2015 - Ciência - Folha de S

5
Mídias sociais reduzem a capacidade de aprender, diz sociólogo americano LEANDRO COLON DE LONDRES 10/08/2015 03h00 O sociólogo americano Richard Sennett, 72, afirma que a onda das mídias sociais tem reduzido a capacidade das pessoas de adquirir conhecimento externo. Em entrevista à Folha, ele diz que o modelo cada vez mais customizado da internet cria um cenário sem elemento "surpresa" no cotidiano. Um dos sociólogos mais prestigiados, Sennett publicou em 1977 o clássico "O Declínio do Homem Público", em que aborda, entre outras coisas, as mudanças de comportamento do homem desde o século 18, sobretudo em relação a intimidade, individualismo e exposição. O que escreveu há quase 40 anos, diz ele, ainda se aplica hoje, agora num contexto do mundo eletrônico da web. Nascido em Chicago, Sennett recebeu a reportagem na London School of Economics, onde leciona. É professor também da New York University e entre seus livros está "Juntos", obra de 2012 em que defende o conceito de cooperação entre os indivíduos. O sociólogo, que integra a comissão de reorganização urbana de Atenas como parte da conferência da ONU de 2016 sobre o futuro das cidades (Habitat 3), diz que a criação de cooperativas informais é fundamental para países como Grécia e Brasil reagirem às turbulências econômicas. Na entrevista, Sennet critica os shoppings no Brasil e as "cidades inteligentes". O sociólogo estará em Porto Alegre no dia 24 de agosto e em São Paulo no dia 26 para palestras no evento Fronteiras do Pensamento. Nick Cunard-8.abr.11/Associated Press Mídias sociais reduzem a capacidade de aprender, diz sociólogo ameri... http://tools.folha.com.br/print?site=emcimadahora&url=http://www1.f... 1 of 5 10/08/2015 20:01

description

FS - Matéria - 2005

Transcript of 2015 - Ciência - Folha de S

Page 1: 2015 - Ciência - Folha de S

Mídias sociais reduzem a capacidade deaprender, diz sociólogo americano

LEANDRO COLONDE LONDRES

10/08/2015 03h00

O sociólogo americano Richard Sennett, 72, afirma que a onda das mídias sociais temreduzido a capacidade das pessoas de adquirir conhecimento externo.

Em entrevista à Folha, ele diz que o modelo cada vez mais customizado da internet criaum cenário sem elemento "surpresa" no cotidiano.

Um dos sociólogos mais prestigiados, Sennett publicou em 1977 o clássico "O Declíniodo Homem Público", em que aborda, entre outras coisas, as mudanças decomportamento do homem desde o século 18, sobretudo em relação a intimidade,individualismo e exposição.

O que escreveu há quase 40 anos, diz ele, ainda se aplica hoje, agora num contexto domundo eletrônico da web.

Nascido em Chicago, Sennett recebeu a reportagem na London School of Economics,onde leciona. É professor também da New York University e entre seus livros está"Juntos", obra de 2012 em que defende o conceito de cooperação entre os indivíduos.

O sociólogo, que integra a comissão de reorganização urbana de Atenas como parte daconferência da ONU de 2016 sobre o futuro das cidades (Habitat 3), diz que a criação decooperativas informais é fundamental para países como Grécia e Brasil reagirem àsturbulências econômicas.

Na entrevista, Sennet critica os shoppings no Brasil e as "cidades inteligentes".

O sociólogo estará em Porto Alegre no dia 24 de agosto e em São Paulo no dia 26 parapalestras no evento Fronteiras do Pensamento.

Nick Cunard-8.abr.11/Associated Press

Mídias sociais reduzem a capacidade de aprender, diz sociólogo ameri... http://tools.folha.com.br/print?site=emcimadahora&url=http://www1.f...

1 of 5 10/08/2015 20:01

Page 2: 2015 - Ciência - Folha de S

O sociólogo Richard Sennett na livraria LRB, em Londres

*

Mídias sociais reduzem a capacidade de aprender, diz sociólogo ameri... http://tools.folha.com.br/print?site=emcimadahora&url=http://www1.f...

2 of 5 10/08/2015 20:01

Page 3: 2015 - Ciência - Folha de S

FOLHA - Como o sr. vê as mudanças no comportamento das pessoas tantos anosdepois de publicar "O Declínio do Homem Público"?

RICHARD SENNETT - Há 40 anos, havia muitas questões sobre a transformação dapresença física das pessoas em público, e agora temos os mesmos problemas:perguntamo-nos sobre a presença na web. As mídias sociais aumentam a discussãoentre o público e o privado.

Não tínhamos nada parecido nos anos 70 e fico impressionado como ainda nos atingemquestões sobre a noção do uso de espaço público para autoexposição e interação real.Como analista social, é deprimente para mim que esses problemas persistam, agora noespaço eletrônico.

O sr. acha que atingimos o ápice da falta de privacidade?

O mais triste sobre o ciberespaço é que há cada vez menos chance para a surpresa.

Quando você caminha na rua, coisas que não espera podem acontecer. Quando está noFacebook, isso é feito tão sob medida que fica difícil a ideia de aprender alguma coisaque não soubesse, afinal, tudo é customizado, feito para seu perfil. Isso é um tipo deredução de quão inteligente o público a minha volta pode ser.

Por que o sr. critica as "cidades inteligentes"?

Elas removeram o elemento indutivo de aprendizado sobre o entorno. Como um doslíderes do Habitat 3, uma de nossas discussões é como evitar o mau uso da tecnologiaque envolve a liberdade das pessoas. Essa tecnologia tem feito as pessoas ficarem sempensar sobre isso.

Os governos autoritários, por exemplo, amam essas cidades, porque sua capacidade devigilância é incrível. Há cidades americanas que usam os sensores de tráfego, develocidade para coordenação, para identificar o número de motoristas negros e brancos.Isso acaba usado de forma diferente de seu propósito [original], vira um instrumento dedominação.

Recentemente, o sr. criticou o conceito de shoppings das cidades latino-americanas.

Fiquei impressionado com tantos estacionamentos nos shoppings no Brasil ocupandoespaços públicos. São espaços cosmopolitas mal utilizados. Não há nada para fazer anão ser parar carros, as crianças não podem entrar nem usá-lo. Como na China, sãoespaços que separam a nova classe média dos pobres. Se você é pobre na China, nãopode ir ao shopping.

O que os shoppings também fazem é destruir os negócios locais, isso é um grandeproblema aqui no Reino Unido, pois os centros das pequenas cidades não podemcompetir com grandes redes.

Qual sua opinião sobre a cidade de São Paulo?

É uma cidade muito avançada, com muito capital humano. O grande desafio é comocolocar essa capital para trabalhar para todos. Eu adoro São Paulo, é uma cidade detorres, mas também tem problemas de segurança. O trânsito nem me incomoda (risos),porque sou muito paciente, posso ver meus e-mails, ouvir música clássica, um violino deWagner.

Mídias sociais reduzem a capacidade de aprender, diz sociólogo ameri... http://tools.folha.com.br/print?site=emcimadahora&url=http://www1.f...

3 of 5 10/08/2015 20:01

Page 4: 2015 - Ciência - Folha de S

O sr. trabalhou na organização dos Jogos Olímpicos de Londres. A próximaOlimpíada será no Rio. Qual seu conselho para as autoridades?

Eu me envolvi no planejamento dos locais dos jogos, o que fazer com eles depois daOlimpíada. Queríamos evitar o que ocorreu com a Grécia em 2004 [após os Jogos,várias arenas foram abandonadas]. Os lugares precisam ser utilizados imediatamenteapós o evento. Se você espera cinco, seis anos, eles começam a se degradar, e é issoque tentamos evitar em Londres.

Passamos por uma crise econômica no Brasil, na Europa temos o exemplo daGrécia nos últimos cinco anos. O sr. acredita que seu conceito de "cooperação"entre as pessoas poderia ajudar esses países a superar tais problemas?

Não creio que possa ajudar a superar, mas acredito que pode ajudá-los a enfrentar osproblemas. Conheço muito bem a questão da Grécia, por causa do Habitat 3. Lá, ogoverno tem falhado em apoiar isso, e a União Europeia basicamente criou um cenáriode punição para o país.

Na Grécia, há cooperativas informais de família dividindo recursos. Uma delas, emAtenas, foi criada para garantir que as crianças tomem café da manhã antes de ir para aescola, porque uma das consequências da austeridade é que muitas famílias nãoconseguem garantir isso. O governo grego não faz nada.

Uma imagem global é sobre a necessidade da cooperação no local de trabalho. Mas napolítica econômica, se a estrutura formal de apoio falha, gera situações como a deGrécia, Itália, Portugal.

A cooperativa é a única medida de defesa. Um coisa terrível no liberalismo [econômico]é que as pessoas são cada vez mais donas de indivíduos em detrimento da cooperaçãoinformal.

O sr. acredita que haja uma solução para a Grécia?

Em 1953, 50% da dívida alemã foi abolida pelo governo grego, mas hoje isso é [usadocomo] um tipo de hegemonia, uma punição cruel. A Alemanha tem bloqueado qualquertipo de alívio [aos gregos]. O país nunca vai se recuperar se toda hora tiver que pedirmais dinheiro para pagar dívida. Isso nunca deixará o país ser saudável.

Como vê o drama imigratório da África para a Europa?

É uma política de combate, sem muita esperança, porque estão mirando nos barcos, nosimigrantes que tentam chegar a Itália e Grécia. Entristece-me ver que a União Europeiaestá em colapso, não sabe o que fazer com um problema humanitário, como aimigração, e econômico, como as políticas de austeridade que estão falhando.

O sr. defende que as pessoas deveriam cada vez mais ter ações das empresas quetrabalham. Isso não é uma contradição do modelo capitalista?

É um tipo de social capitalismo que contradiz o capitalismo liberal. No Reino Unido, naloja de departamento, John Lewis, os empregados têm ações. Depende de como semanuseia, do quão preocupada a empresa é com isso. Não se espera que o vendedorseja o dono dela, mas que o direito de ter ações lhe dê voz.

No regime liberal, o círculo de controle se reduz, cada vez menos pessoas tomam asdecisões. Eu gostaria de ver o monopólio de empresas como Microsoft, Google, Amazon

Mídias sociais reduzem a capacidade de aprender, diz sociólogo ameri... http://tools.folha.com.br/print?site=emcimadahora&url=http://www1.f...

4 of 5 10/08/2015 20:01

Page 5: 2015 - Ciência - Folha de S

quebrado. Mas quando elas têm um competidor, compram-no ou fecham-no.

Quando começou a crise de 2008, achei que haveria um movimento para destruir isso,mas essas empresas se mostraram mais resistentes e sobreviveram.

Endereço da página:

http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2015/08/1666671-midias-sociais-reduzem-a-capacidade-de-aprender-

diz-sociologo-americano.shtml

Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta

página em qualquer meio de comunicaçao, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folha de S.

Paulo.

Mídias sociais reduzem a capacidade de aprender, diz sociólogo ameri... http://tools.folha.com.br/print?site=emcimadahora&url=http://www1.f...

5 of 5 10/08/2015 20:01