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    Uma nova Gocia

    Por: Lcio Manfredi

    Uma das etapas mais importantes do desenvolvimento mgico naTradio Esotrica Ocidental, mas tambm uma das maisincompreendidas, o trabalho gotico, ou invocao dos demnios. Foisobretudo graas Gocia que a magia adquiriu uma reputao to

    sinistra no ocidente, especialmente em uma sociedade como amedieval, em que a palavra demnio evocava a noo de criaturasinfernais, dotadas de chifres e rabo pontiagudo, sempre com umtridente na mo e envoltas em exalaes sulfurosas. Essa ideia eracompartilhada tanto pelo pio cristo quanto pelos pseudomagos que seaproximavam do trabalho gotico vidos por fama e poder, o que deuorigem lenda popular do pacto com o Diabo, que acabou secristalizando na lenda de Fausto. Foi s a partir das pesquisas de

    McGregor Mathers, um dos fundadores da Golden Dawn, que a Gociacomeou a recuperar seu sentido original. Rato incansvel debiblioteca, Mathers descobriu, traduziu e publicou a obra maisimportante da tradio gotica, a Clavcula de Salomo, cujasinstrues serviram de base para a composio do Livro da SerpenteNegra, o qual registra a verso Golden Dawn da Gocia. Nainterpretao moderna adotada por Mathers e seus colegas, osdemnios com os quais a Gocia trabalha so vistos como uma

    personificao das foras sombrias que agem nas profundezas dapsique do prprio mago. Elas tornam-se demonacas na medida emque so apartadas da conscincia e, consequentemente, se voltamcontra esta, o que no deixa de antecipar as teorias freudianas sobre orecalque e o retorno do recalcado. O objetivo do trabalho gotico recuperar essas foras e integr-las totalidade da psique,transformando-as em energias positivas que contribuem para aevoluo interior do mago. Com o costumeiro tom pragmtico e p-no-cho que adotava sempre que no estava preocupado demais em

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    impressionar os basbaques com sua persona de Grande Mago, Crowleyfoi direto ao ponto, na clebre introduo que escreveu para atraduo de Mathers da Clavcula de Salomo: "Os espritos da Gociaso parcelas do crebro humano." Mais prudente que Crowley, Israel

    Regardie evita atribuir uma base cerebral para os demnios goticos,mas no deixa de insistir sobre o paralelo entre eles e os complexosinconscientes estudados pela psicanlise: complexo, enquanto for umimpulso subconsciente oculto, espreita e destitudo de configuraoou forma no inconsciente do paciente, ainda com fora para romper aunidade do consciente, no pode ser adequadamente confrontado. Amesma base racional subjetiva estende-se ao aspecto gotico da magia,a evocao dos espritos. Enquanto na constituio do magopermanecem ocultos, descontrolados e desconhecidos esses poderessubconscientes, ou espritos (...), ele incapaz de enfrent-losadequadamente, examin-los ou desenvolv-los visando modificar ume banir outro do campo total da conscincia. Eles precisam assumirforma antes que possam ser usados. Mediante um programa deevocao, porm, os espritos ou poderes subconscientes soconvocados das profundezas, e sendo atribuda a eles forma visvel notringulo de manifestao, podem ser controlados por meio do sistemamnemnico de smbolos transcendentais e conduzidos ao terreno davontade espiritualizada do teurgo. Mesmo que Regardie use palavrascom as quais os psiclogos contemporneos no se sentem muito vontade - como subconsciente, por exemplo -, sua descrio da Gocia clara o suficiente para reconhecermos que o trabalho gotico no outra coisa seno o que os junguianos denominam de confronto com asombra.

    Sombra

    Classicamente, a psicologia junguiana define a sombra como osaspectos da personalidade que o ego se recusa a reconhecer e que,dessa forma, so banidos para o inconsciente. Os motivos dessa recusa

    so vrios mas, de um modo geral, tm uma base sociocultural: oindivduo reprime aqueles traos que no so valorizados pela

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    sociedade ou que, durante a infncia, os pais o ensinaram a encararcomo feios, maus ou indesejveis. Alguns desses elementos foramsimplesmente expulsos do campo da conscincia. Outros nuncachegaram a fazer parte dele e foram barrados antes mesmo que

    tivessem condies de se desenvolver. Formam a base do que Jungdescreveu como o inconsciente pessoal e que coincide mais ou menoscom o conceito de inconsciente que Freud desenvolveu no incio dapsicanlise, antes que formulasse a clebre distino entre ego,superego e id. Nos sonhos e fantasias das pessoas, os componentes dasombra costumam aparecer sob a forma de figuras perturbadoras, msou demonacas. De fato, a interpretao junguiana tradicional identificaos demnios da religio aos complexos que constituem a sombra, e esse o fundamento da explicao que Regardie d para os demniosgoticos. No entanto, importante frisar que esses complexos no sobons ou maus em si mesmos. So foras psquicas, moralmenteneutras, e apenas luz dos valores do ego que eles adquirem umaconotao malfica. Para dar um exemplo, durante boa parte dahistria, a sociedade patriarcal classificou os sentimentos como umatributo feminino e inferior. A expresso dos sentimentos peloshomens era vista como sinal de fraqueza, o que ainda persiste emditados como o de que "homem no chora". Para onde vo ossentimentos que os homens so proibidos de exprimir? Para a sombra,claro. Uma vez l, tornam-se complexos inconscientes, em constantep-de-guerra com o ego, e que exercem uma influncia perturbadorasobre a conscincia, apossando-se dela em determinadascircunstncias - por exemplo, quando o homem explode em um ataquede raiva incontrolvel. Essa raiva um demnio porque possui a

    conscincia, escapa ao seu controle e causa efeitos destrutivos para oprprio indivduo e para os que o rodeiam. Mas ela no essencialmente m. uma fora positiva, o sentimento, que s setornou destrutiva devido represso que a impede de ser canalizadade uma forma mais construtiva. A mesma coisa vale para todos oselementos que constituem a sombra. Os junguianos frequentemente sereferem sombra no singular, como se fosse uma entidade nica, masno devemos nos iludir com isso. A sombra uma instncia mltipla,

    composta por diferentes foras que s tm em comum o fato de teremsido reprimidas pelo ego, e que muitas vezes, alm de estarem em

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    conflito com a conscincia, tambm se opem entre si. Imagine umamultido de demnios, pequenos e grandes, em constante luta uns comos outros, uivando, berrando, e voc vai ter uma boa ideia do que sepassa no territrio da sombra. esse quadro que est na origem do

    termo gocia, palavra que em grego significa um uivo feroz einarticulado. Odesenrolar do processo de individuao - que, como foidito em outra parte, nada mais, nada menos do que a iniciao de quefalam os esoteristas - leva a conscincia a se identificar cada vez menoscom o ego, alargando seu campo para integrar os contedos doinconsciente, tanto do inconsciente pessoal quanto do coletivo. inevitvel, portanto, que em determinada altura do caminho, ela sedefronte com o problema de recuperar a sombra, trazendo seusdemnios para a superfcie, exorcizando o carter destrutivo dessasforas e integrando-as a seu prprio campo. No mbito da psicologiajunguiana, esse trabalho feito com a ajuda do terapeuta. Antes que apsicologia fosse inventada, contudo, as religies e escolas esotricasdesenvolveram uma bateria de rituais com o propsito de alcanaresse objetivo. A magia gotica, tal como descrita pela Clavcula deSalomo, um desses procedimentos.

    A Sombra e a Sstase

    Antes de continuar, consideremos a questo da sombra luz doconceito gnstico de sstase. Quem vem acompanhando o Franco-Atirador h algum tempo deve se lembrar de que a sstase o nome

    que os gnsticos davam para o sistema de dominao que aprisiona oser humano, limitando seu potencial. Esse sistema tem ramificaesque se estendem por todos os nveis, do csmico ao psicolgico, massuas principais manifestaes so:

    1. Gigerb No campo social, um conjunto de valores que determina oque ou no aceitvel, e inclusive o que deve ser considerado comoreal ou irreal. o que o marxismo descreve sob a rubrica de ideologia.

    2. No campo psicolgico, padres estereotipados de cognio ecomportamento, que filtram as percepes das pessoas e moldam suas

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    aes e interaes. A psicanlise se refere a esses padres como osuperego.

    3. No campo fisiolgico, um sistema de tenses fsicas - sobretudo

    musculares, mas no s - que impedem a energia de circularlivremente pelo organismo. Reich batizou esse sistema de tenses decouraa caracterolgica ou couraa muscular.

    Esses trs nveis esto, obviamente, inter-relacionados. ainternalizao da ideologia que est na origem do superego, e osuperego que se ancora no corpo sob a forma de um encorajamento doorganismo. Uma vez constitudos, superego, couraa e ideologia

    reforam-se mutuamente em um circuito de retroalimentao(feedback). O circuito age como um filtro, que deixa passar algumaspercepes, emoes e atitudes, com os quais a nossa realidadeconsensual (a viso que temos de ns mesmos e do mundo) construda, enquanto outros, que no so considerados compatveiscom a realidade consensual, so sumariamente excludos. O quemantm esse circuito funcionando a energia dos prprios impulsosreprimidos, desviada e canalizada para alimentar o sistema. Como o

    leitor deve ter percebido, a descrio gnstica e a teoria junguiana dasombra descrevem a mesma coisa sob dois pontos-de-vistaligeiramente diferentes. A partir dessas duas vises, no difcilperceber tambm que as relaes entre o ego e a sombra so maiscomplexas, mais dialticas, do que uma leitura superficial permitirsupor. O mundo do ego rejeita a sombra mas, ao mesmo tempo, precisada energia dela para existir. Nossa realidade consensual s se mantm custa da fora que extrai daquilo mesmo que ela exclu. Os impulsos

    reprimidos so transformados em demnios, mas so esses demniosque sustentam a estrutura que os reprime. Consequentemente, impossvel superar a sstase enquanto ela for constantementeenergizada pelo reprimido em ns. Da que a integrao da sombra,trazer os demnios do inconsciente luz da conscincia e, numapalavra, redimi-los, uma condio sine qua non para a dissoluo doestado de sstase. O que d toda uma nova perspectiva ao trabalhogotico.

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    A Clavcula de Salomo

    Apesar de ser atribudo ao rei Salomo - que, segundo o folclore

    judaico, tinha o poder de controlar os demnios do cu, da terra e doinferno -, o texto da Clavcula no tem nada a ver com o legendriosoberano judeu. De acordo com os fillogos que estudaram acomposio do texto, ele deve ter sido escrito por volta do sec. XII d.C.,provavelmente na regio do Imprio Bizantino, que herdou boa partedo conhecimento clssico e helenstico, inclusive no que se refere aoesoterismo. Como todos os tratados de magia medieval, a Clavculadescreve um procedimento ritualstico bastante complexo, com a

    utilizao de toda uma parafernlia cerimonial de robes, pentculos,amuletos e talisms, que devem ser confeccionados seguindo risca asprecisas instrues contidas em cada captulo. Um leitor moderno quev ler o texto procura de um manual prtico ficar inevitavelmentedecepcionado - pode-se dizer o que for dos rituais seguidos pelosmagos medievais, menos que eles so prticos. Mesmo problema, alis,do Livro de Abramelin. E no ajudam nada as constantes advertnciasde que o menor erro pode fazer com que a alma do mago seja arrastada

    para o inferno pelas entidades que ele imprudentemente evocar. Masno h motivo para susto. A razo pela qual a magia cerimonial antiga to abstrusa a necessidade de mobilizar e canalizar as foras daimaginao, que so, afinal de contas, o nico instrumento realmentenecessrio para a prtica da magia. Todo o aparato que o mago instrudo a fabricar tem um significado acima de tudo simblico, eespera-se que as dificuldades que ele vai encontrar ao faz-los sejamsuficientes para direcionar sua vontade em direo ao objetivo. J no

    Renascimento, os criadores do que se tornou conhecido como magiahermtica - Marslio Ficino, Giordano Bruno e Pico della Mirandola,entre outros - compreenderam que uma capacidade de visualizaobem-desenvolvida pode substituir com proveito essa tralha toda. AGolden Dawn aprofundou ainda mais essa trilha do uso mgico daimaginao, que consiste na visualizao de smbolos e interao comeles em uma esfera puramente psquica (o astral, como se costumadizer). E ao Spare e a magia do caos levaram a tendncia a seu limiteextremo, substituindo at o simbolismo tradicional por smbolos e

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    imagens que fossem eficientes e adequados psicologia individual decada mago. (Por outro lado, para os que gostam da pompa ecircunstncia da magia cerimonial, Carroll "Poke" Runyon desenvolveuuma verso contempornea da magia de Salomo que, embora eu no

    tenha testado na prtica, me pareceu bem interessante e vale pelomenos uma olhada, apesar das horrendas ilustraes kitsch com queele recheou seu livro...)

    O Crculo Mgico e o Tringulo da

    ManifestaoAlegorias de escola de samba parte, a magia gotica se apoia sobredois instrumentos: o crculo mgico e o tringulo da manifestao.Circle goetia. O crculo mgico um velho conhecido de todos os queestudam magia. no interior dele que fica o mago e sua funotradicional proteg-lo das foras que o ritual se destina a evocar.Autores contemporneos, embora no neguem esse papel de proteo,tendem a ver o crculo mgico muito mais como a constituio de umespao sagrado, separado da realidade quotidiana, no interior do quala conscincia se desloca para um estado alterado no qual a magia possvel. (Um exemplo dessa nova abordagem do crculo mgico podeser encontrada aqui.) De qualquer forma, embora o mago medievallaboriosamente traasse o crculo fisicamente no cho, no existemotivo pelo qual ele no possa ser simplesmente visualizado, que aalternativa adotada por um bom nmero de adeptos nos dias de hoje. Amesma coisa se aplica ao tringulo da manifestao, no interior do qualmuitas vezes colocava-se um espelho mgico. De acordo com aClavcula, ele deve ser feito de madeira, com as dimenses exatadasdadas pelo texto, mas pode-se perfeitamente visualiz-lo apenas naimaginao. Como o prprio nome diz, no interior do tringulo que asentidades evocadas se manifestam. E as explicaes dadas porRegardie e outros deixam bem claro que seu valor antes de mais nada

    simblico.

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    Identificando os demnios pessoais

    Levando-se em conta o carter simblico de seus elementos, o ritualgotico pode ser simplificado ao extremo, tornando-se uma forma demeditao voltada para a integrao dos contedos que compem asombra. O primeiro passo identificar esses contedos. Voc podepreferir trabalhar com os prprios demnios goticos que, afinal, emltima anlise, so uma personificao das tendncias sombrias dapsique. Se optar por essa alternativa, vai encontrar uma descrio

    pormenorizada dessas entidades em qualquer edio da Clavcula deSalomo (no incio do post, dei o link de uma). Eu, porm, norecomendo essa abordagem. Embora sejam uma representaoarquetpica, os demnios da Gocia so tambm clichs elaborados emum contexto - o do cristianismo medieval - que tem pouca ou nenhumarelevncia para a psique contempornea. E apesar do ncleo dasombra ser constitudo de partes arquetpicas, ela tambm umamontagem altamente individualizada de impulsos reprimidos e traos

    negativos da sua personalidade. Ou seja, todo mundo tem uma sombra,mas a sombra no igual para todo mundo. Por esse motivo, prefervel dar espao para que seus demnios pessoais se revelem sobuma forma igualmente pessoal, em vez de tentar encaix-los na marraem uma representao coletiva. Normalmente, as partes da sombrapodem ser identificadas atravs de suas manifestaes emocionais. Soemoes que se apoderam subitamente da conscincia sem causaaparente ou com uma intensidade desproporcional a sua pretensa

    causa. Por exemplo, ataques de raiva cega ou destrutiva, sentimentosde opresso ou depresso no motivados (pelo menos, nointeiramente) pelas circunstncias externas, inveja ou cimepatolgicos, etc. Antes de proceder ao trabalho gotico propriamentedito, preciso mapear esses sentimentos. Uma forma simples de fazerisso manter um registro escrito no qual se anota escrupulosamentetodos os sentimentos que se quer trabalhar. Se preferir, voc pode darum nome a esses sentimentos (por exemplo, o Demnio da Raiva ou o

    Esprito da Depresso). Personalizar os contedos da sombra facilita a

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    etapa seguinte, que evocar sistematicamente seus demnios, com oobjetivo de exorciz-los.

    Exorcismo da sombra

    Exorcizar os demnios, ao contrrio do que o filme de William Friedkine sculos de tradio catlica do a entender, no significa expuls-lo.Isso seria o equivalente teolgico da represso e eles j esto mais doque reprimidos, obrigado. por isso, alis, que se tornaramdestrutivos. A palavra exorcismo vem do grego exos, exterior, e

    significa simplesmente trazer para fora o que estava oculto. Exorcizarum demnio significa apenas expor luz da conscincia um contedoque se encontrava reprimido no inconsciente. Para isso, primeirovisualize a si mesmo no interior de um crculo de proteo ou visualizeum crculo de proteo ao seu redor. Se achar necessrio, pode traar ocrculo fisicamente, com giz ou que o valha, mas mentalizar um crculode luz branca ao seu redor o suficiente. Procure ver o crculo com amxima nitidez possvel. Sinta a proteo que ele oferece, isolando-ode todas as influncias negativas, inclusive e sobretudo das foras quevoc vai evocar. Em seguida, imagine um tringulo em frente a voc,mas fora do permetro do crculo. Ele corresponde ao tringulo damanifestao da Gocia clssica. Eu o vejo como um tringulo de luzvermelha, provavelmente porque a emoo caracterstica da minhasombra a raiva, mas a cor no de fato importante. O essencial imagin-lo com nitidez e, de novo, se quiser, pode desenhar um

    triangulo concreto diante de seu crculo. Opasso seguinte vivenciar aemoo que vai ser trabalhada. O momento ideal para isso seriaquando ela surge espontaneamente, mas na maior parte das vezes isso muito difcil, beirando o impossvel. Um dos traos mais marcantesdas emoes da sombra seu carter compulsivo e, no calor daemoo, no se pode censur-lo por no conseguir parar paravisualizar o crculo e o tringulo.

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    Evocando os Demnios Pessoais

    Em vez disso, depois de confortavelmente instalado em seu crculo,

    defronte o tringulo da manifestao, procure se lembrar das ocasiesem que voc experimentou a emoo da sombra. Escolha apenas umaemoo de cada vez, ou ser impossvel lidar com a horda de demniosque vai irromper pelas janelas da mente. Tente se lembrar no dascircunstncias externas, que so irrelevantes, mas das sensaes quevoc teve quando a sombra irrompeu. Trate de evocar nos mnimosdetalhes como voc se sentiu nessas ocasies. Quando perceber queconseguiu estabelecer contato com a emoo, visualize-a fluindo de

    voc para o tringulo da manifestao, onde ela se acumula como umamassa luminosa de intensidade crescente. Depois de algum tempo, essamassa vai se coagular e assumir uma forma concreta. Pode ser umapessoa, um animal ou um objeto. No tente antecipar ou impor umaforma, deixe que o processo seja espontneo. No entanto, caso ela surjasob o aspecto de uma pessoa real, de carne e osso, pea-lhe para adotaroutra forma. Isso significa que voc tende a projetar a emoo emquesto sobre a pessoa que apareceu, e confundir as duas s vai trazer

    dor-de-cabea para voc e para a pessoa. Jung dizia que praticarqualquer espcie de imaginao ativa sobre a imagem de uma pessoareal magia negra, e ele tinha toda a razo quanto a isso. Pode ser quea imagem demore um pouco para se estabilizar, adotando vriasformas seguidas, como se o contedo estivesse decidindo qual a maisadequada. Mas, uma vez estabilizada, ela o seu demnio. E estpronto para ser confrontado.

    Agora eu tenho sua Ateno

    Uma questo importante antes de sair evocando os espritos goticos: o que fazer quando eles aparecem? Voc est escancarando ospores do inconsciente para dar passagem a seus piores demnios.Agora que eles esto plantados diante de voc, como lidar com esses

    visitantes infernais? Os magos medievais e renascentistas que usavam

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    a Gocia no tinham grandes problemas com isso. Como elestrabalhavam com um sistema de crenas objetivo, a integrao dessasforas conscincia no se colocava. Suas finalidades eram prticas ato talo: queriam conhecimento, poder ou diverso, e ponto final.

    Quando os espritos goticos surgiam, eles os botavam pra trabalhar.Depois, se tivessem cumprido sua tarefa a contento, recebiam umalicena para partir e tornavam a mergulhar nos pores sulfreos doinconsciente, autnomos e no-integrados. Ou, se o mago no tivessecumprido sua tarefa a contento, invadiam o crculo de proteo e seapossavam de sua alma (um fenmeno que a psicologia analticaconhece como inflao do ego e ao qual os psiclogos junguianos sereferem como possesso do ego por um contedo do inconsciente).No admira que a Gocia tenha adquirido uma reputao to ruim, nos entre os leigos, mas entre os prprios adeptos. Sempre quequestionados sobre as operaes goticas, os membros da GoldenDawn saam pela tangente, e davam a mesma resposta do Jesus deSouth Park: "Meu filho, eu no tocaria nisso nem com uma vara de doismetros." E isso a despeito de ter sido McGregor Mathers quem traduziua Clavcula de Salomo para o ingls. No entanto, preciso tocar nisso,com ou sem uma vara de dois metros.

    Psicologia do Ego

    A resposta do necromante clssico obviamente insatisfatria. Usarnossos demnios para atender desejos pessoais colocar essas foras a

    servio do ego. Seu equivalente contemporneo poderia ser a egopsychology, que pretende drenar o inconsciente para criar um egoforte, plenamente adaptado ao princpio da realidade e capaz desubmeter os "caprichos" do inconsciente ao domnio imperioso de suavontade (que no deve ser confundida com a Verdadeira Vontade deCrowley e da Thelema). Isso o oposto da integrao. Os espritosgoticos devem ser integrados conscincia, e no ao ego, e enquantoessa distino no for compreendida, no importa o rtulo que se

    empregue, estaremos praticando magia negra da pior espcie. O que

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    fazer?, perguntaria o camarada Lnin, confiando seu cavanhaque com oolhar perdido no vazio. Oque fazer?

    Dilogo com a Sombra

    Os espritas diriam que preciso doutrinar os espritos, isto ,esclarec-los quanto verdadeira doutrina de Kardec, tir-los dastrevas da inconscincia e permitir que eles se aperfeioem pela prticade obras de caridade. Contenha o sorriso, meu caro leitor cnico. Elesesto certos. No da maneira que eles pensam, evidentemente. Os

    espritas pecam por uma certa ingenuidade e uma compreenso literaldas coisas - da acreditarem piamente que existem linhas de nibus emNosso Lar - mas, talvez at por causa de sua inocncia, descobriram umprincpio importante. Os espritos so tirados do inconsciente atravsdo dilogo. Os espritos so integrados conscincia estabelecendo-seuma conexo entre eles e alguma coisa maior que o ego. Alm do Ego.Esse eixo de referncia maior que o ego , evidentemente, o Self - ou oSAGA, se voc preferir o vocabulrio mgico. isso que significa ocrculo mgico de proteo. O crculo o emblema geomtrico do Self,e voc vai notar que, na descrio da Clavcula, no o nome do magoque est escrito em sua periferia, mas os nomes de Deus. Voc notartambm que mesmo a invocao gotica tradicional conclama osespritos a obedecerem em nome de Deus. claro que invocar o poderdivino para obrigar o esprito a encher seus cofres de ouro umatraio do ego, mas o ponto no esse. O ponto que a fora que

    submete os espritos se origina de alm do ego. Desnecessrio dizer, seo mago no tiver estabelecido ele prprio essa conexo entre aconscincia e o Self, a evocao gotica no passa de palavrrio vazio.Pior que isso, um blefe, porque o mago estar se apoiando em umpoder que ele no possui. E um blefe que, com toda a probabilidade,no vai demorar a ser desmascarado, uma vez que, se a conscinciano estiver solidamente ancorada no Self, no ter como fazer frenteao fascinium tremendum que emana dos complexos do inconsciente e

    que descrito nos tratados tradicionais como a irresistvel capacidadede seduo dos espritos infernais. O resultado disso, numa palavra?

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    Loucura. Foi s porque teve o bom-senso de se amarrar ao mastro donavio que Ulisses pde resistir ao canto das sereias. por esse motivoque, segundo Abramelin, o trato com os espritos infernais vem depoisda conversao com o Santo Anjo Guardio. Abramelin vai ainda mais

    longe e diz que o prprio SAGA quem ensina o mago a melhormaneira de evocar e controlar os espritos. E adverte enfaticamentesobre o risco mortal que a evocao dos espritos infernais sem aimprescindvel retaguarda fornecida pelo SAGA.