2013 Ana Paola Dos Reis

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MODA ILUSTRA

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  • 1Universidade Federal de Gois

    Faculdade de Artes Visuais

    Programa de Ps-Graduao em Arte e Cultura Visual - Mestrado

    SentidoS deSenhAdoS no intAnGVel: UM olhAr Sobre

    ilUStrAo de ModA e ViSUAlidAdeS

    Ana Paola dos reis

    Goinia/Go

    2013

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) GPT/BC/UFG

    R375s

    Reis, Ana Paola dos.

    Sentidos desenhados no intangvel [manuscrito] : um olhar sobre ilustrao de moda e visualidades / Ana Paola dos Reis. - 2013.

    103 f. : il. Orientadora: Prof. Dr. Rita Morais de Andrade. Dissertao (Mestrado) Universidade Federal de Gois,

    Faculdade de Artes Visuais, 2013. Bibliografia.

    Inclui lista de figuras. 1. Moda Ilustrao. 2. Moda Cultura visual. 3. Moda

    Anlise de imagem. I. Ttulo. CDU: 391:744

  • 2Universidade Federal de Gois

    Faculdade de Artes Visuais

    Programa de Ps-Graduao em Arte e Cultura Visual - Mestrado

    SentidoS deSenhAdoS no intAnGVel: UM olhAr Sobre

    ilUStrAo de ModA e ViSUAlidAdeS

    Ana Paola dos reis

    dissertao apresentada banca examinadora do Programa de Ps-

    Graduao em Arte e Cultura Visual Mestrado da Faculdade de Artes

    Visuais da Universidade Federal de Gois, como exigncia parcial para

    a obteno do ttulo de MeStre eM Arte e CUltUrA ViSUAl,

    sob orientao da Professora dra. rita Morais de Andrade.

    Goinia/Go

    2013

  • TERMO DE CINCIA E DE AUTORIZAO PARA DISPONIBILIZAR AS TESES E

    DISSERTAES ELETRNICAS (TEDE) NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG

    Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Gois (UFG) a disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e Dissertaes (BDTD/UFG), sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei n 9610/98, o documento conforme permisses assinaladas abaixo, para fins de leitura, impresso e/ou download, a ttulo de divulgao da produo cientfica brasileira, a partir desta data.

    1. Identificao do material bibliogrfico: [ x ] Dissertao [ ] Tese 2. Identificao da Tese ou Dissertao

    Autor (a): Ana Paola dos Reis E-mail: [email protected] Seu e-mail pode ser disponibilizado na pgina? [x]Sim [ ] No

    Vnculo empregatcio do autor: Agncia de fomento:

    Agncia de fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico

    Sigla: CNPQ

    Pas: Brasil UF: GO CNPJ: 33.654.831/0001-36 Ttulo: Sentidos desenhados no intangvel: um olhar sobre ilustrao de moda e visualidades Palavras-chave: ilustrao de moda, ilustrao, cultura visual, imagem, anlise de imagem Ttulo em outra lngua: Senses drawn onto the intangible: a look into fashion illustration and

    visualities Palavras-chave em outra lngua: fashion illustration, illustration, visual culture,

    image, image analysis rea de concentrao: Arte, Cultura e Visualidades Data defesa: (02/04/2013) Programa de Ps-Graduao: Arte e Cultura Visual Orientador (a): Profa. Dra. Rita Morais de Andrade E-mail: [email protected]

    *Necessita do CPF quando no constar no SisPG 3. Informaes de acesso ao documento: Concorda com a liberao total do documento [ x ] SIM [ ] NO1

    Havendo concordncia com a disponibilizao eletrnica, torna-se imprescindvel o envio do(s) arquivo(s) em formato digital PDF ou DOC da tese ou dissertao.

    O sistema da Biblioteca Digital de Teses e Dissertaes garante aos autores, que os arquivos contendo eletronicamente as teses e ou dissertaes, antes de sua disponibilizao, recebero procedimentos de segurana, criptografia (para no permitir cpia e extrao de contedo, permitindo apenas impresso fraca) usando o padro do Acrobat. ________________________________________ Data: 19 / 04 / 2013 Assinatura do (a) autor (a)

    1 Neste caso o documento ser embargado por at um ano a partir da data de defesa. A extenso deste prazo suscita justificativa junto coordenao do curso. Os dados do documento no sero disponibilizados durante o perodo de embargo.

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIS

    FACULDADE DE ARTES VISUAIS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CULTURA VISUAL MESTRADO

    SENTIDOS DESENHADOS NO INTANGVEL: UM OLHAR SOBRE ILUSTRAO DE MODA E VISUALIDADES

    Ana Paola dos Reis

    Banca Examinadora:

    ___________________________________________________

    Profa. Dra. Rita Morais de Andrade

    Orientadora e Presidente da Banca

    ___________________________________________________

    Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio

    Membro Externo

    ___________________________________________________

    Profa. Dra. Miriam Costa Manso Moreira de Mendona

    Membro Interno

    ___________________________________________________

    Profa. Dra. Rosane Preciosa Sequeira

    Suplente do Membro Externo

    ___________________________________________________

    Prof. Dr. Edgar Silveira Franco

    Suplente do Membro Interno

  • 1Aos meus amados pais, Ins e Valter.

  • 2Agradecimentos:

    Rita Andrade, que compartilhou comigo tanto de seus conheci-

    mentos e sabedoria. Que orientou, acolheu minhas ansiedades e anseios e foi,

    alm de professora-orientadora, amiga.

    Cia Fittipaldi, que me orientou nos caminhos da ilustrao desde

    a graduao e deu conselhos essenciais para esta pesquisa.

    Ao PPG de Arte e Cultura Visual FAV/UFG e toda a sua equipe

    de professores e funcionrios, pela presteza, apoio e compartilhamento de

    conhecimento e ideais. Tambm aos membros das bancas de qualificao e

    defesa pelos precisos aconselhamentos.

    Ao CNPQ, rgo financiador desta pesquisa.

    Carmem Bianchi, adorada Tia Zete, que colaborou na fase final

    do trabalho, mesmo com a proximidade da chegada do Rafael.

    Aos meus amigos (tantos que seria inadequado fazer desses agra-

    decimentos um inventrio de amigos e injusto citar apenas alguns deles) que

    me apoiaram a permanecer imersa nos estudos nos momentos cruciais e me

    tiraram da frente dos livros quando foi necessrio.

    Ao meu irmo, Anderson Lucas, e aos meus pais, Valter e Ins,

    pelo apoio incondicional em todos os momentos da minha vida. Pelos seus

    esforos para que eu completasse a graduao, pelo suporte e aconselhamento

    em todas as decises para minha carreira (mesmo que representassem nosso

    distanciamento geogrfico). Este trabalho representa uma conquista nossa.

  • 3Toda imagem (...) nos oferece algo

    para pensar: ora um pedao de real para roer,

    ora uma fasca de imaginrio para sonhar.

    Etienne Samain

  • 3Resumo

    esta dissertao resultante do pro-jeto de pesquisa realizado atravs do Programa de Ps-graduao em Arte e Cultura Visual, n-vel mestrado da FAV/UFG, e visa apresentar o tema ilustrao de moda segundo a perspectiva da Cultura Visual. tem como principal objetivo discutir os modos particulares como a ilustrao interpreta a moda. o primeiro captulo apresenta os aportes tericos e os procedimentos metodo-lgicos adotados, de cunho qualitativo e concen-trados no procedimento de anlise de imagens. o segundo captulo, ao mesmo tempo em que apre-senta informaes histricas sobre o tema, dis-cute alguns preceitos prprios ilustrao a fim de estabelecer parmetros iniciais para um estudo terico da ilustrao de moda. o terceiro captulo apresenta as diferentes modalidades de desenho envolvidas na moda e, a partir da observao das diferenas e das interseces dessas modalida-des, prope parmetros para compreenso da ati-vidade. o quarto captulo discute a ilustrao de moda em termos de visualidade e concerne a uma reflexo sobre a forma como a ilustrao prope interpretaes moda e colabora com o estabele-cimento de sentidos e de valores de moda, identi-dade e subjetividade a partir dessas imagens.

    Palavras-chave: ilustrao de moda, ilustrao, cultura visual, imagem, anlise de imagem

    AbstRAct

    this dissertation results of the research developed throughout the Masters degree course within the Art and Visual Culture Post Gradua-tion Program in FAV/UFG. it aims to present the theme of fashion illustration according to the Vi-sual Cultures perspective. its main objective is to discuss the particular ways in which illustration interprets fashion. The first chapter presents the theoretical principles and the methodological pro-cedures adopted on a qualitative basis and focu-sed on image analysis. the second chapter, while presenting historical information on the theme, discusses at the same time precepts of illustra-tion in order to establish initial parameters for a theoretical study of fashion illustration. the third chapter presents the different modalities of dra-wing involved in fashion activities and, as of the observation of the differences and intersections of those modalities, it proposes parameters for the comprehension of the activity. the fourth chapter discusses fashion illustration in terms of visuality and concerns to a speculation about how illus-tration proposes interpretations for fashion and collaborates to the establishment of senses and values of fashion, identity and subjectivity.

    Keywords: fashion illustration, illustration, vi-sual culture, image, image analysis

  • 4sumRio

    lista de Figuras ............................................................................................................................................................ 6

    intRoduo: RAbiscos .............................................................................................................. 10

    cAPtuLo i: tRAcejAndo PossibiLidAdes e PRocedimentos de PesquisA ...... 17

    1.1 Seleo da Bibliografia.................................................................................................................... 171.2 estudos de caso................................................................................................................................. 261.2.1 Seleo do corpus da pesquisa................................................................................................... 271.2.2 Anlise de imagens....................................................................................................................... 28

    cAPtuLo ii: A iLustRAo em PeRsPectiVA................................................................ 33

    2.1 narratividade...................................................................................................................................... 352.2 imagem vs. texto............................................................................................................................... 402.3 A representao mimtica.............................................................................................................. 462.3.1 A incompletude da imagem ilustrada................................................................................. 52

    cAPtuLo iii: A iLustRAo e outRAs foRmAs de RePResentAo

    AtRAVs do desenho nAs AtiVidAdes dA modA ......................................................... 59

    3.1 desenho tcnico de moda ............................................................................................................. 633.2 desenho de moda ........................................................................................................................... 663.3 ilustrao de moda ......................................................................................................................... 74

  • 5cAPtuLo iV: deLineAndo sentidos e inteRPRetAes - iLustRAo

    de modA e VisuALidAde .......................................................................................................... 83

    consideRAes finAis ......................................................................................................... 92

    RefeRnciAs bibLiogRficAs............................................................................................. 97

  • 6Lista de figuras

    Figura 1 Jason brooks para Arezzo (2001). Anncio publicitrio 10

    Figura 2 Jason brooks para Arezzo (2001). Anncio publicitrio 10

    Figura 3 Fernanda Guedes para riachuello 11

    Figura 4 Fernanda Guedes para riachuello 11

    Figura 5 Ana Paola dos reis. Sem ttulo. Portfolio pessoal 12

    Figura 6 Ana Paola dos reis. Stella Jean. Portfolio pessoal 12

    Figura 7 Ana Paola dos reis. Cora 13

    Figura 8 Flora von deutschland, sterreich und der Schweiz 1885. ilustrao botnica 33

    Figura 9 Frank netter. ilustraes de anatomia humana 33

    Figura 10 instrues de segurana para voos aeronuticos 34

    Figura 11 ren bout-Wilaumez. A marquesa de Paris em traje de noite de Augustabernard.

    Vogue, edio americana. Setembro de 1933 37

    Figura 12 Pierre Mourgue. A Saint Moritz. Femina, 1932 38

    Figura 13 Christian brard. bar. 1947 38

    Figura 14 Marcel Verts. Gorro reboux. harpers bazaar. Junho de 1938 39

    Figura 15 Mats Gustafson. Vogue itlia. the next Way by Mats. Janeiro de 1999 40

    Figura 16 Mats Gustafson. tweed Couture. Vogue itlia. Setembro de 1998 41

    Figura 17 ren Gruau. Jaune & noir . elle francesa. Maio de 1983 43

    Figura 18 ren Gruau. Jaune & noir (detalhe). elle francesa. Maio de 1983. p.80 44

  • 7Figura 19 Mats Gustafson. Cutouts. Vogue itlia. Janeiro de 2001 45

    Figura 20 eduardo Garcia benito. Capa para Vogue Paris. Abril de 1927 47

    Figura 21 eduardo Garcia benito. Capa para Vogue Summer travel number. Junho de 1927 47

    Figura 22 eduardo Garcia benito. Capa para Vogue. Setembro de 1926 47

    Figura 23 Wenceslas hollar. Protetor de mos de pele com brocado 48

    Figura 24 Wenceslaus hollar. Capacete com borda ondulada 1645 48

    Figura 25 Wenceslaus hollar. Mulier Coloniensis bonae qualitatis. 1642 48

    Figura 26 Wenceslaus hollar. Mulier Coloniensis. [1642] 48

    Figura 27 Cesare Vecellio. Favorita del turco. de gli habiti antichi et moderni di diverse

    parti del mondo libri due. 1590 49

    Figura 28 Wenceslaus hollar. Winter 50

    Figura 29 b. Altman & Co. Catlogo ilustrado 51

    Figura 30 Andy Warhol. Sapatos. 1959 52

    Figura 31 ren Gruau. Capa para revista Sir. 1966 53

    Figura 32 J. C. leyendecker. Arrow Collars and Shirts 54

    Figura 33 J. C. leyendecker. Arrow Collars and Shirts 54

    Figura 34 J. C. leyendecker. Arrow Collars and Shirts 54

    Figura 35 ruth Grafstrom. Mulher com casaco de listras. Vogue edio estados Unidos.

    Fevereiro de 1933 55

    Figura 36 Cecil beaton. Capa para Vogue edio Summer hollidays. Julho de 1935 55

    Figura 37 bout-Willaumez. Capa para Vogue edio Autumn dashion Forecast.

    Julho de 1941 55

    Figura 38 Carl eric erickson. Capa para Vogue. Fevereiro de 1935 56

  • 8Figura 39 Carl eric erickson. Capa para Vogue. Janeiro de 1933 56

    Figura 40 Marcel Verts. Anncio para perfume Zut. 1948 56

    Figura 41 branche. Coleo inverno 2012 59

    Figura 42 branche. Coleo inverno 2012 59

    Figura 43 Mats Gustafson. Why not a belt. Vogue itlia. Julho de 1998 61

    Figura 43 Mats Gustafson. Why not a belt (detalhe). Vogue itlia. Julho de 1998 62

    Figura 45 desenho tcnico de camisa safri 64

    Figura 46 Jacilyn barr. desenho tcnico de cala cargo (the cargo pant) 64

    Figura 47 revista Manequim. Metalizado. Setembro de 2012 65

    Figura 48 revista Manequim. Caderno de moldes. Setembro de 2012 65

    Figura 49 revista Manequim. Folha de corte 1. Setembro de 2012 65

    Figura 50 [Sue Jenkyn Jones]. Croqui e look confeccionado 67

    Figura 51 Junio ramos. Projeto box. 2010 68

    Figura 52 Junio ramos. Projeto box. 2010 69

    Figura 53 ronaldo Fraga. Croqui para coleo rio So Francisco 71

    Figura 54 ronaldo Fraga. Croqui para coleo Athos bulco 72

    Figura 55 ronaldo Fraga/tok&Stok. Catlogo de produtos 2012 73

    Figura 56 ronaldo Fraga/tok&Stok. Catlogo de produtos. 2012 73

    Figura 57 linha do tempo do site de ronaldo Fraga 74

    Figura 58 david downton. Capa e pginas ilustradas para especial de 50 anos. Vogue Austrlia.

    Setembro de 2009 76

    Figura 58 david downton. balenciaga, especial de 50 anos Vogue Austrlia. Vogue Austrlia.

    Setembro de 2009 77

  • 9Figura 60 ren Gruau. ilustrao de moda 78

    Figura 61 tanya ling. Makeup is Art. US harpers bazaar. Setembro de 1998 80

    Figura 62 Mats Gustafson. boots impact. Vogue itlia. Setembro de 2002 81

    Figura 63 Stephane Park. A classe operria... revista lola. Julho de 2011 82

    Figura 64 david downton. balenciaga, especial de 50 anos Vogue Austrlia. Vogue Austrlia.

    Setembro de 2009 86

    Figura 65 Fifi Lapin. Temperley. 8 de maio de 2012 89

    Figura 65 Fifi Lapin. Paul Smith. 9 de abril de 2012 89

  • 10

    Figura 1 Jason brooks

    para Arezzo (2001). Anncio

    publicitrio.

    Figura 2 Jason

    brooks para Are-

    zzo (2001). Anncio

    Figura 1 e Figura 2: Acima, imagens da campa-nha publicitria da Arezzo ilustradas por Jason Brooks.

    intRoduo: RAbiscos

    desde que, ainda na infncia, comecei a rabiscar, formas mais bem decifr-

    veis povoavam meus papis (e paredes do quarto, capas de livros ou qualquer espao em

    branco que encontrasse) um universo de fadas, princesas, rainhas, bailarinas e outras des-

    sas figuras reconhecidas do mgico universo infantil. Elas eram sadas dos contos de fa-

    das que ouvia diria e repetidamente pelo toca-discos ou das histrias que minha me

    contava e tinham referncia nas imagens dos desenhos animados e das ilustraes dos

    livros que, at hoje, sinto-me pesarosa por no t-los guardado. imaginava todas aque-

    las personagens majestosamente vestidas com saias amplas parecendo cpulas de abajur,

    mangas bufantes como as em voga naquele perodo da dcada de 1980, cabelos ondula-

    dos, tranas, chapus cnicos, vus, coroas, sapatilhas e mais um sem fim de elementos

    tpicos daquelas figuras que habitavam meu imaginrio de menina. Desde j me ocupava

    a desenhar cada um dos vestidos com vistosos babados, laos distribudos nas saias, de-

    cotes e todo tipo de combinao de cores que vestissem todas aquelas personagens, uma

    diferente das outras.

    tanto desenho quanto moda sempre ocuparam lugar de destaque em meus in-

    teresses, culminando na paixo pela ilustrao de moda e na forma como se configura

    minha produo imagtica atualmente. Foram dois os casos de ilustrao de moda que

  • 11

    Figura 3 Fernanda Guedes para

    riachuello

    Figura 3 (acima) e figura 4 (abaixo): Ilustra-es de Fernanda Guedes que estamparam uma caixa de presentes da Riachuello. Item guardado pela pesquisadora desde a poca de vigncia da campanha.

    Figura 4 Fernanda Guedes para

    riachuello

    fizeram despertar meu interesse pelo assunto e se mantiveram vivos em minha memria

    por muitos anos. Primeiro, a campanha publicitria da Arezzo em 2001, ilustrada pelo

    ingls Jason brooks; depois os materiais publicitrios e de identidade visual da loja ria-

    chuello, ilustrados pela brasileira Fernanda Guedes, aproximadamente na mesma poca.

    esses artistas representaram, inclusive, uma referncia para o meu trao durante muito

    tempo e tive o prazer de conhecer e vir mantendo contato com Fernanda Guedes desde

    que participei de uma oficina ministrada pela ilustradora.

    Meu portflio pessoal constitudo de ilustraes desse gnero, com alguns

    poucos trabalhos publicados profissionalmente. Fascina-me a forma humana cuidadosa-

    mente elaborada por corte de cabelo, vestimentas, joias e acessrios, a postura que se

    anima no desenho, as linhas, manchas e texturas que causam uma impresso encantadora

    e sedutora. As imagens mostradas nas prximas pginas (figuras 5, 6 e 7) so de minha

    autoria.

    Como entusiasta da ilustrao de moda, h muito tempo me interessava, bem

    alm dos aspectos tcnicos, a histria e a fundamentao terica que envolvem este tipo

  • 12

    Figura 5: Ilustrao de Ana Paola dos Reis para portfolio pessoal.

    Figura 5

    Ana Paola dos reis.

    de imagem; consequentemente, a reflexo desenvolvida ao longo do curso de Mestrado

    em Arte e Cultura Visual (PPGACV-UFG) ocorreu nesse sentido. Cabe salientar que a

    perspectiva apresentada neste estudo se orienta sob o olhar de uma pesquisadora ilustra-

    dora e designer grfico. Minha formao e atuao profissional focalizam os interesses de

    pesquisa em direo articulao potica, esttica e tcnica da ilustrao de moda, consi-

    derando seus aspectos comunicativos e sua relao com o design e a arte. Meus interesses

    aqui se distanciam de qualquer inteno de estudo da indumentria representada nas ilus-

    traes, ainda que a observao da indumentria por vezes seja necessria a fim de bem

    analisar as ilustraes. Creio que essa seja uma peculiaridade sobremaneira interessante

    que diferencia esta pesquisa de grande parte de outras j desenvolvidos sobre o tema,

    em sua maioria realizadas por pesquisadores do campo da moda. obviamente que o en-

    volvimento pessoal com o tema poder transparecer uma efervescncia apaixonada no

    tratamento dos argumentos e das propostas do texto. temos considerado isso no como

    um possvel filtro obscurecedor ou como causa panfletria, mas como fator propulsor de

    indagaes mais ntimas quanto prtica da ilustrao.

    Como no poderia deixar de ser, durante todo o desenvolvimento dos estudos, a

    orientao da Prof. dr. rita Andrade foi determinante para ampliar as motivaes sub-

    jetivas para um olhar direcionado a questes particulares do trabalho, especialmente ao

    considerar a ilustrao de moda uma prtica inserida no Sistema da Moda e ao orientar

    os estudos rumo identificao das lacunas que apresentam a discusso terica a respeito

    da ilustrao de moda. Sendo assim, os questionamentos aqui propostos, alm da curiosi-

    dade pessoalssima pelo que so motivados, pautam-se pela real necessidade de investigar

    uma rea ainda pouco observada e h muito tempo presente na cultura ocidental.

    Figura 6 Ana

    Paola dos reis.

    Figura 6: Ilustrao de Ana Paola dos Reis para portfolio pessoal.

  • 13

    Figura 7 Ana Paola dos

    reis. Cora.

    Figura 7: detalhe de ilustrao de Ana Paola dos Reis para loja online de vesturio Cora.

    Cabe desde j esclarecer que, na redao deste texto de dissertao, a partir

    deste ponto, ser utilizada a concordncia nominal relativa ao pronome ns, j que o tra-

    balho reflete as discusses e reflexes fomentadas entre orientanda Ana Paola dos Reis e

    orientadora rita Andrade.

    Ao princpio da anlise das informaes verificadas atravs do processo de

    pesquisa, todas as dvidas a respeito do tema pareciam pertinentes. todas as questes

    pareciam extremamente relevantes. As confuses eram recorrentes: seria esta ilustra-

    o deste livro desta ilustradora uma ilustrao de moda1? Mas ela no est falando so-

    bre roupas ou acessrios... ela fala da personalidade e histrias de pessoas imaginadas...

    essas ilustraes de uma obra literria podem ser comparadas, ento a um editorial de

    moda ilustrado em uma revista? e quanto a esse desenho que ilustra essa propaganda

    desse designer e que no mostra exatamente o produto dele? e agora?. A investigao

    mais cuidadosa e aprofundada da rea foi importante para esclarecer as dvidas que se

    impunham no incio da pesquisa e para perceber as questes que nos pareciam de maior

    relevncia, bem como o que ainda deve ser refletido a respeito do assunto. Aps essa

    imerso, identificamos com clareza o fator que parece mais relevante para estudo sobre

    ilustrao de moda neste momento, o qual formata o objetivo deste trabalho.

    o principal objetivo desta dissertao discutir os modos particulares como a

    moda representada atravs da ilustrao. interessa-nos compreender como a liberdade

    potica de representao combinada sensibilidade artstica atualmente instrumento de

    1 A situao aqui exemplificada demonstra uma dvida real decorrente de diversas ilustraes, como as figuras 3 e 4 de autoria de Fernanda Guedes mostradas na pgina 11.

  • 14

    um sistema de moda cada vez mais ligado ao consumo de bens materiais e imateriais.

    buscamos compreender a ilustrao de moda, em uma primeira instncia, segundo seus

    mecanismos conformadores e suas configuraes formais e poticas, e, em segunda ins-

    tncia, em termos de visualidade. Depreender essas questes significa um ganho repre-

    sentativo rumo compreenso do papel da ilustrao de moda na cultura visual das lti-

    mas dcadas.

    h de se ressaltar que esta pesquisa representa uma ampla abordagem da ilus-

    trao de moda e de forma alguma pretende apresentar concluses invariveis sobre um

    tema to complexo e amplo. Ao contrrio, intenciona-se colocar a ilustrao de moda em

    perspectiva e delinear seus diversos aspectos enquanto visualidade, a fim de provocar dis-

    cusses em torno do tema e estimular estudos mais aprofundados.

    A ilustrao por tempos tem sido pouco considerada pelos historiadores e cr-

    ticos da arte e da imagem em favor das ditas artes maiores: a pintura, a escultura, a ar-

    quitetura e a literatura. rui de oliveira (2008, p. 92), no livro que guiou muitas das re-

    flexes acerca de ilustrao nesta dissertao, observa que a ilustrao sofre estigma de

    arte menor e de produo cuja experincia e reconhecimento artstico seriam atrofiados e,

    para ele, essas concepes refletiriam um profundo desconhecimento da histria da arte.

    Reflexo inegvel disso o parco nmero de textos que se ocupam do aprofundamento da

    reflexo crtica a respeito da ilustrao, do estudo e anlise dessa visualidade ou de uma

    crtica dos resultados obtidos atravs dos processos poticos dos ilustradores. este quadro

    torna-se mais crtico quando se trata da ilustrao de moda, desde sempre confundida e

    localizada em um espao ambguo entre as produes visuais dos designers de moda e as

  • 15

    ilustraes produzidas para revistas femininas e catlogos.

    observa-se uma movimentao em torno da reverso desse quadro: vem cres-

    cendo o nmero de ttulos sobre o tema no mercado editorial (ainda que no sejam muitos

    aqueles preocupados com a perspectiva histrica ou terica) e o interesse pela ilustrao

    de moda pode ser percebido em publicaes e pesquisas acadmicas recentes.

    o primeiro captulo, Tracejando possibilidades e procedimentos de pesquisa,

    a seguir, apresenta os principais referenciais tericos que norteiam a discusso sobre do

    tema, bem como apresenta os critrios de seleo do corpus de pesquisa e os procedi-

    mentos metodolgicos adotados para anlise e observao do objeto, sendo esses mtodos

    qualitativos baseados em estudos de caso orientados, primordialmente, pela anlise de

    imagens. Ser possvel perceber, no decorrer do texto, que o relato de algumas das an-

    lises de imagem foi editado para contemplar simplesmente os aspectos especficos que

    concerniam ao assunto discutido no momento e para o qual foram tomadas como exem-

    plo. Cremos que ao adotar tal medida, mantemos o foco da anlise na discusso em ques-

    to e abstemos nosso leitor de uma leitura cansativa e por demais extensa.

    o segundo captulo, A ilustrao em perspectiva, representa uma discusso a

    respeito do tema ilustrao de moda. Para tanto, tomamos como referencial de partida as

    problematizaes originrias de textos que refletem sobre ilustrao para livros infantis e

    juvenis e, a partir dessas problematizaes, levantamos dados comparativos a fim de ob-

    servar como se comporta a ilustrao de moda.

    o terceiro captulo, A ilustrao e outras formas de representao atravs do

  • 16

    desenho nas atividades da moda, apresenta a ilustrao de moda e atividades prximas

    ela, tais como o desenho de moda e o desenho tcnico de moda, a fim de esclarecer as

    diferenas, semelhanas e interseces entre essas modalidades de imagem.

    o quarto captulo, Delineando sentidos e interpretaes: ilustrao de moda e

    visualidade, se refere a um debate do tema ilustrao de moda que revisa as constataes

    granjeadas nos captulos anteriores e as lana luz das reflexes tericas provenientes

    do campo da Cultura Visual, a fim de situar as imagens em questo como visualidades e

    compreender de que forma a ilustrao de moda atuaria como tal, articulando sentidos e

    significaes. A ltima parte do texto concerne s concluses obtidas atravs dos embates

    tericos aos quais nos propomos e anlise e observao do tema.

  • 17

    cAPtuLo i: tRAcejAndo PossibiLidAdes e

    PRocedimentos de PesquisA

    este captulo apresenta apontamentos metodolgicos que concernem pesquisa.

    nossos procedimentos de estudo se baseiam na pesquisa exploratria, de cunho qualita-

    tivo, que se concentra em estudos de caso e anlises de imagem como um meio de lan-

    ar um olhar amplo sobre o assunto e, ainda, em discusses bibliogrficas sobre as ques-

    tes que nos parecem mais relevantes. Apresentamos, a seguir, o percurso de seleo da

    bibliografia especfica sobre ilustrao e ilustrao de moda e da bibliografia de funda-

    mentos tericos, alm do procedimento de seleo do corpus de pesquisa e de anlise do

    mesmo.

    1.1 Seleo da Bibliografia

    No processo de seleo da bibliografia especfica, identificamos algumas carac-

    tersticas do mercado editorial nacional. A primeira que h poucos ttulos especficos

    sobre ilustrao de moda. Aqueles disponveis so tradues recentes de publicaes es-

    trangeiras. destacamos: Desenho de moda: tcnicas de ilustrao para estilistas2, Dese-

    nho de moda avanado: ilustrao de estilo3 e Fashion Illustrator manual do ilustrador

    2 bryAnt, Michele Wesen. desenho de Moda: tcnicas de ilustrao para estilistas. So Paulo: Senac, 2012.3 donoVAn, bil. desenho de moda avanado: ilustrao de estilo. So Paulo: Senac, 2010.

  • 18

    de moda4. outra caracterstica relevante desse mercado que a maioria desses livros se

    volta para a profissionalizao e ensino de tcnicas de desenho para o setor de moda, tx-

    til e outros relacionados.

    entre as edies internacionais que circulam no brasil, elencamos A cor na

    ilustrao de moda5; Ilustrao de moda6; Ilustrao de moda detalhes7; Ilustrao de

    moda masculina8; Grandes artistas de la ilustracin de Moda9; Modern fashion illustra-

    tion10; Contemporary fashion illustration techniques11; Digital fashion illustrations with

    Photoshop and Illustrator12; 100 Aos de ilustracin de Moda13; Tcnicas de ilustrao

    de moda14; Big book of fashion illustration: a world sourcebook of contemporary illus-

    tration15; Essential fashion illustration16; New fashion illustration17. todos eles tratam das

    questes tcnicas relacionadas rea. Alm do j mencionado formato de manual, des-

    taca-se o formato de coletnea da obra de ilustradores consagrados e livros portflio de

    4 MorriS, bethan. Fashion illustrator: Manual do ilustrador de Moda. So Paulo: Cosac naify, 2007.5 A Cor na ilustrao de moda. [Porto]: Paisagem, 2011. (Col. bsica de Moda).6 lAFUente, Maite. ilustrao de moda. [Porto]: Paisagem, 2011. (Col. bsica de Moda).7 lAFUente, Maite. ilustrao de Moda: detalhes. [Porto]: Paisagem, 2011. (Col. bsica de Moda).8 WAine, Chidy. ilustrao de Moda Masculina. [Porto]: Paisagem, 2011. (Col. bsica de Moda).9 doWnton, david. Grandes artistas de la ilustracin de moda. [barcelona]: blume, 2011.10 ASenSio, Paco. Modern Fashion illustration. [Porto]: FKG/Paisagem, 2010.11 WAtAnAbe, naoki. Contemporary fashion techniques. [Gloucester]: rockport Publishers, 2009.12 tAllon, Kevin. digital fashion illustrations with Photoshop and illustrator. [london]: batsford, 2008.13 blACKMAn, Cally. 100 aos de ilustracin de moda. barcelona: blume, 2007.14 [lAFUente, Maite]. tcnicas de ilustrao de moda. s.l., evergreen, 2008.15 dAWber, Martin. big book of fashion illustration: a world sourcebook of contemporary illustration. [london: batsford/Anova], 2007.16 lAFUente, Maite. essential fashion illustration. [Gloucester]: rockport Publishers, 2006.17 dAWber, Martin. new fashion illustration. [london]: batsford. 2006.

  • 19

    ilustradores contemporneos.

    dado o interesse desta pesquisa por aspectos histricos e tericos da ilustrao

    de moda, ansivamos por textos que elucidassem a ilustrao sobre esse aspecto e que

    abordassem o tema segundo uma perspectiva mais crtica. entretanto, so poucos os ttu-

    los dedicados a essas abordagens. Felizmente h excees, sendo que dois trabalhos cola-

    boraram para o desenvolvimento da pesquisa: Fashion illustrator manual do ilustrador

    de moda (2007) escrito por bethan Morris. Apesar de este livro apresentar um captulo

    dedicado s tcnicas de desenho, tambm apresenta um compndio histrico da ilustra-

    o de moda no ocidente, informaes pertinentes diferenciao entre ilustrao, croqui

    e desenho tcnico de moda, alm de entrevistas com alguns cones da ilustrao e, desta

    maneira, significou um bom referencial inicial. E o trabalho de Cally blackman (2007),

    100 aos de ilustracin de moda (edio espanhola do ttulo original 100 years of fashion

    illustration) foi importante por conta do referencial histrico. blackman relata o surgi-

    mento da ilustrao de moda na europa e apresenta um grande nmero de ilustraes co-

    mentadas e referenciadas, com especial ateno ao sculo XX. o trabalho elenca os prin-

    cipais artistas e mecanismos estticos, polticos e econmicos envolvidos no processo de

    criao dessas imagens e os acontecimentos que repercutiram diretamente na moda e na

    ilustrao a exemplo: as i e ii Guerras Mundiais e o aprimoramento e disseminao das

    tcnicas de reproduo das fotografias nas mdias impressas. Uma das questes destaca-

    das por ambas as autoras chama bastante ateno: a relao histrica18 entre fotografia e

    18 o estudo dos contextos histricos da ilustrao de moda foi um dos primeiros estgios da pesquisa e nos levou ao melhor conhecimento do tema e a problematizaes presentes no texto. Contudo, o relato dos dados histricos levantados no foi transposto para o texto final da dissertao, mas utilizamos algumas das informaes coletadas em contextos especficos quando as discusses assim exigiram.

  • 20

    ilustrao. interessante perceber como uma e outra se afetaram e de que forma isso re-

    percutiu na ilustrao de moda19.

    Foram realizadas pesquisas em torno do tema ilustrao de moda entre as pu-

    blicaes cientficas. Referenciais tericos foram coletados entre peridicos cientficos e

    anais de eventos e entre as dissertaes e teses defendidas no brasil, especialmente nos

    bancos disponibilizados pela UniCAMP, Universidade Federal de Juiz de Fora e Uni-

    versidade Anhembi Morumbi (foi nesses bancos de dados que conseguimos encontrar

    dissertaes que colaboraram com nossa pesquisa). As pesquisas j defendidas e o teor

    dos artigos publicados por pesquisadores (alguns dos quais poca no haviam defendido

    suas dissertaes ou teses) demonstram interesse especial sobre a representao da indu-

    mentria nas ilustraes. Percebe-se ainda uma busca por diferenciar as modalidades de

    representaes em imagens vinculadas ao sistema da moda, em especial por distinguir

    desenho e ilustrao de moda. Um exemplar estudo deste tipo est na dissertao defen-

    dida por luciana Gragnato20, que sistematizou parmetros para diferenciao de ilustra-

    o, desenho de moda e desenho tcnico, a qual tomamos como referencial, a partir do

    qual buscamos nos aprofundar em preceitos prprios ilustrao de moda.

    19 O desenvolvimento das tcnicas fotogrficas fez com que a ilustrao de moda se transformasse esteticamente a fim de estender sua sobrevida nas revistas de moda, ainda que, com o tempo, entrasse em desuso.20 luciana Gragnato mestre em design pela Universidade Anhembi Morumbi, onde atua como professora em disciplinas relacionadas a desenho e ilustrao. Sua dissertao dedica-se a estudar o desenho como integrante do design de moda e identificar os tipos de desenho e suas caratersticas ao ser utilizado nos processos de concepo, desenvolvimento e comercializao de produtos. o estudo preocupa-se ainda em demonstrar as relaes entre a representao grfica da figura humana (especialmente a silhueta feminina) e o contexto histrico em que o desenho foi desenvolvido.

  • 21

    Foi possvel observar tambm uma carncia de estudos preocupados em proble-

    matizar a funo cultural da ilustrao de moda. Curiosamente, o contrrio vem ocor-

    rendo com a ilustrao de livros infantis e juvenis, cuja articulao terica tem sido ela-

    borada atravs das reflexes dos prprios ilustradores em torno da fundamentao de um

    discurso crtico sobre suas atividades. isto se deve, talvez, conforme indica Ana Maria

    Machado (apud. oliVeirA, 2008, p. 14-19), por este tipo de ilustrao estar ligada

    literatura brasileira, campo que vem se consolidando como um setor cuja produo inte-

    lectual bastante qualificada, o que poderia estimular os ilustradores brasileiros de livros

    infantis e juvenis a desenvolver reflexes sobre seu processo criativo e sobre os resultados

    alcanados, ainda que boa parte desses relatos no seja publicada.

    As deficincias apontadas por Ana Maria Machado (apud. oliVeirA, 2008,

    p. 14-19) na ilustrao literria a falta de uma reflexo crtica aprofundada e de um

    exerccio da crtica sobre as produes que questione o prprio das imagens [desenha-

    das] nas publicaes, a discusso da formao dos ilustradores, a falta de referncia sobre

    as produes anteriores podem ser sentidas de forma potencializada na ilustrao de

    moda. Portanto, pela falta de referncias prprias ilustrao de moda, consideramos as

    discusses provenientes da ilustrao de livros infantis como parmetro para refletir as

    prticas que se estabelecem pela ilustrao de moda. Assim, tomamos o texto desenvol-

    vido por rui de oliveira21 (2008), Pelos Jardins Boboli, um dos poucos trabalhos sobre o

    21 rui de oliveira professor no curso de desenho industrial da escola de belas Artes na UFrJ. estudou pintura no MAM/RJ, artes grficas na Escola de Belas Artes da UFRJ e ilustrao no Instituto Superior hngaro de Artes industriais, em budapeste. Fez mestrado e doutorado em Comunicao e esttica do Audiovisual na eCA - USP. J ilustrou mais de 100 livros e projetou mais de 400 capas para as principais editoras de literatura infanto-juvenil brasileiras. obteve 18 prmios como ilustrador no brasil e no exterior.

  • 22

    assunto publicados no Brasil, como um modelo para refletir e problematizar nosso tema

    de pesquisa22 e, atravs da profunda reflexo a que Oliveira (2008) submete a ilustrao,

    analisamos a adequao de seus preceitos ilustrao de moda.

    temas levantados por rui de oliveira (2008) como a questo imagem x texto,

    mimetismo e narratividade (que so caros ilustrao de livros para crianas e jovens)

    foram brevemente discutidos sob a perspectiva da ilustrao de moda a fim de com-

    preender melhor nosso objeto de pesquisa e, para tanto, recorremos a outros vrios au-

    tores. em especial no que tange ao texto e sua relao com a imagem na ilustrao de

    moda, nos valemos dos estudos de barthes em Sistema da moda23 (1967), por representar

    um texto de referncia no assunto e que esclarece de forma bastante satisfatria nossos

    questionamentos.

    Nesse panorama, identificamos caminhos de pesquisa que ainda esto em

    aberto e que poderiam ser percorridos por pesquisadores interessados na rea. As possi-

    bilidades apontam para diversas direes: para uma historiografia da ilustrao de moda

    brasileira; para uma reflexo terica que discuta a rea de forma mais clara e crtica, um

    estudo que considere e inventarie suas peculiaridades estticas e tcnicas; para o estudo

    da representao das figuras humanas e da composio nas ilustraes de moda; para

    a averiguao do modo como essa visualidade (advinda de uma tradio de editoriais

    22 Mesmo entre as bibliografias estrangeiras, no foi possvel averiguar textos que discorressem sobre algo como uma teoria da ilustrao. o conhecimento sobre alguns textos ocorreu essencialmente a partir das referncias bibliogrficas de Rui de Oliveira (2008), porm o contato com essas obras (em sua maioria especificamente sobre ilustrao para livros infantis) se viu dificultado pela indisponibilidade em nossas bibliotecas e livrarias.23 Referencial bibliogrfico sugerido pela banca de qualificao.

  • 23

    impressos) tem se inserido nas mdias e no imaginrio na atualidade; para um estudo das

    subjetividades envolvidas no processo de produo dessas imagens, rumo a uma avalia-

    o dos discursos ideolgicos que se estabelecem a partir da ilustrao de moda; e a uma

    anlise dessas imagens enquanto discurso da prpria moda. As possibilidades so inme-

    ras e relevantes, especialmente no campo da Cultura Visual.

    A perspectiva da Cultura Visual determinante para compreender a ilustrao

    de moda a partir de um prisma geral, conforme nos propomos, sob a perspectiva inclu-

    siva e contextualizada que esse campo propicia. Consideramos que a Cultura Visual se

    mostra como campo frtil para desenvolvimento dessa investigao especialmente por-

    que, no ficando refm das especificidades da historiografia da arte (que pouco se inte-

    ressou pelas ilustraes de moda), abre seus espectros para as discusses em torno da

    miscigenao artstico-imagtica, e, caracterizando-se como campo transdisciplinar e

    transmetodolgico, discute a imagem, no apenas sob seu aspecto esttico, mas pela sua

    repercusso na cultura e nos processos de interpretao crtica (MArtinS, 2006, p. 70-

    71). prprio Cultura Visual o interesse por discutir o impacto das imagens do cinema,

    das histrias em quadrinhos, da publicidade [e, porque no, das ilustraes de moda]

    sobre os indivduos, bem como enfatizar, deliberadamente, a relao arte e vida, isto

    , arte e imagens como parte do cotidiano, como parte de uma convivncia diria com

    nossa diversidade e complexidade (MArtinS, 2006, p. 71).

    A caracterstica transdisciplinar da Cultura Visual nos permitiu transitar entre

    fronteiras de outras reas e, sendo assim, buscamos referenciais que colaborassem com

    a anlise e interpretao dos temas. entre os referenciais adotados nessa pesquisa h

  • 24

    autores e pesquisadores prprios da Cultura Visual, dos estudos Culturais, da Cultura

    Material, da histria da Arte e mesmo da Semitica.

    Percebemos a ilustrao de moda como uma atividade situada entre fronteiras

    de reas: entre a moda, a arte e o design. rosane Preciosa e Gisela belluzzo de Campos

    (2008, p. 210) explicam que

    a palavra moda pode ser usada como modismo, aquilo que vira tendncia () ou ento pode ser usada como aquilo que configura um gosto, uma subje-tividade que se v esculpida por formas, cores, volumes que representam uma poca, em sua mais plena acepo. design entendido, hoje, como algo que projetado para ter um uso. esse projeto consciente e leva em conta o usurio em suas necessidades funcionais e estticas. Arte vista como uma investi-gao desinteressada acerca de problemas existenciais, sociais, subjetivos, de linguagem (). A investigao artstica no est comprometida com um p-blico ou usurio, mas no deixa de ter no homem, em suas prticas sociais, polticas, estticas, a motivao primeira para existir.

    de forma semelhante, a ilustrao de moda parece se inserir nesses meios hi-

    bridizantes uma vez que, como a arte, capaz de articular aspectos simblicos, alm de

    utilizar de tcnicas, estticas e abordagens aproximadas investigao artstica. A ilus-

    trao se aproxima tanto do design grfico quanto do design de moda sob muitos aspec-

    tos: ilustrao e design grfico preocupam-se com a elaborao grfica de superfcies;

    enquanto a ilustrao, alm de se fazer sensvel atravs da ilustrao de moda e represen-

    tar seus produtos materiais e simblicos, colabora com o design de moda tambm no que

    diz respeito estamparia, entre outros. Seria at mesmo difcil relatar todas as possibili-

    dades de convergncia entre ilustrao, design grfico e design de moda que vo desde

    a elaborao da comunicao visual da marca e de pontos de venda at a elaborao de

  • 25

    estampas, padronagens, materiais promocionais, etc.

    Jules Prown (1982, p. 3) considera que objetos (imagens) incorporam e refletem

    crenas culturais. Isso significa que o processo de anlise de uma imagem orienta-se de

    forma a compreender como a cultura est expressa ali: alm da obviedade de consistir em

    uma produo humana (o que basta para caracteriz-las como produtos culturais), as ima-

    gens refletem por si e em si, naquilo que mostram e no mostram, as articulaes sociais,

    polticas, de gnero, religiosas, entre outras, da sociedade em que foram produzidas.

    Prown (1982, p. 3) ainda sugere que a mais bvia crena cultural a de que

    os objetos sejam investidos de valor. importante observar, contudo, conforme indica

    Ulpiano bezerra de Meneses (2003, p. 28), que as imagens no tem sentido em si, ima-

    nentes. a interao social que produz sentidos, mobilizando () determinados atribu-

    tos para dar existncia social (sensorial) a sentidos e valores e faz-los atuar. segundo

    essa perspectiva, de que o valor atribudo pelo homem, que devemos considerar o que

    prope Prown (1982, p. 03) quanto aos valores do objeto. ele aponta que o valor pode ser

    intrnseco ao objeto (relacionando-se raridade do material de que feito), relacionado

    utilidade do objeto (que permanece valioso enquanto mantiver sua funo) e que al-

    guns objetos possuem valor esttico, outros valores religiosos, ou mesmo valores expres-

    sos em relao a outros indivduos ou ao ambiente. A discusso sobre o valor da imagem

    nos cara uma vez que, parece-nos, est ligada aos sentidos que podem ser articulados

    por uma ilustrao e, mais alm, sustentao e permanncia dessas imagens na cultura

    contempornea.

    A reflexo em torno dos questionamentos provocados pela imagem um dos

  • 26

    preceitos fundamentais que ancoram o campo da Cultura Visual. Para Gillian rose

    (2001, p. 6), imagens nunca so janelas transparentes para o mundo. elas interpretam o

    mundo; elas o apresentam em forma muito particulares. Para rose (2001, p. 6), os sen-

    tidos seriam investidos sob os termos de viso e visualidade: viso consiste na capaci-

    dade fisiolgica de ver, enquanto visualidade se refere s diferentes formas como a viso

    construda, sendo que ambos, viso e visualidade, so culturalmente construdos.

    Mitchell (apud. KnAUSS, 2006, p 114) indica que visualidade se refere ao re-

    gistro visual em que a imagem e o significado visual operam. Sendo assim, ao se consi-

    derar as imagens sob o status de visualidade, necessrio estar ciente de que o processo

    de significao depreendido a partir destas no absoluto ou unnime e, nas palavras de

    Knauss (2006, p. 113) o olhar mltiplo e () requer conhecer caractersticas intrnse-

    cas s imagens, mas tambm admitir que o olhar precisa ser preparado para ver e analisar

    as imagens.

    1.2 estudos de caso

    Assim como os dilogos entre Knauss (2006), Mitchell (apud. KnAUSS, 2006),

    Prown (1982), Meneses (2003), taylor (2002), rose (2001) e Preciosa e Campos (2008)

    propiciados pela cultura visual, tambm as propostas metodolgicas para anlise de ima-

    gens que foram consideradas neste projeto consistem em procedimentos coletados de di-

    versos campos, da sociologia iconografia. os estudos de caso nos permitiram observar

    e comparar imagens, observando seus aspectos tcnicos, estticos, poticos ou contex-

    tos culturais, a fim de observar os diversos aspectos implicados nas imagens e, a partir

    dessas observaes, discutir os pressupostos tericos implicados nos casos. A anlise de

  • 27

    imagens representa o procedimento central que adotamos para investigar nosso tema de

    pesquisa.

    1.2.1 seleo do corpus da pesquisa

    o corpus de pesquisa foi selecionado de acordo com a nossa inteno em lanar

    uma vista panormica sobre o tema ilustrao de moda. As imagens foram selecionadas

    de acordo com as discusses tericas que fomos propondo no decorrer do trabalho e, por-

    tanto, representam uma amplitude de diferenas e semelhanas entre ilustraes de moda

    de vrios perodos histricos. Uma vez que no nos interessa realizar um inventrio ou

    perceber caractersticas mais frequentes entre um grupo de ilustraes, mas perceber dis-

    tintas formas de comportamento de tais imagens, cobrir uma vasta gama de tipos de ilus-

    trao e de diversas pocas nos pareceu o ideal segundo nossos objetivos.

    no processo de escolha das imagens, buscamos ilustraes que bem exempli-

    ficassem os preceitos tericos que discutimos a partir de diferentes autores. Em contra-

    partida, por vezes nos deparamos com imagens que nos instigavam e nos levavam s

    discusses tericas. em ambos os casos, buscamos selecionar ilustraes sobre as quais

    soubssemos sobre seu contexto de publicao: autoria da imagem, ano de publicao,

    revista ou outro veculo em que fora publicada, pas de origem, e, preferencialmente, tam-

    bm o designer de moda que estava sendo representado na da ilustrao. Sendo assim,

    nossas principais fontes foram as que apresentavam de forma confivel essas informa-

    es: o livro 100 aos de ilustracin de moda (blackman, 2007), o acervo online de capas

    histricas da revista Vogue e a galeria virtual Fashion illustration Gallery, de onde foram

    extradas, particularmente, os editoriais completos mostrados neste trabalho.

  • 28

    1.2.2 Anlise de imagens

    Assim como existe uma sintaxe das palavras, existe tambm uma relativa sintaxe das imagens. logicamente que para ler uma imagem impossvel adotar um mtodo rgido, um sistema, por exemplo, que avalie unicamente as questes estruturais (oliVeirA, 2008, p. 29).

    Para uma abordagem metodolgica crtica segundo os preceitos da cultura vi-

    sual, rose (2001, p. 15-16) prope que o pesquisador adote algumas posturas diante das

    imagens que esto sendo analisadas: considerar a imagem em seu contexto social, sem

    assumir que elas se reduzam a esses contextos; considerar que o olhar do pesquisador

    um ser constitudo a partir de determinado contexto histrico, geogrfico, cultural e

    social no de forma alguma inocente e, portanto, considerar de forma crtica como

    esse olhar desenvolvido. Por fim, pensar a respeito das condies sociais e efeitos dos

    objetos visuais: encarar que as prticas culturais permitem a articulao de significados

    a respeito do mundo, em negociao a conflitos sociais, na produo dos sujeitos sociais

    (roSe, 2001, p. 15-16).

    lou taylor uma pesquisadora e professora inglesa de referncia na consolida-

    o da rea da histria da indumentria. Seus mtodos e abordagens de pesquisa transi-

    tam em torno da Cultura Material. Sua perspectiva cultural e seu interesse pela imagem

    como fonte de pesquisa representam uma importante referncia para ns. em seu livro

    The study of dress history (2002) a autora apresenta questes cruciais que devem ser ve-

    rificadas em abordagens que utilizem a anlise visual, seja ao tomar objetos e imagens

    como fontes histricas como de seu interesse, seja para desenvolver um discurso em

    torno de questes intrnsecas prpria imagem, como por ns pretendido.

  • 29

    Aproximando-se, dessa maneira, perspectiva da Cultura Visual, taylor (2002,

    passim) indica que a representao imagtica est condicionada a diversos agentes: fa-

    tores socioculturais de poca, convenes artsticas, preferncias pessoais dos artistas,

    subjetividades envolvidas na elaborao de retratos, convenes estticas, entre outros.

    Atravs do estudo do quinto captulo de seu livro, Approaches using visual analysis:

    paintings, drawings and cartoons, foi possvel conhecer um mtodo de abordagem que

    considera modalidades de imagem que se aproximam da ilustrao de moda: pinturas

    nas quais a vestimenta se destaca, ilustraes de registro de indumentrias, pranchas de

    moda, desenhos de moda e cartoons.

    importante considerar, segundo taylor (2002, passim), que os registros visu-

    ais trazem junto de si a marca de valores ticos, polticos e etiquetas prprias sociedade

    de sua respectiva poca. Pode ser positivamente confuso aceitar fontes visuais diante de

    valores aparentes porque as relaes entre imagens e seus significados culturais so com-

    plexos e possuem mltiplas camadas (tAylor, 2002, p. 115).

    Taylor (2002) ratifica a observao de Rose (2001) ao considerar que, em es-

    pecial quando as imagens tratam de produtos artsticos, elas refletem a viso do artista,

    cujo olhar e opinies so moldados segundo o seu tempo, da mesma forma que era co-

    mum que pinturas fossem condicionadas a convenes estticas que mudavam de perodo

    a perodo. Alm dessas, existiriam tambm convenes sociais implcitas nas representa-

    es artsticas histricas e, atravs da esttica, seriam sugeridos valores e classes sociais

    das pessoas retratadas, seja pelo exagero das caractersticas de determinada classe, seja

    pela representao idealizada das mesmas. Ainda se deve considerar e verificar sempre

  • 30

    a origem da fonte visual para que uma imagem reeditada e retrabalhada no seja tomada

    como o seu original. Por fim, Taylor (2002, p. 145) orienta a considerar o que e por que

    est sendo retratado nas imagens, alm de por quem e como: essencial buscar informa-

    es a respeito do autor da imagem, do meio em que foi veiculada e do contexto hist-

    rico-social em que foi publicada.

    ressaltamos que nossas anlises de imagem no acontecem por meio de um

    mtodo rgido e imutvel. Uma vez que cada ilustrao apresenta particularidades quanto

    sua funo, esttica, tcnica, forma de reproduo, contedo, etc, o mtodo se adapta

    de forma a destacar os aspectos especficos de cada ilustrao, buscando ao mximo con-

    templar todos os seus aspectos estticos, tcnicos e conceituais.

    de uma forma geral, o primeiro procedimento de anlise tende a ser a descri-

    o da ilustrao a fim de observar elementos principais e detalhes relevantes da cena

    representada. Descrevemos o nmero de figuras presentes24 e as prprias figuras, os de-

    mais elementos representados, a disposio da(s) figura(s) no plano e a forma como in-

    teragem (ou no interagem), o fundo, os enquadramentos, etc. observamos tambm

    se h alguma narrativa ou ndice narrativo proposto na imagem. Seguindo-se a um in-

    teresse mais tcnico, procuramos identificar o tipo de composio da imagem, a linha

    guia que orienta a observao, o tipo de linha e de contorno utilizados, a perspectiva,

    a paleta de cores utilizada e os esquemas de contraste e tonais utilizados, a forma de

    colorizao e preenchimento, o tratamento dado forma, o tipo de figurao, etc..

    24 levamos em conta com essa proposio que, na grande maioria das imagens observadas no decorrer da pesquisa, as ilustraes de moda apresentam uma figura humana como elemento principal do desenho.

  • 31

    buscamos determinar a tcnica e os materiais empregados pelo ilustrador para desenvol-

    ver a imagem. ento, buscamos relacionar algumas impresses estticas: como a forma

    se identifica com as produes visuais do perodo em que foi desenvolvida, se elas so

    semelhantes ou fazem referncia a algum perodo artstico, como o elemento de moda

    representado na imagem.

    Uma vez observadas essas questes, buscamos analisar como elas se implicam

    mutuamente: como a tcnica empregada de produo ou reproduo determina as cores

    escolhidas ou implica sobre a configurao da linha e do preenchimento; como a tcnica

    e a esttica colaboram para a reafirmao de um aspecto conceitual percebido pelo pes-

    quisador e permite inferir sobre as intenes do ilustrador.

    da mesma forma, e seguindo as indicaes de lou taylor (2002), observamos

    como os elementos externos imagem em si implicam na interpretao da ilustrao:

    quem o ilustrador, qual o carter do meio em que a ilustrao foi inserida, a que pblico

    se destina, alm de investigar o contexto sociocultural que envolve a produo e a circu-

    lao da imagem em questo. essa abordagem que considera os contextos nos quais o ar-

    tista produziu as imagens em questo, bem como das condies histricas e culturais que

    envolvem tais imagens, aproxima-se sob esses aspectos, relativamente, de uma anlise

    iconogrfica. Tambm o repertrio imagtico do analisador, seus conhecimentos e expe-

    rincias sobre tcnicas de reproduo e sobre moda so determinantes para a adequada

    anlise de uma ilustrao de moda.

    neste ponto, a sensibilidade do pesquisador determinante para que ele re-

    organize os tpicos de verificao da anlise segundo seu interesse e adaptados s

  • 32

    caractersticas da imagem em questo. importante que o analisador no se atrele a hir-

    tos procedimentos que poderiam amarrar a anlise de imagem a um nvel superficial ou

    torn-la essencialmente tcnica e maante, sem que o esprito da ilustrao fosse perce-

    bido. obviamente que para que essa sensibilidade seja mais apurada, o exerccio da an-

    lise se faz necessrio.

    Assim sendo, as anlises das ilustraes de moda foram guiadas pela nossa sen-

    sibilidade que, por sua vez, foi estimulada pelas caractersticas mais instigantes da ima-

    gem. possvel que a impresso inicial guie todo o resto da anlise. tambm possvel

    que aspectos secundrios redirecionem a percepo em outro sentido daquele intudo ori-

    ginalmente. Seja como for, interessa tocar no mago da imagem, em sua questo princi-

    pal. no nosso caso, ansivamos por discutir a ilustrao de moda enquanto visualidade,

    orientando nossa percepo para o modo como a moda representada atravs desse tipo

    de imagem. Para tanto, orientamos nossa anlise a fim de perceber como os elementos

    plsticos, tcnicos e conceituais que compunham tal e tal ilustrao contriburam para

    representar a moda de uma ou outra forma.

    no prximo captulo discutiremos a ilustrao de moda segundo as indicaes

    de rui de oliveira (2008) sobre a ilustrao de livros para crianas e jovens. no decorrer

    desse segundo captulo e, especialmente, no terceiro captulo, possvel observar com

    mais clareza a metodologia discorrida anteriormente.

  • 33

    cAPtuLo ii: A iLustRAo em PeRsPectiVA

    este captulo discute algumas questes conformadoras da prtica da ilustrao

    de moda ao mesmo tempo em que apresenta um breve relato histrico do tema. Para isso,

    alm de recorrer a referenciais tericos sobre a histria e anlise de imagens, tambm

    nos valemos da discusso proveniente da ilustrao de livros infantis levantada por rui

    de oliveira (2008) para problematizar e discutir a ilustrao de moda em seus aspectos

    mais amplos.

    Compreendemos a ilustrao de moda como uma atividade flexvel e adaptvel:

    ocupa-se desde a composio de catlogos de moda at anncios publicitrios e editoriais

    em revistas especializadas. durante o decorrer da sua histria, a ilustrao transitou de

    maneira mais ou menos intensa entre essas categorias.

    entre as principais caractersticas da ilustrao apontadas por oliveira (2008),

    o potencial narrativo uma das caractersticas destacadas de modo mais enftico. en-

    tretanto, parece-nos bvio que o carter narrativo no comum a todos os tipos de ilus-

    trao, haja vista a existncia de ilustraes cujo carter principal , essencialmente, a

    representao. entre algumas ilustraes de moda, em especial aquelas que constam em

    catlogos de venda, o carter narrativo sobrepujado pela necessidade de se representar a

    Figura 8 Flora von deuts-

    chland, sterreich und der Schweiz

    1885. ilustrao botnica.

    Figura 9 Frank

    netter. ilustraes de

    anatomia humana

    Figura 8 (topo): Ilustrao botnica, de carter informativo.Figura 9 (acima): Ilustraes de anatomia hu-mana, de carter informativo.

  • 34

    indumentria de forma mais comprometida com o referencial real. Ao lado desse tipo de

    ilustrao de moda percebemos outras que se comportam de maneira semelhante, como

    as ilustraes cientficas que se preocupam com a representao de elementos botnicos,

    anatmicos e mesmo tecnolgicos. oliveira (2008, p. 44) situa esse tipo de ilustrao

    como ilustrao informativa: aquela que possui objetivos especficos, sendo compromis-

    sada com o conhecimento e a clareza de informaes.

    ressaltamos que nos interessa, mais do que categorizar a ilustrao de moda

    como um ou outro gnero ilustrativo, perceber, a partir de caractersticas, semelhanas

    e diferenas entre esses gneros, as peculiaridades da ilustrao de moda. o prprio oli-

    veira (2008, p. 44) deixa transparecer que esses gneros narrativo, informativo e persu-

    asivo podem se influenciar mutuamente, apesar de se comportarem de maneira distinta.

    Percebemos tanto o carter narrativo quanto o informativo de forma clara em ilustraes

    de moda. optamos por nos concentrar no estudo desses dois carteres uma vez que, dife-

    rente do carter persuasivo apontado por oliveira, estes possuem menos correspondncia

    com a publicidade (cujos mecanismos no pretendemos abordar).

    nos tpicos a seguir discutiremos a questo da narratividade e do carter infor-

    mativo associado forma mimtica. da mesma forma, segundo nosso interesse de pes-

    quisa, discorremos sobre a relao entre texto e ilustrao, sobre o que oliveira (2008, p.

    44) explica que a ilustrao narrativa seria aquela sempre associada a um texto que pode

    ser literrio ou musical e caracteriza o gnero essencialmente por narrar e descrever

    histrias atravs de imagens.

    Figura 10

    instrues

    de segurana

    para voos

    aeronuticos

    Figura 10: Ilustrao dos procedimentos de emergncia em vos aeronuticos, de carter informativo.

  • 35

    2.1 narratividade

    Para Cia Fittipaldi Vessani25 (2008, p. 103) toda imagem tem alguma histria

    para contar. A autora e ilustradora estende essa caracterstica mesmo a imagens abstra-

    tas, indicando que elas permitem ao pensamento fantasiar e fabular. A mesma indica que

    se ao olharmos uma imagem pudermos perceber um acontecimento em ao realizado

    por uma ou mais personagens e pudermos imaginar tambm um estado anterior e um es-

    tado posterior ao representado nessa imagem, a est impresso o carter narrativo (VeS-

    SAni, 2008, p. 103).

    Conforme raimundo Martins e irene tourinho (2009),

    contexto, temporalidade e espao so elementos centrais das narrativas. () Esses elementos () qualificam a narrativa como um relato no qual um agente

    conta uma histria atravs de um meio particular linguagem, imagem, som, prdios, gestos ou atravs de uma combinao desses meios.

    Conceito semelhante proposto por rui de oliveira (2008, p. 114), para quem

    as narrativas ilustradas necessitam de corpo, tempo e espao.

    Para Maria lcia Costa rodrigues (2011, p. 80), que sistematizou em sua dis-

    sertao de mestrado o conhecimento de outros autores como Gancho e Abdala Junior,

    nas manifestaes imagticas de qualquer ordem, para haver uma narrativa completa ela

    25 Cia Fittipaldi professora de desenho, ilustrao e design editorial na Faculdade de Artes Visuais da UFG, mestre em Cultura Visual pelo mesmo programa (PPGAV-UFG) em que vimos desenvolvendo essa pesquisa. autora e ilustradora premiada de livros infantis com ttulos publicados em espanhol, ingls e alemo, Vencedora, entre outros, do prmio Jabuti e indicada ao Prmio hans Christian Andersen. Cia Fittipaldi foi incentivadora e inspiradora para o desenvolvimento de nossa pesquisa sobre ilustrao de moda.

  • 36

    precisa apresentar todos os elementos da narrativa (enredo, personagem, tempo, espao,

    narrador). Essa mesma pesquisadora explica que as imagens artsticas e as fotografias

    podem possuir um determinado grau narrativo, mas que, na maioria dos casos, no apre-

    sentam todos os elementos que constituem uma narrativa, com comeo, meio e fim. Para

    rodrigues, (2011, p. 80) uma narrativa completa apresentaria todos os seguintes elemen-

    tos: enredo, personagem, tempo, espao e narrador. No caso de arte e fotografia, segundo

    a autora (ibid.), tais imagens forneceriam apenas ndices capazes de serem transformados

    em um texto narrativo ou em um enredo construdo pela descrio verbal da imagem.

    A partir desses pressupostos, entendemos que a narratividade est impressa em

    grande parte das imagens, contudo, uma narrativa visual acontece apenas quando esti-

    verem presentes determinados elementos capazes de situar a narrativa em no mnimo

    contexto, tempo e espao. Manguel (2001, p. 24, apud. rodriGUeS, 2011, p. 80) escla-

    rece que

    formalmente, as narrativas existem no tempo e as imagens no espao. du-rante a idade Mdia, um nico painel poderia representar uma sequncia narrativa, incorporando o fluxo do tempo nos limites de um quadro espacial,

    como ocorre nas modernas histrias em quadrinhos, com o mesmo persona-gem aparecendo vrias vezes em uma paisagem unificadora, medida que

    ele avana pelo enredo da pintura. Com o desenvolvimento da perspectiva, na renascena, os quadros se congelam em um instante nico: o momento da viso tal qual como percebida do ponto de vista do espectador. A narrativa, ento passou a ser transmitida por outros meios: mediante simbolismos, po-ses dramticas, aluses literatura, ttulos, ou seja, por meio daquilo que o espectador, por outras fontes, sabia estar ocorrendo.

    A partir dessa ideia, rodrigues (2011, p. 79) prope que a imagem tenha uma

  • 37

    funo narrativa quando ocorre uma mutao sequencial que demonstre uma determi-

    nada ao e que tal funo possua diferentes graus. oliveira (2008a, p. 109), concebe essa

    ideia de maneira semelhante: para ele, a articulao sequencial de vrios quadros ou ce-

    nas concerne a uma fluncia narrativa.

    Observemos as figuras 11 e 12 (prxima pgina). A primeira uma ilustra-

    o publicada na revista Vogue estadunidense em setembro de 1933, composta por ren

    bout-Willaumez e mostra a marquesa de Paris utilizando um traje de gala. A ilustrao

    mostra a personagem de costas e diante de um espelho que revela a frente de seu corpo

    e rosto. nesta imagem, possvel perceber alguns elementos narrativos. Podemos iden-

    tificar uma ao: enquanto a dama ajeita o cabelo, outra senhora est arrumando a barra

    de sua saia. Identificamos tambm uma determinao espacial: um espao interior que

    presumimos se tratar de um vestirio, j que percebemos cortinas na lateral esquerda da

    ilustrao e uma parede coberta por grandes espelhos dobrveis que se articulam a fim

    de mostrar a roupa sob mais de um ngulo para quem a experimenta e, sendo assim, a

    senhora vestida de preto estaria agachada, possivelmente, para fazer ajustes barra da

    saia. essa ilustrao nos apresenta informaes que dizem respeito cultura da poca e

    lugar26 em que essa ilustrao fora publicada ou fala a respeito: o mercado de alta costura

    nos parece valorizado, percebemos que revela uma relao de diferena social e relao

    de trabalho representados nos opostos da mulher em p e da mulher ajoelhada a seus ps,

    alm de propor um modelo de elegncia e beleza. Portanto, a ilustrao apresenta como

    ndices narrativos uma sugesto de espao, de ao e certa contextualizao quanto s

    26 A poca seria a dcada de 1930 e o lugar os eUA, mas refere-se tambm ao contexto da moda da Frana, ao informar uma das personagens como parisiense.

    Figura 11 ren

    bout-Wilaumez. A

    marquesa de Paris

    em traje de noite de

    Figura 11: Ren Bout-Wilaumez, A marquisa de Paris em traje de noite de Augustabernard.

  • 38

    personagens envolvidas.

    A figura 12, por sua vez, uma ilustrao publicada na revista Femina em

    ocasio do natal de 1932. A imagem intitula-se A Saint-Moritz, foi composta por Pierre

    Mourgue e mostra uma mulher se preparando para esquiar vestida em trajes de Schiapa-

    relli. Aqui tambm percebemos ndices narrativos que nos informam sobre o lugar em

    que est acontecendo a ao (uma estao de esqui, presumida pela grande quantidade de

    pessoas paramentadas e de esquis fincados na neve) e sobre a ao em si (um rapaz que

    est ajustando os esquis presos aos ps de uma senhora). Curioso perceber aqui uma re-

    lao contextual semelhante da figura 1127. em ambas, uma dama est em p enquanto

    outra pessoa est agachada diante dela ajeitando sua roupa/equipamento. este fato rea-

    firma a capacidade da ilustrao de moda em representar e interpretar fenmenos socio-

    culturais e sua relevncia como fontes de pesquisa histrica. retomemos contudo nossa

    discusso em torno da narratividade das ilustraes de moda.

    Ao passo que as ilustraes de Brard (figura 13) e Verts (figura 14, prxima

    pgina) comportam-se de maneira diversa no que diz respeito narratividade. A ilustra-

    o de Christian brard mostra uma modelo posando para o ilustrador, ela parece estar

    ajustando uma das mangas do casaco e, ao fundo, sugerindo uma longa distncia entre

    a personagem, vemos uma casa de trs pisos com uma rvore na frente. todo o resto da

    pgina est em branco. Aqui, o espao (considerando o cenrio) no nos apresenta tantas

    informaes, a ao da personagem tende ao repouso, no podemos supor o que j tenha

    27 As imagens foram selecionadas segundo os critrios explicados no item Corpus de Pesquisa no primeiro captulo dessa dissertao. A semelhana de discurso entre as imagens s foi percebido com a anlise mais criteriosa da imagem.

    Figura 12 Pierre Mour-

    gue. A Saint Moritz. Femina,

    1932.

    Figura 12: Pierre Mourgue, A Saint-Moritz, se preparando para esquiar.

    Figura 13

    Christian brard.

    Figura 13: O New Look de Dior retratado por Brard.

  • 39

    ocorrido ou uma ao prestes a acontecer, trata-se de um retrato. A ilustrao de Verts

    (figura 14) mostra uma mulher usando uma touca ornamentada com flores violetas, com

    as mos juntas e olhos fechados como se estivesse orando e no h qualquer sugesto evi-

    dente de espao ou cenrio. em ambas, a ausncia de informaes precisas deixa margem

    a uma interpretao mais larga e no poderamos propor inequivocamente um enredo

    complexo para tais ilustraes.

    Comparando as quatro imagens, poderamos supor que a inteno de Verts (fi-

    gura 14) e Brard (figura 13) fosse concentrar a ateno do observador ao nvel da indu-

    mentria apresentada, enquanto Bout-Willaumez (figura 11) e Mourgue (figura 12) alm

    da indumentria buscam representar um estilo de vida.

    Apesar de percebermos de forma mais clara os elementos espao e contexto, o

    elemento temporal parece mais difcil de ser captado. Podemos apenas supor uma ao

    que deve ocorrer em um determinado tempo, mas no podemos supor uma histria a par-

    tir dessas imagens. Portanto, entendemos que a influncia do gnero narrativo seja sen-

    tida de forma mais sutil na ilustrao de moda, diferente de como acontece em produes

    prprias ao gnero como a ilustrao de livros para jovens e crianas.

    Assim sendo, consideramos que a definio ampliada dos elementos narrativos

    adotada por rodrigues (2011, p. 80) seja deveras exigente e mais adequada ao contexto

    especfico da ilustrao narrativa para livros infantis ou mesmo para filmes, quadrinhos e

    outros. Parece-nos mais adequado adotar os princpios de oliveira (2008), Martins e tou-

    rinho (2009) e Vessani (2008) que so mais bem adequados a uma ampla gama de ima-

    gens. Assim, consideraremos que uma ilustrao possui caractersticas narrativas quando

    Figura 14 Marcel Verts. Gorro

    reboux. harpers bazaar. Junho de

    1938.

    Figura 14: Um retrato por Verts.

  • 40

    apresenta impressos em si os elementos tempo, espao e contexto. Contudo, considera-

    mos vlida a proposta de rodrigues (2011, p. 78) de que uma ilustrao pode fornecer

    ndices capazes de sugerir um enredo, ainda que no se caracterize como uma narrativa

    que apresente todos os elementos.

    em se tratando de uma ilustrao de moda nica para um anncio, por exem-

    plo, ou mesmo para uma ilustrao constante de um catlogo ou editorial composto por

    pginas sequenciais, a partir dos pressupostos dos autores anteriormente citados, enten-

    demos que para que a ilustrao se configurasse como uma narrativa completa, ela teria

    que apresentar uma mutao sequencial determinando uma ao de um personagem. de

    forma contrria, permanece apenas sua capacidade em sugerir um enredo a partir de n-

    dices narrativos.

    2.2 imagem vs. texto

    A relao entre texto e imagem sempre se fez sensvel, em especial nos meios

    habitados tambm pela ilustrao de moda: catlogos, revistas, e, mais atualmente, web

    pages, entre outros. A afirmao de Rui de Oliveira (2008, p. 46) de que a ilustrao28

    est sempre referenciada a um texto29 (oliVeirA, 2008, p. 46) desperta nossa ateno

    para a reflexo da relao entre texto e ilustrao de moda.

    entre as ilustraes de moda, percebemos a escassez de texto e mesmo alguns

    casos em que o texto resume-se assinatura da marca que est sendo anunciada atravs

    28 Neste caso, referindo-se especificamente ilustrao de livros para crianas e jovens.

    29 rui de oliveira mesmo aponta que h excees, casos em que uma histria narrada em um livro composto unicamente por imagens, entre outros exemplos de exceo possveis.

    Figura 15: No editorial The Next Way, da Vo-gue Italia por Mats Gustafson, o texto se resume ao ttulo, nome do ilustrador e das marcas.

    Figura 15

    Mats Gustafson.

    Vogue itlia. the

    next Way by Mats.

    Janeiro de 1999

  • 41

    da ilustrao. nos editoriais de moda ilustrados (assim como acontece com aqueles que

    utilizam fotografias) comum que legendas acompanhem a imagem esclarecendo alguns

    aspectos da vestimenta que est representada.

    barthes, em Sistemas da Moda (1967), apresenta um estudo sobre a represen-

    tao da moda em revistas especializadas no assunto. A partir da observao dos edito-

    riais de moda publicados em revistas francesas, Barthes identificou duas estruturas que

    compunham os editorais: as imagens e os textos. A partir da, o autor prope que a moda

    seria representada por duas estruturas independentes: pela imagem e pelo texto; ou, como

    nomeada por barthes (1967), como vesturio-imagem e vesturio-escrito. o autor explica

    que vesturio-imagem e vesturio-escrito no possuem a mesma estrutura: uma pls-

    tica (ou icnica) e nesta empregam-se formas, linhas, superfcies, cores e a relao es-

    pacial; enquanto que a outra verbal e nela empregam-se palavras e a relao sinttica

    (bArtheS, 1967, p. 15).

    barthes (1967, passim.) esclarece que vesturio-imagem e vesturio-escrito,

    apesar de serem equivalentes ao vesturio real (ao qual ele se refere como estrutura tec-

    nolgica), no so idnticos, uma vez que,

    assim como entre o vesturio-imagem e o vesturio-escrito existe uma dife-rena de materiais e relaes, e portanto uma diferena de estrutura, tambm destes dois vesturios ao vesturio real, h uma passagem para outros mate-riais e relaes; assim, o vesturio real forma uma terceira estrutura, diferente das duas primeiras, embora lhe sirva de modelo, ou, mais exactamente (sic!), embora o modelo que guia a informao transmitida pelos dois primeiros ves-turios pertena a esta terceira estrutura (bArtheS, 1967, p. 16-17).

    Figura 16 Mats

    Gustafson. tweed

    Couture. Vogue

    itlia. Setembro de

    1998

    Figura 16: As ilustraes do editorial Tweed Cou-ture, da Vogue Italia, por Mats Gustafson, acom-panham legendas em cada uma das pginas.

  • 42

    Sendo assim, a estrutura plstica faria uma representao de um determinado

    vesturio, enquanto a estrutura verbal seria encarregada da descrio do mesmo. A par-

    tir da interpretao de barthes (1967) podemos inferir que a relao entre ilustrao de

    moda e texto ocorre de forma diferente da relao entre ilustrao de livros infantis e

    texto: enquanto que em um livro infantil, a ilustrao estaria referenciada a um texto, em

    um editorial de moda, ilustrao e texto estariam referenciados a uma estrutura ausente:

    o vesturio real.

    Barthes (1967, p. 26) identifica a descrio literria como a funo primordial

    do texto em Moda. Para ele, a importncia do vesturio escrito confirma a existncia

    de funes especficas da linguagem, que a imagem, seja qual for o seu desenvolvimento

    na sociedade contempornea, no poderia transmitir (bArtheS, 1967, p. 26). o autor

    relaciona funes especficas das estruturas verbais em um editorial de moda a destacar:

    imobilizao dos nveis de percepo, funo de conhecimento e funo de nfase.

    Quanto funo de imobilizao dos nveis de percepo, barthes (1967,

    p. 26) explica que a imagem comporta vrios nveis de percepo e que o leitor-ob-

    servador dispe de certa liberdade na escolha desses nveis. A linguagem suprimiria

    essa liberdade de escolha do leitor-observador e deteria em si uma funo de autori-

    dade, conduzindo e impondo o nvel percepo a determinado detalhe da imagem. A

    imagem coagula uma infinidade de possveis; a palavra fixa um nico e certo sentido

    (bArtheS, 1967, p. 26).

    Para barthes (1967, p. 27), a funo de conhecimento permitiria estrutura

    verbal comunicar algo que a imagem comunica mal ou no comunica, como um detalhe

  • 43

    inacessvel vista, um elemento escondido pelo carter plano da imagem (as costas de

    uma roupa que mostrada de frente, por exemplo), etc. barthes (1967, p. 27) ainda prope

    que a moda seja um fenmeno de iniciao, que determine um saber especfico e que, em

    funo disso, a moda atue segundo uma funo didtica: ela sabe e capaz de esclarecer

    os cdigos de moda impressos na imagem, alm de esclarecer o que est por trs da apa-

    rncia das formas.

    A funo de nfase seria responsvel por reafirmar, conforme Barthes (1967, p.

    27-28), caractersticas bem visveis na imagem a fim de privilegiar determinada caracte-

    rstica, orientar a percepo de uma imagem e afirmar o seu valor.

    que, com efeito, os limites do vesturio escrito j no so os da matria, mas sim os do valor; se a revista nos diz que aquele cinto de couro, porque o couro tem um valor absoluto (e no a sua forma, por exemplo). () esta nfase da linguagem comporta duas funes. Por um lado, ela permite repetir de forma nova a informao geral dada pela fotografia, enquanto esta, como

    qualquer conjunto informativo, tem tendncia para se deteriorar: quantos mais vestidos fotografados vejo, mais a informao que recebo se banaliza; a ano-tao falada ajuda a revigorar a informao (bArtheS, 1964, p. 28).

    Tomamos como exemplo o editorial (figura 17) ilustrado por Ren Gruau para a

    revista Elle francesa de maio de 198330. o editorial intitula-se Jaune & Noir (Amarelo

    & Preto) e se estende por oito pginas. na pgina dupla que inicia o editorial observamos

    uma ilustrao e dois blocos de texto (alm do ttulo do editorial): um mais curto, que

    30 Uma vez que nosso problema de pesquisa no se concentra exatamente sobre a relao texto e imagem, mas esta uma questo relevante para a compreenso da ilustrao, empreendemos aqui uma anlise superficial da imagem e do texto a fim de apenas demonstrar a proposta de Barthes e situ-la na nossa discusso.

    Figura 17 ren

    Gruau. Jaune & noir .

    elle francesa. Maio de

    1983

    Figura 17: As pginas que concernem ao edito-rial Jaune & Noir.

  • 44

    apresenta a ideia central do editorial, e outro mais longo, em duas colunas, que faz um

    breve relato sobre a vida e a obra do ilustrador. o texto mais longo em nada se refere s

    ilustraes ou moda que compem o editorial. o texto curto, traduzido livremente, en-

    tretanto, o seguinte:

    exclusivo, o grande desenhista de moda ren Gruau ilustra para voc o ama-relo e preto, uma das harmonias favoritas dos designers. Um casamento de charme e glamour. Um raio de sol. Um amarelo brilhante, um narciso. Macia e tonificada, de manh noite. Listras, bolinhas, contrastes, malha, algodo e

    seda tambm. Para corpos sublimes, as novas t-shirts ombros nus, de festas sofisticadas, duma feminilidade requintada.

    nas pginas subsequentes do editorial, apresenta-se, a cada pgina simples ou

    dupla, um pequeno texto e ilustraes. Consideremos apenas o fragmento de texto e a

    imagem que corresponde quinta pgina do editorial (figura 18). O texto descreve:

    Um estilo tachista esquerda: um conjunto de Popy Morena em crepe da China pintado mo. Tnica longa dividida nas costas sobre pantalona fluida

    com cintura elstica. 3590 F tnica, cala 3335 F na Claire Marine). Joias (rminiscence)31.

    o fragmento de texto estilo tachista esquerda capaz de cumprir simultane-

    amente as funes de imobilizao dos nveis da percepo e nfase, ao fazer o leitor-ob-

    servador concentrar sua percepo ao nvel da estampa da roupa e denotar a essa infor-

    mao estilo tachista um determinado valor ao associar a estampa esttica artstica.

    Ao afirmar que o tecido pintado mo, informao que denota valor de exclusividade

    31 Style tachiste gauche: un ensemble de Popy Morena en crpe de Chine peint la main. longue tunique fendue sur les ctes, sur pantalone fluide assorti taille lastique (3590 F la tunique, 3335 F le pantalon chez Claire Marine). bijoux (rminiscesnse).

    Figura 18 ren

    Gruau. Jaune &

    noir (detalhe). elle

    francesa. Maio de

    1983. p.80

    Figura 18: detalhe das ilustraes de Gruau e do texto analisado.

  • 45

    roupa, o texto reassume a funo de nfase. A funo de reconhecimento faz-se evidente

    no fragmento tnica longa dividida nas costas ao informar sobre detalhe da indument-

    ria no perceptvel na imagem.

    A imagem, por sua vez, mostra uma mulher vestida com uma pantalona e uma

    tnica estampada nas cores amarela e preta. A posio em que a figura ilustrada, em

    meio perfil, deixa evidenciar que a tnica possui mangas trs quartos e, aparentemente,

    as costas mais longas que a frente (detalhes no enfatizados pelo texto). As bijoux (apenas

    brevemente mencionadas no texto) so brincos pendentes, pulseiras de contas em quatro

    voltas e um colar curto, prximo ao pescoo. essas informaes so transmitidas, nesse

    caso, exclusivamente pela imagem.

    Tais observaes corroboram a afirmao de que imagem e texto possuem um

    referencial comum, um vesturio real: ambos apresentam informaes que se comple-

    mentam e, isolados ou mesmo juntos no so capazes de representar a totalidade das

    caractersticas daquele vesturio real (que no est presente).

    As imagens da figura 19 so imagens de um editorial completo publicado na

    revista Vogue da itlia de janeiro de 2001. Aqui, os nicos textos que aparecem ao longo

    das oito pginas do editorial so o ttulo do editorial, Cutouts by Mats Gustafson (Enta-

    lhes, por Mats Gustafson, em livre traduo) e as legendas com a informao nica do

    nome da grife a que pertence cada um dos looks ilustrados (Gucci, Alexander McQueen,

    Gianfranco Ferr, Fendi, Jean Paul Gaultier, yves Saint laurent).

    os prprios desenhos de Gustafson enfatizam determinadas caractersticas do

    Figura 19

    Mats Gustafson.

    Cutouts. Vogue

    itlia. Janeiro de

    2001

    Figura 19: O editorial Cutouts privilegia a imagem.

  • 46

    vesturio representado no editorial: uma estampa, um corte diagonal, uma construo as-

    simtrica, e se relacionam ao ttulo do editorial. A eliminao das cores das roupas repre-

    sentadas faz com que a forma, a textura e a silhueta da roupa sejam valorizadas.

    notvel como, apesar da quase ausncia de texto, a imagem no toma para si

    a responsabilidade de informar duplamente sobre o vesturio, uma vez que o texto que

    tambm teria essa funo inexiste. Ao contrrio, as imagens parecem enfatizar principal-

    mente os cortes e recortes das roupas. no seria apropriado comparar o editorial da Vo-

    gue Itlia com o da Elle francesa uma vez que so contextos histrico-sociais de publica-

    o, pblico e artistas distintos. Contudo, a ausncia de legendas ainda que com imagens

    pouco comprometidas com uma representao mimtica nos leva a inferir que, pelo me-

    nos atualmente, a ilustrao de moda cumpre outro papel que no a representao literal

    do vesturio real, o que nos leva questo principal do prximo tpico, a mimese.

    2.3 A representao mimtica

    Morris (2007, p. 85) nos indica que:

    at os anos 1920, a figura de moda ilustrada era desenhada com propores

    bastante realistas. no entanto, como as obras de arte e a moda tornaram-se simplificadas, angulosas e lineares nos anos 1920, o mesmo ocorreu com a

    silhueta de moda. Assim, as ilustraes apresentavam figuras mais magras e

    alongadas. (...) em suas memorveis capas para a Vogue, nos anos 1920, be-nito capturou a essncia da mulher forte e emancipada que personificava a d-cada. Suas figuras eram alongadas e algo abstratas no estilo, retratadas em

    desenhos grficos valorizados por contrastes sutis de cores.

    o perodo a que se refere Morris (2007) coincide com a disseminao do Art

  • 47

    Dco como uma esttica que afetou a arquitetura, o design de interiores, as artes grficas

    e mesmo a moda, dentre outros. A estilizao da forma e o consequente abandono da

    representao mais realista vo de encontro a uma das caractersticas originais da ilustra-

    o de moda em seus primeiros estgios de desenvolvimento: a mimese.

    A ilustrao de moda teria se originado, segundo blackman (2007, p. 6), de re-

    presentaes imagticas do sculo XVi, quando as viagens e exploraes a outros conti-

    nentes despertaram o interesse dos artistas europeus pelos aspectos visuais das culturas

    estrangeiras, em especial do seu vesturio. entre 1520 e 1610 foram publicadas mais de

    200 colees de gravuras, guas-fortes e xilografias que continham ilustraes de figu-

    ras vestidas com roupas distintivas de sua nacionalidade e sua classe (blACKMAn,

    2007, p. 6). Para larissa Sousa de Carvalho, o interesse pelo vesturio no perodo do Cin-

    quecento favoreceu o surgimento dos livros de indumentria, impulsionado pela inteno

    Figura 22 eduardo

    Garcia benito. Capa

    para Vogue. Setembro de

    1926.

    Figura 21 edu-

    ardo Garcia benito.

    Capa para Vogue

    Summer travel

    Figura 20

    eduardo Garcia

    benito. Capa para

    Vogue Paris. Abril

    de 1927.

    Figuras 2