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'' Rev Saúde Pública 2006;40(1):99-106 www.fsp.usp.br/rsp Situação do indivíduo no mercado de trabalho e iniqüidade em saúde no Brasil The individual’s status in the labor market and health inequity in Brazil Luana Giatti e Sandhi Maria Barreto Programa Pós-Graduação de Saúde Pública. Faculdade Medicina. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG, Brasil Recebido em 10/2/2005. Aprovado em 25/7/2005. Correspondência/ Correspondence: Luana Giatti Rua Antônio Dias, 339/03 31130-150 Belo Horizonte, MG, Brasil E-mail: [email protected] Descritores Trabalho, emprego. Desemprego. Força de trabalho. Iniqüidade na saúde. Keywords Work, employment. Unemployment. Labor force. Health inequity. Resumo Objetivo Investigar as desigualdades na condição de saúde pessoal e na utilização de serviços de saúde em relação à situação do indivíduo no mercado de trabalho. Métodos Foram estudados 39.925 homens de 15 a 64 anos de idade residentes em 10 regiões metropolitanas brasileiras, participantes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 1998. Eles foram classificados como trabalhadores formais, informais, desempregados ou fora do mercado de trabalho. Os demais trabalhadores foram comparados aos trabalhadores formais em relação às características sociodemográficas, indicadores de saúde e de utilização de serviços de saúde. A análise incluiu o qui- quadrado de Pearson e associação independente entre situação no mercado de trabalho e indicadores de saúde e utilização de serviços de saúde foi feita por meio de regressão logística multinomial. Resultados Dos participantes do estudo, 52,2% eram trabalhadores formais, 27,7% informais, 10% desempregados e 10,2% estavam fora do mercado de trabalho. Foram identificadas diferenças significativas relativas à idade, escolaridade, renda domiciliar, posição no domicílio e região de residência. O desemprego, o trabalho informal e, sobretudo, a exclusão do mercado de trabalho estiveram associados à pior condição de saúde entre adultos brasileiros, independentemente das características sociodemográficas. Conclusões A situação do indivíduo no mercado de trabalho expressa um gradiente de desigualdade nas condições de saúde. Os achados reforçam que a situação do indivíduo no mercado de trabalho também deve ser considerada nos estudos das desigualdades em saúde. Abstract Objective To investigate inequalities in personal health conditions and in the utilization of healthcare services according in relation to the individual’s status in the labor market. Methods This study was based on 39,925 males aged 15 to 64 years living in 10 Brazilian metropolitan regions, who took part in the 1998 National Household Survey. They were classified as formal labor, informal labor, unemployed or outside of the labor

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  • Situao do indivduo no mercado de trabalhoe iniqidade em sade no BrasilThe individuals status in the labor market andhealth inequity in Brazil

    Luana Giatti e Sandhi Maria Barreto

    Programa Ps-Graduao de Sade Pblica. Faculdade Medicina. Universidade Federal de MinasGerais. Belo Horizonte, MG, Brasil

    Recebido em 10/2/2005. Aprovado em 25/7/2005.Correspondncia/ Correspondence:Luana GiattiRua Antnio Dias, 339/0331130-150 Belo Horizonte, MG, BrasilE-mail: [email protected]

    DescritoresTrabalho, emprego. Desemprego.Fora de trabalho. Iniqidade na sade.

    KeywordsWork, employment. Unemployment.Labor force. Health inequity.

    Resumo

    ObjetivoInvestigar as desigualdades na condio de sade pessoal e na utilizao de serviosde sade em relao situao do indivduo no mercado de trabalho.MtodosForam estudados 39.925 homens de 15 a 64 anos de idade residentes em 10 regiesmetropolitanas brasileiras, participantes da Pesquisa Nacional por Amostra deDomiclios de 1998. Eles foram classificados como trabalhadores formais, informais,desempregados ou fora do mercado de trabalho. Os demais trabalhadores foramcomparados aos trabalhadores formais em relao s caractersticas sociodemogrficas,indicadores de sade e de utilizao de servios de sade. A anlise incluiu o qui-quadrado de Pearson e associao independente entre situao no mercado de trabalhoe indicadores de sade e utilizao de servios de sade foi feita por meio de regressologstica multinomial.ResultadosDos participantes do estudo, 52,2% eram trabalhadores formais, 27,7% informais,10% desempregados e 10,2% estavam fora do mercado de trabalho. Foram identificadasdiferenas significativas relativas idade, escolaridade, renda domiciliar, posio nodomiclio e regio de residncia. O desemprego, o trabalho informal e, sobretudo, aexcluso do mercado de trabalho estiveram associados pior condio de sade entreadultos brasileiros, independentemente das caractersticas sociodemogrficas.ConclusesA situao do indivduo no mercado de trabalho expressa um gradiente de desigualdadenas condies de sade. Os achados reforam que a situao do indivduo no mercadode trabalho tambm deve ser considerada nos estudos das desigualdades em sade.

    Abstract

    ObjectiveTo investigate inequalities in personal health conditions and in the utilization ofhealthcare services according in relation to the individuals status in the labor market.MethodsThis study was based on 39,925 males aged 15 to 64 years living in 10 Brazilianmetropolitan regions, who took part in the 1998 National Household Survey. Theywere classified as formal labor, informal labor, unemployed or outside of the labor

  • Situao no mercado de trabalho e sadeGiatti L & Barreto SM

    INTRODUO

    No Brasil, a partir da dcada de 90, a reestrutura-o produtiva introduziu mudanas profundas nabase tcnica e organizacional da produo.5 A flexi-bilizao das estruturas produtivas, da organizaoe diviso social do trabalho, definiu intensas modi-ficaes na natureza, significado e contedo do tra-balho. Com a nova configurao do trabalho, a ga-rantia de direitos sociais reservada a um ncleorestrito de trabalhadores, proliferam contratos pre-crios e aumenta o desemprego.

    O desemprego provavelmente o principal fator queleva excluso social.13 Os trabalhadores excludosda economia formal so forados a ganhar a vida emocupaes precrias ou, aps muito tempo sem traba-lho, so atingidos pela excluso, numa escala descen-dente entre incluso, incluso precria e excluso.Desse modo, pode-se afirmar que a excluso do traba-lho mais ampla14 e suas vtimas esto, provavelmen-te, excludas da maioria das outras redes sociais e inse-ridas numa trajetria de vulnerabilizao.

    Estudos mostram a importncia central das condi-es socioeconmicas na determinao dos padresde morbi-mortalidade das populaes, com associa-o positiva entre nvel socioeconmico e melhorcondio de sade.8 Diferentes medidas so utiliza-das para estimar a extenso e magnitude das associ-aes entre desigualdades socioeconmicas e sa-de: renda, escolaridade, classe social, alm de vari-veis compostas. A classe social baseada na ocupa-

    market. Each category was compared with formal labor regarding sociodemographiccharacteristics, health status indicators and healthcare utilization. This analysis wasby means of Pearsons Chi-square test. Multinomial logistic regression was used toinvestigate independent associations between labor market status, health statusindicators and healthcare utilization.ResultsThe classification of the participants status was that 52.2% were formal labor,27.7% informal labor, 10% unemployed and 10.2% were outside of the labormarket. There were significant differences between these categories with respect toage, schooling, household income, household status and region of residence.Independent of the sociodemographic characteristics, unemployment, informal laborstatus and, especially, exclusion from the labor market remained associated withpoor health status.ConclusionsThe individuals status in the labor market is expressed through a gradient of inequalityin health conditions. These findings reinforce the need to also consider the individualsstatus in the labor market in studies on healthcare inequalities.

    o, mais utilizada no Reino Unido, identifica umgradiente entre classe social e sade.3 O employ-ment grade um marcador para sade cuja influn-cia vai alm do local de trabalho.4 Marmot10 obser-vou que trabalhadores menos qualificados apresen-tavam maior prevalncia de doenas cardiovas-culares, pior percepo da prpria sade e diferen-ciais relativos a hbitos de vida, atividades sociaise caractersticas do trabalho, sugerindo uma aglo-merao de potenciais fatores de risco. Entretanto,esses citados estudos no incluem os indivduos semtrabalho. A importncia de incluir os indivduos sememprego nessas anlises reconhecida em diversosestudos,9 seja pelo crescente contingente de desem-pregados ou porque influenciam a magnitude dosdiferenciais encontrados.

    No Brasil, raramente a situao de emprego/desem-prego utilizada nas investigaes das iniqidadesem sade. Assim, o presente estudo teve por objetivoinvestigar as desigualdades na condio pessoal desade e na utilizao de servios de sade em relao situao do indivduo no mercado de trabalho.

    MTODOS

    Foram utilizados dados da Pesquisa Nacional porAmostra de Domiclios (PNAD) realizada em 1998. APNAD foi conduzida no perodo de 20 a 26 de setem-bro do ano de 1998, pela Fundao Instituto Brasi-leiro de Geografia e Estatstica (IBGE). um inquri-to populacional de mbito nacional, representativoda populao.7

  • Situao no mercado de trabalho e sadeGiatti L & Barreto SM

    Foram includos no estudo 39.925 homens residen-tes nas regies metropolitanas de Belm, Fortaleza,Recife, Salvador, Belo Horizonte, So Paulo, Rio deJaneiro, Curitiba, Porto Alegre e Distrito Federal, comidade entre 15 e 64 anos.

    A varivel dependente foi a situao no mercadode trabalho, composta por quatro categorias indepen-dentes: trabalho formal (trabalhava com carteira assi-nada e/ou contribuio previdenciria); trabalho in-formal (trabalhava sem carteira assinada e sem con-tribuio previdenciria); desempregado (no traba-lhava e procurou por trabalho); fora do mercado detrabalho (no trabalhava e no procurou por traba-lho). Para essa classificao foram utilizadas as vari-veis relativas condio de atividade (economica-mente ativa ou no), de ocupao (ocupada ou no),carteira de trabalho assinada (sim ou no), contribui-o previdenciria (sim ou no). Funcionrios pbli-cos e militares foram considerados trabalhadores for-mais. Os estudantes que no trabalhavam ou no pro-curavam por trabalho foram excludos da anlise.

    As caractersticas sociodemogrficas estudadas fo-ram idade (15-24, 25-34, 35-44, 45-54, 55-64 anos),escolaridade em anos de estudo (0-3, 4-7, 8-10, 11+anos), renda domiciliar per capita obtida pela rendadomiciliar dividida pelo nmero de moradores e agru-pada em quintis, condio no domiclio (pessoa dereferncia, sim ou no) e regio metropolitana (RM)de residncia. Essas regies foram agregadas segun-do as macro-regies de residncia: Sudeste (RM deSo Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte) Sul (RMde Curitiba e Porto Alegre), Nordeste (RM de Fortale-za, Recife e Salvador) Norte (RM de Belm) e a RMdo Distrito Federal.

    Os indicadores de sade utilizados foram: percep-o da prpria sade, afastamento de quaisquer dasatividades habituais nas ltimas duas semanas, terestado acamado nas ltimas duas semanas e relato dedoena crnica. A percepo da prpria sade foiobtida pela pergunta De um modo geral consideraseu prprio estado de sade como, cujas respostasforam agrupadas em trs estratos: muito bom/bom,regular e ruim/muito ruim. Foi considerado, tambm,um ltimo estrato (outra informante) na construoda varivel, quando esta informao no foi obtidado prprio indivduo. Isto foi feito devido aos aspec-tos subjetivos envolvidos na percepo da prpriasade, que s podem ser apreendidos nos casos emque o prprio indivduo responde a entrevista. Afas-tamento de quaisquer das atividades habituais nasltimas duas semanas (sim ou no) foi obtida por meioda pergunta Nas duas ltimas semanas deixou derealizar quaisquer de suas atividades habituais por

    motivo de sade? e ter estado acamado nas ltimasduas semanas (sim ou no) pela questo Nas duasltimas semanas esteve acamado?. A varivel relatode doena crnica foi constituda a partir do relato deuma ou mais das seguintes condies: artrite ou reu-matismo, cncer, diabetes, bronquite ou asma, hiper-tenso, doena do corao, doena renal crnica ecirrose, transformadas em uma nica variveldicotmica, presena ou ausncia de doena crnica.A utilizao dos servios de sade foi estudada pelasseguintes variveis: consulta mdica, obtida pelapergunta Qual foi o principal atendimento de sadeque recebeu?; nmero de consultas mdicas feitasno ltimo ano: Quantas vezes foi ao mdico nosltimos doze meses?; e nmero de internaes hos-pitalares, feitas no ltimo ano: Nos ltimos 12 me-ses, quantas vezes esteve internado?. A coberturapor plano privado de sade (sim ou no) tambm foicontemplada.

    A associao entre a situao no mercado de traba-lho e as caractersticas sociodemogrficas, os indica-dores de sade, de utilizao dos servios de sadefoi medida pelo teste do qui-quadrado de Pearson, doodds ratio bruto e seu intervalo de confiana.

    Como a varivel dependente tem trs nveis, a re-gresso logstica multinomial foi utilizada para in-vestigar a associao independente entre a situaono mercado de trabalho e cada um dos indicadores desade e de utilizao dos servios de sade includosno estudo. A categoria de referncia na anlise foi otrabalho formal. Na anlise multivariada cada vari-vel de interesse foi ajustada pela idade, escolaridade,renda domiciliar per capita, pessoa de referncia nodomiclio, macro regio de residncia, ser aposenta-do e respondente prximo. A varivel percepo daprpria sade no foi ajustada pelo respondente pr-ximo. Os indicadores de utilizao de servios foramajustados por plano de sade e todos os demaislistados acima.

    O programa Stata foi usado para a anlise dos da-dos. Foi criada uma varivel, seguindo algoritmofornecido pela FIBGE, para corrigir o efeito do de-senho amostral. A incorporao dessa varivel naanlise permite obter estimativas aproximadas maiscorretas do erro-padro, uma vez que este influen-ciado tambm pela conglomerao das unidades eestratificao derivadas do desenho amostral de ml-tiplos estgios da PNAD.

    RESULTADOS

    A distribuio proporcional de acordo com a situa-o no mercado de trabalho mostrou que 52,2% dos

  • Situao no mercado de trabalho e sadeGiatti L & Barreto SM

    homens de 15 a 64 anos que residiam nas regies me-tropolitanas brasileiras em 1998, foram classificadoscomo trabalhadores formais, 27,7% como trabalhado-res informais, 10% como desempregados e 10,2 eramindivduos que estavam fora do mercado de trabalho.

    Entre os trabalhadores formais, a minoria era deindivduos acima de 55 anos, a maioria com 11 anosou mais de estudo e maior concentrao nos estratosde rendimento domiciliar mais alto. Os trabalhadoresinformais eram maioria entre os mais jovens e entreos que tinham de quatro a sete anos de estudos. Entreos desempregados a maioria eram indivduos maisjovens, menor percentual com 11 anos ou mais deestudo, e indivduos que eram referncias do domic-lio e no grupo de maior renda domiciliar. Entre osque estavam fora do mercado de trabalho, a maioriaeram indivduos mais idosos e com zero a trs anosde estudo (Tabela 1).

    A partir da anlise univariada, os trabalhadores for-mais foram comparados com os demais, em relao scaractersticas sociodemogrficas. Os trabalhadoresinformais eram mais jovens, tinham menor escolari-dade, menor probabilidade de ser pessoa de refern-cia no domiclio e menor renda domiciliar per capita.Os desempregados tambm eram mais jovens, tinhammenor escolaridade, menor renda domiciliar percapita, eram referncia domiciliar com menor freqn-cia e moravam, mais freqentemente, na regio Nor-deste do Pas. Os que estavam fora mercado de traba-lho eram mais velhos, apresentavam menor escolari-

    dade, menor renda domiciliar per capita, tinha me-nor probabilidade de ser referncia domiciliar e demorar na regio Sul do Pas (Tabela 2).

    Em relao aos indicadores de sade, os maiorespercentuais de indicadores de pior condio de sa-de, assim como os de maior utilizao de servios desade foram observados entre os indivduos que es-tavam fora do mercado de trabalho (Tabela 3).

    A Tabela 4 mostra os resultados da anlise entresituao no mercado de trabalho e indicadores desade e de uso de servios de sade aps ajustamentopor idade, escolaridade, renda domiciliar per capita,pessoa de referncia no domiclio, regio de residn-cia, ser ou no aposentado, e respondente prximo,alm de plano de sade para os indicadores de utili-zao de servios.

    Os resultados mostraram que em relao aos traba-lhadores formais, os informais apresentaram pior per-cepo da prpria sade, estiveram mais acamados nosltimos 15 dias e ao mesmo tempo realizaram menosconsulta mdica nos ltimos 15 dias e no ltimo ano.E era menos freqente a posse de plano de sade.

    Os desempregados, tambm informaram pior per-cepo de sade, estiveram mais acamados nos lti-mos 15 dias, relataram mais doenas crnicas do queos trabalhadores formais. A filiao a plano privadode sade tambm foi menos freqente entre os de-sempregados.

    Tabela 1 - Distribuio proporcional da populao masculina entre 15 e 64 anos de idade, residente em regies metropolitanasde acordo com a situao no mercado de trabalho e caractersticas sociodemogrficas. Brasil, 1998.

    Variveis Situao no mercado de trabalhoFormal Informal Desempregado Fora do mercado

    (N=20.135) (N=11.865) (N=3.814) (N=4.111)

    Idade em anos p

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    J os que estavam fora do mercado de trabalho,relataram pior percepo de sade, maior afastamen-to das atividades habituais nos ltimos 15 dias, esti-veram mais acamados e relataram mais doenas cr-nicas do que os trabalhadores formais. Da mesma for-ma, tinham menor cobertura por plano privado desade, consultaram o mdico com maior freqncianos ltimos 15 dias e no ltimo ano e internarammais e em maior nmero no ltimo ano.

    DISCUSSO

    As desigualdades em sade tm sido estudadas sobduas formas. A primeira relativa probabilidade deficar doente, que reflete a distribuio desigual dosdeterminantes sociais, culturais e ambientais das do-enas. A segunda, refere-se ao acesso diferenciadodos diversos grupos sociais aos servios e aos cuida-dos de sade.1

    No presente estudo, a situao no mercado de tra-balho est associada s condies de sade e utili-zao de servios de sade. Os trabalhadores for-mais apresentaram os melhores indicadores de sa-de. Os indivduos que estavam fora do mercadomostraram piores condies de sade e maior utili-zao dos servios de sade, provavelmente por se-rem mais doentes. Por outro lado, os trabalhadoresinformais, apesar de terem estado mais acamadosnos ltimos 15 dias do que os formais, relatarammenor uso de servios, indicando diferencial de aces-so aos cuidados de sade. Os desempregados esti-

    veram mais acamados, relataram mais doenas cr-nicas, mas tambm no apresentaram diferenciaisrelativos ao uso de servios. Pode-se afirmar que hum gradiente na associao entre situao no mer-cado de trabalho e indicadores de sade e de utili-zao de servios de sade, cujos extremos so ocu-pados pelos trabalhadores formais e pelos que estofora do mercado de trabalho.

    Os trabalhadores informais, os desempregados e osindivduos que estavam fora do mercado de trabalhoavaliaram mais freqentemente a prpria sade comoregular ou ruim. A percepo da sade um indica-dor subjetivo, mas estudos a apontaram associadaconsistentemente a maior utilizao de servios desade,11 internaes hospitalares6 e mortalidade.15

    Entretanto, um percentual importante (67%) dos par-ticipantes no respondeu diretamente a esta pergun-ta, o que pode ter influenciado os resultados, mas no possvel estimar em que direo.

    A situao no mercado de trabalho expressa ou-tras faces das desigualdades sociais. Os trabalhado-res formais tinham maior grau de escolaridade, indi-cando maior qualificao profissional, e viviam emdomiclios com renda per capita mais elevada. Ou-tro aspecto so os extremos das faixas etrias estu-dadas. Assim como outros estudos12 j identifica-ram, os mais jovens apresentaram as maiores proba-bilidades de desemprego, mostrando o difcil aces-so destes ao mercado de trabalho nas regies metro-politanas brasileiras. Por outro lado, os que estavam

    Tabela 2 - Caractersticas sociodemogrficas associadas com a situao no mercado de trabalho na populao masculinaentre 15 e 64 anos, Brasil-1998 (categoria de referncia = trabalho formal).

    Variveis Situao no mercado de trabalhoInformal Desempregado Fora do mercado

    OR (IC 95%) OR (IC 95%) OR (IC 95%)

    Idade em anos15-24 1,00 1,00 1,0025-34 0,55 (0,51-0,60) 0,27 (0,25-0,31) 0,35 (0,30-0,40)35-44 0,53 (0,49-0,57) 0,20 (0,18-0,22) 0,36 (0,31-0,41)45-54 0,59 (0,54-0,64) 0,22 (0,19-0,26) 1,14 (1,00-1,29)55-64 0,94 (0,84- 1,05) 0,22 (0,17-0,27) 5,11 (4,50-5,80)

    Escolaridade em anos0-3 1,00 1,00 1,004-7 0,73 (0,67-0,79) 1,04 (0,91-1,19) 0,54 (0,49-0,60)8-10 0,46 (0,42-0,50) 0,96 (0,84-1,10) 0,29 (0,25-0,33)11 0,26 (0,24-0,29) 0,36 (0,31-0,41) 0,20 (0,18-0,23)

    Pessoa de referncia da famliaSim 1,00 1,00 1,00No 1,51 (1,42-1,60) 4,44 (4,06-4,86) 1,53 (1,41-1,66)

    Renda domiciliar per capita (em R$)78,89 1,00 1,00 1,0078,89 | 150,00 0,76 (0,70-0,83) 0,41 (0,36-0,46) 0,55 (0,49-0,61)150,00 | 255,00 0,55 (0,51-0,61) 0,23 (0,20-0,26) 0,41 (0,37-0,47)255,00 | 500,00 0,44 (0,42-0,50) 0,16 (0,14-0,18) 0,32 (0,28-0,36)500,00 0,35 (0,32-0,38) 0,07 (0,06-0,09) 0,26 (0,23-0,30)

    Regio de residnciaSudeste 1,00 1,00 1,00Sul 1,13 (1,03-1,24) 0,81 (0,70-0,94) 0,68 (0,59-0,80)Nordeste 1,75 (1,65-1,86) 1,42 (1,30-1,55) 1,45 (1,34-1,58)Norte 2,43 (2,17-2,72) 1,05 (0,86-1,28) 1,58 (1,33-1,87)Distrito federal 1,15 (1,04-1,27) 0,91 (0,79-1,06) 0,95 (0,82-1,10)

    OR (IC 95%): Odds ratio (Intervalo de Confiana de 95%).

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    fora do mercado de trabalho eram mais velhos e comodiscutido anteriormente, este grupo apresentou pio-res condies de sade, independentemente da ida-de, portanto mais vulnerveis a excluso do merca-do de trabalho.

    As categorias relativas situao no mercado detrabalho utilizadas na presente anlise, no constitu-em grupos internamente homogneos. Assim, perma-nece a necessidade de investigar caractersticas, comojornada, local de trabalho e ocupao e como elas sediferenciam entre trabalhadores formais e informais.Tambm necessrio investigar a relao entre situa-o no mercado de trabalho e sade entre as mulhe-res. A participao no mercado de trabalho se d comuma ntida desvantagem de gnero, as mulheres tmocupaes mais precrias do que as dos homens ecom menores rendimentos,12 alm de estarem subme-tidas dupla carga de trabalho (domstico).

    Por ser um estudo transversal, a exposio aos fa-tores de risco e o evento de interesse so determina-dos simultaneamente, no sendo possvel estabele-cer uma relao temporal. Outra limitao dos estu-dos baseados em inquritos a mortalidade diferen-cial, os indivduos com piores condies de vida esade tendem a morrer mais cedo. Entretanto, o efeitodo vis de sobrevivncia torna as estimativas maisconservadoras. Numa coorte de trabalhadores, veri-ficou-se associao mais intensa entre nvel socioe-

    Tabela 3 - Distribuio da populao masculina de acordo com a situao no mercado de trabalho e indicadores de sadee de utilizao de servios de sade. Brasil, 1998.

    Variveis Situao no mercado de trabalhoFormal Informal Desempregado Fora do mercado

    (N=20.135) (N=11.865) (N=3.814) (N=4.111)

    Percepo da prpria sade p

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    Tabela 4 - Indicadores e utilizao de servios de sade de acordo com a situao no mercado de trabalho na populaomasculina. Brasil, 1998.Variveis Situao no mercado de trabalho

    Informal Desempregado Fora do mercadoOR ajust (IC 95%) OR ajust (IC95%) OR ajust (IC95%)

    Percepo da prpria sadeBoa 1,00 1,00 1,00Regular 1,28 (1,18-1,39) 1,26 (1,12-1,40) 1,27 (1,19-1,37)Ruim 1,24 (1,08-1,43) 1,88 (1,45-2,42) 2,01 (1,64-2,45)Outro informante 0,58 (0,50-0,61) 0,43 (0,41-0,45) 0,37 (0,25-0,39)

    Afastamento das atividades habituais nos ltimos 15 diasNo 1,00 1,00 1,00Sim 1,04 (0,93-1,17) 0,90(0,74-1,09) 2,05 (1,62-2,60)

    Acamado nos ltimos 15 diasNo 1,00 1,00 1,00Sim 1,36 (1,14-1,63) 1,34 (0,87-2,07) 2,83 (2,04-3,93)

    Relato de doena crnicaNo 1,00 1,00 1,00Sim 1,02 (0,93-1,11) 1,06 (0,95-1,17) 1,41 (1,22-1,63)

    Plano de sade privadoNo 1,00 1,00 1,00Sim 0,21 (0,18-0,24) 0,35 (0,30-0,40) 0,38 (0,33-0,44)

    Consulta mdica nos ltimos 15 dias*No 1,00 1,00 1,00Sim 0,88 (0,80-0,98) 1,08 (0,78-1,50) 1,58 (1,34-1,86)

    Nmero de consultas mdicas no ltimo ano*Nenhuma 1,00 1,00 1,001 0,82 (0,75-0,90) 0,95 (0,79-1,15) 0,81 (0,71-0,93)2 0,81 (0,72-0,91) 0,99 (0,86-1,12) 0,95 (0,80-1,13)3 ou mais 0,82 (0,75-0,90) 1,03 (0,83-1,28) 1,57 (1,36-1,79)

    Nmero de internaes no ltimo ano*Nenhuma 1,00 1,00 1,001 1,09 (0,93-1,28) 1,02 (0,73-1,43) 2,04 (1,67-2,49)2 ou mais 0,98 (0,66-1,46) 0,96 (0,62-1,49) 3,54 (2,27-5,52)

    Obs.: categoria de referncia: trabalho formal; OR (95%) ajust: Odds ratio ajustado por idade, escolaridade, renda domiciliarper capita, pessoa de referncia no domiclio, regio de residncia, aposentado e respondente prximo*Ajustado por plano de sade, alm de todas as outras citadas

    qidade em sade, revela-se um importante aspectodas desigualdades pouco abordado nos estudos desade no Brasil.

    Concluindo, o aumento do desemprego, o cresci-

    mento dos vnculos precrios de trabalho e do merca-do informal, onde no h proteo previdenciria,nem trabalhista, reforam a necessidade de que a si-tuao no mercado de trabalho tambm seja conside-rada nos estudos das desigualdades em sade.

    REFERNCIAS

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