#21 Viagem

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Desumbiga #21

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* O CONTEÚDO DOS TEXTOS PUBLICADOS É DA EXCLUSIVA RESPONSABILIDADE DOS SEUS AUTORES

GRAFISMOAya x Joana

TIRAGEM750 exemplares

IMPRESSÃOeditorial aefml

CONTACTOSrevista desumbiga

associação de estudantes

da faculdade de medicina de lisboa

hospital santa maria, piso 01

avenida prof. egas moniz

1649-035, lisboa

[email protected]

Ficha Técnica

REDACÇÃO*Aya x Joana

Carreto

Catarina Jacinto Correia

Catarina Paias Gouveia

Diogo Rodrigues

Eduardo Bento

Joana Marques

José Durão

Sara Nunes

COLABORADORES*Inês Sousa Miranda

Joana Mafra

José Filipe Santos

Pedro Simões

Renato Laia

Ricardo Vieira

Vasco Peixoto

CAPA E CONTRA-CAPABárbara Morais

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Imagiologia Editorial - 4

Tema: Viagem - 5 Babilónia - 9 Fuga de Frames - 15

Peregrinação - 23

Janela de Expressão - 28 Estórias Clínicas - 38

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#21 Viagem

VIAGEM. Conceito perpetuado como um modo de ser, uma perspetiva ou até a simples eventualidade de se transportar de um local para o outro. A efemeridade das ocasiões leva-nos a pensar: será a vida afinal todo um conjunto de viagens acopladas numa só? Porque, afinal, viagem que é viagem tem início, meio e fim e é inegável que a todo o tempo estamos a viajar – portanto, vemos aqui que a viagem não é apenas um conceito confinado ao ato de se deslocar para outro local e passar umas “ótimas” férias: é mais, é muito mais. O que propomos aqui é levar ao “desumbigar” do estudante de medicina, o olhar para fora do seu umbigo e para o mundo que o rodeia, para a viagem que ele leva, valorizando-a e refletindo sobre ela.

O mundo está repleto de pessoas, culturas, relações, amizade, amor, família, trabalho, estudo, diversão, prazer, ódio, escuridão, luz, caos, ordem...enfim um infinito número de conteúdos que levam à ressurreição, ao renascimento do ser por cada estado que lhe é imposto. A essência do nosso ser, apesar de uno, como Fernando Pessoa tanto afirmava, fragmenta-se, contudo, ao analisarmos bem, há todo um valor intrínseco do que é o não ser o próprio ser que o leva a ser – ao levarmos a cabo todos os percursos feitos ao longo das nossas vidas até agora, apercebemo-nos que afinal não nos conhecemos assim tão bem como pensávamos, afinal não sabemos assim tão bem o que o rapaz ou a rapariga do outro lado do espelho pensa, afinal quem somos nós? Que “viagens” são estas que fazemos? Qual o seu propósito? Que sentido é que darão estas “viagens” às nossas vidas?

O certo é que muito provavelmente chegaremos mais próximos à totalidade do nosso ser segundos antes da morte. Até lá, estamos perdidos no mapa, não sabemos para onde ir, não sabemos quem somos como um todo, nem sabemos ao certo o que é o sentido da vida. Mas afinal o que fazemos neste mundo? Que texto é este que lês? Que revista é esta que tens nas mãos (ou no computador)? Que perguntas são estas? Que pensamentos são estes? Que mais viagens nos esperam e qual o sentido das viagens que agora fazemos?

É irónico como tão calmamente e solenemente aceitamos a ignorância perante estas questões, tendo em conta a natureza curiosa do Homem. Talvez o Homem esteja destinado a impor-se numa série de viagens sem fim com o intuito de aprender e de simultaneamente não aprender. Aparentemente, as viagens para o nada que fazemos são o todo, o todo do nada que faz a essência do ser. E se pensarmos bem que se nada somos, porque haveremos de questionar sobre a existência de algo? Se nada sabemos, nada somos, nada fazemos, porque haveremos de pensar nas viagens que nos levam à viagem principal que é a essência do ser? O que é a essência? O que é a viagem? Que ausência é esta do conhecimento do nosso ser?

Questões existenciais de lado, a viagem que farás por esta edição Des1biga será decerto uma que valerá a pena. Que faças uma boa viagem. Este texto foi apenas o check-in.

Eduardo Bento

Editorial

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T e m a

Viagens de Corredor

Intergalactic Transmission

Alors, On Y Va?

Vasco Peixoto

Eduardo Bento

Renato Laia

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Um regresso a casa pode ser maior que ir a Roma.Podemos estar sentados numa sala de aula, ir almoçar e regressar ao trabalho,

Podemos aparentemente seguir o rumo da nossa rotina aos olhos alheios,Podemos ao fim do dia ir para casa, escolher ficar mais tempo,

Fazer o caminho mais comprido,Ou fazer mais paragens do que devíamos

Se quiséssemos poupar tempo para estudarou dinheiro para outras viagens que nos querem vender

E que quase sempre não somos nós a fazer.Podemos fazer rotina e entrelinhas viajar.

Podemos quase sem nos desviarmos daqueles passos,Daqueles passos que quase toda a gente dá

E daqueles com os quais iludidos julgamos fugir e viajar ao fim de semana,Normais, diários e rotineiros dos quais nos cansamos,

Que nos fazem comprar viagens que não são nossas,De duas semanas ou um mês que queremos mostrar a toda a gente,

Podemos quase sem nos desviarmos desses passos viajar mais , viver e ser, descobrir e criar as nossas próprias viagens, que tão pouca gente tem,

e que têm o valor de serem só nossas e de quem nós escolhermos para partilhar.Viajar não é fazer quilómetros, não é mudar de sítio,

não é ter fotos à frente de monumentosem restaurantes, nos bares à noite nem nos quartos de hotel

e não conhecermos novos outros nem a nós.Quando viajamos esquecemo-nos de levar a máquina ou não a temos connosco

Mas as imagens e os significados são impossíveis de perder.Quando viajamos a sério estamos com quem queremos que saiba

Estamos com quem queremos viver a viagem, com quem encontramos por acaso ou quisemos encontrar mas que tinha que ficar.

Neste ponto o destino perde importância e a viagem é o seu próprio objectivo.Cada quilómetro vale mais porque a cada local onde haja vida há viagem,

Cada praia, cada aldeia ou cidade, cada rua, cada casa, Cada pessoa que viaja também.

Cada passo na verdade e cada pessoa que se cruza connosco nos corredores da rotina pode ser uma viagem maior que a volta ao mundo feita por quem não vive a curiosidade

ou por quem vive nas prisões da mente mais variadas,Ilusões de certezas, medos disfarçados, confortos falsos.

E percebemos no fim que a viagem está também nos corredores das nossas rotinas

Viagens de Corredor

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diárias, em sabermos que basta um passo conscientemente dado ao lado para encontrarmos outros viajantes se os procurarmos e estivermos atentos,

E são essas as viagens, um olá novo e uma conversa,Um arriscar e uma descoberta, aprender sem medo do diferente, do desconhecido ou do

que sentimos, ainda que no corredor ao lado da rotina,Com aqueles que aceitam sair e viajatr, e compreendem o valor de descobrir,

São essas viagens que trazem o sol e a vida, o mar e a verdade.São essas viagens que mudam o resto do nosso dia e o resto dos nossos dias.

Vasco Peixoto

Take me to your homeTake me to your planetLet’s make love on the Milky WayGet freaky Take me to your leaderFuse with that space shuttleYou can always be my ladyRocket ship blast that, shady Get off this wormholeDark hole of the wholeLet’s stop time, jewelGet sleazy This dirt on my shoeFloats for no hoeLucky I am for the mitosis of destinyNo foe there is to free Blurry lines and a freaky tunePsychedelic smoke ignitionJupiter raise from aboveDestiny’s seed of my bionic mind

Get ready for the bloom of the flightScorpio of the beloved symphonyExplosion of the new minded sea shellSUPERNOVA

Cloud 9 approaches at 7 o’clockIntergalactic transmission off the radarOff the hook to the beat of the groundTo pound and to free the heat of the ice Fumes and the viewRainbow unicorn ride, rideLady, be my guestMarshmallow plant, apple to bite Poison to this ground, of the venueTear me down with one NewtonElectron off the ion, add to protonIntergalactic transmission: OFF

Eduardo Bentotheculturalbaptism.wordpress.com

Intergalactic Transmission

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#21 Viagem

«Excusez-moi, Mademoiselle, mas...Dê-me a sua mão, venha pular mundos comigo

Não se inquiete com o que pensam os outrosDeixe essa monotonia enfadonha para trás

Seja a cobra que muda de pele pela nova estaçãoVenha comigo desenterrar tesouros ao fundo do arco-íris.

Quer dizer, afinal de contas o mundo não é assim tão cinzentoTambém nos será permitido gozar-lhe as cores de quando em vez.

“Tem dias... Isto já não sai é da cepa torta”, dirá vocêA fazer lembrar um velho do Restelo com o qual nos cruzaremos,

num banco qualquer, ao dobrar da esquina das nossas ruas cruzadas.“E vamo-nos assim, do pé para a mão?” Assim mesmo, sem mais nem quê.

Levamos a roupa do corpo e meia dúzia de tostões para a merenda. Amor e uma cabana.

Depois logo se vê. Prometo matar-lhe a fome se você me matar a minha...Vá por mim, e tire essa cara de espanto espantado: Tristezas não pagam dívidas.

(Você sorri)Precioso esse sorriso que floresceu em sua cara, assim gosto mais

Guarde-o com a sua vida, que eu vou guardar a sua com a minha.Proteja-o bem, que o mundo fica tão mais lindo assim,

Quando mostra as teclas brancas de piano que lhe adornam a bocaPor entre esses cortinados vermelhos que são seus lábios encarniçados.

Fique sempre alerta! Isto hoje em dia ninguém está livre da gatunagem!Se a senhora não se cuida, roubam-lhe o brilho dos dentes e as pérolas dos olhos.

Mas como dizia, dê-me a mão e acompanhe-me nesta viagem ao centro de nosso amorSe lhe vier a custar andar, salte para as minhas cavalitas, e vamos a trote de paixão.

Vai ver que lhe vai parecer o jogo da macaca, vamos num pé e vimos no outro.Prometo que irá ser por toda a eternidade, mas verá que nem vai dar pelo tempo

Quando abrir os olhos pela manhã apenas recordará réstias deste sonho bomMas ainda assim saber-lhe-á pela vida, nunca mais se olhará ao espelho do mesmo

modo.O seu dia-a-dia ganhará outro brio. Sabe, estas revelações acontecem uma vez na vida

É deixá-las mudar-nos selvaticamente por dentro, ao jeito que lhes dá na gana.Ainda não está convencida? Ande lá, vai ver que não se vai arrepender!

Pelo menos na terra dos sonhos não há prisões, nada é estanque, tudo pode acontecer.

Alors, on y va?»

Renato Laia

Alors, On Y Va?

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B a B i l ó n i a

Espaços de Música em Lisboa

Sugestões Musicais

Diogo Rodrigues

Joana Mafra

Espaços de Música em Lisboa

Este pequeno guia surgiu no seguimento de um encontro inesperado com um colega desta faculdade num concerto klezmer-punk, em local inominado, evento musical fisicamente extenuante e psicologicamente traumático que de algum modo me estimulou a imaginação e culminou num pensamento, “como era bom que isto acontecesse mais vezes”. Deparado com o encorajamento dos colegas de redacção, dei utilidade às memórias, à tinta e à imaginação. Espero que vos possa orientar de algum modo e aguardo as vossas sugestões e opiniões para elaborar o guia da próxima edição.

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Bacalhoeiro

Uma vez que o Bacalhoeiro encerrou em Abril, este texto fica em memória àquele que foi um dos espaços mais dinâmicos de Lisboa, durante os seus 8 anos de existência.

Esta colectividade, que ocupava dois andares de um prédio antigo na Rua dos Bacalhoeiros para os lados do Terreiro do Paço, foi um pequeno tesouro para quem procura boa música, independentemente do género. Do rock (alternativo, post-rock, indie, punk), ao jazz e à “world music” (expressão redutora que reservo aos músicos indefiníveis klezmer-entusiastas, latino-americanos e africanos que por aqui passam), e à mistura sinergética de todos os anteriores, com dj sets de soul e funk pelo meio, a única constante era a qualidade (não sei como conseguem). Este foi o sítio para descobrir os talentos escondidos por Lisboa e arredores – com artistas que eram sobretudo, mas não exclusivamente, locais. O palco era pequeno mas adaptável, e o público tanto se podia sentar nos dias mais calmos, como dançar quando o ritmo pedia. Os concertos tipicamente começavam às onze, e só acabavam por respeito aos vizinhos, vis criaturas que também precisam de descanso. Destacaram-se também as sessões de cinema às quartas-feiras, e especialmente a jam session aos domingos, sempre com três a quatro músicos residentes e tantos mais quanto os que iam surgindo entre a multidão. Deixa saudades.

E então, estás a desfrutar desta viagem?Achas que também consegues fornecer-nos momentos para fora do nosso umbigo?

Se escreves, desenhas ou tiras fotos envia um mail para [email protected] Cultura é importante e Medicina não é tudo o que precisamos de saber em Medicina, expressa os teus sentimentos, as tuas opiniões, levanta-te e vê o mundo como

ele é: único. Há muito mais para lá do teu umbigo!Se, para além disso, também queres fazer parte desta equipa, faz-nos saber disso! Há

sempre espaço para mais um “des1bigueiro”!

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Café Tati

Este bonito café-restaurante, situado atrás do Mercado da Ribeira no Cais do Sodré, é sobretudo dedicado ao jazz, e apenas ocasionalmente recebe “world music” africana, latina e às por vezes flamenco. De entrada livre quase sempre, por aqui passam alguns dos músicos que vêm tocar ao Hot Club de Lisboa – aliás, na própria jam session é comum encontrar vários professores e alunos desta instituição do jazz em Portugal. O espaço é pequeno e tem afluência, por isso recomendo que cheguem cedo para encontrarem um bom lugar. O pessoal é simpático e o restaurante muito interessante, portanto é o sítio perfeito para um jantar entre 4-5 amigos. Há geralmente dois concertos por semana, às quartas e quintas-feiras, e a jam session é aos domingos à tarde, a partir das 7 (Verão) ou das 5 (Inverno). Curiosamente, alguns dos músicos que aqui começam a tarde são os que mais tarde se juntam à jam do Bacalhoeiro. Apesar da música ser tipicamente complexa, tem um ritmo que favorece o estudo, por isso desafio-vos à experiência.

Concluindo, recomendo a visita, mas sobretudo recomendo o bolo de chocolate – quem o faz também é artista, porque nunca comi um bolo de chocolate com recheio tão bom, assim com um toque de hortelã-pimenta… Peçam para aquecer!

Primeiro Andar

Situado no Ateneu, contíguo ao Coliseu dos Recreios, o Primeiro Andar é um espaço informal, com uma agenda volátil e imprevisível. Do post-rock, ao indie, aos dj sets de hip-hop e música electrónica, a espectáculos de equilibrismo com músicos de rua que aqui vêm parar de todos os cantos do mundo (perdoa-me a expressão, Fernão de Magalhães), a festas de projectos culturais e artísticos, o Primeiro Andar é um espaço para dançar, em celebração do inesperado com um copo de ginjinha na mão. Um passarinho veio contar-me que o restaurante também não é nada mau. Sobre este espaço não há muito a acrescentar, há coisas que só a experiência vos dirá!

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#21 Viagem Fábrica do Braço de Prata

Esta antiga fábrica de material de guerra reconvertida em espaço cultural, para os lados de Poço do Bispo, é já de si um espaço agradável pela sua localização, pelo café-restaurante, e pelas exposições, livrarias e boutiques que aqui residem – mas o seu verdadeiro arsenal é musical, pois é por aqui que passam alguns dos mais reconhecidos músicos portugueses, entre o jazz, a tradicional e a erudita. É relativamente frequente haver dois concertos simultâneos, há música para todos os gostos e ocasiões!

A entrada em noite de espetáculo é tipicamente 3-8€, mas o espaço tem muito mais a disfrutar que as salas de concerto. Recomendo uma visita!

Contígua ao bar 49ZDB e à livraria nocturna do Bairro Alto, a Galeria Zé-dos-Bois recebe habitual-mente músicos em ascensão de diversos géneros musicais, credos e nacionalidades, do rock de Jakarta ao free-jazz de Berna, sendo um dos poucos espaços onde se pode ouvir este controverso género musical, por mão dos improvisadores livres da Creative Sources, que periodicamente se juntam para estas viagens mus-icais-espirituais. De destacar as sessões de cinema no terraço.

A entrada em dia de concerto custa tipicamente 5-15€, e sempre têm a opção de se tornarem sócios, e ver uns quantos concertos os artistas são geralmente de fama internacional, por isso sugiro que mantenham a agenda debaixo de olho, não vá uma daquelas oportunidades únicas passar-vos ao lado.

Galeria Zé-dos-Bois

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Este teatro e sala de espetáculos é um dos espaços de passagem indispensável para quem segue a cena musical portuguesa, sendo que por aqui passam artistas emergentes no panorama nacional como Frankie Chavez, Filho-da-Mãe, Jibóia e Zorra, entre tantos outros dos mais variados géneros, sendo que o programa é de excelente qualidade e o espaço tem uma dimensão considerável. O café também é agradável, por isso não perdem nada em aparecer um pouco antes do concerto.

A entrada é geralmente 5-15€, embora seja normal haver pelo menos duas bandas e que os concertos durem até relativamente tarde. É um espaço que vale por si, e com um programa acessível a todos, convidem os amigos!

É com alguma pena que termino este guia sem mencionar tantos outros espaços com oferta musical de qualidade em Lisboa, sendo que alguns deles já os devem conhecer bem, outros nem tanto, e pelo menos um ainda agora surgiu como espaço de concertos – uma vez que a minha experiência me limita, e não me permite discorrer detalhadamente sobre estes pontos de interesse, deixo-vos uma lista dos mesmos, para que saiam da vossa zona de conforto e partam à descoberta da colossal variedade que vos rodeia: Adufe, Bartô, Casa Independente, Hot Club de Portugal, Lux, LX Factory, Music Box, Onda Jazz, Pensão Amor, Santiago Alquimista, Trem Azul, Trobadores, Bar da Velha Senhora, e mais recentemente o Sabotage...

Boas aventuras!

Diogo Rodrigues

Teatro do Bairro

Sugestões MusicaisTendo em conta a aterradora época de exames que se aproxima e o período ocioso

que lhe dá seguimento, a melhor companhia em ambos os casos é, sem dúvida, uma boa banda sonora. E é a pensar nisto que vos deixo algumas sugestões, dentro de vários estilos.

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Começando então por um estilo mais Jazz, tipicamente associado à época de estudo, aconselho BadBadNotGood (BBNG). BBNG constitui um trio Canadiano, já com três álbuns lançados, sendo o último III, acabadinho de sair, do qual é imperativo ouvir Cant’ Leave the Night. Não se deixem enganar por esta vertente do Jazz, uma vez que de “antiquado”, como muitas vezes é caracterizado, não têm nada. Pelo contrário, contam já com colaborações com músicos como Frank Ocean e Tyler, the Creator.

Continuando num registo calmo, trago-vos dois projectos de músicos actualmente já bastante reconhecidos: Michael Milosh (reconhecido pelo projecto Rhye, o qual também recomendo) e Ry Cuming (reconhecido por RY X), que nos trazem, respectivamente, Milosh e The Acid, ambos com uma componente bastante alternativa e experimental.

Passando ao Indie Pop e a um estilo bastante Alternativo, deixo-vos Snakadaktal. O seu último álbum, literalmente último, foi lançado ainda este ano, porém, pouco depois, os cinco jovens membros deram o projecto por terminado. Apresentam-se com influências como The XX, Metronomy, Foals e até Tame Impala, variando muito dentro do seu próprio estilo. Deixam-nos com muito boas recordações, tais como The Sun II, indicada para passar um óptimo fim de tarde de praia.

Uma nota também para o duo experimental Made in Heights e ainda para XXYYXX. Os primeiros já contam com dois álbuns, sendo o último de 2011, Aporia in These Streets, porém preparam-se para lançar novo disco. Quanto a XXYYXX, encontra-se no mesmo

registo que a anterior, trazendo-nos uma faceta mais electrónica, ideal para qualquer ocasião.

Quanto a artistas femininas, BANKS tem claramente de fazer parte da playlist deste Verão (e não só!). Começando a destacar-se no mundo do R&B mais alternativo, Jillian Banks, de 25 anos, demonstra um potencial capaz de fazer frente a AlunaGeorge, tendo um dos seus temas já sido remixado por Snakehips.

Para terminar aconselho-vos a visitar o Bandcamp de Insightful, onde, para

além de Reminders, lançado em Março, encontram a sua restante discografia; esta leva-nos numa viagem pelas mais diversas influências, desde Jamie XX, Tycho, XXYYXX, até atingirmos, claramente, o marco que é James Blake.

Poderia continuar com tantos outros artistas que merecem, claramente, o mesmo reconhecimento que os já referidos (por exemplo Dream Koala e SOHN), mas como tal não é possível, espero que aprovem e aproveitem estas sugestões que vos deixo, e que, por mais breves que tenham sido, tenham despertado, de algum modo, a vossa curiosidade.

Fico à espera de novas sugestões e partilhas musicais!

Joana Mafra

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Fuga de Frames

Entre os dias 4 e 8 de Novembro de 2013 a tua revista organizou a 2ª Exposição de Fotografia e Ilustração no corredor principal do piso 01, em frente à AEFML. Por lá passaram trabalhos de algumas caras já

conhecidas da Fuga de Frames, e outros pertencentes a novos talentos. Aqui ficam alguns trabalhos para o caso de não teres passado por lá...

“Larva de borboleta”Filipa Fonseca

“S. Martinho do Porto”Diogo Prisco

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“Viagens”Bárbara MoraisÉ também a autora da capa desta edição da tua revista, podes encontrar mais em:www.flickr.com/photos/barbaramorais/

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“Ageing” based on a relative’s experience while dealing with lung cancer.”Filipa MarquesAutora da capa da 20ª edição da revista Des1bigahttp://cargocollective.com/shots-of-a-lifetime

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“Sem título” Inês Briteswww.inesbrites.com

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“Sem título”Patrícia Pires

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“Photograph Paintings”Catarina Paias Gouveia

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“Disparos em Café”Luís Carretohttp://www.flickr.com/photos/luiscarreto

Catarina Paias Gouveia(desenho à direita)

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“6” e “Sahara”Tiago Ribeirohttp://tiagoribeiro.net/

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P e r e g r i n a ç ã o

Macaense - Um Manifesto Sobre a Minha Origem

Fazer Um Gap Year

Eduardo Bento

Maria T. Santos

28 de Novembro de 1994, Freguesia da Sé, Macau – a concepção de uma vida entre as muitas que nascem diariamente. Tão ínfima parece a minha presença neste mundo, tão efémera que pareceu a estadia nesta minha terra-natal que tudo se traduziu por flashbacks e memórias curtas e ofuscas, porém, por alguma razão, permanecem, intactas, fixas, como uma parte intangível de um ser em constante reinvenção. Por mais que me ausente, por mais que me afaste, por mais geograficamente separado que esteja da minha génese inicial, eternamente o ímpeto dos meus pensamentos e do meu ser se fundam nesta tela branca.

Em todas as minhas visitas de regresso para Macau, sempre senti uma lufada de ar fresco, um entrar para uma nova era, uma era em que renasci, em que finalmente voltei a reencontrar o fulcro e a base de todo o meu modo de ser, tendo esta cidade como um inegável ponto de partida. Não é que eu esteja confinado e obcecado com nostalgia – apenas pretendo nunca esquecer de onde vim, porque é inevitável o fato de as vivências que um individuo carrega sejam a congregação das sobreposições de todos os acontecimentos e ocasiões que lhe acompanharam ao longo da sua vida: a primeira década da minha vida passou-se nesta cidade e foi aqui que parte do meu processo de crescimento se desenvolveu.

Acho engraçado que haja gente que presume ou que pergunte se visito Macau todos os anos. A resposta é “não” e há-de ser sempre “não”: a não ser que recomece a viver lá, não

m a c a e n s eU m m a n i f e s T o s o B r e a m i n h a o r i g e m

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visito, nem pretendo visitar esta minha cidade todos os anos. Estranho? Não, muito racional até. Atualmente vivo num local longe do que é a minha terra-natal - Portugal. Sempre afirmei que não me sinto totalmente português e que estes são os últimos anos que vou passar neste país, mas não posso ignorar o fato de ter sido aqui que também cresci e que continuo a crescer – foi aqui que também se fundou o meu ser, uma outra parte do meu ser, um outro ponto de partida, a reiniciação de eras dentro duma era principal que é a vida como um todo. A efemeridade, por mais que nos custe, é inevitavelmente bonita e adiciona beleza a todos os pormenores da vida – o início, o meio e o fim fazem parte do processo e é nosso dever e privilégio desfrutar e viver estas etapas. O que importa é viver o momento, viver o presente, sendo que o passado é apenas uma desculpa para se abstrair do presente, não obstante que, ainda assim, é fundamental para nos apercebermos dos diferentes fragmentos do nosso ser, permitindo a uma melhor vivência futura. Gosto de deixar uma pausa maior do que um ano exatamente para ter esta intenção de haver um espaço de tempo para crescer e para se desenvolver como pessoa, evitando demasiadas nostalgias desnecessárias, porque, intrinsecamente falando, o momento presente também será alvo destes momentos de nostalgias, também será alvos destes momentos de saudades e de permanência residente na memória. O passado e o futuro são apenas distrações para o momento que é o agora, apesar de serem pensamentos inevitáveis e até essenciais. O nosso objetivo aqui acaba por fazer com que o presente seja o melhor desfrutado possível, para que sintamos que haja o dever cumprido, que haja aprendizagem e que haja um ser que se evoluiu e que esteja preparado para um término porque tudo fez e tudo terá feito para chegar ao fim.

Desde que Macau passou a ser uma região administrativa especial da República Popular da China em 20 de Dezembro de 1999, sofreu transformações, mudanças que para quem viveu e cresceu lá durante anos e que agora apenas visita esta cidade ocasionalmente, sinta uma certa melancolia, uma certa dor de que a cidade que onde antes se vivia já não existe. A pouco e pouco, esta cidade tem-se transformado no tão chamado “Las Vegas asiático” e, analisando bem, sim, acaba por ser verosímil. Os edifícios que tanto se conheciam ofuscados por novos e maiores edifícios/casinos, mais pessoas, mais luzes, mais movimentação e fundamentalmente mais dinheiro em movimento. Mais felicidade? Não. Mais terreno construído em cima de mar, mais pontes e quase que como uma abolição de tudo o que é passado. Claro que ainda existem restos daquilo que era o Macau pré-

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transformação radical: ainda existe a estátua da A-Ma, ainda existe algum mosaico e algum pavimento português, Coloane felizmente ainda tem algum espaço verde e a sua vila (como sempre um lugar agradável), a Escola Portuguesa de Macau ainda continua intacta...porém vejo que grande parte destes espaços acabarão mesmo por também se desaparecerem, uma vez que o fascínio pelo património histórico desta ex-colónia portuguesa é cada vez menor – os chineses dos terrenos dito “Main Land” (fora desta região administrativa especial e excluindo Hong Kong, a cidade vizinha) cada vez mais invadem esta cidade, cada vez há mais uma aposta pelo jogo, pelo lucro para a economia chinesa que esta cidade trará e tem trazido, no entanto esquece-se aqui um ponto crucial – que nem tudo é dinheiro. Há aqui vidas feitas, há aqui pessoas que traçaram os seus percursos e que construíram as suas histórias. Não é por estes casinos, não é por haver mais “desenvolvimento” que esta cidade passará a ser melhor do que nunca, pelo contrário Macau começa-se a tornar inabitável e, por vezes, intragável, tendo em conta a loucura que é em termos de densidade populacional, começa a haver uma certa apatia por parte dos seus habitantes pelo modo de viver nesta cidade. Muitos dizem que “não há nada para fazer” e acabam mesmo por viver com os olhos fixos nos ecrãs dos smartphones que tão preciosamente possuem. Qual é o sentido da vida neste novo estilo de vida? O novo app que agora “toda a gente” tem? Aquele vine engraçado que tem ganhado popularidade? Ou aquele novo jogo que agora parece ser um “trend”? O ponto que quero aqui destacar é que, sim, esta cidade tornou-se imunda de gente e mais uma cidade chinesa do que propriamente uma cidade multicultural, mas para quê tanta apatia? “Nada para fazer”? Antes pelo contrário, muito para fazer. É uma cidade que, apesar de tudo, ainda herda um grande passado, não muito pelas suas infraestruturas, mas muito pelas suas pessoas e pelos seus feitos. Sim, os macaenses, como eu, encontram-se dispersos pelo mundo, porém ainda há muitos que andam na sua origem, as relações humanas criadas nesta cidade são o que construíram estes momentos que tanta nostalgia trazem e que tanta nostalgia poderão ainda trazer.

Volto sempre para esta cidade com um sorriso nostálgico e cada vez mais saio com um orgulho maior, sabendo que cresci e que para sempre levarei os momentos que vivi nesta cidade para a frente. Os momentos a ver anime na minha infância, os jogos, as idas à escola com a empregada filipina, os jantares grandes de família, as brincadeiras com os amigos de infância, as refeições a comer massa ramen no Polka Café e os demais serão sempre momentos que guardarei na memória e é claro que também se criam mais novos momentos nestas visitas de regresso, apesar de curtas. Macau

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A minha decisão final de entrar em medicina veio acompanhada da decisão de tirar um gap year, um ano sabático. Queria muito vir para o curso mas não tinha coragem para entrar nesta longa aventura sem antes explorar outro dos meus grandes sonhos - o de viajar. Não me considerava capaz de esperar 10 anos ou, sequer de completar os meus estudos em condições, devido à ânsia de partir à descoberta livre do mundo e de experiências diferentes num período maior que o das férias de Verão... Por isso assim que soube que tinha entrado, fiquei resolvida a tirar o ano.Olhando para trás foi a melhor decisão que tomei. Regressei como prometido, muito feliz e com a sensação de vir até mais preparada, dada a variedade de situações por que passei e que alterou a minha lista de valores. O balanço final foi deveras positivo mas devo referir que, no início, não foi assim tão fácil.Primeiro problema: pais. “A minha filha que ia ser médica decide agora virar vagabunda??” Escândalo e pânico na casa. Neste momento,

foi necessário impor-me e opor-me um pouco à autoridade deles em prol do que eu considerava os meus objectivos máximos de vida. Agora que o meu quotidiano se passa maioritariamente na faculdade, já admitem aliviados que “até foi uma experiência muito enriquecedora para a minha formação”.Segundo problema: trocos. Como me vou sustentar no estrangeiro durante um ano. As oportunidades de emprego não qualificado no estrangeiro para quem fala inglês, ou a língua do país pretendido, são variadas e pagam tanto ou mais que o ordenado mínimo nacional; de modo que, cada gapper acaba por encontrar uma solução: desde trabalhadores agrícolas (nas vindimas em França ou apanha dos morangos na Holanda) a au-pairs (geralmente, uma rapariga estrangeira que vive com uma host-family e cuida das crianças) nos Estados Unidos, desde recepcionistas de hotel em Ibiza a instrutores de snowboard nos Alpes, de empregados de restaurante em Londres a professores de português em Sidney.

Fazer um Gap Year

não é apenas uma cidade, é a minha vida, é um estado que para sempre viverei e que para sempre levarei para onde quer que fosse, porque, afinal, eu sou macaense (pessoa com metade sangue português, metade sangue chinês, originária de Macau). Se um dia voltarei a visitar esta cidade? Sim. Se um dia exercerei atividade médica em Macau e viverei lá? Veremos. Por agora, a Faculdade de Medicina de Lisboa é suficiente para a criação de memórias infindáveis.

Eduardo Bento

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Outra opção, muito interessante também, é, simplesmente, não receber nem gastar dinheiro (ou pelo menos, muito pouco) e, ainda assim, viajar através da participação em projectos de voluntariado de médio a longo prazo. Existem já bastantes associações orientadas para proporcionar um contacto gratuito entre voluntários desejosos de ajudar e instituições que precisem de ajuda - estas são consideradas “low cost” uma vez que já se desenvolveu toda uma indústria de agências turísticas - sobretudo nos países onde gap year é uma ideia já muito popularizada como o Reino Unido, a Holanda, a Suécia, etc - que oferecem pacotes de voluntariado menos interessantes do ponto de vista da experiência pessoal, mais caros e exploradores das próprias comunidades locais.Ideias mais específicas e fáceis incluem trabalhar em quintas agrícolas a troco de um tecto, comida e excelente convívio, num hostel que ofereça alojamento numa dada cidade mediante uma ajudinha nas limpezas ou, por exemplo, embarcar como tripulação nalgum veleiro em cruzeiro que, além das vantagens já mencionadas, também inclui a passagem e emoção da navegação - muitas travessias do Atlântico em Dezembro, da Europa para as Caraíbas, levam viajantes neste regime.Por último, o mais complicado é, muitas vezes, escolher. Para onde ir? O que fazer? O que visitar?Aqui o leque de ideias alarga-se ainda mais. Tanto se pode ficar num só país como andar a pulular por vários numa dada região ou até dar uma volta ao mundo. Pode-se preferir ficar pelo conforto e modernidade dos considerados “países desenvolvidos” ou experimentar a

imensidão e diversidade dos “países em desenvolvimento”. Há quem prefira parar num único lugar durante meses porque lhe parece o paraíso e há quem esteja em constante movimento à mochilão (backpacking). Também se pode optar por umas férias luxuosas em destinos de sonho ou alinhar, pelo contrário, numa expedição dura, exaustiva e perigosa a atravessar desertos, escalar picos e glaciares ou mapear florestas tropicais. (É mais fácil do que se pensa encontrar estes grupos). Para outro tipo de aventureiros o ideal mesmo é pedir boleia e dormir em casa de desconhecidos que se tornam amigos ao longo do caminho.Um cheirinho das ideias mais aliciantes para estudantes abrange o famoso Inter-Rail na Europa, o Banana Pancake Trail no Sudeste Asiático, a descida da Costa Oeste da América do Sul, a Kiwi Experience na Nova Zelândia, a peregrinação até Jerusalém, atravessar os Estados Unidos coast-to-coast de carro, o Expresso do Médio Oriente, os safaris na África do Sul, a rota das Caraíbas, a volta à Índia ou todo o território australiano, percorrer a Muralha da China de uma ponta à outra.Os meus planos alteraram-se radicalmente ao longo do ano e o meu esboço inicial do que pretendia transformou-se num ano completamente diferente. A escolha do sítio para onde vamos ou do que lá vamos fazer acaba por não i portar muito, o preponderante é ter espírito aberto a todas as oportunidades e aproveitá-las ao máximo.

Maria T. Santos

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#21 Viagem

J a n e l a d e e x P r e s s ã o

Handwriting

Já Te Disse Que Gosto de Ver O Pôr-do-Sol?

Dead Men Tell No Tales

ad æternum

Vida Em Claro

A Song Of Dark And Light

Pensamento

Noites Mal Dormidas

Catarina Paias Gouveia

Catarina Paias Gouveia

José Durão

José Durão

Renato Laia

Pedro Simões

Ricardo Vieira

José Filipe Santos

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HandwritingToday I found myself laying in a mind gameFull of Mourning MelodiesAnd other Morning MemoriesI didn’t even stop for breakfast. That lace dress of yours tangled up my speech and I really couldn’t say my goodbyes. So here’s my handwritingElongating these apologies of mine

Sometimes I wonder why I am so fond of your Hide and Seek games.Truth is I woke up in the middle of a dreamWithin secret pillows and chasing gigglesAnd, well, all I could do would be to watch you sleepRolling over those morning moans of yoursThose morning moans of yours that I’ve never come to understand.

Sometimes you give me the feeling that I haven’t woken up yet, you know?And after I observed your curvy laughter, the fate of my eyes had to be compelled.Oh there’s not much to say , is there, darling?I hope you do not forget your shoe ‘cause I’m not your prince anymore, CinderellaSo here’s my handwriting,Another Morning Souvenir of mineSo here’s my handwriting,This quiet Farewell of mine.

Catarina Paias Gouveia

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Já te disse que gosto de ver o Pôr -do-Sol?Já te disse que gosto de ver o Pôr-do-sol? Ao contrário? Nua?

Não é nenhum acontecimento pornográfico ou romântico. É uma questão existencial. Não me lembro da sensação de ter o mundo por descobrir, sabes? É por essa razão que decido pôr-me

de pés para o ar, assim, em complicada compleição, a ver o mundo pela minha janela. As pessoas são diferentes ao contrário, sabias? E não, não é uma questão de inversão dos eixos!

São mesmo diferentes. Parecem outras pessoas. Gostava de saber que raio de pessoa sou eu, assim, ao contrário…

Se eu fosse diferente, continuaria a ser eu mesma. Acho que todos somos assim. Deitamo-nos uma pessoa e acordamos outra, como se os sonhos nos transformassem por completo.

E é verdade, os sonhos mudam pessoas. É a verdadeira e causticada revelação. Eu tenho muitos sonhos. Ver o pôr-do-sol ao contrário funciona como um sonho, conjugado

em pura plenitude. Sou outra. Ou, então, o mundo é que é outro. Mas, no final, que importa? É tudo uma questão de se ver as coisas nua e ao contrário. A ti ainda não te vi ao contrário,

nunca te vi assim, não.

Catarina Paias Gouveia

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O primeiro a chegar foi o afogado. Faltavam dois minutos para as sete horas da manhã, que é como quem diz que eram sete menos dois ou seis e cinquenta e oito, que nestas coisas do tempo que é há sempre quem queira acrescentar uma brasa à sua sardinha, para que não esfrie e porque se ele tem, eu tenho que ter, senão maior, pelo menos igual, fossem assim no tempo que faz em vez do que é e, oh alegria!, tínhamos sempre sol na eira e chuva no nabal e ninguém era infeliz, e ninguém era pobre, e ninguém era chato, e ninguém se aguentava, fossem os músicos, por ora ainda as gaivotas, pois que a festa ainda não principiou, que se passeiam curiosas à volta do afogado tão mimosas assim e já eram donas de nós, e das nossas barracas, e das nossas bonanças, e de todos os nossos segundos, que entretanto passaram na medida de vinte e cinco dos cento e vinte que faltavam para as sete da manhã, que é, falta indicar, o exacto momento em que se inicia este relato. E é preciso notar, dê-se ambas as mãos, e os pés se necessário, às palmatórias amareladas e gretadas das aves supracitadas, das quais, de resto, se espera nada menos do que a honra desse secular mútuo acordo entre primeiros navegadores e gaivotas, entre exploradores e gaivotas, entre piratas e gaivotas, entre marinheiros e gaivotas, anotado em quilhas e velas, sussurrado por escotas e adriças, pois não fosse o harmonioso grasnar com cheiro a lixo, que abafaria e destruiria por reverberação qualquer arquétipo da mais povoada torre de Babel que se conseguisse idealizar, e ainda o rotundo inspector, terceiro a chegar à cerimónia,

estaria no seu rotundo leito, enrolado nas rotundisses da sua não menos rotunda esposa, muito provavelmente a sonhar com tudo o que de mais rotundo e delicioso há neste rotundo mundo, em vez de estar neste momento, que, como já foi elucidado, corresponde às sete horas matutinas do último dia do sinistrado em causa, a falar grave e dolentemente com um velho pescador enrugado e mal-tratado do sol e do sal, cada ruga a mexer-se a cada sílaba e cada ruga de cada ruga a contorcer-se em uníssono, num esforço que se diria hercúleo para tão sequíssima pele, velho este que, já se percebeu foi o segundo convidado a chegar, nada tinha a dizer a não ser que nada tinha visto. Um desconhecido?, mal-amanhada pergunta que nenhuns ouvidos alcançam, olha afinal entendeu, viremos as costas aos milagres que o gajo de bruços ainda salta da piscina e depois nem o crawl nem a mariposa vos safam, Nunca o vi mais bêbedo, retorna o rugoso a resmungar que rapazes roubados de alma dentro de água são motivo de fúria de neptuno, que nem o pai dos milagres nos pode salvar desse, e que seria melhor, primeiro que tudo e primeiro que a rotunda acabe, deslocar o afogado, sair deste ciclo vicioso de almas a roubarem almas, por justiça marinha e da, irra novamente, milagre que nos livre desta é que não há, questão de se ele tem eu tenho que ter, obviamente que para o caso é necessária uma inversão, se eu tenho ele tem que ter. Interrogações ultrapassadas, parece até que foram muitas e diversas mas, não se conhecendo nada, desconhece-se que outras questões fazer, a não ser talvez quantas

D e a d M a n T e l l N o T a l e s

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rotundas há entre a mais recente habitação do sujeito celebrado e a rotunda-mãe que não é mãe nenhuma, escusa-se o dizer que há quem diga que é mãe eterna e mãe galinha e que os ovos fizeram greve ou ela fez greve deles e nenhum jamais se viu posto, assim deposto do seu posto natural, incha então a galinha, parece o peru de natal, só que para todos os natais de uma vez só, naturalmente. Já a rotunda parece então mais próxima quando o trânsito complica. Claro que sou muito anti-social num engarrafamento, mas sou uma excelente pessoa, uma jóia mesmo, Das cinzas faça-se diamante!, promete a mulher, Algo a declarar fulano?, Cheguei mesmo agora senhor, Algo a declarar sicrano?, Vi mesmo agora senhor, Algo a declarar beltrano?, Venci mesmo agora senhor, Óptimo, então estamos despachados, e põem-se a circular quarto, quinto e sexto membros da celebração, não pela rotunda, obviamente, isso rotulava-se o rotundo de encarnado e encornado, e isso não é coisa que se queira, que ele faz falta, nem que seja para faltar a quem precisa, e, graças ao mariola!, que chegou em último por conta da venerandíssima avó ou bisavó ou trisavó, não importa, de qualquer forma ela não se lembra, puxou o rapazote pela manga do imundo e decadente casaco do senhor que o foi três vezes, Acorde! Não reparou no beltrano?, insurge o pequeno, com as cestas e as idades amarfanhadas num só atrás de si, a arfar de reumático e de sabedoria. Volta e meia dá o encasacado senhor inspector e com os rotundos olhos salta frenético de mariola para velha e de velha para cesta e de cesta para mariola e de mariola para músico que vai a passar com uma sardinha presa no trompete e de músico para fulano, sicrano e, finalmente, rolam os rotundos olhos para cima de beltrano. Pare! Ora essa, em nome de quem vamos lá a saber? Em nome de mim e da lei, que são uma e a mesma coisa e não deixam as cortinas do nevoeiro que entretanto se dissipa perturbar estes dois que o fogo há-de

comer e transformar em brilhantes! Olhe a lata! Não é lata, é diamante! Não atendo a caprichos! Mas detenha-se, pare-se, estaque-se homem!, já disse que está enclausurado, teoricamente para já mas fisicamente muito em breve, basta que deixemos este sinistro lugar, passemos as rotundas e evitemos a última para fazer o desvio para a casa das janelas axadrezadas. É que só por milagre me vou senhor!

Meu dito, meu bem feito e mal feito, e de qualquer modo feito. Calam-se os músicos que a hora acabou e não lhes pagaram uma segunda, deixa-se estar o enrugado a enrugar as redes e os enfeites, arranjam fulano e sicrano as boleias para o caminho de regresso que obrigue a menos rotundas, brinca o mariola com os restos de madeiras que foram casca de noz e são soldadinhos e cavalos nos seus sonhos acordados e adormecidos, e só a avó ou bisavó ou trisavó feita cozinheira é que se dispõe a dispor mais comida na mesa, porque, na vista das velhas que já é pouca, falta sempre qualquer coisa, e nós não nos queixamos, e tudo isto se desenrola e finaliza, e o anfitrião decide pôr término ao encontro. Ergue-se da poltrona que range, ele próprio a ranger de rigor e de retesamento, e comanda as hostes perfeitamente, sem sequer abrir o salão de baile, ou melhor, abre, mas ao som de um nostálgico Whiter Shade of Pale, que foi a transformação cromática que se deu nos convidados, até a velha viu melhor e, pasme-se!, até o rotundo senhor inspector se agilizou para a rotunda mulher com a velocidade com que a inchou de filhos.

Uma única onda foi o tempo que durou a despedida. O morto achou-se arrependido da reunião e decidiu-se a ir descansar para outras praias. Apagou as luzes e fechou a porta. Faltava um minuto para as oito horas da manhã. O último a sair foi o afogado.

José Durão 1 de Outubro de 2013

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ad æternum

Anda, corre e balança a máquina.

Divino futuro,incondicional.

Anda, corre etorce a escada.

Injusta batalha,anti-natural.

Anda, corre emuda o mundo.

Real perigo, seta fatal.

Anda, corre esalta o número.

Negro sangue,veneno do mal.

Anda, corre e morre a mente.

Brilhante ilusão,estado banal.

Ad

æte

rnum

Anda, corre e grita o fantasma.Artista louvado,

imagem real.

Anda, corre e recorda para sempre.

Máquina d’ouro,fita infernal.

E anda e corre e esconde o segredo:que as estradas se erguem e matam

de medo.

E os Jokers trocistas,que as almas roubaram,

riem do homemque anda e que corre,

pois as estradas da vidanão param...

não param...

não param…

José Durão

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#21 Viagem

«Chego do emprego tarde a casa,Venho cansado que nem um cão,Sinto uma moleza que me arrasa,Estendo-me ao comprido no colchão.

Porém o sono tarda em pegar,Coisa que vem sendo recorrente,Antevejo a insónia a chegarE trago o cérebro tão dormente!

Dou voltas e revoltas na cama,Nada há que me faça dormir.Levanto-me do leito (Que drama!)E vou à varanda distrair.

Queimo cigarro atrás de cigarroInspirando, raivoso, a fumaça.Horas passam num vagar bizarroDurante outra noitada sem graça.

O relógio dá a meia-noite,Ouve-se ressoar o badalo,Gasta-se a noite, renasce o diaOuve-se ao longe o cantar dum galo.

É já dia, já veio a manhã!Finalmente venceu-me o cansaço...Chega o sono em pézinhos de lã,Do tabaco já só sobra o maço.

Deixo-me cair entre os lençóis,Absorvo o fresco que a cama tinha,Mas toca logo o despertador,Essa tão estridente campainha!

Nem deu tempo de fechar os olhos

Este meu tão breve dormitar,Nem deu p’ra saber da cama os folhos,

Ando há dias sem descansar...

Chegou o tempo de levantarAinda eu não pude dormir nada,

Urge a pressa p’ra ir trabalhar...Que vida esta! Mas que maçada!

Vou andando em piloto automáticoA caminho dum reles trabalho,

Sinto o corpo num queixar somáticoRelembrando-me que eu nada valho...

Começo o execrável ofícioQue me vai dando para comer,

E permite sustentar o víciode ver os cigarros a arder.

Mas é este um labutar sem gozo,e quando é sem gosto, muito cansa.

Passo o tempo num sofrer penosoE em mim só o desespero avança!

Como tudo isto é detestável,Ter que trabalhar para viver!Esta vida é tão abominável...

Só queria poder desnascer!

Ao menos que m’ajudasse o sono,E que eu pudesse, enfim, descansar...

O dormir largou-me ao abandonoDeixou-me, azoado, a definhar! »

Renato Laia

Vida em claro

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A Song of Dark and LightNo escuro da noite o nosso coração pára.Eu deixo de ser eu, tu deixas de ser tu.Somos apenas autómatos de um mundo de medo e de vingança…E a nossa mente, deixada ao abandono,Rodopia sem parar num fluxo de desespero,Imersa nas angústias do passado,Presa nos terrores do futuro.

O presente não existe.Cada momento, cada emoção,Perdidos num mar de sargaço com correntes traiçoeiras;À deriva no sofrimento daquilo que já foi,Daquilo que poderá vir a ser.

A vida desaparece, de tantos projectos marcados,De tanto esforço para a agarrar.Os sonhos escorrem-nos por entre os dedos,Fugindo no último momentoSempre tão perto, mas infinitamente tão longe.

No cemitério da noite, nós estamos mortos,Esperando que a vida passe,Aguardando o pequeno raio de Sol da manhã.

Abre-se uma porta.A luz cega-nos, despedaça-nos.O fogo envolve-nos em câmara ardente.

Um processo de mudança, um sacrifício.Um grito mudo de dor e descrença, ecoando no silêncio da noite.Que noite? Que dor?Nada mais importa.

……………………………………………………….

Abrimos os olhos, e a noite fugiu.Tudo à nossa volta é cor, é perfume, é alegria,

É a música da Vida e do nosso coração em alvoroço.

É o prazer do momento, a emoção puraA nossa mente num êxtase de paz e harmonia.

O que já foi não existe.O que será não existe.

Só existe Luz.

Porque depois da noite, vem sempre uma manhã.Porque depois do Inverno, vem sempre a

Primavera.Porque depois do sacrifício, vem sempre a

recompensa.Porque depois do sofrimento, vem sempre a

esperança.

A vida é o Yin e o Yang,Duas partes opostas de um só todo.

Irmãos que, de braço dado, dançam num ciclo sem início nem fim.

Para haver vida, tem de haver a morte.Para haver luz, tem de haver escuridão.

E assim, transformados finalmente em nós próprios,

É com o fogo da esperança que nos levantamos,A aceitação em cada gesto,

A confiança em cada passo,A nossa estrela iluminando o céu da noite clara.

Pedro Simões

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Pensament o

A essência do homem é a de estar agrilhoado a uma liberdade que não é sua. O martírio da sua existência está destinado no selo embrionário de ser simultaneamente livre e mortal. Deram-te um doce amargo que não podes usufruir, a liberdade não é tua pobre homem mas também não é toda não tua pois foste livre para a morte que se sepulta na terra, foste livre para não seres livre, no entanto, e sempre no entretanto desse tanto tão escasso e ténue do teu respirar, bebeste desse néctar divino, dessa liberdade que rasteja nos cantos lamacentos da tua carne, e de tanto escorregar em ti deixou o rastro da inconsolável esperança de beberes perenemente nessa dádiva divina. E quando te destes a pensar nesse ávido desejo, soltaram-se as bacantes da tua vontade de poder mas de novo olhaste para ti e reparaste que morres a cada desejo onde desejas viver…

Portanto, se queres ir mais longe ama a morte com a liberdade de quem morre por amor, pois o amor, esse Outro, é a continuação da liberdade projectada pela fragilidade do teu existir… o Outro te dará essa liberdade na recordação que resguarda a tua finitude pois só quem está vivo pode estar livre, livre da morte, livre de ser esquecido. A recordação é uma manifestação dessa tua liberdade que te fez homem mesmo quando o deixaste de ser.

Assim, a tua liberdade foi para ti, de seguida em ti mas para um Outro, e no fim só e somente para o Outro, agora estás presente ausente, já não deliberas mas fazes deliberar, já não decides mas fazes decidir, já não amas… mas fazes amar aquele que deixaste eternamente solitário… No entanto, jamais solitário enquanto a morte não morrer nessa saudosa reminiscência que dá vida à morte e que da morte fez vida…

Ricardo Vieira

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Mais injusto que esta insónia,És tu, menina mulher, e a tua memória,

Que me assombra de noite em sonhos,E me traz saudade molhada aos olhos.

Mais injusto que esta insónia,Apenas e somente esta luta inglória,

Ser feito para amar, feito p’ra sofrer,E trazer desse plúmbeo mar o presságio de morrer.

Por ti. Sem ti. Em ti. Sim, morrer em ti,Qual espuma na areia, tragando o que não vivi,

Contigo.

Mais injusto que esta insónia?Não sei, talvez a história,

Que de tão forte te amar me deixaste assim,Podar os ramos ao que juraste não ter fim.

Troca-se o livro puído pela estátua de mármore,Enquanto os frutos, esses, apodrecem na árvore.

Troca-se o teu regaço pelos lençóis alvos e gelados,Onde eu não durmo, mas os sonhos repousam calados.

De que serve, afinal, sonhar?E a ti que eu quero amar,As minhas esperanças em ti confiar,Os teus sonhos em mim guardar,São as tuas cicatrizes que quero beijar.

Mais injusto que esta insónia?Não sei, tenho de dar a mão a palmatória,

Olvidam-se agora os teus lábios de veludo,Olhos sublimes, lábios sedentos, tirem-me tudo!

Deixem-me calmo e sereno na prisão da mente,Apenas com um eco, ressoando tenramente,

“Amo-te... Não sei quem sou, mas sei que te amo... Amo-te, amo-te, amo-te.”

Mais injusto que esta insónia?Ser tua, amor, a derradeira vitória!

José Filipe Santos

N o i t e s M a l D o r m i d a s

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e s T ó r i a s c l í n i c a s

Sociedade Ansiolítica

Hospital

Inês de Sousa Miranda

Joana Marques

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S ociedade An siolít ica

As pessoas que se arrastam na calçada são fracas. Transportam em nuvem um ego apáti-co, baço e emético. Olham psicóticas, com as pupilas dilatadas, mas a sua postura é ben-zodiazepínica. Não falam, sedadas por um sistema hipnótico intravenoso e inalatório, mas constroem, em silêncio nas suas mentes, anastomoses esquizofrénicas, hiperes-timuladas pela via mesolímbica. Alucinantes e delirantes, disparam neurotransmis-sores de dopamina contra imagens que refletem numa realidade imaginada, sombras hipócritas e mesquinhas da sua própria mentalidade. Criticam pós-sinapticamente neurónios inocentes, até atingirem um estado de excitotoxicidade. O glutamato corre-lhes nas veias, viciando cada receptor NMDA, cuja plasticidade sináptica regrediu, e o que resta nos crânios ocos são meros mediadores inflamatórios e iões cálcio contami-nantes que flutuam energeticamente. Viciadas anticolinergicamente, fogem ao inova-dor, refugiando-se em abrigos antimuscarínicos, regredindo e desfalecendo numa hi-potensão ortostática de longo-prazo. E aguardam, pacientemente, por uma terapia de substituição, em que a injeção de naltrexona intelectual já não é suficientemente potente. Assim viajamos em analepse, retrógrados no tempo, pintando a carvão as pare-des coloridas de uma felicidade que nos fugiu dos pés, fazendo-nos escorre-gar e cair num abismo com tempo de semi-vida indeterminado, cuja janela ter-apêutica nos sufoca em claustrofobia e nos congela as cordas vocais sedadas de opióides preguiçosos e inertes. Arrastamo-nos em fuga, numa viagem que poderia ser brilhante se lhe invertêssemos o sentido, a rota do destino. Mas as mon-tanhas são demasiado altas e lá ao fundo chove torrencialmente e faz frio. Refu-giemo-nos em cobertores de cobardia, porque correr descalços dói demasiado.

Inês de Sousa Miranda

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Em todo este lamentoNão cabe a brisa salgadaO cheiro a gasolina queimadaE o Sol.As nuvens brancas que espreitamEmbaladas pelo ventoE cá dentro…

A criança que chora e o velho que gemeAs feridas da tua almaE o sangue que repousa seco no chão.

Sombras que passam e que vãoSorrisos sem saberem que o sãoNa alvorada do serQue acaba de nascer.

Eu, tu, todos estes anos…O tempo e o espaçoEm câmara lenta, no corrupio dos rituaisSomos como os demais.

Deita a tua cabeça no meu colo.É aqui que chegamos a casa.

Joana Marques

Hospital

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I hear them often now and think backor I think and wonderand I hear them often now and thinkis this the day they come?

there is me and Alli and we’re behindthat dumpster and it is darka little cloudy maybebut darkness covered in denimand I smile and she smilesand we know

they were playing off in the distance andI wondered then like just nowif it was real that they were really coming

I laugh about it a lot afterwards

the monotony of knowing you’re nota part of it but you are all of it and you’vejust been lost in the opiate receptors and things

I remember pulling our lips separating andthe cloudsand the denimbut I don’t remember feelingthe steel go warm

Joshua Robert Long joshuarobertlong.com

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