2006-bordado madeira

139

Transcript of 2006-bordado madeira

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 1/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 2/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 3/139

BORDADO DA MADEIRA

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 4/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 5/139

BORDADO DA MADEIRA

Alberto Vieira

Funchal, 2006

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 6/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 7/139

7

Índice

Apresentação ..................................................................9

O Bordado no Mundo......................................................19

Do Bordado Caseiro ao Bordado industrial .........................27

A Crise ou mudança do Bordado ......................................45

As Casas de Bordado......................................................53

As Técnicas e os Materiais...............................................75

O Processo de Fabrico do Bordado Madeirense...................81

Os pontos do Bordado Madeira ........................................93

Os Mercados do Bordado Madeira ...................................107

Os Estrangeiros e o Bordado..........................................117

Conclusão....................................................................131

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 8/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 9/139

A presentação 

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 10/139

10

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 11/139

bordado faz parte da cultura e História dosmadeirenses. E, a exemplo do vinho, é uma dasmarcas que os identifica. A sua presença suplan-

ta as barreiras naturais do arquipélago para se postar em mesaou cama rica em todas as partes do mundo. Executado em meiopobre, mas quase sempre solicitado para mesa ou cama nobre.

O bordado madeirense não é uma criação do século XIX,pois está presente na ilha desde os inícios do povoamento. A par-tir da segunda metade do século XIX tivemos apenas a afirmaçãocomo mercadoria com peso significativo no sistema de trocas dailha com o exterior e na economia familiar de muitos madeiren-ses. É também considerado como uma iniciativa de MissElizabeth Phelps(1820-1893). Mas, na verdade, esta ter-lhe-áaberto o caminho do mercado britânico. Foi a partir de então que

o bordado, considerado um produto para uso e consumo caseiro,assumiu a dimensão de produto mercantil, de grande procura evalorização pelo mercado estrangeiro. Isto motivou uma profun-da transformação. Apareceram as casas e os exportadores espe-cializados no comércio, responsáveis por uma mudança radicalno sector produtivo. A garantia e continuidade do processo de

11

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 12/139

12

Bordadeiras.

Bilhete Postal de 1950

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 13/139

fabrico e circulação da mercadoria foram asseguradas pelas

casas de bordados. Ao mesmo tempo aprimorou-se tecnicamenteo produto e regulamentou-se o trabalho da agulha de acordo comas exigências da nova clientela e a moda de cada época. O actode bordar deixou de ser uma forma de lazer para se transformarnuma actividade de subsistência, por vezes, exercida a tempointeiro.

Antes que o forasteiro oitocentista descobrisse o bordadomadeirense ele manteve-se reservado ao consumo familiar e àactividade caseira. Bordava-se para fruição própria ou para pre-sentear familiares e amigos. Para a donzela atradição do enxoval de casamento era muitas vezeso motivo de tão paciente dedicação ao trabalho daagulha. Raras eram as peças fora deste circuito.Estávamos perante um bordado ancestral queseguia uma tradição familiar, adequando-se, dequando em vez, a novos pontos e desenhos agosto do criador.

A partir de meados da centúria oito-centista o aparecimento das Casas de

Bordados e o interesse cada vez maiorde estrangeiros, nomeadamente ingle-ses, alemães, norte-americanos esírios, pelas peças bordadas, conduzi-ram à passagem do processo artesanalpara o industrial. Aqui os clientes passaram adefinir o tipo de encomendas, ficando às casas a

função de coordenar o trabalho, definir as técnicas e os mate-riais. O bordado deixou de ser livre criação da bordadeira,entrando num processo de laboração que começava com o traça-do dos desenhos ajustados à solicitação do mercado ou da exi-gente clientela. A criação passou para a mão do desenhador,ficando a forma final dependente da maestria das mãos da bor-

13

Publicidade

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 14/139

dadeira. Por ser um trabalho eminentemente feminino a con-cretização ocorria em casa de forma a poder conjugar-se aazáfama caseira diária com o trabalho da agulha.

Para a maioria dos madeirenses o bordado foi a tábua de

salvação em face da situação difícil da agricultura da ilha desdemeados do século XIX. A crise económica, provocada pela situ-ação da viticultura, obrigou à procura de novas formas de sobre-vivência alternativas, de que o bordar terá sido uma delas. Oquotidiano da ilha transformou-se levando a que a mulher seprendesse cada vez mais à casa e ganhasse importância social.

14

Bordadeiras

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 15/139

As lides caseiras passaram a ser companheiras da arte de bordar.

A presença do bordado no quotidiano ficou evidenciada portodos os estrangeiros que visitaram a ilha e até o própriomadeirense tem consciência disso. A jovem bordadeira eraalguém de prestígio na sociedade rural que, rapidamente se afir-mou pela ostentação dos lucros fruto do novo labor. Por outrolado o acto de bordar tornou-se comum e, não apenas para osexo feminino, pois segundo a quadra popular:

Borda o pai,

borda a filha

e borda a mãe.

No meio rural o contacto entre a bordadeira e as casasfazia-se através dos agentes e caixeiros que calcorreavam todasas localidades à descoberta das ágeis mãos capazes de dar formae relevo aos desenhos estampados nas peças de linho e cam-braia. Na cidade do Funchal as casas de vinhos cederam lugar àsde bordados e a animação comercial transferiu-se para novos

cenários e arruamentos. No porto os navios, nomeadamente ospassageiros dos chamados vapores do Cabo, passaram a serassediados por minúsculas embarcações onde os bomboteiros

exibiam enormes toalhas bordadas.

A primeira metade do século XX foi um período difícil paratodo o mundo. As guerras mundiais (1914-19 e 1939-45) foramum forte travão ao progresso e ao comércio. Perderam-se mer-cados, encerram-se muitas casas, emigraram as bordadeiras e a

concorrência do bordado doutras regiões, nomeadamente orien-tal, não deu tréguas aos madeirenses. Mesmo assim o bordadomanteve-se na economia local com o vinho como a marcaindelével que identifica a ilha. E enquanto houver quem valorizeo trabalho da agulha o bordado madeirense não morrerá, fican-do na memória dos visitantes como a recordação perdulária da

15

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 16/139

16

Mulheres bordando.

Fotografia deMuseu Vicentes

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 17/139

visita e descoberta deste trabalho manual que teima em persis-

tir na era post-industrial.

Ainda hoje, passados os momentos de fulgor da produção ecomércio do bordado, a ilha continua a ser identificada por estee pelo vinho. Apenas mudaram as possibilidades de acesso aestas autênticas obras de arte, que no dizer do escritormadeirense, Horácio Bento de Gouveia, são as nossas Lágrimas

correndo mundo.

17

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 18/139

18

Pormenor da toalhaapresentada noPavilhão da Madeira

da Expo-98 emLisboa.

Desenho de LeandroJardim.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 19/139

19

O bordado no mundo 

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 20/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 21/139

o contrário do que possa parecer a Históriado bordado não se esgota na Madeira e tãopouco se resume ao período decorrente da

afirmação a partir de finais do século XIX. Tudo isto porque o bor-dado não é criação madeirense e o trabalho da agulha ocupousempre o sexo feminino nos quatro cantos do Mundo. Segundo atradição o berço do bordado situa-se no Oriente, Médio Oriente eRússia. E parece que esta actividade se perde nos anais daHistória. Em 1964 o achado arqueológico de um caçador do “Cro-Magnon”, datado de cerca de 30.000 AC revelou-nos o primeiroregisto fossilizado de um pano bordado com pontos à mão. Oprimeiro bordado que se preserva em pano é chinês e data de3500 AC. A China foi um dos espaços de afirmação da arte debordar, que remonta à dinastia Shang (1766-1122 AC.) e tornou-se muito popular na dinastia Ming (1368-1644).

No Mediterrâneo a divulgação do bordado esteve a cargodos assírios, egípcios, gregos e romanos. Os gregos considera-vam o bordado invenção da deusa Minerva. São inúmeros os re-gistos arqueológicos onde é possível testemunhar a importânciado bordado para as civilizações do Mediterrâneo. O Cristianismo,

21

A

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 22/139

por força da necessidade dos trajes de culto litúrgico bordados aouro, defendeu e divulgou a arte de bordar em todo o mundo soba sua influência. Roma, como sede do papado, transformou-se apartir do século XVI num dos mais importantes centros do traba-lho da agulha, por força da exigência das vestes de cerimónia dopapa e cardeais. O Cristianismo encarregou-se de divulgar a arteem todo o lado e os conventos femininos foram centros de rele-vo no incentivo da tradição de bordar.

Em toda a Europa, cristã ou não, era conhecido o trabalhoda agulha, popularizando-se o bordado no século XVIII. Os sécu-los XVII e XVIII são considerados a época de ouro do bordadoeuropeu, numa vasta área que vai desde a Itália à Holanda, pas-sando pelos países eslavos. A segunda metade do século XIX foi

22

Bordadeiras.

Bilhete Postal. 1909

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 23/139

marcada por profunda transformação fruto da mecanização do

trabalho com a máquina de bordar, considerada uma sériaameaça para o bordado à mão de regiões como a Madeira. Em1913 causou alvoroço no Funchal a notícia de que fora autoriza-da a importação de máquinas de coser para o bordado. Foi nestaépoca que se procedeu a uma maior divulgação dos motivosatravés dos desenhos em revistas, contribuindo para o estabele-cimento de padrões que em diversos momentos foram moda. Adivulgação de desenhos impressos terá começado no século XVIcom a publicação dos primeiros livros sobre o tema.

O bordado aplicado nas peças de vestuário era uma tradiçãodesde a Idade Média e estava ligado à realeza e nobreza. Os bor-dados em seda e ouro eram o adorno principal das peças de ves-tuário, alcançando, por isso, elevado preço. A tradição diz-nosque as peças bordadas estavam reservadas para a oferta a reis,imperadores e príncipes.

Em Portugal a arte de bordar está presente desde temposmuito recuados afirmando-se em algumas regiões como Viana do

Castelo, Guimarães, Castelo Branco, Nisa, Caldas da Rainha eTibaldinho. A presença na Madeira de povoadores oriundos dasdiversas regiões do país, mas de forma especial do norte, áreasde grande tradição do bordado, deverá ter contribuído para queesta arte se alargasse aos novos espaços de ocupação noAtlântico. Um dos grupos mais significativos de povoadores doarquipélago era oriundo de Viana do Castelo. Deste modo o bor-dar é tão antigo quanto o povoamento da ilha, uma vez que osprimeiros portugueses que pisaram o solo madeirense foram dig-

nos representantes de uma tradição cultural que projectou aterra de origem.

23

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 24/139

O bordado está directamente ligado ao vestuário e desde omomento que o Homem sentiu a necessidade de cobrir o corposurgiram os tecidos, elaborados com diversos produtos e o recur-so a técnicas de confecção, com aplicações de bordado. NaMadeira as formas de vestir obedeceram ao padrão dos locais deorigem dos colonos e às disponibilidades de artefactos oferecidaspelo meio e mercado. Por força disso cultivou-se o linho e o pas-toreio de ovelhas foi também uma actividade significativa domundo rural pelo fornecimento de lã para a indumentária local.

Em 1862 temos 559 teares de linho e lã. A maior incidência ocor-ria em Santana e Calheta, com 160 e 165 teares respectiva-mente. No Funchal a concentração era menor, pois o porto abria-lhe a possibilidade de acesso aos panos de importação.

A riqueza aliada à oferta de tecidos de importação, de preçosexcessivamente elevados, conduzia ao luxo nos diversos estratos

24

Camponesa, litografia daColecção Palhares, 1842.

Mulher moendo cereal em moinho de mão.Litografia de P. Springett, 1843.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 25/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 26/139

26

A Bordadeira.

Monumentoescultórico de AnjosTeixeira, inauguradoem 30 de Junho de

1986 nos Jardins doIVBAM

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 27/139

27

Pormenor de barra antiga

D o bordado caseiro ao bordado industrial 

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 28/139

28

Miradouro do Largodas Cruzes com o

Convento de SantaClara.

Gravura de FrankDillon, 1850.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 29/139

bordado está presente na ilha desde os primi-tivos tempos da ocupação. A tradição de bordar,do local de origem dos povoadores, acompa-

nhou-os na travessia atlântica e instalou-se no novo espaço.Borda-se na ilha desde o início do povoamento. Bordava-se emlinho, algodão, seda e organdy para se fazerem toalhas de mesa,peças decorativas, jogos de cama e peças de vestuário,nomeadamente feminino. Muitas das peças de vestuário pas-savam de pais para filhos, não apenas pelo valor sentimental quedetinham, mas também, pela raridade e riqueza do bordado.

O mais antigo testemunho sobre o bordado madeirense

surge em finais do século XVI no volume das “Saudades daTerra” que Gaspar Frutuoso dedicou à Madeira. A propósito docasamento de Isabel de Abreu, da Calheta, com AntónioGonçalves, o autor refere que as delicadas mulheres da ilha da

Madeira, que (além de serem comummente bem assombradas,

muito formosas, discretas e virtuosas) são estremadas na per-

29

Peças de vestuárioantigas

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 30/139

feição deles e em todalas invenções de ricas coisas, que fazem,

não tão somente em pano com polidos lavores.... Daqui resultará

que o bordado Madeira se manteve por muito tempo no segredodas arcas das criadoras. Era trabalho de inestimável valor que,por isso mesmo, não podia ser vendido, sendo apenas de usufru-to familiar, prenda de enxoval ou legado por morte.

Por muito tempo o bordado foi considerado um produto nãovendável, que raramente saía do circuito familiar. Os estrangeirosque escreveram sobre a ilha até meados do século XIX não fazemreferência ao bordado. Aquilo que mais lhes chamava a atençãoeram as flores artificiais feitas pelas freiras do Convento de Santa

Clara. No relato das três viagens (1768, 1772, 1776) de JamesCook não surge qualquer indicação do bordado mas sim às ditasflores. O Convento de Santa Clara foi uma referência para amaioria dos estrangeiros que visitaram a ilha entre os séculosXVII e XIX. Era local de romagem obrigatória. Aqui, para além dadoçaria, realçava-se as flores de penas. Para muitos dos visi-

30

Peçasde vestuário

antigas

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 31/139

tantes o principal “souvenir” da Madeira. A juntar a tudo istotemos em princípios do século XIX uma verdadeira atracção para

os visitantes, a madre Maria Clementina. Nos conventos femini-nos, como o de Santa Clara, o bordado foi também uma activi-dade que ocupou as freiras nos momentos de lazer, mas a maio-ria dos estrangeiros apenas se detém nas flores artificiais e nadoçaria.

Até meados do século XIX não existem referências à vendaou exportação do bordado Madeira. E, nas diversas descriçõesdas actividades artesanais, não aparece o bordado. Foi, na ver-dade, com a exposição das indústrias madeirenses realizada no

Palácio de S. Lourenço a partir de 1 de Abril de 1850 que sedescobriu o bordado, como mercadoria salvadora da economiafamiliar. A partir daqui procedeu-se ao aproveitamento ca-pitalista, assumindo-se as peças bordadas como um produto degrande rentabilidade económica. A exposição industrial foi orga-nizada pelo então Governador Civil, José Silvestre Ribeiro, com o

31

Peçasde vestuárioantigas

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 32/139

objectivo de promover junto dos madeirenses e

visitantes, as diversas indústrias e artesanato doarquipélago. A escolha do mês de Abril deveu-seao facto de ser o mês em que havia maiornúmero de estrangeiros na ilha. O sucesso pareceque se ficou pela valorização comercial das obrasde artesanato expostas, nomeadamente o borda-do.

Graças ao empenho pessoal do Governadora exposição foi um sucesso e a mais completaamostra das potencialidades sócio-económicas doarquipélago. No caso dos bordados o relatóriosobre a exposição não podia ser mais elogioso:...bordados em seda a matiz com guarnições de

froco, de mastro, e de ouro, em diferentes

quadros, tudo feito com muito asseio e beleza. Bordados de

passe em filó, bem acabados e de bom gosto. Bordados brancos

diversos de muito merecimento. Como forma de incentivo aosexpositores distribuíram-se medalhas e louvores. No sector dos

bordados e lavores tivemos duas medalhas a premiar os borda-dos brancos de Luísa e Carolina Teives.

O interesse britânico por esta exposição foi enorme,recebendo a Madeira convite para estar presente em Londres naExposição Universal que decorreu no ano seguinte de 1851. Maisuma vez, sob o impulso do Governador Civil, José SilvestreRibeiro, a Madeira apresentou um rico bordado feito pela senho-

ra Breciano com reprodução de flores da Madeira, flores de penas

das freiras do Convento de Santa Clara. Os comentários às peçaspresentes foram auspiciosos: bordados a branco que foram

geralmente aplaudidos e considerados de uma perfeição inex-

cedível.

Ambas as exposições foram um marco decisivo na afir-

32

José SilvestreRibeiro

(1807-1891).Governador Civilda Madeira entre

1846 a 1852

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 33/139

mação do bordado no mercado local e londrino. O primeiro re-gisto referenciado das exportações é de 1849 e dá conta do enviopara Lisboa de esguião de linho bordado, mas foi nas expor-tações para o mercado britânico, a partir de 1854, que começoua delinear-se o primeiro e promissor mercado para o bordadoMadeira. As primeiras exportações aconteceram por iniciativa de

Miss Elizabeth Phelps, filha de Joseph Phelps, um destacado mer-cador de vinhos que se havia instalado no Funchal em finais doséculo XVIII. Ela foi responsável pela propaganda do bordadomadeirense junto de algumas famílias e teve também uma acti-va intervenção no ensino do trabalho da agulha. Em meados dacentúria, a mesma, com outras senhoras funchalenses criou umaescola lancasteriana feminina. Aqui, para além do ensino básico,sem recurso à palmatória, ensinava-se as jovens a trabalhar coma agulha. O ensino das técnicas do bordado inglês influenciou de

forma decisiva o bordado Madeira nos primeiros anos, de talforma que Émile Bayard afirmava que era conhecido como bor-dado inglês.

A ligação de Miss Elizabeth Phelps, filha de Joseph Phelps(1791-1876) e Elizabeth Dickinson (1795-1876), ao bordado

33

Pormenorde bordadoantigo

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 34/139

madeirense tem dado lugar a alguma confusão.

É comum dizer-se que foi esta donzela britânicaque introduziu o bordado na ilha. Pelo que atrásficou dito parece estar demonstrado que o bor-dado já existia na ilha muito tempo antes da suachegada e que o contributo mais significativo foio de o divulgar à sociedade britânica, abrindo asportas para um promissor mercado.

A partir de meados do século XIX os visi-tantes ingleses passaram a dar atenção ao bor-dado. Assim, entre 1853-54, Isabella de França,no diário da visita que fez à ilha, dá conta deforma clara da presença do bordado na indu-mentária madeirense. Na romagem de SantoAntónio da Serra, em Outubro, refere umhomem com casaca azul recamada de magnífi-

cos bordados a ouro. Quanto ao vestuário femi-nino destaca um corpete de fustão amarelo ou material seme-

lhante muito bem bordado a ponto branco. E na inevitável visita

a Maria Clementina no convento de Santa Clara desperta-lhe denovo a atenção o bordado da camisa:...tinha um peitilho franzido

em volta do pescoço, de cassa tão fina e clara que mostrava a

extremidade bordada da camisa a despontar por baixo [...]. Na

mão sustinha um lenço bordado, da mesma casa,...

À medida que o produto foi ganhando mercado emInglaterra surgiram os primeiros intermediários. Robert e FrankWilkinson foram os primeiros ingleses envolvidos no negócio. As

relações comerciais entre a Madeira eram assíduas desde o sécu-lo XVII, fruto da ligação madeirense ao processo de afirmaçãocolonial britânica, onde o porto do Funchal foi um dos centros deapoio no Atlântico. A presença de ingleses era frequente noFunchal e a actividade alargava-se a todos os produtos com valormercantil. Os britânicos, por força destas circunstâncias, foram

34

Joseph Phelps(1791-1876) e

Elizabeth Dickinson(1795-1876)

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 35/139

os primeiros a interessar-se pelo

comércio do bordado.

A valorização do bordado comomercadoria de exportação teve implica-ções directas no processo de fabrico.Primeiro assinala-se a necessidade derecrutamento de cada vez mais mão-de-obra de forma a atender às solici-tações. Em 1862 temos mais de milbordadeiras em toda a ilha.

Paulatinamente o bordado con-quistou novos mercados, fruto dadivulgação que fizeram os britânicos,nomeadamente nos roteiros e literatu-ra de viagens. A fama ultrapassou asfronteiras e chegou à Alemanha. Asprimeiras peças de bordado forampara aí conduzidas em 1881 por inicia-

tiva de Otto von Streit, que havia fixa-do morada no Funchal em Novembrode 1880, na busca da cura para a tísi-ca pulmonar. A presença marcou o início da intervenção alemãque perdurou até 1916, altura em que Portugal entrou naprimeira Guerra Mundial.

A intervenção dos industriais e comerciantes alemães foi ummarco importante na História do bordado madeirense. A partir da

década de oitenta provocou uma verdadeira revolução no proces-so de fabrico do bordado. A primeira alteração ocorreu ao níveldos tecidos e linhas. A linha azul, usada até então, foi substituí-da pela linha branca. Ao mesmo tempo introduziu-se uma novatécnica de aplicação directa dos desenhos sobre o tecido, aca-bando-se com os desenhos alinhavados por baixo. Sucede,

35

Bordadeiras.

Colecção dePhotrographia MuseuVicentes

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 36/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 37/139

37

Bordadeiras.

Painel de Azulejona Avenida Arriaga.Funchal. 1932

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 38/139

ainda, que os desenhos eram até então criação das bordadeiras,

mas com esta nova técnica os desenhos passaram a ser feitos eestampados no tecido antes de serem entregues às bordadeiras.Para facilitar o processo introduziram-se as máquinas de picotar.

A técnica obrigou ao estabelecimento de casas comerciaisno Funchal com a função de proceder ao trabalho de preparaçãoe à distribuição do tecido e linhas pelas bordadeiras. Junto destasactuavam os caixeiros que procediam à distribuição pelas bor-dadeiras dos panos e que depois os recolhiam já bordados. Todaa tarefa de engomar e embalar os bordados estava reservada àcasa, com sede no Funchal.

A cada vez maior procura de bordado implicou asnecessárias inovações técnicas devidas aos alemães, o aumentoda mão-de-obra no bordado e o aperfeiçoamento da rede deagentes de distribuição e recolha. O facto de os panos a bordarserem apresentados às bordadeiras já estampados com osdesenhos facilitou a adesão de muitas mulheres a esta actividadeque poderia ser partilhada com a vida diária.

Os industriais e as casas alemães

Os alemães intervieram no comércio do bordado a partir dadécada de oitenta do século XIX, fazendo-o entrar no circuitointernacional através do porto franco de Hamburgo. A Casa

Grande de Otto Von Streit começou por enviar os bordados embruto para Hamburgo, onde eram depois preparados para aexportação com destino aos Estados Unidos da América, facul-

tando-lhes um fácil controlo dos ciclos produtivo e comercial.Assim, se por qualquer motivo o trabalho das bordadeiras nãosatisfizesse os seus interesses, procuravam outros mercados demão-de-obra, uma vez que eram detentores dos padrões usados.A situação de 1916, fruto das represálias da guerra, foi dupla-mente prejudicial para a ilha, pois a fuga não impediu de conti-

38

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 39/139

nuarem o comércio de bordado, mas apenas desvi-

ou a atenção para novos mercados.

A presença da comunidade alemã a partir dasduas últimas décadas do século XIX era impor-tante, disputando mano a mano com os ingleses odomínio da Madeira. A ilha era um espaço abertode acolhimento de inúmeros europeus, incluídos osalemães, que procuravam no clima ameno a curapara a tísica pulmonar. E foi do seio do grupo quesurgiu muitas vezes os empreendedores comer-ciantes e industriais.

No sentido de melhorar o serviço de acolhi-mento aos doentes avançou-se com o projecto deconstrução de sanatórios. Em 1903 o príncipeFrederico Carlos de Hohenlohe foi o promotor dainiciativa. Mas o Governo Português, por influênciados britânicos, foi forçado a rescindir a concessãooutorgada à dita companhia dos Sanatórios, medi-

ante uma indemnização pesada, travando-sedefinitivamente a plena implantação no Funchal.

O afrontamento das comunidades, britânica ealemã, deverá ter pesado na pronta fuga dosalemães em 1916 e nos dois bombardeamentos àcidade do Funchal, a 3 de Dezembro de 1916 e 12de Dezembro de 1917. Não obstante a ani-mosidade britânica, os alemães conseguiram fir-

mar uma posição de destaque no comércio do bor-dado entre 1890 e 1914. A hegemonia tornou-senotória a partir de 1895, altura em que aAlemanha recebeu 33173 Kg de bordados, contraos 2751 Kg da Inglaterra. Os valores não reflectema realidade das exportações uma vez que estavam

39

Publicidade

Desenho humorístico de Re-Nhau-Nhau

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 40/139

excluídos os bordados enviados para o porto franco deHamburgo, um dos principais destinos das exportações.

A intervenção da comunidade alemã no comércio do borda-do só foi possível com a presença de um influente grupo directa-mente implicado no fabrico e exportação do bordado. Em 1912 onegócio era assegurado por seis casas: Wilhelm Marum (1898),Georg Wartenberg, R. Kretzschomar, Otto von Streit, Dutting & Gaa, Wolflenstein & Horwitz.

A saída dos alemães em 1916 foi compensada pela chega-da dos sírios que rapidamente dominaram o bordado madeirenseaté 1925. Aqui, o mercado norte-americano, que desde 1910

vinha adquirindo importância, domina as exportações. Mas oséculo XX, uma esperança segura para o comércio do bordado,trouxe à ilha mercadores franceses, ingleses e americanos.

Os primeiros anos do século XX foram ainda marcados pelaconcorrência desenfreada. Internamente envolveu os industriais

40

Pormenor deBordado antigo

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 41/139

envolvidos no fabrico e comércio do bordado, enquanto externa-mente a Madeira teve que competir com os mercados produtoresda Boémia, Alsácia, Irlanda e Suiça. No caso da Suiça, o proces-so de mecanização em curso desde a década de sessenta doséculo XIX, trazia vantagens acrescidas, uma vez que reduziadrasticamente os custos de produção. As inovações tecnológicasno sentido da mecanização do processo de fabrico do bordado,que ocorreram a partir da segunda metade do século XIX, nãoimpediram a Madeira de manter a procura do bordado, não só,pela qualidade do trabalho, mas acima de tudo, pelo baixo custoda mão-de-obra que foi durante muito tempo a garantia concor-rencial face ao processo de mecanização do processo noutrasregiões.

41

Pormenor deBordado antigo

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 42/139

42

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 43/139

43

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 44/139

44

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 45/139

45

A crise ou mudança do bordado 

Desenho para toalha de Leandro Jardim

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 46/139

46

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 47/139

situação da economia mundial na primeirametade do século XX, muito marcada pelasduas guerras mundiais (1914-19, 1929-35),

condicionou a evolução do mercado do bordado. A guerra isoloua ilha, impedindo-a de contactar com os mercados fornecedoresde matéria-prima e consumidores de bordado. Pior que isso foi acrise económica que lhe andou associada e que condicionou opoder de compra dos potenciais clientes. E, como o bordadomadeirense era considerado um produto caro, não era fácilencontrar saída. Ao mesmo tempo sucederam-se entraves emalguns mercados. A Inglaterra estabeleceu em 1917 a proibiçãode importação do bordado Madeira, sendo secundados no ano

47

A

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 48/139

imediato pelos Estados Unidos da América

A primeira guerra mundial afugentou os alemães e trouxeos sírios que consolidaram as exportações para o mercado ameri-

cano, que se afirmou como a principal esperança. Sucedeu,entretanto em 1929 o golpe fatal com o “crush” da Bolsa de NovaYork que arrastou os Estados Unidos para uma das piores crisesda História. Tudo isto abalou fortemente o comércio do bordadoMadeira. A crise do mercado norte-americana foi contrabalança-da com a valorização do mercado brasileiro, que se manterá até1956.

O movimento autonomista dos anos vinte manteve-se aten-

to aos bordados e nos planos dedicava espaço ao debate e defe-sa do bordado regional, que continuava a ser considerado umaindústria fundamental, que mais não seja na preservação daidentidade regional. A verdadeira autonomia tardou muito tempoa ser alcançada, privando os madeirenses a possibilidade deencontrar soluções para o problema desta actividade.

48

Aspecto da Igreja deSanta Clara depois do

bombardeamentoalemão de 12 de

Dezembro de 1917.

Colecção de Photographia

Museu Vicentes.As represálias fizeram-

se sentir ao níveleconómico no sector

dos bordados.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 49/139

Perante tais condições de crise do bordado o Governo daditadura, saído da Revolta de 28 de Maio de 1926, estabeleceualgumas medidas de apoio. A 9 de Setembro o Governo permitiu

a importação de tecidos de seda e linho para o bordado emregime de drawback. A mesma medida alargou-se em 1928 aosfios de tecido. Os anos trinta foram muito complicados para asociedade madeirense e para a sobrevivência do bordado. Destemodo o governo saído da Revolta da Madeira de 4 de Abril de1931 procurou intervir na salvaguarda do sector abrindo a 20 deAbril uma linha de crédito de mil contos a favor da indústria.

Em 1935 o bordado continuava a ser um sector sob a

vigilância e especial protecção do governo, tal como o refereSalazar em carta que escreveu ao Dr. João Abel de Freitas,Presidente da Junta Geral. Assim, à criação do Grémio para osector em 1936, juntou-se no ano imediato a isenção de direitosde importação e das imposições locais sobre a matéria-primanecessária à indústria do bordado.

49

Desenho humorísticode Re-Nhau-Nhau.

Bordadeiras

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 50/139

Nos anos quarenta, de novo o período da guerra provocouredobradas dificuldades ao sector dos bordados e à economia

familiar, uma vez que as mulheres estavam quase por completoentregues ao bordado e os homens ao vime. Ao mesmo tempo aemigração para o Brasil, Venezuela, África do Sul e Austrália veioa dar o golpe mortal na indústria. Primeiro saíram os homens,deixando todos os afazeres do casal a cargo da mulher que passaa dispor de menos tempo para bordar. Depois, foi a restante famíliaa se juntar, fazendo diminuir drasticamente a mão-de-obradisponível.

No post-guerra tudo fazia indicar que o mercado do borda-do da Madeira estava definitivamente perdido e que dificilmenteretornaria aos tempos dourados de princípios da centúria. Nosanos sessenta surgiram novas dificuldades provocadas pelainstabilidade económica dos principais mercados: Estados Unidosda América, África do Sul e Rodésia. A tudo isto havia que juntara concorrência dos bordados à mão da China, Filipinas, Tailândia

50

KASSAB.

Desenhoshumorísticos

de Re-Nhau-Nhau.

Documento dafirma KASSAB.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 51/139

e Coreia, e aquele feito à máquina oriundo da Suiça e Hong Kong.A Revolução do 25 de Abril de 1974 aconteceu num dos

momentos mais difíceis da História do bordado da Madeira e ape-nas o processo autonómico a partir de 1976 conduziu à definiçãode uma política para o sector. Em 1978 foi criado o Instituto do

Bordado e Tapeçarias e Artesanato da Madeira (IBTAM) com oobjectivo de intervir no sentido da valorização, preservação epromoção do artesanato madeirense. Das actividades do IBTAMnos últimos anos destacam-se a criação da marca Bordado

Madeira, o Núcleo Museológico do Bordado e o Centro de Moda e

Design. Finalmente em 2006 o Governo Regional fundiu esteinstituto com o do Vinho da Madeira, criando uma entidadecomum para a defesa e promoção dos bordados, artesanato evinho da Madeira, ficando conhecido como Instituto do Vinho edo Bordado e Artesanato da Madeira (IVBAM).

51

Edifício do IVBAM. Aspecto do Núcleo Museológico do IVBAM.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 52/139

52

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 53/139

53

A s casas de bordado 

Interior casa de bordados. Colecção de Photographia Museu Vicentes.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 54/139

54

Os Caixeiros.

Colecçãode PhotographiaMuseu Vicentes.

Casa de BordadosEmil Marghab CªLda Sucr.

Arquivo do MuseuPhotographia

Vicentes

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 55/139

mercado do bordado da Madeira foi marcado aolongo dos últimos cento e cinquenta anos por umaelevada instabilidade, que denuncia a fragilidade

da indústria no mercado mundial. Para isso contribuiu, não só, aconjuntura internacional, mas também, a precariedade das casasde bordados criadas por estrangeiros, nomeadamente ingleses,alemães e sírios. A cada grupo correspondeu uma forma de inter-venção e mercados distintos. Os ingleses foram os primeiros aintervir no processo. Mas foram os alemães que deram o impul-so decisivo na diversificação dos mercados. O avanço foi travado

apenas por influência dos ingleses e acabou por ser interrompi-do com a Primeira Guerra Mundial. Estes, forçados a sair porforça da represália política, permitiram que os sírios assumissemo comando dos negócios.

A partir de 1890 processou-se uma profunda transfor-

55

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 56/139

56

Arquivo de antigaCasa de Bordados.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 57/139

mação, com a afirmação das casas de bordado em detrimento

dos exportadores. A diferença estava em que os últimos se limi-tavam a adquirir o bordado às bordadeiras, enquanto os segun-dos passaram a intervir directamente no processo produtivodando às bordadeiras o tecido já com os desenhos estampados.Para isso montaram uma rede de agentes em toda a ilha, queprocedia à distribuição dos panos e depois recolhia-os já borda-dos. A mudança incrementada pelos alemães conduziu à afir-mação das chamadas Casas de Bordados. No primeiro quartel doséculo XX são referenciadas as seguintes casas: A. J. Fróes, CasaBradwil, Casa Grande, Casa Hougas, Casa Maru, Casa Suiça,Companhia Portuguesa de Bordados, H. C. Payne, Hamú, JoséClemente da silva, Mallouk Bros, M. R. Silva Diniz, Wagner,Schinitzer, União Madeirense de Bordados, Casa Americana.

Em 1923 são referenciadas 100 casas de bordado, o queatesta a vitalidade da indústria no período entre as duas guerras.O peso das pautas aduaneiras levou a partir de 1924 à saída dossírios que entregaram as casas aos madeirenses, que passarama controlar o sector. Nos anos seguintes manteve-se o número

elevado de empresas do sector. Na década de quarenta, OrlandoRibeiro (1949) refere a actividade de 91 casas empenhadas nocomércio e exportação do produto. Em 1953, um relatório doGrémio do sector anota a existência de 103 casas, mas sucedeque 61 destas não ultrapassam os 50 contos de exportaçõesmensais, sendo casas de pequena dimensão. Apenas 12 casasfacturavam mensalmente mais de sete mil contos. Em 1969 sãoreferenciadas 88 casas de bordados.

A política de associação e classe do Estado Novo tambématingiu a indústria dos bordados. Assim pelo decreto-lei nº.25643, de 20 de Julho de 1935 foi criado o Grémio dos industri-

ais de Bordados da Madeira, com a missão de orientar a indús-tria no campo da produção e comércio. Tal como enuncia um fo-lheto publicitário do Grémio de 1958 a defesa dos interesses do

57

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 58/139

sector estava assegurada, pois não se repetiram na vigência do

grémio, as crises periódicas que, no passado, tanto afligiram a

economia da indústria e dos seus trabalhadores. De acordo com

a portaria 8337 foi estabelecida uma taxa sobre o valor dasexportações e as vendas locais para acudir às despesas daagremiação. Foi com os fundos resultantes desta taxa que seconstruiu a sede, o actual edifício do IVBAM, inaugurado nosanos cinquenta. O grémio dispunha de armazéns para reserva detecidos e linhas para abastecer o sector, situação que é aindahoje garantida no mesmo edifício, apenas para a reserva dostecidos.

O grémio, para além da função reguladora do sector, actu-ava no sentido da defesa, promovendo o ensino do bordar às jovens, com as escolas criadas em Câmara de Lobos e Machico.Ao mesmo tempo estabelecia os preços mínimos da mão-de-obrabaseada numa unidade de medida conhecida como pontos indus-triais. Entre 1935 e 1958, houve uma melhoria significativa na

58

Escola de bordado.

Arquivo do MuseuPhotographia

Vicentes

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 59/139

valorização do trabalho da bordadeira, passando-se de 35 cen-tavos por 100 pontos para 2420 em 1958. Esta melhoria atingiutambém as 750 operárias das Casas que em 1935 recebiam

entre 3$00 a 6$00 de salário e passaram a auferir em 1958 entre11$00 e 20$00. Para isso contribuiu também a criação em 1 deMarço de 1937 do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de

Bordados da Madeira. Esta agremiação sindical passou a chamar-se em 1974 de Sindicato Livre da Indústria de Bordados da

Madeira, integrando também as bordadeiras de casa.

O 25 de Abril de 1974 destronou o regime e as estruturaseconómicas criadas pelo Estado Novo e consideradas como seu

sustentáculo. Os grémios do regime deram lugar às Associações,surgindo no caso do Bordado Madeira a Associação de Produtoresde Bordado Tapeçarias e Artesanato e Obra de Vimes da Madeira.

A defesa do bordado foi uma das atribuições do Grémio dosbordados desde 1935. Para isso criou-se por decreto-lei de 8 de

59

Lavandaria de casa de bordados. Selo holográfico.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 60/139

60

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 61/139

61

Publicidade

Bilhete antigoda Bordal (1968)

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 62/139

Dezembro de 1938, a obrigatoriedade de o bordado para vendadispor de um selo de garantia. A criação por decreto regional doIBTAM em 1977 veio a atribuir uma nova dinâmica e intervençãodo Governo Regional no sector. A defesa da qualidade do borda-do continuou a ser uma aposta definindo-se a partir de 2000 ouso do selo holográfico como forma de evitar falsificações. Poroutro lado a aposta na inovação levou o Governo Regional a criaro Centro de Moda e Design. Dos objectivos fazem parte a apos-

ta na criação de novos produtos, servindo-se das tecnologias deponta, com a introdução do Design, Imagem e Marketing. A par-tir daqui abriu-se uma nova oportunidade para o sector do bor-dado. E hoje é evidente que o bordado Madeira conquistou umlugar cativo na moda, surgindo vários estilistas madeirenses queapostaram com sucesso na utilização do bordado no vestuário.

62

Bordadeiras.

Painel de Azulejona Avenida Arriaga.

Funchal.1932

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 63/139

A bordadeira

Em todos os momentos da História do bordado a referênciamais comum prende-se com o labor da bordadeira. É ela, quecom mãos de fada, dá o toque de beleza aos pontos do bordado.A destreza, dedicação e sacrifício são motivo de constantepanegírico e admiração por todos os que descobriram o bordado.Preservou na ilha a ancestral tradição de bordar e, antes que emmeados do século XIX, interviessem os estrangeiros a dominar ocircuito de produção, foi ela que criou os desenhos que tão gra-ciosamente esculpia à linha sob o pano.

O labor incansável da bordadeira, em delongas noites, estátestemunhado nas peças bordadas que encantam os naturaiscomo visitantes, embelezam quem veste as peças de vestuário,

63

A BORDADEIRA

Minha Madeira ou meu encanto

Por ti quanto e sou profano

Jóia que Deus num dia santo

Deixou cair no oceano

Como tu não há nenhuma

E nas noites sonhadoras

Bordam das ondas a espuma

Os dedos das bordadouras.

(canção de MAX (1918-1980)

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 64/139

engrandece as recepções e repastos e enriquece o aconchego doslençóis e travesseiros. A marca indelével do trabalho está pre-

sente em todo o lado.O quadro típico da bordadeira sentada em frente do casebre

que a abriga durante a noite foi uma imagem frequentementemantida na retina dos visitantes desde finais do século XIX. Aeste labor isolado juntou-se outra imagem dos grupos de mu-lheres que se juntam à beira de caminhos e atalhos. Por toda ailha era habitual os ajuntamentos de mulheres casadas, donze-las, idosas e crianças, cujas mãos bordavam mas o pensamentoestá no quotidiano próprio e alheio. Bordava-se mas também se

conversava sobre a vida de um e de outro. Raras vezes alguémentoava uma cantiga popular, daquelas que andam de boca emboca, ou se ouvem na rádio.

O bordado é o testemunho da arte da mulher madeirense,como também das dificuldades quotidianas. Bordava-se, não porprazer, mas por necessidade de forma a garantir-se o magro sus-

64

Desenhoshumorísticos deRe-Nhau-Nhau

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 65/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 66/139

66

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 67/139

Acabamentos na produção do bordado.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 68/139

só em 1863 no relatório de Francisco de Paula Campos e Oliveira

sobre as indústrias do arquipélago. Aqui considera-se o bordado já como uma indústria caseira muito importante que ocupa 1029mulheres em toda a ilha. Não obstante esta ser uma actividadecaseira usual era na cidade e freguesias vizinhas do recinto ur-bano que se notava uma maior incidência de mulheres dedicadasa esta actividade. Apenas o Funchal e Câmara de Lobos totalizammais de 97% do total. Isto resulta certamente da proximidade dolocal de venda e de ainda não estar montada a rede de dis-tribuição e recolha organizada pelas casas comerciais. O Norte dailha não assumia ainda qualquer importância.

O período que decorre entre a segunda metade do séculoXIX e meados do seguinte foi marcado por um movimento ascen-dente de mão-de-obra feminina indispensável para a afirmação dobordado. O relatório das indústrias feito por Vitorino Santos parao ano de 1906, em plena época de afirmação da indústria, evidên-cia esta realidade, apresentando um total de 32.000 bordadeiras.O Funchal e Câmara de Lobos, com 58% continuavam a dominar,mas as bordadeiras estão presentes em todos os concelhos.

Durante o século XX o número das bordadeiras foi crescen-do. Diz-nos Orlando Ribeiro (1949), citando um relatório de1940, que eram 50.000 as bordadeiras rurais, que junto com asda cidade e as empregadas das lojas faziam elevar a mão-de-obra ligada ao bordado para 70.000. O número mais elevadodestas que conhecemos é de 1950 com a presença de 60.000mulheres dedicadas ao bordado, o que representa 21,2 % dapopulação. Os últimos dados de 1983 apontavam para 33.000 e

no primeiro ano do novo milénio o valor rondava apenas as6.000. A distribuição geográfica das bordadeiras nas décadas desetenta e oitenta do século XX demonstra que houve umamudança na configuração geográfica dominante em épocas ante-riores. Assim o Funchal e C. de Lobos perdem em favor de con-celhos como a Ribeira Brava e Machico.

68

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 69/139

Em plena euforia da indústria do bordado, que ocupavamais de trinta mil mulheres, o aparecimento de epidemias comoa cólera morbus em 1911 teve reflexos evidentes na indústria.Em 1910 a despesa com a mão-de-obra havia sido de760.000$00, descendo no ano imediato para 480.000$00, o que

reflecte uma diminuição acentuada da mão-de-obra disponível,uma vez que não se assinalou qualquer alteração no valor dospontos pagos e tão pouco houve uma quebra da procura.

No primeiro registo da mão-de-obra relacionada com o borda-do de 1862 surgem apenas dados sobre as bordadeiras, mas em1906 diferenciava-se dos demais trabalhadores das casas de borda-dos, que neste momento eram 2000. Aqui incluía-se todos os profis-sionais necessários para a última fase do processo de preparação do

bordado a exportar e os que se ocupavam da preparação dos dese-nhos e tecidos a entregar às bordadeiras. Isto quer significar que ainstalação e pleno funcionamento das casas de bordados ocorreuapenas a partir da década de sessenta do século XIX.

A técnica de produção de bordado, imposta pelos alemães apartir da década de oitenta do século XIX, retirou à bordadeira o

69

Bordadeiras.

Bilhete Postal

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 70/139

domínio exclusivo do processo de fabrico.

Entrou-se num ciclo de produção em queintervêm diversos agentes, como os dese-nhadores, estampadores, agentes, veri-ficadoras e engomadeiras. Ao lado da bor-dadeira caseira surgiu a profissional quetrabalha nas casas de bordados. A estas  juntam-se ainda outros trabalhadores queintervinham no processo. Todavia estegrupo é diminuto. Em 1922 eram 2500 quetrabalhavam nas 70 casas, enquanto em1968 as 88 casas empregavam apenas 450e estavam servidas de 1500 agentes.

A forma de pagamento do trabalho àsbordadeiras sofreu alteração a partir dosanos vinte do século XX. Até então o traba-

lho era pago ao palmo, passando desde esta data a ser feito aoponto, fazendo-se a contagem industrial com o curvímetro. Umdos aspectos que chama à atenção de todos que descrevem esta

indústria e elogiam o trabalho primoroso das bordadeiras é obaixo preço do trabalho. Já em 1863 a bordadeira era entre,todas as actividades que se ocupavam as mulheres, a mais malpaga sendo apenas de 100 reis no Funchal, enquanto as demaisrecebiam salários médios superiores a 300 reis.

Nos anos vinte a concorrência de novos mercados fez rever-ter de novo o ónus da situação para a bordadeira. As autoridadesconscientes da realidade ordenaram em 1929 o estabelecimento

de uma comissão para estudar a possibilidade do aumento dopreço do trabalho da bordadeira, através da fixação de um preçomínimo. A tudo isto juntava-se a necessidade de socorrer asmesmas na doença e invalidez. A razão da resignação da bor-dadeira resultava do facto de este ser um trabalho executado nosintervalos das lides caseiras ou nas longas noites, não sendo, em

70

Desenhohumorístico deRe-Nhau-Nhau

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 71/139

muitos casos uma actividade que as

ocupasse o dia inteiro. Os centavos dospontos eram sempre bem vindos. Em1952 os 47.252 contos contemplavammais de cinquenta mil famílias em todaa ilha, o que representava 18% do totalda população.

A protecção aos profissionais dosector aconteceu já em 1894 com a cri-ação da Sociedade José Júlio Rodrigues

de Protecção às Bordadeiras Madeiren-

ses. Sobre esta associação de benefi-cência pouco se sabe. A partir deDezembro de 1907 por iniciativa dosalemães tivemos iniciativas semelhan-tes. Nesta data as casas WilhelmMarum, R. Kretzchan, George Warten-berg criaram uma Caixa de Socorros

para os cerca de dois mil trabalhadores

que empregavam. Todos passam a usu-fruir de assistência médica e de medica-mentos gratuitos, sendo os fundos paraa manutenção deste serviço resultantesdo desconto mensal de 50 réis por tra-balhador, feito por cada casa. O alarga-mento deste sistema de protecçãosocial só sucedeu a partir de 1946 coma criação da Caixa de Previdência.

O Grémio dos Industriais dos

Bordados, criado em 1935, teve tam-bém uma acção de relevo no apoio aosector e às bordadeiras. Em Câmara deLobos e Machico criaram-se escolas

71

Bordadeiras. Bilhete Postal

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 72/139

infantis que permitiram o ensino do trabalho da agulha a mais de691 crianças. E, mais tarde em 1961, apoiou-se as bordadeiras

através da construção de um bairro residencial com 30 moradias.

O século XX foi marcado pela dispersão dos madeirensespor diversos destinos de acolhimento. A crise e as dificuldadesprovocadas pelas guerras mundiais e pela situação de abandonoe subdesenvolvimento conduziram à forte pressão da emigração,nomeadamente nos anos cinquenta e sessenta. Muitos saíramrumo ao Brasil, Venezuela e África do Sul em busca de melhorescondições de vida. Primeiro os homens, mas depois acompa-

nham-nos os restantes elementos do casal. A todo o lado ondechegou a mulher madeirense chegou também o bordado. A artee tradição do bordado são-lhe inseparáveis.

No caso do Brasil é conhecido o facto de, nos anos cinquenta,existir um apelo e promoção da imigração das bordadeiras

72

Pormenor de Bordado antigo

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 73/139

madeirenses para o Brasil. No Rio de Janeiro, S. Paulo, Santos eCeará é notória a presença do bordado madeirense. No morro de

São Bento, em Santos o bordado já não tem a qualidade dos anossessenta e está em vias de desaparecimento. Em Itapajé, no Cearáem Fortaleza, mantém-se vivo. Aqui a cidade é conhecida como acapital do bordado, porque o mesmo é uma das principais activi-dades económicas. Na Venezuela, os testemunhos de muitas dasmulheres madeirenses que saíram da ilha nos anos cinquenta reve-lam que não se perdeu o hábito de bordar, havendo casos em quese enviavam as peças desde o Funchal e que depois eram devolvi-das já bordadas.

A homenagem ao trabalho da bordadeira, insistentementelouvado por todos os que conheceram o seu trabalho, só aconte-ceu a 30 de Junho de 1986 com a inauguração da estátua doescultor Anjos Teixeira nos jardins do IVBAM.

73

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 74/139

74

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 75/139

75

A s técnicas e os materiais 

Material para estampagem dos desenhos. Núcleo Museológico do IVBAM

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 76/139

76

Máquinade estampar

desenhos.

Núcleo Museológicodo IVBAM

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 77/139

segunda metade do século dezanove foi marca-da por profundas alterações nas técnicas usadasno bordado, nos tecidos e nos padrões bordados,

ajustando-os nos padrões mais solicitados pelos mercados de des-tino do bordado. Primeiro os ingleses, através de Miss Phelps e,

depois, os alemães deram o contributo mais significativo para a re-volução do bordado e a afirmação no mercado externo.

Os tecidos mais comuns para bordar eram o algodão decassa, cambraia, linho, seda natural, sendo aplicada a linha bran-ca baça e raramente a azul e vermelha. O bordado em algodão eseda foi promovido pelos alemães que também apostaram nalinha branca. Mas a introdução do bordado em seda é considera-do um contributo da senhora Counis. Quanto ao tecido usado,temos algumas referências: em 1849 enviou-se para Lisboa obordado em esguião de linho. E no ano imediato, na exposição

organizada pelo Governo Civil peças de bordado apresentadasem seda, matiz e de “passe em filó”(uma espécie de renda).

A maior parte dos tecidos com que se bordavam eram deimportação. Da Inglaterra e da Holanda importava-se linho,enquanto da Alemanha chegava o algodão. A presença do algo-dão foi promovida de forma clara a partir de 1897 pelo governo

77

A

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 78/139

alemão com o sistema aduaneiro conhecido como drawback, istoé, os tecidos de algodão saídos do país e que retornassem va-lorizados com o bordado para depois serem reexportadosestavam isentos de direitos. Esta situação persistiu até 1906. A

generalização do uso do linho, importado de Inglaterra, levou asautoridades alemães a aumentarem desde 1 de Março de 1906 osdireitos que oneravam os bordados de linho. Os direitos cobradosna alfândega do Funchal sobre os bordados de algodão e linhoeram motivo de polémica apelando-se à intervenção do governono sentido de uma redução dos direitos sobre os panos impor-tados para bordar, apontando-se inclusive a necessidade de seguiro exemplo da Alemanha, introduzindo o sistema de drawback.

As dificuldades sentidas nos anos sessenta resultam demedidas aduaneiras prejudiciais. Em 1967 o bordado Madeira não

beneficiava das regalias da EFTA, desde que o tecido não fosseexpedido de um Estado membro, sendo tributado com as taxas dapauta mínima dos tecidos sem obra, estabelecida em 1953.

A partir do momento que o bordado passou a ser feito porencomenda e o processo de fabrico comandado pelas casas, asmudanças foram evidentes em todos os sentidos. Miss Phelps

78

Desenhohumorístico

de Re-Nhau-Nhau

Memória histórica

do bordado,vendo-se a máquinade picotar e alguns

desenhos enrolados.

Bordal.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 79/139

trouxe os motivos do bordado inglês, como os ilhós e cavacas. János anos vinte do século XX a crise do sector levou os industriaisa procurar uma alternativa, que se revestiu numa adequação aobordado doutras regiões europeias. Deste modo o bordado apre-

senta-se como uma mistura do francês (com o Richelieu), suíço eveneziano. Nos anos cinquenta os italianos impõem os seus dese-nhos e aqui é notória uma aproximação a motivos bordados comtendências artísticas, como a arte “nouveau” e ”deco”. Daí para cátem-se mantido este tipo subordinando-se a uma criadora arte deimaginação e de bom gosto. Neste processo de transformação dobordado madeirense ocorrido no século XX enquadra-se a policro-mia dos trabalhos, por apelo dos mercados consumidores.

Neste momento, nos bordados para exportação, bem comopara venda no mercado local, são usados essencialmente o algo-

dão, linho e o organdy. Os pontos mais comuns continuam a sero ponto francês, sombra, bastido, ponto chão e richelieu, sendoeste último pouco usado para exportação devido à imitação dosmercados orientais. O bordado no século XXI tem ainda uma faixade mercado, mais pequena é claro, do que há 100 anos atrás emais virada para as personalização e não para quantidades.

79

Oficina dedesenhoe picotar.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 80/139

80

Máquina de picotar.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 81/139

81

O processo de fabrico do bordado madeirense 

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 82/139

82

O processo de fabrico do bordado Madeira pode ser dividido emcinco fases, descritas a seguir por Maria da Soledade.

[Bordados da Madeira (Viagem numa Fábrica de Bordados),

Funchal, 1957, 7-13]

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 83/139

desacertado classificar de artífice o desenhador,pois a sua função não é, como se possa julgar,

copiar, ampliar, decalcar, etc; ele é, antes, um artista criador deinesgotáveis recursos.

Desenhar

Ele começa por esboçar, a carvão, o motivo que a sua imagi-nação idealizou; lançada a ideia, o carvão volta ao papel a traçarnovas linhas e aperfeiçoar as primeiras; a fase definitiva é traça-da a “crayon”, e finda esta operação o papel, ainda há poucovirgem de traços, apresenta-se-nos com os mais diversosmotivos, onde, geralmente, predominam as flores, fantasiadasou em felizes e fiéis reproduções. Em geral o desenhador “nãosabe” o que vai traçar. Salvo raras excepções em que lhe é pedi-

do determinado género, a sua mão vai riscando o que o cérebroconcebe e ordena. Tal como o poeta escreve os seus versos do-minado pelo poder divino das musas, assim o desenhador trans-mite ao papel o que a inspiração lhe segreda compondo, a maiorparte das vezes, verdadeiros primores; não é desatinado, por-tanto, colocá-lo no primeiro plano dos bons e imprescindíveis

83

O desenhodo bordadoÉ 

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 84/139

contribuintes para o engrandecimento desta preciosa indústria.Mas, caso curioso, sendo o desenho um verdadeiro trabalho deArte, é quase sempre mandado executar, prosaicamente, sob adeterminação e limite do factor “verba”, porque será vendido.

Exemplificando: o industrial encomenda o “risco” para umatoalha de determinada dimensão que terá de ser vendida por Xescudos.

Apenas com este ponto orientador, e dentro desta vaga indi-cação, o desenhador faz verdadeiros milagres de precisão. Osque têm prática, e bastante desenvolvida a faculdade de cálculo,raramente se enganam; eliminando uns traços, aumentandoumas folhas, simplificando uns “pontos”, o resultado é exacto.

Há, por vezes necessidade de transpor o desenho para for-mato maior ou menor; é ainda o desenhador que o interpreta,

esteticamente nas proporções exigidas.E as mãos não param!A inspiração nunca se esgota!Mimosas flores, delicadas figuras, as mais estranhas alego-

rias, linhas geométricas das mais díspares configurações, e tan-tos outros motivos de inconfundível beleza, tudo brota da fonte

84

Contagemdos pontos

com o curvímetro

Curvímetro

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 85/139

inesgotável que é a imaginação

deste artista ao qual não foi aindareconhecido todo o real mérito.Mas, vamos continuando a

 “nossa viagem”.O desenho passa em seguida

para a secção da “contagem” dospontos a fim de se apurar a verba apagar à bordadeira. Os preços ou-trora eram feitos por cálculo medi-ante o critério, dos industriais,

adquirido com a prática. Ainda hápouco ouvimos uma referência aoassunto, reportando-se há vinteanos atrás, em que “ilhós” e “grega” eram pagos a X centavos... por palmo...

Os pontos são classificados e, feito a média, apura-se opreço. Há que medir todos os traços do desenho (incluindo asbrides do “richelieu”) para achar o total exacto.

A medição faz-se com o curvímetro – aparelho para medir ocomprimento de linhas curvas- que vai registando as medidas pe-

rante as quais o encarregado da contagem “acha” o número depontos que a ela corresponde: “Xis” metros de “caseado” equivalea “Ipsilon” de pontos, (...)

O curvímetro tem um pequeno cabo onde se pega para omanejar, e é provido dum mostrador, redondo, com a circunfe-rência de 9,5 cm., aproximadamente. Um pequeno rodízio vaideslizando por todos os traços e o ponteiro do mostrador acusa amedida – cada volta equivale a um metro.- O empregado, com amão livre, vai anotando os metros e assinalando a vermelho, leve-mente, os traços já percorridos pelo curvímetro, para que não haja

falhas ou repetição. (...)Quando o formato da peça e o modelo do desenho se

prestam, tanto este, como a medição refere-se apenas a umaquarta parte, fazendo-se depois o desdobramento.

Feita a “contagem dos pontos” o desenho vai para a secçãode picotagem.

85

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 86/139

86

Máquina de picotar. Picotagem do desenho

Picotar

Esta fase é também de muito interesse. A máquina de pico-

tar tem a função de perfurar o papel desenhado, seguindo fiel-mente os riscos traçados a fim de facilitar a estampagem no teci-do. A máquina é accionada por um pedal enquanto as mãos guiam,simultaneamente, o papel, e a agulha que o vai perfurando emorifícios de fracção de milímetro. É um trabalho muito delicado eque requer muita prática para se conseguir a sincronização entreo pedal e a agulha. São precisos muitos anos para atingir firmezana mão e golpe de vista, necessários para um resultado perfeito,além de muita atenção e paciência, pelo que a pessoa que o exe-

cuta, a contento, merece ser devidamente apreciada.A picotagem pode ser feita em uma ou mais folhas de papel,

ao mesmo tempo, mas nunca além de quatro.Podem-se aplicar à mesma máquina agulhas de várias

espessuras, as quais são relacionados com a delicadeza dodesenho e modalidade de “pontos”.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 87/139

Estampar

A estampagem ou estresido

(passar o desenho para o tecido) faz--se em largas mesas pondo o papel,bem estendido, em cima da peça quese pretende bordar, fixando-o compesos para que não deslize. Depois asoperárias passam, em toda a superfí-cie, picotada com uma “boneca” dealgodão embebida em anil desfeitocom petróleo e uma mistura de cera,

e imediatamente o desenho passapara ao tecido.

87

Estampagem.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 88/139

88

Desenhopintado paraa bordadeira

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 89/139

Bordar

Dali vamos para a secção onde se procede ao registo, sepõem as etiquetas de controle, se marcam os coloridos a lápis decor, se o trabalho o requer, seguindo depois para o local da expe-dição, que é também do recebimento.

As “agentes” dos campos – das várias freguesias rurais –vêm buscar e trazer as encomendas. Essas “agentes” por sua vezé que distribuem o trabalho pelas bordadeiras e recebem, dosindustriais, uns tantos por cento sobre a totalidade do preço queé pago à bordadeira.

Para o expediente da entrega e recepção dos bordados, háem todas as fábricas uma dependência “recebedoria” com umbalcão onde as “agentes” são atendidas.

Recebido o trabalho, este passa às mãos da “verificadora” para analisar se há imperfeições. Se existem, volta para trás paraserem remediadas. (...)

89

Bilhete-BordalBordadeiras. Arquivo do Museu Photographia Vicentes

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 90/139

Lavar e engomar

Agora, dirigimo-nos para a lavandaria,onde todas as peças são lavadas manual-mente como qualquer roupa vulgar – querse trate de uma enorme e rica toalha demesa, de um mimoso vestido para bebé, emseda ou organdi, ou ainda minúsculoslenços.

As peças, mal escorridas, passam paraa engomadeira onde grandes mesas asesperam; começa então a árdua tarefa dasengomadeiras, se atendermos que a maioriados bordados é feito em linho, quanto esteé rebelde ao ferro de engomar, e à perfeiçãoque verificamos, depois, ao vê-los nos esta-belecimentos do género. Peças muitograndes e bastante bordadas, requeremvárias operárias; umas esticam, outrasengomam, e eis às vezes oito mulheres em

torno da mesma mesa, às voltas com umatoalha enorme, onde pouco tecido ficou porbordar.

Os fios eléctricos que se ligam aos fer-ros descem do alto, de uma instalaçãoprópria, para não embaraçarem.

Mas outras operárias esperam ainda osbordados para os recortar, e “consertar” pois sucede, como é natural, a tesoura cor-

tar, inadvertidamente, alguns pontos, per-calço que outras mãos logo remedeiam;outras ainda ajeitam as folhas abertas eilhós com um furador a que popularmentechamam “furalhó”. E só então é engomadodefinitivamente, dobrado e preparado para

90

Lavagem do bordado.

Engomar o bordado

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 91/139

figurar em exposição nos salões de venda das próprias fábricas,em estabelecimentos comerciais, (...) ou para a exportação.

Referimo-nos de uma maneira geral ao bordado propria-mente dito, porque os trabalhos de confecção de vestidos,camisas, etc., é feito por costureiras que trabalham em sua casae vão, ou mandam, buscá-los às fábricas. Há também especia-listas em filetar (bainha finíssima enrolada de pontos invisíveis arematar lenços). Esta palavra em geral, emprega-se estropiada-mente e de várias formas: “filitrar”, “filhetar”, “filtrar”, “flitrar”.[...]

91

Remates finais do bordado.Arquivo do Museu Photographia Vicentes

Recorte de umapeça bordada.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 92/139

92

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 93/139

93

Os pontos do bordado 

madeira 

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 94/139

94

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 95/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 96/139

nando uma peça), feito a cordão na parte interior e caseado naorla fazendo recorte); Arrendado (crivo); dentro deste género hávários modelos que têm por sua vez outras designações: “latadi-nha” “olho de passarinho” etc. Cavaca não é positivamente um “ponto”; o que lhe dá o nome é o formato do desenho; Pesponto(ponto de areia) para encher superfícies lisas sombreando o teci-

do; Caseados (ponto de recorte) que comporta ainda: caseadobastido e caseado bastido de “unhas” Ponto de Sombra ou revésque se emprega só em tecidos transparentes; “Viúvas” (espéciede trevo de cinco folhas, bastidos). Temos ainda o cordão, Pontode corda (pé de flor) Ponto Ana e de Escada, são o vulgar pontoaberto com fios previamente tirados. No ponto escada os fios são

96

Pontos

do BordadoMadeira

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 97/139

apanhados pela agulha no mesmo sentido, de um e outro lado;ponto Ana os fios são apanhados desencontradamente. Quandoo desenho o exige para que o efeito resulte da melhor forma,empregam o matiz, ponto de cruz, e tantos outros que à nossamemória não ocorrem, embora não façam parte dos pontos clas-sificados e tabelados pelo Grémio. [...]

[Maria da Soledade, Os Bordados da Madeira (Viagem numafábrica de Bordados), Funchal, 1957, pp.7-13]

97

Toalhas de bordado madeira, Bordal

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 98/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 99/139

BASTIDOS

ou ponto cheioO bastido é um ponto produzido

em alto relevo devido à "urdidura" oulinha deitada" e depois coberto com"ponto de cetim".

Os granitos com mais 6 mm dediâmetro são conhecidos como granitosbastidos, o mesmo sucede com as fo-lhas fechadas com mais de 8 mm quesão folhas bastidas.

99

CASEADOS

«Como o cordão do qual deve serderivado, o caseado é feito sobre urdi-do (linha deitada) e a dois tempos. Masno segundo tempo, a agulha passa porcima da linha a ser puxada e produzin-do uma lançada que, ao ser apertadacria um rebordo reistente e apto a serrecortado (o pano aderente)sem desfa-zer o ponto.» [Leandro F. Jardim, Elu-

cidário dos Pontos Mais Usuais nos Bor-dados da Madeira, texto policopiado).É normalmente usado para rema-

tar os extremos das peças bordadas.Temos a variante do caseado

bastido, que é mais cheio e às "unhas"em vez de recto.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 100/139

CAVACAS

Vários círculos divididos emquatro meios semi-círculos cujo cen-tro é geralmente bordado com umgaranito ou ilhó.

Este ponto deriva do ilhó e dasfolhas abertas.

100

GRANITOSou garanitos

Pequenos pontos cheios sepa-rados uns dos outros.

São seguidos quando o espaçoentre eles é pequeno (3 mm) e pas-sam de um para outro sem cortar a

linha e rematados quando oespaço é superior a 3mm.

Quando se usa “bastidin-hos” em vez de garanitos emforma de miosótis, essa com-posição toma o nome “mali-cioso” pelo povo rural de viúvaou solteira.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 101/139

ILHÓS

«os ilhós devem ser feitos um de cadavez. Quando mínimos e em tecidos leves, faz-se a cobertura do círculo desenhado no pano,forçando os fios e abrindo-o-buraco forçadopela passagem da agulha e da linha pelaprimeira abertura; e, assim, circulando-a. Háquem use o fura-ilhó para tal.

Não são urdidos quando mínimos (fa-

zem-se com 1 mm de diâmetro). Porém, apartir de um certo diâmetro, as bordadeirasque os fazem bem-feitos, deitam linha; isto é,cobrem a ponto cordão o círculo desenhado doilhó sobre a linha deitada (urdida)» [LeandroF. Jardim, Elucidário dos Pontos Mais Usuaisnos Bordados da Madeira, texto policopiado]

Reporta-se à tradição continental dobordado de Tibaldinho, aparecendo nas mais

101

antigas representações do bordado da ilha.Ponto Escada

É um ponto feito entre dois fios retiradosparalelamente. Entre os dois fios que mar-caram a largura retiram-se todos o outros,ficando assim somente os fios descendentes(ou ascendentes).

Então, em quantidades exactamente

iguais, estes fios são apanhados e presos compontos simples: e vai surgindo como que umaescada simples. Daí o nome.

Prende muito bem baínhas e “barras”.[Leandro F. Jardim, Elucidário dos

Pontos Mais Usuais nos Bordados da Madeira,texto policopiado]

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 102/139

PESPONTO

ou ponto de areiaTem a finalidade de sombrear o

espaço.É um ponto que exige perícia e

paciência da bordadeira de forma aque os pespontos surjam bem dis-tribuídos e iguais no tamanho e den-sidade pela área a preencher.

102

RICHELIEU E OFICIAL

O Richelieu, vindo de França,abriu as portas à criatividade do dese-nhador, deixando de parte o aspecto

formal, para se tornarnuma autêntica obrade recorte e bordado.

O oficial com-põe-se a partir docordão, como o

Richelieu que se com-põe de caseado liso.O oficial é, contudo,um ponto mais antigono bordado Madeira.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 103/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 104/139

Tabela de Contagem de Pontos de BordarAprovada por Despacho Ministerial de 9 de J aneiro de 1946

Moda- Descrição Pontoslidade industriais

(A) ILHÓSIlhó aberto até 6mm de diâmetro UmIlhó fechado (bastido) até 6mm de diâmetro, UmIlhó aberto de grega até 6mm de diâmetro; Dois

NOTA: Por cada 3rnrn de diâmetro a mais ou fracção,aumenta 50% dos pontos industriais respectivamente.

(B) FOLHAS

Folha aberta até a area de 25mm2 e até ocomprimento de 8mm UmFolha fechada (bastida) até a are a de 25mm2 Um

e até o comprimento de 8mm..

NOTA: Por cada 10mm de área e 2mm de comprimento amais ou fracção aumenta 50% dos pontos industriaisrespectivamente As Cavacas serão medidas e contadascomo ponto de corda.

(C) GRANITOSGranitos seguidos até a área de 3mm2,

por cada 6 granitos UmGranitos rematados até a área de 3mm2

por cada quatro granitos UmGranitos seguidos até a área de 3mm2em forma de estrela, por cada seis granitos Um

Granitos bastidos até área de 3mm2 em forma deviúva, por cada cinco granitos Dois

NOTA: Granitos de área superior a 3mm2 até 5mm2 esuperior a 5mm2 até 7mm2 (área máxima de granitos)aumenta-se respectivamente 100% dos pontos industriais.

(D) RICHELIEU E OFFICIALRichelieu por cada metro, SetentaOficial por cada metro, Setenta

NOTA: Não é permitido fazer-se buracos de richelieu ou deoficial de áreas superiores a: Para Richelleu , 2cm2

Para Oficial, O,5 cm2

(E) DIVERSOSPesponto, por cada 1cm2 QuatroBastido-Matiz, por cada lcm2 QuatroPonto de sombra (reverso) por cada 1cm2 DoisPonto Chão Três

104

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 105/139

(E) ARRENDADOAté a area de 5cm2, por cada Cm2 DezSuperior a 5Cm2 até a area de 15cm2 por cada Cm2 OitoSuperior a 15cm2 até 25cm2 por cada Cm2 SeisSuperior a 25cm2, por cada Cm2 Cinco

(G) PONTOS DIVERSOSPonto cordão, por cada metro CinquentaPonto Francês, por cada metro Vinte e cincoPonto Francês duplo, por cada metro SessentaPonto Francês: quando prendendo o contorno de

aplicações que não estejam alinhavadas, aumentode 1OO% dos pontos industriais ou seja 50 pontospor cada metro Vinte e cinco

Ponto Corda,por cada metro Vinte e cinco

Ponto de Remendo, por cada metro SetentaPonto Ana: até o comprimento de 10cm,por cada metro Cinquenta

Ponto Ana, de comprimento superior a 10cm,por cada metro Cento vinte

Ponto Escada, até o comprimento de 10 cm,por cada metro Oitenta

Ponto Escada, de comprimento superior a 10cm,por cada metro

NOTA: Todos os pontos destas modalidades quandoprendendo o contorno da aplicação ou bainha aumentade 50 % os pontos industriais respectivamente.

(H) BAINHA FILETEPor cada metro de filete Vinte

(I) CAZIADOSCaziado liso até 4mm, de espessura por cada metro SessentaCaziado bastido ate 4mm de espessura,

por cada metro OitentaCaziado: prendendo o contorno de aplicação ou

bainha (excepto na orla da bainha quando ocaziado seja para recortar) aumento de 50%dos pontos industriais.

NOTA: Os caziados serão medidos e contados na sua extensão,rectos se são direitos, e pelas curvas se são curvos ou aos

bicos: nas combinações de caziados medir-se-há cadaqualidade por si. Os caziados superiores a 4mm de espessuracontar-se-ão por mais 50 % por cada 4mm a mais ou fracção.

105

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 106/139

106

Bomboteiros.Colecção de Photographia

Museu Vicentes

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 107/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 108/139

108

Funchal.Século XIX

Casa de BordadosAlexander I Hamrah

Inc - Lavadeiras,1919.

Arquivo do MuseuPhotographia Vicentes

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 109/139

mercado do bordado Madeira em pouco mais deséculo e meio evoluiu de acordo com as con-tingências da conjuntura internacional, apresen-

tando-se como um produto vulnerável face às mudanças no mer-cado de destino, pelo simples facto de ser um produto de luxo.Ao longo deste período foi evidente a fixação quase exclusiva em

determinados momentos em quase só um mercado, o que veio acondicionar a evolução desta indústria. Primeiro tivemos os ingle-ses, seguiram-se os alemães, os norte-americanos, o Brasil e,finalmente a Itália. A tudo isto acresce que desde o século XIX omercado europeu do bordado era extremamente competitivo,não dependendo apenas da existência da ilha da Madeira, umavez que em várias regiões da Europa esta indústria artesanalexistia e passou por um lento processo de transformação. Oprocesso de mecanização do trabalho desde meados do século

XIX e, depois, a concorrência do mercado oriental foram fortesentraves à afirmação do bordado artesanal da Madeira.

O bordado Madeira começou primeiro por ser um produtoalheio ao sistema de trocas. Bordava-se para uso pessoal ou paraoferta a familiares e amigos. Só muito tardiamente se descobriu

109

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 110/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 111/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 112/139

Os dados disponíveis sobre a exportação para o período daguerra provam precisamente o contrário do que é comum afir-mar-se. A guerra não provocou qualquer crise no bordado quecontinuou a ter mercado garantido e encontrou nos sírios os per-feitos substitutos dos alemães. Aliás, o período foi de prosperi-dade para o bordado, sendo os anos vinte o momento de plenaafirmação nas exportações. As vendas que em 1906 não suplan-

tavam os 6 contos atingem em 1924 os 100.000 contos. Em1923 o bordado ocupava mais de 70.000 madeirenses e o comér-cio era garantido por 100 casas que o exportavam para aAmérica do Norte, Canadá, Inglaterra, França.

As dificuldades começaram a surgir apenas a partir de1924, altura em que os sírios começaram a abandonar a ilha. Aperda nas exportações de 100.000 contos, sendo de 30.000 nobordado. A situação de crise, agravada com o crush da bolsa de

Nova York em 1929, repercutiu-se na indústria conduzindo parao desemprego mais de 30% da mão-de-obra do sector. Mas, rapi-damente a ilha recuperou mesmo no período da segunda GuerraMundial. O debate em torno da autonomia tinha também na miraa crise do bordado, estabelecendo-se uma relação directa entrea solução da crise do sector e atribuição de mais autonomia.

112

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 113/139

A guerra atingiu de forma directa alguns mercados concor-rentes do bordado na Europa e Pacífico, deixando espaço abertopara o da Madeira. Em 1936 a Madeira continuava a exportar obordado para distintos destinos, como a Inglaterra, EstadosUnidos da América, Austrália, Canadá, França, União SulAfricana, Brasil, Alemanha, Bélgica, Holanda, Peru, Malta,Noruega e Singapura. Em 1952 a ilha exportou 259.165 Kg de

bordados, sendo dominado pelos Estados Unidos da América doNorte. Em 1956 a Madeira perdeu o mercado do Brasil ao mesmotempo que se afirmava um espaço concorrente nos morros dacidade de Santos. Muitas das bordadeiras e empregadosmadeirenses do sector do bordado que emigraram para o Brasilnão deixaram de parte o trabalho que se ocupavam na ilha.

Nos anos sessenta o bordado Madeira chegava a novos etradicionais mercados como os Estados Unidos da América,

Suiça, Suécia, Dinamarca, Alemanha, França, Inglaterra,Espanha, Austrália e África do Sul. Nesta década mais precisa-mente nos anos de 1966 e 1967, foi notória a quebra nas expor-tações, fruto da crise interna de alguns mercados, como os dosEstados Unidos da América e África do Sul e a concorrência dobordado à mão do Oriente e à máquina da Suiça e Hong Kong.

113

Pormenor de Bordado antigo

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 114/139

114

FunchalPrincípios século XX

Funchal hoje.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 115/139

Mesmo assim o mercado norte-americano continuará a dominaras exportações até princípios dos anos setenta. A Itália é umnovo mercado que surge apenas a partir de 1967 e só conseguirásuplantar os EUA a partir de 1974, assumindo uma posição domi-

nante nos anos oitenta.

Nos anos setenta o peso do bordado nas exportações eraassinalável e só começou a perde-lo a partir de 1974, nãoobstante o volume de negócios do bordado ser ascendente. Apartir dos anos setenta é evidente a concentração das expor-tações em apenas cinco mercados: Itália, Estados Unidos daAmérica, República Federal da Alemanha, Suiça, Grã-Bretanha eFrança. O mercado nacional continua a deter alguma importân-

cia na venda do bordado, mas nunca ultrapassou um quarto dototal do volume de negócios.

115

Casa de bordados Perestrellos.Arquivo do Museu Photographia Vicentes

Casa Portuguesade Bordados.

Arquivo do MuseuPhotographiaVicentes

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 116/139

116

Bomboteiros no Porto do Funchal.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 117/139

117

Os estrangeiros e o bordado 

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 118/139

118

Pormenor de Bordado antigo.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 119/139

ara além das informações referentes aos dadosdo comércio e exportação importa saber comoos locais e forasteiros viam e valorizavam esta

actividade. Através dos guias turísticos e dos diários de viagem épossível medir a importância que assumia o bordado para osforasteiros que visitaram o Funchal entre meados do século XIX e

princípios da centúria seguinte. O relatório não sendo exaustivo érevelador da atenção que despertava tanto para os nacionais,como estrangeiros. Até mesmo o próprio madeirense não sealheou desta realidade, dando conta disso em prosa e em verso.

OS ALEMÃES

A valorização do alemão no mercado do bordado reflecte-se

de forma evidente na literatura de viagens da mesma proveniên-cia, que está desperta para esta realidade. A senhora AugusteWerlich (1822-1892), que esteve na Madeira entre 17 deNovembro de 1854 e 4 de Julho de 1855, dá especial relevo aobordado, que considera tão rico e magnífico. As madeirenses sãoexcelentes bordadeiras em linha branca. Em 1857 o Prof. Schacht

119

P Lenço antigo.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 120/139

apresenta a mulher madeirense das classes baixas como indolentemas exímia na arte de bordar, pois apresentam bordados finos detoda a espécie. Já em 1864 o médico Rodolfo Schultze ficou

impressionado com o movimento de chegada de navios ao portodo Funchal, em que os estrangeiros compram obras de vimes, bor-dados, trabalho de croché e flores artificiais para presentear famili-ares e amigos. Em 1909 Boedecker ficou maravilhado com os pro-dutos da indústria caseira, destacando o bordado que era especial-mente exportado por firmas alemães. E no ano imediato Meyernotou que as raparigas e mulheres dedicavam-se ao bordado.

OS INGLESESA partir de meados do século XIX o bordado Madeira passou

a ser uma referência assídua nos roteiros turísticos e diários deviagem. Mesmo assim, em 1901, Ellen M Taylor refere a ignorân-cia que existe sobre o superior trabalho realizado na ilha pelas

120

Pormenor de toalha.

Núcleo Museológicodo IVBAM

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 121/139

bordadeiras. Todavia, isto não era impedimento para que asexportações fossem elevadas chegando a 25 toneladas. Ainda nomesmo ano o norte-americano Anthony J. Drexel Biddle afirma-

va que a Madeira era famosa pelo bordado, ocupando a indústriao sexo feminino na cidade e no campo. O trabalho de MissPhelps, na promoção da actividade a partir de 1856 é motivo deorgulho para os britânicos.

OS PORTUGUESES

Os portugueses foram também atraídos pela beleza do bor-

dado madeirense, presente nas roupas que vestem os locais ou empeças separadas que se vendem aos visitantes. Em 1864, VilhenaBarbosa, na descrição do arraial do Monte chama a atenção paraas roupas com “bordados de retrós ou de missungas” e as camisascom guarnições de rendas. Já o feiticeiro do Norte, ManuelGonçalves (1858-1927), dedicou um dos livros de quadras às

121

Pormenor deBordado antigo.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 122/139

 “Raparigas do Bordado”, pondo a ridículo a pretensa riqueza.

Raparigas que tem luxoSão aquelas dos bordadosPõe nos pobres rapazesDaqui pr’a rua digradados

A poesia popular, transmitida de geração em geração pelavia oral, foi enriquecida entre finais do Século XIX e princípios doséculo XX com versos alusivos ao bordado que as mulheres can-tavam enquanto davam à agulha.

Se eu fosse mulher herdavaUma agulha e dois dedaisCom fui homem só herdei

As enxadas de meus pais

Vai um dia a minha noivaA casa dumas bordadeirasOnde estavam metidasMais de vinte bilhardeiras

122

Aspecto de toalha. Núcleo Museológico do IVBAM Peças de quarto de dormir.Núcleo Museológico do IVBAM

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 123/139

Ai borda Rica Filha borda borda

Ai borda rica filha borda bemEm casa rica filha todos bordamE borda o pai e borda a filha e borda a mãe.

Em 1901 José Cupertino Faria aclamava obordado como a principal riqueza da ilha: Os bor-dados da Madeira, conhecidíssimos noestrangeiro, de um trabalho dificílimo e de umaperfeição inexcedível no seu acabamento, sãouma das principais indústrias da Madeira.Rivalizando, se não excedendo em fino gosto eprimoroso trabalho todas as indústrias con-géneres do estrangeiro como por exemplo, asfamosas rendas d’Alçon; e no país, os afamadosbordados de Peniche, a indústria dos bordadosna Madeira, ainda há pouco, limitada ao trabalhode uma ou outra bordadeira, tem tido ultima-mente um largo desenvolvimento e numerosasmulheres se ocupam simplesmente neste mister.

Em 1924 Raul Brandão no périplo pelas ilhas, que reportou emAs Ilhas Desconhecidas, apresenta o fadário da bordadeira insular: Asmulheres bordam. É a grande indústria feminina dos Açores e daMadeira. Em quase todas as cabanas se vêem raparigas atentassobre o linho de dedal enfiado no dedo. A América leva tudo. O nego-ciante fornece-lhes o pano estampado e elas compram as linhas.Pouco ganham. Mas criam hábitos de trabalho. Tornam-se atentas edelicadas. Desde que bordam que no campo se fala mais baixo.

A imagem do bordado está sempre presente na memóriados muitos que tiveram a felicidade de visitar a ilha ou de fazerescala no porto. A imagem dos bomboteiros fazendo ummostrador sob o mar com as toalhas bordadas ou a forma deli-cada da sua exposição nas casas de bordados era algo que

123

Quarto de Dormir.

Núcleo Museológico doIVBAM.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 124/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 125/139

adaptar-se aos modernos desenhos.

Para António Montes (Terras de Portugal, 1939) o que mais ocomoveu na visita foram os ajuntamentos de mulheres que bor-dam: Das indústrias regionais madeirenses, é, no entanto, a dosbordados, a mais notável, e, por isso, mesmo, a que constitui fac-tor económico apreciável.(...).

Quem percorrer a ilha da Madeira encontra em todas asfreguesias grupos de mulheres, junto de choupanas humildes,silenciosamente dobradas sobre bordados caprichosos, que nosclaustros tranquilos dos conventos ensinaram a suas avós os bor-

dados graciosos, que transmitidos de geração em geração,chegaram ao nosso tempo, constituindo lembrança apetecida paraquem visita a Madeira.

Luís Chaves exalta também o bordado em A Arte Popular emPortugal. Ilhas Adjacentes e Ultramar (1968): Quem desembarqueadmirará os bordados e as rendas nas lojas da cidade e no merca-do ambulante. Ficará conhecendo, se a não conhece já, uma dasriquezas artísticas de tradição madeirense, o seu melhor cartaz depropaganda etnográfica e turística. Quem continua viagem temoportunidades palpitantes no barco para admirar a imaginação, adestreza e o sentimento estético de composição dos bordados,largamente expostos ao tombadilho.

Maria Lamas, uma assídua presença na Madeira dos anoscinquenta, deixou-nos um verdadeiro poema à terra de exílios emArquipélago da Madeira Maravilha Atlântica (1956.), em que fazuma referência histórica ao bordado. Em As mulheres do meu País(1948) não se esquece de prestar homenagem à bordadeira

madeirense: Elas próprias sabem apenas que aprenderam com asmães e as irmãs mais velhas, a quem sucedeu o mesmo desderemotas gerações, como se o bordado fizesse parte das coisasessenciais da sua vida.(...) O que era pois o primitivo bordado dailha ou a broderie Madère, como é conhecido no estrangeiro? Umbonito bordado a branco, quase todo feito com ilhós, executado

125

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 126/139

com linha ligeiramente anilada e pertencendo ao conhecido génerode bordado inglês, que fez furor no princípio do século, e que davatanta frescura às toilettes de verão das elegantes da belle époque.

O madeirense Horácio Bento de Gouveia dedicou também umdos seus romances do quotidiano madeirense à vida da Bordadeira.Lágrimas Correndo Mundo (1959) pode ser considerado um livro dehomenagem à bordadeira madeirense da primeira metade do sécu-lo XX. O convívio com a vida difícil das bordadeiras de PontaDelgada leva-o a concluir que as peças de bordado são lágrimasque correm mundo, transformadas em regalo dos olhos por mãospacientes de ignoradas artistas.

Calvet de Magalhães, num magistral texto sobre Bordados eRendas de Portugal (1963), dedica espaço largo aos segredos dobordado Madeira: A indústria de bordados mais bem organizada éa da ilha da Madeira. Aos nove, aos dez anos, as pequenitas dasaldeias lá estão às portas das toscas casas, de agulha na mão, cur-vadas sobre o tecido, realizando com perícia a parte mais fácil do

126

Peça de Vestuario bordada.Pormenor de Bordado antigo

Pormenor de Bordado

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 127/139

127

Peças de Bordadocom selo holográfico

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 128/139

bordado e deixando para a mãe ou para a avó a parte mais difícil.

São 70.000 operárias recrutadas em todas as idades, desde as quecomeçam a espigar até às velhas simpáticas de óculos encavalita-dos no nariz. Trabalham muito, lutam heroicamente pela vida.

A indústria dos bordados é a primeira das exercidas no distri-to do Funchal. Rara é a mulher da Madeira que não sabe bordar eque não aproveita o tempo que lhe sobra das lides da casa paraganhar algum dinheiro por essa forma.(...)

A fama e importância do bordado manteve-se na década desessenta e continuou a despertar a atenção dos visitantes. De novo

em A. Lopes Oliveira (Arquipélago da Madeira-Epopeia Humana,1969) a exaltação da arte do bordado e do paciente labor das bor-dadeiras: O bordado da Madeira, corre mundo, entra nas mesas dospalácios dos grandes senhores de oiro e da sociedade, no vestuárioíntimo das damas da alta roda e no guarnecimento de enxovaispara bebés. Um mundo de sonho e de beleza! O bordado- como aespuma que o mar oceânico faz rebentar nas agrestes penediasmadeirenses- é a mais representativa mensagem artística de umpovo voltado, sem se aperceber, para a consumação de um idealde arte. Uma arte que esteve escondida algum tempo nas dobrasde montanha e nas arenosas terras de beira-mar. As mãos deli-cadas das madeirenses que nas horas vagas deixam o testo aolume, a faina dos campos, a luta pela sobrevivência, para ele, umgolpe, se aplicarem na feitura de bordados que são autênticas ma-ravilhas (...).

No bordado não há idades nem, às vezes, sexos. Há corpostodos inclinados sobre um grande pano de lençol, de uma toalha demesa, ou de outras peças mais simples, como lenços e outros

mimosos arranjos domésticos. (...) o bordado é o título de honra domadeirense, que passa de geração em geração, revitalizado de vidae, para cada vez mais atraente e mais apetecido para quem oadquira para regalo dos olhos e contemplação da alma.

128

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 129/139

129

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 130/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 131/139

131

Conclusão 

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 132/139

132

Peças de Cama. Bordal.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 133/139

bordado como mercadoria de exportação com pesoevidente na economia da ilha tem pouco mais decento e cinquenta anos, mas está presente desde

os tempos do povoamento do arquipélago na casa dosmadeirenses. Durante este silêncio de mais de trezentos ecinquenta anos a madeirense bordava de portas adentro para

compor o seu enxoval ou para presentear os parentes e amigos.A assiduidade da presença de estrangeiros na ilha, de passagemou em actividade de negócios e o seu interesse evidente pelosusos e costumes propiciou a revelação do quotidiano madeirensee a valorização do trabalho artesanal, como as flores, as rendase o bordado.

A partir do século XVIII a assiduidade dos europeus aumen-ta e prolonga-se o período de estadia. Aos aventureiros e mer-

cadores, juntam-se agora os cientistas e, acima de tudo, osdoentes da tísica pulmonar que buscam no clima ameno da ilhana época invernal o alívio para a doença. Ao Funchal acodemmuitas personalidades de destaque na sociedade europeia deentão. Os registos de entrada da alfândega e, por vezes, os jor-nais referem-nos a presença de aristocratas, príncipes,

133

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 134/139

134

Toalha de Mesa. Bordal

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 135/139

135

escritores, cientistas. Foram estes que, em estâncias demoradas

em casas e quintas dos madeirenses, descobriram o segredo doslavores guardados portas adentro, apaixonando-se pelo lavor dasmulheres que os fizeram.

A notícia correu de boca em boca e rapidamente o bordadosaiu do casulo familiar para se transformar numa forma de apoioà economia de muitas famílias. As bordadeiras retiram das arcasos desenhos das peças herdadas e fazem delas autênticas obrasde arte, que vendem à chegada dos estrangeiros ao porto ou deporta em porta das casas e quintas onde estes se alojam. A famado trabalho da agulha das madeirenses encantou aristocratas eburgueses europeus e rapidamente se entendeu que estava aquiuma mais-valia para os negócios. Por mão de uma mulher, MissPhelps, o bordado singrou no mercado britânico. Não foi estadonzela britânica quem descobriu ou criou o bordado madeira apartir de 1856. A ela apenas se deve a promoção do bordado nomercado londrino e o facto de ter procurado adaptar os padrõesbordados ao gosto dos clientes.

O Funchal de meados do século XIX era uma cidade cos-mopolita. Nas suas ruas cruzam-se cidadãos de diversasnacionalidades, nomeadamente britânicos e alemães. A disputaentre as duas potências pelo domínio do Atlântico passa tambémpela Madeira. Até então os britânicos dominavam quase por com-pleto o mercado madeirense, que começaram a perder com aindependência dos Estados Unidos da América. A estes seguiram-se os alemães a partir de 1880 que passaram a intervir de formadirecta no comércio e produção do bordado. A entrada foi o élan

necessário para a completa renovação e afirmação do bordadonão apenas no mercado alemão, mas também no norte-ameri-cano.

Os alemães trouxeram as mais significativas inovações tec-nológicas para o sector e alteraram por completo o processo de

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 136/139

produção do bordado. A bordadeira passa a assumir apenas afunção de bordar, sendo-lhe impostos os panos, os linhos e osdesenhos. A mudança implicou o aparecimento de novos interve-

nientes no processo e à afirmação das imponentes casas de bor-dados na cidade. As vetustas casas de vinho e até mesmo algunshotéis mudaram de inquilino e de funções. A partir do últimoquartel do século dezanove o bordado é uma das principaisriquezas, enquanto o vinho agonizava vítima do oídio e filoxera.

O século XIX anunciou-se como a época dourada do borda-do madeirense. Apenas os conflitos mundiais e a concorrência deoutras áreas fez perigar esta esperança dos madeirenses. Aprimeira Guerra Mundial afugentou os alemães mas trouxe os

sírios que contribuíram, ainda que por pouco tempo, para oreforço do mercado norte-americano. As dificuldades dos anosvinte afugentaram os sírios, mas não acabaram com o bordado.Isto foi o princípio do retorno do bordado às mãos dosmadeirenses.

136

Peças de bordado. Bordal

Bordadeira.

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 137/139

O bordado Madeira, perante as dificuldades evidentes de ummercado limitado e exigente, não agonizou, antes pelo contráriosoube vencer as dificuldades, diversificando os mercados e ajus-

tando-se às exigências dos clientes. A inovação esteve semprepresente no historial do bordado a partir dos anos oitenta. Estasituação continuou até aos dias de hoje e as novas tecnologias eo Design entraram na tradição de bordar no novo milénio. Emtodo o processo foi fundamental o trabalho do desenhador, quetraça de forma primorosa os motivos florais e a composição, bemcomo a bordadeira, que qual mãos de fada, lhe dá forma e rele-vo.

A história regista dois produtos que ontem como hoje, sãoa imagem de marca do arquipélago. A Madeira identifica-se pelo

vinho e bordado, que correram mundo. Foram, e continuam aser, produtos de grande interesse económico.

137

Pormenorde bordado

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 138/139

8/14/2019 2006-bordado madeira

http://slidepdf.com/reader/full/2006-bordado-madeira 139/139