à circulação de mercadorias (ICMS-

Mercadoria), sendo a seguir expostos os elementos componentes da respectiva regra-matriz de

incidência tributária.

1.1.1 Critério material

A Constituição Federal, em seu artigo 155, foi expressa em prever que o ICMS é o

imposto incidente sobre a circulação de mercadorias. Esta é, portanto, a sua materialidade. Em

outras palavras, é esta ação definida como critério material da regra-matriz de incidência

tributária do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias. Resta a indagação do que seja

circulação e do que seja mercadoria.

Iniciando a explanação por esta última, tem-se que mercadoria, como a própria

nomenclatura denuncia, é o objeto de mercancia, objeto do mercado. É o produto apto a sofrer

negociações, a ser objeto de transações. Afirma-se isso para diferenciar do objeto estanque.

Quando o objeto atinge essa condição estanque deixou de ser considerado um objeto de

comércio para se tornar propriedade de alguém, tendo atingido o final da cadeia na qual foi

inserido. A fim de exemplificar tal diferenciação, CARRAZZA afirma que uma caneta quando

presente em uma loja, por exemplo, é objeto de comércio, sendo apta a ser adquirida,

comercializada e sofrer transações. Por outro lado, a caneta pertencente a uma pessoa

continua apresentando as mesmas características do objeto em si, mas está fora do comércio.

Nesse caso, o objeto apresenta a mesma natureza física, mas diferencia-se em sua natureza

jurídica, pois não sofre circulação mercantil4.

Sendo assim, pode-se afirmar que mercadoria, para fins tributários, será o que for

4Carrazza, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 42/43.

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considerado como tal pelo Direito Comercial, pois é o ramo do Direito que regula a prática

das coisas do comércio.

Pelo próprio conceito de mercadoria, extrai-se que a circulação apta a ensejar a

tributação por meio de ICMS é aquela em que há transferência de domínio, de propriedade de

uma pessoa para outra. Se a mercadoria é o objeto que está posto no comércio, supõe-se ser

necessária a transferência de propriedade do bem, já que é justamente este o escopo da

atividade comercial.

Logo, a operação que corresponde à hipótese de incidência do imposto tratado é a

que acarreta transferência de propriedade de uma pessoa para outra, com alteração de

titularidade.

Nesse tocante, ATALIBA afirma:

[...] Circular significa para o Direito mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria mudam de titular, circula para efeitos jurídicos. Convenciona-se designar por titularidade de uma mercadoria, a circunstância de alguém deter poderes jurídicos de disposição sobre a mesma, sendo ou não seu proprietário (disponibilidade jurídica).[...]5.

E acrescenta:

[...] ‘circulação’, tal como constitucionalmente estabelecido, (art.155, I, b), há de ser jurídica, vale dizer, aquela na qual ocorre a efetiva transmissão dos direitos de disposição sobre a mercadoria, de forma tal que o transmitido passe a ter poderes de disposição sobre a coisa (mercadoria).[...]6

Conclui-se, portanto, que o critério material do ICMS-Mercadoria é a

transferência jurídica de uma mercadoria de uma pessoa para outra. Logo, somente a

circulação jurídica será hábil a ensejar dita tributação. Na hipótese de deslocamento

meramente físico de alguma mercadoria, pode-se dizer que houve circulação, mas não

5Apud PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência . Porto Alegre: Livraria do Advogado, Editora ESMAFE, 2009, p. 341/342.6Apud PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência . Porto Alegre: Livraria do Advogado, Editora ESMAFE, 2009, p. 342.

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circulação jurídica e, assim sendo, não ensejará a cobrança do ICMS-Mercadoria. Por outro

lado, havendo a transferência de titularidade de um produto de uma pessoa outra a outra, por

si só, haverá a incidência do ICMS nesta espécie, ainda que não haja deslocamento físico do

objeto transferido. O ato determinante para a caracterização do critério material do ICMS-

Mercadoria é justamente a transferência de titularidade é não a alternância de local físico do

produto. Por conseguinte, pode-se afirmar que quando se evoca o termo ‘circulação’, está-se

referindo exatamente à circulação jurídica da mercadoria, com a implicação de sua

transferência de titularidade, independentemente de ter havido ou não circulação física que a

acompanhe.

1.1.2 Critérios temporal, espacial, pessoal e quantitativo

Não obstante identifique o evento apto a ser objeto de tributação, o critério

material, por si só, não é capaz de provocar a formação de uma relação jurídica tributária, pois

a ação isoladamente considerada nada mais é do que um mero evento, um simples agir

ocorrido, ainda sem qualquer repercussão jurídica. Somente com a completude das

características particulares que envolvem esse evento é que se poderá falar em formação da

relação jurídica tributária. Para tanto, necessário saber onde e quando o evento ocorreu, quais

pessoas estão envolvidas e qual a repercussão econômica que provoca.

Isso porque, tratando-se de relação jurídica, forçoso reconhecer a presença

vinculada de dois sujeitos, ou seja, o liame obrigacional que enseja o surgimento do dever de

prestar uma prestação por parte do devedor e o direito subjetivo do credor de exigir o

cumprimento dessa mesma prestação. Além disso, considerando que a tributação envolve

necessariamente uma prestação pecuniária em favor do credor, imprescindível se mostra a

estipulação do valor devido.

São nessas particularidades que se expressam os critérios temporal, espacial,

pessoal e quantitativo da regra-matriz de incidência tributária do ICMS-Mercadoria.

Os critérios temporal e espacial, juntamente com o critério material, definem os

contornos fáticos do evento. Delimitam quando e onde ocorreu o evento juridicamente

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relevante para fins de tributação. Ambos têm como principal característica definir qual é a

legislação vigente para a uma determinada situação. Especialmente em relação ao ICMS,

como todos os Estados Federados são, potencialmente, capazes de instituir e cobrar o tributo,

somente com a delimitação de espaço e tempo é que se identificará a legislação aplicável ao

caso. Dessa forma, a partir do momento em que se identificar que o evento ocorreu no âmbito

territorial de um determinado Estado Federado, é a legislação local que será aplicável e,

consequentemente, como será melhor visto a seguir, será este Estado Federado o sujeito ativo

da relação jurídica tributária.

Além disso, não é somente a definição de qual legislação será aplicável que é

relevante para a formação da regra-matriz de incidência tributária e, consequentemente, da

relação jurídica tributária. Quando definido o local da ocorrência do fato e, por conseguinte,

de qual a legislação estadual aplicável, passa-se à indagação da aplicação da lei no tempo

(tempus regit actum). Isso porque é a data da ocorrência do evento que determinará qual é a

lei aplicável.

O critério pessoal da regra-matriz de incidência tributária indica quais são as

pessoas envolvidas na relação jurídica tributária.

A sujeição passiva guarda pertinência com as pessoas que realizaram ou mantém

relação com a ocorrência do fato correspondente ao critério material da regra-matriz de

incidência tributária. Desse modo, na espécie tributária em análise, será o sujeito passivo da

relação jurídica tributária aquele que promover a circulação de mercadorias. Quem der ensejo

à repercussão econômica do evento previsto abstratamente na norma geral é que estará

obrigado ao recolhimento do tributo.

Já o sujeito ativo será a pessoa capaz de exigir o tributo. Para tanto, somente quem

a Constituição Federal definiu como capazes de instituir e cobrar tributos é que podem ser

intitulados de sujeitos ativos de relações jurídicas tributárias. No caso do ICMS, a

competência prevista na Constituição Federal é genérica, ou seja, é concedida a todos os

Estados Federados, de tal sorte que a todos eles é autorizada a instituição e cobrança do

ICMS. Logo, todos os entes federados podem ser, em tese, sujeitos ativos do ICMS. Porém,

tal consideração situa-se apenas no plano da competência tributária.

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106 Thaís GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relação... p. 97-129

A concretude dessa competência será alcançada a partir do momento em que se

identificar o local onde tiver ocorrido a circulação de mercadoria. Trata-se de uma delimitação

territorial, demonstrando-se, assim, que os critérios componentes da regra-matriz de

incidência interagem entre si, em uma relação dinâmica, no escopo de definir uma relação

jurídica tributária. Essa verificação somente terá lugar na análise do caso concreto, na medida

em que é ele que denuncia o local onde realmente ocorreu a circulação de mercadorias. Sendo

assim, a partir do momento em que se identificar onde ocorreu a circulação de mercadoria,

são os limites territoriais do Estado Federado respectivo que determinarão qual é o ente

político sujeito ativo da relação jurídica tributária.

Por outro lado, o critério quantitativo viabiliza a identificação do valor objeto da

relação jurídica tributária, a ser pago pelo sujeito passivo ao sujeito ativo. Com isso, tem-se o

valor da prestação pecuniária. De acordo com o conceito legal trazido pelo artigo 3º do

Código Tributário Nacional, para ser exigível a prestação deve ser expressa em valor

pecuniário, ou seja, deve ser expressa em moeda corrente no país. É o critério quantitativo que

determina esse valor, por meio da conjugação da base de cálculo com a alíquota.

No caso do ICMS-Circulação, partindo-se da delimitação do critério material da

regra-matriz de incidência tributária, a base de cálculo será o valor da operação de circulação

de mercadoria, uma vez que é a circulação de mercadoria o evento determinante e importante

para a definição deste tributo. Sendo assim, é o valor dessa operação que servirá de parâmetro

para o cálculo do tributo devido. E a alíquota, por fim, será aquela definida pela legislação de

cada sujeito ativo que especifica qual é o percentual relevante dessa base de cálculo a ser

despendido pelo sujeito passivo.

Cabe frisar que a base de cálculo somente ensejará uma legitimidade de

mensuração em termos tributários se estiver em perfeita compatibilidade com o critério

material, ou seja, se o parâmetro considerado para definir a grandeza do tributo estiver de

acordo com as delimitações da definição do critério material. Assim, no caso do ICMS-

Mercadoria, não é de se admitir que a base de cálculo seja incidente sobre outra referência que

não a própria circulação de mercadoria. Se é a circulação de mercadorias o evento que

determina a tributação, é essa manifestação de riqueza que deve ser considerada relevante

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para a quantificação do tributo. Se assim não for, o critério material da regra-matriz de

incidência tributária estará sendo desvirtuado, o que não se pode admitir.

Nesse sentido, uma vez identificados os critérios componentes da regra-matriz de

incidência tributária do ICMS-Mercadoria, de maneira geral, pode-se dizer que correspondem

às premissas iniciais para se analisar, posterior e especificamente, alguns critérios

componentes da regra-matriz de incidência tributária do ICMS relativo a operações de

circulação de mercadorias realizadas pela Internet, principalmente os critérios espacial e

pessoal, levando-se, ainda, em consideração, o conceito de estabelecimento trazido a seguir.

2 CONCEITO DE ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL

Conforme já exposto acima, os critérios formadores da regra-matriz de incidência

tributária do imposto em tela demonstram que a sua ocorrência concreta se dá no plano do

comércio. Partindo da premissa necessária de que mercadoria é o objeto posto no comércio,

ou seja, apto a sofrer alterações de titularidade inseridas em uma cadeia econômica, bem

como a de que o significado do termo “circulação” significa justamente a transferência de

titularidade de que é objeto a mercadoria, pode-se afirmar que os fatos que ensejam esta sorte

de tributação estão imprescindivelmente atrelados à vida empresarial.

Por isso, em regra, a pessoa que realizar o fato imponível, isto é, aquele

correspondente à descrição do critério material da regra-matriz de incidência tributária, será

empresário, pois é ele quem pratica as operações de circulação, é ele quem coloca as

mercadorias à disposição das negociações e transações que culminarão na dita circulação e,

em outras palavras, na sua circulação entre pessoas de forma sucessiva.

Sendo assim, tem-se que, em regra, é o comerciante o sujeito passivo do imposto

em estudo.

Consequentemente, a estrutura empregada para a realização de tal desiderato há

de estar inegavelmente inserida no contexto empresarial de constituição, formação,

apresentação e concretização de sua atividade. E nesse cenário encontra-se presente o

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108 Thaís GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relação... p. 97-129

estabelecimento empresarial.

Nesse sentido, a partir do momento em que se destaca uma atividade empresarial

como apta a ensejar a tributação de determinadas situações no plano concreto, mister se faz

observar as disposições normativas respectivas, tanto em relação ao ramo do Direito

correspondente, qual seja, o Direito Empresarial, quanto ao Direito Tributário, já que é este

que sedia a obrigatoriedade do pagamento do tributo e o surgimento da relação jurídica

tributária.

A propósito, o artigo 966 do Código Civil reza que “considera-se empresário

quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a

circulação de bens ou de serviços”. Vê-se, assim, que a definição contida no direito privado

para o que seja atividade empresarial apresenta a mercancia como seu objeto, ou seja, é a

atividade destinada a colocar em prática a circulação de mercadorias.

Para o exercício de tal atividade, o mesmo Código Civil prevê que “se considera

estabelecimento todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por

empresário, ou por sociedade empresária” (artigo 1.142).

Já no Direito Tributário propriamente dito, essa conceituação legal é relevante

quando se analisa a concretização da situação fática a ensejar o surgimento da relação jurídica

tributária.

De início, quando a Constituição Federal outorgou competência aos entes

federados para a instituição e cobrança do ICMS, não especificou detalhes da formação da

relação jurídica tributária, como, por exemplo, o seu aspecto espacial e temporal. Limitou-se a

dispor sobre a materialidade do tributo, determinando quais são suas hipóteses imponíveis,

por meio da redação do inciso II, do artigo 155, segundo o qual “compete aos Estados e ao

Distrito Federal instituir impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e

sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação,

ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”, além da “transmissão causa

mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos” e “propriedade de veículos automotores”,

previstos nos incisos I e III, respectivamente.

Nesse sentido, ao tempo em que o Constituinte explicitou apenas a competência

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tributária, permitiu que a lei complementar se ocupasse da definição dos elementos da relação

jurídica tributária, consoante consigna o artigo 146, III, da Constituição Federal. Os elementos

da relação jurídica são justamente os critérios formadores da regra-matriz de incidência

tributária, na medida em que são eles que fornecem os contornos da obrigação de pagamento

do tributo por parte do sujeito passivo em favor do sujeito ativo e do direito subjetivo deste de

cobrar o valor da referida prestação frente ao sujeito passivo, nas condições de tempo, lugar e

quantidade extraídas da descrição normativa aplicada ao contexto fático apresentado.

Em perfeita compatibilidade com o Código Civil, a Lei Complementar nº 87/96,

lei geral em matéria de ICMS, prescreve que “contribuinte é qualquer pessoa, física ou

jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial,

operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e

intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no

exterior” (artigo 4º).

A lei complementar, invocando os mesmos elementos contidos na prescrição de

direito privado, define a atividade empresarial de comércio, cujo cerne é a própria circulação

de mercadorias, como a hipótese imponível do tributo em estudo.

Doutro norte, tratando da ocorrência da operação de circulação de mercadoria,

prescreve:

Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:I - tratando-se de mercadoria ou bem:a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador;b) onde se encontre, quando em situação irregular pela falta de documentação fiscal ou quando acompanhado de documentação inidônea, como dispuser a legislação tributária;c) o do estabelecimento que transfira a propriedade, ou o título que a represente, de mercadoria por ele adquirida no País e que por ele não tenha transitado; d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física;[...] 7

Da leitura do artigo 11 da Lei Complementar nº 87/96, depreende-se que estão

7As demais alíneas não foram transcritas por não guardarem pertinência com o ponto de vista jurídico analisado no trabalho.

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110 Thaís GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relação... p. 97-129

elencados nas alíneas do inciso I indicações correspondentes ao critério espacial do ICMS-

Mercadorias, uma vez que definem onde ocorre a circulação de mercadorias, invocando

sempre o estabelecimento como referência.

Logo, a fim de saber com exatidão qual é local de ocorrência do fato imponível,

necessário precisar a conceituação do que seja estabelecimento, o que é veiculado pela mesma

lei em seu parágrafo terceiro, cuja redação é a seguinte:

Artigo 11 [...]§ 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte:I - na impossibilidade de determinação do estabelecimento, considera-se como tal o local em que tenha sido efetuada a operação ou prestação, encontrada a mercadoria ou constatada a prestação;II - é autônomo cada estabelecimento do mesmo titular;III - considera-se também estabelecimento autônomo o veículo usado no comércio ambulante e na captura de pescado; IV - respondem pelo crédito tributário todos os estabelecimentos do mesmo titular.

Extrai-se da conceituação legal que o parâmetro determinante para a definição de

estabelecimento é a própria realização da atividade de circulação de mercadoria. A lei

considera relevante para definir o que seja estabelecimento justamente o abrigo da realização

da atividade de circulação de mercadoria. Sendo esta a materialidade do tributo, a essência

para efeito de definição de estabelecimento será justamente a identificação do local onde seja

exercida tal atividade. Isso porque, o estabelecimento é justamente o local que abriga o

comércio. No caso, o objeto de análise é a circulação de mercadorias, de tal sorte que o

estabelecimento é o local onde se dá tal circulação.

Para tanto a lei não considera relevante a forma como esse estabelecimento é

formado ou composto. Não interessa para a lei se é próprio ou se é físico. Para que seja

considerado estabelecimento basta que seja o local onde se operacionaliza a circulação de

mercadorias, basta que seja a estrutura que fornece suporte para que a atividade se realize,

independentemente da forma como essa estrutura é concretizada.

A respeito do assunto GRECO expõe:

[...] Nesse sentido, a ideia de estabelecimento supõe o exercício de uma atividade

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econômica, profissional ou empresarial, vale dizer, a reunião de elementos objetivos (coisas, bens, estruturas, etc.) e subjetivos (pessoas na qualidade de dirigentes, funcionários, agentes, clientes, fornecedores etc.) que encontram no exercício da empresa seu critério aglutinador. [...] Pode-se assumir, para fins da presente análise, que estabelecimento é conceito em que, na atualidade, o elemento funcional assume relevância, para não dizer predominância. Relevância, pois há quem sustente que até mesmo um vendedor ambulante possui um estabelecimento comercial e, nesta hipótese, não se pode dizer que os elementos físicos formem a parte principal de tal caracterização. O principal, nesse caso, é a clientela, o desenvolvimento do negócio, da atividade de produção ou distribuição de bens e riqueza, a intermediação, enfim, o exercício de uma atividade econômica ou profissional que possa ser considerada como representativa de uma unidade ou contexto do relacionamento econômico e social. A isso se acrescente que o Código Civil de 2002 trouxe, no seu artigo 1.142, uma definição de estabelecimento, assim entendido ‘todo complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária’. Note-se a reunião nesta definição de três elementos: (a) bens de qualquer natureza (vale dizer, abrangendo corpóreos e incorpóreos); (b) a organização, como elemento funcional ligado à sua correlação e interação; e (c) a finalidade consistente no exercício da empresa8.

Sendo assim, considerando os conceitos legais de estabelecimento e a veiculação

legal do critério espacial do ICMS-Mercadoria pela Lei Complementar nº 87/96, resta-nos

indagar e esclarecer qual é ou o que é estabelecimento nas operações de circulação de

mercadorias realizadas pela Internet.

2.1 Conceito de estabelecimento empresarial virtual

Nas operações realizadas pela Internet tem-se a utilização de uma modalidade

diversa de estabelecimento em relação aos convencionalmente considerados, compostos por

um prédio e instalações móveis ocupadas por diversas pessoas com divisão de tarefas. Ao

invés, as operações são realizadas de acordo com diversas peculiaridades e especificidades

técnicas e tecnológicas, pois são realizadas sobretudo em um ambiente tecnológico.

Consoante exposto acima, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado

ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em

8GRECO, Marco Aurélio. Estabelecimento Tributário e Sites de Internet. In: LUCCA, Newton de. SIMÃO FILHO, Adalberto. Direito & Internet: aspectos relevantes. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2005, p. 340.

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caráter temporário ou permanente. Logo, extrai-se do conceito legal ora trazido que a

estrutura física não é requisito essencial para a configuração do estabelecimento. A norma é

expressa em dizer que o estabelecimento pode ser formado por um local edificado ou não.

Ainda da análise do mesmo conceito legal, extrai-se que o essencial para a

caracterização de um local como estabelecimento empresarial é o exercício da atividade em

caráter temporário ou permanente. Portanto, o que determina a definição do que seja

estabelecimento é a atividade em si e não a forma como é estruturado o local destinado ao

exercício da atividade.

No caso das operações realizadas pela Internet, tem-se que o adquirente realiza a

operação por meio de seu próprio computador, escolhendo o produto a ser adquirindo e

pagando o respectivo preço por meio de uma transação eletrônica, como, por exemplo,

emissão de boleto bancário ou mediante operação por cartão de crédito. Desse modo, torna-se

desnecessária a presença física do usuário em um ponto, loja ou estabelecimento empresário

para que adquira o produto escolhido. A compra é feita de forma autônoma, via sistema

tecnológico.

Pode-se dizer, portanto, que o adquirente não comparece fisicamente em um

estabelecimento do alienante. É o alienante que comparece virtualmente perante o usuário.

Para empresas que atuam conectadas à rede mundial de computadores, o estabelecimento não

é meramente físico. Passa ele a ser uma realidade sobretudo virtual. “Logo não é incorreto

admitir a existência do estabelecimento virtual, que nada mais é do que o próprio website. É o

estabelecimento que atua no espaço cibernético, tão real quanto qualquer outro

estabelecimento clássico”, conforme afirma PERON9.

Realidade virtual significa dizer que um estabelecimento dessa natureza é capaz

de funcionar de forma autônoma em qualquer computador que a ele esteja conectado. Cada

uma das pessoas que o acessa tem condições de realizar operações, usufruindo das

ferramentas disponibilizadas. No ambiente virtual, quando o adquirente acessa os links

disponibilizados, a fim de pesquisar e escolher o produto desejado, em um site de compras,

9PERON, Waine Domingos. Estabelecimento empresarial no espaço cibernético. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade Autônoma de Direito (FADISP), 2009, p. 20.

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por exemplo, é como se estivesse transitando em meio a diversas prateleiras dispostas em um

ambiente físico. A finalidade é a mesma, porém apresentada sob outra roupagem.

Nessa nova realidade, o estabelecimento empresarial não corresponde a um

prédio, mas sim ao ambiente virtual, no qual o estabelecimento da empresa se “tele-

transporta” para o computador de todas as pessoas que o estejam acessando em um

determinado momento. Com efeito, a nova realidade permite que uma mesma empresa esteja

presente para diversas pessoas simultaneamente, mediante o acesso concomitante de todas

elas.

Não se trata, portanto, de uma cisão de estabelecimento, mas sim de uma

conquista de ubiquidade empresarial para todas aquelas pessoas jurídicas que esteja insertas

nesse contexto.

Com isso, tem-se que tanto o estabelecimento físico tradicional quanto o

estabelecimento virtual possuem a mesma funcionalidade, sendo que diferenciam-se apenas

na forma de acesso. Nesse sentido, COELHO afirma que “o tipo de acesso ao estabelecimento

empresarial define a classificação deste. Quando feito por deslocamento no espaço, é físico;

quando por transmissão e recepção eletrônica de dados, virtual” 10.

Tecnicamente, então, tem-se que o Direito hodierno não mais se satisfaz com a

conceituação clássica de estabelecimento, no sentido de se identificar um endereço físico e

com instalações concretas. Hoje, graças às novas tecnologias existentes, é possível que uma

empresa alcance ao mesmo tempo diversos usuários. Não se trata mais de endereçar uma

empresa por rua ou avenida, mas sim por ‘www’.

De acordo com essa realidade, pode-se afirmar que o estabelecimento dessas

empresas inicia-se no local onde estejam localizados seus equipamentos, tais como servidores,

computadores, modens, etc, bem como seus técnicos, e estende-se até o computador do

usuário que esteja acessando o serviço on line em um determinado momento. Nessa lógica, se

apenas um usuário estiver on line somente uma extensão haverá, ao passo que se milhares de

usuários conectarem-se concomitantemente, o estabelecimento se estenderá em tantos quantos

10COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, p. 32.

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forem os usuários conectados. Trata-se de uma espécie de mobilidade de estabelecimento

diante da possibilidade de navegação em rede.

Assim, virtualmente considerado, o estabelecimento da empresa inserta no

contexto em tela estará presente em cada uma das residências de seus usuários, de modo que a

partir do momento em que um usuário acessa um website, passa a adentrar em seu

estabelecimento, de tal sorte que se pode dizer que no caso de empresas que operam pela rede

mundial de computadores ocorre uma particularidade nesse tocante: o ato praticado pelo

adquirente para atingir a oferta da empresa limita-se ao acesso de seus produtos no ambiente

virtual, ao passo que o próprio estabelecimento da prestadora desloca-se virtualmente para o

computador do usuário, permitindo que ele tenha acesso à oferta de forma integral.

Isso se dá porque o serviço viabilizado em um ambiente virtual opera-se por meio

de uma conexão, em que um dos extremos está no start dado pela empresa e, como a própria

denominação evoca, é o início da operação, enquanto que no outro extremo está o usuário,

cujo acesso exaure a conexão empreendida. Assim, tem-se que são dois fatos que se enlaçam e

formam o acesso completo, sendo que se inicia junto à empresa e finda-se junto ao usuário.

Trata-se de uma cadeia, impossível de ser cindida, pois caso contrário estará sendo

interrompido o acesso do usuário aos produtos ofertados pela empresa.

Portanto, nesse caso, quando se fala que atransação oorre no ambiente virtual,

com a oferta, escolha e comprande um produto, pode-afirmar que há aquisição de mercadorias

por parte do usuário no website. E por wesbite entende-se o próprio estabelecimento

comercial, já que é nele que a mercadoria se encontra e é em seu ambiente que a transação se

consolida. Todavia, esse estabelecimento não corresponde à estrutura física. Tal

estabelecimento é o estabelecimento virtual e variará de localidade conforme o domicílio do

adquirente seja situado em um ou em outro Estado. O estabelecimento virtual é o instrumento

que promove a funcionalidade à empresa a fim de viabilizar a compra e venda de mercadorias

no espaço cibernético, na medida em que é que apresenta a própria empresa aos usuários da

Internet. Logo, se o website pode ser considerado um estabelecimento e se tem a capacidade

de se estender a tantos lugares quantos forem os acessoscrealizados, pode-se afirmar que o

estabelecimento se localiza em cada um desses lugares. Significa dizer que o estabelecimento

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virtual apresenta duas novas características: a mobilidade e a ubiquidade.

“Nesse caso, o site acaba por funcionar como o ambiente escolhido pelas partes

para operacionalizar certas transações, prestar determinados serviços ou viabilizar o

fornecimento de determinados bens na própria rede virtual (se forem bens virtuais) ou através

dela (se bens tangíveis tradicionais)”, como explica GRECO11.

Tal concepção vai ao encontro perfeito do conceito legal de estabelecimento

contido no parágrafo 3º, do artigo 11, da Lei Complementar nº 87/96. Na medida em que o

dispositivo não elege a estrutura física como requisito essencial para a caracterização do

estabelecimento, não há impedimento legal para que o website disponibilizado na rede

mundial de computadores seja considerado estabelecimento das empresas vendedoras. Ainda

que seja necessária uma estrutura física para a sua funcionalidade, tais como computadores,

servidores, técnicos, etc, a operacionalização ocorre em tantos lugares quantos forem os

adquirentes que acessem as ofertas disponibilizadas on line, de tal sorte que é inafastável a

extensão do estabelecimento desta estrutura física incipiente para o ambiente virtual.

Quando se trata da análise de operações de circulação de mercadorias tal

diferenciação é mais clara ainda, pois é justamente no ambiente virtual que a oferta é

realizada. É no ambiente virtual que o produto está posto à venda, sendo que a estrutura física

não passa de um suporte para viabilizar a operacionalização da venda em si, ou seja, da

circulação de mercadoria propriamente dita. Logo, se é a própria atividade, qual seja, a

circulação de mercadorias, correspondente ao critério material da regra-matriz de incidência

tributária do imposto ora tratado, que é determinante para definir o que seja estabelecimento,

não há como negar que o ambiente virtual o seja.

Tratando-se de operação realizada pela Internet, quando o adquirente realiza o

acesso ao website da empresa vendedora é como se adentrasse fisicamente em uma loja e, da

mesma forma, escolhe o produto e o adquire. Por conseguinte, se assim o é, é no ambiente

virtual que a operação de circulação demercadorias é realizada. É onde se desenvolve a

11GRECO, Marco Aurélio. Estabelecimento Tributário e Sites de Internet. In: LUCCA, Newton de. SIMÃO FILHO, Adalberto. Direito & Internet: aspectos relevantes. São Paulo: Editora Quartier Latin, 2005, p. 342.

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atividade empresária perante o público internauta.

Nesse sentido, PERON explica:

[...] Assim, o empresário que emprega um website como ferramenta aparelhada para projetar sua atividade no espaço cibernético, concebe um verdadeiro estabelecimento virtual, com funcionalidade autônoma a qualquer outro estabelecimento existente no plano físico, mesmo em relação àquele designado legalmente para ser sua base física, ou endereço material, para recebimento de notificações. Nesse contexto, o website atua como estabelecimento que disponibiliza para a clientela internauta o acesso aos produtos e serviços ofertados pela empresa. Esse estabelecimento virtual constitui-se como instrumento por meio do qual a empresa se manifesta no espaço cibernético. Ao público internauta, é o website que revela e dá funcionalidade à empresa no espaço cibernético. Assim, temos que o website empregado como instrumento para o exercício da empresa é um verdadeiro estabelecimento empresarial virtual, a porta de entrada da empresa pela Internet. Assim, tanto o website como o estabelecimento material a ele ligado (aquele que lhe confere as bases físicas e o endereço) são dois estabelecimentos distintos e inconfundíveis que compõem a empresa12.

A hipótese aqui versada refere-se ao ICMS sobre a circulação de mercadorias, de

modo que o foco de análise da questão deve ser a própria circulação de mercadorias. Nesse

tocante, quando se fala em acesso do adquirente ao website da empresa vendedora, com o

intuito de adquirir as mercadorias disponibilizadas, pode-se dizer que é nele que elas se

situam. Logo, quando se analisa a circulação de mercadorias, é no website da empresa que

estão situadas as mercadorias, pois é através dele que o adquirente a elas tem acesso, as

escolhe e as compra. Se assim não fosse, não seria possível a realização da operação de

circulação de mercadorias. É no contexto virtual que a operação de circulação de mercadorias

se realiza e se exaure, na medida em que é pelo website que se opera a aquisição do produto,

ou, em outros termos, a circulação de mercadorias.

Logo, a sistemática inerente às operações de circulação de mercadorias realizadas

pela Internet encontra-se em consonância com a disposição contida na Lei Complementar nº

87/96 no que se refere ao conceito de estabelecimento. Isso porque, de acordo com seu artigo

11, § 3º o estabelecimento prescinde de uma forma física para se apresentar como tal. Basta

que nele se realizem as operações de circulação de mercadorias. Portanto, se as operações em

12PERON, Waine Domingos. Estabelecimento empresarial no espaço cibernético. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade Autônoma de Direito (FADISP), 2009, p 74.

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análise ocorrem no ambiente virtual do sítio eletrônico da empresa vendedora, é ele o seu

estabelecimento.

Vê-se que referido dispositivo, quando menciona a existência física da mercadoria

no estabelecimento para sua configuração como tal, o faz de forma subsidiária em relação ao

local onde se realizam as operações. O dispositivo em tela é expresso em preconizar que o

estabelecimento é o local conde ocorrem as operações de circulação de mercadorias ou onde

estas estejam armazenadas. Porém, as duas referências – o local onde ocorrem as operações

de circulação de mercadorias e o local onde estejam estas armazenadas – não se encontram

em igualdade. Referido dispositivo elenca uma ordem preferencial para a configuração

conceitual do estabelecimento, elegendo em primeiro lugar o local onde tenha sido efetuada a

operação ou prestação (inciso I, primeira parte). Apenas de forma subsequente é que elenca o

local onde seja encontrada a mercadoria ou constatada a prestação (inciso I, parte final).

Desse modo, quando ocorridas as operações de circulação de mercadorias por

meio de acesso a sítio eletrônico, este é considerado o estabelecimento da pessoa responsável

pela venda do produto.

3 OS CRITÉRIOS ESPACIAL E PESSOAL (SUJEIÇÃO ATIVA) DA

REGRA-MATRIZ DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA DO IMPOSTO

SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS (ICMS) NAS OPERAÇÕES

REALIZADAS PELA INTERNET

Partindo do exposto até o momento, tem-se que a relevância de se alcançar a

conceituação de estabelecimento empresarial nas operações realizadas pela Internet é a

possibilidade de se definir o local onde ocorrem estas operações e, por consequência, qual é o

sujeito ativo da relação jurídica tributária, ou seja, o ente federado competente para cobrar o

tributo nas operações desta natureza.

No capítulo anterior, definiu-se o website como estabelecimento do alienante da

mercadoria posta em circulação. Desse modo, a partir do momento em que se define o

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website como estabelecimento do alienante, passa ele a representar também o local da

operação da circulação de mercadoria.

Isso porque o artigo 11, da Lei Complementar nº 87/96, dispõe:

Art. 11 O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:I - tratando-se de mercadoria ou bem:a) o do estabelecimento onde se encontre, no momento da ocorrência do fato gerador;[...]c) o do estabelecimento que transfira a propriedade, ou o título que a represente, de mercadoria por ele adquirida no País e que por ele não tenha transitado; [...]

No caso, quando se fala em operação de circulação de mercadoria realizada pela

Internet, partindo-se da premissa fixada acima de que o website é o próprio estabelecimento, é

possível afirmar que no momento do acesso ao mesmo, a mercadoria nele se situa, ou seja,

enquanto houver oferta de um produto por meio de website, é porque está disponível para

compra por este canal. Logo, na terminologia empregada pelo dispositivo legal em análise,

tem-se que o fato gerador ocorre no momento da compra, ou seja, quando se operacionaliza a

circulação jurídica da mercadoria, com a transferência de titularidade da empresa vendedora

para o consumidor adquirente. Nesse sentido, se o fato gerador ocorre no momento em que se

acessa o website para finalizar a compra, pode-se afirmar que é no website propriamente dito

que a mercadoria se encontra.

Tal afirmativa se sustenta porque, conforme se expôs no capítulo precedente, o

website é o local onde se tem acesso à mercadoria, onde esta é escolhida e adquirida, de modo

que é inafastável a conclusão de que o próprio website é o local onde ocorre a operação de

circulação de mercadoria. Da mesma forma, sendo o website o local onde a operação é

concluída, pode-se afirmar que é o local onde ocorre a transferência de titularidade, consoante

preceitua a alínea ‘c’ do inciso I, do dispositivo legal em foco.

No entanto, a determinação de que o website é o local onde a operação de

circulação de mercadoria ocorre não é suficiente para se definir o critério espacial da regra-

matriz de incidência tributária do ICMS quando se fala em ambiente virtual, pois, como já

dito, o estabelecimento, quando na Internet, pode se apresentar em diversos locais ao mesmo

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tempo.

Nesse vagar, fixou-se a premissa da ubiquidade do estabelecimento empresarial,

pois é capaz de se apresentar em tantos lugares quantos forem os acessos realizados.

Tratando-se o website como uma extensão do estabelecimento empresarial, fixou-se o

entendimento de que em cada acesso a ele realizado, está-se diante de uma extensão do

próprio estabelecimento, de modo que este estará presente em tantos lugares quantos forem os

acessos feitos em locais distintos.

Porém, cada acesso é uma única operação, pois cada qual ensejará uma única

oportunidade de circulação de mercadoria. Sendo assim, o critério espacial variará conforme o

local de acesso por parte dos adquirentes. Cada acesso promove uma extensão do

estabelecimento, de tal sorte que, se a operação de circulação de mercadoria for concluída,

estar-se-á diante da fixação de um critério espacial. E tal sistemática se repetirá tantas vezes

quantos forem os acessos que resultarem em operações de circulação de mercadorias. É claro

que não basta que o acesso seja estabelecido para que se tenha fixado o critério material. Para

tanto é imprescindível que desse acesso resulte a circulação jurídica de mercadorias.

Dessa forma, pode-se dizer que em relação a uma única empresa alienante que

disponibilize um website de vendas na Internet surjam, ao mesmo tempo, diversas operações

de circulação de mercadoria, em diversos Entes Federados concomitantemente, sendo que, na

medida em que cada operação corresponde a um critério espacial, cada um deles terá um

sujeito ativo diferente. Este é definido a partir do local de ocorrência da operação. Se esta

ocorreu em seu território, é ele o Estado competente para cobrar o ICMS correspondente.

O fundamento principiológico em questão é o de que os recursos decorrentes da

tributação devem ser direcionados ao local onde tenha sido promovida a geração da riqueza

econômica (princípio do destino), de modo que se a riqueza, em termos econômicos, foi

gerada no território de um determinado Estado, é ele que fará jus ao bônus tributário daí

decorrente.

Sendo assim, em tese, é possível que este estabelecimento esteja presente em

diversos Estados Federados concomitantemente. Todos esses Estados Federados são,

potencialmente, sujeitos ativos do tributo, que variarão de acordo com a localidade onde se

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encontrar o adquirente. Ou seja, a definição variará de acordo com o local do domicílio ou de

acesso do adquirente. Portanto, cada uma das entidades federadas somente estará autorizada a

cobrar ou exigir o ICMS-Mercadoria nas operações realizadas pela Internet relativamente aos

adquirentes situados em seus respectivos territórios, exaurindo-se nele a tributação. Não se

trata, portanto, de se tributar o mesmo fato por diversas entidades federadas, mas sim de as

definir como sujeitos ativos da relação jurídica tributária conforme o destino da circulação

jurídica da mercadoria. São diversos fatos tributáveis ocorrendo concomitantemente.

Tendo em vista que dentro dessa realidade a empresa alienante tem a possibilidade

de potencialmente estar presente no domicílio de todas as pessoas com acesso à Internet,

viabiliza-se a ocorrência de diferentes conexões simultâneas, o que é reflexo e consequência

da ubiquidade inerente ao ambiente virtual.

Dessa forma, o sujeito ativo da relação jurídica tributária nas operações de

circulação de mercadorias realizadas pela Internet será o Estado onde estiver sido estabelecida

a conexão pelo adquirente da mercadoria no momento em que realizar juridicamente a

operação de circulação de mercadoria por este canal.

3.1 A entrega (circulação física) da mercadoria ao adquirente nas operações

de circulação realizadas pela Internet

Por outro lado, muito se discute a respeito da eventual necessidade de entrega do

produto no domicílio do adquirente. Nesse sentido, muitos defendem que, havendo

necessidade de armazenamento de mercadorias para posterior entrega aos adquirentes, o

estabelecimento da empresa vendedora seria o local onde estejam situadas fisicamente as

mercadorias. Porém, entende-se que esta não seja a melhor interpretação.

No caso, o critério material da regra-matriz de incidência tributária do imposto em

análise, como já exposto no primeiro capítulo, já se exauriu quando ocorrida a operação no

ambiente virtual, pois foi nesse momento que a titularidade da mercadoria passou do

vendedor para o adquirente. De acordo com a premissa estabelecida no referido capítulo, o

critério material se dá quando ocorre a transferência jurídica da mercadoria em favor do

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adquirente. Logo, a partir do momento em que ocorre a compra, opera-se a circulação jurídica

de mercadoria, exaurindo-se, assim, o critério material.

O fato de ser necessário o envio da mercadoria ao domicílio do adquirente é

questão absolutamente indiferente à caracterização do critério material, pois neste não está

inserido ou considerado. Tanto é que no ato de realização da compra são cobrados dois preços

diversos, um correspondente à aquisição da mercadoria, que nada mais é do que a sua

circulação jurídica, e outro correspondente ao frete do produto até o seu destino final. Esta

operação é autônoma. É operação que se insere na cadeia de circulação de mercadorias, de

maneira que a aquisição, ou circulação jurídica, da mercadoria pelo website corresponde ao

primeiro fato tributável por ICMS-Mercadoria, ao passo que o transporte da mercadoria do

armazém da empresa vendedora ao endereço do comprador corresponde a fato tributável do

ICMS-Transporte.

Quando se considera o transporte da mercadoria adquirida ao domicílio do

comprador, está-se diante de uma mera circulação física de mercadoria, realizada unicamente

para atender a uma necessidade logística de entrega da mercadoria ao seu destinatário final, já

que a ação determinante para a configuração do critério material da regra-matriz de incidência

tributária é ‘circular mercadoria’. Por conseguinte, a circulação jurídica é o quanto basta para

a configuração da hipótese imponível do ICMS-Mercadoria. Diante dessa peculiaridade pode-

se dizer que a tradição da coisa não se aplica ao Direito Tributário no sentido de ensejar e

concluir a transferência da propriedade. Esta, por si só, já ocorre desde quando a operação de

circulação de mercadoria se realiza.

Logo, quando não há entrega imediata da mercadoria ao seu destinatário,

configuram-se realizados dois fatos distintos e autônomos para efeito tributário: o primeiro,

correspondente à circulação jurídica da mercadoria, concluída com a venda em si, enseja a

tributação por meio do ICMS-Mercadoria, ao passo que o segundo, correspondente ao

respectivo transporte, enseja a tributação por meio do ICMS-Transporte.

A respeito CARRAZZA eaxpõe:

[...]Na verdade, a saída da mercadoria é apenas o momento em que a lei considera nascida a obrigação de pagar o ICMS. Este tributo surge, como vimos, quando ocorre a operação mercantil. A ‘saída’ é uma simples decorrência da transmissão da

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titularidade da mercadoria. É quanto se exterioriza tal transmissão. De qualquer modo, desde que ocorra a operação mercantil, o tributo é devido, ainda que a mercadoria não transitar pelo estabelecimento do transmitente.[...]13.

Pode-se afirmar, portanto, que o aspecto físico da circulação de mercadoria é

absolutamente irrelevante para a configuração da hipótese de incidência do ICMS-

Mercadoria, sendo que a necessidade de armazenamento ou entrega da mercadoria é

absolutamente irrelevante para a composição dos elementos formadores da relação jurídica

tributária.

Além disso, não há óbice algum para que existam diversos estabelecimentos

físicos destinados ao armazenamento da mercadoria. Tal estruturação, por exemplo, poderia

ser empregada no caso de um website de grande porte, que dispõe de diversos depósitos ao

longo do território nacional, a fim de melhor atender à demanda resultante do seu acesso. A

adoção de diversos estabelecimentos apenas teria o condão de facilitar ou otimizar as

necessidades de logística do referido website. Nem por isso, se poderá falar em identidade de

estabelecimentos ou que esses estabelecimentos é que correspondem, na realidade, ao

estabelecimento da empresa. Isso porque a operação de circulação de mercadoria exauriu-se

quando realizada diretamente no website, de tal sorte que o uso desses estabelecimentos

físicos nada mais são do que instrumentos utilizados em operações subsequentes de transporte

da mercadoria, ocorridas como consequência e desdobramento da operação de circulação de

mercadoria anterior, objeto de outra relação jurídica tributária, a de incidência de ICMS sobre

operação de transporte.

Assim, segundo PERON:

[...] Nota-se que, mesmo nos casos em que há um estabelecimento físico na retaguarda do website, que armazene as mercadorias vendidas neste e as remete em seguida ao contratante, o negócio mercantil já foi totalmente realizado por meio eletrônico. É neste local, virtual, que as partes se relacionam, discutem volume, cor, espécie da mercadoria, preço, condições e pagamento e, finalmente, pactuam a transação. Todo o negócio jurídico é avençado no estabelecimento virtual. As partes envolvidas manifestam no website o interesse recíproco pela contratação da compra/venda. E, de modo totalmente virtual, ocorre entre elas a operação mercantil de circulação

13Carrazza, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 2009, p.135/136.

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(jurídica) de mercadorias, única que interessa para fins de incidência do ICMS[...] Notemos, pois, que, inclusive sob a ótica da hipótese de incidência do ICMS, temos que o website é capaz de desenvolver toda a operação mercantil, quebrando o paradigma de que somente pelos estabelecimentos físicos tal circunstância era possível. Nessa situação, ao contrário, o estabelecimento físico é secundário, servindo apenas como um despachante da mercadoria comercializada pelo estabelecimento virtual.[...] A posterior entrega da mercadoria é ato de mera execução do contrato, que, em sua essência, já se encontra avençado de modo consensual por meio do website.Bem se vê que, portanto, não é a circulação física da mercadoria que define o negócio de compra e venda firmada entre as partes. A entrega da mercadoria é mera consequência de uma relação mercantil já pactuada via internet, por meio do estabelecimento virtual14..

A fim de ilustrar o exposto, supondo que uma pessoa domiciliada na cidade de

Salvador adquira um determinado produto, por meio de acesso ao website www.xxx.com.br,

cuja empresa mantenedora dispõe de um armazém de estocagem no Rio de Janeiro, de onde a

mercadoria sai para ser entregue ao comprador, por uma transportadora contratada. Nesse

caso, a partir do momento em que houve a aquisição pela pessoa domiciliada em Salvador,

restou configurada a hipótese imponível do ICMS-Mercadoria, sendo desde já devido o

tributo ao Estado onde tenha ocorrido a operação, ou seja, na Bahia. Isso porque, como vimos,

o estabelecimento, apresentado de forma virtual sob a roupagem de um sítio eletrônico,

estende-se até o domicílio do comprador. Após, quando da entrega da mercadoria, tendo a

empresa vendedora contratado um serviço de transporte para entrega da mercadoria,

promoveu ela a concretização da hipótese imponível do ICMS-Transporte, sendo este devido

ao Estado onde tenha sido realizada a operação, ou seja, Rio de Janeiro. Logo, tratam-se de

duas operações autônomas, sendo que para cada uma delas há um sujeito ativo diverso.

3.2 Considerações finais: a interpretação da norma jurídica

Extrai-se do presente trabalho que o conceito de estabelecimento empresarial

virtual, como sendo aquele onde se realizam as operações de circulação de mercadorias

14PERON, Waine Domingos. Estabelecimento empresarial no espaço cibernético. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Faculdade Autônoma de Direito (FADISP), 2009, p. 88/90.

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124 Thaís GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relação... p. 97-129

ocorridas na Internet, encontra respaldo legal no artigo 11, parágrafo 3º da Lei Complementar

nº 87/96. Além disso, constatou-se também que referido dispositivo está em consonância com

o artigo 1.142, do Código Civil, na medida em que nenhum deles exige a estrutura física

empresarial para a definição, ou configuração, o que seja o respectivo estabelecimento.

Sendo assim, considerando que todos os parâmetros necessários encontram-se

previstos na norma, não há que se falar em outra sorte de interpretação senão a literal. A

propósito da metodologia de interpretação da norma tributária, o Código Tributário Nacional

veicula disposições expressas, em seu Capítulo IV (Interpretação e Integração da Legislação

Tributária), formado pelos artigos 107 a 112, dos quais o 108 e 110 são transcritos a seguir,

por apresentarem maior pertinência ao estudo.

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:I - a analogia;II - os princípios gerais de direito tributário;III - os princípios gerais de direito público;IV - a equidade.§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.§ 2º O emprego da equidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.[...]Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.

Vê-se que somente na ausência de disposição legal expressa sobre determinado

assunto é que estará autorizado o emprego da analogia, dos princípios gerais de direito

público e da equidade. Logo, a contrario sensu, tem-se que, se houver disposição expressa na

legislação tributária, somente a interpretação literal é autorizada. E nem poderia ser diferente,

pois se o texto legal é suficiente para a compreensão da matéria, a ponto de ser capaz de

exaurir os elementos formadores do instituto em estudo, nem mesmo necessidade há de se

empregar outra forma de interpretação.

Portanto, diante da conceituação de estabelecimento empresarial contida no artigo

11, § 3º da Lei Complementar nº 87/96, na medida em que apresenta os elementos necessários

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para tanto, é o quanto basta para o trabalho do intérprete, sendo despicienda qualquer imersão

em outro ramo do Direito ou em qualquer ilação além da literalidade da norma.

Além disso, porque a norma tributária é suficiente para a definição do

estabelecimento empresarial, ainda que virtual, despicienda também a imersão do intérprete

no ramo do Direito Privado correspondente para a construção adequada do instituto. Porém,

quando se fala da invocação dos institutos privado pelo intérprete da norma tributária,

necessário não se olvidar que, com isso, não é autorizada a alteração de sua definição, o

conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas quando utilizados, expressa ou

implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis

Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências

tributárias.

No caso, o estabelecimento empresarial, embora não seja um instituto empregado

pela norma expressamente para a definição de competência, é relevante, como visto, para a

definição da ocorrência da operação de circulação de mercadoria e, consequentemente, da

definição do sujeito ativo da relação jurídica tributária correspondente. Portanto, pode-se dizer

que é empregado implicitamente pelo Direito para a definição de uma competência tributária.

Tanto é que a conclusão do presente trabalho foi a de que o sujeito ativo da relação jurídica

tributária do ICMS-Mercadoria nas operações realizadas pela Internet é aquele onde se situa o

adquirente da mercadoria quando acessa o website da empresa vendedora e nele adquire

mercadorias.

Sendo assim, se o instituto em tela – o estabelecimento empresarial – encontra

amparo na legislação privada, não poderia a norma tributária empregar sentido ou definição

diversa, mormente para o fim de definir competência. No entanto, a disposição trazida pela

Lei Complementar nº 87/96, em seu artigo 11, § 3º é absolutamente condizente com o

disposto no artigo 1.142 do Código Civil, já que em ambos é dispensada a estrutura física para

a formação ou conceituação do estabelecimento empresarial, de modo que não há que se falar

em vício ou inadequação da norma tributária nesse tocante.

Logo, a construção conceitual em torno do estabelecimento empresarial, quando

apresentado sob a roupagem de sítio eletrônico, está de acordo tanto com a disposição legal

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126 Thaís GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relação... p. 97-129

propriamente dita a seu respeito, quanto de acordo com a sistemática de interpretação da

norma tributária veiculada pelo Código Tributário Nacional.

Por conseguinte, não há óbice legal algum para a consideração de que o website

disponibilizado pela empresa vendedora é, na realidade, seu próprio estabelecimento

empresarial, sendo que o local da operação é onde se situa o adquirente no momento em que

realiza o respectivo acesso e nele adquire mercadorias (operação de circulação de

mercadoria), o que, por consequência, determina que o sujeito ativo da relação jurídica

tributária respectiva é o Estado Federado em que tal acesso se realizar.

CONCLUSÃO

No transcorrer deste trabalho buscou-se definir qual é o sujeito ativo da relação

jurídica tributária nas operações de circulação de mercadorias realizadas pela Internet. Para

tanto partiu-se inicialmente da exposição acerca da regra-matriz de incidência tributária deste

tributo, pois é nela que se encontram todos os elementos necessários para a formação da

relação jurídica desta natureza.

Nesse sentido, foi primeiramente analisada a regra-matriz de incidência tributária

em si, salientando a sua pertinência ao estudo e, posteriormente, analisada a regra-matriz de

incidência tributária em si, relativamente às operações de circulação de mercadorias em geral.

A partir das especificidades desta, passou-se ao estudo da regra-matriz de incidência tributária

do ICMS referente às operações de circulação de mercadorias realizadas pela Internet.

A partir daí foi possível precisar o local de ocorrência dessas operações e,

consequentemente, definir o sujeito ativo da relação jurídica tributária correspondente.

A construção conceitual foi embasada na conceituação legal do estabelecimento

empresarial, partindo da premissa de que as disposições normativas pertinentes, quais sejam,

o artigo 11, § 3º da Lei Complementar nº 87/96 e artigo 1.142 do Código Civil, não erigem a

estrutura física como requisito para a configuração do estabelecimento empresarial. Ambas

partem do pressuposto de que o que fundamenta a caracterização do estabelecimento

empresarial é a estrutura colocada em funcionamento para a realização da atividade desta

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natureza. Logo, tudo o que esteja envolvido no desenvolvimento da atividade empresarial,

será considerado estabelecimento, independentemente de ser tangível fisicamente.

Sendo assim, na medida em que o sítio eletrônico é disponibilizado por uma

determinada empresa para a compra e venda de seus produtos na Internet, pode ser

considerado estabelecimento, uma vez que corresponde a um meio destinado ao atendimento

da atividade empresarial em si. Dessa forma, outra premissa foi estabelecida: a de que o

website é também estabelecimento empresarial, com a especificidade de que tem a capacidade

de transpor-se para tantos locais quantos forem os acessos a ele realizados. Alcança-se, assim,

a ubiquidade do estabelecimento empresarial, a ponto de se poder dizer que quando é

acessado um website por um adquirente de mercadoria, o estabelecimento a ele se transpõe, se

estende, de maneira virtual, mas não menos real.

As realidades física e virtual passam a ter na atualidade o mesmo peso e valor.

Ambas são verdadeiras, sendo ambas capazes de ensejar o surgimento de direitos e

obrigações. Diante dessa realidade, mostra-se imprescindível analisar qual é local de

ocorrência das operações de circulação de mercadorias pela Internet para posteriormente se

precisar qual é o sujeito ativo da relação jurídica daí surgida.

Nesse vagar, com base nas premissas estabelecidas acerca do estabelecimento

empresarial apresentado sob a forma de sítio eletrônico chegou-se à conclusão de que o local

da operação de circulação de mercadorias, de acordo, inclusive, com o artigo 11, da Lei

Complementar nº 87/96, especialmente em seu inciso I, alíneas ‘a’ e ‘c’, é justamente o local

onde é feito o acesso pelo adquirente, ou seja, o local da operação coincide com o local onde

esteja adquirente quando do acesso ao sítio eletrônico com a realização da operação de

circulação jurídica da mercadoria.

Desse modo, a partir do momento em que é definido o local da operação, pode-se

dizer qual é o sujeito ativo da relação jurídica tributária daí surgida. Se a operação é realizada

no local onde se situa do adquirente, ou, em outras palavras, onde é realizado o acesso que

culmine na aquisição da mercadoria, é o Estado Federado que abriga esta operação que será

legitimado para cobrar o ICMS de circulação de mercadoria nas operações realizadas nesses

moldes. Portanto, o sujeito ativo da relação jurídica em relação às operações de circulação de

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128 Thaís GASPAR, O estabalecimento empresarial virtual e o sujeito ativo da relação... p. 97-129

mercadorias realizadas pela Internet é o Estado Federado onde tiver sido realizado o acesso

que resultou na aquisição da mercadoria, pois esta operação corresponde justamente à

circulação jurídica da mercadoria, critério material da regra-matriz de incidência tributária,

capaz de caracterizar a incidência do tributo em tela.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Parecer

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ARRECADAÇÃO DIRETA DA COMPENSAÇÃO

FINANCEIRA DE EXPLORAÇÃO MINERAL (CFEM) PELOS

ESTADOS- PETIÇÃO DE INGRESSO “AMICUS CURIAE” ADI

N.4606/BA EM CURSO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Lucas Bevilacqua1

RESUMOTrata-se o presente trabalho de petição de ingresso do Estado de Goiás na condição de “amicus curiae” em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 4606/BA ajuizada pela Presidente da República em face de lei do Estado da Bahia. A partir de minudente parecer se constatou o interesse do Estado de Goiás, terceira maior província mineral, na intervenção ao feito que discute a constitucionalidade de lei baiana que prevê a arrecadação direta da Compensação Financeira de Exploração Mineral (CFEM) por aquele Estado. A partir de percuciente análise da natureza jurídica da receita pública em exame, classificada como receita originária, constatou-se a legitimidade da arrecadação direta pelos Estados da federação desta importante fonte alternativa de receita.

Palavras-chaves: Compensação Financeira de Exploração Mineral (CFEM)- Natureza jurídica- Receita pública originária-

1 Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), Professor de Legislação Tributária da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Procurador-chefe do Estado de Goiás na Capital Federal (PGE/GO) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).

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134 Lucas BEVILACQUA, Arrecadação direta da compensação financeira de exploração... p. 133-146

Federalismo Fiscal- Arrecadação direta.

ABSTRACTIt is the job of this petition for admission of the State of Goiás as "amicus curiae" in Direct Action of Unconstitutionality (ADI) n. 4606/BA, filed by the President of the Republic in the face of the law of the State of Bahia. Since specific legal opinion it was noted the interest of the State of Goiás, the third largest mineral province, in the intervention done discussing the constitutionality of a law that provides for the collection of Bahia Direct Financial Compensation for Mineral Exploration (CFEM) for that state. From insightful analysis of the legal nature of the examination in public revenue, classified as original recipe, we found the legitimacy of direct collection by the States of the federation.

Key-words: Financial Compensation for Mineral Exploration (CFEM) - Legal-income public- Original revenue- Fiscal Federalism.

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO AYRES BRITTO, DIGNÍSSIMO

RELATOR DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE n.4606, EM

TRAMITE NESTE EXCELSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – STF,

Autor: A Presidente da República

Normativo impugnado: Lei nº 10.850, de 06 de dezembro de 2007 e do Decreto nº 11.736, de

30 de setembro de 2009, do Estado da Bahia.

ESTADO DE GOIÁS, pessoa jurídica de direito público interno,

representado pelos procuradores signatários, tendo em vista o caráter transcendente do

julgamento da questão suscitada no recurso, cuja solução é de inegável interesse para o Estado

de Goiás, requer sua admissão no feito, na condição de amicus curiae, na forma do art. 7º, da

Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 19992, que, se deferida, possibilitará ampliar o debate em

torno da matéria nele discutida, objetivo que se procura alcançar com essa modalidade de

intervenção, como tem preconizado a jurisprudência desta Corte.

2Art.7º, §2º. O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.

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1 BREVE RELATO DA LIDETrata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada em face da Lei n.

10.850, de 06 de dezembro de 2007, do Estado da Bahia e do Decreto n. 11.736, de 30 de

setembro de 2009, do Governador de referido ente, a propósito da arrecadação direta pelos

Estados da Compensação Financeira de Exploração Mineral (CFEM) esculpida no art.20, §1º,

da Constituição Federal, in verbis: É assegurada nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recusos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.

A matéria é regulada em âmbito federal pelas Leis n. 7.990, de 29 de dezembro de

1989 e 8.001, de 14 de março de 1990 que preveem distribuição indireta dos recursos

arrecadados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) aos entes federados.

Os Estados do Amazonas, Espírito Santo e Sergipe já aderiram na condição de

amicus curiae na presente ação trazendo importantes subsídios a este STF pela

constitucionalidade da lei estadual baiana n. 10.850/2007 que preve a cobrança e arrecadação

direta de CFEM por aquele Estado.

Muito embora o Estado de Goiás não possua lei instituíndo a cobrança e

arrecadação direta de CFEM o assunto lhe é pertinente dado o Estado de Goiás ser hoje a

terceira maior província mineral do país; atrás apenas dos Estados do Pará e Minas Gerais3.

A legitimidade da instituição e cobrança direta da CFEM pelos Estados demanda,

no entanto, aferição de sua constituicionalidade no esquadro constitucional de repartição de

competências materiais e legislativas para, ao final, indicar o interesse jurídico-econômico do

Estado de Goiás no ingresso a ADI n. 4606/BA.

3O Estado de Minas Gerais prevê em sua Constituição (art. 214, § 3º) que parcela dos recursos estaduais da CFEM seja aplicada para garantir a efetividade do direito ao meio ambiente. Cf. BRASIL, Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Processo n. 872207. Parecer Cons. Cláudio Couto Trinchão. Balanço Geral do Estado de Minas Gerais, Responsável: Antônio Augusto Junho Anastasia, Exercício Financeiro: 2011 Belo Horizonte, 28 de junho de 2012, f.11.

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2 O ESTADO DE GOIÁS E COBRANÇA DIRETA DA CFEM:

Conforme dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) a

produção mineral brasileira (PMB), incluindo-se de Petróleo e Gás, no ano de 2006 já atingia

a cifra de cem bilhões de dólares. No ranking internacional de produção mineral o Brasil

ocupa, dentre outras posições de destaque, o primeiro lugar em produção de nióbio, com

95,2% da produção mundial; segundo lugar em ferro, com 18,8% da produção; segundo lugar

em manganês, com 39% da produção mundial; segundo lugar em tantalita, com 13,4% da

produção mundial; segundo lugar em alumínio bauxita, com 14,44% da produção mundial e

terceiro lugar em crisotila, magnesita e grafita.

Efeito da expansão do setor mineral tem-se, de acordo com a autarquia federal do

Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), que a Compensação Financeira de

Produção Mineral- CFEM tem atingido constantes recordes nos últimos anos. De uma

arrecadação de pouco mais de cem milhões no exercício de 2000 houve uma arrecadação da

ordem de R$540.000.0000,00 no ano de 2007. Dentre os principais Estados arrecadadores, em

ordem decrescente, se tem: Minas Gerais, Pará, Goiás, Bahia, São Paulo e Santa Catarina. O

Estado de Goiás, terceira província mineral do país, tem apresentado constante evolução nos

últimos anos, vejamos:

Maiores Arrecadadores4

Arrecadador (Estado)

Valor

Operação

Recolhimento

CFEM

% Recolhimento

CFEM

4 BRASIL, Ministério de Minas e Energia. Departamento Nacional de Produção Mineral. Anuário Mineral Brasileiro. Ano XXXVI, 2007..

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138 Lucas BEVILACQUA, Arrecadação direta da compensação financeira de exploração... p. 133-146

2007

Goiás

1.654.405.022,49

27.190.627,12

1,64%

2006

Goiás

1.098.329.890,34

15.942.343,20

1,45%

2005

Goiás

1.057.101.713,76

15.231.194,62

1,44%

2004

Goiás

1.034.144.893,89

14.314.317,45

1.38%

Total

1.654.405.022,49

27.190.627,12

1,64%

(Fonte: Departamento Nacional de Produção Mineral, Disponível em www.dnpm.gov.br . Acesso em

30.11.2007).

A CFEM é receita pública devida pelas sociedades empresárias mineradoras que

realizam exploração de jazida mineral, bem da União (art.20, IX, CF5), compreendida no

domínio patrimonial do ente federal, sendo garantido às sociedades mineradoras a

propriedade do produto da lavra. Tal compreensão realiza-se justamente a patir da constatação

de que as jazidas, em lavra ou não, e demais recurso minerais constituem propriedade distinta

da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento (art.176, CF), sendo assegurado ao 5Art.20 São bens da União: (...) IX.- os recursos minerais, inclusive, os do subsolo.

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proprietário do solo participação (§2°)6.

Em matéria de exploração de direitos minerários o que se tem é uma concorrência

de participação sendo três espécies de royalties: em primeiro aqueles devidos à União,

Estados e Municípios a título de Compensação Financeira de Exploração Mineral (CFEM),

instituída pela Lei n. 7990/1989, que regulamentou o art.20, §1º, da CF; em segundo, aqueles

devidos a título de participação (sociedade ou associação de interesses) ao titular dos direitos

minerários7; e, terceira espécie de royalities aqueles devidos ao proprietário do solo a título de

participação8 nos termos do art.176, da Constituição Federal.

A fim de apresentar completa justificação dos mecanismos de arrecadação

indicados impende compreender-se a exata natureza jurídica da CFEM.

Por tempos rondou nos Tribunais Superiores e na própria doutrina a indefinição

quanto a natureza jurídica9 da CFEM: participação10, indenização11, preço público ou tributo12. 6 Art.176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem

propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

§1º A pesquisa e a lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais a que se refere o caput deste artigo somente poderão ser efetuados mediante autorização da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas.

§2º É assegurada participação ao proprietário do solo nos resultados da lavra, na forma e no valor que dispuser a lei.§3º A autorização de pesquisa será sempre por prazo determinado, e as autorizações e concessões previstas nesse artigo não

poderão ser cedidas ou transferidas, total ou parcialmente, sem prévia anuência do poder concedente.

7 Cf. BRASIL, Estado de Goiás. Procuradoria Geral do Estado. Parecer PJ n.1232/2008. Contrato de participação exploração mineral- Mina de Cana Brava- SAMA, Procurador Lucas Bevilacqua, de 27/02/2008. Cf. tb. BRASIL, Estado de Goiás. Secretaria da Indústria e Comércio. Parecer PJ n.7154/2007. Contrato de concessão de direitos minerários- METAGO, Procurador Lucas Bevilacqua, de 06/12/2007.

8 Foi inovação da Constituição de 1967 o direito de participação do superficiário no resultado da lavra que a estabeleceu em certo percentual do Imposto Único sobre Minerais, abolindo no mesmo ato o direito de preferência do proprietário para exploração, assegurado nas condições anteriores.

9 Cf. XAVIER, Alberto. Natureza Jurídica e Âmbito de Incidência da CFEM. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 29. São Paulo: Dialética, 2005, p.10-25.

10 PETRY, Rodrigo Caramori. Compensações financeiras, participações e outras cobranças estatais sobre empresas dos setores de mineração, energia, petróleo e gás. Revista Tributária e de Finanças Públicas;RTrib;89;nov.-dez./2009

11 COSTA, Regina Helena. A Natureza jurídica da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. In: Cadernos de Direito Tributário e Finança Públicas n.19, de abril-junho de 1997. São Paulo: RT, 1997, p.151.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário.13ªed. RJ. Renovar, 2004, p.189.

12 CARRAZA, Roque Antonio. Natureza da Compensação Financeira de Exploração Mineral sua manifesta inconstitucionalidade.In: Direito: Programa de Pós-graduação em Direito da PUCSP. São Paulo: Max Limonad, 1995,

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140 Lucas BEVILACQUA, Arrecadação direta da compensação financeira de exploração... p. 133-146

Em função do Estado Fiscal, face financeira do Estado de direito, manter-se

predominantemente da arrecadação de receitas tributárias e considerando todo regime jurídico

tributário vigente, tendência natural que se tinha era categorizar a CFEM como receita

tributária.

Todavia, concluiu-se não tratar-se de tributo “por se qualificar preliminarmente

como uma receita pública típica, autônoma, independente da noção de tributo, assim como da

noção de preço e de indenização” 13. No mesmo sentido sustenta Régis de Oliveira

considerando-a uma receita decorrente de uma “relação jurídica obrigacional formada pela

vontade de contratar com o Poder Público” 14.

O Supremo Tribunal Federal ao decidir acerca da exigibilidade da CFEM

manifestou-se no sentido de que o fato de tratar-se de prestação pecuniária compulsória

instituída por lei não faz da CFEM um tributo sendo, assim, uma receita originária, in verbis:

“EMENTA: Bens da União: (recursos minerais e potenciais hídricos de energia elétrica): participação dos entes federados no produto ou compensação financeira por sua exploração (CF, art. 20, e § 1º): natureza jurídica: constitucionalidade da legislação de regência (L. 7.990/89, arts. 1º e 6º e L. 8.001/90). 1. O tratar-se de prestação pecuniária compulsória instituída por lei não faz necessariamente um tributo da participação nos resultados ou da compensação financeira previstas no art. 20, § 1º, CF, que configuram receita patrimonial. 2. A obrigação instituída na L. 7.990/89, sob o título de „compensação financeira pela exploração de recursos minerais‟ (CFEM) não corresponde ao modelo constitucional respectivo, que não comportaria, como tal, a sua incidência sobre o faturamento da empresa; não obstante, é constitucional, por amoldar-se à alternativa de "participação no produto da exploração" dos aludidos recursos minerais, igualmente prevista no art. 20, § 1º, da Constituição.15

Há também um segundo precedente que indica a natureza de receita pública

p.306.

13 TORRES, Heleno Taveira. A compensação financeira devida na exploração de petróleo e recursos minerais e na geração de energia elétrica. Cadernos de Direito Tributário- RDT, v.74/69, p.74.

14 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Receitas não tributárias (taxas e preços públicos). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 120.

15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário (RE) n. 228.800 ED, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 26/11/2002, DJ 13-12-2002 PP-00072 EMENT VOL-02095-02 PP-00316; AgRg no AgIn 453.025-1/DF, 2.ª T., j. 09.05.2006, v.u., rel. Min. Gilmar Mendes, DJU 09.06.2006;

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originária; o qual veio a justificar, inclusive, a competência fiscalizatória dos Estados. O

Pleno do STF examinou e julgou o MS n. 24.312-1/DF, reafirmando a titularidade estadual,

distrital e municipal sobre as receitas financeiras do art. 20, § 1º, da CF, resultando na

declaração de inconstitucionalidade arts. 1º, inciso XI e 198, inc. III, do RITCU, além do art.

25, parte final, do Decreto n.1, de 11 de janeiro de 1991, que dispunham sobre fiscalização

dos royalties pagos ao Estado do Rio de Janeiro. A decisão restou assim ementada:

“MANDADO DE SEGURANÇA. ATO CONCRETO. CABIMENTO. EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO, XISTO BETUMINOSO E GÁS NATURAL. PARTICIPAÇÃO, EM SEU RESULTADO, DOS ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ART. 20, § 1º. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO PARA A FISCALIZAÇÃO DA APLICAÇÃO DOS RECURSOS ORIUNDOS DESTA EXPLORAÇÃO NO TERRITÓRIO FLUMINENSE. 1 - Não tendo sido atacada lei em tese, mas ato concreto do Tribunal de Contas da União que autoriza a realização de auditorias nos municípios e Estado do Rio de Janeiro, não tem aplicação a Súmula 266 do STF. 2 - Embora os recursos naturais da plataforma continental e os recursos minerais sejam bens da União (CF, art. 20, V e IX), a participação ou compensação aos Estados, Distrito Federal e Municípios no resultado da exploração de petróleo, xisto betuminoso e gás natural são receitas originárias destes últimos entes federativos (CF, art. 20, § 1º). 3 - É inaplicável, ao caso, o disposto no art. 71, VI da Carta Magna que se refere, especificamente, ao repasse efetuado pela União - mediante convênio, acordo ou ajuste - de recursos originariamente federais. 4 - Entendimento original da Relatora, em sentido contrário, abandonado para participar das razões prevalecentes. 5 - Segurança concedida e, ainda, declarada a inconstitucionalidade do arts. 1º, inc. XI e 198, inc. III, ambos do Regimento Interno do Tribunal de Contas da União, além do art. 25, parte final, do Decreto nº 1, de 11 de janeiro de 199116.

No julgamento de mérito do Mandado de Segurança o Min. Nelson Jobim

resgatou a mens legis que, por ocasião da Assembléia Nacional Constituinte, resultou na

edição do art. 20, § 1º, da Constituição; o que revela a autêntica natureza jurídica da CFEM e,

por conseguinte, a legitimidade da pretensão dos Estados:“Em 1988, quando se discutiu a questão do ICMS, o que tínhamos? Houve uma grande discussão na constituinte sobre se o ICMS tinha que ser na origem ou no destino. A decisão foi que o ICMS tinha que ser na origem, ou seja, os estados do Sul continuavam gratuitamente tributando as poupanças consumidas nos estados do Norte e do Nordeste. Aí surgiu um problema envolvendo dois grandes assuntos: energia elétrica – recursos hídricos – e petróleo. Ocorreu o seguinte: os estados onde ficasse sediada a produção de petróleo e a produção de energia elétrica

16BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 24.312, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 19/02/2003, DJ 19-12-2003 PP-00050 EMENT VOL-02137-02 PP-00350.

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acabariam recebendo ICMS incidente sobre o petróleo e a energia elétrica. O que se fez? Participei disso diretamente, lembro-me que era, na época, o Senador Richard quem defendia os interesses do Estado do Paraná e o Senador Almir Gabriel quem defendia os interesses do Estado do Pará, além do Rio de Janeiro e Sergipe, em relação às plataformas de petróleo. Então, qual foi o entendimento político naquela época que deu origem a dois dispositivos na Constituição? Daí por que preciso ler o § 1º do art. 20, em combinação com o inciso X do art. 155, ambos da Constituição. O que se fez? Estabeleceu-se que o ICMS não incidiria sobre operações que destinassem a outros estados – petróleo, inclusive lubrificantes, combustíveis líquidos, gasosos e derivados e energia elétrica -, ou seja, tirou-se da origem a incidência do ICMS. Vejam bem, toda a produção de petróleo realizada no Estado do Rio de Janeiro, ou toda a produção de energia elétrica, no Paraná e no Pará, eram decorrentes de investimento da União, porque o monopólio era da União. Toda a arrecadação do País contribuiu para aquela produção.Assim, decidiu-se da seguinte forma: tira-se o ICMS da origem e se dá aos estados uma compensação financeira pela perda dessa receita. Aí, criou-se o § 1º do art. 20, dizendo:Art. 20. São bens da União:§ 1º. É assegurado, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União,‟ - já se falava na possibilidade de criação das agências que poderiam ser financiadas em face da autonomia financeira – „participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica‟ – leia-se ITAIPU, que estava na base da discussão no Paraná – „e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva,‟ - que eram as plataformas de petróleo de Sergipe – „ou compensação financeira para essa exploração‟.”Então, Ministra Ellen, estou tentando recompor a questão histórica, com isso, estou entendendo que não é uma receita da União que liberalmente está dando, por convênio, ao Estado; é uma receita originária dos Estados, face à compensação financeira da exploração em seu território de um bem, de um produto sobre o qual não incide o ICMS. Essa a origem do problema17.

Do registro histórico tem-se, portanto, que a CFEM constitui-se em receita

pública patrimonial com previsão constitucional (art.20, § 1°) que veio a ser instituída por

meio da Lei n. 8001/1990, por sua vez, regulamentada pelo Decreto n. 01/1991, que prevê

alíquotas variáveis (0,2 a 3%), a depender do minério, incidentes sobre o faturamento líquido

em decorrência da venda do produto beneficiado18.

Consectário do pressuposto do Estado Federal no qual vigora um sistema de

repartição constitucional de receitas tem-se que a Lei n. 7.990/1989 prevê que o produto da 17BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 24.312, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Voto Min. Nelson Jobim. Tribunal Pleno, julgado em 19/02/2003, DJ 19-12-2003 PP-00050 EMENT VOL-02137-02 PP-00350.

18Pedras preciosas, pedras coradas lapidáveis, carbonados e metais nobres: 0,2%; Ouro (quando extraído por empresas mineradoras, isentos os garimpeiros): 1%; Ferro, fertilizante, carvão e demais substâncias minerais (inclusive água): 2%; Minério de alumínio, manganês, sal-gema e potássio: 3%.

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arrecadação da CFEM é repartido entre os Municípios, a quem pertencerão 65%, aos Estados

23% e à União 12%. A União, por sua vez, destina 10% ao Departamento Nacional de

Produção Mineral (DNPM) e ao Instituto Brasileiro de Meio Ambientes (IBAMA) e 2% ao

Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT).

Considerando-se a natureza jurídica da aludida receita pública, a própria Lei n.

7.990/1989 veda aos entes federativos o dispêndio dos recursos auferidos no pagamento de

despesas com pessoal e no pagamento de dívidas, “salvo para com a União e suas entidades”;

ressalva essa establecida pela Lei n. 10.195/01. Isto é, já em um ambiente de austeridade

fiscal aos entes federados instaldo pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n.

101, de 05 de maio de 2000); o que que está a violar flagrantemente a forma federativa do

Estado- fundamento da instituição da CFEM.

A forma federativa de Estado tem como um de seus pressupostos de existência a

autonimia política, que, por sua vez, está a indicar a autonomia legislativa e administravia, o

que está a contemplar a prerrogativa dos Estados e Municípios mineradores na gestão das

receitas oriundas da CFEM19.

Oportuno registrar que os Estados gozam também de competência para legislar

sobre direito financeiro (art.24, I, CF)- competência concorrente, e, ainda, de competência

para “registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de

recursos hídicos e minerais em seus terrritórios” (art.23, XI, CF)- competência comum.

Neste contexto de repartição de competências tem-se que tanto a União quanto os

Estados e Municípios encontram-se aptos a efetuar registros das concessões concedidas pela

União, que efetua a outorga através da autarquia federal do DNPM. De acordo com Régis de

Oliveira20 os Estados possuem competência plena para fiscalizar tais atos, uma vez que são co-

participantes dos recursos daí advindos.

O que se tem, antes mesmo do poder de fiscalização, é um dever-poder21 dos 19 SILVA, Sandra Maria do Couto. Royalties: competência dos Estados para arrecadação, fiscalização, cobrança e gestão à

luz do Direito Financeiro. In: Anais do XXX Congresso Nacional de Procuradores do Estados e Distrito Federal, Maceió, 2004

20 OLIVEIRA, Régis de. Manual de Direito Financeiro. São Paulo: RT, 2008, p.124.

21 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Direito Administrativo. 17ªed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.17.

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Estados e Municípios na fiscalização da exploração em seus territórios sendo, inclusive,

legitimados a propositura de ações judiciais a exigir o recolhimento da CFEM, nos termos

legais, nada impedindo, nas palavras de Régis de Oliveira22, que “o concessionário da lavra

possa efetuar pagamentos diretamente à entidade beneficiária, independentemente de proceder

a recolhimento de royalties através da entidade que a intituiu.”

Pioneiramente os Estados do Amazonas, Pará e do Sergipe editaram as Leis n.

2.781, 6.710/2005 e 5.884/2006, respectivamente, a dispor acerca do acompanhamento e

fiscalização da exploração de recursos hídricos, minerais e das receitas não-tributárias geradas

pelas respectivas explorações referentes às parcelas que lhes são devidas (23% da CFEM)

estabelecendo obrigações principais e acessórias no interesse da arrecadação.

Ainda no que se refere à fiscalização tem-se que somente a partir do ano de 2003

o Departamento Nacional de Produção Mineral, autarquia federal criada pela Lei n.8.876, 02

de maio de 1994, responsável pela concessão dos direitos minerários e arrecadação da CFEM

(fenômeno da parafiscalidade), estruturou seu setor de arrecadação verificando em muitas das

cadeias produtivas um recolhimento a menor justamente a partir da fixação da exata base de

cálculo (faturamento líquido)23.

Diante do exposto, conclui-se que os Estados possuem competência para proceder

a arrecadação direta dos royalties oriundos da CFEM ao que o Estado de Goiás corrobora a

defesa da constitucionalidade da lei baiana que prevê arrecadação direta da CFEM naquele

22Cf. Régis de Oliveira, ob. cit. (Nota 12), p.xx.

23ADMINISTRATIVO. COMPENSAÇÃO FINANCEIRA PARA A EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS - CFEM. CRITÉRIOS DE CÁLCULO. LEI 7.7990/89, LEI 8.001/90 E DECRETO 01/91. INSTRUÇÕES NORMATIVAS 6, 7 E 8/2000 DO DIRETOR-GERAL DO DNPM.1. Não pode ser conhecido o recurso quanto à matéria relativa à Instrução Normativa nº 7/2000, por não indicar adequadamente a questão controvertida, com informações sobre o modo como teria ocorrido violação ao dispositivo de lei federal (Súmula 284/STF).2. Ao estabelecer a base de cálculo da "contribuição financeira para a exploração de recursos minerais - CFEM", o legislador adotou como parâmetro o faturamento líquido correspondente às "receitas de venda do produto mineral". Nos termos do art. 2º da Lei nº 8.001/90 e do art. 14, II, do Decreto nº 1/91, a CFEM corresponde a 3% das receitas de vendas do produto mineral, excluídos os tributos incidentes sobre a comercialização, bem como as despesas de transporte e de seguro do produto mineral.3. São legítimas as disposições da Instrução Normativa nº 8/2000, que, ao regulamentar a forma de fiscalização do recolhimento da CFEM, não extrapolou os limites e a competência fixados pelo legislador (Lei nº 8.876/94, art. 3º, IX; Lei nº 7.805/89, art. 9º, § 2º).4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.(REsp n. 756.530/DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, 1ª turma, julgado em 12/06/2007, DJ 21/06/2007, p. 280)

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Estado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto e que se requer a esse Excelso Pretório:

a) o ingresso do Estado de Goiás na condição de amicus curiae;

b) vistas dos autos pelo prazo de 5 dias a fim de propiciar efetivo

conhecimento de todos documentos constantes dos autos;

c) ao final, após a instrução que eventualmente se fizer necessária, que

essa Suprema Corte declare a improcedência da ação.

Nestes termos Pede deferimento.

Brasília, 09 de abril de 2012.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Direito Administrativo. 17 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.BRASIL. Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). Instrução Normativa n.06 de 09 de junho de 2000.BRASIL. Estado da Bahia. Lei estadual n. 10.850, de 06 de dezembro de 2007.BRASIL. Senado Federal. Lei ordinária federal n. 9.868, de 10 de novembro de 1999.BRASIL, Senado Federal. Lei ordinária federal n.8.876, 02 de maio de 1994.BRASIL, Senado Federal. Lei ordinária federal n. 7.990, de 29 de dezembro de 1989.BRASIL, Senado Federal. Lei ordinária federal n. 8.001, de 14 de março de 1990.

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146 Lucas BEVILACQUA, Arrecadação direta da compensação financeira de exploração... p. 133-146

BRASIL, Senado Federal. Lei complementar n.101, de 04 de maio de 2000.BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. REsp 756530/DF, Rel. Ministro Teori Albino Zavaski, Primeira Turma, julgado em 12/06/2007, DJ 21/06/2007, p. 280.BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta da Inconstitucionalidade n. 4606, rel. Min. Teori Zavaski.BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 453.025-1/DF, 2.ª T., j. 09.05.2006, v.u., rel. Min. Gilmar Mendes, DJU 09.06.2006.BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário (RE) n. 228.800 ED, Relator(a): Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, julgado em 26/11/2002, DJ 13-12-2002 PP-00072 EMENT VOL-02095-02 PP-00316.BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança (MS) n. 24.312, Relator(a): Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 19/02/2003, DJ 19-12-2003 PP-00050 EMENT VOL-02137-02 PP-00350.BRASIL, Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Processo n. 872207. Parecer Cons. Cláudio Couto Trinchão. Balanço Geral do Estado de Minas Gerais, Responsável: Antônio Augusto Junho Anastasia, Exercício Financeiro: 2011. Belo Horizonte, 28 de junho de 2012.BRASIL, Departamento Nacional de Produção Mineral. Relatório Minerário. Disponível em www.dnpm.gov.br . Acesso em 30.11.2007.CARRAZA, Roque Antonio. Natureza da Compensação Financeira de Exploração Mineral sua manifesta inconstitucionalidade. São Paulo. Max Limonad, 1995.LOBO TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.OLIVEIRA, Régis de. Manual de Direito Financeiro. São Paulo: RT, 2008.______. Receitas não tributárias (taxas e preços públicos). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.PETRY, Rodrigo Caramori. Compensações financeiras, participações e outras cobranças estatais sobre empresas dos setores de mineração, energia, petróleo e gás. Revista Tributária e de Finanças Públicas;RTrib;89;nov.-dez./2009.COSTA, Regina Helena. A Natureza jurídica da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. In: Cadernos de Direito Tributário e Finança Públicas n.19, de abril-junho de 1997. São Paulo: RT, 1997.SILVA, Sandra Maria do Couto. Royalties: competência dos Estados para arrecadação, fiscalização, cobrança e gestão à luz do Direito Financeiro. In: Anais do XXX Congresso Nacional de Procuradores do Estados e Distrito Federal, Maceió, 2004.TORRES, Heleno Taveira. A compensação financeira devida na exploração de petróleo e recursos minerais e na geração de energia elétrica. Cadernos de Direito Tributário- RDT, v.74/69.XAVIER, Alberto. Natureza Jurídica e Âmbito de Incidência da CFEM. Revista Dialética de Direito Tributário. n. 29. São Paulo: Dialética, 2005.

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Notas e informações

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Formatação

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2. Espaçamento entre linhas: 1,5 cm;

3. Tamanho do texto: mínimo de 15 e máximo 30 laudas;

4. Fonte: Times New Roman, normal, tamanho 12 (corpo de texto e bibliografia); tamanho 09

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5. Margens: superior e esquerda, 3 cm, inferior e direita. 2 cm;

6. Alinhamento: justificado;

7. Título do trabalho em negrito, CAIXA ALTA, corpo tamanho 14, Times New Roman;

8. Primeira linha de cada parágrafo com espaçamento de 2 cm em relação à margem esquerda;

9. Citações de identificação em formato Chicago (AUTOR: ano; página) ou em nota de

rodapé com: autoria, obra (itálico), data e página;

10. Citações bibliográfica curtas ficarão entre aspas duplas no corpo do texto. As longas, que

ocupem mais de 3 linhas, deverão ser destacadas do texto, recuadas a 4 cm da margem

esquerda, espaçamento entrelinhas simples, sem aspas (entre aspas simples em se tratando de

citação de citação), seguidas do sobrenome do autor, ano de publicação e página do texto

citado, colocados entre parênteses e separados, na sequência, por vírgula e dois pontos ou

indicação da fonte em nota de rodapé bibliográfica (vide item 9);

11. Notas explicativas deverão ser apresentadas no rodapé ou no final do texto, em uma lista

numerada sequencialmente, antes da apresentação das referências bibliográficas, sendo

apresentada com algarismos arábicos em exponência sequencial, colocada após a pontuação

quando seguir alguma citação;

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12 - Indicação de caracteres em negrito só no título de abertura e subtítulos;

13 - Uso de itálico para termos estrangeiros e títulos de livros e periódicos, bem como todo

destaque que o autor do artigo queira dar a alguma parte do texto;

Sequência de apresentação

1. Título na língua original ;

2. Título em Inglês;

3. Resumo (100 a 250 palavras);

4. Palavras-chave (máximo 05 palavras);

5. Resumo em inglês (abstract);

6. Palavras-chave em inglês (key-words);

7. Texto;

8. Referências bibliográficas (ABNT NBR-6023);

9. Caso o artigo tenha sido apresentado anteriormente em eventos públicos (congressos,

sminários etc.) deverá ser feita referência ao evento no início do mesmo.

Informações complementares

1. Os textos devem ser enviados em língua portuguesa.

2. Utilização de notas de identificação, explicativas e bibliográficas de rodapé.

3. A seleção dos artigos será feita pelo Conselho Editorial; os resultados serão divulgados no

portal eletrônico da revista.

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garantindo dessa forma o sigilo dos avaliadores e dos avaliados no sistema de avaliação

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Procuradoria Geral do Estado de GoiásCejur - 2012