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2, 3, 4 de setembroCine JoiaA partir de 20h www.festivaldobra.com.br

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SUMÁRIOApReSentAçãO por Cristiana Miranda e Sebastian Wiedemann

AMÉRICA-LAtInA eXpeRIMentAL UMA CARtOgRAfIA tROpICAL

”Entre caranguejos e beira-mar: cinema experimental nos trópicos” por Sebastian Wiedemann

• Programa I: De memórias e buracos no tempo

• Programa II: Esburacar a matéria

• Programa III: Paraíso - Felipe Guerrero

O ARqUIvO COMO CÉLULA e pROpÓSItO: LABCIne fAC - URUgUAI

“Transversalidades cinemáticas” por Angela Lopez Ruiz

• Programa

DO fILMe à peRfORMAnCe: DeS-LIMIteS DO CIneMA eXpeRIMentAL entRe BRASIL e MÉXICO

”Des-limites do cinema experimental entre Brasil e México: La Trinchera, ETA Aquarídea e MauMau” por Cristiana Miranda

• Performance La Trinchera Ensamble- México

• Performance ETA Aquarídea - Brasil

COLetIvO MAUMAU

• Programa

fOCO: CAO gUIMARãeS Cinema de cozinha | Cao guimarães em Super8Uma homenagem ao 50 aniversário do Super8, um formato visionário.

”Cine de cozinha” por Cao Guimarães

• Programa

fOCO: nICOLe BReneZDO CIneMA àS ARteS fíLMICAS

”Do cinema às artes fílmicas. A objeção visual (primeira aproximação)” por Nicole Brenez

• Programa I: Explorações plásticas

• Programa II: Formas cinéticas do engajamento

• Programa III: Persistências e atravessamentos das formas

DOSSIÊ: AntOnI pInentAntOnI pInent | COnStRUtOS fíLMICOSUm dossiê de Hambre | espacio cine experimental

“CONSTRUTOS FÍLMICOS: Micro-arquiteturas cinemáticas, esculturas de tempo e luz”. Apresentação por Sebastian Wiedemann

“G/R/E/A/S/E: O desmantelamento do clichê e a instabilidade das formas” por Florencia Incarbone

”Falas entre fotogramas. Entrevista a Antoni Pinent” por Sebastian Wiedemann

”Fragmentarismo horizontal. Um manifesto” por Antoni Pinent

• Programa

pROgRAMAçãO

CRÉDItOS

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A arte é uma experiência de invenção que se desdobra infinitamente. Criar novos possíveis na percepção é sempre um desafio da experimentação. O cinema que aqui convocamos, desconhece a prioris e se joga

no abismo para arriscar tudo num gesto que renova e desco-loniza o olhar e a escuta. Imagens que, antes de interpretar ou verificar a realidade, a experimentam. Nesse sentido, longe de entendermos o Experimental como gênero ou movimento que possa se ancorar numa historicidade, apelamos a um Experimental como aquilo que faz mover o pensamento do cinema em trajetórias aberrantes que almejam trazer sempre o acontecimento à superfície. Experimental como um modo radical de aproximação e apreensão do real, onde a imagem é sempre um processo dinâmico e instável de variações energé-ticas. Pensar o cinema nas dobras é ficar na superfície da ima-gem, é fender sua materialidade, é solicitar uma poética das forças mais que das formas, é afrouxar os sentidos e dispô-los em novas conexões, onde, como nos lembra Stan Brakhage, a imagem é anterior ao verbo.

DOBRA afirma-se como um espaço de resistência que quer compartilhar com o público uma micropolítica da percepção, que vai na direção contrária dos clichês que a grande mídia corporativa e a lógica da comunicação de massa impõem. Linhas de fuga para o que Peter Pál Pelbart chama de vida besta, e que nós poderíamos chamar de percepção besta. Acolher então essas percepções menores, que pervertem as ordens pré-estabelecidas em movimentos que recusam qualquer vontade de completude ou totalidade. Percepções menores, imagens sempre abertas e precárias que desviam de qualquer clausura ou finitude.

Sem apelar para identidades, mas convo-cando suas forças, DOBRA se diz um espaço latino-americano, que almeja colocar em diálogo as produções destas latitudes com as do contexto internacional. Um entre-mun-dos que espera abrir redes de colaboração e encontro entre obras, seus realizadores e o público.

Diante da aparente extinção do celuloide, na sua primeira versão, DOBRA aposta na insis-tência e na problematização do meio fílmico. Ser contemporâneo é enfrentar a complexi-dade do momento presente e por isso, em tempos de 4K, celebramos os 50 anos do surgimento do Super 8. Investimos no gesto artesanal de lidar com a materialidade do fil-me, o chamado “cinema sem câmera”. Desta-camos a obra em Super 8 de Cao Guimarães e o longa-metragem, igualmente em Super 8, do colombiano Felipe Guerrero; assim como a retrospectiva do cineasta catalão Antoni Pinent, referência do “cinema sem câmera” na sua vertente mais conceitual.

Defender este tipo de cinema nos obriga a encará-lo não só na sua face mais material, mas também torná-lo um veículo para o pensamento. Navegando nas águas profun-das da reflexão sobre o cinema, contamos com a bússola precisa de Nicole Brenez, que

na primeira versão do DOBRA está presente com um texto inédito e um programa de três sessões de filmes, que nos trazem uma reflexão sobre o percurso do cinema até as artes fílmicas.

O cinema experimental é tão antigo quanto as primeiras aventuras com a imagem em movimento, mas seu enfrentamento com as lógicas do mercado o tornou muitas vezes invisível ao grande público. Por isso aqui estamos, ocupando o Cine Joia, tradicio-nal espaço de cinema da cidade do Rio de Janeiro, para tornar visível e dar aceso a essas produções. Dizer para o publico que o cine-ma ainda procura, que o cinema se multiplica e se desdobra, que o cinema é uma constante busca.

DOBRA é um convite para a reinvenção do olhar e da escuta. Sejam bem vindos a essa aventura de três dias em busca de uma nova liberdade para a vida e a percepção.

Abraços redobrados,

Cristiana Miranda e Sebastian WiedemannCuradores

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AMÉRICA-LAtInA eXpeRIMentAL

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CARtOgRAfIA tROpICAL: entre caranguejos e beira-mar: cinema experimental nos trópicos Curadoria: Sebastian Wiedemann

O que pode o cinema quando se diz experimental e se pensa desde os trópicos? Desconfiamos que sua potência esteja na defesa de uma nacionalidade, de uma identidade. Acreditamos muito mais em

singularidades que alimentam suas forças de espaços sempre móveis, mas que nem por isso deixam de ser meridionais. Estes solos se afirmam ao mesmo tempo férteis e precários, uma instabilidade fervilhante fala neles. Caminhar nestas ter-ras traz, a cada passo, um estar de improviso, uma gambiarra, uma ginga… Uma experimentação constante que compõe nas transversalidades, nos entre-mundos…

São os caranguejos, os que entendem de entre-mundos nestas latitudes. Eles moram na beira, no fim e no começo de dois mundos, no manguezal. Espaço de passagem, de umbral; espaço intensivo, onde os caranguejos em seu ser-multidão e em seu caminhar transversal estão sempre entre a água e a superfície, entre a lama e as raízes, entre o mar aberto e o rio… Sempre nesse entre-lugar, desconhecendo identidade alguma, eles fluem e se confundem com o meio que experi-mentam. São caranguejos-manguezal. São uma borda, uma margem-aliança, com a qual o cinema pode devir potente e singular em terras de palmeiras.

Portanto convocamos aqui caranguejos cinematográficos, que entendem o meio fílmico como um manguezal. Levar a percepção a um estado de beira-mar, exacerbar os sentidos e no risco de ser levado pela maré, abrir a imagem a novos ritmos, a novas vibrações.

Sentimos que um dispor-se corpo-meio-imagem prolifera nesta aliança. Fazer corpo com a matéria de expressão, com os fluxos cinemáticos e sônicos em relações táteis. Um proce-dimento que o caranguejo conhece bem se impõe. Com seu tato, ele esburaca na terra, na areia, mas quando se diz caran-guejo-cinematográfico, ele esburaca no tempo, na superfície frágil do filme-manguezal.

Superfícies aquosas, úmidas onde a imagem se afirma como pura alteridade, modo de existência, que aparece nos gradientes da expressão. Isto é, avançar na duração da ima-gem como processo construtivo e devorativo constante. No manguezal não há dejetos, só matéria expressiva que se transmuta na devoração dos caranguejos como a possibili-dade de uma ecologia de excrescências dife-renciais na percepção. A imagem não pode se prevalecer, sua de-composição-putrefação é sua força, é sua instabilidade necessária para durar, para poder continuar...

Canta-se um fim do mundo no cinema, mas a aparente extinção do celuloide não é mais do que uma provocação para levá-lo a estado de manguezal em vertigem de de-composi-ção-putrefação. Um chamado aos cineastas-caranguejos que na sua devoração abrem um novo mundo. Um mundo à beira-mar.

É este mundo à beira-mar que queremos apresentar em três movimentos: “De me-mórias e buracos no tempo”, “Esburacar a matéria” e “Paraíso”.

Em “De memórias e buracos no tempo”, o esburacar como procedimento cria hiatos, in-terstícios, que antes que apelar a lembranças ou a passados atrelados no tempo, procu-ram ser memórias de memórias (Memória da memória de Paula Gaitan), lacunas que rebentam durações outras (Time gap de Duo Stragloscope), umbrais de luz vermelha (Ver-melha é a luz do freio de Cristiana Miranda), ou solos que entendem o mundo como uma grande jam de improvisação tropical (Habana solo de Juan Carlos Alom).

“Esburacar a matéria” traz o gesto literal de fender a superfície. “Cinema sem câmera”,

como riscar, arranhar, pintar com a pin-ça-mão-crustácea que devora o celuloide abrindo, afundando-se em tempos lamacen-tos. Variações cromáticas e rítmicas (Breathe de Leonardo Zito). Precipitações, quedas (Blood, sea, film de Andres Garcia Franco) que abraçam o vaivém da maré que recria uma e outra vez a superfície. O esburacar, o furar (“Abecedario/B” de Los Ingravidos), como uma interferência constante no plano-meio-man-guezal por onde a maré que emaranha o rio e o mar, a cor e o som, pode vazar. À beira-mar, arranhar, devorar, escrever (On the Road by Jack Kerouac de Jorge Lorenzo) até na lama se esgotar. Eclodir um campo experimental háp-tico na percepção, que na chegada da ressaca terá nos doado não só destroços alegres, mas também novos olhos por mais que estes estejam arrebentados.

Finalmente Paraíso (de Felipe Guerrero) evoca a complexidade de uma ecologia de excre-cências diferenciais na percepção. A pergunta pelo manguezal arrasta imagens e sons livres na procura por compor nas ruínas. Um país em guerra, que nos deixa em estado de catástrofe constante é o estímulo para filmar na fragilidade do Super8, esse entre-mundos necessário para resistir e ver um paraíso onde ninguém o vê. Alguém pode ver só lama, mas os caranguejos-cinematográficos veem pura potência de composição.

Pensar o cinema experimental nos trópicos é deixar-se afetar pelas atmosferas e ritmos que borbulham e polinizam estas latitudes. Deixar-se envolver, envelopar, ganhando ou perdendo peles, mas sempre devorando as superfícies. Um cinema que entre ventos meridionais esculpe olhares e escutas impossíveis com o caminhar transversal dos caranguejos. Um cinema que leva a percep-ção à beira-mar. (S.W.)

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HABAnA SOLOde Juan Carlos AlomCuba, 2000, 16mm, 15’Em Habana solo, um filme artesanal, Alom nos apre-senta alguns dos músicos cubanos mais influentes da cena contemporânea, e a

cidade que eles habitam e os habita. Sem mais palavras que os solos musicais que improvisam os músicos, e por meio do assombro visual, Alom atinge um particular retrato urbano de La Habana através de potentes experimentações de monta-gem.

MeMÓRIA DA MeMÓRIA de paula gaitanBrasil, 2013, Super8mm, 26’Aquele que não tem limites, pleno de afeto e imaginação.

tIMe gAp de Duo StragloscopeBrasil, 2014, 16mm, 11’Atraso, intervalo, espaço. O que o espaço contém de tempo na duração do instantâneo da imagem? Como retratar o tempo re-

tirando o caráter documental que a imagem sempre produz? A imagem num cinema contemporâneo, não referencial, não é imitação das coisas, mas um intervalo produzido de forma a exibir a natureza mesma da linguagem cinematográfica ao falar sobre o tempo cinema.

veRMeLHA É A LUZ DO fReIO de Cristiana MirandaBrasil, 2013, 16mm, 7’Pequenos gestos de uma longa despedida.

pROgRAMA II: “esburacar a matéria”

tempo total: 70min

Curadoria: Antoni Pinent + Sebastian Wiedemann

DAtA: 4 de setembroHORA: 21H

ABeCeDARIO/B de Los IngravidosMéxico, 2014, 35mm, 5’Um cinema baleado. A re-lação que os tiros têm com a imagem devem um tanto diferente; o celuloide não aguenta mais, a 24 quadros

por segundo, a representação dos tiros, sejam eles ficção ou documento. O próprio filme é o corpo afetado, baleado.

BReAtHe de Leonardo ZitoArgentina, 2014, Super8mm, 7’

ABISMO de Sebastian WiedemannArgentina/Colômbia, 2012, 35mm, 3’35”Soltar, deixar-se cair no abismo…

BLOOD, SeA, fILMde Andres garcia francoMéxico, 2011, 16mm, 5’ Sangue, mar, filme.

pROgRAMA I: “De memórias e buracos no tempo”

tempo total: 59min

Curadoria: Sebastian Wiedemann

DAtA: 3 de setembroHORA: 20H

Conversa com Duo Strangloscope e Cris Miranda

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MeCAnISMO veLADOR de Diego vizcarraperu, 2014, 35mm, 20’Intervenção e reciclagem de trailers de filmes co-merciais. Refletir, perverter as lógicas do mercado que influenciam nossa percepção.

KInOCLAJe de Colectivo KinoclajeColômbia, 2005, 35mm, 15’

On tHe ROAD By JACK KeROUAC de Jorge LorenzoMéxico/Colômbia, 2013, 35mm, 14’If Jack Kerouac wrote his legendary novel “On the Road” on a long paper scroll, why not do it on long 35mm film roll?

pARAíSOde felipe guerreroColômbia, 2006, 55’Super8mm, arquivosDireção, produção e foto-grafia: Felipe GuerreroEdição: Mónica RubioSom e música: Roberta Ainstein, Ezequiel Borra,

Sebastián Escofet, ZuPoesias: Jaime Jaramillo EscobarCom o apoio do: FDC Fondo para el Desarrollo Cinematográfi-co de Colombia

Numa floresta de significados entrecruzados, com a beleza como única bússola, os fragmentos de muitas memórias vão criando aos poucos um profundo sentido. O que as pessoas comuns constroem, a guerra converte em ruínas. Para além das aparências Paraíso é um documentário experimental sobre a Colômbia contemporânea, paraíso em guerra. [Juan Martín Cueva]

pROgRAMA III: “paraíso”

tempo total: 55min

Filme cortesia de Mutokino

DAtA: 3 de setembroHORA: 21H

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transversalidades cinemáticas Curadoria: Angela Lopez Ruiz

O programa aqui apresentado é uma compilação de cinema experimental uruguaio que toma como ponto de partida a pesquisa “Arqueologia da Imagem” realizada na “FAC - Fundación de Arte

Contemporáneo”1 de Montevidéu. Tratou-se de um trabalho em processo que adjetivamos de caleidoscópico, porque em cada olhar se compunha um novo panorama. Em 2006 os artistas audiovisuais de dito coletivo e alguns vídeo-artistas históricos nos reunimos para pensar que aconteceria com nossos arquivos quando decaíssem os suportes originais e questionar assim nossas próprias retrospectivas e corpos de obras a partir dessas premissas. Dali surge a ideia de fundar um Laboratório que se propôs como um espaço para gerar um encontro de reflexão sobre as novas tendências propostas pela tecnologia2. Desses encontros surge a necessidade de cartografar as expressões ligadas ao audiovisual experimental anteriores à videoarte que não figuravam em livros ou artigos vinculados à história do cinema uruguaio. Partimos então em direção a esse desafio que implicou rearmar um imen-so quebra-cabeças cinemático em que todas as peças têm sentido ao serem encastradas. Nesse momento tínhamos a necessidade de conceitualizar o cinema experimental desde nosso olhar de artistas, tratando de explicar desta maneira o porquê dessa negação desta produção por parte da crônica. Os incêndios do SOBRE3 e os mecanismos de sistematização para a eliminação da memória que nos deixou a ditadura, di-ficultavam o encontro com este tipo de arquivos. A serendipi-dade afetiva nos levou à compilação de catálogos do “Festival de Cine Documental y Experimental” do SOBRE, evento que foi berçário para a consolidação do cinema independente da

região (López Ruiz, 2009). Os catálogos dão conta de um evento de caráter internacional, que ajudou a traçar redes colaborativas e a consolidar discursos que subverteram a esté-tica e o modo de entender o cinema, tanto na poética do documentário como na inspiração vanguardista da produção experimental. Daqui desprende-se uma lista de filmes experimentais tanto uruguaios como da região, nomes e resenhas de filmes feitos por mulheres das quais não existiram referências, e mostra uma concepção de cinema ligada ao modelo cultural promovido pela intelectu-alidade orgânica4.

Com esses dados somados às entrevistas com autores locais e estrangeiros, fomos re-construindo o mapa e reescrevendo algumas páginas em branco. Nesse momento nossa preocupação era o agenciamento dos su-portes para a visualização dos filmes citados. Novamente a serendipidade nos cruzou com dois artistas que vinham de Paris para realizar um filme-performance e estabelecer um laboratório de cinema artesanal. Eles foram Yoana Urruzola e Stefano Cánapa. É a partir desse momento que o Laboratório soma a tecnologia analógica que desde 2007 até agora segue-se aprofundando nela.

Os filmes propostos para este programa dão conta dos processos citados: encontro, pesquisa, arquivo, preservação do celuloide, rede e demais. Mas também mostra-se aqui a

desterritorialização do cinema experimental e o cruzamento com outras práticas artísticas como a performance, a poesia visual e o documentário. Essas contaminações de territórios, o desbordamento, o emergir criati-vo do contaminado é o que distingue hoje ao Laboratório. Essa contaminação surge da necessidade inata dos artistas de quebrar limites e categorias. Surge dos mecanismos de auto-gestão propostos pelo coletivo que o acolhe. Isso faz com que a precariedade some ao discurso no lugar de ofuscá-lo. E também do conjunto dos discursos artísticos de quem se aproxima a produzir, sendo este espaço como se pensou desde seu começo, um lugar de encontro e por isto um território permeá-vel e multiplicador.

Os temas abordados na seleção são um refle-xo dos tópicos até aqui trabalhados. A primei-ra parte se refere aos arquivos encontrados que se apresentam ao modo genealógico. A segunda, território e memória, dá conta de artistas e cineastas que trabalham esta temática desde os problemas acolhidos no Laboratório5: artesanalidade no caso de Klein e Puppo, found-footage no caso de Zabaleta, performance e corporalidade no caso de Talento, Abreu, Castagno e Rizzo. Por último, afeto e afetividade, fala desde um olhar relacional entendido como uma membrana permeável desde a gênese até a representa-ção através da imagem. (A.L)

1 - Coletivo de artistas com sede em Montevidéu desde 1999. http://facm-vd.blogspot.com.br/ 2 - http://facmvd.blogspot.com/2006/06/0598201-montevideo-digital.html3 - “Si algo queda aún de los orígenes de la cineteca nacional-SODRE (hay razones para suponer que eso es así) es indispensable descubrirlo y reunir las películas recuperadas... también la producción actual teniendo en cuenta que las películas de hoy serán las principales de mañana.” Eugenio Hintz, Revista SODRE. Segunda época n. 1, nov. 1966 p. 55.

4 - Refiro-me ao conceito de Gramsci e depois posto no contexto latino-americano por Ángel Rama. Neste caso o diretor do Festival, Danilo Trelles, era um diplomata, cineasta, produtor e escritor pertencente à geração critica e militante do Partido Comunista. Sua figura toma valor com o ressurgimento do Museu da Solidariedade com Allende, onde se dá a conhecer seu pensamento ao respeito da visão “orgânica” da cultura.http://issuu.com/claudia.zaldivar/docs/catalogo_mssa_issu5- https://www.facebook.com/pages/Laboratorio-de-Cine-FAC/628195377227253?fref=ts

O ARqUIvO COMO CÉLULA e pROpÓSItO: LABCIne fAC - URUgUAI

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CARIRI de Miguel Castro1953, 3´Os filmes de câmera, a paisagem em mudanças de um trem em movimento, e depois começa a descer, mostrando os trilhos mó-veis. A música de um violão

começa a brincar. Mais tarde, os suplentes de cinema entre diferentes tomadas dos trilhos, dormentes e a terra, que se move passando desde diferentes ângulos dentro das praças.

COLOR de Lidia garcía Millán1955, 3´50´´Filme abstrato que plasma o movimento de pinturas misturando-se no ritmo de uma sinfonia criada a modo de performance. O primeiro filme em cor do cinema ex-

perimental no Uruguai. A música foi improvisada pelo Clube de Jazz de Montevidéu ao vivo na projeção do filme.

LA CIUDAD De LA pLAyAde ferruccio Mussitelli1961, 12’Documentário artístico premiado pelo Ministério de Turismo. Trata-se de uma co-criação entre a animação de Sheila Henderson que abre e fecha o filme e um

documentário de Ferruccio Mussitelli que sempre dava uma piscada à sociedade da capital com um toque de humor e poesia.

eLíptICAde Carlos Bayarrés y Hora-cio ferreira1962, 3´Animação, preto e branco em cópia restaurada.Cinema experimental/anima-ção com estética influenciada

por Norman McLaren.

ApeXde eduardo Darino1968, 2´05´´ (fragmento)Fragmento de curta expe-rimental com influência surrealista e abstração tem-poral, segundo Orson Welles numa entrevista. É indicado pelo autor como o primeiro

trabalho em cinemascope no Uruguai. Trata-se de uma animação solarizada mediante alto contraste com técnica de posterização. A câmera é operada por Ferruccio Mussitelli e a performer é a atriz underground Adriana Lagomarsino.

parte I: território e memória

DeRRUMBAMIentO IIde guillermo Zabaleta2014, 5´31´´Está obra é um tríptico onde se apresenta desde a constru-ção do Cilindro em 1954 até a implosão do mesmo ocorrida no ano 2014. As cenas são acompanhadas com dois

quadros de imagens em movimento que se associam desde a unicidade do subjetivo. As camadas que se expandem dão lugar a imagens fixas, filmes recuperados, arquivos órfãos, uma arqueo-logia pessoal que resgata, desde sua heterogeneidade, diferentes camadas do mesmo fato. Este marco preto simboliza a desarticu-lação da caixa preta onde poderiam se ver esses filmes separada-mente. O tríptico é em si mesmo um arquivo, um relevamento de um feto público desde uma instância privada que se torna pública e transfigurada. O imaginário social derrubado e o espetador será uma testemunha histórica.

pROgRAMA:

tempo total: 60min

DAtA: 3 de setembroHORA: 22H

primeiro movimento: Uma genealogia uruguaia

Segundo movimento: Hibridações contemporâneas

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LOS SUeñOSde Javier Abreu, Julia Cast-agno e ernesto Rizzo2011, 5’Três sonhos, três histórias ligadas que reúnem olhares diferentes sobre o promovi-do bicentenário à uruguaia. Elas são: “Corrida de pon-

cho” de Ernesto Rizzo, “Ojo con la perra!...estan entre nosotros” de Javier Abreu e “We lost all héroes” de Julia Castagno. Foi filmado na fazenda presidencial no dia 18 de julho de 2011 e tem como artistas convidados a Glenda Rondan (ex deputa-da) e a Manuela, a mascote presidencial. Formaram parte da mostra “Suavemente Ondulado”.

HALOde Martín Klein2009, 3´55´´Filme onírico que aborda o tema dos direitos humanos desde a memória afetiva. Com uma estética relacio-nada à deriva, recorre-se

a um caminho sem final. Através deste percurso evoca-se e reflete-se sobre as marcas da ditadura, neste caso nas desapa-rições forçadas.

LA pAtRIA pOR LA BOCA MUeRede Anaclara talento2011, 4´41´´Jovens que repetem frases, escritos e citações, de alguns dos personagens mais influentes da história do Uruguai, assim como dos documentos mais

controversos encontrados até o momento. Desde fragmentos de decretos, regulamentos e leis, até manuscritos e citações célebres, as vozes funcionam como um coro caótico sobre o sentido das passagens selecionadas. A edição encadeada de cada um dos textos, ao contrário, é um esboço em perma-nente correção; as bocas de cada um deles são o centro do registro do vídeo, e funcionam como pontes dos enunciados, como dispositivos da palavra. Intercalado com cada uma destas imagens, um enunciado trapaceiro da tradição oral presente em um vídeo, aparece uma boca que aos poucos se sangra para dar passo a um vômito do pavilhão nacional uruguaio que se acontece lentamente. Uma bandeira com aparência de bolo alimentar que ao mesmo tempo é o corpo da estratégia, mastigado mas não digerindo, e voltado.

parte II: Afetos e afetividades

yO AMOde patricia Bentancur2008, 5´Sobre este filme a curadora G. Taquini disse: ele procura questionar a linguagem, as formas de comunicação, sentidos e lógicas...repre-senta um jogo de oposições

semânticas, que se sobrepõem e são apagadas como elas são em um palimpsesto, até que chega ao fim com uma refe-rência que é uma reminiscência de Malevich: branco sobre branco. Da obsessão ao nada, ao esquecimento, esta peça é alternativamente uma performance ativa, um vídeo-poema, um registro epistolar, uma peça conceitual, uma pintura, um desenho no tempo.

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CAnDy fLOSSde Ina López2009, 1´33´´A cineasta, naquele momento adolescente, retrata com suavidade a viagem psicodélica de outra adolescente que devora um algodão de açúcar no

meio de uma cena típica da cidade de Montevidéu. Trata-se de um exercício curto, onde se apresenta um espaço público e comunitário, através de uma vivência cotidiana.

pIñAtAde Diego nessi2012, 1´Curta que invoca o “home movie”, apresentando a imagem de uma criança brincando sozinha no dia de seu aniversário. Por meio desta ação questiona-se a

possibilidade de entender os vínculos e as relações pessoais.

LLUeveMOntevIDeOde teresa puppo2012, 1´35´´Estou em Montevidéu e chove. Essa afirmação gera uma poesia; uma poesia em formato textual e visual. As imagens chamam às palavras? Ou às palavras

sugerem essas imagens? Desde a origem, sugerem-se umas às outras na procura de sentido. A cidade como matriz, como portadora de individualidades diferentes e desconhecidas, deixa passar uma zona sórdida, anônima, mitigada só pela notícia do nascimento de um bebê. A artista brinca com a superposição de sons, com a repetição dos textos falados por ela mesma, para gerar um ritmo variável, às vezes acelerado, outras denso ou pausado. (Teresa Puppo)

eSpALDAde Jessie young2013, 5´Filme com ares surrealistas que mostra uma mulher fu-gindo pelo bosque a modo de deriva. Supõe um per-curso sem sentido através de situações de emocionali-

dade e medos. No final marca-se o loop das situações citadas.

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A poesia sempre impregnou o cinema experimental, Jean Cocteau e Stan Brakhage, entre outros nomes que cintilam nesta noite estrelada, em muitas opor-tunidades, declararam-se poetas que também fa-

ziam filmes. As repetições, os trocadilhos e todas as tentativas de desestabilizar a linguagem, tão caras aos poetas modernos e à vanguarda, costumam ser ferramentas frequentemente compartilhadas por aqueles que fazem filmes experimentais.

Nas amplas latitudes do continente americano, os filmes poemas que cintilam nas noites desse cinema de poesia e experimentação descartam vínculos óbvios com a narrativa e mergulham numa investigação das diferentes possibilidades técnicas oferecidas pelo parque industrial híbrido disponível à imagem contemporânea.

O cinema, nascido nas feiras de novidades do final do século XIX, parece estar cada vez mais consciente da dimensão performática de seu dispositivo. Projeções de imagens em movimento, sincronismo entre imagem e som, os elementos constituintes da magia cinematográfica vêm sendo experi-mentados de maneira livre e com claras intenções de solicitar uma participação ativa do público. O desejo de pôr à frente

aquilo que o cinema tradicional sempre quis dissimular, o maquinário, o dispositivo, o aspecto processual do fazer cinema, é um denominador comum nesse variado espectro de experimentações e estéticas representado pelos coletivos Trinchera Ensamble, Eta Aquarídea e Maumau.

Como uma vela que permanece acesa em meio ao vendaval, o cinema experimental permanece sempre fiel ao seu princípio de inovação e subversão. Em permanente rein-venção, os filmes hoje incorporam os acasos do percurso fotoquímico e as pulsões do corpo humano circundado pelas máquinas do cotidiano midiático no mundo atual. Tão extenso quanto as Américas de norte a sul, o cinema experimental desrespeita limites e separações de gêneros e afirma com insistência resoluta o aspecto libertador de sua poética. (C.M.)

DO fILMe à peRfORMAnCe: Des-limites do cinema experimental entre Brasil e MéxicoCuradoria: Cristiana Miranda

La trinchera, etA Aquarídeae MauMau.

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La Trinchera é um coletivo de artistas provenientes de dife-rentes disciplinas e nacionalidades que nasceu na Cidade do México em 2004.

Sua obra é uma experiência audiovisual de colagem abstrata gerada a partir da fusão de projeções e sonoridades analógi-cas, onde a força do conjunto está na mistura das projeções, na improvisação e nas possibilidades de intervenção direta através das ferramentas mecânicas da imagem em movimen-to.

Eta Aquarídea é um coletivo de artistas que trabalha desde 2012 com performances visuais e sonoras que envolvem múl-tiplas projeções de imagens, de maneira a criar um espaço de encantamento a partir da fantasmagoria dos mecanismos e processos fotográficos e cinematográficos tanto em suportes digitais quanto analógicos. Eta Aquarídea explora as possibi-lidades de ampliar a magia da projeção, utilizando combina-ções de projetores, espelhos e superfícies translúcidas para multiplicar as camadas projetadas e fazer do corpo do artista mais uma entre as muitas telas que recebem à imagem.

Contra Ponto é uma performance áudio visual que usa o ci-nema e seu dispositivo de projeção de imagens para construir uma síntese entre duas experiências temporais opostas: a da tirania e a da volatilidade do tempo. É no escuro que tudo acontece, onde a imagem projetada é refletida pelos espelhos na parede, na memória, em pleno barulho do projetor 16mm. As mudanças de modos, as transições abruptas. A musicali-zação da ficção. Não à maneira simbolista, subordinando o sentido ao som, mas em grande escala, como em uma cons-trução. Uma meditação sobre Beethoven e Aldous Huxley.

peRfORMAnCeetA AqUARíDeA

+LA tRInCHeRA enSAMBLe

tempo total: 60min

DAtA: 4 de setembroHORA: 23H

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O coletivo MauMau funciona de forma cooperativa com ações em diversas linhas: artes visuais, teatro, arte edu-cação, residência artística... o Cinecão, ação cineclubista que acontece desde 2010, começou com exibições de filmes em Super8 e 16mm, com buscas em arquivos quase esquecidos da cidade de Recife.

Hoje, o Cinecão tornou-se a principal linha de ação audio-visual da Maumau, dedicando-se ao experimentalismo, através de incentivo à realização de obras, de investi-gações estéticas e o diálogo com diferentes linguagens artísticas.

pRe|tenSãO2013, Super8mm (película e digital), 3’Dir. Irma Brown e Leila FigueiredoUma homenagem a Buñuel e os seus questionamen-tos sobre a fragilidade da memória, o esquecimento e

as lembranças enganosas que nos invadem.

MeU nOMe É nO BRAIn2013, Super8mm (película e digital), 4’Dir. Grilo/Lia LetíciaUm duelo sem fim, crianças amordaçadas, drinks e au-sência de continuidade.

SORRIA2007, Super8mm (película e digital), 3’Dir: Lia LetíciaUma placa na beira do Rio Guaíba. Uma experimenta-ção sem controle com filme vencido. Incompatibilida-

des químicas. Deu no que deu.

ORWO fOMA2012, 16mm/ finalizado Digital, 4’

Dir. Karen Black e Lia LetíciaTudo é lindo numa mulher.

COLetIvO MAU MAU Curadoria: Cristiana Miranda e Lia Letícia

pROgRAMA:

tempo total: 30min

Curadoria: Cristiana Miran-da + Lia Letícia

DAtA: 2 de setembroHORA: 23H

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eXtRAteRRItORIAL2014, 16mm/finalizado digitalDir. ЖO território é um espaço reticulado, limitado. Lugar de controle, espaço no qual se aplica a escala humana. A

paisagem é a possibilidade de encontrar a natureza inumana na qual o homem se instala.

fILHO nO OCUpe eSteLItA2014, 16mm/ finalizado DigitalDir. Lia LetíciaPequeno experimento com revelação Caffenol C e filme vencido.

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fOCO: CAO gUIMARãeS

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CIneMA De COZInHACao guimarães em Super8 Curadoria: Sebastian Wiedemann

Cao Guimarães é cineasta e artista plástico, nasceu em 1965 em Belo Horizonte, onde vive e trabalha. Atua no cruzamento entre o cinema e as artes plásticas. Com produção intensa desde o final dos anos 1980, o artista tem suas obras em numerosas coleções prestigiadas como a Tate Modern (Reino Unido), o MoMA e o Museu Gugge-nheim (EUA), Fondation Cartier (França), Colección Jumex (México), Inhotim (Brasil), Museu Thyssen-Bornemisza (Es-panha), dentre outras. Realizou nove longa-metragens: O Homem das Multidões (2013), Otto (2012), Elvira Lorelay Alma de Dragón (2012), Ex Isto (2010), Andarilho (2007), Acidente (2006), Alma do Osso (2004), Rua de Mão-Dupla (2002) e o Fim do Sem Fim (2001), que participaram de re-nomados festivais internacionais como Cannes, Locarno, Sundance, Veneza, Berlim e Rotterdam. Ganhou retros-pectivas de seus filmes no MoMA, em 2011, Itaú Cultural, em 2013, BAFICI (Buenos Aires), Cinemateca do México em 2014, dentre outros.

Cinema de cozinhaPor Cao Guimarães

Uma homenagem ao 50 aniversário do Super8, um formato visionário.

Escrever sobre o próprio trabalho sem-pre foi para mim uma coisa estranha. Acho que as obras devem falar por si mesmas e quem as fez tentar o mais

rápido possível ficar livre delas. Ficar livre no sentido de libertá-las do provável lento e gradual processo de caduquice do autor, libertando também este na direção da feitura de novas obras. Porém é tão raro para nós, seres da ‘cozinha’ do cinema, termos a opor-tunidade de juntar todos os quitutes que um dia saíram do forno e os oferecer (espero que ainda em tempo) a um público maior, para que estes, enfim, nos ajudem um pouco a entender nossa própria culinária.

Pois, como qualquer ‘cozinheiro’, sempre ajuntei estranhos ingredientes para formar pequenos bolinhos, com o propósito de que a digestão se realize no estômago do outro.

O cinema, assim como a culinária, precisa perfazer todo este processo, não podemos desconsiderar que fazemos filmes para que alguém os veja, e mais que isso, para que alguém reinvente o tempero através da saliva, reinvente a imagem através do líquido ocular, do prisma ocular, das veias oculares que transportam toda a informação para ser processada em um cérebro único, perso-nificado, individual, reinventando o filme, multiplicando-o.

A cozinha é o lugar da casa de que mais gos-to, é o lugar da casa onde todas as visitas se encontram, onde, apesar do farto espaço da sala, todo mundo se aglomera. A cozinha é na casa o lugar do outro. E foi lá também onde, entre vidros de azeite, miolos de pão, geléias e farelos, liguei pela primeira vez um velho

projetor de Super-8 para mostrar para alguns amigos as primeiras bobagens que filmei.

A cozinha também como oficina de experi-mentos, liberdade de expressão que produz cheiro e saliva, felicidade fácil provida pelos sentidos.

A pia da cozinha onde me escondia debai-xo, sentindo a vibração (música e imagem) dos músculos do antebraço negro de Zezé amassando farinha, maizena, manteiga e ovos com um rolo compressor de madeira. A imagem terna da palma de sua mão levando em minha boca um bocado de comida, seus pés imensos imersos em havaianas gastas indo de um lado ao outro enquanto mexia a sopa do fim de tarde. A cozinha enquanto o lugar do outro, do diferente de mim. Lugar destas primeiras impressões, destas primeiras imagens, da constatação de que o mundo era uma coisa plural. Cozinha como lugar do exercício do afeto diário.

O cinema enquanto cozinha, esta coisa que fermenta no tempo, que irradia e potencializa uma existência, o cinema que vem de dentro de casa, da luz da tarde que brilha no azulejo, do grão de feijão que cai da peneira, cheio de presença e vida, diante dos olhos abobalha-dos de uma criança curiosa.

Dedico esta mostra a Zezé, aquela que abando-nando garfos e facas, me pôs comida na boca pelo aconchegante côncavo de suas mãos.

[Texto escrito para a Mostra Retrospectiva “Cinema de Cozinha”, exibida no SESC SP e SESC Vila Mariana, em São Paulo. Outubro de 2008]

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Sou um homem da imagem, mas sou de um tempo em que o ser humano ainda não nascia imagem. Hoje somos imagem já na barriga da nossa mãe.

Uma varredura pelo som nos transforma em imagens uterinas e lá estamos, impassivos e confortáveis, inconscientes de que já somos um espetáculo para a mãe, o médico e as enfermeiras, na tela do computador da sala de um pediatra. Violada nossa primeira casa, invadida nossa intimidade, já somos persona-gens potenciais do Big Brother que se tornou o mundo. A sociedade do espetáculo nos espera lá fora, então “sorria, você está sendo filmado!”.

Eu era uma criança deslumbrada com a imagem. Vivi os primeiros anos da minha vida na casa do meu avô que era médico pediatra e cineasta/ fotógrafo amador. No fundo do seu quintal havia um barracão. Dentro dele o mundo se transformava em vermelho, como é vermelho o inferno, como são vermelhos os bordéis e vermelhos os laboratórios de fotografia. Eu tinha cinco anos e ainda não sabia o que era o inferno nem o bordel. Meu avô não era nem o diabo nem a cafetina, mas uma espécie de mago que fazia imagens aparecerem sobre a superfície de um papel. Em uma gaveta ele guardava uma série de fotografias de crianças deformadas, imagens que ele havia registrado, não sei se por curio-sidade científica ou estética, no hospital onde trabalhava.

Éramos proibidos de nos aproximar dessa gaveta. A proibição me fez obviamente encontrar a chave, abrir a gaveta e passar horas, extasiado e assustado, diante daquelas imagens estranhas: crianças com barriga d’água, xifópagas, aleijadas, com olhos tristes. Era quase uma abstração do que para mim representava o ser humano. Como são hoje as imagens de ultrassom dos fetos no paraíso uterino.

Do meu avô não herdei apenas a câmera de super8, a Bolex 16 mm à corda, a Nikon fotográfica 35 mm e o laboratório. Herdei o desejo pela imagem, através do interdito, do proibido e do errado. Meu fascínio pela ima-gem também vem do que não se pode ver.

Talvez por isso, anos mais tarde, tenha chamado um projeto de Histórias do não ver (2001), em que eu, de olhos vendados, era se-questrado por pessoas convidadas por mim. Queria sentir o mundo por meio dos outros sentidos que não a visão. Queria cheirar, ouvir, tocar e provar o mundo. Cansado das imagens, resolvi suprimi-las, para registrá-las enquanto não as via. Fotografei todas as realidades dos “sequestros” não pelo que via, mas pelos estímulos do que cheirava, ouvia, tocava e comia. Um projeto que pronunciava a destituição do sentido tirânico da visão. Uma revolução dos outros órgãos sensoriais. Uma marcha com bandeiras nasais, digitais, gustativas e auditivas.

Cao Guimarães

pROgRAMA:

tempo total: 64min

Conversa com Cao Guimarães

DAtA: 2 de setembroHORA: 20H

SIn peSO 2007, 7’, Super8mmO ar que sai do peito em vozes multiformes no comércio das ruas não é o mesmo ar que balança os toldos multicoloridos que protegem do sol e da chuva

os donos das mesmas vozes. Dois pesos diferentes configu-ram o frágil equilíbrio da vida nas ruas da Cidade do México.

peIOte2007, 4’, Super8mmUma criança possuída por entidade híbrida (luta livre mexicana e super heróis ja-poneses) oferece aos índios ancestrais a contra-dança.

AtRÁS DOS OLHOS De OAXACA 2006, 8’20”, Super8mmUm pequeno eye-movie pe-las estradas do estado mexi-cano de Oaxaca. Até que os olhos saltem de trás para frente da câmera e todo um povo se condense dentro de apenas uma retina.

DA JAneLA DO MeU qUARtO 2004, 5’, Super8mmDa janela do meu quarto eu vi uma rua de areia molha-da e debaixo da chuva dois corpos de criança brigavam se amando e se amavam brigando.

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COnCeRtO pARA CLOROfILA 2004, 7’25”, Super8mmConjunção de luz e sombra, formas, cores e texturas que denunciam a interrela-ção necessária de tudo que é vivo e vibra.

nAnOfAnIA2003, 3’, Super8mmBolhas de sabão que explo-dem. Moscas que saltam. O pulsar de micro fenôme-nos cadenciados por uma pianola de brinquedo.

AULA De AnAtOMIA2003, 5’, Super8mmCorpos, partes de corpos. Carne, pele, poros. O pulsar da imagem na tela como o ir e vir do ar dentro do corpo.

COLetIvO

2002, 3’, Super8mm“Coletivo” - de gente, de ruas, de bairros, de nomes, de ônibus que conduzem gente pelas ruas de bairros de nomes de gente.

WORD WORLD

2001, 8’, Super8mm“Word/World” trata da co-municabilidade: o estranha-mente organizado universo das formigas se depara com dois objetos estranhos. Falar e comer: tudo passa pela boca.

HypnOSIS

2001, 7’30”, Super8mmA ilusão lisérgica de uma hipnose resolve-se no sereno suceder geométri-co das formas. O páthos, neste mini-drama geomé-trico, é criado pela cor em movimento e pelo langor

repetitivo do martelar do piano.

SOpRO

2000, 5’30”, Super8mm“Sopro” expressa a relação entre o que está dentro e o que está fora. O translú-cido multiforme de uma bolha exibe o mundo que a contém e que é contido por ela. A bolha, que nunca

explode, é uma metáfora para a continuidade das coisas.

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fOCO: nICOLe BReneZ

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nICOLe BReneZDo cinema às artes fílmicas

Curadoria: Nicole Brenez

Nicole Brenez é professora de Estudos cinematográficos e audiovisuais da Universidade Paris 3, programadora das sessões de vanguarda da Cinemateca Francesa e da seção experimental do festival Cinéma du Réel, realizado no Centro Georges Pompidou, em Paris, além de ter con-cebido diversos ciclos para instituições de vários países como Anthology Film Archives (Nova York), Cinemateca Portuguesa (Lisboa), Filmmuseum (Viena), Auditorium du Louvre (Paris), Uplink Factory (Tóquio), Tate Modern (Londres), Lincoln Center (New York). Suas pesquisas se voltam principalmente aos princípios da análise figurativa e à história dos cinemas de vanguarda.

Nós chamamos de « objeção visual » os modos de atualização prática e plástica de um trabalho crítico ao cinema. A história das artes

fílmicas terá particularmente manifestado a importância e a fertilidade estética de quatro das dimensões da objeção visual: a objeção visual como posta em perspectiva, relativi-zação, ver recusa dos instrumentos, meios e postulados técnicos; a objeção visual tomada com as determinações plásticas e formais de um meio e a normatizacão dos seus usos; a objeção visual no campo da iconografia ; a objeção visual como projeção existencial. Indicamos em grandes traços certas das questões, das noções e das iniciativas que marcam a história estética contemporânea naquilo que concerne a primeira dentre elas, a objeção visual como posta em perspectiva de determinações técnicas.

« A sociedade E.A.T., presidida em New York por Billy Klüver e Robert Rauschenberg, que propõe « catalisar a inevitável participação ativa da indústria, da tecnologia e das artes », e que « assume a responsabilidade do desenvolvimento e da colaboração efetiva de artistas e engenheiros », definido exata-mente o papel que a sociedade capitalista pretende desempenhar nas ideias e formas da vanguarda artística ocidental. O controle que ela exerce é portanto maior, quanto mais complexas forem as técnicas utilizadas pelos artistas, e o perigo que ela proporciona é o de uma alienação definitiva. Se eles o sabem, nada está perdido; tudo pode ser, e a arte se tornará o instrumento ideológico da repressão. Assim Alain Jouffroy analisa as instruções que pesam sobre as relações entre arte e técnica em seu discurso A Abolição da Arte, em setembro de 1967.

Ao longo das décadas de 1990-2000, os cineastas viveram uma situação singular e apaixonante: eles podiam usufruir à vontade de mais de uma centena de anos de material fílmico, videográfico e digital, e encontra-vam a sua disposição um número crescente de instrumentos para reproduzir, hibridar, trançar os suportes da imagens. Simultane-amente, a indústria tecnicista desmontava pedaços inteiros do arsenal videográfico e das imagens de prata. Sintoma de um proble-ma caloroso, em razão da aceleração do tur-n-over tecnológico: doravante cada vez mais artistas recusam subordinar seus trabalhos aos parques materiais impostos. A indústria produz objetos, mas ela produz sobretudo pressupostos: aqui onde nos convida com urgência, praticamente nos força a estar sempre utilizando seus instrumentos últimos, a adotar seus novos formatos e a seguir seus novos padrões, alguns cineastas, artistas do vídeo e plásticos se rebelam e praticam a desobediência técnica, que se torna uma cor-rente estética em si. Na tradição cruzada dos letristas (inventando as práticas do low tech e sobretudo do no tech) e A Região Central (1970) de Michael Snow (sobre o qual seria necessário avançar o termo single tech: não uma máquina singular que seria a obra em si, mas uma máquina de utilização única para a qual sopram os protocolos e postulados de sua disciplina), os contraventores roubam as diretrizes tecnológicas de muitas maneiras: seja inventando seus próprios instrumentos, seja renovando-os com instrumentos antigos, seja desviando os circuitos e as instruções. A exemplo de Peter Kubelka declarando ilegítima toda projeção dos filmes Lumière por outro aparelho que não seja sua própria câmera-projetor, ao longo de toda a história do cinema artistas criaram, não somente seu

Do cinema às artes fílmicasA objeção visual (primeira aproximação)

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próprio parque, mas também sua própria lógica e temporalidade técnica. Melancólicos, fora de sincronicidade ou adiantados, eles nos permitem em todo caso relativizar, locali-zar e criticar os imperativos industriais.

1951-1952. Cinco filmes tomam de assalto as formas clássicas, em via de classificação acelerada: Traité de bave et d’éternité, de Isidore Isou, L’Anticoncept, de Gil J. Wolman, Hurlements en faveur de Sade, de Guy-Ernest Debord, Tambours du jugement premier, de François Dufrêne, e Le film a-t-il déjà com-mencé?, de Maurice Lemaître. Fetichização das recusas e do contrário do cinema (Isou), flicker preto e branco projetado sobre um balão-sonda (Wolman), «desorganização terrorista do discrepante1» (Debord), supres-são do filme em benefício da sessão (Brau), transformação da sessão naquilo que ainda não se chamava de happening (Lemaître), pode-se resumir seus propósitos com uma frase dos hurros de Debord: «Eu destruí o cinema, porque era mais fácil que matar os transeuntes.» Sem sua energia crítica, o cine-ma teria permanecido como nunca «a arte mais atrasada» (cartaz do filme de Lemaître Filmes imaginários, 1985).

Assim como a não multiplicação ou a supressão dos instrumentos, um outro uso prova-se imediatamente dedutível do dispositivo: o deslocamento. O Lettrismo inscreve suas pesquisas em uma tal lógica, Isidore Isou lhe dá um nome: o « syncinéma ». Trata-se de combinar o dispositivo cinema-tográfico com os elementos vivos : o autor deve estar presente, o público participar, o filme se interromper… O Lettrismo opera uma reintegração crítica da presença viva na representação, segundo a qual a obra não é mais o filme e sim a sessão. A fase seguinte será o cinema supertemporal, quando o

próprio filme não é mais dado na apresenta-ção, mas o público deve realizá-lo através de elementos e indicações fornecidas pelo autor. As duas primeiras ocorrências do cinema supertemporal tiveram lugar em 1952, com o Le Film supertemporel ou la Salle des idiots e Film-Débat. Desde então, o movimento Let-trista inventou centenas de protocolos, que consistem em projetar filmes por todo lugar menos sobre uma tela branca ou a organizar sessões que sejam tudo menos uma simples projeção de imagens em movimento.

Muitos outros artistas exploram essa via, anteriormente considerada como marginal e doravante dominante, desde o acontecimen-to das instalações e ambientes vídeo. Com frequência, percebe-se retrospectivamente que o devir das artes foi jogado naquilo que foi, no presente, vivido como periférico, se não ignorado como extravagante. A proposi-ção letrista sobre o syncinema, que consiste simplesmente em respeitar a natureza do dispositivo heterogêneo característico do cinema e a enriquecer os múltiplos cruza-mentos disciplinares, notadamente com o es-petáculo vivo, é hoje tornado uma evidência institucional. Nos museus, contudo, pen-dura-se os filmes como se fossem quadros; nas galerias, o vídeo amassa os filmes como um material natural, nos próprios filmes, os suportes de emulsão a base de prata e digi-tais, os formatos (Super 8, 16, 35 mm...) e as texturas empilham-se como tantas camadas e sub camadas produzindo novas texturas, novas plasticidades. Sobre esse último ponto, alguns filmes magistrais pertencem a história do vídeo quanto a do cinema: Sombre (Phi-lippe Grandrieux, 1998), Île de beauté et Gold (Ange Leccia et Dominique Gonzalez-Foers-ter, 1996 et 2000), Il n’y a rien de plus inutile qu’un organe (Augustin Gimel, 1999), My Room le Grand Canal (Anne-Sophie Brabant et

Pierre Gerbaux, 2002), High (Othello Vilgard, 2000), les Histoire(s) du Cinéma (1988-2006) e por fim Éloge de l’amour (Godard, 2001)… As filmagens se tornam exposições (assim Philippe Jacq, em 2001, convida os visitantes do Frac des Pays do Loire a olhar a bandeja de seu filme Ophélie et Marat), o filme se presta aversões de instalação e a versões de projeção (Chantal Akerman, D’Est, 1995), um empreendimento de cinema termina como dispositivo fugindo a toda caracterização ( o projeto godardiano das Collages de France , que se tornará Voyages en utopie2)…

Na lógica dessas proposições, na virada do milênio, o cinema, numa perpétua exporta-ção de si mesmo, tornou-se um nó disciplinar, invadiu as outras artes e acolheu todas as transplantações plásticas. É por isso que de agora em diante, antes que falar de « cinema » é necessário falar de « artes fílmicas », isto é, do conjunto de disciplinas e práticas que en-gajam as imagens em movimento. Não existe de fato nenhuma ruptura entre analógico, vi-deográfico e digital. Com o cinema, de fato, o suporte não governa: das cronofotografias de Étienne-Jules Marey às instalações multimídia de Chris Marker (em particular Silent Movie, 1995), o cinematógrafo não se subordina mais à projeção que ao celuloide, mas à arte de organizar ou desorganizar os componen-tes, à montagem portanto, tomada no seu sentido mais amplo. No início do século XXI, havia mais comércio cinematográfico em Aveugle, de Régis Cotentin (2000), Pulsar, de Maria Klonaris e Katerina Thomadaki (2001), ou nos filmes de Jacques Perconte, que são todos digitais, que na maioria dos filmes pro-jetados nas salas comerciais. Arte impura, o cinema tornou-se dissoluto? Trata-se de uma era de platina respondendo à era de ouro dos anos 1920 que terminaram pelo Bal blanc, animado por Man Ray projetando os filmes

de Méliès coloridos sobre os dançarinos transformados em telas móveis – maquetes de nossas festas de imagens? Trata-se de um último fogo de artifício antes da emulsão de prata ser devorada por completo pelo digital? O cinema deixará seu legado mais do imaginário coletivo que de uma iconografia industrial? Talvez seu legado seja tanto de instrumentos e exemplos de uma arte do mo-vimento que certos princípios do “movimen-to da arte”, segundo a noção de Eisenstein. A obra dos grandes cineastas, de René Vautier a Lionel Soukaz, de Jean Rouch a Tiane Doan Na Champassak e Jean Dubrel, de Robert Bresson a Jacques Perconte, permite verificar o pensamento de Theodor Adorno: « O cine-ma alarga o campo da arte3 ».

Nicole Brenez

1 - Guy-Ernest Debord, « Prolégomènes à tout cinéma futur », Ion, no 1, avril 1952, rééd. par Jean-Paul Rocher, Paris, 1999, p. 217.

2 -Ver Raymond Bellour, L’Entre-Images, Paris, La Différence, 1990, et L’Entre-Images 2, Paris, POL, 1999, e também o livro de Dominique Païni, Le Temps exposé, Paris, Cahiers du Cinéma, 2002.3 -Theodor W. Adorno, L’Art et les Arts (1966), trad. par Jean Lauxerois, Paris, Desclée de Brouwer, 2002, p. 73.

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A poesia literária, tanto nas suas formas fixas como nas liberdades modernas, é Pindare e Gongora, François Villon e Ezra Pound, Schiller e Claude Pélieu, Guillaume du Bartas e Jacques Lacan : uma concep-

ção experimental da linguagem, quer se trate de regulá-la ou desregulá-la. Da mesma maneira, a história do poema documental permite detectar algumas formas recorrentes ou únicas procedentes da experimentação descritiva : estudos, análises, meditações, literalidades, curvas, deflagrações lentas ou súbitas, irradiações, flashes, gloria (termo utilizado por Merleau-Ponty para designer uma qualidade de aparição)… De tais iniciativas temporais e texturais agem “de maneira que a aparência de uma rua exposta à luz do sol possa no seu bri-lho atingir o coração mesmo do seu significado, como numa sinfonia, como talvez nenhuma sinfonia poderia ser. E o esta-do de consciência virá do imaginado e do revisado no esforço de simplesmente perceber a radiação cruel que ele mesmo é” como escreveu James Agee (Elogiemos os homens ilustres, 1940). Foram as “iluminações” fílmicas, que recusam aproxi-mações figurativas, reconfiguram a mimese e estendem ou mesmo metamorfoseiam os fenômenos a partir de si mesmas, a exemplo das bombas, ramos, cascatas ou sóis pirotécnicos. Tiane Doan na Champassak & Jean Dubrel, Jacques Perconte, Philippe Grandrieux, Marc & Éric Hurtado, cada qual com seus meios técnicos, plásticos, especulativos e afetivos próprios, cada um criando relações diferentes com um real que eles veem na extensão e nos matizes de sua multi-dimensionalida-de, inventam a poesia visual e sonora. (N.B.)

nAtpWe – feASt Of tHe SpIRItStiane Doan na Champassak & Jean Dubrelfrança, 2003-2012, 30’, digital

Na Birmânia sob a ditadura dos anos 2000, Natpwe - le Festin des esprits de Tiane

Doan Na Champassak e de Jean Dubrel, descrevem o culto dos Nats, os 37 Espíritos do panteon da Birmânia. Cinco dias de festa, de possessão e transe, da qual a emulsão de prata nos transmite as vertigens individuais e também coletivas que os médiuns travestidos transmitem aos sobressaltos tóxicos dos Nats. Uma obra prima da poesia descritiva, na linhagem dos textos de Antonin Artaud sobre os Tarahumaras, dos Mes-tres Loucos de Jean Rouch e dos Tryyps de Ben Russell. (N.B.)

IMpReSSIOnSde Jacques perconte

frança, 2012, 30’, digital

“Esmago, quebro, recorto, agito estas imagens que fil-mo. Deixo de lado a beleza fria e objetiva daquilo que filmei. As instalações que

produzo há alguns anos, que eu chamo de filmes infinitos, são encenações exploratórias. O tempo toma múltiplas formas e as imagens fragmentam-se em ressonâncias repetidas, as compressões do vídeo cassete vibram e afrouxam seus temas e cores. Artefatos que persistem por muito tempo e que vão às vezes contaminar o filme. Explora-se assim todas as imagens destas paisagens que o paradigma técnico permite. Chamo isso de compressões dançantes de dados, montados num disparo.” (Jacques Perconte, 2014).

pROgRAMA I:explorações plásticas

tempo total: 60min

DAtA: 2 de setembroHORA: 22H

Palestra com Nicole Brenez no dia 2 de setembro às 21h

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JAJOUKA, qUeLqUe CHOSe De BOn vIent veRS tOI

de Éric Hurtado, Marc Hurtado

frança, 2011, 62’,digital

Música: Bachir Attar & les Maîtres Musiciens de Jajou-ka, Marc Hurtado

As artes fílmicas contemporâneas não cessam de difundir generosamente as maravilhas da interseção entre a história da arte e a etnografia, essa encruzilhada generosa e sábia da qual provêm as iniciativas plásticas e especulativas mais férteis desde o fim do século XIX. Anteontem pensava-se em Carl Einstein e na revista Documents, ontem em Jean Rouch, Pier Paolo Pasolini, Raymonde Carasco & Régis Hébraud, hoje em Tiane Doan na Champassak & Jean Dubrel, Ben Russell ou John Skoog. No seio dessa constelação, a obra de Eric et Marc Hurtado, separada sob o nome de Etant Donnés, marca por seu caráter encantado, em perpétua busca do éxtase, a potência milenar da poesia, d’Hesiodo a Brion Gysin passando por Raimbaut d’Orange. Escritores, músicos, performers, Eric e Marc Hurtado trabalharam com Alan Vega, Genesis P-Orridge, Lydia Lunch, Philippe Grandrieux. Única como as verdadeiras obras primas, sincrética, no que combina de forças estilísticas da mitologia, da etnologia e da invenção pura, mágica em todos os pontos, Jajouka, quelque chose de bon vient vers toi nos indica que de agora em diante, ao lado de sua tradicional flauta, Pan traz também a bainha de uma Aaton A-Minima. (N.B.)

IL Se peUt qUe LA BeAUtÉ AIt Ren-fORCÉ nOtRe RÉSOLUtIOn. MASAO ADACHI

de philippe grandrieux

frança, 2011, 74’, digital

Fruto do encontro entre dois criadores estruturados pela questão de um sujeito soberano (pela oposição

aos assujeitamentos comuns da “vida mutilada”), o filme renova completamente as normas do retrato de artista. Em termos de informação, tudo está presente: o percurso, a obra, o questionamento de Masao Adachi, e simetricamente, as condições do trabalho e as questões de Philippe Grandrieux. Mas a documentação estende-se a partir precisamente do postulado que recusa os retratos fílmicos de cineastas e seres humanos em geral: que a descrição, tão precisa, generosa, profunda seja ela, não apreenderá nunca as fendas do misté-rio de uma pessoa. (N.B.)

pROgRAMA II:formas cinéticas do engajamento

tempo total: 74min

DAtA: 3 de setembroHORA: 23H

pROgRAMA III:persistências e atravessamentos das formas

tempo total: 62min

DAtA: 4 de setembroHORA: 22H

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DOSSIÊ AntOnI pInent

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AntOnI pInentConstrutos fílmicosMicro-arquiteturas cinemáticas, esculturas de tempo e luz.

Curador: Sebastian Wiedemann

Um dossiê por Hambre | espacio cine experimental

Antoni Pinent, cineasta experimental e curador indepen-dente espanhol, foca seus interesses e pesquisa no cinema sem câmera e feito a mão. Trabalhou como curador para instituições como a BIM - Bienal da Imagem em Movimen-to - Buenos Aires e Xcentric -Barcelona. Em 2008 ganhou o “II Biennial Museum of Contemporary Cinema Foundation Award”. Seus filmes já foram apresentados em Festivais como Experiments in Cinema, Viennale, Bafici e Bucharest Experimental Film Festival e em museus como o MoMA de San Francisco.

Sentir o cinema na sua mais profunda materialidade.Que a virtude dos homens esteja talvez na possibilidade de pensar

com as mãos, antes que com os olhos. Palpar, acariciar, riscar, esculpir…Esculpir tempos, que embaralham as dimen-sões, microcosmos em fotogramas atravessa-dos pela luz que abrem, que projetam novas percepções.Criar nossas arquiteturas para uma casa cine-mática que não para de devorar suas paredes, em ‘film quartet’ mordendo clichês, ‘A space cut’, ‘Descenso’’, ‘Polyframe’...

Uma técnica, um pensamento que se afirma a cada frame. Cinema sem câmera, cinema que encontra suas imagens, em relações estrutu-rais e rítmicas, que no caso de Antoni Pinent, poderia se chamar de cinema conceitual sem câmera. Atingir a imagem é atingir um conceito na estrutura rítmica da montagem.

Cortar, riscar, que o corte se faça notar. Ima-gem como um conceito de fragmentar//ismo [horizontal].

Construtos fílmicos; entre filmes e escritas, entre imagens e conversas, entre projeções e manifestos; tenta contornar o movimento ao qual as micro-arquiteturas de Pinent dão consistência ou simplesmente dão motivos para gargalhar em G/R/E/A/S/E.

Uma retrospectiva, uma vertigem, uma ho-menagem… de Hambre, pois sentimos que compartilhamos a mesma fome, aquela que corta, que dilacera o olho, aquela que faz de Dobra, um desdobrar ‘film quartet’.

Esculturas, arquiteturas, que nos doam um porvir para o cinema, talvez porque quanto mais pensamos com as mãos, entrando na matéria, fazendo corpo com ela, é quando, esse nosso olhar é menos humano. (S.W.)

Apresentação:

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Se o cinema industrial caracteriza-se pela construção de regimes orgânicos por meio dos quais representa formas reconhecíveis e estereotipadas, o cinema experimental inverte os valores e dilacera as estruturas para incomodar a quem se enfrenta a uma experiência

perceptiva anômala. O desconforto diante do olhado expõe de um modo radical o questionamento daquilo que se projeta na tela. Assim, observa-mos a mudança de trajetória de uma digestão audiovisual sem muitas per-guntas a uma assimilação problemática da imagem. A anomalia apresenta-se como desvio da norma, como sendo a que inequivocamente nos conduz à dilaceração daquilo que consideramos uma totalidade construída.

Para aprofundar nesta dilaceração perceptiva e seus modos de fazer-se visível, encontramo-nos de frente com o filme G/R/E/A/S/E de Antoni Pi-nent, no qual se toma como matéria prima uma cópia em 35 mm de Grease (Randal Kleiser, 1978). Num primeiro momento, a familiaridade que o es-petador estabelece com o filme “original” pode ser pensada sob a lógica de uma memória coletiva dada sua extensa popularidade, uma vez que para além de que efetivamente tenhamos visto o filme hollywoodiano ou não, suas imagens formam parte de nosso arquivo mental. Este conhecimento a priori, do ponto de partida da obra, potencializa o trabalho de desarme sistemático que propõe Pinent, utilizando o suporte fílmico. Com um des-dobramento minucioso sobre a materialidade da imagem traça vetores que desarmam o que o espetador reconhece como cenas vistas uma e outra vez ao cortar os fotogramas em quatro partes mediante uma técnica que ele tem chamado “fragmentarismo horizontal” ou “film quartet”

Assim, partindo do clichê como forma fecha-da que obtura a possibilidade de uma abertu-ra sensível, a desintegração e reconstituição tomam lugar com a radical violência do corte. A partir de sua técnica Pinent nos propõe aventurar-nos na dinâmica das não-corres-pondências: um fragmento do rosto de John Travolta e um fragmento do rosto de Olivia Newton John assumem uma nova forma, um terceiro rosto; uma silhueta riscada sobre o celuloide dança com o protagonista como um duende evanescente na “grande” cena da festa que reúne todos os personagens; assim, através do absurdo do burlesco nos permite observar como em certos regimes de imagens os estereótipos são quem regulam as lógicas corporais e como a intervenção sobre o modelo pode apresentar uma saída que se faz visível como experimento sobre a materialidade da imagem. No gesto da transfiguração tanto do rosto humano (por superposição de camadas) como do corpo (com a desaparição deste pela figura de um espectro “riscado”) parece que a humanida-de adquire uma dimensão objetual e como consequência se propõe ao desajuste daquilo que inesperavelmente pretendíamos que aparecesse na tela. Diante deste desajuste a resposta inevitável que acontece é o riso. Quando o corpo adquire condições maqui-nais, forçadas, mas não deixa -ao mesmo tempo- de ser sumamente humano, nossa mente habita esse interstício inovador sob a lógica da comicidade, onde uma refor-mulação daquilo que vemos ocupa uma expectativa de “normalidade” frustrada. Deste modo, pôr em evidência o automatismo da percepção e estabelecer novas conexões que desestabilizam a rigidez das formas habituais às que nosso olhar está acostumado, faz sur-gir a anomalia e a instabilidade materialmen-te visível e força, faz acontecer a aparição do espaço do riso como uma nova possibilidade de habitar o que nos resulta desconhecido.

Porém, em seu aparente caráter inocente-mente lúdico, o cômico propõe uma aposta provocadora que interpela a construção visual e material do mundo que habitamos. Convida-nos a pensar as formas, os gêneros, até os corpos, com uma lógica mutilada, mas que a partir dessa mesma dilaceração ou fe-rida recompõem-se como alternativas cheias de vida e oxigênio para uma percepção que habitualmente destila conformismo diante ao já dado. Assim pensado, o humor pode se tornar uma ferramenta potente, geradora de novas possibilidades materiais, mentais e sensíveis.

O movimento de pêndulo entre a humani-dade e a máquina, entre a carne e a técnica, entre a mão e a imagem, são os núcleos conceituais e pragmáticos da obra que se encontram atravessados pelo gênio do cômico e a partir dos quais desprendem-se suas qualidades estéticas mais singulares. Portanto, também poderia ser dito que da matéria-cinema Pinent faz surgir um germe em perpetua (de)formação que mantém uma forte relação entre a mão e o olho. O corte começa sendo manual para devir visual, e desse modo dar conta do vínculo que se mantem entre os dois regimes. Enfrentamo-nos a uma figura reconstituída artificialmente que nos devolve uma possibilidade impen-sada. Uma vez que nosso olho se vê cortado não uma, mas infinitas vezes não há modo de voltar a sutura-lo para que retorne a seu estado original. Esta nova costura mostra que o olho alguma vez cortado em “Un Chien Andalou” soube aprender a lição e propõe uma reconstituição da imagem a partir de uma nova composição visual (e sonoro) que ergue a bandeira da incomodidade e a flexibilidade como modos de disposição diante da imagem. Desconforto do composto sonoro que resulta fora de compasso de um modo orgânico com o visual, mas que marca

g/R/e/A/S/e: O desmantelamento do clichê e a instabilidade das formasPor Florencia Incarbone

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e remarca a artificialidade que encontra-se na construção, porque a narração desagrega-se e adquire possibilidades de articulação variáveis; flexibilidade porque a imagem se constitui e descompõe ao ritmo vertiginoso de um ritmo sonoro-temporal. Esta força nos permite transitar por estados mutáveis, por desafios sensoriais e nos leva as ferramentas para sair dessas experiências -tanto estéticas como vitais- desbancando as normas e os ditados do senso comum. Do automatismo dos hábitos adquiridos em nossa vida coti-diana desprende-se uma certa lógica na qual nosso corpo e mente que já sabem o que esperar a cada passo, uma ação determinada, uma reação que lhe corresponde. Ali é onde a condição do errar, o corte, a anomalia apre-sentam-se para desequilibrar uma estrutura

preconcebida, um estado relacional e social que propõem as regras do jogo conhecidas por todos. O esperável se lasca para fazer visível o artificio da imagem (e da vida) e nesse mesmo processo elaborar uma lógica lúdica centrada no humor. Essa desarticula-ção, essa desfamiliarização do visto -vivido abrem novas possibilidades estéticas no filme como um grande experimento obsessivo e conceitual que se ingressa.

Pinent se propõe a desarmar o clichê de dentro, apropiando-se dele, pondo em evidência o que tem de construção e entrando no caos da matéria-cinema para emergir dali com um diagrama cinematográfico que renova os limites da percepção fílmica. Se os dois maiores perigos contra os que tem que combater o cineasta são a ilustração e a narração -componentes que forjam a cons-trução orgânica de um determinado

tipo de cinema- a intervenção agressiva sobre a imagem e o trabalho sonoro estabelecem um composto indivisível que se ergue como resposta sob a lógica de novas coordena-das em constante processo de formação. Os gestos lúdicos e humorísticos de Pinent tornam “anti-naturais” e “maquinais” os clichês e no aspecto desumanizador do corpo parece devolver-lhe à imagem a um lado oculto que faz que nossa percepção não volte a ser a mesma.

falas entre fotogramasUma entrevista a Antoni pinent

Por Sebastian Wiedemann

Talvez no intuito por sintetizar tantas conversas que temos tido pessoal-mente e por e-mail, é que proponho esta entrevista. Não para encerrar

a conversa, pelo contrário, abre em novas direções.

S: É curioso pois ambos temos um back-ground de “cinema clássico” e história da arte, mesmo assim os caminhos nos arrastraram ao cinema experimental. Para além dos gêneros e estilos, o cinema experimental pode ser definido por suas técnicas, enquanto que no “clássico” a narração e a herança literária geralmente se impõem. Dali que seja pouco habitual uma história do “cinema clássico” a partir, por exemplo, do uso da lente grande angular, do movimento de travelling ou de qualquer outro procedimento e operação formal na construção do filme. No entanto, para além de etiquetas como animação, cinema abstrato, cinema lírico, pode-se pensar uma história do cinema sem câme-ra onde Norman McLaren poderia estar do lado de Stan Brakhage. Tendo em con-sideração que você tem pensado lançar no futuro próximo uma publicação sobre cinema sem câmera, poderia ampliar sua percepção a respeito, desde sua perspecti-va como critico, curador e realizador?

A: É verdade, concordo com o que você comenta. A técnica está às vezes presente demais no momento de falar sobre cinema experimental. Justo nos últimos dias estava refletindo sobre a dificuldade que nos é apresentada quando temos que escrever um texto ou ensaio sobre um filme experimental,

no qual sempre temos que fazer um trabalho de equilíbrio para não cair na pura descrição do filme a ser analisado, convertendo-se num texto carregado de uma mera enumeração de técnicas utilizadas para sua realização. No entanto na maioria das vezes quando se encara um filme “convencional”, há uma ten-dência a se centrar em outros aspetos como pode ser a estrutura, a narrativa, a música, a composição...elementos que ajudam a enten-der melhor o enredo e/ou giram entono dele. No caso do cinema experimental, às vezes toma-se um caminho impossível aspirar fazer essa transposição de explicar com palavras aquilo que esta construído em imagens, sons, atmosferas, sensações, flickers, texturas, etc. E se falássemos da vertente “expanded cinema”, a coisa se centraria sobre tudo em falar do dispositivo, e a partir dali deixar-nos levar pelo sensorial e experiencial de sua recepção.

Mas voltando ao tema da futura publicação sobre cinema sem câmera, e para não cair em tecnicismos terei que valorizar muitos elementos, e também saber ou decidir para quem será dirigido. Às vezes me pergunto se o cinema experimental só esta pensado para um público conhecedor, ou colegas de profissão, sejam eles também cineastas, programadores, curadores, etc. Isto é, a disci-plina específica do experimental entra num território cada vez mais estreito e especiali-zado, onde muitas vezes é preciso ter uma militância duradoura e firme para abraçá-lo e poder apreciá-lo nas suas mais variadas camadas.

Isto me deixa com a sensação de que cada vez mais, quando vou em festivais de cinema

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-e quando são especificamente de expe-rimental- sinta eles como algo parecido como quando os oftalmologistas vão a um congresso, isto é, ir ver o que se tem realizado e em que estão trabalhando os colegas, contemplar seus progressos, descobrir novas técnicas por mais artesanais que sejam, provar novas ferramentas e instrumentos que ajudam a melhorar o trabalho, etc. Como dá para perceber a técnica sempre volta, mas para não me estender mais no tema, direi que para fazer uma aproximação, seja ela desde a crítica, o ensaio ou a curadoria, é muito importante conhecer a matéria -e alma- do que são feitos os filmes, no seu sentido mais amplo. Estou convencido de que esta relação ajuda a ter um maior entendimento e compreensão da obra a ser analisada, desde uma melhor posição para poder mergulhar dentro dela e descobrir nela seus tesouros ocultos. Por esse motivo, quando estamos lendo um ensaio sobre cinema experimental, quase sempre dá para perceber se este foi escrito por alguém que também é realizador ou não, ou para melhor dizer, por alguém que realmente está próximo da matéria, que no caso do cinema sem câmera é ainda mais latente. Entrar realmente nos procedimentos para não simplificar as obras, mais ainda quando a consistência delas não passa por uma narrativa e se centra por exemplo em texturas ou abstrações. Em última análise ter o mesmo cuidado de quando se traduz um poema para uma outra língua, cuidar para não perder a essência.

Neste sentido, conhecer o material, ter intimi-dade com ele, é muito importante para que isto se veja refletido e esteja presente na es-crita/crítica. Penso em algo assim como que o cinema experimental nos obriga a realmente experimentar sua materialidade para poder lidar com ele. Nos obriga a fazer corpo com o filme, caso queiramos estar à altura de sua expressão na escrita.

Voltando na resposta entorno a futura publi-cação e para fazer entender melhor o motivo deste rodeio, é porque tento levar adiante uma pesquisa em cinema sem câmera no seu sentido mais amplo, sem cair numa enu-meração de títulos segundo autores, países ou técnicas, para além de categorias. Tento entrar num trabalho de pesquisa transversal que possa ter leitores não só especialistas, mas também que venham de outras discipli-nas e interesses.

O fato de que você ter nomeado duas figuras centrais do “gênero” é bem interessante, pois uma delas, a de McLaren em muitos livros de cinema experimental não é contemplada, ou para melhor dizer, é rejeitada ficando na sacola da animação, e com o caso do prolífico Brakhage acontece o mesmo, é rejeitado do lado da animação por exemplo o clássico livro de Robert Russett e Cecile Starr “Experi-mental Animation” confirma este fato.

É nesse ponto, onde começam a aparecer alguns dos problemas quando tentamos nos aproximar ao “cinema sem câmera”, pois podemos abarcar desde uma animação figurativa com narração clássica mas reali-zada com uma certa técnica, até uma obra completamente plástica entendida como micro-pinturas em cada fotograma, como poderia ser o caso de algumas das obras de José Antonio Sistiaga.

Gosto sempre de fazer a afirmação de que o “cinema sem câmera” não deixa de ser uma técnica dentro do cinema. Motivo pelo qual, os mais diversos cineastas e artistas com suas inquietações dispares podem compartilhar este mesmo campo de experimentação, cada um deles extraindo uma potência singular deste meio/ técnica cinematográfica. Gosto da etiqueta “sem câmera” justamente porque dentro dela as barreiras e limites se embara-lham, se pervertem. No “cinema sem câmera” podem coexistir peças de animação clássica,

peças transgressoras de caráter mais pictó-rico ou ainda de caráter radical e conceitual, como as obras minimalistas do mexicano Jorge Lorenzo Flores Garza.

S: A relação com a história e tradição do cinema é algo que esta muito presente nas suas obras e que a meu ver ganha uma forma ensaística. É o caso, por exemplo, da trilogia “Film Quartet” que termina com G/R/E/A/S/E. Movimento a três tempos que dialoga entre outros com Kubelka, Tscherkassky e Paul Sharits. Uma reflexão, um pensamento sobre o cinema, que se debate a cada fotograma (cada filme deve inventar um dispositivo/procedimento que lhe seja próprio) e onde experimentar é condição desse ensaiar como discurso. Há uma ideia que vem dando voltas na minha cabeça, como consequência de também transitar indistintamente entre critica/curadoria/realização. Algo assim como um “pensamento-cinema” que se desenvolve em vários frentes. Escreve-se, programa-se filmes, faz-se filmes. Quais caraterísticas você acha que seu “pensa-mento-cinema” teria ou como você intui que ele funciona?

A: A esses três pilares que você nomeia bem: crítica/curadoria/realização; eu somaria um quarto que é a docência. Creio que todos eles, como já indiquei em outras ocasiões e gosto de lembrar, funcionam como vasos comunicantes. Isto é, se complementam e potencializam mutuamente, mesmo que a dosagem e o gradiente em cada um deles varie.

É interessante notar como a experiência com cada uma destas vertentes pode nos levar por caminhos diferentes e insuspeitos. O mais sugestivo é refletir sobre suas especificidades e traçar paralelismos, conexões. Por exemplo perguntar-se se há uma conexão entre a ordem dos filmes numa curadoria de curtas-

metragens e a concepção da montagem de um filme realizado com retalhos ou fragmen-tos de fontes diversas. A resposta talvez seria de dúvida ou surpresa e o mais provável é que mais tarde numa nova etapa da mon-tagem do tal filme, tratemos de imaginar o trabalho como se estivéssemos programando (uma sessão de filmes), seja para aprofundar numa temática ou nexo comum dotando-a com as constantes e os ritmos internos de cada uma das peças/filmes/retalhos e criando assim fios invisíveis entre elas a modo de diálogo para reforçar o discurso implícito na proposta.

Por outro lado, é seguro que quando se pansa uma nova sessão, essa reflexão de “programar como montar” inconsciente-mente estará presente, fazendo com que tudo se unifique mesmo que seja de maneira intuitiva, aplicando indiretamente todo nosso percurso profissional e vivencial.

Aqui poderíamos retomar alguns elementos da pergunta anterior sobre a narração ou en-redo no cinema convencional. Se prestarmos atenção muitos dos filmes experimentais também (con)tem seu fio condutor, talvez não narrativo, mas sim de intensidades, com frequência com um crescendo que chega até um clímax, para terminar com um anti-clímax, como acontece em varias peças que integram a trilogia CinemaScope do austríaco Peter Tscherkassky, que você já citou antes.

Mas tentando responder de modo mais concreto, creio que cada vez mais dentro da comunidade, como sempre tem sido, nos encontramos com pessoas que levam adiante simultaneamente estes perfis de programa-dor, curador, escritor, realizador, docente… como é seu próprio caso, ou foi o de Stan Brakhage, Paul Sharits, Hollis Framptom, por citar alguns nomes… O corpus que se gera em cada um destes casos é bem coerente e complementa e não deixa de ser no final

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algo indissociável, convertendo-se em algo que poderíamos comparar com um polvo e seus tentáculos que servem para abraçar di-ferentes aspetos num movimento expansivo. É assim que entendo este pensamento em ação, muitas vezes começa por uma intuição ou convicção proveniente de outra disciplina e pouco à pouco vamos modulando-a para sua nova localização passando pelo filtro de todas as influências/ressonâncias do momen-to em que nos encontramos. Muitas vezes as ideias tem um longo percurso e outras são mais imediatas em termos de concretizar e materializar. Por exemplo a última série na que estou tra-balhando parte dos QR CODE (Quick Response Code), estes provêm de uma atualização dos clássicos códigos de barras com os quais convive-mos diariamente, mas com a particularidade que podem integrar muita mais informação e com a caraterística que qualquer pessoa com um smartphone ou tablet pode acessar a seus conteúdos. É a partir desta imagem de nosso entorno, que me ativo pensando e perguntando de maneira bastante incons-ciente “que poderia fazer com ela?”. Acontece que os QR CODES tem tudo a ver com meu estilo entorno a estruturas métricas, nas quais o elemento escolhido determina a duração da peça resultante, assim como sua estrutura e próprio conteúdo. E neste caso tem mais elementos implícitos, pois é o próprio proces-sador quem gera uma imagem, que depois teremos que verter numa estrutura final. Só

temos que determinar seu conteúdo - caso se decida fazer uma imagem figurativa- e o formato fílmico para levar a peça a cabo. Um diálogo complexo entre um trabalho analó-gico a partir de um elemento da era digital e sua posterior leitura, que pode ser analógica ou digital.

Mas é a primeira da série [‘QR CODE / FILM’, 2014], a que parte dos elementos básicos cinematográficos como é a luz e não luz, seu

sistema interno é binário, e provêm de algo digital a ser transcrito de modo analógi-co que depois pode ser lido ou decodificado por um aparelho eletrônico para ver seu conteúdo numa tela de uso pessoal portátil. Tem múltiplos jo-gos e concepções. Estes são o tipo de processos que gosto, trabalhar com uma ideia,

desenvolvê-la e procurar experimentando o melhor modo de materializa-la. Esse caminho a percorrer que poderíamos chamar de “pro-cesso criativo” é o mais interessante. Também as experiências realizadas previamente em trabalhos como ‘GIOCONDA / FILM’ (1999) ou ‘KINOSTURM KUBELKA / 16 variaciones’ (2009), a segunda da trilogia antes menciona-da, são peças que se mostram também como estruturas de luz ou bem expostas pendura-das na parede. A série dos “QR CODES”, come-çando por ‘QR CODE / FILM’, também pode ser exposta desta maneira, pois é a própria obra que contém o código, constrói-se na sua estrutura a partir dele é que o dispositivo o lê a modo de escaneio.

É conveniente destacar, que esta série nasceu e convive numa época na qual as pessoas se lamentam das dificuldades que tem para ativar os dispositivos analógicos, seja por sua pouca acessibilidade ou por sua acelerada extinção na “renovação” das ferramentas nos espaços de exibição e novos prédios. É ali onde coexiste uma série como esta, no limbo do analógico atrelado pelos dois mundos do digital, isto é, o que serve para gerar seu próprio organismo interno e o de sua leitura para dar-lhe movimento. É um passo coerente no uso do analógico, adaptando-o às novas tecnologias e revisando com ele

todos os formatos existentes para a serie como é o 8 mm, Super 8, 9,5 mm, 16 mm, 35 mm, 70 mm vertical (5 perfurações) e 70mm horizontal (Imax/ 15 perfurações). Em várias peças se rende homenagem aos realizadores que influenciam este trabalho e a forma de proceder, como são as peças ‘QR CODE / FILM [#1A] y [#1B]’ que partem dos míticos painéis -frozen film frames- de ‘N:O:T:H:I:N:G’ (1968) de Paul Sharits e outras de suas obras, a partir da minha filmagem em Super 8 durante a exposição retrospectiva que lhe foi feita no Fridericianum Museum de Kassel (Alemanha) no passado novembro 2014 - fevereiro 2015.

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Talvez não respondi a pergunta diretamente, mas dei exemplos dando conta das influên-cias e fazendo um percurso a partir da série em que estou trabalhando atualmente. Em outros contextos, não tão conceituais esse pensamento-cinema é mais fácil de perceber ou de seguir, como é a critica à dublagem em chave de humor que esta presente tanto em ‘FILM QUARTET / POLYFRAME’ (2006-2008), como em ‘G/R/E/A/S/E’ (2008-2013). Como dizia antes, ao final esse pensamento vaza é perpassa todos nossos campos de ação, “ins-piramos” ele e em cada “expiração” , faz passar pelo “ato de criação”, ele retorna ao mundo como uma variação singular.

S: Se nos focamos de cheio no fato de fazer cinema sem câmera, é quase como uma conversa entre cozinheiros e artesãos. É um processo de cocção lento, pois o drama se vive a cada fotograma. Tudo acontece aí, dentro do fotograma, todo problema ocorre e se resolve aí no seu interior ou no salto/intervalo entre fotogramas. Penso em três elementos que fazem a esta cocção e artesanato manual. 1. Entrar em outra temporalidade do fazer, do pro-cesso, do transito manual ( pode tomar meses, anos), dali que não me surpreenda a admiração de Brakhage por Tarkovsky ( pena que o encontro entre eles não foi tão alegre). 2. De tanto entrar na matéria, nunca deixar de se surpreender pelas mudanças que podem chegar no seguinte fotograma. 3. Os três famosos preceitos de McLaren: “Animation is not the art of DRAWINGS- that- move but the art of MOVEMENTS-that -are- drawn./ What happens between each frame is much more important than what exists on each frame./ Animation is therefore the art of manipulating the invisible interstices that lie between frames.” Na sua experiência pessoal como sente que seja essa cocção de um filme feito sem câmera?

A: Gosto de todas e cada uma das colocações que você faz a respeito, e também que você faça essa comparação com o fazer de um co-zinheiro. Nessa linha temos as referências dos livros de Helen Hill (‘Recipes for Disaster. A handcrafted film cookbooklet’, 2005), Steven Woloshen (‘Recipes for Reconstruction: The Cookbook for the Frugal Filmmaker’, 2010), ou mais recentemente o de Esther Urlus (‘Re:inventing the Pionners: film experiments on handmade silver gelatin emulusion and color methods’ 2013). Todos eles tratam o tema como se tratasse de cozinha, comparti-lhando suas receitas para transmitir conhe-cimentos através de fórmulas experimen-tadas, e depois como também acontece no contexto da cozinha, cada um ir colocar seu estilo e temperos pessoais para dar um gosto único e fazê-lo seu.

No meu caso concreto, também tenho meus cadernos de anotações a modo de recei-tas, de fórmulas ou ideias a testar, antes e durante a construção, por exemplo com G/R/E/A/S/E -que espero ou gostaria poder publicar a modo de fac-símile em algum momento-. Também tenho podido ver alguns dos cadernos de Tscherkassky em algum documentário para/com seu trabalho de “dark room”, e são bem interessantes e úteis durante o processo de trabalho. Mas o que quero dizer é, que meu modo de emprego do “cinema sem câmera” tem sido variado ao longo do tempo, e não estou me referindo aos modos das técnicas empregadas, mas sim à concepção das mesmas, minha relação com os materiais. Se tivesse que fazer uma síntese, seria um pouco como isto: nos primeiros tempos não foi outra coisa que um acercamento ao meio puro e duro, isto é, a partir do 35mm conhecer suas dimensões reais de trabalho - seja respeitando ou não a separação entre fotogramas, o nervo; os elementos que permitem intervir sem perder sua qualidade translúcida - apliquei diferen-tes tipos de tintas; e depois começar a brincar

com o tempo dos retalhos de filme, quase sempre aplicando elementos da realidade ou de meu entorno mais próximo como foram as peças de um quebra-cabeças, as impressões digitais da mão, colando fitas de Super 8 de outros filmes sobre transparente, etc. Adoro poder utilizar o dispositivo cinematográfico como uma lupa que amplia os elementos da realidade, ao mesmo tempo que lhes da uma outra temporalidade.

Gosto de entender a arte da cinematografia, como a de uma câmera que captura algo com o olhar e o inscreve -imprime- sobre um suporte, o comprime, o condensa,... e a conti-nuação é o projetor encarregado de esculpir na tela essa imagem encapsulada, projetá-la/atravessá-la com seu feixe de luz para ampli-á-la a uma nova escala. É ai onde entendo o “cinema sem câmera” tomado literalmente, isto é pulando esse primeiro passo, e tentan-do depositar esses elementos que podería-mos ter feito com a câmera, mas capturá-los ou colecioná-los realmente, em sua forma material e física, dispondo-os diretamente so-bre o suporte, para que depois seja o projetor o que nos apresente seus mistérios, texturas e segredos por meio do passo da luz dessas partículas ou elementos que arrastra consigo o celuloide -ou o suporte do qual esta feito o

formato, isto é, poliéster, acetato…-. Gosto de chamar os workshops que realizo de “Esculpir a luz”. Cada docente-cineasta tem um nome que o caracteriza e define sua concepção de aproximar-se ou entender essa forma de fazer, por exemplo Steven Woloshen nomeia suas oficinas “Scratchatopia” ou similares.

No conjunto das minhas peças dessas primei-ras buscas e paqueras com a dita técnica que

levei a cabo a partir de 1995, encarava elas como uma espécie de catálogo para uso pessoal, obrigava-me a levar a cabo uma prática-filme de uns 50 segundos até um máximo de dois minutos de uma única técnica específica, com o propósito de ver seu resultado a continuação. Tenho que esclarecer que na-quela época quando realizei todos esses testes não tinha podido ver em “movimento” o trabalho de Len Lye, Harry Smith ou Stan Brakhage, e muito menos em seus forma-

tos originais. É por isso que considero meus trabalhos daquele primeiro período como “early films”, com a ingenuidade que isso traz de primeiros acertos, testes, buscas, tateios, surpresas, encontros...e tropeços. Às vezes penso que foi uma lástima não poder ver no momento as obras dos mestres, e assim ter evitado todos esses trabalhos de teste e erro, e sobretudo os longos tempos investi-dos; mas ao mesmo tempo acho que foi um aprendizado importante para conhecer de perto, com paciência e perseverança algumas das possibilidades inerentes que esta técnica contém em seus meios e materiais. O meu, foi um caminho autodidata e solitário, pois a cidade onde nasci e cresci é pequena e afastada de outros grandes centros ur-banos, e minha família não tinha contato nenhum com o mundo das artes. Também

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essas circunstâncias, e as dificuldades de ter acesso a utilizar qualquer tipo de câmera de registro, levaram-me à utilização do trabalho direto com as mãos para levar a cabo minha vocação de fazer cinema que começou aos 13 ou 14 anos.

Voltando a esse conjunto de peças realizadas naquele período, começam a se destacar aquelas primeiras que despontam por seu caráter conceitual, e nas quais a duração é dada pela escolha do próprio elemento a inscrever sobre o suporte, tais são os exem-plos de ‘GIOCONDA / FILM’ o ‘Música visual en vertical’ (1999-2000), assim como a peça ‘Sumando al centro’ (2000-2001), na que a soma numérica de seu conteúdo da duração do “Plano.”

Depois, em sucessivas etapas este trabalho “sem câmera” tem transitado por obras com um vínculo mais conceitual como a citada tri-logia “Film quartet”, assim como as sucessivas que estou fazendo agora ou tenha na lista de espera para sua realização, mencionadas antes como a série “QR CODE” ou outra série inspirada na Op Art, a primeira desta série é “MOTION/RGB I”.

É interessante assinalar que justo no trabalho realizado em ‘KINOSTURM KUBELKA / 16 variaciones’ (2009), minhas intensões se centravam em pesquisar sobre o intervalo, nos ‘entres’ dos que também comentou Werner Nekes. Isto é, ao mesmo tempo que pegava a conhecida obra de Peter Kubelka “Arnulf Rainer” (1958-1960), para fazer uma remake adaptando-a a minha concepção de

montagem do “film quartet”, pretendia mostrar o corte do qual o filme estava construído, mostrar literalmente o corte, fazê-lo visível, tirá-lo de sua função de nervo que une cada um dos fotogramas. A partir do conceito de “film quartet”, com o agregado de não ter referências para o operador do projetor que determine onde está a ponta de início ou de fim do filme, assim como tampouco uma composi-ção “correta” para estabilizar a imagem em suas 4 perfurações, permite que um mesmo troço de filme contenha em si mesmo 16 versões distintas, sendo o acaso quem determine qual delas será projetada. Mais uma vez, trata-se de procurar novas possibilidades de como poderia ser entendido o dispositivo cinematográfico, ao mesmo tempo que se propõe uma reflexão sobre seus próprios elementos a modo de “meta-cinema” ou “para-cinema”, descobrindo novas potencialidades contidas nele mesmo.

S: Um elemento proeminente no seu cinema é a música, que vai desde o uso de partituras na hora de conceber um filme, como foi o caso de “KINOSTURM KUBELKA / 16 variaciones” até a notável parceria em G/R/E/A/S/E com Dirk Schaefer. Para falar de música, antes de tudo é falar de ritmo, de modulação de ritmos. Como você sente que um pensamento musical/composicio-nal acontece no seu trabalho, assim como a noção de ritmo? De igual modo lembro uma conversa que tivemos, onde você me falava de ter atingido uma suspen-são crítica, uma atmosfera imersiva em G/R/E/A/S/E, que a meu ver passa muito pelo uso da música. Talvez você poderia falar mais um pouco sobre este ponto, pensando a relação cinema experimental/música e a parceria que você tem pensado fazer com John Zorn para seu próximo filme MACBETH /The Empire State.

A: A utilização de elementos provenientes da “linguagem” ou para melhor dizer da discipli-na da música, como a maioria dos elementos

que tem se integrado em minhas formas de construir os filmes, tem sido um processo orgânico, natural e não premeditado ou for-çado...Tenho chegado a esse ponto não como uma meta, mas como um ponto de partida. Apoiando-me de outros elementos que fun-cionam muito bem no contexto para o qual foram pensados, e graças a essa transposição que se repete de maneiras diversas em cada projeto, consigo que se libere de um enclave original, como acontece na essência do traba-lho de “found footage film” ou de apropria-ção, para assim transitar num novo contexto e ser utilizado com outras finalidades.

Entendo sempre este conceito como uma for-ma de expandir suas possibilidades, quebrar com os limites estabelecidos, explorar as po-tencialidades implícitas que estão contidas, pensá-las desde outra perspetiva, despojá-las de sua domesticação - no caso particular do pentagrama musical - que se aplique a novos contextos. Uma ideia que prevalece neste sentido, é a de poder representar em um troço de papel uma estrutura de montagem

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que me permita ter uma visão de conjunto, algo que gosto de outras disciplinas visuais como é a pintura. Graças à partitura musical, utilizada como anotação de montagem, consigo escrever previamente ou depois do trabalho de montagem, sua estrutura interna para construir o quebra-cabeças, representar sua arquitetura de luz interna ou organismo. Desse modo posso fazer uma leitura das du-rações dos planos ou fragmentos do filme, entender de alguma maneira os ritmo que desejo desenvolver, e ao mesmo tempo facilita o trabalho para materializar a monta-gem seguindo o padrão criado no papel. É uma forma de ordenar o trabalho a ser feito, e de conseguir pensá-lo quase de uma maneira matemática, como poderia fazer um músico quando escreve uma composição.

Gosto às vezes de fazer o caminho inverso, partir de uma montagem intuitiva, deixar-me levar pelo material que tenho nas minhas mãos, e uma vez visto na moviola, passá-lo ao papel para assim perceber melhor a essência dos ritmos. Este procedimento funciona mui-to bem sobretudo quando realizo o trabalho de quebrar o fotograma em 4 partes, a citada técnica “film quartet”. O fato de empregar a partitura é para capturar criativamente esses ritmos internos da montagem, seja antes de sua realização ou depois para dar conta e

conseguir visua-lizá-los para além da projeção. Sinto que a figura de Paul Sharits neste contexto específico influenciou-me muito, gosto da ideia de ter em pa-pel certos desenhos codificados que fazem referência ao conteúdo e so-bretudo aos ritmos internos do filme, é como “congelar” o tempo, a velocida-de e movimento e (re)tê-los ou (con)tê-los num único esquema ou diagra-ma visual. Também tenho muito pre-sente as partituras “livres” e muito

visuais do músico e compositor Frank Zappa, nas quais tentava capturar seus delírios sonoros ou criativas composições musicais em desenhos como é o caso de ‘The Yellow Shark’ (1993). As partituras visuais do catalão Josep Maria Mestres Quadreny, são também um bom exemplo. Nesta linha encontro também influências nas partituras de Oskar Fischinger ou nas obras de Paul Klee.

No caso particular de ‘G/R/E/A/S/E’, a parceria com Dirk Schaefer consistiu em propor um diálogo aberto, para encontrar o design so-noro adequado. Em nosso primeiro encontro presencial, em seu apartamento-estúdio em Berlim, levei uma primeira versão do filme para vê-la juntos várias vezes, estudar suas possibilidades, e a partir dali ele começaria a trabalhar. Simultaneamente, no quarto do lado eu comecei a fazer novas versões do filme, acrescentando novos elementos

de acordo com as proposta sonoras do Dirk para ir fazendo uma construção conjunta e colaborativa.

Fizemos varias sessões de scratch com vinis da trilha sonora do filme original. Eu fiz alte-rações nos vinis e depois fizemos capturas normais da trilha, que Dirk empregou para criar partes do design sonoro. Trabalhando a distância - Berlim /Berna- íamos trocando fragmentos já em sincronia com a imagem, como a cena da corrida de carros. Cada vez encontrava-me com gratificantes surpresas por conta do acontecido na imagem em contato com a trilha sonora em processo, que depois ajudavam-me também a avançar nas novas versões da montagem do filme.

Desde o começo da produção do filme, já se passaram 5 anos, sendo que o primeiro ano e meio foi para conhecer e estudar o material, com anotações e storyboards. Uma análise detalhada de como poderia proceder com o material, desde suas possibilidades de intervenção até o estado da cópia em 35mm que usei. Durante esse mesmo período realizei também esquemas e diagramas - seguindo a técnica do “film quartet”- ava-liando as possibilidades de montagem que poderia aplicar no material. Os dois anos seguintes foram única e exclusivamente de intervenção do material, sendo que às vezes o trabalho levava jornadas de até 13 horas diárias. A intervenção direta do 35mm teve uma ampla variedade de técnicas do ‘cinema sem câmera’ assim como de novas de minha própria invenção. Foi um tempo de muita concentração e dedicação física. O ano e meio restante estive dedicado ao trabalho na parte musical e de reajustes na montagem a partir das sucessivas versões acontecidas. Mais ou menos dos 43 minutos totais mani-pulados, o resultado final foi de 21 minutos de duração… Muito material ficou fora trás cada nova versão da montagem. ‘G/R/E/A/S/E’ foi finalizado em cópia em 35mm (CinemaS-

cope) com mixagem de som Dolby Digital realizada com Ricard Casals, nos desapareci-dos estúdios Sonoblok de Barcelona.

Sobre a “suspensão crítica”, lembro ter falado do tema, pois depois de várias prejeções do filme foi que percebi esse fato. Uma reflexão que poderia elaborar da seguinte maneira: desde sempre uma caraterística básica do ci-nema de vanguarda e experimental tem sido fazer visível seu artifício. Tudo isso para que o espetador não se identificasse com o pro-jetado na tela e suas interrupções constantes atrapalhar a “narrativa” da obra por deixar aparente a construção do filme, ao mesmo tempo que ele acontece. Em ‘G/R/E/A/S/E’ mesmo apresentando toda a materialidade do filme, sua construção e artificio, seus riscos e intermitências dos planos que compõem e descompõem o movimento, etc., há uma capacidade de manter-nos dentro do filme, essa “suspensão critica” que nos permite mergulhar nele mesmo com sua estrutura de-sorganizada, e demais elementos integrados no filme.

Acredito que parte deste efeito acontece porque partimos de um material que o es-petador conhece muito bem, onde ele sabe qual é o enredo original. Acontece então um quebra-cabeças na cabeça do espetador entre o filme de 1978 e sua composição/descompõem em ‘G/R/E/A/S/E’, os dois filmes coexistindo, e criando uma nova camada no e do próprio filme. De fato é algo que eu já tinha experimentado ao ver pelo menos duas das peças da trilogia CinemaScope de Tscherkassky, ‘Outer Space’ (1999) e ‘Dream Work’ (2001), além de ‘Instructions for a Light and Sound Machine’ (2005) –para a qual Dirk Schaefer realizou a trilha sonora-. Em todas elas podemos reconhecer o filme original, sobretudo na última, cuja fonte é o famoso western do italiano Sergio Leone, ‘Il buono, il brutto, il cattivo’ (1966). Os procedimen-tos sobre a matéria fílmica são nítidos e ao

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mesmo tempo uma pulsão narrativa através de sus intensidades perdura. Acontece algo parecido em alguns filmes de Bill Morrison, como ‘Light Is Calling’ (2004) ou ‘The Mesme-rist’ (2003), mas nesses casos seria já outro o problema...

Ao respeito do trabalho a ser feito com John Zorn, será um tanto diferente, suponho. O nosso acordo é que eu lhe levarei uma montagem orientativa do longa-metragem realizado. Iremos para um estúdio de grava-ção com 4 ou 5 músicos que tocarão sobre o filme ao longo de várias sessões contratadas até atingir um resultado satisfatório. A partir desses takes das sessões com os músicos, poderei re-editar de novo o filme incorpo-rando a música, efeitos sonoros, e demais... com a liberdade de poder utilizar a música de Zorn abertamente, cortando e colando ali onde o próprio material visual o necessi-te. Esta foi uma das caraterísticas que mais gostei da forma do Zorn entender o trabalho, e uma das razões pelas quais escolhi ter uma parceria com ele -além de minha admiração por muitos de seus trabalhos e trilhas sonoras já realizados-. Foi em uma conversa com Abigail Child lá em 2009 em Barcelona, a partir de seu trabalho ‘The Future is Behind You’ (2005), que fiquei sabendo da forma de trabalho do Zorn com a parceria que estabe-leceu com ela, e pensando em meu trabalho para ‘MACBETH / The Empire State’ acreditei que seria perfeito este método de concepção aberta de ida e volta. O fato de poder aplicar e construir com a música não partindo de uma montagem fechada, mas sim que a música seja matéria prima para construir atmosferas, desenvolver conceitos “fílmico-sonoros”, antes que leitmotivs enfáticos para uma “narração”. Ir para além de um entendi-mento convencional da música no cinema, como algumas das ideias do alemão Theodor Adorno. Resumindo, trabalhar com Zorn me permitirá ter as liberdades que o próprio material e projeto exigem.

S: Ao mesmo tempo pensar em música, é pensar em montagem. Lembro que você me disse que gosta de transpor teorias do “cinema convencional” para o cinema experimental como as que tem proposto Walter Murch. Como você sente que suas ideias e outras de montagem mais “nar-rativo ou convencional” tem influenciado seu trabalho?

A: Bom, sempre falo isso como um jogo que me diverte, isto é, por exemplo uma das teorias de Murch é que o corte de um plano a outro tem que -ou deveria- coincidir justo com o piscar do espetador, é ali onde respira o plano e sincroniza-se com o piscar da plateia… ele tem vários exemplos dos que gosto ou supostos experimentos em seu livro ‘In the Blink of an Eye. A perspective on Film Editing‘ (1992) a respeito desse sincronismo. Mesmo assim, acredito que esse sincronismo ou teoria perde sentido diante de filmes limi-tes como ‘La Région Centrale’ (Michael Snow, 1971), algum de Sharits ou de Tony Conrad na linha dos flicker films. Nesse sentido teríamos que criar nossas próprias referências teóricas, algo assim como o que fez o próprio Hollis Frampton em alguns de seus celebres textos.

Respondendo a sua pergunta, sinto que gosto destas teorias porque aprendo delas, e depois aplicadas no território do experimen-tal seguem tendo certa validade, mesmo que seja para seguir por outra direção… mas elas contém um ponto de partida. Só que não se correspondem diretamente, mas servem de mapa, seja para seguí-las ou para quebrá-las. Sempre gostei de ter presente este exemplo, que para responder mal a um questionário de respostas tipo A, B, C, ou D, é preciso saber a resposta correta, pois se o fazemos na base da sorte, em algum momento acertaremos e teremos falhado nosso propósito. Assim é como em alguns casos avançava Brakhage em algumas de suas buscas, quando ia em contra das indicações dos manuais. Conhecer

as regras e teorias para subvertê-las. Então entramos no território das desobediência e irreverências, algo que me apaixona muito.

Algo que gostaria de destacar é, que foi gra-ças às leituras dos textos de Dziga Vertov e do próprio Murch (‘The Conversations: Walter Murch and the Art of Editing Film’, 2002) que comecei a incorporar no meu trabalho uma “notação de montagem cinematográfica”. Elemento fundamental para chegar até a trilogia “Film Qurtet” como já ficou claro mais acima. Nessa lógica de anotações e esque-mas, também foi determinante a influência mesmo que inconsciente do trabalho reali-zado por Paul Sharits. É uma viagem de ida e volta pegar ideias que vem de outros campos (música, pintura) e levá-las ao território do experimental, onde elas podem ter outra particularidade.

Em certo sentido, inconscientemente tenho incorporado nos próprios títulos de meus filmes uma mostra visual do corte cinema-tográfico, como podemos ver nessas barras diagonais [/] em muitos dos títulos de minha filmografia. É uma forma de fazer visível essa referência aos cortes no próprio título que os contém e anuncia, assim como incorpo-rar algum gráfico ou esquema nos créditos finais do filme, como em ‘FILM QUARTET / POLYFRAME’.

S: E nessa relação de ideias de montagem você sente que há uma especificidade que faz particular a montagem no cinema experimental?

A: É complexo e não acredito que exista uma única maneira de entender a montagem dentro do experimental, do mesmo modo que não existe uma única maneira de aplicar a montagem no convencional. Mas com certeza há significativas diferenças entre um e outro, assim como migrações. A época de MTV é um bom exemplo da migração

de procedimentos do experimental para o mainstream.

Há alguns tipos de montagens que até o dia de hoje continuam me surpreendendo, os cortes de ‘Meshes of the Afternoon’ (Maya Deren, 1943); de autores mais contemporâ-neos gosto do estilo do inglês John Smith y su ‘Blight’ (1996) ou mais recentemente o trabalho do prolífico Robert Todd, em obras como “Short” (2013).

Cada um deles tem seu estilo determinado e pessoal, que lhes ajuda a atingir os resul-tados desejados para cada projeto. Nesse sentido não podemos generalizar e almejar algo assim como um catálogo ou “manual de montagem experimental”. Mas para mim é claro que seus procedimentos são mais ricos e diversos que os do “convencional” e certamente tem chegado a lugares muito mais sugestivos e complexos. O fato de não estar ancorado a uma vontade narrativa e uma grande liberdade para a montagem… às vezes essa liberdade vaza e atinge às lógicas de filmes que circulam do lado do comercial/convencional como a raridade de “Enter the Void’ (Gaspar Noé, 2009), mas é só uma exceção.

Também poderíamos destacar que no experimental a ideia de montagem tem que ser ‘visível’, isto é, que não se oculta e faz parte da própria linguagem ou se converte no próprio protagonista do filme, o oposto à “montagem invisível” que predomina no cinema de Hollywood. Seu lema era, ou ainda é: “quanto menos se note o corte, melhor”, isto é uma montagem “correta”.

Uma montagem “incorreta” que mostra o cor-te, pode por exemplo se apresentar na forma de montagem em câmera que cria cadências na própria filmagem, como podemos ver no cinema de Jonas Mekas ou Marie Menken em certas peças como ‘Andy Warhol’ (1965).

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Assim como a “montagem por contato” do argentino Pablo Mazzolo ou a montagem de “quarto obscuro” de Tscherkassky.

Estes casos servem para demostrar que a lista de possibilidades é muito extensa, sendo ela na verdade infinita. Poderíamos dizer quase que para cada peça nova, uma montagem tem que ser inventada.

Para encerrar essa pergunta gostaria dizer que poderíamos pensar um filme feito “sem câmera” como um longo plano sequência, se aplicamos os termos do cinema conven-cional, pois está feito de sua sucessão como poderia ser ‘Mothlight’ (Stan Brakhage, 1963), peça na que de fato não se respeita a separa-ção que estabelece os frames… quebra com tudo isso, o filme é uma superfície continua/ plano sequência. Ao invés de ‘REcreation’ (1956) de Robert Breer, onde cada segundo contem um 1/24 de imagem diferente e autônomo.

S: Para que terminemos de momento deste lado do Atlântico, saindo um pouco do processo criativo e voltando a sua fase como curador, gostaria que você me falas-se um pouco de sua relação com o cinema experimental latino-americano. No passa-do você foi curador de “Cine a Contracor-

riente”, evento que deixou um importante precedente para pensar a produção destas latitudes. E no momento você encara um novo projeto curatorial onde tem começa-do a mapear o “cinema sem câmera” feito na região. Você se animaria a propor um diagnóstico ao respeito? Você sente que é possível identificar alguma(s) singulari-dade(e) nas produções latino-americanas atuais ou históricas?

A: Ainda é muito cedo para fazer um diag-nóstico. Tenho feito algumas viagens de pesquisa de campo, para conhecer de perto os contextos de produção de alguns países, assim como estabelecer conversações com alguns dos realizadores atuais ou bem com os familiares ou herdeiros dos cineastas. Sim, poderíamos estabelecer um antes e um de-pois entorno dos anos 1980, isto é, os filmes que tenho podido ver das décadas de 1950 e 1970 tem uma forte influência por parte do trabalho desenvolvido pelo National Film Bo-ard of Canada, particularmente pela figura de Norman McLaren, que teve um intenso con-tato com cineastas da região. Esse período foi muito rico em experimentos que dialogavam fortemente com a estética de McLaren. A par-tir dos anos 80 essa influência perde força, e os trabalhos são mais de pesquisa formal. Na atualidade há um forte ressurgimento deste

tipo de técnicas, coletivos e comunidades que tem revitali-zado os trabalhos desta linha e que estão bastante articulado se cientes do que acontece em outros contextos. O interes-sante é que há uma grande diversidade, para além da ani-mação figurativa ou a “música visual”, linhas mais conceituais aparecem como no trabalho de Jorge Lorenzo Flores Garza, em seu recente ‘On the Road by Jack Kerouac’ (2013).

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fRAgMentARISMO HORIZOntAL. UM MAnIfeStOPor Antoni Pinent

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fragmentar//ismo [HORIZONTAL]

El cine[matógrafo] es nuestra droga. El polifotograma (en) + la notación cinematográfica, lo último para colocarnos. Nuestra epifanía:

Lo que se propone en esta obra es otra vez una mirada hacia la esencia del cinematógrafo. Pero en esta ocasión con una perspectiva histórica y situada en nuestro contexto. De nuevo se propone una actualización del análisis del espacio, el tiempo y la luz [percepción]. Manifiesto para una invitación al inicio de las CUARTAS VANGUARDIAS. BIENVENIDOS AL PERIODO DEL fragmentar//ismo. Dejemos este largo período de individualismos y volvamos a agruparnos. 2 granos de arena no forman un desierto. Estamos cansados por este deslumbramiento de la adoración de la superficie [emulsión] de la película. La apertura de laboratorios independientes también ha tenido su lado negativo. Ya va siendo hora de dejar atrás este periodo y adoptar un compromiso de cambio.

Dejemos a un lado las drogas blandas sintéticas para pasar a algo más duro, que nos haga SENTIR. La esencia de la luz // no luz. Volvamos otra vez a la militancia de la contracultura. NO QUEREMOS SER LOS PRIMEROS EN NADA. NI HACER NINGÚN DESCUBRIMIENTO. NO PRETENDEMOS SER MÁS QUE NADIE. HACEMOS ESTO POR NECESIDAD, NO TENEMOS OTRA ALTERNATIVA. Cuando nos quema algo en el interior sólo sabemos sacarlo, sino ardemos irremisiblemente. Aunque somos consecuentes y responsables de lo que puede acontecer. Radiografía sintomática de nuestra sociedad acelerada a partir de una tangibilidad en vías de extinción. Estamos viviendo en un periodo de excesiva velocidad de las imágenes. Con esta cuarta vanguardia pretendemos poner freno a esta velocidad y digerir de una manera sana la cantidad de imágenes que nos invaden en el día a día. Vamos a crear imágenes para compartir en la intimidad cuando la luz de la pantalla haya cesado. Vayamos en contra dirección de las imágenes de consumo rápido, antes de que ellas nos consuman a nosotros. EL CINE ES UN LABORATORIO PARA DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES. VIVA LA CIENCIA DE LA INVOLUCIÓN. A partir de los fragmentos -grandes o pequeños-, inconscientemente, devienen un discurso articulado, casi sin apreciar esa unidad que parece no existir en su conjunto.

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fragmentar//ismo [HORIZONTAL]

El cine[matógrafo] es nuestra droga. El polifotograma (en) + la notación cinematográfica, lo último para colocarnos. Nuestra epifanía:

Lo que se propone en esta obra es otra vez una mirada hacia la esencia del cinematógrafo. Pero en esta ocasión con una perspectiva histórica y situada en nuestro contexto. De nuevo se propone una actualización del análisis del espacio, el tiempo y la luz [percepción]. Manifiesto para una invitación al inicio de las CUARTAS VANGUARDIAS. BIENVENIDOS AL PERIODO DEL fragmentar//ismo. Dejemos este largo período de individualismos y volvamos a agruparnos. 2 granos de arena no forman un desierto. Estamos cansados por este deslumbramiento de la adoración de la superficie [emulsión] de la película. La apertura de laboratorios independientes también ha tenido su lado negativo. Ya va siendo hora de dejar atrás este periodo y adoptar un compromiso de cambio.

Dejemos a un lado las drogas blandas sintéticas para pasar a algo más duro, que nos haga SENTIR. La esencia de la luz // no luz. Volvamos otra vez a la militancia de la contracultura. NO QUEREMOS SER LOS PRIMEROS EN NADA. NI HACER NINGÚN DESCUBRIMIENTO. NO PRETENDEMOS SER MÁS QUE NADIE. HACEMOS ESTO POR NECESIDAD, NO TENEMOS OTRA ALTERNATIVA. Cuando nos quema algo en el interior sólo sabemos sacarlo, sino ardemos irremisiblemente. Aunque somos consecuentes y responsables de lo que puede acontecer. Radiografía sintomática de nuestra sociedad acelerada a partir de una tangibilidad en vías de extinción. Estamos viviendo en un periodo de excesiva velocidad de las imágenes. Con esta cuarta vanguardia pretendemos poner freno a esta velocidad y digerir de una manera sana la cantidad de imágenes que nos invaden en el día a día. Vamos a crear imágenes para compartir en la intimidad cuando la luz de la pantalla haya cesado. Vayamos en contra dirección de las imágenes de consumo rápido, antes de que ellas nos consuman a nosotros. EL CINE ES UN LABORATORIO PARA DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES. VIVA LA CIENCIA DE LA INVOLUCIÓN. A partir de los fragmentos -grandes o pequeños-, inconscientemente, devienen un discurso articulado, casi sin apreciar esa unidad que parece no existir en su conjunto.

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Mostramos intencionadamente lo que hay entre las imágenes. Los nervios de los fotogramas. Ese choque de dos signos fotográficos. A la atención de NEKES, SHARITS, KUBELKA. Esta es nuestra primera y única aportación (VER NOTA ABAJO). No queremos mejorar o “perfeccionar” nuestra técnica, ni profundizar en los contenidos que proponemos. Estamos cansados de ver cómo grandes artistas que admiramos se repiten una y otra vez cuando encuentran su estilo, su modo de expresión, su propia voz que les diferencia. Les admiramos por ello, pero una vez han encontrado “eso” es mejor desaparecer y cambiar de registro, explorar otros horizontes, CAMBIAR DE IDENTIDAD, DESAPARECER. NO QUEREMOS LLEGAR A SER UNA REPETICIÓN DE NOSOTROS MISMOS, NI SER UNA MARCA A VENDER. ANTES PERECEREMOS. … basta ya de estudiar la historia del arte por las fechas de nacimiento y muerte del autor. Antes que nada son personas y por ello incoherencias del tiempo. Si se utiliza el formato 35 mm para esta pieza, no es debido a sus pretensiones de obra mayor emparentada por tradición con la industria, de coste superior, de circuito comercial en sala de exhibición. Sino que su motivo es debido a que está construida a partir de desechos de otras obras y de fotografías capturadas con nuestras cámaras fotográficas de 35 mm, súper 8 y Polaroid SX-70, retales de tiempo que ocupan un espacio. Es por ello que resulta una pieza barata y obligatoriamente realizada también en dicho soporte para poder desarrollar el fragmentar//ismo espacial que lleva intrínseco en su constitución corporal. Ejecutado todo sin moviola, a mano y con una a simple mesa de luz, tijeras y empalmadoras de celo. Volvemos de nuevo a poner encima de la mesa la disyunción del significante con el significado, o si se prefiere en términos más convencionales: el continente del contenido.

/ INESTABILIDAD // NO CONTROL (exceso de control) / / DESTRUCCIÓN (autodestrucción) // SENDEROS INEXPLORADOS / / INCOMUNICACIÓN // ANGUSTIA // EPILEPSIA // SENTIRSE MUERTO // DESTRUIR - EJECUTAR LAS EMOCIONES / / IMPOTENCIA // CAPTURAR LO IRREPETIBLE / / INCOHERENCIAS EN EL COMPORTAMIENTO / / INTERMITENCIAS // PROGRAMAR INCIDENTES - ACCIDENTES / / CONTRADICCIONES // ANSIEDAD // ASIMETRÍA (exceso de simetría) // VELOCIDAD INCONTRALADA // FILMDICCIÓN (adicción a las películas) // REPETICIÓN (vaciado de sentido) / / AMPUTACIÓN // LAGUNAS (vacíos) // SILENCIOS (exceso de sonido) // INMOVILIDAD (exceso de velocidad) // INCOMUNICACIÓN/ / INSTINTO VISUAL // DESNATURALIZAR (-ción) // ABSURDIDAD/ / NO PODER VERBALIZAR // ECOLOGÍA DE LA IMAGEN / VIVIMOS [TODA LA SOCIEDAD] ANESTESIADOS SIN REACCIONAR A NADA. ¿Cómo llegar a un estado de inconsciencia desde el lado racional? / INESTABILIDAD // AUSTERIDAD EN LOS ELEMENTOS // MENOS ÉS MÁS (- es +) // CONSTRUCCIONES DÉBILES // HIBRIDACIONES/ / PICNOLEPSIA // OBSESIÓN // MESTIZAJE // IMPERFECCIÓN / / AMBIGÜEDAD // SER INTANGIBLE // ASOCIAL // ANULACIÓN / / SIMULTANEIDAD ESPACIO-TIEMPO // DESINFORMACIÓN / / TORPEZA // SALTOS EN EL TIEMPO // ALUCINACIÓN // DÉJÀ VU// INSTANTES DE ENAJENACIÓN // CONFUSIÓN / / TRASTORNO DEL SUEÑO // ALIENACIÓN // SOLEDAD / / INCOMUNICACIÓN // INUTILIDAD // DECONSTRUCCIÓN / / PERDER LA IDENTIDAD // INTERMITENCIAS // DESUNIR-COMPARTIMENTAR // JET LAG // REPETICIONES // ORDEN DENTRO DEL CAOS // ESTADO DE CREACIÓN = ÉXTASIS / / ENFRENTAR LA MIRADA // DARSE CONTRA LA PARED / / DISCONTINUIDAD // ATENTAR CONTRA LAS ESTRUCTURAS / / DESUBICACIÓN // AUTISMO // ARREBATOS /

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Mostramos intencionadamente lo que hay entre las imágenes. Los nervios de los fotogramas. Ese choque de dos signos fotográficos. A la atención de NEKES, SHARITS, KUBELKA. Esta es nuestra primera y única aportación (VER NOTA ABAJO). No queremos mejorar o “perfeccionar” nuestra técnica, ni profundizar en los contenidos que proponemos. Estamos cansados de ver cómo grandes artistas que admiramos se repiten una y otra vez cuando encuentran su estilo, su modo de expresión, su propia voz que les diferencia. Les admiramos por ello, pero una vez han encontrado “eso” es mejor desaparecer y cambiar de registro, explorar otros horizontes, CAMBIAR DE IDENTIDAD, DESAPARECER. NO QUEREMOS LLEGAR A SER UNA REPETICIÓN DE NOSOTROS MISMOS, NI SER UNA MARCA A VENDER. ANTES PERECEREMOS. … basta ya de estudiar la historia del arte por las fechas de nacimiento y muerte del autor. Antes que nada son personas y por ello incoherencias del tiempo. Si se utiliza el formato 35 mm para esta pieza, no es debido a sus pretensiones de obra mayor emparentada por tradición con la industria, de coste superior, de circuito comercial en sala de exhibición. Sino que su motivo es debido a que está construida a partir de desechos de otras obras y de fotografías capturadas con nuestras cámaras fotográficas de 35 mm, súper 8 y Polaroid SX-70, retales de tiempo que ocupan un espacio. Es por ello que resulta una pieza barata y obligatoriamente realizada también en dicho soporte para poder desarrollar el fragmentar//ismo espacial que lleva intrínseco en su constitución corporal. Ejecutado todo sin moviola, a mano y con una a simple mesa de luz, tijeras y empalmadoras de celo. Volvemos de nuevo a poner encima de la mesa la disyunción del significante con el significado, o si se prefiere en términos más convencionales: el continente del contenido.

/ INESTABILIDAD // NO CONTROL (exceso de control) / / DESTRUCCIÓN (autodestrucción) // SENDEROS INEXPLORADOS / / INCOMUNICACIÓN // ANGUSTIA // EPILEPSIA // SENTIRSE MUERTO // DESTRUIR - EJECUTAR LAS EMOCIONES / / IMPOTENCIA // CAPTURAR LO IRREPETIBLE / / INCOHERENCIAS EN EL COMPORTAMIENTO / / INTERMITENCIAS // PROGRAMAR INCIDENTES - ACCIDENTES / / CONTRADICCIONES // ANSIEDAD // ASIMETRÍA (exceso de simetría) // VELOCIDAD INCONTRALADA // FILMDICCIÓN (adicción a las películas) // REPETICIÓN (vaciado de sentido) / / AMPUTACIÓN // LAGUNAS (vacíos) // SILENCIOS (exceso de sonido) // INMOVILIDAD (exceso de velocidad) // INCOMUNICACIÓN/ / INSTINTO VISUAL // DESNATURALIZAR (-ción) // ABSURDIDAD/ / NO PODER VERBALIZAR // ECOLOGÍA DE LA IMAGEN / VIVIMOS [TODA LA SOCIEDAD] ANESTESIADOS SIN REACCIONAR A NADA. ¿Cómo llegar a un estado de inconsciencia desde el lado racional? / INESTABILIDAD // AUSTERIDAD EN LOS ELEMENTOS // MENOS ÉS MÁS (- es +) // CONSTRUCCIONES DÉBILES // HIBRIDACIONES/ / PICNOLEPSIA // OBSESIÓN // MESTIZAJE // IMPERFECCIÓN / / AMBIGÜEDAD // SER INTANGIBLE // ASOCIAL // ANULACIÓN / / SIMULTANEIDAD ESPACIO-TIEMPO // DESINFORMACIÓN / / TORPEZA // SALTOS EN EL TIEMPO // ALUCINACIÓN // DÉJÀ VU// INSTANTES DE ENAJENACIÓN // CONFUSIÓN / / TRASTORNO DEL SUEÑO // ALIENACIÓN // SOLEDAD / / INCOMUNICACIÓN // INUTILIDAD // DECONSTRUCCIÓN / / PERDER LA IDENTIDAD // INTERMITENCIAS // DESUNIR-COMPARTIMENTAR // JET LAG // REPETICIONES // ORDEN DENTRO DEL CAOS // ESTADO DE CREACIÓN = ÉXTASIS / / ENFRENTAR LA MIRADA // DARSE CONTRA LA PARED / / DISCONTINUIDAD // ATENTAR CONTRA LAS ESTRUCTURAS / / DESUBICACIÓN // AUTISMO // ARREBATOS /

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Con esta película también queremos pronunciar la muerte del rostro humano. Detrás de cada texto, de cada foto, de cada historia existe una persona, una persona que muere. Dejemos que los conceptos abstractos, las pequeñas cosas, lo sublime de los detalles sean los protagonistas. Acciones recibidas… No queremos rostros muertos para nuestra película, preferimos objetos perennes. O PERSONAS AMPUTADAS. NO QUEREMOS MORIR, PORQUE YA ESTAMOS MUERTOS. ¿Es el celuloide una especie en extinción a proteger? Nosotros no queremos protegerlo, si debe (TIENE QUE) morir nosotros seremos los primeros en ASESINARLO, pero dejando patente sus múltiples posibilidades que le quedaron por mostrar y desarrollar. VAMOS A MORIR CON ÉL, PERO PARA DESAPACER ETERNAMENTE, NO PARA ENTRAR POR LA PUERTA GRANDE DE LOS SANTUARIOS [MUSEOS]. NO QUEREMOS SER ARQUEÓLOGOS NI UNA ONG DEL CELULOIDE. NO QUEREMOS SER UN OBJETO A (RE)VISITAR COMO EL RECUERDO-POLVO EN UN CEMENTERIO. Las nuevas generaciones no reconocerán a sus bisabuelos, nacerán digitalizados. No sabrán contar más que del 0 al 1 y del 1 al 0. Las teorías de S. M. Eisenstein o Peter Kubelka sobre el espacio y tiempo mínimo del cinematógrafo [el fotograma] quedan dinamitadas con esta nueva película: el fotograma se rompe y queda fragmentado. Esas teorías están inscritas en la historia, pero la actual es otra. No seamos intelectuales sino agitadores culturales. VIVAN LAS CONTRADICCIONES.

Para que los historiadores del arte no tengan que perder su tiempo en investigaciones, vamos a dar aquí el nombre de ALGUNAS de las personas que, de manera directa o indirecta, reflejan en este film-manifiesto sus no influencias, todos excepto: Walter Murch, Paul Virilio, John Zorn, Mimmo Rotella, Paul Klee, Robert Stam, Paolo Cherchi Usai, Cut – Ups Films (Brion Gysin, William S. Burroughs, Antony Balch), Arnold Schönberg, Mark Rothko, Thaumatrope, Dziga Vertov (especialmente su The Man With The Movie Camera, 1929, musicada por The Alloy Orchestra en 1995), Ken Jacobs (Window, 1964), Marcel Broodthaers, Paul Sharits (Fluxfilm 26-29, 1965; T,O,U,C,H,I,N,G, 1968; N:O:T:H:I:N:G, 1968; entre otras), los textos de Hollis Frampton, Ernie Gehr (Wait, 1967), Mr. Random, Abigail Child (Mercy, 1989), Peter Kubelka (Arnulf Rainer, 1958-60), Ètienne-Jules Marey, Gary Beydler (Pasadena Freeway Stills, 1974), MEKAS’ GLIMPSES, Craig Baldwin (Wild Gunman, 1978; y su aportación de material de 35mm de su archivo personal), Peter Tscherkassky (Trilogía CinemaScope; Get Ready, 1999; y su Intructions for a Light and Sound Machine, 2005), Bill Morrison (The

Death Train, 1993), las teorías de S.M. Eisenstein, Pablo Ruiz Picasso (los inicios y todo el cubismo), Kazimir Malevich, Albert Einstein, la pasión por el cine de Jean-Luc Godard y la inventiva de José Val del Omar. Reivindicamos la oscuridad, la no luz, en contra de la luz negra de los videoproyectores. Reivindicamos la mecanicidad de los proyectores. La parte más física y tangible de la imagen. Queremos acariciar la imagen con la mirada no con la mente. El cine no es un lenguaje, sino el experimental estaría repleto de faltas de ortografía. O al menos vamos a considerar el experimental [cine experimento] como un dialecto. Queremos un espectador activo-abierto para nuestros ejercicios.

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Con esta película también queremos pronunciar la muerte del rostro humano. Detrás de cada texto, de cada foto, de cada historia existe una persona, una persona que muere. Dejemos que los conceptos abstractos, las pequeñas cosas, lo sublime de los detalles sean los protagonistas. Acciones recibidas… No queremos rostros muertos para nuestra película, preferimos objetos perennes. O PERSONAS AMPUTADAS. NO QUEREMOS MORIR, PORQUE YA ESTAMOS MUERTOS. ¿Es el celuloide una especie en extinción a proteger? Nosotros no queremos protegerlo, si debe (TIENE QUE) morir nosotros seremos los primeros en ASESINARLO, pero dejando patente sus múltiples posibilidades que le quedaron por mostrar y desarrollar. VAMOS A MORIR CON ÉL, PERO PARA DESAPACER ETERNAMENTE, NO PARA ENTRAR POR LA PUERTA GRANDE DE LOS SANTUARIOS [MUSEOS]. NO QUEREMOS SER ARQUEÓLOGOS NI UNA ONG DEL CELULOIDE. NO QUEREMOS SER UN OBJETO A (RE)VISITAR COMO EL RECUERDO-POLVO EN UN CEMENTERIO. Las nuevas generaciones no reconocerán a sus bisabuelos, nacerán digitalizados. No sabrán contar más que del 0 al 1 y del 1 al 0. Las teorías de S. M. Eisenstein o Peter Kubelka sobre el espacio y tiempo mínimo del cinematógrafo [el fotograma] quedan dinamitadas con esta nueva película: el fotograma se rompe y queda fragmentado. Esas teorías están inscritas en la historia, pero la actual es otra. No seamos intelectuales sino agitadores culturales. VIVAN LAS CONTRADICCIONES.

Para que los historiadores del arte no tengan que perder su tiempo en investigaciones, vamos a dar aquí el nombre de ALGUNAS de las personas que, de manera directa o indirecta, reflejan en este film-manifiesto sus no influencias, todos excepto: Walter Murch, Paul Virilio, John Zorn, Mimmo Rotella, Paul Klee, Robert Stam, Paolo Cherchi Usai, Cut – Ups Films (Brion Gysin, William S. Burroughs, Antony Balch), Arnold Schönberg, Mark Rothko, Thaumatrope, Dziga Vertov (especialmente su The Man With The Movie Camera, 1929, musicada por The Alloy Orchestra en 1995), Ken Jacobs (Window, 1964), Marcel Broodthaers, Paul Sharits (Fluxfilm 26-29, 1965; T,O,U,C,H,I,N,G, 1968; N:O:T:H:I:N:G, 1968; entre otras), los textos de Hollis Frampton, Ernie Gehr (Wait, 1967), Mr. Random, Abigail Child (Mercy, 1989), Peter Kubelka (Arnulf Rainer, 1958-60), Ètienne-Jules Marey, Gary Beydler (Pasadena Freeway Stills, 1974), MEKAS’ GLIMPSES, Craig Baldwin (Wild Gunman, 1978; y su aportación de material de 35mm de su archivo personal), Peter Tscherkassky (Trilogía CinemaScope; Get Ready, 1999; y su Intructions for a Light and Sound Machine, 2005), Bill Morrison (The

Death Train, 1993), las teorías de S.M. Eisenstein, Pablo Ruiz Picasso (los inicios y todo el cubismo), Kazimir Malevich, Albert Einstein, la pasión por el cine de Jean-Luc Godard y la inventiva de José Val del Omar. Reivindicamos la oscuridad, la no luz, en contra de la luz negra de los videoproyectores. Reivindicamos la mecanicidad de los proyectores. La parte más física y tangible de la imagen. Queremos acariciar la imagen con la mirada no con la mente. El cine no es un lenguaje, sino el experimental estaría repleto de faltas de ortografía. O al menos vamos a considerar el experimental [cine experimento] como un dialecto. Queremos un espectador activo-abierto para nuestros ejercicios.

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qR CODe / fILM Antoni pinent / 2014 / Suíça / 3’ / 16 mm (24fps) / p&b / som óptico [digital

qR CODe / fILM [#3]Antoni pinent / 2013/2015

/ Suíça / 4’ / Super 8 (18fps)

/ cor / mudo [digital]

nº 0. psicosiSAntoni pinent / 1992 / espanha / 3’/ vídeo vHS / p&b / som [digital]

2∞1: A SpACe CUtAntoni pinent / 2005-2007 / espanha / 8’44” / super 8 (24fps) / cor / som magnéti-co [digital]

4.200 fOtOgRAMeS SenSe SORtIR De CASA

Antoni pinent / 1995-1997 / espanha / 3’40” / super 8 (18fps) / cor / som [digital]

MI pRIMeR 35 MMAntoni pinent / 1995-1997 / espanha / 1’ / 35 mm (1:1’33) / cor / mudo [digital]

MúSICA vISUAL en veRtICAL Antoni pinent / 1999-2000 / espanha / 1’ / 35 mm (1:1’33) / p&b / mudo [digital]

gIOCOnDA / fILMAntoni pinent / 1999 / espanha / 50” / 35 mm (1:1’37) / cor / som óptico [SR] [digital]

pROgRAMA:

tempo total: 60min

Conversa/Apresentação Dossiê com Sebastian Wiedemann

DAtA: 4 de setembroHORA: 20H

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KInOStURM KUBeLKA / 16 vARIACIOneSAntoni pinent / 2009 / espanha / 1’36” / 35 mm (1:1’33) / p&b / som óptico [SR] [digital]

g/R/e/A/S/eAntoni pinent / 2008-2013 / espanha- Suíça-Alemanha / 21’30” / 35mm (1:2’35) CinemaScope / cor / som óptico [Dolby Digital SRD]

[digital]

SUMAnDO AL CentROAntoni pinent / 2000-2001 / espanha / 1’27” / 35 mm (1:1’33) / cor / mudo [digital]

DeSCenSOAntoni pinent / 2001-2002 / espanha / 1’ / 35 mm (1:1’33) / cor / som óptico

[SR] [digital]

fILM qUARtet / pOLyfRAMeAntoni pinent / 2006-2008 / espanha / 9’24” / 35 mm (1:1’66) / p&b e cor / som óptico [SR] [digital]

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pROgRAMAçãO 2,3,4 de Setembro de 2015Cine Joia: Av. n.S. Copacabana, 680, Loja SSH Copacabana - Rio de Janeiro

quarta-feira 2 de setembro

quinta-feira 3 de setembro

Sexta-feira 4 de setembro

20h 21h 22h 23h

foco: nicole Brenez II“Il se peut que la

beauté ait renforcé notre résolution.

Masao Adachi” de philippe grandrieux

Longa

foco: nicole Brenez I

“natpwe – feast of the Spirits”

+“Impressions”

foco: nicole Brenez III

“Jajouka” de Éric Hurtado, Marc Hurtado

Longa

palestra nicole Brenez

foco: Cao guimarãesConversa com Cao guimarães

Cartografia tropical III:

“paraíso” de felipe guerrero - Longa

Retrospectiva Antoni pinent

Conversa/Apresen-tação Dossiê com

Sebastian Wiedemann

CineLabfAC -Uruguai

Coletivo:MauMauRecife

performance etA Aquarídea +

performanceLa trinchera -

México

Cartografia tropical I:

De memórias e buracos no tempoConversa com Duo

Strangloscope eCris Miranda

Cartografia tropical II:

esburacar a matéria

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Concepção e Organização: Cristiana Miranda, Hernani Heffner, Sebastian Wiede-mann

Curadoria: Cristiana Miranda, Sebastian Wiedemann

Curadores convidados:Antoni Pinent, Angela Lopez Ruiz, Lia Letícia, Nicole Brenez

Dossiê Antoni Pinent:Antoni Pinent, Florencia Incarbone, Sebastian Wiede-mann

Coordenação de Produção: Bia Pimenta

Produção:Bia Pimenta, Cristiana Miranda, Hernani Heffner, Roberta Arantes, Sebastian Wiedemann

Projeção:Márcio Melges

Edição Catálogo:Sebastian Wiedemann

Tradução de textos: Cristiana Miranda, Sebastian Wiedemann

Revisão de textos: Lucas Murari

Projeto gráfico e Web: Inhamis Studio

Tradução consecutiva:Nomad Translators [Juliette Yu-Ming]

Apoio institucional: Cinemateca MAM, Hambre | espacio cine experimental, Vilacine | CineJoia, Secretaria de Cultura -RJ

Assessoria imprensa: Marcio Allemand

Redes Sociais:Bia Pimenta

Registro audiovisual:Coletivo CRUA

Registro fotográfico:Paulo Henrique

Agradecimentos especiais:Antoni Pinent, Cao Guima-rães, Nicole BrenezSuperintendência do Audio-visual - SEC/RJ [Lia Bahia]Vilacine | Cine Joia [Raphael Camacho, Raphael Aguinaga, Joseane Aguinaga, Betânia Furtado e Equipe Vilacine]

Agradecimentos:Alice GonzagaDistruktur [Gustavo Jahn & Melissa Dullius]Duo Strangloscope [Cláudia Cárdenas & Rafael Schlich-ting]Felipe CataldoGeraldine Salles Kobilanski Guillermo ZabaletaJoão Paulo Borges ParanhosJuliette Yu-MingJúlio BezerraKinoclaje [Aydé Perdomo]Lucas MurariLuiz Cláudio da CostaLuiz GarciaMárcio MelgesMonica ZennaroPaula Maria GaitánRalph AntunesRicardo CotaSabrina BitencourtSecretaria de cultura [Caro-lina Rodrigues, Fátima Paes, Felipe Lopes, Mariana Kissa]Susana Oliveira Diase a todos os realizadores.

Produção e realização:Coletivo Dobra

Co-produção: Fevereiro Filmes

CRÉDItOS pARCeIROS

Apoio Institucional:

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Apoio:

Dobra : Festival Internacional de cinema experimental / Organização de Cristiana Miranda, Hernani Heffner e Sebastian Wiedemann. – Rio de Janeiro : Cinemateca MAM-RJ/Coletivo Dobra, 2015.88 p.: il Publicação referente ao Festival Dobra ocorrido no Rio de Janeiro entre os dias 2, 3 e 4 de setembro de 2015.ISBN

1. Festival Internacional de cinema experimental. 2. Cinema Experimental. 3. Cinematografia I. Título

CDD: 791.4301

D634

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