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Dissertação: Gestão ambiental na reserva extrativista Ilha do Tumba - Cananéia/SPAutor: Lucas Milani Rodrigues

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    Universidade de So Paulo

    Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz

    Gesto ambiental na Reserva Extrativista Ilha do Tumba Canania/SP

    Lucas Milani Rodrigues

    Dissertao apresentada para obteno do ttulo de

    Mestre em Cincias, Programa: Recursos Florestais.

    Opo em: Conservao de Ecossistemas Florestais

    Piracicaba

    2015

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    Lucas Milani Rodrigues

    Gestor Ambiental

    Gesto ambiental na Reserva Extrativista Ilha do Tumba Canania/SP verso revisada de acordo com a resoluo CoPGr 6018 de 2011

    Orientadora:

    Profa. Dra. TERESA CRISTINA MAGRO

    Dissertao apresentada para obteno do ttulo de

    Mestre em Cincias, Programa: Recursos Florestais.

    Opo em: Conservao de Ecossistemas Florestais

    Piracicaba

    2015

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao

    DIVISO DE BIBLIOTECA - DIBD/ESALQ/USP

    Rodrigues, Lucas Milani Gesto ambiental na Reserva Extrativista Ilha do Tumba Canania/SP / Lucas

    Milani Rodrigues. - - verso revisada de acordo com a resoluo CoPGr 6018 de 2011. - -Piracicaba, 2015.

    128 p. : il.

    Dissertao (Mestrado) - - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz.

    1. Avaliao de gesto 2 Unidades de conservao 3. Reserva extrativista 4. Comunidade caiara I. Ttulo

    CDD 333.72 R696g

    Permitida a cpia total ou parcial deste documento, desde que citada a fonte O autor

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    DEDICATRIA

    Dedico ao meu av Antnio Soares Rodrigues

    pelo amor incondicional e por sua inteligncia que sempre me inspirou.

    Dedico ao meu primo Gabriel Messas Marchi

    grande amigo que faz muita falta.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo CAPES pela concesso de bolsa de estudos.

    professora Teresa Magro pela orientao e por me deixar vontade para

    desenvolver o mtodo de uma forma nova. Pela oportunidade de trabalhar no evento

    Protected Areas and Place Making em Foz do Iguau em 2013 (sucesso total!) e por prezar

    que a relao professor-aluno fosse sempre construtiva.

    A Giovana Oliveira, secretria do programa de Recursos Florestais, por sua ateno e

    ao Jefferson Polizel, o coringa do departamento de cincias florestais, pela prontido em

    ajudar quando preciso.

    comunidade do Maruj e a comunidade do Ariri por terem recebido a proposta de

    pesquisa de braos abertos. Aos conselheiros, gestor e equipe tcnica da RESEX da Ilha do

    Tumba pela disposio em ajudar.

    Aos funcionrios da Fundao Florestal no ncleo integrado de Canania. Obrigado

    pela disponibilidade e ateno.

    Aos meus pais que sempre me apoiaram: Alziro Aparecido Rodrigues, com sua

    criatividade invejvel. Silvana Aparecida de Moraes, a mulher mais corajosa e realizadora que

    conheo. Aos meus irmos Ana Carolina Rodrigues e Bruno Milani Rodrigues, pela parceria

    inata e aos meus sobrinhos Raul Rodrigues e Mariana Rodrigues, os maiores presentes que

    essa famlia poderia ter. Obrigado pelo amor incondicional!

    Aos meus avs Carmem de Lima Rodrigues, Antnio Soares Rodrigues, Lucila

    Marchi de Moraes e Jos Milani de Moraes pelo carinho que s os avs sabem dar.

    A Jussara Messas, minha tia querida, que sempre me incentivou a curtir os prazeres da

    vida acadmica, valeu demais!

    A toda famlia Marchi e a toda famlia Rodrigues, mesmo eu no estando to prximo

    levo o carinho e o amor de todos comigo.

    Aos meus amigos que sempre estiveram juntos, mas em especial a Adriana Andr,

    Alessandra Penha, Ana Zagueto (Bee), Ana Melo, Ana Maria de Meira, Andr Biazoti, Bruna

    Epiphanio, Caio Zeviani, Caroline Garcia, Calu Rodrigues, Daniel Assumpo, Dayane

    Bortoleto, Daniela Ianovali, Daniela Zagueto, Diego Genurio, Dimas Carmo, Ftima Barros,

    Gabriela Geerdink, Helena Gomes, Henrique Zorzin, Ivanka Rosada, Isabela Gomes,

    Jacqueline Barros, Juliana Lopes, Julio Godoy, Ktia Cezarino, Kelly Schimidt, Luana

    Almeida, Mrio Bega, Manuela Silveira, Mauro Soave, Mrcio Nogueira, Mrcio Sartrio,

    Mariana Crepaldi, Marine Assahira, Mrcia Fonseca, Mateus Tomoaki, Mateus Martins,

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    Mnica Brito, Natalia Doria, Natasha Iwanicki, Nely Tedesco, Paula Cristina, Paulo Nagase,

    Pedro Leme, Priscila Garcia, Taila Strabeli, Thais Hiramoto, Thais Melo, Thaisa Salles,

    Thiago Uehara, Valria Freixdas e Victor Hugo Andrade. A amizade de vocs foi essencial

    para tudo acontecer!

    A professora Luciana Duque e aos tripulantes da Enterprise Insustentvel: Clarissa

    Aguiar, Daniel Braga, Emanuelle Pinto, Felipe Schardosin, Masa Otake, Mariana Peres,

    Rodrigo Geroni, Tassio Trevisan, Tiago Costa, Tiene Winagraski e Zenaide Miranda pelos 15

    dias de viagem e aprendizado no Par e Amap.

    Aos amigos do Laboratrio de reas Naturais Protegidas, o LANP, da ESALQ:

    Carolina Bartoletti, Josiane Cerveira, Lily Gutierrez, Luciana Matsubara, Ricardo Reale e

    Yuri Forten, pelas discusses enriquecedoras e os momentos de descontrao no laboratrio,

    obrigado!

    Aos queridos amigos que fiz em Canania e tornaram a vivncia na cidade mais feliz:

    Aline Matsumoto, Clber Chiquinho, Dona Ftima, Heloisa Valio, Juliana Greco, Maria

    Monteiro, Marcelo Bad, Valdir Monteiro, Valter Moraes, Thamar Shimodaira e Tati Baccini.

    Ao esotrico Gustavo Pavan, um pedao de Piracicaba em So Joo Del Rei,

    obrigado!

    E o meu agradecimento mais sincero sincronia dos acontecimentos, sorte, que

    sempre est do meu lado.

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    Sempre difcil nascer. A ave tem que sofrer para sair do ovo, isso voc

    sabe. Mas volte o olhar para trs e pergunte a si mesmo se foi to penoso o

    caminho. Difcil apenas? No ter sido belo tambm?

    Hermann Hesse

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    SUMRIO

    RESUMO ....................................................................................................................... 11

    ABSTRACT ................................................................................................................... 13

    LISTA DE SIGLAS ....................................................................................................... 15

    1 INTRODUO ........................................................................................................... 17

    2 REVISO BIBLIOGRFICA .................................................................................... 19

    2.1 O Sistema Nacional de Unidades de Conservao ................................................... 19

    2.2 Avaliao da gesto de reas Protegidas ................................................................. 26

    2.3 Unidades de Conservao e Comunidades Tradicionais .......................................... 36

    3 METODOLOGIA ........................................................................................................ 45

    3.1 Reflexo sobre o mtodo seguido na pesquisa ......................................................... 45

    3.2 A Reserva Extrativista da Ilha do Tumba como foco de pesquisa ........................... 48

    3.3 Dados Qualitativos ................................................................................................... 50

    3.4 Dados Quantitativos ................................................................................................. 52

    3.5 Comunicao dos Resultados ................................................................................... 53

    4 RESULTADOS E DISCUSSO ................................................................................ 55

    4.1 Contextualizao ...................................................................................................... 55

    4.1.1 Histrico ................................................................................................................ 55

    4.1.2 Comunidades beneficiadas pela RESEX Ilha do Tumba ...................................... 58

    4.2 Aspectos pertinentes gesto da RESEX................................................................. 71

    4.2.1 Opinio dos entrevistados sobre a Fundao Florestal .......................................... 71

    4.2.2 Reserva Extrativista Ilha do Tumba ...................................................................... 74

    4.3 Questionrio de avaliao e pblico alvo ................................................................. 93

    4.4 Resultados da avaliao ............................................................................................ 96

    4.5 Diferenas entre Fundao Florestal e demais entrevistados ................................. 102

    4.6 Melhorias no processo de avaliao ....................................................................... 105

    5 CONSIDERAES FINAIS .................................................................................... 107

    REFERNCIAS .......................................................................................................... 109

    ANEXOS ...................................................................................................................... 117

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    RESUMO

    Gesto ambiental na Reserva Extrativista Ilha do Tumba Canania/SP

    As unidades de conservao (UCs) tambm podem abrigar populaes que nela vivem e

    dependem do meio em que esto inseridas para o sustento de suas famlias e desenvolvimento

    de seus modos de vida, o que as caracteriza como comunidades tradicionais. O espao

    previsto em lei para que populaes que se entendem como tradicionais possam manter seus

    meios de vida e cultura prpria so as Reservas Extrativistas RESEX e as Reservas de Desenvolvimento Sustentvel RDS, UCs de Uso Sustentvel. As UCs necessitam de uma gesto adequada para que se mantenham cumprindo os objetivos estabelecidos. Para

    monitorar essa forma de administrao foram elaborados mtodos de mensurao da

    efetividade de gesto com aplicao em diferentes reas protegidas do Mundo. No entanto a

    categoria de RESEX no possui trabalhos publicados sobre a avaliao de gesto. No foi

    feito um estudo em que a opinio das comunidades atendidas por uma RESEX seja levada em

    considerao neste processo. A presente dissertao adaptou o mtodo de avaliao de gesto

    de UCs para esta tipologia e a rea de aplicao destes conceitos e desenvolvimento da

    adaptao do mtodo foi a Reserva Extrativista Ilha do Tumba em Canania/SP. A coleta de

    dados foi feita junto aos moradores beneficiados por essa Reserva (Comunidade do Maruj Ilha do Cardoso e Comunidade do Ariri parte continental de Canania) e Fundao Florestal, instituio estadual responsvel pela gesto da UC, que tambm est sediada em

    Canania/SP. Primeiro foi feito um levantamento de dados qualitativos com entrevistas

    abertas nas duas comunidades e junto ao rgo gestor, assim como membros da sociedade

    civil que fazem parte do Conselho da UC. Posteriormente foi elaborado um questionrio de

    avaliao aplicado ao Conselho Deliberativo da RESEX, gestor e equipe tcnica da Fundao

    Florestal e presidentes das associaes de bairro do Maruj e Ariri. O questionrio foi

    dividido em duas partes: avaliao da Fundao Florestal, com questes mais amplas sobre o

    rgo gestor da UC (09 perguntas) e avaliao da RESEX Ilha do Tumba, com questes

    focadas s questes da UC (22 perguntas). A adaptao do mtodo de avaliao de gesto da

    RESEX trouxe a percepo dos envolvidos em sua construo, o que resultou em uma

    ferramenta administrativa palpvel realidade local. Deste modo foi possvel encontrar os

    pontos fracos da gesto da Fundao Florestal e da RESEX de modo participativo. O repasse

    da pesquisa foi feito nas reunies do Conselho Deliberativo que ocorrem na comunidade do

    Maruj e os resultados da avaliao foram apresentados primeiro ao Conselho, antes do final

    da dissertao.

    Palavras-chave: Avaliao de gesto; Unidades de conservao; Reserva extrativista;

    Comunidade caiara

  • 12

  • 13

    ABSTRACT

    Environmental management in the Extractive Reserve Tomb Island - Canania / SP

    Protected areas (PAs) can also are home to populations who live and depend on the

    environment in which they are placed to support their families members and develop their

    ways of life, which characterizes them as traditional communities. The space provided by law

    for people who understand ourselves as traditional to keep their livelihoods and their culture

    are the Extractive Reserves - ER - and Sustainable Development Reserves - SDR, PAs of

    Sustainable Use. PAs need an appropriate management to stay in compliance with the

    established objectives. To monitor this administration form were developed measurement

    methods of the management effectiveness with applications in different protected fields in the

    world. However, the ER category doesnt have published works on its management evaluation. There wasnt a study done which communities opinion was taken into account. This dissertation adapted the PA management assessment method for this PA type and the

    application area of these concepts and development of adaptation of the method was the

    Extractive Reserve Tomb Island in Canania (So Paulo State Brazil). Data collection was made with the residents benefit from this reserve (Community Maruj - Cardoso Island and

    Community Ariri - mainland Canania) and Forestry Foundation, state institution responsible

    for the management of PA, which is also based in Canania. First a survey was made of

    qualitative data through open interviews in the two communities and with the government

    body, as well as members of civil society that are part of the Council of PA. Later, it was

    prepared an assessment questionnaire to the Advisory Board of ER, manager and technical

    staff of the Forestry Foundation and presidents of Maruj and Ariri neighborhood

    associations. The questionnaire was divided into two parts: assessment of Forestry

    Foundation, with broader questions about the PA governing body (09 questions) and

    assessment of ER Tomb Island, with questions focused on issues of PA (22 questions). The

    adaptation of ER management evaluation method brought the perception of those involved in

    its construction, which resulted in a tangible administrative tool to the local reality. Thus it

    was possible to find the weaknesses in managing of the Forestry Foundation in a participatory

    manner. The research feedback session was made in the Board meetings occurring in Maruj

    community and the evaluation results were presented first to the Council, before the end of

    the dissertation.

    Keywords: Management evaluation; Protected areas; Extractive reserve; Caiara

  • 14

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    LISTA DE SIGLAS

    AMOMAR Associao de Moradores do Maruj

    APA rea de Proteo Ambiental

    ARIE rea de Relevante Interesse Ecolgico

    CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente

    EE Estao Ecolgica

    ESALQ Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz

    FF Fundao Florestal

    FLONA Floresta Nacional

    GPS Sistema de Posicionamento Global

    IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis

    ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade

    MN Monumento Natural

    MOJAC Mosaico do Jacupiranga

    ONG Organizao no Governamental

    PE Parque Estadual

    PEIC Parque Estadual da Ilha do Cardoso

    PN Parque Nacional

    PU Plano de Utilizao

    RAPPAM Rapid Assessment and Priorizations of Protected Area Management

    RDS Reserva de Desenvolvimento Sustentvel

    REBIO Reserva Biolgica

    RESEX Reserva Extrativista

    RF Reserva de Fauna

    RPPN Reserva Particular do Patrimnio Natural

    RVS Reserva da Vida Silvestre

    SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservao

    TLCE Termo de Livre Consentimento Esclarecido

    UC Unidade de Conservao

    USP Universidade de So Paulo

  • 16

  • 17

    1 INTRODUO

    No Brasil, no ano 2000 foi institudo o SNUC Sistema Nacional de Unidades de

    Conservao atravs da lei federal n 9.985. O texto foi regulamentado em 2002 pelo

    decreto n 4.340. A lei federal organiza e classifica as diferentes tipologias de UCs (Unidades

    de Conservao), assim como d diretrizes gesto integrada destes espaos. Esta lei

    estabelece os objetivos das diferentes reas protegidas e define dois grupos maiores de

    Unidades de Conservao: Proteo Integral e Uso Sustentvel.

    As UCs de proteo integral possuem o objetivo mais restritivo de acesso e utilizao

    de recursos naturais, os quais podem ser apenas de forma indireta. J as UCs de Uso

    Sustentvel possuem uma possibilidade de usos diferentes, pois permitem a utilizao direta

    dos recursos naturais.

    Dentro das UCs de Uso Sustentvel cabe salientar dois tipos de Unidades de

    Conservao: As Reservas Extrativistas (RESEX) e as Reservas de Desenvolvimento

    Sustentvel (RDS). As duas UCs possuem o objetivo de sanar a lacuna de reas aonde seja

    permitido o desenvolvimento dos modelos de vida de populaes que j se encontravam

    nestas reas naturais antes que fossem tidas como espaos necessrios de preservao, alm

    de ser um espao de desenvolvimento cultural das comunidades tradicionais.

    As RESEX apresentam a possibilidade de um territrio em que a comunidade

    tradicional retire os recursos que necessita para desenvolver seu modo de vida e cultura. J a

    RDS permite que a populao utilize estes recursos e tambm viva neste territrio.

    Essa complexidade de objetivos das reas protegidas acaba requerendo formas de

    gesto e ferramentas colaborativas administrao. Com o aumento de reas naturais

    protegidas e a necessidade de saber se os objetivos das Ucs estavam sendo atingidos foram

    criados sistemas para mensurar a efetividade da administrao de uma Unidade de

    Conservao, ou de um sistema de unidades, tais como Hockings et. al (2006), Cifuentes,

    Izurieta e Faria (2000), Faria (2004), Erwin (2003) e Padovan (2003) propem.

    Para a presente dissertao foi feito um recorte a partir da instituio do SNUC e das

    ferramentas de avaliao de gesto existentes.

    A reviso bibliogrfica revela que dos trabalhos de avaliao de gesto de UCs no

    Brasil no houve publicao com o objetivo de avaliar uma RESEX. Tampouco foram

    encontrados trabalhos de pesquisa publicados nos quais a populao local tenha tido sua

    opinio levada em considerao sobre a gesto da UC pertinente ao seu modo de vida.

    Tendo essa lacuna, esse foi o caminho da pesquisa. Por se tratar de um tema novo para

    esta tipologia de Unidade de Conservao tratou-se de uma investigao exploratria. A

  • 18

    inteno foi de adaptar ferramentas de avaliao de gesto RESEX de modo que a

    percepo da populao diretamente envolvida fosse trazida nessa construo.

    A pesquisa se deu em Canania, cidade do litoral sul paulista, que possui diversas

    reas protegidas em seu territrio: Parque Estadual Lagamar; Parque Estadual Ilha do

    Cardoso; Reserva Extrativista Federal do Mandira; Reserva Extrativista Estadual Taquari;

    Reserva Desenvolvimento Sustentvel Estadual Itapanhapima; Reserva Extativista Estadual

    Ilha do Tumba.

    O trabalho se desenvolveu na RESEX Ilha do Tumba, a qual possui como

    beneficirios as populaes da comunidade do Maruj, na Ilha do Cardoso, e do Ariri, bairro

    da parte continental de Canania. O levantamento de dados se deu atravs de anlise

    documental e entrevista semiestruturada com atores sociais pertinentes ao territrio protegido.

    Posteriormente aplicao de questionrio fechado ao Conselho Deliberativo da RESEX, aos

    tcnicos responsveis pela gesto da UC e aos lderes das associaes comunitrias dos dois

    bairros.

    Os resultados da avaliao foram apresentados ao Conselho Deliberativo. As

    colaboraes aps apresentao dos resultados foram trazidas para a dissertao, tambm

    fazendo parte do processo de avaliao de gesto.

  • 19

    2 REVISO BIBLIOGRFICA

    2.1 O Sistema Nacional de Unidades de Conservao

    A lei 9985/2000, o SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservao uma

    norma que objetiva alcanar o que est garantido na Constituio Federal atravs do artigo

    225: Todos tm direito ao ambiente ecologicamente equilibrado.

    Para Derani (2001), a lei tem um perfil pr-ativo. Define a quem cabe tomar quais

    atitudes para se atingir a conservao. Trata-se de um regulamento de como devem ser

    decretadas e geridas essas reas com interesse especial. A autora afirma que o SNUC tem a

    proposta de ressignificar a relao do homem com o meio e considera a lei como uma

    ferramenta de redefinio cultural ao alterar o significado de espaos territoriais.

    Milano (2001) afirma que a preservao atravs das Unidades de Conservao a

    melhor forma de proteger a flora, fauna e processos ecolgicos. No entanto, isso pede uma

    estrutura, para que tal proposta ocorra efetivamente.

    Nesse sentido, a organizao da gesto do Sistema Nacional est dividida em rgo

    deliberativo e consultivo representado pelo CONAMA Conselho Nacional de Meio

    Ambiente; rgo central atravs do Ministrio do Meio Ambiente; rgo executor atravs do

    ICMBio Instituto Chico Mendes de Conservao da Biodiversidade (anteriormente o Ibama,

    alterado aps lei federal n 11.516 de 2007). As administraes estaduais e municipais

    possuem os seus respectivos conselhos, secretarias de meio ambiente e rgos executores para

    que se cumpram o mesmo formato de gesto (BRASIL, 2000 art. 6, inciso I, II, III).

    As Unidades de Conservao so organizadas em dois grandes grupos: Proteo

    Integral e Uso Sustentvel. O primeiro grupo composto por: Estao Ecolgica (EE),

    Reserva Biolgica (REBIO), Parque Nacional (PN), Monumento Natural (MN) e Refgio da

    Vida Silvestre (RVS). Essas UCs possuem em comum o fato de s ser permitido o uso

    indireto de seus recursos, salvo os casos previstos em lei. O grupo de Uso Sustentvel

    composto por: rea de Proteo Ambiental (APA), rea de Relevante Interesse Ecolgico

    (ARIE), Floresta Nacional (FLONA), Reserva Extrativista (RESEX), Reserva de Fauna (RF),

    Reserva de Desenvolvimento Sustentvel (RDS) e Reserva Particular do Patrimnio Natural

    (RPPN). O segundo grupo possui em comum a compatibilizao de uso de seus recursos com

    a preservao do ambiente natural (BRASIL, 2000 art. 7, art. 8, art. 14).

    Apesar dessa diviso na lei, Derani (2001) considera que o SNUC divide os espaos

    em trs principais propostas. Esse trip o que sustenta o Sistema de UCs:

    i) Proteo de espaos naturais do modo de vida da sociedade moderna: O

    sistema econmico vigente predatrio e a cultura de apropriao promovida

  • 20

    por este sistema inerente para que este se mantenha. O direito, atravs do

    SNUC, protege uma parcela de espaos, cabendo ao poder pblico o dever

    desta proteo. As leis mercadolgicas tendem a colonizar todos os espaos

    sendo papel do Estado restringir at onde o mercado pode chegar. Esta lei

    acaba por criar um terceiro tipo de espao, alm do urbano e do agrcola, o

    espao protegido, com atividades antrpicas submetidas a essa regulao.

    Deste modo a lei delimita aonde no se pode exercer plenamente a vontade

    individual.

    ii) Planejamento de territrio: Esta regulao que transforma espaos tambm

    utilizada para planejar um territrio especfico. Vem desde a maior esfera,

    com o decreto da UC, at a administrao interna com a determinao das

    zonas intangveis, tangveis, de uso pblico e zona de amortecimento. O

    conjunto de tipologias de reas protegidas, administradas em mosaico, torna-

    se uma ferramenta de gesto de territrio, j que a maioria das UCs de

    domnio pblico.

    iii) Espao para desenvolvimento cientfico: a tecnologia e o conhecimento

    cientfico possuem grande importncia no cenrio mundial. Tal caracterstica

    das UCs transformam esses espaos territoriais em bancos de descobertas que

    podem contribuir ao planejamento territorial estratgico de uma nao.

    Machado (2001) classifica por relao com a presena humana em trs grupos:

    (i) UCs em que a presena humana pode ser proibida: Reserva Biolgica e

    Estao Ecolgica.

    (ii) Permitida visitao, de acordo com o plano de manejo: Parque Nacional,

    Monumento Natural, Refgio da Vida Silvestre, Reserva de Fauna, Reserva

    Particular de Patrimnio Natural.

    (iii) Presena humana, parcial ou totalmente, que faz parte de suas finalidades:

    rea de Proteo Ambiental, rea de Relevante Interesse Ecolgico, Floresta

    Nacional (Estadual ou Municipal, quando for o caso), Reserva Extrativista e

    Reserva de Desenvolvimento Sustentvel.

    Quantidade de reas protegidas

    Milano (2001) considera que as Unidades de Proteo Integral podem ser

    consideradas as que mais garantem as condies necessrias s espcies raras e endmicas

    devido ao seu rigoroso sistema de gesto. O autor afirma que as UCs de proteo integral so

  • 21

    preteridas pelo governo em favor de UCs de Uso Sustentvel como Florestas Nacionais,

    reas de Proteo Ambiental e Reservas Extrativistas.

    De acordo com Rylands e Brandon (2005) at o ano de 2004, a distribuio de

    Unidades de Conservao de Uso Sustentvel e de Proteo Integral no Brasil eram quase

    iguais: 52% para o primeiro tipo e 48% para o segundo. No entanto, dentro de cada regio do

    pas h diferenciaes. As reas de Uso Sustentvel cobrem 74% do domnio da Mata

    Atlntica. Diferentemente da regio do Pantanal que 100% de suas reas so de proteo

    integral.

    Atualmente essa proporo diferente. Segundo o cadastro nacional de Unidades de

    Conservao o Brasil conta com 581 UCs de proteo integral e 1349 de uso sustentvel, o

    que corresponde a 30,1% e 69,9% respectivamente (MMA, 2014).

    Avaliando essa proporo em km, o cadastro (atualizado em outubro de 2014)

    aponta que 528.025km so de proteo integral, enquanto que 1.022.829km so de uso

    sustentvel. Em porcentagem as UCs de proteo integral ficam com 34% do territrio

    protegido e as de uso sustentvel com 66%. Neste somatrio, o cadastro inclui as UCs

    federais, estaduais e municipais (MMA, 2014).

    Cabe salientar que o cadastro aponta uma rea de sobreposio (locais que fazem

    parte de UCs de uso sustentvel e proteo integral). Ao invs de 1550.854km totais, so na

    realidade 1513.366km, o equivalente a aproximadamente 17,8% do territrio nacional

    (MMA, 2014).

    Criao, categorizao e recategorizao de Unidades de Conservao

    Sobre a criao, as UCs s podem ser institudas atravs de ato do poder pblico.

    Antes de sua criao h a necessidade de estudos tcnicos que delimitem a rea, assim como

    consulta pblica. Excluem do processo de consulta pblica as Reservas Biolgicas e Estaes

    Ecolgicas (BRASIL, 2000 art. 22, 2, 3 e 4).

    Mesmo no tendo a necessidade de consulta Pblica, as EE e REBIO demandam

    estudos tcnicos para localizao e limites, o que inerente a todas as diferentes classes de

    reas protegidas (MACHADO, 2001).

    Mercadante (2001) considera que a consulta pblica, em princpio, no tinha a

    inteno de ser apenas um ato meramente burocrtico para a criao de uma UC. Sua proposta

    era de que o planejamento de uma rea protegida fosse participativo com o envolvimento dos

    atores sociais pertinentes rea.

  • 22

    Quanto ao tamanho das UCs, o SNUC determina que a diminuio dos limites ou dos

    objetivos de uma rea protegida s pode ser feita mediante lei; no entanto o aumento de uma

    rea de conservao pode ser feito com instrumento normativo do mesmo nvel hierrquico do

    de criao da rea, obedecendo aos critrios de consulta pblica. Os estudos tcnicos para

    avaliar se a nova rea a ser anexada de fato relevante para UC em questo, ou at mesmo

    benfica a esta, tambm avaliada para esse aumento (MACHADO, 2001).

    Um ponto a destacar a recategorizao de uma UC. Algo relativamente simples

    quando se quer passar uma UC de Uso Sustentvel para de Uso Integral. No entanto bem mais

    complicado quando se pretende o inverso (FERREIRA, 2007). As de Uso Sustentvel podem

    ser transformadas em UCs de Proteo Integral, respeitando os estudos tcnicos e a consulta

    pblica sobre a proposta, atravs de ato normativo da mesma esfera hierrquica. J a reduo

    de limites de uma UC s pode ser realizada atravs de lei especfica (BRASIL, 2000 art. 22,

    2, 5, 7).

    A dimenso humana em Unidades de Conservao

    Arajo (2007) tem a viso de que a incorporao em congressos mundiais do fator

    humano em gesto de reas protegidas teve reflexo no SNUC. A lei traz fortemente as UCs de

    uso sustentvel e a relao destas com as comunidades tradicionais, assim como os espaos de

    discusso que envolvem a sociedade (conselhos consultivos e deliberativos de UCs) para que

    estejam presentes nesta organizao territorial desde o incio.

    Alm da proteo biodiversidade, a lei tambm versa sobre a necessidade de

    envolvimento social na gesto dos espaos protegidos. Em suas diretrizes prev que a

    participao da comunidade local, assim como a participao da sociedade, necessria para

    que se cumpra o papel das reas protegidas. Considera as necessidades de recursos naturais

    que as populaes locais demandam para que mantenham sua qualidade de vida (BRASIL,

    2000 art. 5, incisos II, III, V, IX).

    As UCs que possuem relao direta com as comunidades tradicionais so as RESEX

    e RDS. O uso e a posse da terra das RESEX e RDS so regulados por contratos. As

    populaes tradicionais beneficiadas pelos contratos assumem o compromisso de participar da

    preservao e recuperao dos recursos naturais da rea. O uso destes recursos segue algumas

    normas como o uso de prticas que no prejudiquem a regenerao de ecossistemas. Alm de

    outras normas previstas em lei ou ainda normas mais especficas que devem constar no plano

    de gesto das Unidades de Conservao destas tipologias (BRASIL, 2000 art. 23).

  • 23

    Como a presente dissertao desenvolveu a pesquisa em uma Reserva Extrativista,

    cabe transcrever a definio da lei sobre este tipo de espao protegido:

    (...) Art. 18 A Reserva Extrativista uma rea utilizada por populaes extrativistas tradicionais, cuja subsistncia baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na

    agricultura de subsistncia e na criao de animais de pequeno porte, e tem como

    objetivos bsicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populaes, e

    assegurar o uso sustentvel dos recursos naturais da unidade.

    1 A Reserva Extrativista de domnio pblico, com uso concedido s populaes

    extrativistas tradicionais conforme o disposto no art. 23 desta Lei e em

    regulamentao especfica, sendo que as reas particulares includas em seus limites

    devem ser desapropriadas, de acordo com o que dispe a lei.

    2 A Reserva Extrativista ser gerida por um Conselho Deliberativo, presidido

    pelo rgo responsvel por sua administrao e constitudo por representantes de

    rgos pblicos, de organizaes da sociedade civil e das populaes tradicionais

    residentes na rea, conforme se dispuser em regulamento e no ato de criao da

    unidade.

    3 A visitao pblica permitida, desde que compatvel com os interesses locais e

    de acordo com o disposto no Plano de Manejo da rea.

    4 A pesquisa cientfica permitida e incentivada, sujeitando-se prvia

    autorizao do rgo responsvel pela administrao da unidade, s condies e

    restries por este estabelecidas e s normas previstas em regulamento.

    5 O Plano de Manejo da unidade ser aprovado pelo seu Conselho Deliberativo.

    6 So proibidas a explorao de recursos minerais e a caa amadorstica ou

    profissional.

    7 A explorao comercial de recursos madeireiros s ser admitida em bases

    sustentveis e em situaes especiais e complementares s demais atividades

    desenvolvidas na Reserva Extrativista, conforme o disposto em regulamento e no

    Plano de Manejo da unidade. (BRASIL, 2000 art. 18, pg 07)

    Planejamento e gesto de Unidades de Conservao

    previsto em lei que todas as Unidades de Conservao devem dispor de um Plano

    de Manejo. Tal plano deve abranger alm da UC sua zona de amortecimento e corredores

    ecolgicos (quando cabvel). O prazo de elaborao de cinco anos aps a instituio da UC.

    No caso de APA, ARIE, RESEX, RDS, FLONA deve ser garantida uma ampla participao

    dos interessados em sua elaborao (BRASIL, 2000 art. 27, 1, 2, 3; MACHADO,

    2001).

    Os planos de manejo so baseados no princpio da precauo. Quando no se sabe se

    uma ao causa um dano ambiental deve ser feito um estudo de impacto para, aps se ter esse

    resultado, dar-se o procedimento adequado. Enquanto no se tem o procedimento o uso que

    pode ser danoso no pode ser realizado (MACHADO, 2001). Qualquer atividade que esteja

    fora dos objetivos da UC, seus regulamentos e Plano de Manejo ser considerada irregular

    (BRASIL, 2000 art. 28).

    Todas as Unidades de Conservao, com exceo das APAs e RPPNs, devem possuir

    zonas de amortecimento e, quando possvel e conveniente, corredores ecolgicos. Os rgos

    executores (ICMBio, no caso de UCs de hierarquia federal) so os responsveis por

  • 24

    determinar quais os usos de solo possveis na zona de amortecimento e corredores. Os limites

    destes podem ser definidos na criao da UC, ou posteriormente, aps estudos mais apurados

    (BRASIL, 2000 art. 25; MACHADO, 2001).

    Biogeografia

    Alm da gesto integrada, as zonas de amortecimento podem colaborar na

    diminuio dos efeitos de borda com a diminuio da presso no entorno das reas protegidas.

    J os corredores ecolgicos visam suprir essa conectividade necessria entre os fragmentos.

    As teorias biogeogrficas so o uso para determinao de espaos a serem protegidos

    regionalmente. Tal fundamentao tem pontos bsicos para as reas protegidas: as reservas

    maiores so melhores, assim como as reservas justapostas e circulares (por diminuir o efeito

    de borda) tambm so melhores, alm de serem interligadas por elementos da paisagem para

    terem conectividade (BENSUSAN, 2001).

    Outro ponto a considerar so as estratgias regionais. Anteriormente as UCs eram

    definidas por oportunidade; atualmente j existem mtodos e estudos suficientes para se traar

    reas que vo de encontro aos planos regionais de preservao (BENSUSAN, 2001). O fato

    de UCs de diferentes objetivos estarem prximas ou justapostas faz com que a gesto seja

    integrada e participativa (BRASIL, 2000 art. 26).

    Essa mudana nas paisagens e a impossibilidade de conduzir um ambiente natural a

    um nico equilbrio traz os elementos da ecologia que vm sendo mais difundidos na gesto

    de reas protegidas. Nesse sentido, deve-se pensar o que quer conservar e como fazer,

    sabendo que na natureza no h apenas um clmax. Essa proposta causa diferenas na

    conduo de reas naturais: h de se conservar o aspecto ambiental em si ou conservar os

    processos ecolgicos que levam a esse aspecto? (BENSUSAN, 2001).

    Pesquisa

    Machado (2001) tece elogios referida lei. A vinculao da demanda cientfica ao

    poder do Estado de avaliar se possvel ou no uma estratgia inteligente preservao dos

    recursos. Pontua tambm que o texto que coloca o conhecimento das populaes tradicionais

    deve ser valorizado. Tal populao deve receber o benefcio de seu uso caso tenha sido

    utilizado em pesquisa.

  • 25

    Compensao ambiental

    Empreendimentos de significativo impacto ambiental devero compensar atravs de

    investimento em Unidades de Conservao de Proteo Integral. O total a ser pago pelo

    empreendedor no pode ser inferior meio por cento dos custos totais de instalao do

    empreendimento. Tal valor deve ser recolhido durante o Licenciamento Prvio (LP). Os

    custos apresentados e o valor a ser recolhido que ser direcionado a uma UC de proteo

    integral devem ser verdicos. O Ministrio pblico, ONGs, ou qualquer cidado podem ter

    acesso a esses dados (MACHADO, 2001).

    O autor ressalta que muitos empreendimentos no fazem este recolhimento, o que

    no lhes tira a responsabilidade de pagar e podem ser questionados em qualquer momento a

    vigncia de sua licena para que o faa. Os recursos que so doados a UCs no

    necessariamente sero direcionados s unidades que se pretendiam, haja visto que todo

    recurso partilhado em uma conta federal, ou estadual quando for o caso.

    O investimento deste recurso deve preferencialmente ser investido em Unidades de

    Conservao que estejam junto rea de impacto, ou em sua microrregio. O investimento

    deve ser feito em UCs de proteo integral, seja para manuteno das existentes ou para

    criao de novas (CONAMA, 1987).

    Ferramentas de administrao do SNUC

    Para gerir atravs deste texto jurdico necessria muita organizao. A lei prev que

    o Ministrio do Meio Ambiente mantenha um cadastro com as Unidades de Conservao no

    pas, tendo a colaborao dos Estados e Municpios para compor tal banco de dados. Os dados

    devem contemplar aspectos socioculturais, antropolgicos, questo fundiria, espcies

    ameaadas, clima, solos e recursos hdricos das reas protegidas. Esses dados so disponveis

    aos interessados (BRASIL, 2000 art. 50).

    A capacitao colocada como uma dificuldade a ser superada. Os diferentes

    conhecimentos necessrios gesto de uma UC, desde os guarda-parques at secretrios e

    dirigentes de rgos ambientais so pontos a serem trabalhados para uma melhora no processo

    participativo em gesto de reas protegidas. Devem-se identificar as necessidades dentro do

    quadro de funcionrio dos rgos competentes e procurar meios de sanar essas lacunas de

    conhecimento (DRUMOND, 1998).

    O Ministrio do Meio Ambiente tem o objetivo de promover encontros entre gestores

    de UC, reunies formais e informais e deve estar presente na elaborao de zoneamentos, mas

  • 26

    no uma figura hierrquica acima, mas sim, uma coordenao integrada s UCs

    (MACHADO, 2001).

    Alm dessa funo, a troca de experincias traz o entrosamento interinstitucional,

    aprimorando a cultura organizacional de participao como ponto estratgico para gesto de

    reas protegidas (DRUMOND, 1998).

    Machado (2001) defende que essa poltica pblica em si no o suficiente para que

    um ambiente equilibrado seja mantido. Percebe que a prpria maneira que as cidades foram se

    desenvolvendo criou a necessidade da criao de uma matria jurdica para que se

    reservassem reas naturais j que o ambiente natural e o urbano se tornaram mundos em

    excessivo distanciamento.

    2.2 Avaliao da gesto de reas Protegidas

    Nas ltimas dcadas houve o aumento da preocupao com o patrimnio ambiental.

    A criao de Unidades de Conservao passou a ser uma forma eficaz de proteo deste bem

    comum. No entanto, mais que a criao, necessrio proporcionar todas as ferramentas

    possveis para uma gesto adequada de reas protegidas. O planejamento, capacidade

    institucional, desenho e interligao com outras reas protegidas, programas de

    desenvolvimento regional, educao ambiental e mais fatores so o suporte necessrio a esse

    efetivo funcionamento da UC (FARIA, 2004). UCs eficientes no cumprimento de seus

    objetivos de gesto, com propostas e metas claras a serem atingidas so tambm uma forma

    de que a populao d suporte poltico para a conservao dos recursos naturais do pas ou

    regio.

    As Unidades de Conservao trazem benefcios populao, dentre eles cabem

    destacar: (i) preservao dos processos ecolgicos dos sistemas naturais, assim como da

    diversidade de espcies e diversidade gentica dentro de cada espcie; (ii) mantm a histria e

    modos de vida local das comunidades presentes; (iii) protege as reas de hbitos predatrios;

    (iv) proporciona bens e servios ambientais, assim como oportunidade para o

    desenvolvimento comunitrio, espao para pesquisas cientificas, educao e turismo; (v) fonte

    de orgulho de uma nao e inspirao aos seres humanos (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA,

    2000).

    Para que se atinjam estes benefcios, necessrio primar por um bom manejo. O

    conceito de manejo ganhou ao longo do tempo diferentes interpretaes, a qual deve ficar a

    cargo do recorte do pesquisador, delimitando o seu escopo de trabalho com esta definio

    (FARIA, 2004).

  • 27

    Faria (2004) define a gesto de unidades de conservao como:

    A equilibrada coordenao dos componentes tcnicos e operacionais (recursos

    humanos, materiais, financeiros) e os diversos atores sociais que incidem sobre o

    desenvolvimento da rea, de maneira tal a obter-se a eficcia requerida para se

    lograr os objetivos para os quais a unidade foi criada e a manuteno da

    produtividade dos ecossistemas abrangidos (FARIA, 2004 pg. 39).

    O profissional que atua na administrao de uma Unidade de Conservao exerce

    uma funo que vai alm do manejo. Faz a gesto de um espao protegido atravs dos

    diferentes interesses dos segmentos sociais ligados rea (FARIA, 2004).

    Arajo (2007) sugere que mais apropriado utilizar o termo gesto de uma Unidade

    de Conservao ao invs de manejo. Essa afirmativa, em concordncia com Faria (2004), esta

    baseada no fato de que o gestor de uma rea protegida tem mais atividades do que o manejo

    de recursos naturais. Desta forma, a presente pesquisa utilizou o termo Gesto.

    O sucesso das reas protegidas baseado na premissa de que este depende da sua

    gesto para proteger os valores biolgicos e culturais que estejam presentes em sua rea. Para

    que se atinja tal feito necessrio que sua gesto esteja adequada s demandas particulares do

    seu territrio, j que cada rea detm as suas caractersticas biolgicas e culturais, assim como

    presses e usos especficos (HOCKINGS et al., 2006).

    Hockings et. al (2006) apontam que a avaliao da efetividade de gesto teve um

    aumento desde a dcada de 80. Das iniciativas desenvolvidas algumas tm enfoque

    biocntrico, outras fazem interface dos impactos sociais que uma Reserva ou Parque podem

    trazer. Alguns mtodos desenvolvidos foram mais detalhistas em conhecer a realidade de

    uma rea protegida. Outras elaboraes foram mais superficiais, mas de fcil aplicao.

    Tambm surgiram mtodos que avaliam sistemas de reas protegidas.

    Muitas Instituies e rgos ambientais ao redor do mundo tem resistncia em

    adotar um modelo nico de avaliao de efetividade de gesto. Tal fato encorajado por

    Hockings et. al (2006) onde os autores reconhecem a necessidade de adaptar o mtodo ao

    contexto de cada UC. Apenas fazem a ressalva de que tal proposta passe de ocasional

    prtica rotineira e seja incorporada ao manejo das reas protegidas.

    Neste sentido, Cifuentes, Izurieta e Faria (2000) consideram que questes sobre quais

    so as dificuldades encontradas na gesto de uma UC, suas deficincias e assuntos crticos so

    perguntas no to fceis de responder, porm com uma avaliao peridica pode-se chegar a

    respostas mais prximas. O conhecimento claro da situao de uma rea protegida pode ser

    obtido atravs da utilizao desta ferramenta.

  • 28

    Avaliao de efetividade de gesto pode: (i) abrir e dar suporte a uma abordagem de

    gesto adaptativa1; (ii) assistncia para alocao de recursos; (iii) envolver a comunidade aos

    valores biolgicos e culturais presentes na UC; (iv) melhoria da comunicao entre gestor e

    comunidade; (v) oportunidade de reflexo dos gestores ao dar um passo para trs do trabalho

    cotidiano e debruar-se com ateno nas oportunidades e dificuldades encontradas sob uma

    nova perspectiva (HOCKINGS et al., 2006).

    Os resultados das avaliaes de uma UC sero muito importantes para as revises de

    planos de gesto. Tendo uma repetio deste processo avaliativo essa base de dados servir

    para um plano ajustado realidade da rea, tornando-o mais aplicvel (HOCKINGS et al.,

    2006).

    Mtodos de avaliao

    Um nico sistema de avaliao pouco provvel que sirva para todas as reas

    protegidas. A diversidade de UCs traz a necessidade de construo de avaliaes especficas

    s realidades locais (HOCKINGS et al., 2006).

    Cifuentes, Izurieta e Faria (2000), em sua publicao sobre medio de efetividade

    de manejo, definem o que seria uma gesto eficiente. O livro adota o seguinte conceito:

    Aes polticas, legais, administrativas, pesquisa, planejamento, proteo,

    coordenao, educao, entre outras que do resultado ao melhor aproveitamento de

    uma Unidade de Conservao, garantindo sua permanncia e alcanando os

    objetivos (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA, 2000, pg. 05).

    O procedimento de avaliao tem alcance em trs nveis: somente a rea em estudo,

    sistema de reas protegidas, sistema de reas protegidas e suas zonas de influncia. Aplicada

    somente a uma rea especfica, a ferramenta pode ser muito benfica. Atravs dela podem ser

    encontradas as falhas especficas dentro dos mbitos que sero avaliados, trazendo em detalhe

    o que est crtico na gesto (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA, 2000).

    Trata-se de um manual para avaliao da rea baseado em cenrios reais e desejveis

    atravs de um procedimento estruturado, sistemtico e de baixo custo. A adaptao s

    realidades distintas com a incluso de novos indicadores bem vinda para traduzir o que se

    deseja avaliar (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA, 2000).

    O procedimento de instalao de uma avaliao de gesto obedece alguns trmites,

    sendo o primeiro deles a deciso em nvel institucional da rea protegida de que seja feito esse

    1 Gesto adaptativa baseada em um processo circular que propicia informaes que daro sustento a alteraes

    de estratgias de trabalho para resultados positivos no futuro. A gesto adaptativa depende das avaliaes.

  • 29

    trabalho. Aps isso necessrio compor um ncleo de avaliao com os representantes

    tcnicos da UC, assim como representantes da comunidade. Definida a equipe, o prximo

    passo ser fazer um levantamento de dados primrios e secundrios de tudo que j foi

    pesquisado na UC. Aps esse conhecimento, e com base no presente manual, adequar a

    realidade da rea protegida aos mbitos, variveis e parmetros de mensurao aqui

    propostos. Por fim a aplicao do procedimento de avaliao, mas antes com a definio dos

    conceitos de cenrio timo a pssimo para cada varivel (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA,

    2000).

    Cifuentez, Izurieta e Faria (2000) detalham os passos da avaliao de efetividade de

    gesto:

    (i) Deciso da rea a ser avaliada: qualquer rea que seja protegida e receba um

    mnimo de ateno por parte de quem a promulgou j cabvel de ser avaliada.

    (ii) Seleo do ncleo de avaliao da UC: a avaliao deve ser realizada com

    participao do pessoal tcnico da rea protegida e atores sociais chaves na construo do

    processo. necessrio ter uma pessoa que coordene a avaliao e parte tcnica da rea

    protegida que ajude o coordenador durante a avaliao. Deve ser mantido o contato com os

    interessados diretamente envolvidos no processo para que no haja dvidas da transparncia

    da anlise.

    (iii) Levantamento de dados primrios e secundrios: Dados secundrios so todas as

    informaes referentes UC em anlise, desde documentos internos at publicaes sobre a

    rea protegida. Tambm necessrio um levantamento em campo da estrutura disponvel para

    manejo, assim como corpo tcnico e material para o trabalho e demais aspectos prticos que

    ajudam no manejo. H tambm a necessidade de entrevistar atores chaves das comunidades

    envolvidas e que estejam diretamente ligados Unidade de Conservao.

    (iv) Seleo de indicadores, variveis, subvariveis e sua alocao nos mbitos: Os

    autores propem a classificao em indicadores maiores (mbito). O mbito composto por

    indicadores de segunda ordem (variveis). Os de segunda ordem, quando necessrio, possuem

    indicadores mais especficos que os compem (subvariveis). Quando h a necessidade de se

    aprofundar mais sobre determinado tema em anlise, as subvariveis possuem os parmetros.

    Ressalta-se que se trata de um incio e que a adequao desta ordenao de mbitos, variveis,

    subvariveis e parmetros so ajustados medida que os dados secundrios e primrios so

    levantados.

    (v) Estabelecimento de critrios de avaliao, estruturao de condies e construo

    de cenrios: esta etapa feita em conjunto com o grupo ncleo da avaliao. Aps

  • 30

    levantamento das informaes proposto um esquema inicial que ser discutido para que se

    refine o mtodo de avaliao.

    (vi) Identificao e qualificao da situao atual: aplicao do mtodo estabelecido

    pelo grupo para levantamento das informaes. Este passo ser junto aos gestores da rea e

    questionrio comunidade.

    (vii) Integrao dos resultados e interpretao da efetividade de manejo:

    sistematizao dos dados levantados e relatrio.

    (viii) Apresentao do resultado final comunidade e tcnicos: compartilhar o

    produto final da pesquisa com todos os envolvidos durante reunio do Conselho Deliberativo.

    A Tabela 1 descreve os mbitos que Cifuentes, Izurieta e Faria (2000) abordam:

    Tabela 1 - descrio dos mbitos a serem avaliados

    mbito Descrio

    Administrativo Organizao interna de verba, pessoal e condies de trabalho dos

    funcionrios da rea protegida.

    Poltico Conformidade da UC com a legislao estadual e federal,

    participao da comunidade e respaldo financeiro do governo.

    Legal Legislao que decreta a Unidade de Conservao e regulamentos

    e normas tcnicas que subsidiam a gesto.

    Planejamento Planejamento e reviso dos objetivos a serem alcanados,

    existncia de plano de manejo adequado realidade local, assim

    como sua implementao.

    Conhecimento Informaes socioeconmicas sobre a rea e o entorno,

    caractersticas biofsicas da UC, existncia de pesquisas e

    monitoramentos e conhecimento tradicional sobre a rea em

    estudo.

    Programas de Manejo Programas de educao, pesquisa entre outros programas dentro

    da rea e como so geridos.

    Biogeografia

    Forma, tamanho, isolamento e vulnerabilidade da UC.

    Usos legais Quais as possibilidades de uso da rea que so permitidas e como

    so gerenciadas.

    Usos ilegais Quais so os possveis usos ilegais e como so mitigados.

    Aps a avaliao, estes valores podem ser vistos separadamente por mbito, varivel

    e parmetro, assim como um valor da UC no geral, o que permite esmiuar e chegar ao ponto

    exato de onde esto os pontos crticos do manejo (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA, 2000).

    Os autores reforam que para comear um processo avaliativo em uma rea protegida deva-se

    partir dos critrios e indicadores propostos em sua publicao, mas com a liberdade de adapt-

    los realidade da UC em estudo.

  • 31

    Como ltima considerao, ressaltam que a medio da efetividade de gesto uma

    ferramenta que deve ser incorporada ao cotidiano da rea protegida, sendo til para fazer

    comparativos de tempos em tempos e encontrar e solucionar problemas de gesto

    (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA, 2000).

    Padovan (2003) publicou uma proposta de certificao para reas protegidas baseada

    em uma premissa de que a certificao uma atitude voluntria da administrao de cada UC.

    O processo deve ser transparente e independente e as referncias de parmetro de gesto so

    previamente definidas, antes da avaliao. Nesse caso, a legitimidade da certificao ser

    atingida com xito se durante o processo forem levados em conta os aspectos ambientais,

    sociais, econmico-financeiros e institucionais da rea protegida. A proposta da autora o

    manejo dos recursos e que estes tenham um ganho na qualidade de forma gradual.

    O advento da certificao de reas protegidas justifica-se como ferramenta tcnica

    que pode influenciar diversos atores sociais ligados s UCs. Para os administradores, serviria

    como uma base segura para tomada de decises. Aos pesquisadores, abriria leques para

    estudos e experimentos cientficos com melhores condies de controle (por exemplo, a

    restrio ao acesso de pessoas), alm da possibilidade de ampliar as possibilidades de

    pesquisas relacionadas efetividade de gesto. Para as comunidades inseridas na rea e no

    entorno da UC, seria uma possibilidade de favorecer questes socioeconmicas; tambm

    poderiam funcionar como instrumentos de presso pblica para garantir que os planos de

    manejo das reas protegidas atinjam seus objetivos e uma ferramenta aliada ao turismo,

    agregando valor s agncias que operam em UCs certificadas (PADOVAN, 2003).

    Para este selo de certificao para UCs, Padovan (2003) prope que cada princpio

    detm critrios e os critrios possuem verificadores/indicadores. Sendo assim, a proposta base

    de certificao possui quatro mbitos, sete princpios, 24 critrios e 65 verificadores. O

    mtodo de construo proposto por Padovan (2003) apresenta um raciocnio aplicvel s

    diferentes Unidades de Conservao, sendo um material muito rico para basear propostas de

    avaliao de gesto.

    Outra ferramenta utilizada para avaliar reas protegidas o RAPPAM Rapid

    Assessment and Priorization of Protected Area Management ou Metodologia para Avaliao

    Rpida e a Priorizao do Manejo de UCs. Esta ferramenta contribui para detectar pontos

    fortes e fracos das estratgias de manejo adotadas, analisar as ameaas e presses sobre a

    Unidade, priorizar atividades e auxiliar na proposio de polticas pblicas que sero efetivas

    s reas em estudo (ERWIN, 2003).

  • 32

    O foco do RAPPAM concentra-se na anlise integrada do conjunto de reas, ou seja,

    fazer comparaes em ampla escala com vrias UCs, pois foi delineada para operar de forma

    comparativa. Nesse sistema, o mtodo pode ser aplicado a uma UC apenas, mas no possui

    preciso especfica nesse caso (ERWIN, 2003).

    Em geral, o RAPPAM baseia-se em quadro referencial avaliativo elaborado pela

    comisso mundial de reas protegidas; tambm assume alguns pressupostos, como a

    transparncia das informaes fornecidas e o elevado grau de conhecimento de gerentes e

    administradores das UCs em estudo (ERWIN, 2003).

    Trabalhos de avaliao de gesto de Unidades de Conservao

    Os trabalhos de avaliao de gesto, em sua maioria, so realizados por atividades de

    pesquisa, o que denota que a preocupao em acompanhar e monitorar este processo ainda

    no institucionalizada (FARIA, 2004).

    Em sua tese de doutoramento, Faria (2004) pesquisa a partir da hiptese que as UCs

    do Estado de So Paulo possuem uma grande variao de qualidade de gesto e que, em sua

    maioria, no alcanam os objetivos a que foram criadas. Seu foco de pesquisa foram as UCs

    geridas pelo Instituto Florestal atravs de um sistema de indicadores aplicveis a todas as

    Unidades. As UCs foram de proteo integral em sua maioria e algumas de Uso Sustentvel

    da categoria Floresta Estadual. Estaes Experimentais tambm foram avaliadas, mas tal

    territrio no se enquadra no SNUC.

    O autor coordenou a avaliao de 59 UCs do Estado de So Paulo. A metodologia

    utilizada foi um aperfeioamento de seu prprio trabalho utilizado em 1993. Das UCs

    estudadas, apenas seis estavam no padro elevado de gesto. A tese aponta que para a

    melhoria da efetividade das reas protegidas, o Instituto Florestal, rgo responsvel pelas

    reas de estudo, necessitava de uma mudana estrutural em seu escopo de atuao. Da mesma

    forma, a reconstruo dos pilares de sua gesto foi considerada emergencial para que os seus

    objetivos fossem de fato alcanados.

    Faria (2004), aps a reviso de trabalhos sobre efetividade de gesto que foram

    publicados anteriormente, agrupou-os nos seguintes mbitos: (i) Planejamento, (ii)

    Administrao, (iii) Poltico-legal, (iv) Qualidade de recursos, (v) Conhecimento e (vi)

    Manejo Florestal (somente para as UCs de Uso Sustentvel). Esses seis campos de avaliao

    totalizaram 40 indicadores com 61 quesitos a serem avaliados. Dentro dos mbitos a avaliao

  • 33

    foi composta por indicadores com possibilidades de timo a pssimo, o que comps suas

    notas.

    Simes e Oliveira (2005) avaliaram 32 UCs de proteo integral, administradas pelo

    Instituto Florestal e pela Fundao Florestal a partir do RAPPAM, oferecendo um diagnstico

    geral sobre as UCs de proteo integral do Estado de So Paulo.

    O mtodo foi feito atravs do envio prvio do questionrio aos gestores das reas.

    Aps isso houve uma oficina participativa aonde o questionrio foi adequado a realidade das

    unidades de conservao de So Paulo. A participao foi o fator forte da aplicao deste

    mtodo que teve o intuito de fornecer uma viso geral das UCs paulistas (SIMES;

    OLIVEIRA, 2005).

    Das unidades analisadas, 17 Unidades (60%) apresentavam gesto mdia - entre

    40% e 60% em sua nota; seis unidades (aproximadamente 19%) possuam gesto alta, com

    aproveitamento acima de 60%. E nove unidades (28%) tinham gesto baixa, ou seja, notas

    menores que 40%. Estes resultados sintetizam a importncia deste tipo de anlise para

    decises que considerem grandes escalas espaciais - macroesfera - necessitando de

    detalhamentos especficos (e a partir de outros mtodos de anlise) para cada Unidade em

    questo, inseridas na escala abordada pelo RAPPAM (SIMES; OLIVEIRA, 2005).

    Schiavetti, Magro e Santos (2012) pesquisaram o nvel de sucesso de implementao

    das UCs do corredor central da Mata Atlntica na Bahia. Em 2008 a rea contava com 48

    Unidades de Conservao: a amostra foi de 30 UCs, as quais os gestores/administradores

    responderam o questionrio sobre o sucesso de sua implantao. Os autores propuseram

    avaliar a implementao de uma rea protegida, tendo como temas de estudo para a

    elaborao do questionrio perguntas referentes instrumentos de gesto da rea,

    regularizao fundiria, recursos humanos e situao financeira.

    O questionrio teve uma abordagem quali-quantitativa com 26 perguntas sendo de

    respostas abertas e mltipla escolha. Foi constatado que cerca de 50% das 30 UCs

    participantes da pesquisa possuem uma implantao mediana, 40% insuficientes na

    implantao, 6,7% como reas protegidas de papel e 3,3% puderam ser classificadas com

    implantao satisfatrias (todas RPPNs). As reservas extrativistas (duas reas da amostra de

    30 Unidades de Conservao) esto classificadas no grupo de 50%, medianamente

    satisfatrias. Os autores ressaltam que a necessidade de se pensar em melhorias nas reas

    protegidas j existentes pode ser uma estratgia ao invs de se criar novas UCs na regio

    (SCHIAVETTI; MAGRO; SANTOS, 2012).

  • 34

    Para que se tenha uma avaliao justa, necessrio que no se faam julgamentos

    errados sobre os critrios estabelecidos. Existe o risco de se ter postura super e subvalorizadas

    diante dos critrios determinados. A primeira pode ocorrer quando a equipe pretende no

    apontar os erros existentes, enquanto que a segunda se trata de uma modstia desnecessria ao

    processo avaliativo (FARIA, 2007).

    Para ele uma notria vantagem da avaliao por indicadores a visualizao da

    situao de gesto de maneira rpida, o que torna mais gil os processos decisrios com base

    nesta avaliao (FARIA, 2007). Aponta ainda que essa gesto eficaz ainda no incorporada

    pelas instituies que detm as decises sobre as reas protegidas. A maioria dos trabalhos de

    avaliao de gesto provm de pesquisas de terceiros ou atividades pontuais em algumas

    unidades.

    Outro exemplo de avaliao o Parque Nacional do Capara, situado entre a divisa

    de Minas Gerais e Esprito Santo, onde foi desenvolvida uma experincia de Parque Modelo,

    aliando a desburocratizao a planejamento estratgico em sua gesto. Foi usada como

    ferramenta uma autoavaliao de seu trabalho para compreender a atual situao

    administrativa e traar os valores e metas a serem alcanados (ARAUJO et al., 2007).

    Essa autoavaliao foi um trabalho reflexivo entre as partes interessadas e o gestor da

    rea, que foram provocados com perguntas sobre aonde gostaria de chegar com a gesto do

    Parque. Nesse sentido, os objetivos vindos dessa reflexo coletiva foram agrupados em quatro

    categorias distintas - (i) usurios, comunidade, sociedade; (ii) financeiro; (iii) processos

    administrativos internos; (iv) aprendizado e inovao (ARAUJO et al., 2007). Para cada

    objetivo, foram estabelecidos metas de trabalho, indicadores de desempenho e planos de ao

    adequados s metas. Esses planos de ao foram agrupados sugerindo um mapa estratgico da

    UC, tendo relao de causa e efeito entre os distintos objetivos. Os autores perceberam que

    mais complexo que elaborar essa estratgia, o fato de coloc-la em prtica.

    Os autores apontam que a maior dificuldade foi definir os indicadores que trazem

    uma sistematizao condizente com a realidade dos resultados atingidos pelo Parque. De todo

    modo essa nova postura gerencial reverberou para outros Parques que esto comeando a

    adotar a gesto com mensurao de desempenho (ARAUJO; et al., 2007).

    No Cear, nordeste do Brasil, alguns estudos sobre efetividade de manejo foram

    realizados. A rea de Proteo Ambiental (APA) Albino foi avaliada e resultou em uma

    efetividade de 56% do timo, manejo medianamente satisfatrio. Constatado que, apesar de

    ter requisitos bsicos ao manejo a UC apresenta problemas estruturais e administrativos que

    dificultam desdobramentos necessrios gesto. Um fator negativo alarmante a inexistncia

  • 35

    de verba direcionada especificamente para administrao da APA (FERREIRA; SILVA,

    2009).

    Existe de alguma forma uma grande fragilidade nas avaliaes, uma vez que retratam

    uma condio comparativa com um ideal de manejo, podendo levar a interpretaes diferentes

    da realidade da rea. Na APA da Serra do Maranguape, que fica a aproximadamente 25 km de

    Fortaleza (Cear), a avaliao foi feita atravs da metodologia de Cifuentes, Izurieta e Faria

    (2000) e demonstrou que a Unidade alcanou 47,5% do timo de manejo, classificando-a

    como uma UC de baixa efetividade. No entanto, mesmo tendo esta classificao final, a UC

    apresenta reas totalmente resguardadas, com conservao efetiva de recursos ambientais

    (FRANA; CABRAL, 2009).

    Lima Filho (2006) desenvolveu um estudo importante onde avaliou a efetividade do

    Parque Estadual Marinho da Pedra da Risca do Meio, nica UC marinha do Cear. A

    metodologia utilizada foi Cifuentes, Izurieta e Faria (2000) e Faria (2004) com adaptaes,

    pois foi a primeira anlise de uma rea protegida com esta caracterstica. A UC atingiu

    61,96% do timo, um manejo medianamente satisfatrio. Apesar de apresentar mdia

    relativamente boa em sua efetividade, a UC possui lacunas administrativas que dificultam o

    estabelecimento de aes eficazes na conservao dos recursos naturais locais, sendo a

    necessidade de um fortalecimento institucional do ambiente marinho como UC uma ao

    emergencial para sua consolidao.

    Mesquita (2002) apontou o grau de efetividade de quatro unidades de conservao

    presentes na Floresta Ombrfila Densa do Domnio Atlntico (Mata Atlntica), por meio de

    um estudo comparativo entre RPPNs. Seus resultados mostram que o mtodo proposto por

    Cifuentes, Izurieta e Faria (2000) adaptvel a unidades particulares de reas protegidas. O

    autor ressalta que a avaliao no deve ser vista com o fim em si mesma, mas como uma

    ferramenta de ajuste na gesto da UC. O autor comea a avaliao destas quatro UCs de uma

    matriz genrica que foi adaptada s condies de cada UC avaliada. Ressalta que o respeito a

    essas particularidades importante para que se tenha uma ferramenta administrativa que

    funcione de fato. A avaliao foi feita atravs de sadas de campo para cada UC com no

    mnimo sete dias de levantamento dos dados.

    O autor considera que todas as quatro RPPNs em estudo tiveram uma pontuao

    muito baixa no mbito biogeografia, o que confirma ser a fragmentao um ponto crtico a ser

    superado por gestores de UCs.

    Gonalves e Cabral (2009) fazem um estudo de efetividade de gesto de trs RPPNs

    na Caatinga Nordestina. O mtodo de avaliao foi atravs de anlise de documentos das UCs

  • 36

    e aplicao de questionrios aos gestores e funcionrios das reas. Nesta adaptao de mtodo

    foram determinados seis mbitos a serem avaliados: administrativo, poltico, legal,

    planejamento, biogeografia, usos legais. Em duas RPPNS o resultado encontrado foi

    satisfatrio, enquanto em uma a pontuao final foi pouco satisfatria.

    Apesar dos trabalhos de avaliao de efetividade de gesto, no foram encontradas

    na literatura cientfica publicaes sobre essa experincia em Reservas Extrativistas ou

    Reservas de Desenvolvimento Sustentvel. Esta lacuna a justificativa para realizao desta

    dissertao.

    legtimo que nos ambientes de proteo existam populaes que vivem e possuem

    estreita relao com o ambiente natural. As naes tem voltados os olhos para este fato e

    adaptado a forma de gesto a essas realidades (CIFUENTES; IZURIETA; FARIA, 2000).

    Deste modo, cabe pensar em como adaptar as diferentes metodologias de avaliao

    de gesto realidade das UCs que possuem estreita relao com comunidades tradicionais. Os

    autores que criaram estes mtodos do as linhas gerais para que se atinja esse objetivo, o que

    no deixa de ser desafiadora tal proposta. A pretenso de desenhar um projeto piloto de

    avaliao de gesto em Reservas Extrativistas est descrita na Metodologia desta pesquisa.

    2.3 Unidades de Conservao e Comunidades Tradicionais

    A partir de 1982, no III Congresso Mundial de reas Protegidas realizado em Bali

    Indonsia, a dimenso humana em UCs ganhou destaque. A participao de pases em

    desenvolvimento foi um marco para que as questes de comunidades tradicionais, indgenas e

    desenvolvimento fossem definitivamente atreladas gesto de reas protegidas (ARAUJO,

    2007).

    Borrini-feyerabend (1997) afirma que quando os recursos naturais da Unidade de

    Conservao so essenciais populao, torna-se explcita a necessidade de uma gesto

    participativa. Embora a responsabilidade de gerir uma rea protegida seja de um rgo

    especfico, o manejo inclusivo a forma apropriada de gesto de UCs que contam com

    residentes humanos que possuem intrnseca relao com o local.

    A criao de reas protegidas com mtodos pouco participativos pode ser a fonte de

    diversos problemas na gesto de uma rea protegida (DRUMOND, 1998).

    A participao indireta (atravs de representantes) em um processo de manejo

    participativo pode suprimir as diferentes interpretaes sobre o local. Para uma gesto

    participativa efetiva, necessrio que se tenha uma representao adequada dos interessados.

  • 37

    Pode ser definida como uma forma de gesto em que os interessados esto envolvidos

    substancialmente com os rumos da rea protegida (BORRINI-FEYERABEND, 1997).

    A autora considera que o compartilhamento de autoridade e responsabilidade uma

    sada sensata para a gesto de UCs. Ressalta que se a comunidade e instituies

    governamentais no estiverem dispostas em estabelecer um fluxo de comunicao, o trabalho

    participativo acabar sendo um processo vazio.

    Drumond (1998) considera que os saberes populares so to importantes quanto os

    saberes tcnicos. Esse dilogo necessrio para que a comunicao seja estabelecida.

    Apesar de ser uma grande sada para o reconhecimento das populaes tradicionais

    sobre o seu direito de uso da terra, muitas vezes a construo deste espao encontra

    obstculos. H um embate notrio entre a necessidade da comunidade e interesses exclusos de

    iniciativa privada e at mesmo governo municipal ou estadual, o que tende a gerar um conflito

    na delimitao destas reas (FERNANDES-PINTO; CORDEIRO; BARBOSA, 2007).

    Teixeira (2007) faz a crtica de que a preocupao tcnica de muitos planos de gesto

    de Unidades de Conservao traduz a comunidade local apenas como opositores. A

    delimitao de uma rea protegida de Proteo Integral (principalmente) afeta diretamente os

    hbitos e costumes da populao local. A necessidade de reinveno do processo de gesto em

    parceria com os saberes locais torna-se necessria, pois tais reas vo alm de seu aspecto

    biolgico: possuem funo social e cultural.

    Muitas reas protegidas foram delimitadas como de Proteo Integral, sem antes haver

    um estudo sobre a populao tradicional existente no local. Quando houve resistncia das

    populaes em ficarem em locais aonde foram decretadas Unidades de Conservao de

    Proteo Integral, as populaes passam a ser criminalizadas por desenvolverem seu modo de

    vida (ARRUDA, 2000).

    O autor aponta a peculiaridade destas medidas punitivas, dado o fato da importncia

    que essas populaes tm conservao:

    (..) No so estas as populaes humanas que tem h dcadas, s vezes sculos ou milnios, promovido o manejo sustentvel das reas naturais? No sua presena permanente que tem preservado tais reas do modelo de explorao capitalista industrial responsvel pela destruio crescente do meio ambiente? No so elas as responsveis at o presente pela conservao que agora tentamos pr sob nossa tutela? (ARRUDA, 2000, pg. 283).

    Colchester (2000) ressalta que a populao em reas protegidas existe, e esse fato no

    pode ser ignorado. A imposio de reas protegidas tirou os povos nativos do controle

    territorial que antes tinham. Foi uma imposio de valores aos povos tradicionais.

  • 38

    Guha (2000) afirma que este tipo de poltica se sobreps aos interesses de populaes

    menos abastadas, considerando-as apenas como dificuldades para a conservao. O

    pensamento sobre o assunto tornou-se uma tradio pautada em um senso comum cientfico

    que no incorpora todas as interpretaes sobre o tema.

    A sociedade urbano-industrial cr (pois se trata de uma crena na cincia) que a

    relao de qualidade ambiental inversamente proporcional presena humana no ambiente

    (GMEZ-POMPA & KAUS, 2000).

    Deste modo, Gmez-pompa & Kaus (2000) sustentam a ideia de que os povos

    tradicionais possuem outra relao com o ambiente. A palavra conservao pode no fazer

    parte de seu vocabulrio, mas o seu modo de vida e uso dos recursos naturais representam

    uma relao de acordo.

    O que tambm defendido por Diegues (2004a). O autor afirma que devido

    necessidade de um ambiente equilibrado para a reproduo do seu modo de vida, as

    comunidades tradicionais acabam se tornando aliadas do processo de conservao destas

    reas.

    Arruda (2000) afirma que incluir as comunidades tradicionais no se trata de

    incorporar o mito do bom selvagem, pois tanto os povos tradicionais quanto a sociedade

    urbano-industrial esto sujeitos s mudanas culturais. Mas no se pode ignorar o

    conhecimento emprico de manejo e ecossistema regional dos nativos, assim como seu direito

    ao local que habitam h tempos.

    Esta ideia, tambm defendida por muitos outros autores, resultou em uma presso que

    frutificou com o Decreto Federal n 6.040, que Institui a Poltica Nacional de

    Desenvolvimento Sustentvel dos Povos e Comunidades Tradicionais, o qual as define como:

    Grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas prprias de organizao social, que ocupam e usam territrios e recursos naturais como condio para sua reproduo cultural, social, religiosa, ancestral e econmica, utilizando conhecimentos, inovaes e prticas gerados e transmitidos pela tradio (BRASIL, 2007a art. 3).

    Reservas Extrativistas: potencial de soluo de conflitos e dificuldades

    O extrativismo, mais do que ser ambientalmente sustentado, tem o intuito de ser

    socialmente justo: feito pela comunidade que est secularmente no territrio e que dos

    recursos depende para dar manuteno sua existncia e modo de vida (RUEDA, 1998).

    A descrio de comunidades extrativistas como povos pouco evoludos que foram

    sendo substitudos medida que a humanidade avanou tecnologicamente distorcida.

  • 39

    Rueda (1998) aponta que essas populaes possuem sim tecnologias apropriadas a

    sua funo. Alm destas tecnologias, os povos extrativistas possuem tambm uma

    diversificao de produo: agropastoris, extrativistas, silviculturas. Essa pluralidade de

    frentes de trabalho tambm os proporciona um comrcio local. Tais caractersticas desmentem

    o esteretipo de populaes que esto em um processo tecnolgico a ser superado.

    Neste sentido, Cordeiro e Curado (2007) tiveram o objetivo de avaliar os desafios de

    gesto das reservas extrativistas baseados nas dificuldades de se incorporar esta nova forma

    participativa de gesto de reas protegidas, o que difere das UCs de proteo integral. A

    criao de uma RESEX inicia-se por vontade da comunidade atravs da entrega de abaixo

    assinado ao rgo competente. Aps o recebimento, o rgo competente tem o dever de

    averiguar a legitimidade do pedido com estudos socioeconmicos, consulta pblica e

    avaliao fundiria quando necessrio. Concluda esta etapa, o processo encaminhado

    instncia executora para que a rea seja decretada como Reserva Extrativista. Sendo

    reconhecida juridicamente como RESEX, o primeiro passo instituir o Conselho Deliberativo

    da UC, regularizao fundiria (se houver necessidade) e contratos com os beneficiados. Aps

    essa etapa, o Estado tem a obrigao de designar um gestor para a RESEX que ir conduzir o

    processo de co-gesto da rea protegida. Dada a implementao, a rea deve desenvolver o

    seu plano de utilizao com as regras para convivncia da comunidade, assim como reas de

    extrao de recursos. o instrumento legal que precede o Plano de Gesto. A adaptao da

    lgica de co-gesto bastante individualizada devido s caractersticas particulares de cada

    RESEX. No entanto, os autores afirmam que quanto maior for o histrico de luta da

    comunidade, mais facilmente esta se adapta a co-gesto, como prevista no SNUC.

    Dado o fato das RESEX conciliarem conservao e justia social, a participao se

    torna diretriz bsica gesto da UC. Nas RESEX do Acre, iniciadas pelos seringueiros, tendo

    como expoente o lder comunitrio Chico Mendes, o plano de utilizao foi construdo com

    base nos conhecimentos tradicionais da populao que vivia da floresta. Os planos de

    utilizao devem ser elaborados com base no dilogo entre saberes tcnico e tradicional

    (NARAHARA; CARMO, 2007).

    A construo dos conselhos deliberativos em RESEX muitas vezes pode no ser uma

    tarefa fcil. Greco et al. (2007) descrevem o processo de criao do conselho nas RESEX dos

    rios Anfrsio e Iriri, locais distantes h cerca de 3 a 10 dias de barco de Altamira (PA). Em seu

    trabalho, os autores precisaram atender necessidades bsicas da populao antes de se iniciar

    o processo de formao do conselho. Grande parte da populao ribeirinha no sabia ler e

    escrever. Infere-se que, por vezes, o ICMBio (rgo federal responsvel por RESEX Federais)

  • 40

    acaba sendo a nica, ou uma das poucas, interfaces do governo com a populao. Esse dficit

    de presena do Estado pode ser diminudo se diferentes frentes trabalharem juntas para chegar

    aos ribeirinhos (Sade, Educao, Secretarias Estaduais e Municipais).

    Mendona (2007) fez um estudo observacional sobre o processo participativo no

    primeiro ano de implementao da Reserva Extrativista Arapixi (Amazonas). Foram vistos

    muitos avanos na participao da comunidade para discutir o seu plano de utilizao, assim

    como a questo fundiria. A relao com o rgo gestor da UC tambm muito positiva, mas

    ao mesmo tempo deficitria por ter apenas dois servidores que trabalham diretamente com a

    comunidade.

    Rodrigues et al. (2007) fazem consideraes sobre a forma que veio a ser construda

    a identidade da comunidade tradicional da RESEX Corumbau, na Bahia. A UC possui 900km

    de rea e envolve cerca de 260 pescadores das localidades de Carava, Barra Velha,

    Corumbau, Veleiro, Imbassuba e Camuruxatiba. A gesto da Unidade de Conservao teve

    dificuldades em delimitar quem so os pescadores que constituem a populao tradicional que

    podem usufruir dos recursos pesqueiros da RESEX. Em princpio, os pescadores foram

    definidos por categorias. O pescador principal foi definido pelo critrio de residir na rea

    por pelo menos quatro anos e praticar a pesca como atividade fundamental existncia por

    pelo menos quatro anos tambm. O pescador secundrio tambm deveria residir no mnimo

    h quatro anos, mas a pesca seria uma atividade complementar de renda. O morador local e

    eventual pescador deveria residir na rea h pelo menos quatro anos. Essa classificao,

    apesar de estar dentro do previsto no SNUC, tornou um desrespeito aos pescadores,

    hierarquizando as diferentes formas de fazer pesca que estes desenvolvem.

    A resoluo deste impasse aconteceu durante a reviso do plano de uso em 2005,

    quando se teve fomento ao debate pela identidade da comunidade. Aps muitos encontros, a

    populao tradicional da RESEX Corumbau definiu-se como nativos e familiares com razes

    e pessoas que vivem da pesca e moram h mais de dez anos no entorno da RESEX. Pode-se

    inferir que esta evoluo foi um amadurecimento de identidade da populao e tambm de

    facilitao dos rgos gestores em construrem quem a populao tradicional detentora do

    direito de uso dos recursos pesqueiros (RODRIGUES et al., 2007).

    Tendo esses exemplos, percebe-se que a adoo de Reservas Extrativistas deve ser

    estimulada e que sua implantao demanda uma compreenso social das UCs muito grande.

    H a necessidade de que o trabalho participativo se torne uma ferramenta fundamental em sua

    gesto. A importncia das RESEX pode ser sintetizada por Diegues (2004a):

  • 41

    O reconhecimento social das reservas extrativistas mostra a importncia de repensar e se reconstruir as formas tradicionais de apropriao de espaos e recursos naturais renovveis em pases do Terceiro Mundo. Essa reconstruo se realiza dentro de um processo dinmico, pelo qual as comunidades extrativistas buscam integrar o tradicional (sobretudo em termos de conhecimento e sistemas de manejo) e o moderno, procurando formas legais de existncia dentro de territrios agora reconhecidos oficialmente (DIEGUES, 2004a, pg. 240).

    Comunidade Tradicional Caiara

    Podem ser definidos como formaes populacionais advindas da mescla entre

    indgenas, colonizadores e escravos africanos. Apresentam sua forma de vida baseada em roa

    itinerante, pesca artesanal, extrativismo vegetal e artesanato. Os Estados onde essa cultura se

    desenvolveu foram Rio de Janeiro, So Paulo, Paran e norte de Santa Catarina. O autor

    aponta que o surgimento dessas comunidades aconteceu nos intervalos dos grandes ciclos

    econmicos da era colonial no Brasil e se fortaleceu quando essas atividades de exportao do

    perodo colonial entraram em declnio. Isso favoreceu a pesca e a coleta em ambientes

    aquticos (DIEGUES, 2002).

    Diegues (2004) aponta como principais caractersticas da comunidade caiara a

    relao com a terra, o mar e seus ciclos, os quais possuem um sentido simblico e econmico

    (atividades de subsistncia) s comunidades. O territrio onde sua vida se reproduz possui

    extrema importncia tradio caiara, sendo sua casa o ambiente costeiro.

    Diegues (2002) afirma que muitas organizaes no governamentais e centros de

    pesquisa apoiaram as comunidades caiaras para que permanecessem em seu territrio na

    dcada de 80 do sculo passado, quando a presso s comunidades caiaras se fez maior. O

    povo caiara sofria por alguns fatores, dentre eles:

    - Especulao imobiliria: teve seu incio na dcada de 50 e 60, principalmente pela

    construo de casas de veraneio. Isso fez com que o modo possvel de trabalhar muitas vezes

    fosse como caseiros, pedreiros e deixar de lado a pesca, pois tiveram que se mudar h uma

    distncia considervel das praias.

    - Turismo de massa: principalmente no litoral norte de So Paulo, desorganizou as

    atividades de pesca, pois nos meses de alta temporada tornam-se prestadores de servio aos

    turistas.

    - Unidades de conservao de proteo integral: resultou em limitaes s atividades

    tradicionais (agricultura itinerante, caa e pesca e extrativismo), gerando conflitos com os

    rgos ambientais que fazem a gesto das UCs. Tal fato contribuiu para a migrao de parte

    da comunidade para reas urbanas.

  • 42

    Mesmo tendo essas presses, as comunidades caiaras que resistiram ainda dependem

    dos recursos naturais para desenvolver seu modo de vida. Neste sentido, o extrativismo

    caiara a pesca (no mar, restingas e esturios2), assim como a coleta de crustceos e

    moluscos. Na mata utilizam um considervel nmero de espcies de rvores, arbustos, flores,

    frutos, cips e frutas, tanto para uso domstico quanto para comercial (DIEGUES, 2002).

    O Contexto de Canania

    No Vale do Ribeira est o municpio de Canania, no extremo sul do Estado de So

    Paulo. Possui populao de 12 mil habitantes. Seu territrio de 1.239,376km (IBGE

    CIDADES, 2010).

    Canania possui muitas reas protegidas: PE Lagamar, PE Ilha do Cardoso, APA

    Estadual Marinha Litoral Sul, RESEX Estadual Taquari, RESEX Estadual Ilha do Tumba,

    RDS Estadual Itapanhapima, todas essas geridas pela Fundao Florestal, rgo ambiental do

    Governo do Estado de So Paulo3. Alm das UCs estaduais, o municpio possui a RESEX

    Federal do Mandira.

    Apesar desta grande quantidade de Unidades de Conservao a presente dissertao se

    ateve s UCs e comunidades diretamente relacionadas com a RESEX Ilha do Tumba,

    territrio de estudo da pesquisa.

    Justifica-se a escolha desta RESEX para pesquisa pelo contato que o pesquisador

    possua com as duas comunidades caiara que so beneficiadas pela UC: Comunidade do

    Maruj, no Parque Estadual Ilha do Cardoso, e Comunidade do Ariri, parte continental de

    Canania, prximo ao Parque Lagamar.

    Sobre a histria de ocupao do Maruj, Rodrigues (2001) aponta que no local antes

    viviam somente pessoas da comunidade caiara. L era conhecido como Praia do Meio e a

    pesca e roa itinerante faziam parte do modo de vida local. Na dcada de 50 (do sculo XX),

    2Esto permanentemente ligados ao mar, onde a gua salgada se mistura gua doce proveniente da drenagem continental. A mistura de guas ricas em nutrientes dos rios que a desguam e das guas costeiras um dos mais importantes elementos responsveis pela alta produtividade primria. Quando nos esturios existem grandes reas de manguezais, a produtividade ainda elevada. Em certos casos o esturio do rio se confunde com um golfo, tal a forma de alagamento que possui (DIEGUES, 2002).

    3Para compreender melhor a estrutura hierrquica do rgo gestor, consultar o ANEXO B Resumo do

    regimento interno da Fundao Florestal.

  • 43

    houve um pequeno nmero de veranistas da capital paulista que pretendiam instalar um

    condomnio de luxo:

    Os primeiros habitantes tradicionais que se tm notcia foram os ndios Carij, que presenciaram a chegada dos primeiros europeus no Brasil. No final do sculo XIX, migrantes do estado do Paran e Santa Catarina, descendentes de aorianos, chegam ilha e alguns se casam com indgenas que ali viviam. Na dcada de 50, um grupo da capital paulista inicia as obras para instalao de um loteamento sofisticado na Praia do Meio (atual comunidade do Maruj), expresso da fase da especulao imobiliria e das polticas de colonizao do Vale do Ribeira que marcaram a poca (RODRIGUES, 2001, pg. 55).

    Em 1962 a Ilha do Cardoso foi decretada como Parque Estadual, o que impossibilitou

    a continuidade do loteamento sofisticado na UC. A continuidade dos moradores tradicionais

    da Ilha tambm foi ameaada. Para permanecerem em seu territrio precisaram de uma forte

    organizao que fez resistncia a essa mudana territorial. Alm disto, o fato de virar um

    parque trouxe baila novos atores sociais que at ento no faziam parte do contexto.

    Rodrigues (2001) aponta que a Ilha do Cardoso um territrio de muitos territrios. Isso

    denota que se trata de uma rea de disputa, ao descrever as relaes do Estado, turismo,

    comunidade caiara e indgena:

    A partir do momento em que se tornou um Parque em 1962 observam-se inmeras transformaes na apropriao e na organizao espacial por parte daqueles que j viviam na ilha. Alm disso, na condio de uma reserva, a Ilha comeou a fornecer uma forte atrao de novos personagens para a rea: turistas, pesquisadores da universidade, veranistas, tcnicos estaduais, pequenos comerciantes, entre outros. (RODRIGUES, 2001, pg. 65).

    Duas lideranas locais, militantes da comunidade Caiara do ncleo Maruj,

    relembram que as famlias de caiaras j estavam vivendo no Parque h muito tempo antes de

    ser decretado como rea protegida. Reconhecem que a criao do Parque foi positiva para

    conter o mercado imobilirio que iria se alastrar pela regio. De todo modo alguns momentos

    histricos do Parque em que a gesto foi conturbada e, apesar disso, a comunidade no

    contra o Estado, apenas acreditam que o plano de gesto ambiental da rea deva ser feito de

    acordo com realidade local (SMA et al., 1998).

    A Ilha do Cardoso possui seis ncleos populacionais. Em 2001, o direito dos

    moradores tradicionais de permanecer no Parque estava assegurado em seu plano de Gesto

    Ambiental, o qual era reconhecido em muitas esferas do poder pblico e pela sociedade civil

    (RODRIGUES, 2001).

    Essa mudana de territrio ocasionou uma mudana da forma de vida da comunidade

    caiara. Muitos passaram a depender do turismo como fonte de renda, principalmente entre o

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    natal e carnaval, com destaque para o Maruj que recebe uma grande quantidade de turistas

    nessa poca. Praticamente no h moradores que vivam s de pesca, no entanto so poucos os