2016 14308 quem tem medo do homeschooling-manoel morais

of 22 /22
ESTUDO Câmara dos Deputados Praça dos Três Poderes Consultoria Legislativa Anexo III - Térreo Brasília - DF QUEM TEM MEDO DO HOMESCHOOLING? O FENÔMENO NO BRASIL E NO MUNDO. Manoel Morais de O. Neto Alexandre Consultor Legislativo da Área XV ESTUDO AGOSTO/2016

Embed Size (px)

Transcript of 2016 14308 quem tem medo do homeschooling-manoel morais

  • ESTUDO

    Cmara dos Deputados Praa dos Trs Poderes Consultoria Legislativa Anexo III - Trreo Braslia - DF

    QUEM TEM MEDO DO HOMESCHOOLING?

    O FENMENO NO BRASIL E NO MUNDO.

    Manoel Morais de O. Neto Alexandre Consultor Legislativo da rea XV

    ESTUDO

    AGOSTO/2016

  • 2

    SUMRIO

    Introduo ............................................................................................................................................................. 3

    Sobre o Homeschooling........................................................................................................................................ 5

    Homeschooling no Mundo ................................................................................................................................... 6

    Homeschooling e a legislao brasileira ............................................................................................................... 9

    Concluso ........................................................................................................................................................... 21

    BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................................ 22

    ALEXANDRE, Manoel Morais De Oliveira Neto. Quem tem medo do homeschooling?: o fenmeno

    no Brasil e no mundo. Braslia: Cmara dos Deputados, Consultoria Legislativa, 2016. 22p.

    [mailto: [email protected]]

    2016 Cmara dos Deputados.

    Todos os direitos reservados. Este trabalho poder ser reproduzido ou transmitido na ntegra, desde que

    citado o autor e a Consultoria Legislativa da Cmara dos Deputados. So vedadas a venda, a reproduo

    parcial e a traduo, sem autorizao prvia por escrito da Cmara dos Deputados.

    Este trabalho de inteira responsabilidade de seu autor, no representando necessariamente a opinio da

    Cmara dos Deputados.

  • 3

    QUEM TEM MEDO DO HOMESCHOOLING?

    O fenmeno no Brasil e no Mundo.

    Manoel Morais de O. Neto Alexandre1

    INTRODUO

    Ensino Domiciliar, Educao em Casa ou em referncia ao grande

    crescimento do fenmeno nos Estados Unidos Homeschooling. O presente trabalho pretende

    abordar, sem esgotar o tema, o fenmeno da escolha que pais e tutores fazem de prestar a educao

    aos filhos no ambiente domstico, em substituio via comum de encaminh-los escola.

    Apresentaremos o panorama do fenmeno da educao domiciliar pelo

    mundo e analisaremos a compatibilidade de tal prestao educacional com a legislao positiva

    ptria. Embora os contornos jurdicos no mbito interno, at mesmo nos tribunais superiores, ainda

    estejam sendo definidos, mostraremos as diversas teses sobre o assunto e nos posicionaremos2 por

    uma delas. Nos demais pases, nos limitaremos a apresentar a legislao correlata, o enquadramento

    jurdico do fenmeno e, quando adequado para ressaltar algum ponto, citaremos algum caso

    concreto.

    Os diversos estudos que foram conduzidos com o fito de identificar os

    motivos pelos quais as famlias optam por educar os filhos em casa apresentam resultados distintos,

    em virtude da falta de uniformidade nas metodologias adotadas. BARBOSA3 cita a pesquisa

    apresentada por Bielick, Chandler e Broughman, em 2001, que elencou como motivos para adeso

    ao homeschooling dar criana melhor ensino em casa (49%), razes religiosas (38%), ambiente escolar

    pobre (26%), razes familiares (17%), para desenvolver carter/moralidade (15%), objeo ao que

    a escola ensina (12%), escolas no desafiam as crianas (12%), outros problemas com as escolas

    1 Bacharel em Direito pela UnB, Psicopedagogo e Consultor Legislativo da Cmara dos Deputados, na rea XV: educao, cultura e desporto. 2 Plural de modstia. No existe algo como a opinio da consultoria, mas, mais acertadamente, a opinio dos consultores. que, dadas as diferentes formaes acadmicas e histricos profissionais tambm distintos, pode haver diversas concepes sobre temas controversos. Essa diversidade saudvel para o carter de vanguarda que deve ter o Legislativo. Obviamente, tais dissonncias devem se circunscrever dentro de um crculo maior de legalidade, juridicidade e constitucionalidade. 3 BARBOSA, Luciane Muniz R. Ensino em casa no Brasil: um desafio escola? 2013. 348 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013, p. 121-122.

  • 4

    disponveis (12%), problemas de comportamento dos estudantes nas escolas (9%), criana com

    alguma deficincia/necessidade especial (8%).

    No Brasil, foi fundada a Associao Nacional de Ensino Domiciliar

    ANED4, que uma entidade sem fins lucrativos formada por pessoas de todo o Brasil que tm

    aplicado a educao domiciliar em suas famlias ou que se interessam por essa modalidade. Nas

    palavras da instituio:

    Nossos associados esto espalhados por todo o territrio nacional e

    fizeram a opo pelo ensino domiciliar por diversos motivos (ideolgicos,

    geogrficos, religiosos, profissionais, etc.). Mas o que todos temos em

    comum a convico de que cada pai e me possui a responsabilidade de

    garantir a formao plena de seus filhos enquanto seres humanos, e que

    essa responsabilidade natural garante o direito de escolher qual tipo de

    instruo ser dada a essas crianas.

    Nos Estados Unidos, a Home School Legal Defense Association HSLDA, atua

    desde 1983 promovendo o homeschooling , e se define como uma organizao sem fins lucrativos

    criada para defender e promover o direito constitucional dos pais para dirigir a criao e educao

    de seus filhos.

    No devemos confundir o objeto do presente estudo com o fenmeno do

    unschooling, que nega a instituio escolar e coloca a prpria criana como agente diretivo do

    aprendizado, escolhendo o que estudar, quando estudar e at mesmo se quer estudar. O

    homeschooling, por sua vez, no nega os currculos escolares e, na sua vertente majoritria, deseja que

    as crianas e adolescentes possam receber educao em casa, mas em parceria com as instituies

    do Estado, tanto na autorizao do processo, quanto na avaliao do aprendizado.

    Infelizmente, por um olhar superficial sobre o tema e por uma anlise

    assistemtica da legislao de regncia da educao, o Ministrio Pblico brasileiro tem atuado no

    sentido de responsabilizar os pais homeschoolers no crime de abandono intelectual, previsto no art.

    246 do Cdigo Penal brasileiro. Conforme veremos, o homeschooling de per si no apto para

    configurar o fato tipificado como abandono intelectual no ordenamento domstico.

    importante ressaltar que ampla a possibilidade de inovao legislativa

    sobre o tema da educao domiciliar. Muitas vezes, quando se divulgam casos em que tribunais

    ptrios indeferem o pedido de pais que pretendem educar os filhos em casa, passa-se a noo de

    que h um impedimento absoluto a respeito do avano do tema at mesmo na seara legislativa.

    que os tribunais analisam as lides pelo Direito que est posto. Contudo, tm os parlamentares

    legitimidade para alterar a prpria Constituio, resguardado o ncleo inatingvel das clusulas

    ptreas e as noes circunvizinhas que lhes do sustento.

    4 Ver o stio http://www.aned.org.br .

    http://www.aned.org.br/

  • 5

    SOBRE O HOMESCHOOLING

    No correto apontar a gnese do homeschooling como sendo a dcada de

    1960, nos Estados Unidos da Amrica, como faz COSTA5. Pelo contrrio, desde o sculo XVIII,

    nos Estados Unidos, j havia famlias que educavam os filhos em casa. No Brasil, o fenmeno da

    educao domiciliar remonta ao sculo XVI, firmando-se mesmo durante o Oitocentos, e na

    Grcia, por meio de preceptores, as crianas eram educadas no seio familiar antes do sculo V a.C.

    Conforme a crtica de ILLICH j em 1985, metade dos habitantes desse planeta jamais colocou

    os ps numa escola6.

    Conforme apontado por VASCONCELOS7, a partir do sculo XVIII, na

    Europa Ocidental, a educao domstica realizada nas camadas mais ricas da populao vai

    deixando de ser privilgio apenas das crianas nobres para se tornar uma prtica comum entre ricos

    comerciantes, altos funcionrios e famlias de elite que se espelhavam nos hbitos da aristocracia.

    FARIA FILHO8 elucida que, no Brasil oitocentista, o nmero de pessoas

    que se serviam da educao domiciliar era maior do que aqueles da rede mantida pelo Estado. O

    autor assevera:

    No podemos considerar que apenas aqueles, ou aquelas, que

    frequentavam uma escola fora do ambiente domstico tinham acesso s

    primeiras letras. Pelo contrrio, temos indcios de que a rede de

    escolarizao domstica, ou seja, de ensino e aprendizagem da leitura, da

    escrita e do clculo, mas sobretudo daquela primeira, atendia um nmero

    de pessoas bem superior ao da rede pblica estatal, [...] at bem avanado

    o sculo XIX.

    Como causa da diminuio da educao domiciliar aponta-se

    principalmente a estruturao e o crescimento das instituies formais de ensino. SILVA9 explica

    que com o aumento da infraestrutura das escolas, o governo pode agir maciamente na divulgao

    da escola como o principal e quase que nico mtodo de aprendizado, criando constituies que

    ignoravam completamente uma realidade to viva como a da educao domiciliar que foi, aos

    poucos, ou sendo praticada apenas em reas muito remotas ou se extinguindo.

    5 COSTA, Fabricio Veiga. Homeschooling no Brasil: uma anlise da constitucionalidade e da legalidade do Projeto de Lei 3179/12. Belo Horizonte: Editora DPlcido, 2016, p. 32. 6 ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. 7. ed. Petrpolis: Vozes, 1985, p.44. 7 VASCONCELOS, Maria Celi Chaves. A educao domstica no Brasil de oitocentos. Revista Educao em Questo, Natal, v. 28, n. 14, p. 25, jan./jun. 2007. 8 FARIA FILHO, Luciano Mendes. Instruo elementar no sculo XIX. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive. (Org.). 500 anos de educao no Brasil, 5. ed., Belo Horizonte: Autntica, 2011, p. 144 - 145. 9 SILVA, Camila Oliveira. Artigo apresentada PUC-Minas. Funcionamento da Educao Domiciliar (Homeschooling): anlise de sua situao no Brasil,

  • 6

    Mas, de fato, aps as crticas instituio escolar e forte apelo

    desescoloraizao nos Estados Unidos nas dcadas de 1960 e 1970 que o movimento ressurge de

    forma organizada em diversas partes do globo. O lanamento da obra How Children Fail por John

    Holt, em 1964, e, trs anos depois, How Children Learn, do mesmo autor, bem como a clssica

    Sociedade sem Escolas, de Ivan Illich, em 1985, forneceram as bases tericas tanto para o

    unschooling quanto para o homeschooling. Tambm significativas foram as publicaes do casal

    adventista Raymond e Dorothy Moore com a obra Better Late Than Early, em 1975, School Can

    Wait, publicada quatro anos depois, bem como sua principal obra, How Grown Kids, publicada em

    1981, que apresentaram pesquisas sobre os malefcios de uma escolarizao precoce. O casal Moore

    teve papel crucial para a criao, em 1983, da Homeschool Legal Defense Association HSLDA.

    EDMONSON10 define homeschooling como qualquer situao em que os

    pais ou tutores, ao invs de enviar os educandos em idade escolar ao sistema educacional padro,

    pblico ou privado, assumem a responsabilidade pela sua educao.

    O Ministrio da Educao e Cincia de Portugal, por meio do Decreto-Lei

    n 152, de 2013, repetindo os termos do antigo Decreto-Lei n 553, de 1980, daquele mesmo pas,

    define Ensino Domstico como aquele que lecionado, no domiclio do aluno, por um familiar

    ou por pessoa que com ele habite.

    V-se que ampla a margem de variedade na qual o ensino pode ser

    ministrado no ambiente domstico, desde a prestao direta pelos pais, contratao de professores

    e mesmo estudo dirigido pelas diversas plataformas de educao a distncia, quando se trata do

    aprendizado de temas especficos.

    HOMESCHOOLING NO MUNDO

    Abstraindo o Brasil, pas cuja anlise ser feita em tpico ulterior, podemos

    dizer que o homeschooling , e talvez sempre tenha sido, um fenmeno mundial. Segundo

    BARBOSA11, a prtica do homeschooling mantida em pases de diferentes continentes e estima-se

    que haja 63 pases onde o homeschooling legalmente permitido. Embora saibamos que um

    fenmeno de difcil mensurao, a autora aponta que as maiores populaes estimadas encontram-

    se nos seguintes pases: Estados Unidos, frica do Sul, Rssia, Reino Unido, Canad, Austrlia e

    Frana, nessa ordem.

    A educao domiciliar aparece com mais frequncia em pases anglo-

    saxes. De fato, Estados Unidos (pas com mais de 2 milhes de estudantes homeschoolers em 2010),

    Africa do Sul, Reino Unido, Canad, Austrlia e Nova Zelndia, encontram-se entre os dez pases

    10 EDMONSON, S.L. Homeschooling. In: Russo, C.J. (Ed.) Encyclopedia of Education Law. University of Dayton, vol. 1, 2008, p. 437-438. 11 BARBOSA, Luciane Muniz R. Ensino em casa no Brasil: um desafio escola? 2013. 348 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013, p. 98.

  • 7

    com maior populao de homeschoolers. VIEIRA defende a tese de que a forte tradio jusnaturalista

    na histria britnica (vide John Locke, William Blackstone e outros) tenha favorecido instituies

    protetoras e instncias jurdicas favorveis aos parental rights12.

    Nos Estados Unidos, no perodo de 1999 a 2007, o homeschooling cresceu

    74%, ao passo que o crescimento das matrculas nas escolas pblicas girou em torno de 6%13.

    Na Finlndia, pas rotineiramente com elevado desempenho educacional

    nas avaliaes internacionais da OCDE14, o homeschooling perfeitamente legal e protegido tanto pela

    Constituio quanto pela legislao infraconstitucional de regncia da educao, Basic Education Act,

    Lei n 628, de 1998. De acordo com o Ministrio da Educao, no h obrigao de frequentar a

    escola na Finlndia, apenas a obrigao de receber educao bsica. Em Turku, na Finlndia, uma

    me foi processada criminalmente por autoridades locais por causa de sua opo pela educao

    domiciliar aos seus dois filhos, situao na qual as autoridades queriam que os meninos fossem

    supervisionados pela escola. A deciso do Tribunal finlands, em 2015, foi favorvel ao direito

    da me. O Tribunal declarou: So os pais que supervisionam o seu homeschool, no a escola que

    supervisiona os pais, exatamente como so as pessoas que supervisionam o Governo, e no o

    Governo que supervisiona as pessoas. Estima-se que 250 famlias finlandesas optem pela

    modalidade.

    A Sucia, pas situado entre a Finlndia e a Noruega ambos legalmente

    apoiadores do homeschooling , por sua vez, obriga os estudantes a frequentarem a escola desde os 7

    anos, mas permite o homeschooling como uma atividade extracurricular, dentro da prpria

    programao escolar. A Grcia s permite o homeschooling para crianas com necessidades especiais,

    sendo a frequencia escola obrigatria para crianas de 6 a 15 anos, a despeito do crescente

    interesse pelo homeschooling entre os gregos.

    Na Sua, o homeschooling permitido e os requisitos variam dependendo do

    canto (so 26, cada qual com um tratamento jurdico diferente, mas a maioria permitindo a prtica)

    e conta com cerca de 200 famlias adotando a metodologia. Em casos concretos, o Tribunal Federal

    suo j decidiu contra duas famlias homeschoolers.

    Na Frana, a educao das crianas obrigatria e de preferncia dentro

    de uma escola. No entanto, isso pode ser feito na famlia (por opo ou quando a criana no pode

    ser matriculada em uma instituio). A cole la Maison deve permitir que as crianas adquiriram

    conhecimentos e habilidades especficas. A instruo e progresso da criana so monitorados.

    12 VIEIRA, Andr de Holanda Padilha. Escola? No, obrigado: Um retrato da homeschooling no Brasil. Monografia (Graduao). Universidade de Braslia, UnB, 2012, p. 13. 13 KUNZMAN, R. Education, Schooling, and Childrens Rights: the Complexity of Homeschooling. Educational Theory, vol. 62, n. 1, 2012, p. 76. 14 Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico ou OECD, da sigla em ingls para Organisation for Economic Co-operation and Development.

  • 8

    O art. 34 da Constituio italiana diz que o ensino primrio, ministrado

    durante pelo menos oito anos, obrigatrio e gratuito. No Pas, encara-se a educao como

    obrigatria, mas no a escola. Alm disso, o art. 30 estabelece: dever e direito dos pais manter,

    criar e educar os seus filhos, mesmo aqueles que nasceram fora do casamento. O Decreto

    Legislativo n 297, de 16 de abril de 1994, sobre a educao pblica, nos artigos 111, 147 e 148,

    bem como a atualizao do Decreto Legislativo n 59, de 19 de fevereiro de 2004, no ensino

    primrio, reconhecem a instruo em casa pelas famlias. Para educar seus filhos em casa, os pais

    devem enviar uma notificao por escrito direo educacional competente a cada ano e todos os

    anos pode-se optar por voltar a entrar no sistema de educao formal.

    Em Portugal, o homeschooling legal e referido como ensino domstico. A

    Constituio declara, no art. 73.2, que o Estado promove a democratizao da educao e as

    demais condies para que a educao, realizada atravs da escola e de outros meios

    formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superao das desigualdades

    econmicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do esprito de tolerncia, de

    compreenso mtua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a

    participao democrtica na vida colectiva [grifamos]. O art. 75.2, por sua vez, estabelece que O

    Estado reconhece e fiscaliza o ensino particular e cooperativo, nos termos da lei. O art. 36.5 afirma

    que Os pais tm o direito e o dever de educao e manuteno dos filhos. H requisitos de

    relatrios anuais e regulamentos que regem as avaliaes peridicas.

    No Chile, desde 1929, a respeito da instruo primria obrigatria, a Lei

    n 5.291, de 22 de novembro, estabele, no seu art. 5:

    Consideram-se cumpridas as obrigaes estabelecidas nos artigos

    precedentes quando se proporciona aos menores em suas casas a educao

    correspondente aos trs primeiros nveis do ensino primrio, obedecendo

    aos respectivos programas aprovados pelo Presidente da Repblica.

    O cumprimento da obrigao escolar nesta modalidade ser comprovado

    mediante um exame prestado anualmente perante uma comisso nomeada

    pelo Diretor de Provncia.

    No Mxico, a Lei Geral de Educao, vigente desde 1993, assim dispe no

    seu art. 5: Todos os habitantes do pas devem cursar a educao pr-escolar, a primria e a

    secundria. obrigao dos mexicanos fazer com que suas filhas, seus filhos ou tutelados menores

    de idade cursem a educao pr-escolar, a primria, a secundria e a mdia superior. Contudo, o

    art. 64 dispe expressamente que A Secretaria, por acordo do seu titular, poder estabelecer

    procedimentos pelos quais se emitam certificados, declaraes ou ttulos aos que comprovem

    conhecimentos parciais ou terminais que correspondam a certo nvel educativo ou currculo escolar,

    adquiridos de forma autodidata, por experincia profissional ou por meio de outros processos

  • 9

    educativos. Nada impede que essa certificao seja feita mensal, semestral ou anualmente, e

    representa tambm o canal pelo qual os homeschoolers mexicanos vo conquistando suas titulaes.

    No Japo, mesmo diante da impreciso legislativa, setores empresariais

    tm apoiado a educao em casa e o pas conta com cerca de mil a cinco mil famlias adotando o

    homeschooling.

    Em vrios pases do mundo a tendncia de crescimento do nmero de

    famlias que optam, por variadas razes, pela educao dos seus filhos ou tutelados no ambiente

    domstico. Alguns pases tm programas de educao em casa altamente regulados, como uma

    extenso do sistema de ensino obrigatrio; outros, como a Alemanha15, a proibiram completamente.

    Levantamentos do conta de que o nmero de estudantes que optam pela educao domiciliar

    chega a quase 70.000 na Inglaterra, 60.000 no Canad, 3.000 na Frana e 2.000 na Espanha. Em

    Nova Gales do Sul, estado mais populoso da Austrlia, estima-se que a expanso do nmero de

    estudantes homeschoolers, entre 2003 e 2009, tenha sido de cerca de 60%, passando de 1,4 mil para

    2,3 mil. Na Rssia, o nmero de crianas adeptas da metodologia teria passado de 11 mil para cerca

    de 100 mil - crescimento de 900% (VIEIRA, 2012)16.

    HOMESCHOOLING E A LEGISLAO BRASILEIRA

    O embrio da educao como direito social tem sua gnese com a prpria

    criao do Estado Moderno, no sculo XVIII. Mas somente aps a Segunda Grande Guerra, com

    a Declarao Universal dos Direitos Humanos e com a Declarao dos Direitos da Criana, que

    esse direito se consolida. Entre ns, a obrigatoriedade do direito educao comea a se firmar

    com os debates da dcada de 1930, sem, contudo, avanar-se no sentido de um direito pblico

    subjetivo. Somente na Constituio de 1967/1969 a obrigatoriedade escolar definida por idade.

    A Constituio Cidad de 1988 elenca, no seu art. 6, como direitos sociais,

    a educao, a sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurana, a

    previdncia social, a proteo maternidade e infncia e a assistncia aos desamparados. A

    educao passa, pois, a ser um direito fundamental, com todas as consequncias jurdicas advindas

    dessa categoria, mormente no campo da principiologia jurdica.

    O art. 205 da nossa Carta Poltica insere a educao como direito de todos

    e dever do Estado e da famlia, devendo ser promovida e incentivada com a colaborao da

    sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania

    15 SPIEGLER, Thomas. Home education in Germany: An overview of the contemporary situation. Evaluation and Research in Education, n. 17, 2003, p. 179190. 16 VIEIRA, Andr de Holanda Padilha. Escola? No, obrigado: Um retrato da homeschooling no Brasil. Monografia (Graduao). Universidade de Braslia, UnB, 2012, p. 12-13.

  • 10

    e sua qualificao para o trabalho. Adota, desse modo, conceitos abertos e inclusivos para definir

    educao.

    O passo seguinte, entre ns brasileiros, foi a consagrao da educao

    como direito pblico subjetivo, e por consequncia munido de ao protetiva e da capacidade de

    cobrana frente ao Estado. O art. 208, 1, da Carta Magna, preconiza que o acesso ao ensino

    obrigatrio e gratuito direito pblico subjetivo. O 2 arremata que o no-oferecimento do ensino

    obrigatrio pelo Poder Pblico, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade

    competente.

    Tambm a legislao infraconstitucional posterior Constituio de 1988,

    como a Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatuto da Criana e do Adolescente, e a Lei n

    9.394, de 20 de dezembro de 1996, de diretrizes e bases da educao nacional nossa LDB,

    reafirmaram os princpios da gratuidade, obrigatoriedade, responsabilidade do poder pblico e o

    ensino fundamental como direito pblico subjetivo.

    Quanto possibilidade, na atual disciplina jurdica educacional brasileira,

    da prtica do homeschooling, ou seja, de os pais ou tutores assumirem a responsabilidade pela educao

    dos filhos menores em idade escolar, so trs as correntes interpretativa: a da aceitao com

    mutao legislativa ,a da negao absoluta e a da plena conformidade. Para a primeira, a metodologia

    no vedada, mas dada a claudicante legislao, necessrio inovar no campo jurdico para que o

    fenmeno passe a ser legtimo. A segunda corrente nega a possibilidade mesma de se legalizar o

    homeschooling no Brasil, fazendo uma defesa apaixonada da sua total impossibilidade jurdica. Para

    a ltima corrente, a legislao positiva brasileira j contempla plenamente a possibilidade da prtica

    do homeschooling. preciso esboar brevemente os contornos de cada concepo e os alicerces

    tericos que so invocados para legitim-las.

    Parece se posicionar pela primeira corrente, a de que precisamos da

    supervenincia de normas que regulamentem o tema, a prpria Associao Nacional de Educao

    Domiciliar ANED. Segundo AGUIAR17, Diretor Jurdico da ANED, o ensino domiciliar, como

    substituto do ensino escolar, no proibido expressamente por nenhuma norma no ordenamento

    jurdico brasileiro, seja constitucional, legal ou regulamentar. Nem, tampouco, expressamente

    permitido ou regulado por qualquer norma. O fundamento dessa omisso bastante simples: o

    assunto somente est sendo debatido no Brasil recentemente e, ainda, de forma tmida. Para

    AGUIAR, a matrcula em instituio de ensino somente obrigatria, nos termos da LDB e do

    ECA, para os menores que no estejam sendo ensinados em casa ou cuja educao domiciliar

    revele-se, indubitavelmente, deficiente18.

    17 AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. A situao jurdica do Ensino Domiciliar no Brasil. Associao Nacional de Educao Domiciliar. p. 1. Fonte: www.aned.org.br (consulta em 10.4.2016). 18 AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. A situao jurdica do Ensino Domiciliar no Brasil. Associao Nacional de Educao Domiciliar. p. 1. Fonte: www.aned.org.br (consulta em 10.4.2016).

  • 11

    Para a corrente de pensadores da negao absoluta, qual COSTA19 parece

    se filiar, o homeschooling uma prtica atentatria ao direito mesmo dos educandos, que, alm de

    serem instrudos, teriam direito prpria frequncia ao ambiente escolar nos moldes como o

    conhecemos hoje. Alis, para essa linha de pensamento, a garantia de frequentar uma escola estaria

    inserido dentro do prprio direito fundamental educao. O autor em comento argumenta que

    privar a criana do direito de ir a [sic] escola retirar-lhe o direito constitucional de construir

    discursivamente sua cidadania num ambiente plural e caracterizado pela diversidade. E

    complementa: Contrariamente a todos esses preceitos, os adeptos e defensores do homeschooling

    buscam segregar e polarizar a sociedade brasileira atravs da privao das crianas frequentarem a

    escola, conviverem com o pluralismo social de uma sociedade democrtica marcada pela

    diversidade e desigualdade20.

    O autor apresentou sua tese de negao no bojo da anlise de

    constitucionalidade e de legalidade do Projeto de Lei n 3.179, de 2012, de autoria do Deputado

    Lincoln Portela, que Acrescenta pargrafo ao art. 23 da Lei n 9.394, de 1996, de diretrizes e bases

    da educao nacional, para dispor sobre a possibilidade de oferta domiciliar da educao bsica.

    No Brasil, a educao escolar compe-se de educao bsica formada pela educao infantil,

    ensino fundamental e ensino mdio e educao superior (art. 21 da LDB).

    Pela proposta original do Deputado Lincoln Portela, o pargrafo 23 da

    LDB passaria a vigorar acrescido de um pargrafo terceiro, dispondo que seria facultado aos

    sistemas de ensino admitir a educao bsica domiciliar, sob a responsabilidade dos pais ou tutores

    responsveis pelos estudantes, observadas a articulao, superviso e avaliao peridica da

    aprendizagem pelos rgos prprios desses sistemas, nos termos das diretrizes gerais estabelecidas

    pela Unio e das respectivas normas locais.

    COSTA sustenta que o Projeto de Lei em comento est eivado de

    inconstitucionalidade e de ilegalidade. Na dico do autor:

    A inconstitucionalidade da presente proposta legislativa decorre da

    violao do Direito Fundamental Educao, cuja titularidade pertence

    criana, no aos seus pais. No momento em que os pais privam o direito

    de ir escola apropriam-se de um direito cuja titularidade no lhe pertence.

    Temos, assim, clara ofensa ao principio da paternidade responsvel, alm

    do claro abuso do poder familiar em razo da absolutizao da autonomia

    privada dos pais em pretender conduzir a educao dos filhos

    19 COSTA, Fabricio Veiga. Homeschooling no Brasil: uma anlise da constitucionalidade e da legalidade do Projeto de Lei 3179/12. Belo Horizonte: Editora DPlcido, 2016. 20 COSTA, Fabricio Veiga. Homeschooling no Brasil: uma anlise da constitucionalidade e da legalidade do Projeto de Lei 3179/12. Belo Horizonte: Editora DPlcido, 2016, p. 130.

  • 12

    contrariamente Teoria dos Direitos Fundamentais no Estado

    Democrtico.21

    O autor que se insurge conta o PL n 3.179/2012 sustenta que a educao

    domiciliar pode assegurar apenas a instruo tcnicocientfica direcionada, mas priva os aprendizes

    dos seguintes direitos. Por ser representativa da segunda corrente, transcreveremos a argumentao

    completa, in verbis:

    a) impede o exerccio do direito convivncia escolar, uma vez que no

    oportuniza o direito do filho ir escola, uma vez que o ensino tcnico

    oferecido em casa;

    b) retira-lhes a oportunidade de conhecer outras concepes de mundo

    distintas daquelas preconizadas pelos prprios genitores, tendo em vista

    que o contedo a ser trabalhado pelos professores ser previamente

    definido a partir dos valores morais e concepes religiosas do prprio

    ncleo familiar;

    c) restringe o direito dialogicidade, pois a criana e adolescente est

    limitado a dialogar apenas com os pares escolhidos previamente pelos seus

    genitores, impedindo-se a pluralidade de idias;

    d) supresso do direito de participar da construo do conhecimento, haja

    vista que os genitores controlam e definem o contedo que ser

    apreendido por seus filhos. Trata-se de conhecimento informativo,

    direcionado e esttico. Os filhos perdem a oportunidade de conhecer

    outras formas e vises de mundo distintas daquelas impostas pelos seus

    pais;

    e) retira-se dos filhos o direito de conviver com a diversidade em razo de

    os pais definirem, prvia e especificamente, quem sero os professores,

    com quem seus filhos convivero. uma forma de segregao social, em

    virtude de o genitor escolher a raa, classe social, a religio, orientao

    sexual, a idade e a formao moral dos colegas de sala de seu filho. O

    homeschooling estimula a segregao racial, social, a religio, orientao

    sexual, a idade e a formao moral dos colegas de sala de seu filho. O

    homeschooling estimula a segregao racial, social, econmica, sexual,

    alm de no garantir a incluso de crianas e adolescentes portadores de

    necessidades especiais, que somente convivero com os filhos do casal que

    optou pelo homeschooling se os prprios genitores assim permitirem;

    21 COSTA, Fabricio Veiga. Homeschooling no Brasil: uma anlise da constitucionalidade e da legalidade do Projeto de Lei 3179/12. Belo Horizonte: Editora DPlcido, 2016, p. 130.

  • 13

    f) os filhos de casais no desfrutaro do direito de vivenciar experincias

    diversas, mltiplas, plurais e inesperadas no ambiente escolar. Perdero a

    oportunidade de serem surpreendidos, uma vez que todo contedo e

    formao no mbito da educao domiciliar definido arbitrariamente

    pelos genitores. Torna-se invivel implementar o ensino democrtico;

    g) perda da oportunidade dos filhos conhecerem outras ideologias e

    concepes de mundo distintas daquelas propostas e preconizadas pelos

    seus pais.Trata-se de uma modelo educacional adestrador, impositivo,

    antidemocrtico e contrrio prpria gnese e fundamentos da

    Constituio brasileira de 1988;

    h) retira-se dos filhos o direito de obter uma formao moral e tica plural.

    Trata-se de uma forma clara de limitao do ato de conhecer,

    absolutamente contrria interpretao extensiva do Direito Fundamental

    Educao;

    i) violao do direito de liberdade de escolha e de expresso. Os filhos so

    diretamente ofendidos no direito de exercerem sua autonomia enquanto

    pessoa humana, algo j consolidado nos tratados internacionais de Direitos

    Humanos e internalizado expressamente pelo texto constitucional

    brasileiro.22

    Para o autor, no momento em que a privao, pelos pais, do direito de

    seus filhos freqentarem a escola, pode lhes causar danos de ordem psicolgica, tais como aqueles

    decorrentes do comprometimento da sociabilidade23.

    Todavia, COSTA no consegue provar as alegaes que apresenta, como,

    verbi gratia, de que somente frequentando a escola possvel conhecer outras concepes de

    mundo, participar da construo do conhecimento, conviver com a diversidade e ter

    formao moral e tica plural.

    O autor que estamos examinando construiu sua tese baseado no seguinte

    silogismo:

    Premissa maior: A educao um direito fundamental.

    Premisso menor: Frequentar a escola est dentro do direito educao.

    Concluso: Frequentar escola um direito fundamental.

    22 COSTA, Fabricio Veiga. Homeschooling no Brasil: uma anlise da constitucionalidade e da legalidade do Projeto de Lei 3179/12. Belo Horizonte: Editora DPlcido, 2016, p. 110-112. 23 COSTA, Fabricio Veiga. Homeschooling no Brasil: uma anlise da constitucionalidade e da legalidade do Projeto de Lei 3179/12. Belo Horizonte: Editora DPlcido, 2016, p. 88.

  • 14

    Depois, o autor faz a seguinte extrapolao argumentativa: quem tem o

    direito de ir escola, tem tambm o dever de faz-lo.

    A tese desenvolvida por COSTA , por conseguinte, no sentido da

    inconstitucionalidade e a ilegalidade do homeschooling, por caracterizar verdadeira afronta aos

    Direitos Fundamentais dos filhos (interpretao restritiva do Direito Fundamental Educao,

    limitando-se concepo de que a educao constitui apenas o acesso ao conhecimento cientifico),

    ao Estado Democrtico de Direito, ao Estatuto da Criana e do Adolescente e Lei de Diretrizes

    e Base da Educao, que so categricos ao estabelecer a obrigatoriedade da matrcula dos filhos

    na rede regular de ensino24.

    Obviamente, a tese do autor, bem como esta segunda corrente examinada,

    no merece prosperar, pelas consideraes que fazemos a seguir.

    O artigo inaugural da LDB reconhece que a educao abrange os

    processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivncia humana, no trabalho,

    nas instituies de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e

    nas manifestaes culturais. A educao gnero do qual educao escolar espcie. Mesmo as

    crianas que frenquentam a escola podem at receber toda a educao escolar, mas no podem

    receber a educao toda.

    Dado que o modelo de escola, conforme o conhecenmos hoje, surgiu

    apenas na Europa do sculo XII, se aceitarmos a tese de que a frequencia escola uma condio

    para a educao de um indivduo, teremos que admitir que no haveria pessoas educadas para criar

    a prpria escola dos moldes atuais. Se a consequncia de no frequentar os prdios escolares o

    desajuste social, segue-se necessariamente que foram indivduos desajustados que criaram a prpria

    escola. Esse, naturalmente, um argumento falacioso.

    No existe estudo cientfico corroborando a tese de que pessoas que no

    frequentam a escola no desenvolvem o atributo da sociabilidade. um argumento absurdo e

    desprovido de qualquer critrio sociolgico. LUFMAN25 apresenta pesquisa conduzida no Canad,

    pas no qual o homeschooling explicitamente garantido na legislao positiva, que apontou que os

    estudantes homeschoolers, alm de se destaracarem nas avaliaes parametrizadas conteudistas, so

    identificados ainda como socialmente bem adaptados e seguros.

    BARBOSA26, em sua tese de doutorado na USP, mostra que diversas

    pesquisas tm sido conduzidas para refutar a ideia de que os homeschoolers so socialmente

    inadequados, citando literatura de ARAI (1999), BASHAM, MERRIFIELD e HEPBURN (2007),

    24 COSTA, Fabricio Veiga. Homeschooling no Brasil: uma anlise da constitucionalidade e da legalidade do Projeto de Lei 3179/12. Belo Horizonte: Editora DPlcido, 2016, p. 131-132. 25 LUFFMAN, J. A profile of home schooling in Canada. Education Quarterly Review, v. 4, n. 4, 1997, p. 33. 26 BARBOSA, Luciane Muniz R. Ensino em casa no Brasil: um desafio escola? 2013. 348 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013.

  • 15

    LUFFMAN (1997) e MEDLIN (2000). As pesquisas mencionadas por esses autores demonstraram

    que os aprendizes domiciliares apresentaram vantagens no apenas nas habilidades acadmicas,

    mas tambm sociais, mostrando-se mais maduros, mais independentes, com melhor autoestima e

    melhor socializados, alm do fato de suas atividades extracurriculares preverem uma atuao de

    liderana na fase adulta, questionando os argumentos de que teriam dificuldade em se posicionar

    no mercado de trabalho27.

    Ponderada a crtica de CELETI28:

    Que a escola seja um ambiente socializante no h dvidas. Entretanto, os

    crticos do homeschooling parecem tom-la como o nico ambiente

    socializante. Mesmo que a escola no seja o nico ambiente possibilitador

    de socializao, no claro o motivo de este ser o melhor e mais desejvel.

    A ideia existente que crianas de famlias adeptas do homeschooling so

    menos socializadas ou possuem dificuldade de comunicao. Pensa-se na

    prtica do ensino domstico como sinnimo de priso domstica.

    Tambm erra COSTA, autor da crtica que estamos examinando, ao

    afirmar que o movimento de educao domiciliar nega a escola enquanto instituio. Os pais

    homeschoolers no negam a escola ou sua legitimidade para prestar o ensino, apenas reivindicam o seu

    direito de escolha e aceitam a superviso do aprendizado por parte do poder pblico. Outro erro

    considerar que, uma vez que os pais faam a opo pela educao dos seus filhos em casa, o fazem

    sem a superviso e at mesmo o assessoramento e avaliao do Estado, bem como da estrutura

    ofertada pela escola em atividades extracurriculares. Como BARBOSA aponta em sua tese de

    doutorado na USP, alguns pais homeschoolers querem se aproveitar dos recursos da escola pblica

    local (como atividades extracurriculares, equipes de esportes, biblioteca, computadores e facilidades

    da internet, materiais de orientao aos professores sobre questes curriculares, entre outros) e

    reivindic-los como um direito29.

    Incorreu no mesmo erro, h 16 anos, PANISSET30, relator do Parecer

    CNE/CEB n 34/2000 . PANISSET afirma, ao comentar a trplice parceria da famlia, do Estado

    e da sociedade na realizao da educao, que certamente, foi sbio o legislador, ao envolver a

    trade mencionada na consecuo de objetivos to amplos. Porque a famlia, ela s, jamais reunir

    as condies mnimas necessrias para alcanar objetivos to amplos e complexos. Ora, a famlia

    homeschooler no exclui a participao do Estado, quer seja na autorizao, quer na avaliao do

    27 BARBOSA, Luciane Muniz R. Ensino em casa no Brasil: um desafio escola? 2013. 348 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013, p. 227. 28 CELETI, Filipe Rangel. Educao no obrigatria: uma discusso sobre o estado e o mercado. Dissertao (Mestrado em Educao, Arte e Histria da Cultura) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2011, p. 77. 29 BARBOSA, Luciane Muniz R. Ensino em casa no Brasil: um desafio escola? 2013. 348 f. Tese (Doutorado) - Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013, p. 103. 30 Parecer CNE/CEB n 34, de 4 de dezembro de 2000, p. 5.

  • 16

    aprendizado, quer na concesso dos ttulos correspondentes tanto que, no caso do Parecer em

    comento, a famlia em questo se dirigiu ao Conselho Estadual de Educao do Estado de Gois

    para chancelar a sua prtica. E ainda que pudesse excluir o Estado, no conseguiria, nem querendo,

    excluir a influncia da sociedade na formao de seus filhos e tutelados.

    Em sua maioria, os pais homeschoolers no Brasil tm solicitado chancela ao

    Poder Executivo, por meio do seu rgo ministerial o MEC, at para que se possa aferir o

    aprendizado, bem como conferir as certificaes correspondentes de progresso nos estudos. o

    caso da famlia do municpio de Canela, Rio Grande do Sul, que solicitou Secretaria Municipal de

    Educao a autorizao para uso da metodologia de ensino em casa. Diante da recusa da Secretaria,

    a filha do Casal impetrou mandado de segurana contra ato da Secretria Municipal de Educao

    de Canela/RS, que, em resposta solicitao dos seus pais, que pretendiam educ-la em regime

    domiciliar, indeferiu o pedido. O Tribunal de origem entendeu que no haveria direito lquido e

    certo a amparar o pedido da recorrente. O caso aguarda deciso no Supremo Tribunal Federal, com

    relatoria do Ministro Luis Roberto Barroso, nos autos do Recurso Extraordinrio n 888815. Em

    sntese, o argumento da recorrente, conforme item 3 do acrdo que reconheceu a repercusso

    geral do Recurso Extraordinrio, foi que restringir o significado da palavra educar simplesmente

    instruo formal numa instituio convencional de ensino no apenas ignorar as variadas formas

    de ensino agora acrescidas de mais recursos com a tecnologia como afrontar um considervel

    nmero de garantias constitucionais, cujo embasamento se d, entre outros, pelos princpios da

    liberdade de ensino (art. 206, II, CF) e do pluralismo de ideias e de concepes pedaggicas (art.

    206, III, CF), tendo-se presente a autonomia familiar assegurada pela Constituio.

    O autor que est sendo refutado tambm avalia mal ao considerar que a

    modalidade de estudo em comento incorre em ilegalidade frente ao Estatuto da Criana e do

    Adolescente Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990 , uma vez que o mesmo dispe, no art. 55 que

    Os pais ou responsveis tm a obrigao de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de

    ensino. Dispe, ainda, o ECA no art. 129, que uma das medidas aplicveis aos pais ou responsveis

    a obrigao de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqncia e aproveitamento

    escolar. bvio que o contrrio desses preceitos do ECA no o homeschooling, mas a desdia dos

    pais em fornecer educao para os filhos menores de 14 anos. De todo modo, como poderia o

    Projeto de Lei ser ilegal frente outra lei ordinria, se pacfico no mundo jurdico o princpio

    expresso pelo brocardo lex posterior derogat priori, segundo o qual a lei posterior revoga a anterior de

    mesma hierarquia. Ora, no exato instante em que passasse a viger o Projeto de Lei 3.179/2012,

    aps aprovado pelas duas casas do parlamento brasileiro e sancionado pelo Presidente da Repblica,

    restariam revogados os dispositivos do ECA conflitantes com os seus dispositivos.

    Conforme delineado anterioemente neste trabalho, ampla a possibilidade

    de inovao legislativa sobre o tema da educao domiciliar, tendo os parlamentares legitimidade

    para alterar a prpria Constituio, resguardado o ncleo inatingvel das clusulas ptreas e as

    noes circunvizinhas que lhes do sustento.

  • 17

    Na longa transcrio que fizemos, COSTA aponta como desvantagem do

    homeschooling o fato de que os filhos de casais no desfrutaro do direito de vivenciar

    experincias diversas, mltiplas, plurais e inesperadas no ambiente escolar. Perdero a oportunidade

    de serem surpreendidos. Ora, no temos ouvido repetidamente a mesma crtica em relao escola

    tradicional? No foi para o homeschooling a crtica de Peter Drucker, para quem o primeiro professor

    da histria se sentiria perfeitamente em casa na maioria das salas de aula do mundo de hoje. Alm

    do quadro-negro e do livro impresso houve pouca mudana nos meios de ensino e nenhuma nos

    mtodos. A nica tecnologia introduzida nestes oito mil anos foi o livro impresso, que poucos

    professores sabem usar se o soubessem, no continuariam expondo o que j est nos livros.

    Tambm foi para a escola tradicional que Samuel Butler escreveu:

    s vezes fico a imaginar porque que a escola no causa mais danos aos

    jovens, e como que eles, em geral, acabam crescendo sensatos e bons,

    apesar das tentativas deliberadas da escola de distorcer e mesmo de impedir

    seu crescimento.

    Alguns, naturalmente, no conseguem escapar dos efeitos danosos da

    escola e sofrem at o fim de suas vidas por isso.

    Outros, porm, poucos danos parecem sofrer, e alguns at se safam sem

    dano algum.

    A resposta parece ser que o instinto natural dos jovens, na maior parte dos

    casos, se rebela de forma to absoluta contra o que a escola tenta fazer

    com eles que, no importa o que tentem os professores, no conseguem

    que seus alunos os tomem realmente a srio.31

    Acerta, contuto, COSTA ao reconhecer que a prtica do homeschooling em

    si mesma no apta para configurar o crime de abandono intectual, conforme a dico do art. 246

    do Cdigo Penal Brasileiro: Deixar, sem justa causa, de prover instruo primria de filho em

    idade escolar: Pena - deteno, de quinze dias a um ms ou multa. COSTA afirma que no

    plausvel que os genitores respondam criminalmente por abandono intelectual pelo fato apenas de

    no matricularem seus filhos no ensino regular. Eventual responsabilidade penal dos pais somente

    se torna vivel e legitima se efetivamente se comprovar que alm de os filhos no estarem

    formalmente matriculados no ensino fundamental tambm foram privados da instruo bsica32.

    Infelizmente, alguns membros do Parquet ainda insistem em autuar as famlias homeschoolers com

    fulcro nessa figura tpica.

    E o que dizer dos dispostivos da LDB sobre a frequncia escolar?

    31 CHAVES, Eduardo O. C. Educao Orientada para Competncias e Currculo Centrado em Problemas. 32 COSTA, Fabricio Veiga. Homeschooling no Brasil: uma anlise da constitucionalidade e da legalidade do Projeto de Lei 3179/12. Belo Horizonte: Editora DPlcido, 2016, p. 114-115.

  • 18

    De fato a LDB, nos termos do art. 24, inciso VI, disciplinando os nveis

    fundamental e mdio, dispe que o controle de freqncia fica a cargo da escola, conforme o

    disposto no seu regimento e nas normas do respectivo sistema de ensino, exigida a freqncia

    mnima de setenta e cinco por cento do total de horas letivas para aprovao. No que se refere

    educao infantil, o art. 31, inciso IV, do mesmo diploma legal preconiza, que o controle de

    frequncia pela instituio de educao pr-escolar, exigida a frequncia mnima de 60% (sessenta

    por cento) do total de horas.

    No podemos fazer uma leitura pontual e assistmica da LDB. Conforme

    enfatizamos no incio deste trabalho, o artigo inaugural da Lei de Diretrizes e Bases reconhece

    expressamente que a educao abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida

    familiar, na convivncia humana, no trabalho, nas instituies de ensino e pesquisa, nos

    movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e nas manifestaes culturais. A prpria lei

    sub examine ressalvou a liberdade de aprender, o pluralismo de idias e de concepes

    pedaggicas, bem como o respeito liberdade e apreo tolerncia, no art. 3, incisos II, III e

    IV, respectivamente. O ponto chave aqui que a LDB enfatiza expressamente que ela disciplina

    a educao escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituies

    prprias. Os grifos foram nossos. Predominantemente, mas no exclusivamente. A lei, por seu

    turno, passa a reger o ensino que seria ministrado em instituies prprias, mas sem negar, em

    absoluto, outras modalidades de aprendizado. Se fizesse tal negativa a LDB entraria em rota de

    coliso com o carter aberto da educao delineado por ela mesma e pela Constituio.

    Foi em proveito da clareza que, em Portugal, o Estatuto do Ensino

    Particular e Cooperativo de nvel no superior, aprovado pelo Decreto-Lei n 152, de 2013, pelo

    Ministrio da Educao e Cincia, expressamente declarou, no art. 2, item 3, que o presente

    Estatuto no se aplica ainda ao ensino individual e ao ensino domstico.

    Defendendo que a principiologia da LDB plenamente compatvel com o

    homeshooling, o Ministro do Superior Tribunal de Justia Domingos Franciulli Netto33 explica:

    Como de ver, em harmonia com as disposies constitucionais, a lei

    federal busca defender o direito educao de todo o cidado, mas ressalva

    a liberdade de aprender. Com esse desejo, ento, passa a regular a qualidade

    do ensino que ser oferecido nas escolas, fixando, por exemplo, os

    objetivos do ensino fundamental (art. 32).

    Conclui-se, portanto, que a regulamentao especfica, sobretudo no

    que tange carga horria de cada curso e jornada diria em sala de

    aula, diz respeito apenas educao tradicional, que, entretanto,

    segundo se depreende pela anlise sistemtica do diploma em

    questo, no a nica forma de aprendizado. [grifei]

    33 FRANCIULLI NETTO, Domingos. Aspectos constitucionais e infraconstitucionais do ensino fundamental em casa pela famlia. Biblioteca Digital Jurdica, STJ, 2005, p. 8-9. Disponvel em http://bdjur.stj.gov.br. (consulta em 25.8.2016).

    http://bdjur.stj.gov.br/

  • 19

    O mesmo se d com o disposto no art. 6 da LDB, que impe que dever

    dos pais ou responsveis efetuar a matrcula das crianas na educao bsica a partir dos 4 (quatro)

    anos de idade. Devemos fazer a leitura dessa prescrio no mbito da educao tradicional e o seu

    contrrio, o seu descumprimento, a no prestao do dever de educar, jamais a prtica do

    homeschooling.

    O fato de as regras prprias da LDB que tratam da compulsoriedade da

    matrcula e da frequncia estarem se referindo educao tradicional no impede que o disposto

    no seu art. 81 que concretiza o princpio constitucional do pluralismo de idias e de concepes

    pedaggicas seja invocado a favor do homeschooling. O art. 81 diz expressamente que permitida

    a organizao de cursos ou instituies de ensino experimentais, desde que obedecidas as

    disposies desta Lei. O dispositivo mostra, mais uma vez, o carter aberto e pluralista do

    regramento educacional brasileiro.

    preciso lembrar, tambm, o teor do art. 24, inciso II, alnea c, da LDB,

    que traz a inequvoca expresso independentemente de escolarizao anterior, mediante

    avaliao feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experincia do candidato e

    permita sua inscrio na srie ou etapa adequada, conforme regulamentao do respectivo sistema

    de ensino [grifei]. Ora, haveria algum impedimento que essa avaliao seja feita at mesmo

    mensalmente? Na clara lio do Ministro do STJ Franciulli Neto34, se a qualquer momento,

    qualquer cidado pode ingressar no ensino fundamental, mesmo que no tenha se deslocado um

    dia sequer sala de aula, e, por exemplo, ser classificado no ltimo ano, de acordo com a anlise

    do seu grau de desenvolvimento e experincia, nada est a empecer que tal classificao se d

    anualmente, bimestralmente, mensalmente ou semanalmente, consoante o regramento de cada

    instituio de ensino.

    Notemos que o Exame Nacional do Ensino Mdio o ENEM , criado

    em 1998, tambm pode, nos termos da portaria do MEC n 10, de 20 de maio de 2012, ser utilizado

    para obter o certificado de concluso do Ensino Mdio, desde que o interessado atenda aos

    seguintes requisitos: a) indicar a pretenso de utilizar os resultados de desempenho no exame para

    fins de certificao de concluso do Ensino Mdio, no ato da inscrio, bem como a Instituio

    Certificadora; b) possuir no mnimo 18 anos completos na data da primeira prova de cada edio

    do exame; c) atingir o mnimo de 450 pontos em cada uma das reas de conhecimento do exame;

    d) atingir o mnimo de 500 pontos na redao.

    Nos termos estritamente constitucionais, tambm no h qualquer

    proibio a que os pais ou tutores prestem a educao dos seus filhos ou tutelados em regime

    domiciliar. A Carta Magna estabeleceu, no art. 206, inciso II, como princpio sobre o qual o ensino

    deve ser ministrado, a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e

    34 FRANCIULLI NETTO, Domingos. Aspectos constitucionais e infraconstitucionais do ensino fundamental em casa pela famlia. Biblioteca Digital Jurdica, STJ, 2005, p. 21. Disponvel em http://bdjur.stj.gov.br.

  • 20

    o saber, bem assim, no inciso seguinte, o pluralismo de idias e de concepes pedaggicas, e

    coexistncia de instituies pblicas e privadas de ensino.

    O art. 226 da nossa Carta Poltica estabeleceu que a famlia, base da

    sociedade, tem especial proteo do Estado. O pargrafo stimo desse artigo preconiza que,

    fundado nos princpios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsvel, o

    planejamento familiar livre deciso do casal, competindo ao Estado propiciar recursos

    educacionais e cientficos para o exerccio desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte

    de instituies oficiais ou privadas35.

    Conforme esclarece o Ministro do STJ susomencionado, se os pais

    pretenderem educar seus filhos em casa, competir ao Estado apenas fiscalizar as atividades da

    famlia para garantir que a educao ofertada, efetivamente, possibilite o pleno desenvolvimento

    da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho, assegurada

    a formao bsica comum e respeito aos valores culturais e artsticos, nacionais e religiosos, nos

    termos do artigo 210 da Constituio Federal36.

    preciso ainda observar os tratados e convenes internacionais com os

    quais o Brasil se comprometeu perante a comunidade internacional, que conferem primazia

    famlia na conduo da educao dos filhos, vedando interferncias fortuitas e desproporcionais

    por parte do Estado. Nesse sentido, a Declarao Universal dos Direitos do Homem, no seu art.

    3, item 3, reconhece que aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gnero de

    educao a dar aos filhos.

    A Conveno Americana sobre Direitos Humanos conhecida como

    Pacto de So Jos da Costa Rica foi reconhecida pelo Supremo Tribunal federal como tendo

    status de supralegalidade, vale dizer, est hierarquicamente abaixo da Constituio, mas acima das

    leis ordinrias, no podendo, pois, ser revogada por lei ordinria que lhe seja posterior. A referida

    Conveno reconheceu, no art. 12, item 4, que os pais e, quando for o caso, os tutores, tm direito

    a que seus filhos e pupilos recebam a educao religiosa e moral que esteja de acordo com suas

    prprias convices.

    falacioso o argumento dos crticos ao homeschooling de que os pais esto

    tirando o direito dos filhos de escolher. O disposto no art. 1.634, inciso I, do Cdigo Civil brasileiro

    de 2002, preconiza que compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situao conjugal, o

    pleno exerccio do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos, dirigir-lhes a criao e a

    educao. de se perguntar se, caso os filhos mesmos optem pelo homeschooling, tais crticos o

    35 O art. 1.565, 2, do Cdigo Civil Brasileiro de 2002, tambm reza que o planejamento familiar de livre deciso do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exerccio desse direito, vedado qualquer tipo de coero por parte de instituies privadas ou pblicas. 36 FRANCIULLI NETTO, Domingos. Aspectos constitucionais e infraconstitucionais do ensino fundamental em casa pela famlia. Biblioteca Digital Jurdica, STJ, 2005, p. 7. Disponvel em http://bdjur.stj.gov.br.

  • 21

    aceitariam como uma metodologia legal e legtima de ensino. A certeza da resposta negativa autoriza

    a concluso de estarmos diante de uma negao tautolgica, vestida de preconceitos e arbitrarismos

    e carente de fundamentos jurdico ou pedaggico.

    Acertada, portanto, a deciso do Juiz da Infncia e Juventude Vinicius de

    Toledo Piza Peluso, da 1 Vara Criminal do Tribunal de Justia de So Paulo, publicada em 3 de

    agosto de 2016, que indeferindo Representao do Ministrio Pblico, que queria que fossem

    matriculadas na escola sob pena de multa diria reconhece o direito de trs irms a estudarem

    domiciliarmente. So as seguintes as palavras do Juiz Vinicius Peluso:

    Diante do exposto, por entender que as menores G, M e B encontram-se

    devidamente inseridas em processo de aprendizagem, por meio da

    metodologia homeschooling; que tal modalidade de ensino no afronta

    normas constitucionais e infraconstitucionais; que compete

    primordialmente aos pais a obrigao de educar os filhos e que descabida

    a interveno estatal no caso em comento, JULGO IMPROCEDENTES

    os pedidos formulados na representao.

    Segundo dados da HSLDA, o Brasil conta com 3.200 famlias adeptas do

    homeschooling. Dados da ANED do conta de 2.500 famlias.

    CONCLUSO

    consentneo o alerta de Maquiavel, para quem no h nada mais difcil

    de se empreender, mais perigoso de se conduzir, do que assumir a liderana na introduo de uma

    nova ordem de coisas, porque a inovao ter como inimigos todos aqueles que tm se dado bem

    sob as antigas condies, e defensores indiferentes naqueles que podem se sair bem sob as novas.

    No soa familiar ao atual estgio de transio pelo qual passa o homeschooling?

    A educao integral, voltada para o pleno desenvolvimento da pessoa, no

    deve aprisionar-se em formalidades engessadas, nem se pautar em falcias pseudocientficas como

    a da perda de sociabilidade daqueles que aprendem pela metodologia do homeschooling e pressupe

    a liberdade dos aprendizes e daqueles que mais de perto acompanharo seu desenvolvimento, os

    pais. Onde abunda a educao, superabunda a liberdade e rareiam as vises que se pretendam ser

    juzas da educao do outro.

    O presente estudo teceu consideraes jurdicas e pedaggicas sobre o

    homeschooling, metodologia educativa que abdica da frequncia compulsria aos prdios escolares,

    sem negar a escola enquanto instituio vlida para aqueles que a ela aflurem livremente. Analisou

    o panorama da legislao correlata no Brasil e no mundo. No aspecto domstico, posicionou-se

    pela tese que reconhece que a legislao positiva do Pas j bastante para assegurar a prtica em

    comento. Enfim, tentou-se demonstrar que no precisamos ter medo do homeschooling.

  • 22

    BIBLIOGRAFIA

    AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. A situao jurdica do Ensino Domiciliar no

    Brasil. Associao Nacional de Educao Domiciliar. p. 1. Fonte: www.aned.org.br (consulta em

    10.4.2016).

    BARBOSA, Luciane Muniz R. Ensino em casa no Brasil: um desafio escola? 2013. 348 f.

    Tese (Doutorado) - Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, So Paulo, 2013.

    CELETI, Filipe Rangel. Educao no obrigatria: uma discusso sobre o estado e o

    mercado. Dissertao (Mestrado em Educao, Arte e Histria da Cultura) - Universidade

    Presbiteriana Mackenzie, 2011.

    CHAVES, Eduardo O. C. Educao Orientada para Competncias e Currculo Centrado em

    Problemas.

    COSTA, Fabricio Veiga. Homeschooling no Brasil: uma anlise da constitucionalidade e da

    legalidade do Projeto de Lei 3179/12. Belo Horizonte: Editora DPlcido, 2016.

    FARIA FILHO, Luciano Mendes. Instruo elementar no sculo XIX. In: LOPES, Eliane Marta

    Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive. (Org.). 500 anos de educao

    no Brasil, 5. ed., Belo Horizonte: Autntica, 2011.

    FRANCIULLI NETTO, Domingos. Aspectos constitucionais e infraconstitucionais do

    ensino fundamental em casa pela famlia. Biblioteca Digital Jurdica, STJ, 2005. Disponvel em

    http://bdjur.stj.gov.br. (consulta em 25.8.2016).

    ILLICH, Ivan. Sociedade sem escolas. 7. ed. Petrpolis: Vozes, 1985.

    LUFFMAN, J. A profile of home schooling in Canada. Education Quarterly Review, v. 4, n. 4,

    1997.

    KUNZMAN, R. Education, Schooling, and Childrens Rights: the Complexity of

    Homeschooling. Educational Theory, vol. 62, n. 1, 2012.

    SPIEGLER, Thomas. Home education in Germany: An overview of the contemporary

    situation. Evaluation and Research in Education, n. 17, 2003.

    VASCONCELOS, Maria Celi Chaves. A educao domstica no Brasil de oitocentos. Revista

    Educao em Questo, Natal, v. 28, n. 14, jan./jun. 2007.

    VIEIRA, Andr de Holanda Padilha. Escola? No, obrigado: Um retrato da homeschooling

    no Brasil. Monografia (Graduao). Universidade de Braslia, UnB, 2012.