2007 - A Música no 1º Ciclo do Ensino Básico e o Programa de Enriquecimento Curricular

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A Música no 1º Ciclo do Ensino Básico e o Programa de Enriquecimento Curricular*

Domingos Morais (Janeiro de 2007)

(IPL – Escola Superior de Teatro e Cinema)

in memoriam Graziela Cintra Gomes Ao escrever no motor de pesquisa www.vivísimo.com a frase “enriquecimento

curricular” AND “ensino básico” damo-nos conta de que por todo o Pais se estão a promover iniciativas decorrentes do Despacho do Ministério da Educação de 26 de Maio de 2006. São cerca de 900 referências onde se incluem as páginas oficiais do Ministério da Educação e do Governo, os Municípios, as Escolas, várias Empresas e portais com oferta de emprego para professores / animadores, as vozes criticas, as propostas das organizações profissionais, propostas de formação, as dúvidas dos Sindicatos.

O Programa de Enriquecimento Curricular do 1º ciclo do Ensino Básico (PEC) foi apresentado ao país em sessão presidida pelo Primeiro-Ministro em Junho de 2006, que desta forma quis sublinhar a importância politica da iniciativa. Tem de ser considerada como uma das medidas educativas mais arrojadas pelo possível acesso que trará a todas as crianças de actividades consideradas fundamentais a um pleno desenvolvimento das suas capacidades.

Uma das actividades referidas explicitamente como uma das principais opções a considerar é a Música a par com a actividade Física e Desportiva, o ensino de outras línguas estrangeiras e de outras expressões artísticas (o Inglês e o apoio ao estudo são obrigatórios). Mas a Música, como Expressão e Educação Musical, tal como a Físico-Motora, a Dramática e a Plástica já fazem parte do Programa do 1º Ciclo que lhes dedica mais de 60 páginas (das 284 da 4ª edição de 2004). É por isso necessário tornar claro em que medida o Enriquecimento Curricular terá de acrescentar e não substituir o que por natureza é para ser realizado de forma integrada no horário escolar. Sem essa clarificação, as actividades de expressão podem ser consideradas como desnecessárias e (mal) remetidas para as horas do Enriquecimento Curricular, onde dificilmente cabem.

No entanto, quando olhamos para a música que se faz, de facto, durante os quatro primeiros anos do 1º ciclo do ensino básico, somos levados a pensar que as boas intenções do programa de expressão e educação musical (PEEM) foram insuficientes para a motivação dos professores. Poderíamos dizer o mesmo das outras expressões, que raramente vêm cumpridos os objectivos mínimos.

Acompanhámos, desde 1975, as sucessivas remodelações dos PEEM como autores (1975 e 1989), como professor de educação musical e como formador de professores. Não será exagero afirmar que temos hoje à disposição metodologias de sensibilização e educação musical longamente experimentadas no nosso país e conhecidas por um número crescente de professores especializados, formados nas Escolas de Música, nas Escolas Superiores de Educação e em algumas Universidades.

* Jornal de Letras, 17/30 Janeiro 2007, pp 6-7

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A prática e o ensino vocacional musicais tiveram um enorme desenvolvimento, patente em estudos recentes, que revelam ser hoje possível, em quase todos os Concelhos do país, frequentar uma escola de música, fazer parte de uma banda ou pertencer a um grupo musical.

A oferta de espectáculos musicais, embora desigual na sua distribuição territorial, é em números absolutos uma realidade sem precedentes. O acesso progressivamente generalizado a mediatecas onde a música (em discos ou filmes) pode ser consultada ou requisitada, a realização de ciclos temáticos, cursos e oficinas musicais, induzem-nos a pensar que quem gosta de música tem à disposição inúmeros recursos que apenas esperam ser bem utilizados, para se justificarem o investimento feito e o consequente alargamento das colecções e iniciativas.

E no entanto, salvo algumas excepções, parece que nada do que referimos teve consequências na vivência musical dos alunos do 1º ciclo. Ultrapassar este alheamento terá forçosamente que passar pelo insubstituível papel que o professor generalista do 1º ciclo poderá ter como facilitador e promotor de actividades e iniciativas musicais com os seus alunos e na sua Escola.

Como proceder, então, para tornar o professor do 1º ciclo um participante activo na mudança desejada, sem o forçar a adoptar projectos que lhe são estranhos ou a promover actividades para que se não sente preparado?

Antes do que quer que seja, ajudando-o a convencer-se que a música e as actividades pedagógicas dela decorrentes são da sua competência e que a ele pertence a coordenação, na sua sala e com os seus alunos, de todas as actividades, incluindo obviamente as expressões artísticas. Não há especialista que possa substituir o professor do 1º ciclo no planeamento e escolha das actividades que mais convém aos seus alunos. O que não impede a cooperação pontual, por projecto ou continuada, de professores especializados ou de pessoas conhecedoras de determinadas áreas, a que o professor pode recorrer. O PEC di-lo de forma inequívoca quando subordina quaisquer actividades a desenvolver ao “Projecto Educativo do agrupamento de escolas e devem constar do respectivo plano actual de actividades” (ponto 8), responsabilizando os educadores e professores (titulares), por “zelar pela supervisão pedagógica e acompanhamento da execução das actividades de animação e de apoio à família no âmbito da educação pré-escolar bem como de enriquecimento curricular no 1º ciclo do ensino básico” (ponto 31)

Mesmo que o nosso país pudesse dispor de professores especialistas em número suficiente para trabalhar com os alunos do 1º ciclo nas diferentes áreas, não mudaria de opinião. E se acaso se viesse a optar por espartilhar o tempo curricular por especialistas, quais as prioridades, as áreas e os saberes que mereceriam tal distinção? Porquê a música e não a matemática, ou a educação física, e as ciências? Ou e educação cívica e a língua materna. Será que o professor generalista é capaz de dominar tantos saberes? Felizmente a experiência diz-nos que o professor generalista é capaz de utilizar os diferentes saberes e instrumentos de forma equilibrada no desenvolvimento biopsicosocial dos seus alunos, ajudando-os a dominar os instrumentos primordiais do conhecimento, que incluindo o ler, escrever e contar se prolongam no expressar, comunicar, sentir, pensar, actuar, transformar, cooperar e mais alguns verbos, todos confluindo na absoluta necessidade de

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os alunos gostarem da escola, de si próprios e dos outros. E quererem aprender e saber mais.

O papel do especialista, seja de que área for, no 1º ciclo, é o de ajudar o professor generalista a realizar projectos que sem a sua participação não seriam possíveis ou seriam menos interessantes. É claramente o que se passa com a aprendizagem do Inglês, cujos resultados dependem de um esforço continuado e regular de professores qualificados para o trabalho com as crianças do 1º ciclo. E poderá ser também o caso de outras áreas invocadas no ponto 9 do Despacho citado.

E há também que considerar como especialistas não só os professores mas qualquer pessoa que pela sua experiência pessoal ou profissional reúna as condições suficientes para estar com um grupo de alunos do 1º ciclo, falando, mostrando e fazendo o que sabe, na altura própria e durante o tempo que o professor achar ser útil.

Mas será que ao professor generalista apenas cabe o papel de organizador de vivências musicais para os seus alunos? O de um promotor de iniciativas de inegável interesse realizadas por outras pessoas? Nem pensar! A música no 1º ciclo deveria ser uma prática e vivência quotidianas. E quem lá está todos os dias é o professor que terá, caso queira, muito por onde escolher de entre as actividades que estão ao seu alcance e que, melhor ou pior, vêm enunciadas no Programas do 1º ciclo. Como o Programa têm uma certa maleabilidade e apela à escolha do que se pode fazer, permito-me fazer algumas sugestões que poderão ajudar os professores menos confiantes nas suas capacidades.

Comecemos pela VOZ, que como se sabe é o recurso primordial nas actividades de expressão e educação musical, e infelizmente considerada muitas vezes como perturbadora do normal funcionamento das actividades escolares. Quando o professor solicita os seus alunos para situações de jogo de descoberta das capacidades expressivas da voz terá de aceitar o modo pessoal como cada aluno entende e responde ao que se lhe pede. Não há certo e errado nestas situações. Dizer e entoar com expressividade nomes próprios de plantas ou animais ou imitar os sons do meio ambiente e da natureza são situações familiares para os alunos. A novidade estará na solicitação do professor, ao incluí-las na sua prática pedagógica, tirando partido e valorizando o que cada aluno é capaz de fazer. Os jogos colectivos de criação de ambientes sonoros, gradualmente mais complexos, ao serviço de textos e histórias, são o culminar do domínio das potencialidades vocais.

As rimas e canções são talvez o capítulo onde mais se espera do professor. De início, deverá haver uma maior atenção às rimas e canções infantis, dando-se clara preferência às que pertencem ao património tradicional.

Muito haveria a dizer de outros capítulos do programa em que o empenhamento dos professores é indispensável. As limitações de espaço levam-nos a optar por referir que o dia a dia na sala de aula poderia ser bem mais agradável se o professor proporcionasse aos seus alunos a audição de obras musicais que estudos recentes (Tomatis, 1996; Campbell, 1997) indicam como facilitadoras da concentração e bem estar dos alunos, tornando familiares obras e autores que merecem ser conhecidos. Veja-se a propósito o livro de Maria Luísa Amado, O prazer de ouvir música, sugestões pedagógicas de audições para crianças, publicado em 1999 pela Editorial Caminho.

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Como recursos a consultar está em primeiro lugar o próprio Programa cujo estudo tem talvez sido descurado. E o documento Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências Essenciais (ME-DEB, 2001) nos capítulos referentes à Música. A Associação Portuguesa de Educação Musical publicou em Setembro de 2006 o documento “Orientações Programáticas do Ensino da Música no 1º Ciclo do Ensino Básico”, da autoria de António Ângelo Vasconcelos e com o contributo dos mais qualificados formadores portugueses nesta disciplina. Todos estes documentos e muitos outros estão disponíveis em Portais portugueses de fácil acesso.

Sabemos que não será possível de imediato ter os recursos humanos (mais do que os materiais) necessários para que a Música esteja ao alcance de todas as crianças do 1º Ciclo. Mas queremos acreditar que será possível avaliar o que se está a realizar e tomar as decisões certas. A oferta de formação pela Escola Superior de Música de Lisboa destinada a animadores das actividades de enriquecimento curricular na área da música é um sinal de que poderá haver uma resposta de qualidade ao desafio feito pelo Ministério da Educação.

Escola Superior de Música de Lisboa http://www.esm.ipl.pt/Oficinas/ofic_frame.htm Programa do 1º Ciclo e Currículo Nacional do EB - Competências Essenciais http://www.dgidc.min-edu.pt/curriculo/Programas/programas_1ciclo.asp Programa de Generalização do Ensino do Inglês nos 3.º e 4.º anos e de outras actividades de enriquecimento curricular no 1.º Ciclo do Ensino Básico http://www.dgidc.min-edu.pt/ingles/Default.htm