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RESUMO Desde os tempos mais remotos da História da Humanidade, têm-se registros de objetos, gravuras e esculturas na forma de poliedros. Na Grécia Antiga, os poliedros foram estudados de forma sistemática, inicialmente, pelos pitagóricos. Platão associava a cada um dos quatro elementos básicos da natureza - terra, água, ar e fogo - um poliedro regular. O dodecaedro representava o cosmos. Esses cinco poliedros convexos regulares, os poliedros de Platão, são, posteriormente, construídos de forma sistemática, por Euclides, no Livro XIII de seus Elementos. Arquimedes, no século III a.C., constrói poliedros semirregulares a partir dos poliedros de Platão. Aos treze poliedros de Arquimedes correspondem, respectivamente, treze duais denominados poliedros de Catalan, poliedros convexos não regulares. No século XIX, Cauchy demonstrou que há apenas nove poliedros regulares: os cinco poliedros de Platão poliedros regulares convexos - e os quatro poliedros de Kepler-Poinsot poliedros regulares não convexos. A estética dos poliedros regulares aparece, de maneira expressiva, nas obras de Arte e na Arquitetura de diferentes culturas. O cubo é um poliedro de muitas histórias: o problema da sua duplicação é uma história antiga, o hipercubo, uma história muito contemporânea.

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RESUMO

Desde os tempos mais remotos da História da Humanidade, têm-se registros de

objetos, gravuras e esculturas na forma de poliedros. Na Grécia Antiga, os poliedros foram

estudados de forma sistemática, inicialmente, pelos pitagóricos. Platão associava a cada um

dos quatro elementos básicos da natureza - terra, água, ar e fogo - um poliedro regular. O

dodecaedro representava o cosmos. Esses cinco poliedros convexos regulares, os poliedros de

Platão, são, posteriormente, construídos de forma sistemática, por Euclides, no Livro XIII de

seus Elementos.

Arquimedes, no século III a.C., constrói poliedros semirregulares a partir dos

poliedros de Platão. Aos treze poliedros de Arquimedes correspondem, respectivamente,

treze duais denominados poliedros de Catalan, poliedros convexos não regulares. No século

XIX, Cauchy demonstrou que há apenas nove poliedros regulares: os cinco poliedros de

Platão – poliedros regulares convexos - e os quatro poliedros de Kepler-Poinsot – poliedros

regulares não convexos.

A estética dos poliedros regulares aparece, de maneira expressiva, nas obras de

Arte e na Arquitetura de diferentes culturas. O cubo é um poliedro de muitas histórias: o

problema da sua duplicação é uma história antiga, o hipercubo, uma história muito

contemporânea.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 3

2. POLIEDROS ............................................................................................................. 10

2.1. Definição ..............................................................................................................10

2.2. Classificação .........................................................................................................11

2.3. Teorema de Euler ..............................................................................................

3. POLIEDROS DE PLATÃO .....................................................................................

4. POLIEDROS DE ARQUIMEDES E SEUS DUAIS ..............................................

5. POLIEDROS DE KEPLER-POINSOT ...................................................................

6. UM POLIEDRO ESPECIAL: O CUBO ..................................................................

6.1.A Duplicação do Cubo .......................................................................................

6.2.O Hipercubo .......................................................................................................

REFERÊNCIAS ............................................................................................................

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P O L I E D R O S

1. INTRODUÇÃO

A linguagem visual, as figuras e as formas parecem ter precedido à escrita e aos

símbolos numéricos como forma de expressão e comunicação humanas. Há registros

pictóricos da atividade humana anterior à escrita1. O homem antigo registrou em diferentes

materiais (paredes de pedra, interior das cavernas, tabuletas de argila, cascas de árvores) suas

intenções, crenças e realizações.

Figura 1.

(a) Gravura rupestre em Vila Nova de Foz Côa, Portugal;

Fonte: (http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/18/Rock_Art_Foz_Coa_01.jpg)

(b) Pinturas rupestres no Parque Nacional de Catimbau, Pernambuco, Brasil.

Fonte: (http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a9/Pinturas_Rupestres_-

_Vale_do_Catimbau_-_Pernambuco_-_Brasil.jpg/)

1 Há cerca de 40 000 a.C., o homem do período Paleolítico Superior deixou registradas, em abrigos ou cavernas,

em paredes e tetos rochosos ou em superfícies rochosas ao ar livre, representações artísticas, pinturas, esculturas

e gravações, a que damos o nome de Arte rupestre. As pinturas encontradas por arqueólogos em diferentes sítios,

na Europa, na Ásia e na América, impressionam, seja pela policromia, seja pelo realismo, ou então, pelo

tamanho e volume. Na Caverna de Altamira, Espanha, denominada Capela Sistina da Pré-História, a pintura

rupestre do bisonte, grande animal mamífero, impressiona pelo tamanho e pelo volume conseguido com a

técnica claro-escuro. A arte rupestre, preservada por milênios, fez das grutas pré-históricas os primeiros museus

da humanidade.

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Figura 2. Teto de Altamira (reprodução), Museu Arqueológico de Espanha.

Fonte:(http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/68/Techo_de_Altamira_%28replica%29-

Museo_Arqueol%C3%B3gico_Nacional.jpg)

As antigas civilizações (algumas com mais de 5000 anos) que se estabeleceram ao

longo dos rios Tigre e Eufrates (Mesopotâmia), do rio Nilo (Egito), do Rio Amarelo (China) e

do rio Indo e Ganges (Índia) desenvolveram um considerável conhecimento matemático de

aritmética e geometria (Fauvel & Gray, 1987). As obras de engenharia e arquitetura bem

como a demarcação de terras para a agricultura exigiam muita habilidade na geometria. Além

disso, havia a necessidade da construção de altares e templos de diferentes geometrias para os

rituais religiosos e o culto aos deuses (Figuras 3 e 4).

Figura 3. Stonehenge é um monumento de pedras pré-histórico em Wiltshire, Inglaterra; arqueólogos estimam

que sua construção deve ter se dado no período entre 3000 a 2000 a.C.

Fonte: (http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/3/3c/Stonehenge2007_07_30.jpg/300px-

Stonehenge2007_07_30.jpg)

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Figura 4.

(a) A Grande Esfinge de Gizé (Egito), estátua composta do corpo de um leão e uma cabeça humana. A grande

esfinge é uma das maiores estátuas lavradas numa única pedra em todo o planeta e foi construída pelo antigos

egípcios no terceiro milênio a.C.. Alguns pesquisadores afirmam que a esfinge seria muito mais antiga, datando

de, no mínimo, 10.000 a.C., a partir de análise do calcário e sinais de erosão causada pela água;

Fonte: (http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/f/f6/Great_Sphinx_of_Giza_-

_20080716a.jpg/300px-Great_Sphinx_of_Giza_-_20080716a.jpg)

(b) Pirâmides de Gizé.

Fonte: (http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/af/All_Gizah_Pyramids.jpg/800px-

All_Gizah_Pyramids.jpg)

A construção de calendários também requeria uma observação atenta do céu e do

movimento dos astros e, naturalmente, a representação das diversas formas observadas. As

necessidades humanas de representar, medir, construir, transformar seu lugar, sua terra, seu

espaço deram origem à geometria (palavra composta pelos termos gregos geo = terra; metron

= medida). A concepção de espaço e forma modifica-se ao longo da história humana (Katz,

2010).

A história da geometria e, em particular, a história dos poliedros podem ser

contadas como uma aventura humana do pensamento, da criatividade, da ciência, da filosofia

e da arte.

Na Grécia Antiga, o filósofo grego Platão (429-347 a.C.) exaltava o papel da

geometria na formação do espírito humano. Segundo Katz (2010), no portal da Academia de

Platão, fundada em Atenas (em c. 385 a.C.), estaria escrito a frase grega ΑΓΕΩΜΕΤɌΗΤΟΣ

ΜΗΔΕΙΣ ΕΙΣΙΤΩ, “Que nenhum ignorante de geometria entre aqui” (p.67). Platão associava

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os poliedros regulares2 aos elementos da Natureza. O cubo estava associado a terra, o

tetraedro, ao fogo, o octaedro, ao ar, o icosaedro, à água e o dodecaedro, ao cosmos (Fauvel &

Gray, 1987).

Figura 5. Associação dos sólidos platônicos aos elementos da Natureza.

Fonte:(http://creavolumen.wikispaces.com/file/view/Poli3.gif/406097294/479x130/Poli3.gif)

Os cinco poliedros regulares (convexos) são chamados de poliedros de Platão por

conta da referência que Platão faz a eles na sua obra Timeu. É provável que o cubo, o

tetraedro e o dodecaedro já fossem conhecidos pelos pitagóricos e o octaedro e o icosaedro,

por Teeteto (Eves, 2008).

Uma vez formados quatro ângulos desse tipo, está composta a primeira figura

sólida3, que divide um todo esférico em partes iguais e semelhantes. A segunda

figura é formada a partir dos mesmos triângulos, combinando-se oito triângulos

equiláteros que produzem um só ângulo sólido a partir de quatro ângulos planos; e

quando se geram seis ângulos deste tipo, o segundo corpo4 está deste modo

terminado. A terceira figura5 é constituída pela conjunção de cento e vinte triângulos

elementares e de doze ângulos sólidos, cada um dos quais envolvido por cinco

triângulos planos equiláteros, e é gerada com vinte bases que são triângulos

equiláteros. Engendrados estes sólidos, o outro triângulo elementar foi deixado de

parte, e o triângulo isósceles engendrou a natureza do quarto6, constituindo quatro

triângulos que coincidiram no centro os seus ângulos retos, formando um único

quadrilátero equilateral. Quando foram conjugados seis deste tipo, produziu oito

ângulos sólidos, sendo cada um deles constituído pela harmonia de três ângulos

planos retos; a figura do corpo constituído foi a do cubo, que tem seis faces planas,

quadrangulares e equilaterais. Visto que havia ainda uma quinta combinação7, o

deus utilizou-a para pintar animais no universo. (...) Mas deixemos agora esse

assunto e distribuamos os gêneros que foram gerados pelo nosso discurso em fogo,

terra, água e ar. Atribuamos à terra a forma cúbica, pois a terra, dos quatro

elementos, é o que tem mais dificuldade em mover-se e, dos corpos, o mais

adequado para ser moldado – inevitavelmente e com certeza que foi gerado deste

modo para que tivesse as bases mais estáveis. (...) Por isso, manteremos a salvo o

2 Um poliedro é regular quando suas faces são polígonos regulares congruentes e seus ângulos poliédricos são

todos congruentes. 3 Tetraedro regular (pirâmide) 4 Octaedro regular

5 Icosaedro regular

6 Hexaedro regular (cubo)

7 Dodecaedro regular

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discurso verossímil se atribuirmos esta forma à terra, e, das que restam, a forma

mais difícil de movimentar à água, a que se movimenta melhor ao fogo e a

intermédia ao ar; o corpo mais pequeno ao fogo, o maior à água, e o médio ao ar; o

que é mais agudo ao fogo, o segundo mais agudo ao ar e o terceiro à água. (...)

Portanto, de acordo com o raciocínio correto e verossímil, estabeleçamos que a

figura sólida da pirâmide é o elemento que gerou o fogo e a sua semente; digamos

que, na ordem de geração, o ar é o segundo e a água o terceiro.

(Platão, 2011, pp. 143-146)

Johann Kepler (1571-1630) formulou uma engenhosa explicação, baseada no

volume/superfície dos sólidos e na secura/umidade dos quatro “elementos” para a associação

que Platão estabeleceu entre os poliedros regulares e os elementos da Natureza. O dodecaedro

é associado ao Universo em razão de suas doze faces correspondendo às doze seções do

zodíaco (Eves, 2008).

Conforme Livio (2011), Platão associava a matemática à verdade, à perfeição, a

Deus. “Para Platão, as únicas coisas que verdadeira e inteiramente existem são aquelas formas

abstratas e ideias da matemática, já que somente na matemática, defendia ele, poderíamos

ganhar conhecimento absolutamente certo e objetivo (p.53).”

As formas geométricas dos poliedros regulares podem ser observadas em

diferentes apresentações na natureza. Os cristais de sulfoantimoneto de sódio tomam a forma

de um tetraedro. Os cristais de sal comum têm a forma de um cubo e os cristais de alúmen

possuem o formato de um octaedro. As formas do dodecaedro e do icosaedro aparecem em

esqueletos de animais marinhos microscópios denominados radiolários (Eves, 2008).

Fonte: (a) (http://www.uff.br/cdme/platonicos/platonicos-html/figuras/platonicos/calcopirita.jpg)

(b) (http://www.uff.br/cdme/platonicos/platonicos-html/figuras/platonicos/galena.jpg)

(c) (http://www.uff.br/cdme/platonicos/platonicos-html/figuras/platonicos/magnetita.jpg)

Figura 6. Cristais na forma de sólidos platônicos.

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Figura 7. Radiolários.

Fonte: (http://www.uff.br/cdme/platonicos/platonicos-html/figuras/platonicos/pattern8.jpg)

Além disso, as formas geométricas dos poliedros regulares, por sua ordem e

beleza, inspiraram e ainda inspiram o lúdico e a arte. No monte Loffa, próximo a Pádua,

Itália, foi encontrado, em 1885, um brinquedo de origem etrusca (500 a.C.) na forma de um

dodecaedro regular (Eves, 2008).

Figura 8. Representações dos sólidos, em esferas de pedra, do período do neolítico, encontradas na Escócia.

Fonte: (http://creavolumen.wikispaces.com/file/view/Poli1.gif/406096756/560x136/Poli1.gif)

Figura 9. Peças de sítios arqueológicos:

(a) esfera tetraédrica neolítica;

(b) dodecaedro etrusco (500 a.C);

(c) icosaedro romano.

Fonte: (http://creavolumen.wikispaces.com/file/view/poliedros.jpg/408821390/poliedros.jpg)

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Em nossos dias, muitas obras de Arte e de Arquitetura, igualmente, retratam a

estética destas formas geométricas, os poliedros regulares.

Figura 10. As formas platônicas na arte e na arquitetura.

(a) Escultura humana;

Fonte: ( https://fbcdn-sphotos-c-a.akamaihd.net/hphotos-ak-frc3/1501808_643509699028888_150163449_n.jpg)

(b) Aldeia dos Cubos, Holanda.

Fonte: (https://fbcdn-sphotos-d-a.akamaihd.net/hphotos-ak-frc3/996081_642130775833447_1273220482_n.jpg)

Figura 11.

(a) Luminária da cripta do Templo da Sagrada Família, obra do arquiteto catalão Antoni Gaudí, em Barcelona,

Espanha;

Fonte: (http://www.snpcultura.org/fotografias/sagrada_familia_barcelona/8.jpg)

(b) “A última Ceia” de Dalí.

Fonte:(http://4.bp.blogspot.com/-oTE_VxpgEFc/Ta_60H2bs6I/AAAAAAAAHb4/MEjyl7fp-

0o/s1600/%2525C3%25259Altima%2Bceia_Dali.jpg)

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2. POLIEDROS

A Matemática, enquanto sistema lógico axiomático, é construída a partir de

definições, noções primitivas, postulados e axiomas, dos quais derivam os teoremas. Os

teoremas matemáticos são, então, decorrências lógicas de proposições anteriores, como elos

de uma corrente.

Mlodnow (2010, p.39) refere-se assim a Euclides: “Por volta de 300 a.C., no

litoral sul do mar Mediterrâneo, um pouco a oeste do Rio Nilo, na Alexandria, viveu um

homem cuja obra teve influência que rivalizou com a Bíblia.” Esta obra matemática

admirável, os Elementos, trata da matemática da época segundo um sistema lógico. No Livro

XI dos Elementos, ele apresenta 28 definições. Entre elas estão as listadas a seguir:

Sólido é que tem comprimento e largura e profundidade.

E uma extremidade de um sólido é uma superfície.

Pirâmide é uma figura sólida contida por planos, construída a partir de um plano até

um ponto.

Prisma é uma figura sólida contida por planos, dos quais os dois opostos são tanto

iguais quanto também semelhantes e paralelos, e os restantes são paralelogramos.

Esfera é a figura compreendida quando, o diâmetro do semicírculo permanecendo

fixo, o semicírculo, tendo sido levado à volta, tenha retornado, de novo, ao mesmo

lugar de onde começou a ser levado.

Cubo é uma figura sólida contida por seis quadrados iguais.

Octaedro é uma figura sólida contida por oito triângulos iguais e equiláteros.

Icosaedro é uma figura sólida contida por vinte triângulos iguais e equiláteros.

Dodecaedro é uma figura sólida contida por doze pentágonos iguais e equiláteros e

equiângulos.

(Euclides, 2009, pp.481-483)

2.1. Definição

Poliedro é um sólido geométrico (figura geométrica tridimensional) limitado por

um número finito de polígonos convexos, que são suas faces (superfícies planas, não curvas).

Poliedro8 (poli+edro) é uma palavra de origem grega: poli - polys - significa várias e edro -

hédrai - significa faces. A interseção de duas faces quaisquer de um poliedro deve ser uma

aresta ou um vértice ou vazia (Lima, 2006).

8 A palavra poliedro pode referir-se a todo o corpo sólido ou a apenas seu contorno (a “casca”).

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Um poliedro possui três elementos básicos: face – superfície plana poligonal que

limita o poliedro; aresta – lado de uma face do poliedro; e vértice – vértice do polígono da

face.

Figura 12. Elementos de um poliedro.

Fonte: (http://www.brasilescola.com/upload/e/Untitled-2(121).jpg)

Os poliedros podem ser nomeados de acordo com o seu número de faces. Assim,

o poliedro de quatro faces é o tetraedro (tetra = 4; edro = faces). O poliedro de cinco faces é o

pentaedro (penta = 5; edro = faces); de seis faces, hexaedro (hexa = 6; edro = faces) e assim

por diante. O poliedro de vinte faces é o icosaedro. Há poliedros que são simplesmente

nomeados pelo número de suas faces, por exemplo: um poliedro de 32 faces.

2.2. Classificação

Os poliedros podem ser convexos ou não convexos. Um plano divide o espaço em

duas partes (semiespaços). Se o plano que compreende cada face deixar todo o poliedro em

um mesmo semiespaço, este poliedro é convexo. No caso em que o plano de pelo menos uma

face dividir o poliedro em duas ou mais partes (pertencentes a semiespaços distintos) o

poliedro é não convexo.

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Figura 13. Caracterização de poliedros convexos e não convexos.

Fonte:(http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/bitstream/handle/mec/10483/open/file/geo1001_arquivos/GEO10

0104a.gif)

Um poliedro pode, também, ser classificado como regular ou não regular. É

poliedro regular aquele que tem todas as faces como polígonos regulares idênticos e que

apresenta todos os ângulos poliédricos (bicos) idênticos entre si.

Figura 14. Poliedros regular e não regular.

Fonte:(http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/bitstream/handle/mec/10483/open/file/geo1001_arquivos/GEO10

0104b.gif)

2.3. Teorema de Euler

A obra de Leonhard Euler, matemático suíço, nascido em 1707, na Basileia, é

vastíssima. Suas contribuições abrangem, praticamente, todos os ramos da matemática, além

da mecânica, ótica e astronomia. Apesar de ter ficado cego de um olho aos 28 anos de idade e,

posteriormente, ao final de sua vida, completamente cego, sua produtividade científica é

espantosa. Em vida, Euler publicou 530 trabalhos, deixando ainda, após sua morte, em 1783,

uma coleção de manuscritos divulgados ao longo de quarenta e sete anos pela Academia de

São Petersburgo, Rússia (Eves, 2008).

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A fórmula de Euler9 relaciona o número de vértices (V), faces (F) e arestas (A) de

um poliedro convexo.

Fórmula de Euler: V – A + F = 2

Esta relação entre o número de vértices (V), faces (F) e arestas (A) de um poliedro

convexo foi descoberta por Euler em 1758.

Anteriormente a Euler, em 1675, Leibniz encontrou um manuscrito que Descartes

teria escrito em 1639 e que continha resultados que chegariam à fórmula de Euler. Ao que

parece, porém, esta consequência não foi notada por Descartes (Lima, 2006).

O teorema de Euler é válido para todo poliedro convexo, mas não só para estes

(Wagner, 2001). Há poliedros não convexos que obedecem à fórmula de Euler (Figura 15).

Figura 15. Poliedro não convexo que obedece à Relação de Euler: V = 9; A = 16; F = 9; (9 – 16 + 9 = 2).

Fonte: (Revista do Professor de Matemática 47, 2001, p.11)

Na verdade, a fórmula de Euler expressa um invariante topológico (X(P) = V – A

+ F), fato descoberto por Poincaré (1893). Hoje em dia, chamamos o número X(P) = V – A +

F de característica de Euler-Poincaré do poliedro P. Em Topologia, poliedros homeomorfos

são aqueles que se transformam um no outro a partir de uma transformação contínua

(imaginemos os poliedros feitos de borracha flexível que podem transformar-se um no outro

por injeção de ar). Assim sendo, a fórmula de Euler V – A + F = 2 é a característica de Euler-

Poincaré de todos os poliedros homeomorfos a uma esfera (Lima, 2006).

9 Uma prova da fórmula de Euler pode ser consultada em Courant & Robbins (2000), pp.272-277.

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3. POLIEDROS DE PLATÃO

Os poliedros convexos regulares, denominados sólidos platônicos, são aqueles

cujas faces são polígonos regulares congruentes e em todos os vértices concorrem o mesmo

números de arestas (Sá & Rocha, 2010).

Os cinco poliedros convexos regulares, que denominamos poliedros de Platão, são

descritos no Livro XIII dos Elementos de Euclides. Neste último livro dos Elementos,

Euclides constrói sistematicamente o tetraedro, o octaedro, o cubo (hexaedro), o icosaedro e o

dodecaedro, nesta ordem, e demonstra que cada um deles é inscritível em uma esfera. Prova

que há apenas esses cinco poliedros regulares.

Figura 16. Os cinco Poliedros de Platão.

Fonte: (http://clavedepi.blogspot.pt/2010/04/os-poliedros-de-platao.html)

Os Elementos de Euclides são uma obra escrita no século III a.C. composta de

treze livros. “Nenhum trabalho, exceto a Bíblia, foi tão largamente usado ou estudado e,

provavelmente, nenhum exerceu influência maior no pensamento científico.” (Eves, 2008,

p.167). O Livro XIII dos Elementos apresenta 18 proposições. Euclides dedica as últimas

páginas desta obra aos sólidos platônicos e determina, para cada um deles, a razão entre a

medida da aresta e o raio da esfera circunscrita.

Proposição 13: Construir uma pirâmide e contê-la pela esfera dada e provar que o

diâmetro da esfera é, em potência, uma vez e meia o lado da pirâmide.

Proposição 14: Construir um octaedro e contê-lo por uma esfera, como nas coisas

anteriores, e provar que o diâmetro da esfera é, em potência, o dobro do lado do

octaedro.

Proposição 15: Construir um cubo e contê-lo por uma esfera, como a pirâmide, e

provar que o diâmetro da esfera é, em potência, o triplo do lado do cubo.

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Proposição 16: Construir um icosaedro e contê-lo por uma esfera, como as figuras

anteriormente ditas, e provar que o lado do icosaedro é uma irracional, a chamada

menor.

Proposição 17: Construir um dodecaedro e contê-lo por uma esfera, como as figuras

anteriormente ditas, e provar que o lado do dodecaedro é uma irracional, o chamado

apótomo.

Proposição 18: Expor os lados das cinco figuras e compará-los entre si.

(Euclides, 2009, pp.577- 589)

Ao fim da demonstração da Proposição XIII.18 (a última proposição dos

Elementos), Euclides afirma e demonstra a existência de apenas cinco poliedros regulares:

“Digo, então, que exceto as cinco ditas figuras não será construída outra figura, contida por

equiláteras e também equiângulas iguais entre si.” (2009, p.592).

É preciso lembrar que Euclides refere-se a poliedros regulares inscritíveis em uma

esfera, o que é característica de todos os poliedros regulares convexos, mas não somente

deles. A demonstração de Euclides baseia-se na ideia de que um ângulo poliédrico10

é

formado por três ou mais ângulos planos cuja soma deve ser inferior a quatro retos, 360o.

(Elementos, Livro XI, Proposição 21: “Todo ângulo sólido é contido por ângulos planos

menores do que quatro retos.”, p.499).

Pois, um ângulo sólido não é construído, certamente, por dois triângulos ou, em

geral, planos. Mas por três triângulos, o da pirâmide, e por quatro, o do octaedro, e

por cinco, o do icosaedro; mas por seis triângulos tanto equiláteros quanto

equiângulos, construídos junto a um ponto, não existirá um ângulo sólido; pois,

sendo o ângulo de um triângulo equilátero dois terços de um reto, os seis serão

iguais a quatro retos; o que é impossível; pois todo ângulo sólido é contido por um

menor do que quatro retos. Pelas mesmas coisas, então, nem um ângulo sólido é

construído por mais do que seis ângulos planos. Mas o ângulo do cubo é contido por

três quadrados; e por quatro, é impossível; pois, de novo, será quatro retos. Mas por

pentágonos equiláteros e equiângulos, certamente por três, o do dodecaedro; e por

quatro, é impossível; pois, sendo o ângulo do pentágono equilátero um reto e um

quinto, os quatro ângulos serão maiores do que quatro retos; o que é impossível.

Nem, por certo, por outras figuras poligonais será contido um ângulo sólido, pelo

mesmo absurdo.

Portanto, exceto as cinco ditas figuras, uma outra figura sólida não será construída,

contida por equiláteras e também equiângulas; o que era preciso provar.

(Euclides, 2009, p.592)

10

Ângulo poliédrico é a figura espacial formada por n semi-retas (n ≥ 3) de mesma origem não pertencentes ao

mesmo semi-plano. As semi-retas determinam n ângulos planos e o plano formado por cada ângulo plano deixa

as outras semi-retas em um mesmo semi-espaço. Euclides denomina-o ângulo sólido.

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16

4. POLIEDROS DE ARQUIMEDES E SEUS DUAIS

Arquimedes nasceu por volta de 287 a.C., em Siracusa, cidade grega da ilha da

Sicília. É considerado um dos maiores matemáticos da história. Morreu em 212 a.C., quando

Siracusa foi saqueada pelo exército romano, sob o comando do general Marcelo. Marcelo

conservava um profundo respeito pelo cientista adversário. Após a morte de Arquimedes por

um golpe de espada desferido por um de seus soldados, deu ordens para que fosse atendido o

desejo de Arquimedes de ter gravado em seu túmulo a figura de uma esfera inscrita em um

cilindro circular reto (Eves, 2008).

Há muitas histórias exóticas a respeito de Arquimedes. Uma das mais famosas é

aquela que narra que Arquimedes saiu nu pelas ruas de Siracusa gritando “eureka” quando

descobriu a primeira lei da hidrostática.

Os trabalhos de Arquimedes são obras-primas de exposição matemática e lembram,

consideravelmente, artigos de revistas especializadas modernas. Além de exibirem

grande originalidade, habilidade computacional e rigor nas demonstrações, são

escritos numa linguagem altamente acabada e objetiva. Cerca de dez trabalhos de

Arquimedes se preservaram até nossos dias e há vestígios de outros extraviados.

Talvez a mais notável das contribuições feitas à matemática por esses tratados se

traduzam no desenvolvimento inicial de alguns dos métodos do cálculo integral.

(Eves, 2008, p.194)

Foram inúmeras as contribuições de Arquimedes para a geometria. Chegaram até

nossos dias alguns de seus trabalhos sobre geometria plana - A Medida de um Círculo, A

Quadratura da Parábola e Sobre as Espirais – e sobre geometria espacial – Sobre a Esfera e

o Cilindro e Sobre os Cones e os Esferóides.

Em 1906, J.L.Heiberg encontrou o tratado O Método onde Arquimedes expõe seu

método científico de trabalho. (Eves, 2008)

Entre os trabalhos perdidos de Arquimedes encontram-se aqueles em que ele trata

dos sólidos convexos semirregulares construídos a partir dos sólidos de Platão. Papus de

Alexandria (século III d.C.) faz referência a estes estudos de Arquimedes no Livro V de sua

obra Coleção Matemática.

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Os poliedros de Arquimedes são em número de treze. São poliedros convexos e

semirregulares. Suas faces são polígonos regulares, porém diferentes e, em cada vértice, há o

mesmo arranjo (número e ordem) de polígonos. Por simetria, todo vértice pode ser

transformado em outro vértice (Cundy & Rollett, 1961).

Os poliedros de Arquimedes são obtidos a partir dos poliedros de Platão, por

truncamento11

ou por snubificação12

. São onze os poliedros de Arquimedes obtidos por

truncamento: tetraedro truncado, cuboctaedro, cubo truncado, octaedro truncado,

rombicuboctaedro, cuboctaedro truncado, icosidodecaedro, dodecaedro truncado, icosaedro

truncado, rombicosidodecaedro, icosidodecaedro truncado. O cubo snub e o icosidodecaedro

snub são obtidos por snubificação e possuem sólidos isomórficos, como figuras espelhadas.

Johann Kepler, em sua obra Harmonices Mundi (1619), fez um estudo detalhado destes

sólidos geométricos. Houve uma redescoberta dos sólidos arquimedianos por parte de vários

artistas renascentistas.

Eugène Charles Catalan, nascido em 1814, em Bruges, Bélgica, foi um

matemático e professor que se destacou no campo da geometria e na teoria dos números. Em

1865, descreveu os sólidos que levam o seu nome.

Os sólidos de Catalan são uma família de poliedros duais dos sólidos de

Arquimedes. A cada sólido de Arquimedes (que são 13) corresponde um sólido de Catalan

(também 13). Os sólidos de Catalan são todos poliedros convexos cujas faces são polígonos

não regulares (Cromwell, 1997).

A figura 17 apresenta as figuras dos sólidos de Arquimedes e seus duais, os

sólidos de Catalan, com o número de faces de cada um.

11

Truncamento de um poliedro consiste em cortar parcialmente todos os vértices (ou todas as arestas) do sólido,

formando um outro poliedro (poliedro truncado). 12

Snubificação de um poliedro consiste em afastar todas as faces do poliedro, rodar as mesmas de um certo

ângulo (normalmente 45o) e preencher os espaços vazios resultantes com polígonos.

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SÓLIDOS DE

ARQUIMEDES

Faces Figura SÓLIDOS DE

CATALAN

Faces Figura

Tetraedro truncado

Tetraedro triakis

Cuboctaedro

Dodecaedro

rómbico

Cubo truncado

Octaedro triakis

Octaedro truncado

Hexaedro

tetrakis

Rombicuboctaedro

Icositetraedro

deltoidal

Cuboctaedro truncado

Dodecaedro

disdiakis

Icosidodecaedro

Triacontaedro

rómbico

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Dodecaedro truncado

Icosaedro

triakis

Icosaedro truncado

Dodecaedro

pentakis

Rombicosidodecaedro

Hexecontaedro

deltoidal

Icosidodecaedro

truncado

Triacontaedro

disdiakis

Cubo snub

Icosidodecaedro snub

92

Icositetraedro

pentagonal

Hexecontaedro

pentagonal

60

Figura 17. Representação dos sólidos de Arquimedes e dos sólidos de Catalan.

Fonte: (Wikipédia: a enciclopédia livre)

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20

Um sólido dual13

é obtido a partir de uma bijeção entre dois sólidos convexos A e

B. Dois poliedros convexos A e B são duais um do outro quando há uma bijeção f da família

de vértices e faces de A na família de vértices e faces de B, de tal forma que:

(1) Se V é um vértice de A, então f(V) é uma face de B;

(2) Se F é uma face de A, então f(F) é um vértice de B;

(3) V é vértice da face F de A se, e somente se, f(F) é vértice da face f(V) de B.

(Grünbaum & Shephard, 1988)

5. POLIEDROS DE KEPLER-POINSOT

Johann Kepler, nascido em 1571, próximo da cidade de Stuttgart, na Alemanha,

foi uma figura de destaque na Revolução Científica do século XVII (Livio, 2009). Destacou-

se como matemático e físico. Desempenhou um papel fundamental no desenvolvimento da

Astronomia e da Filosofia Natural. Formulou as três Leis de Kepler, leis fundamentais da

mecânica celeste:

I. Os planetas movem-se em torno do Sol em trajetórias elípticas com o Sol

num dos focos.

II. O raio vetor que liga um planeta ao Sol varre áreas iguais em intervalos de

tempo iguais.

III. O quadrado do tempo para que um planeta complete sua revolução orbital

é diretamente proporcional ao cubo do semieixo maior da órbita.

(Eves, 2008, p.357)

Em 1596, Kepler inspirou-se nos poliedros de Platão para estudar o movimento

dos seis planetas conhecidos na época: Saturno, Júpiter, Marte, Terra, Vênus e Mercúrio.

Idealizou um modelo do Sistema Solar composto por esferas concêntricas, separadas umas

das outras por poliedros regulares (Figura 18).

13

Os sólidos platônicos admitem uma bijeção interessante para a construção dos seus duais: a partir de um sólido

platônico A, constrói-se o sólido platônico B, dual de A, cujos vértices são os centros das faces de A e cujas

faces são os polígonos convexos com vértices nos centros das faces de A, faces estas que concorrem em um

mesmo vértice de A.

Observar que esta bijeção particular, na qual se consideram os centros das faces, não pode ser aplicada a um

poliedro convexo geral.

Um poliedro pode ter mais que um dual.

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Figura 18. Modelo do sistema Solar de Kepler.

Fonte: (http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/25/Kepler-solar-system-2.png)

Segundo Katz (2010, p.515), Kepler tinha por objetivo “descobrir as regras

matemáticas que Deus tinha utilizado para criar o universo”. Em sua primeira obra,

Mysterium Cosmographicum (O Segredo do Universo), Kepler reflete: “Por que é que

existem precisamente seis planetas? Porque ‘Deus é sempre um geómetra’, o Supremo

Matemático queria separar os planetas com os sólidos regulares.” (Katz, 2010, p. 515)

Figura 19. Poliedros regulares em uma página do primeiro livro de Kepler, publicado em 1596, Mysterium

Cosmographicum.

Fonte: (http://www.hps.cam.ac.uk/starry/kepler.html)

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Há quatro poliedros de Kepler-Poinsot. Um poliedro de Kepler-Poinsot é

um poliedro regular não convexo. Todas as suas faces são polígonos regulares iguais. E, em

todos os vértices, encontram-se o mesmo número de faces.

Dois poliedros regulares não convexos foram descobertos por Kepler14

, em 1619.

São o pequeno dodecaedro estrelado e o grande dodecaedro estrelado.

Figura 20. Pequeno dodecaedro estrelado; 12 faces (pentagramas regulares); 12 vértices e 30 arestas.

Fonte: (http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/ad/SmallStellatedDodecahedron.jpg/562px-

SmallStellatedDodecahedron.jpg)

Figura 21. Grande dodecaedro estrelado; 12 faces (pentagramas regulares); 20 vértices e 30 arestas.

Fonte: (http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/5/51/GreatStellatedDodecahedron.jpg/644px-

GreatStellatedDodecahedron.jpg)

14

A existência de apenas nove poliedros regulares, os cinco sólidos platônicos (regulares e convexos) e os quatro

poliedros de Kepler-Poinsot (regulares e não convexos), foi provada por Cauchy, em 1813.

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Louis Poinsot (1777-1859) foi professor de matemática na École Polytechnique.

Fez contribuições significativas para a geometria. Em 1809, publicou um trabalho sobre

poliedros. Em 1813, foi eleito para a Académie des Sciences na cadeira de Lagrange.

Participou da construção da Torre Eiffel, tendo seu nome nela gravado. Poinsot descobre os

quatro poliedros estrelados que recebem o nome de poliedros de Kepler-Poinsot. (Sá &

Rocha, 2010).

Figura 22. Grande dodecaedro; 12 faces (pentágonos regulares); 12 vértices e 30 arestas.

Fonte: (http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/6/6b/GreatDodecahedron.jpg/554px-

GreatDodecahedron.jpg)

Figura 23. Icosaedro estrelado; 20 faces (triângulos equiláteros); 12 vértices e 30 arestas.

Fonte: (http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/83/GreatIcosahedron.jpg/587px-

GreatIcosahedron.jpg)

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6. UM POLIEDRO ESPECIAL: O CUBO

6.1. A Duplicação do Cubo

Através de Eutócio, um comentador de Arquimedes, tomamos conhecimento

deste problema clássico: a duplicação do cubo.

Há duas lendas sobre a origem deste problema. A primeira lenda relata que Minos

mandou fazer um túmulo para Glauco. Segundo Pitombeira (2008, p.35),

Ao saber que o túmulo era um cubo cuja aresta media 100 pés, ele disse que a

residência real tinha sido construída demasiadamente pequena e que ela deveria ser

duas vezes maior e ordenou imediatamente que duplicassem cada aresta do túmulo,

sem estragar sua bela forma.

Conforme a segunda lenda, por ocasião de uma peste que abatia os habitantes de

Delos, um oráculo profetizou que, “para se verem livres da peste, deveriam construir um altar

duas vezes maior do que o existente, os arquitetos ficaram muito confusos, pois não sabiam

como construir um cubo duas vezes maior do que o outro.” (Pitombeira, 2008, p.35).

Por volta de 430 a.C., Hipócrates de Quios resolveu este problema por

proporções. Outras soluções foram dadas a este problema ao longo dos tempos: a máquina de

Platão, a máquina de Eratóstenes, a solução de Nicomedes, a construção de Árquitas, a

solução de Menécmo, o método de Diocles, o método de Hierão e muitas mais. (Pitombeira,

2008).

O interesse maior despertado por este problema refer-se à impossibilidade de sua

resolução com régua (não graduada) e compasso, os instrumentos clássicos da geometria

euclidiana, resultado só demonstrado no século XIX (Eves, 2008).

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6.2. O Hipercubo

Haverá um cubo de quatro dimensões? Um hipercubo? Na Matemática, a partir da

observação de regularidades, somos capazes de abstrações que transcendem as possibilidades

dos sentidos. Se associarmos um segmento de reta a a um cubo de 1 dimensão, um quadrado

de aresta a a um cubo de 2 dimensões e um hexaedro regular a um cubo de 3 dimensões,

então podemos inferir quais seriam as características de um hipercubo, de 4 dimensões.

(Machiavelo, Santos & Tavares, 2013).

Figura 24. Cubos de 1dimensão, de 2 dimensões e de 3 dimensões.

Fonte: (http://cmup.fc.up.pt/cmup/pick/Manhas/CubosDDD.jpg)

Completando a tabela abaixo, respeitando as regularidades observadas nos casos

de 1D, 2D e 3D, conseguimos “perceber” como é um hipercubo (4D).

Vértices

(Faces 0 D)

Arestas

(Faces 1 D)

Faces 2D Faces 3D Faces 4D TOTAL

Segmento

(cubo 1D)

2 1 - - - 3

Quadrado

(cubo 2D)

4 4 1 - - 9

Cubo 3D 8 12 6 1 - 27

Hipercubo 4D 16 32 24 8 1 81

Figura 25. Tabela de associações de cubos de 1D, 2D, 3D e 4D.

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Figura 25. Conjectura: a projeção de um hipercubo 4D sobre o espaço tridimensional, a partir de um ponto

exterior, resulta num cubo 3D dentro de outro.

Fonte: (http://cmup.fc.up.pt/cmup/pick/Manhas/HipercuboPerspectiva.jpg)

Figura 26. “O interior da quarta dimensão”, Max Weber (1913)

Fonte: (http://cmup.fc.up.pt/cmup/pick/Manhas/InteriorHipercubo.jpg)

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REFERÊNCIAS

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Moderna.

Cromwell, P. R. (1997). Polyedra. One The Most Charming Chapters of Geometry. Reino

Unido: Cambridge University Press.

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Oxford University.

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Unesp.

Eves, H. (2008). Introdução à história da matemática. Campinas: Editora Unicamp.

Fauvel, J. & Gray, J. (1987). The History of Mathematics: A Reader. Londres: The Open

University.

Grünbaum, B. & Shephard, G. (1988). Duality of Polyhedra. Em Senechal, M. & Fleck, G.

(editores). Shaping Space – A Polyhedral Approach. Basileia: Birkhäuser.

Katz, V.J. (2010). História da Matemática. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.

Lima, E. L. (2006). Meu Professor de Matemática e outras histórias. Rio de Janeiro:

Sociedade Brasileira de Matemática.

Livio, M. (2011). Deus é Matemático?. Rio de Janeiro: Record.

Machiavelo, A., Santos, J. C. & Tavares, J. N. (2013). 43 Miniaturas Matemáticas. Lisboa:

Gradiva.

Mlodinow, L. (2010). A Janela de Euclides: a história da geometria, das linhas paralelas ao

hiperespaço. São Paulo: Geração Editorial.

Pitombeira, J. B. (2008). Três Excursões pela História da Matemática. Rio de Janeiro:

Intermat.

Platão. (2011). Timeu-Crítias. Tradução do grego, introdução, notas e índices: Rodolfo Lopes.

Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos.

Sá, C.C., & Rocha, J. (2010). Treze viagens pelo mundo da matemática. Porto: U.Porto

editorial.

Wagner, E. (2001). V + F = A + 2. Existe o poliedro?. Revista do Professor de Matemática

47. Rio de Janeiro: SBM.

http://www.wikipedia.org.

Webpage da Wikipedia.