2003 - Adeus à transcrição fonográfica - um estudo de caso

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ADEUS TRANSCRIO FONOGRFICA: UM ESTUDO DE CASO Arnaldo Gomes dos Santos Jnior1Perito Criminal Federal SECRIM/SR/DPF/SP

08 de Agosto de 2003 RESUMO A transcrio fonogrfica, como tarefa comum atividade pericial, pode estar com os seus dias contados. Foi desenvolvida na SECRIM/SP uma nova metodologia de trabalho que contempla a captura dos dilogos de interesse ao apuratrio para meio digital, possibilitando ao mesmo tempo perenizar as provas, aumentar a eficincia na elaborao do laudo e manter sons, rudos e entonaes originais. Tudo sem a necessidade de transcrever quaisquer trechos do material analisado.

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O autor bacharel em Cincia da Computao pela UFMG em 1995 e mestre em Engenharia de Software tambm pela UFMG em 1998.

1 INTRODUO A transcrio fonogrfica nada mais do que passar para o papel o que se ouve. No caso de anlises periciais, a tarefa compreende transcrever dilogos discriminando as intervenes, as falas dos envolvidos. A parte de identificao do interlocutor, por outro laudo, j fica a cargo da fontica forense, que no tratada nesse artigo. Estimativas recentes indicam a relao mnima de um para dez entre tempo de gravao e tempo necessrio para se efetuar uma boa transcrio. Trata-se de um trabalho bastante rduo se levarmos em considerao o altssimo nvel de concentrao e as condies de ambiente demandadas (baixo rudo, por exemplo). Historicamente, a maioria das sees e dos setores de Criminalstica do pas tem recebido fitas de udio para transcrio. Recentemente, a Seo de Criminalstica da Superintendncia Regional da Polcia Federal em So Paulo recebeu expediente com mais de 300 (trezentas) fitas para a transcrio. Como complicador, as fitas foram gravadas em baixa rotao, multiplicando a durao de cada uma por aproximadamente 3 (trs). Como existem fitas de 60 (sessenta) e 90 (noventa) minutos de durao, a estimativa para o total de horas a serem transcritas seria de no mnimo 1000 (mil) horas. Tal volume de servio inesperado certamente prejudicaria ou at mesmo inviabilizaria o andamento de diversos outros trabalhos. A soluo foi desenvolver uma metodologia para anlise que aumentasse a eficincia do servio sem implicar em perda de qualidade. Diversas solues foram tentadas, incluindo conversas com pesquisadores de universidades e a opo foi se tentar um novo processo doravante denominado reorganizao de udio, o qual ser objeto deste artigo. Sero

descritos tanto os passos necessrios para a realizao da anlise e para a elaborao do laudo pericial quanto os requisitos em termos de equipamentos, software e suprimento. Finalmente, um pouco da experincia vivida nesta seo ser mostrada. 2 A INFORMTICA COMO SUPORTE REORGANIZAO DE UDIO Com o advento da informtica e, principalmente, com a disponibilidade nos dias de hoje de computadores com avanados recursos em multimdia, a digitalizao de udio e vdeo deixou de ser uma tarefa para tcnicos extremamente especializados e passou a estar ao alcance da grande maioria. Para o problema especfico de anlise de material de udio, diversas aplicaes baseadas em informtica podem ser desenvolvidas com maior ou menor custo: Reorganizao de udio Identificao de locutor Constatao de montagem Transcrio automtica por computador e outras aplicaes avanadas 2.1. REORGANIZAO DE UDIO

Este termo, cunhado nesta SECRIM, se refere identificao e separao em meio digital de dilogos de interesse para o apuratrio com o auxlio de programas de computador especiais. Trata-se de um processo de fcil aplicao, baixo custo, alta produtividade e bons resultados para o apuratrio. Com um aparelho para reproduo do material de udio (um toca-fitas comum, por exemplo), um cabo de ligao, dois programas de computador e um

computador com recursos bsicos de multimdia e sistema operacional 2 Windows , possvel realizar todo o processo. A descrio detalhada dos passos necessrios poder ser vista na seo 3. 2.2. IDENTIFICAO DE LOCUTOR E CONSTATAO DE MONTAGEM

prvio, o que impensvel na atividade pericial. Mas como as aplicaes comuns para tal tecnologia tambm despertam grande interesse comercial, de se esperar que nas prximas dcadas computadores sero capazes de entender completamente a fala humana como nos filmes de fico cientfica. 3 PASSOS NECESSRIOS REORGANIZAO DE UDIO Para facilitar o processo de reorganizao de udio, prope-se a sua diviso em passos bem definidos descritos a seguir. 3.1. Captura de udio pelo computador

Estas aplicaes requerem componentes mais avanados como computadores com alto poder de processamento, aparelhos de reproduo com alta fidelidade sonora e programas de computador mais sofisticados. Mas o mecanismo bsico similar e se baseia na captura de udio para o computador e a posterior anlise com o auxlio de ferramentas adequadas. Estes processos no sero objeto de estudo neste artigo. 2.3. OUTRAS POSSIBILIDADES COM O AUXLIO DO COMPUTADOR

Existem diversas outras aplicaes que podem ser desenvolvidas na rea de anlise de material de udio com o auxlio de computador. Dentre elas, uma das mais desejadas a transcrio automtica, de interesse no apenas pericial mas tambm para o grande pblico. Ainda existe muito a ser feito em termos de pesquisa acadmica nesta rea para se atingir resultados satisfatrios e o estado da arte nos dias de hoje ainda no permite a aplicao pericial em grande escala. Programas de computador como o IBM ViaVoice3 ainda no so capazes de transcrever dilogos sem treinamento2

O primeiro passo do processo a captura de udio pelo computador. Ao finalizar este passo, o perito ter como resultado um arquivo de computador com todo o udio constante no material questionado, que pode ser, por exemplo, uma fita cassete. Para a realizao deste passo, o perito precisa de um cabo modelo P2 x 2RCA4, um aparelho para reproduo do udio com sada RCA5 e um computador com placa de som bsica. Para gravao do udio no computador, o perito pode usar o Gravador de som, que vem junto com a instalao bsica do Windows, ou algum software de tratamento de udio como o GoldWave6.3

Neste primeiro momento, foi utilizado o sistema operacional Windows por ele se encontrar instalado em todos os equipamentos do setor. Cabe destacar que sistemas gratuitos como o Linux podem ser utilizados com pequenas adaptaes.

Maiores informaes sobre o IBM ViaVoice podem ser encontradas em 6. 4 Tal cabo pode ser comprado por cerca de R$5,00 em lojas de material eletro-eletrnico. 5 Sadas RCA costumam ser denominadas LineOut e podem ser encontradas em bons tocafitas ou aparelhos integrados ou modulares. Apenas toca-fitas portteis (walkman) ou microsystems no costumam ter tais sadas. 6 Maiores informaes sobre o GoldWave podem ser encontradas em 6.

Primeiramente, o perito usa o cabo P2 X 2RCA para ligar a sada RCA (LineOut) do aparelho de reproduo entrada de linha (LineIn) da placa de som do computador. Se a sada do aparelho de reproduo for mono, basta usar um dos pinos RCA. Caso contrrio, os dois pinos devem ser usados. Logo aps, o perito deve checar as configuraes de som do computador usando para isso o programa Controle de Volume, que tambm instalado automaticamente pelo Windows. Neste programa, o perito deve habilitar a entrada de linha e selecion-la como dispositivo de fonte de som para gravao. Em seguida, o perito deve colocar o toca-fitas em velocidade normal e iniciar o software de captura de udio no computador. Finalmente, o perito deve iniciar a gravao do udio no computador e simultaneamente iniciar a reproduo do material de udio no aparelho. Para configurao do arquivo de udio no computador, sugerem-se os seguintes parmetros: Taxa de amostragem (sampling rate): deve ser de pelo menos 11 KHz. Para o caso de fitas gravadas em baixa rotao, esta taxa deve ser multiplicada pelo fator de multiplicao da durao. Como exemplo: se uma fita de 60 minutos usada em baixa rotao de modo a permitir a gravao de 180 minutos, sugere-se que a taxa de amostragem seja de, no mnimo, 3 x 11 KHz, ou seja, 33 KHz; Canais de udio: a configurao correspondente sada do aparelho de reproduo. Por exemplo, se o aparelho for mono, deve-se definir o arquivo como mono; Durao: sugere-se, por garantia, que o perito crie um arquivo de

udio para captura um pouco maior do que o trecho a ser capturado. Para um lado de fita cassete de 60 minutos de durao (portanto com 30 minutos de durao), sugere-se entre 32 e 35 minutos. Afinal, so comuns os casos de fitas com durao real maior que a especificada. 3.2. Alterao de velocidade

Em diversos casos, a gravao do udio original a ser analisado feita com equipamentos especiais que permitem a reduo da rotao e, com isso, o aumento da durao por fita. comum encontrar fitas com tempo duas, trs e at quatro vezes maior que a especificao, com correspondente perda de qualidade. Caso o perito receba fitas cassete com rotao alterada, poder realizar a alterao da velocidade do udio capturado no computador com o auxlio de ferramentas apropriadas como o GoldWave. No caso da verso 4.02 deste software usado na SECRIM/SP, a opo Time Warp do menu Effects realiza esta tarefa, com possibilidade de reduo de velocidade em at duas vezes de cada vez. 3.3. Compactao de arquivos de udio

No trabalho com arquivos multimdia, o espao em disco sempre uma questo a ser considerada. Arquivos de udio e vdeo ficam muito grandes mesmo com pequena durao. A ttulo de exemplo, 1 minuto de udio em alta qualidade ocupa cerca de 10MB, enquanto 1 minuto de vdeo em alta qualidade pode ocupar entre 30MB e 100MB. Para o caso de reorganizao de udio, a compactao utiliza o formato MP3, o que faz com que o tamanho do arquivo

seja reduzido em razes que podem variar entre 5 e 20, conforme as configuraes usadas. No caso da SECRIM/SP, tem se usado uma taxa bitrate de 64 kbit, que leva reduo do tamanho de um arquivo em cerca de 11 a 12 vezes. Esta taxa se mostrou adequada para o caso de fitas cassete com gravaes telefnicas mas certamente deve ser alterada para casos de compactao de udio de maior qualidade como sons extrados a partir de CDs. 3.4. Anlise e separao de dilogos importantes

Com a ferramenta GoldWave na verso 4.02, por exemplo, o perito usa os controles de reproduo comuns (Play, Pause e Stop) e observa o contador de tempo para fazer a anotao dos trechos importantes. Em seguida, faz uso da opo Set do submenu Marker de menu Edit para definir instantes de incio e fim do trecho a ser gravado. Finalmente, com a funo Copy To, o perito pode gravar o dilogo de interesse em um arquivo separado em disco. 3.5. Elaborao do laudo

Aps a captura do udio para o computador e a alterao e compactao dos arquivos gerados, o perito deve realizar a anlise de contedo e a separao de dilogos importantes, o que , em ltima instncia, a principal tarefa na reorganizao de udio. Para tal, o perito deve utilizar um software especial para tratamento de udio como o GoldWave e um computador com placa de som e caixas acsticas ou, o mais recomendado, bons fones de ouvido. Aps estudos aqui na SECRIM/SP, observou-se que a forma mais simples de se realizar a anlise e separao de dilogos importantes em dois passos: Audio completa com anotao de trechos com dilogos importantes: o perito ouve o arquivo de udio completamente e, ao detectar dilogos de interesse, anota os instantes de incio e fim para posterior gravao em arquivo particular; Gravao de arquivos com dilogos importantes em separado: em um segundo momento, o perito usa a ferramenta para marcar visualmente e gravar cada dilogo importante em um novo arquivo de udio.

Feita a separao de dilogos importantes, o perito passa elaborao do laudo. Para tal, sugere-se a criao de uma tabela com os dilogos de interesse e quatro colunas a saber: Nmero do trecho: nmero seqencial que pode servir de referncia para a leitura do laudo e o acesso a determinados dilogos de interesse durante a investigao ou o julgamento; Durao: instantes de incio e fim do dilogo no material de udio analisado. Informao til caso a materialidade da prova seja questionada; Descrio: pargrafo com algumas palavras que serve para descrever, em nvel bem alto, o contedo do dilogo. Auxilia a investigao e o julgamento, principalmente em casos com grande volume de material; cone para escuta de arquivo: cone que permite a ativao e conseqente escuta do dilogo descrito. A ttulo de informao, para inserir um arquivo de udio com dilogo como cone em um documento usando o Microsoft Word verso 2002, basta:

Acessar o item Objeto no menu Inserir; Selecionar a aba Criar do Arquivo; Entrar com o nome do arquivo ou selecion-lo visualmente atravs do boto Procurar; Desmarcar a opo Vincular ao arquivo; Marcar a opo Exibir como cone. Ao final, o laudo conter um cone como o exemplo a seguir:

4 A EXPERINCIA DA SECRIM/SP COM A REORGANIZAO DE UDIO Como foi descrito na introduo deste artigo, o processo de reorganizao de udio foi idealizado na SECRIM/SP a partir de uma demanda quase intratvel por transcries fonogrficas. Em estimativas iniciais, seria necessrio mais de um ano para periciar as mais de trezentas fitas cassete gravadas em baixa rotao (entre trs e quatro horas e meia de gravao). Primeiramente, os peritos Arnaldo Gomes dos Santos Jnior e Maristela Guizardi Bistero entraram em contato com o promotor responsvel pelo caso para oferecer a alternativa, que havia sido desenvolvida internamente pela SECRIM/SP com os equipamentos nela disponveis. Aps conversas com o promotor, os peritos montaram uma apresentao para o juiz, na qual expuseram os motivos, as caractersticas da soluo proposta, um exemplo prtico e os novos prazos a serem cumpridos. O juiz gostou do exposto e aprovou a nova metodologia, que foi imediatamente implantada nesta SECRIM. Em seguida, um mini-curso foi formulado e ministrado pelo perito Arnaldo a todos os outros peritos da seo, abordando tanto aspectos tericos quanto prticos do assunto. Este mini-curso foi realizado nas prprias dependncias da SECRIM/SP em uma sala de meios com oito computadores. Cada turma foi composta por sete peritos e a durao variou entre duas e trs horas. Neste momento, os peritos esto analisando as fitas sob sua responsabilidade j com o auxlio das novas tcnicas. O grau de familiaridade de cada um varia, obviamente, com a sua proficincia tanto em informtica quanto em udio mas, em termos gerais, os

3.6.

Finalizao do laudo: gravao em CD e assinatura digital

A finalizao a ltima fase para a obteno de um laudo de reorganizao de udio. Ela compreende a gravao em CD e a assinatura digital7, processo atravs do qual um cdigo identificador nico (uma espcie de cdigo DNA) calculado a partir do arquivo. Na SECRIM/SP, a finalizao do laudo feita da seguinte forma: o arquivo Word do laudo gravado em um CD com sesso nica e finalizada, o que no permite a regravao ou adio de informaes. Alm disso, a concluso do laudo cita a folha de anexo com a assinatura digital, que ser calculada e impressa para compor o laudo e garantir a sua fidelidade.

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A assinatura digital deve ser calculada e impressa junto ao laudo para evitar que qualquer adulterao possa ser realizada sobre a verso digital do laudo.

resultados tm sido mais que satisfatrios, tanto em termos de produtividade quanto em termos de qualidade e at mesmo no tocante a satisfao no trabalho. 5 CONCLUSO Este artigo destina-se a mostrar a experincia da SECRIM/SP com o novo processo de reorganizao de udio, que visa substituir com vantagens a transcrio fonogrfica. Mais do que isso, pretende que seja inaugurada uma nova era na percia em udio-visual com maior aplicao de tecnologia, maior produtividade, melhores resultados e maior satisfao pessoal para os responsveis pelas anlises de udio. 6 BIBLIOGRAFIA [1] GoldWave 4.02 Software para captura e tratamento de udio http://www.goldwave.com [2] RazorLame 1.1.5 Software para compactao de udio http://www.dors.de/razorlame [3] IBM ViaVoice Software para reconhecimento de voz http://www.ibm.com/viavoice