2001 VOZES ECOSSISTEMA

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Conservação de ecossistemas

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    Conservao da Biodiversidade em Ecossistemas Tropicais

    Petrpolis - 2001

    Avaliao do Status daBiodiversidade ao Nvel doEcossistema

    IRENE GARAY1),2)1)Dep. de Botnica, IB, UFRJ.Ilha do Fundo. CEP 21941-590. Rio de Janeiro, RJ.E-mail: [email protected])Centre National de la Recherche Scientifique, Paris, Frana.

    JustificativaA avaliao do status da biodiversidade deve tomar em considerao os trs

    nveis hierrquicos em que esta se manifesta (Di Castri 1995; Solbrig 1991a,b), talcomo est explicitado nos documentos do SBSTTA (Grupo Tcnico da Conven-o Internacional Sobre Diversidade Biolgica), ou seja, diversidade gentica,diversidade de espcies, diversidade de ecossistemas (Di Castri & Youns 1996)(Figura 1).

    Dois pressupostos para esta avaliao encontram-se igualmente na Conveno(Annimo 1992): o primeiro se refere ao uso sustentvel da biodiversidade(Prembulo e Objetivos da Conveno), entretanto o segundo pressuposto exigeconsiderar a relao existente entre o recurso biodiversidade e a situao no quediz respeito ao grau de desenvolvimento do pas que possui o recurso (Artigos 6,10 e 12).

    Nesta perspectiva, a avaliao da diversidade biolgica nos seus diferentesnveis est enquadrada num contexto poltico e scio-econmico dentro do qualemergem questes tais como: necessrio um levantamento exaustivo dabiodiversidade? qual o custo e o retorno deste levantamento em termos dodesenvolvimento e da utilizao sustentvel da biodiversidade? quais os limitestcnico-cientficos e scio-econmicos deste levantamento? Avaliar a diversida-de biolgica implica assim delimitar, pelo menos em primeira aproximao, o quavaliar, o para que avaliar, o onde avaliar e o como avaliar.

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    Figura 1. Padres hierrquicos das trs escalas que englobam o conceito de biodiversidade.Segundo di Castri e Youns (1996), modificado. Em negrito, est assinalado, para cada nvelhierrquico o componente biolgico para gesto da biodiversidade.

    Avaliar a diversidade ao nvel de ecossistemas ou oqu avaliar

    Sistemas naturais, inseridos nas paisagens, conformam a unidade de avaliaoda biodiversidade ao nvel de ecossistema, que uma unidade complexa na qualsistemas de forte componente biolgico -ecossistemas- interagem com sistemasde natureza antrpica, resultado de fatores scio-econmicos, culturais e polticos.Como conseqncia lgica dos nveis hierrquicos da diversidade biolgica, oecossistema representa no somente a unidade privilegiada de conservao in situdas espcies e da variabilidade gentica destas espcies (IUBS / SCOPE 1989;Youns 1992), mas tambm uma unidade funcional e de estrutura que apresentasua prpria variabilidade, sobretudo em regio tropical e intertropical. Devem,assim, ser distinguidos dois problemas de ordem diferente: no efetivamente omesmo avaliar a diversidade de ecossistemas que compem um bioma queavaliar a diversidade gentica ou de espcies contidas nos ecossistemas ou emfragmentos de ecossistemas. No primeiro caso importa examinar cada ecossistema,ou cada fragmento, na sua peculiaridade, seja funcional ou de estrutura, seja emrelao configurao das paisagens que ele integra. No segundo caso interessa,entretanto, considerar a integridade biolgica do ecossistema, ou dos fragmentos,ou seja, a sustentabilidade da unidade funcional ecossistema com respeito aos

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    componentes da biodiversidade, genticos e de espcies. Porm, o carterhierrquico dos componentes da diversidade biolgica faz com que, se o statusdesta encontra-se resguardado ao nvel da integridade dos ecossistemas e de suadiversidade, as populaes e as comunidades encontram-se, em primeiraaproximao, igualmente resguardadas (Andersen et al. 1991). De fato, apossibilidade de avaliar o status da biodiversidade intra-sistmica de maneiraglobal, atravs da avaliao da integridade funcional do ecossistema, no maisque o corolrio desta organizao hierrquica.

    A avaliao da biodiversidade ao nvel de ecossistema apresenta, assim, doisaspectos que so complementares, um se refere diversidade interecossistmicana microrregio ou regio, dentro dos limites de um dado bioma, o outro, diversidade intra-ecossistmica. Parece evidente que o status da diversidadeinterecossistmica encontra-se em estreita relao com a conformao das diversasunidades de paisagens numa regio determinada, notadamente no que diz respeito estruturao deste espao como resultante das atividades scio-econmicas eculturais (ver o exemplo da Figura 2).

    Figura 2. Modelo conceitual da dinmica de um fragmento florestal escala da paisagem.Este modelo corresponde a uma paisagem fragmentada na qual existe uma rea nuclear. Nocaso da regio de Linhares e Sooretama (ES), a rea nuclear est representada pela Reserva deLinhares, a REBIO Sooretama e propriedades particulares. A dinmica do fragmento, quedefine o status da biodiversidade nas ilhas florestadas depende de interaes de carterbiolgico e de carter antrpico, sintetizadas no chamado perifl de cultivos e perfil scio-cultural.

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    Da mesma maneira, as interaes entre o meio ambiente rural ou urbano e ossistemas biolgicos possibilitam ou no a sustentabilidade dos componentes dabiodiversidade interna dos diferentes ecossistemas. Em ambos os casos, a avalia-o da diversidade ao nvel de ecossistema implica necessariamente considerarou bem a paisagem ou bem a regio, seja a microrregio ou a regio fisiogrfica,ou o geossistema, ou outra unidade geogrfica espacial qualquer adequada aosfins fixados (Jollivet 1992). Independentemente da escala espacial considerada, aavaliao do status da biodiversidade uma atividade interdisciplinar ou integra-da como conseqncia inelutvel das interaes entre os sistemas de naturezabiolgica e o homem.

    Priorizao de biomas ou o para que e onde avaliar adiversidade de ecossistemas

    No tocante avaliao da biodiversidade no Brasil, duas caractersticas devemconstituir-se em o a priori desta avaliao: a primeira se refere alta biodiversidade,tanto no interior dos ecossistemas -diversidade de espcies e seguramente genti-ca- como de ecossistemas presentes nas diferentes regies, o que impossibilita,sem dvida, o levantamento exaustivo em tempo razovel do conjunto dos com-ponentes da diversidade biolgica. A segunda caracterstica concerne a utilizaosustentvel desta alta biodiversidade no que tange o desenvolvimento.

    A primeira caracterstica leva necessidade de priorizar alguns biomas para aavaliao da diversidade ao nvel dos ecossistemas; a segunda, encontra-se baseda ordenao territorial e das polticas de gesto (Egler 1995) que determinamquais os biomas que devem ser priorizados. Porm, a avaliao das ameaas integridade ou diversidade dos ecossistemas -tais como desmatamento acelera-do, fragmentao ou uso no sustentvel de recursos neles contidos- constituempela sua vez subsdios s polticas de gesto. A priorizao de biomas para aavaliao da diversidade ao nvel dos ecossistemas , em definitivo, a resultantede um processo dinmico ligado tanto avaliao da integridade e da diversidadedos ecossistemas como definio das polticas de gesto (Figura 3).Conceitualmente, isto permite estabelecer uma relao entre o status dabiodiversidade de maneira global, no sentido de sustentabilidade dos sistemasbiolgicos, e a identificao de prioridades para conservao.

    O zoneamento ambiental integrado para avaliao dostatus da biodiversidade ao nvel do ecossistema

    O zoneamento ambiental integrado (ZAI) representa uma ferramenta privilegiadapara a avaliao de sistemas ambientais, nos quais a estruturao das unidadesespaciais emergem como resultado de interaes de ndole diversa; ele portantoum instrumento interdisciplinar. Na prtica, a caracterstica fundamental que

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    possibilita a avaliao do status da biodiversidade a potencialidade que o ZAIapresenta, atravs de um sistema de informao geogrfica (SIG), de atravessardiferentes escalas (Burrough 1986). Informaes referentes s paisagens, ou sejaem grande escala (1:10.000 ou 1:50.000) podem ser transpostas escala damicrorregio (1:100.000) e da regio (1:500.000, por ex.). Com efeito, a avaliaoda biodiversidade ao nvel do ecossistema exige a passagem de informaesbastante detalhadas, quando se trata de avaliar sua integridade biolgica, ainformaes mais gerais referentes diversidade de ecossistemas que, por sua vez,devem integrar-se na unidade biolgica bioma. , efetivamente, o bioma -componente biolgico da regio- que est sujeito s polticas de gesto do meioambiente, instrumentalizadas em planos de gerenciamento ambiental.

    Figura 3. Representao esquemtica do processo analtico para avaliao da biodiversidadeao nvel de ecossistema. Os conceitos de regio, microrregio e paisagem provm da Geografiae da Ecologia da Paisagem e consideram os elementos antropognicos, de maneira que osistema biolgico encontra-se inserido num espao scio-bio-cultural que determina tanto osusos como os impactos de carter antrpico. Ver mais explicaes no texto.

    Se a passagem de escala espacial parece possvel para avaliao do status dabiodiversidade, tanto intra-ecossistmica como interecossistmica, o problema

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    da dinmica temporal das unidades ambientais apresenta dificuldades especficasligadas aos diferentes sistemas que integram estas unidades. De um ponto de vistageral, pode postular-se que o ZAI no uma ferramenta esttica e que, pelo contr-rio, a avaliao da variabilidade temporal das unidades do meio ambiente e desuas interaes, o que constitui o objeto prprio do monitoramento, deve serconcomitante elaborao do ZAI. Avaliar a importncia da variabilidade tempo-ral pode representar, assim, um pr-requisito para uma melhor escolha e definiodas variveis utilizadas no zoneamento e mesmo para uma correta determinaodos indicadores, sejam biolgicos, sejam scio-econmicos ou, ainda, desustentabilidade, que devero ser includos no SIG.

    Lembremos aqui que o SIG, com utilizao de sensoriamento remoto, permiteestabelecer um sistema de relaes de bases de dados que liga informaes espa-ciais e no espaciais (Olivieri & Backus 1992). Quanto ao ZAI, ele representa omodelo resultante do SIG, fornecendo um diagnstico primeiro do status dabiodiversidade numa dada regio. Como parte integrante de um modelo de ges-to, aplicvel s condies de terreno, o ZAI pode ser aprimorado atravs de umaavaliao dinmica diminuindo as incertezas e orientando, assim, a busca denovas variveis. De fato, o monitoramento ambiental uma das ferramentas quepossibilitam testar o poder preditivo do modelo de gesto do qual o ZAI faz parteintegrante.

    Indicadores funcionais para avaliao da diversidadeao nvel de ecossistemas

    Quando o ZAI utilizado como instrumento de avaliao da diversidade aonvel do ecossistema, s informaes relativas s variveis scio-econmicas de-vem adicionar-se informaes sobre as variveis biolgicas. De um ponto de vistatcnico-cientfico, o desafio determinar quais os indicadores mais adequados,por um lado, da integridade biolgica do ecossistema, ou seja da diversidadeintra-ecossistmica e, por outra parte, da diversidade interecossistmica.

    Indicadores da integridade biolgica do ecossistema

    Considerar a integridade do ecossistema conduz naturalmente a interrogar-sesobre a sustentabilidade de seus componentes biolgicos, organizados em popu-laes e comunidades; , efetivamente, nos nveis de organizao inferiores que necessrio desvendar os indicadores biolgicos desta integridade (Barbault 1992).Neste sentido, parece conveniente falar de indicadores ecolgicos a fim de contor-nar a interpretao simplista que resume presena de uma s espcie asustentabilidade do conjunto de uma biocenose. A posio contrria, que preten-de avaliar a integridade do ecossistema atravs do levantamento exaustivo detodas as espcies pertencentes, em geral, a um mesmo grupo taxonmico, ignoraigualmente que processos essenciais manuteno do ecossistema podem estar

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    perturbados apesar da presena de um grupo completo de espcies, devido,notadamente, inadequao de escalas espao-temporais entre as tcnicas delevantamento destas espcies e o processo em questo. Tal o problema, porexemplo, de no considerar mais que as espcies arbreas de um certo tamanho,sem preocupao nenhuma de seu potencial de regenerao nem de mudanasque correspondem prpria evoluo dos ecossistemas e no a fatores de impacto.

    da Ecologia de Comunidades (Barbault 1992) que certos conceitos podemconduzir a delimitar verdadeiros indicadores ecolgicos. A guilda, noo j cls-sica em ecologia, faz referncia a um conjunto de espcies que utiliza um mesmorecurso da mesma maneira. Sem determo-nos sobre os problemas prticos ligadosa noo de guilda, a informao contida nestes grupos de espcies ser tanto maisvaliosa quanto haja uma relao direta com fatores limitantes da manuteno doecossistema: nestas condies a organizao da guilda, unidade coevolutiva, poderefletir uma relativa estabilidade funcional.

    Mais recentemente, a noo de grupo funcional representa um intento de snte-se frente ao estudo exaustivo das espcies que compem uma comunidade. Comefeito, a organizao e a composio de uma comunidade podem ser no apenasbem compreendidas como tambm manejadas se as espcies componentes soclassificadas, na medida do possvel, em categorias ecolgicas sob uma base fun-cional (Barbault et al. 1991). Pode-se, assim, definir tipos funcionais com respeitos propriedades inerentes s espcies (morfologia, fisiologia etc.), particularmen-te quando estas esto ligadas utilizao de recursos e s interaes entre espciesou, ainda, s interaes entre diferentes comunidades. O carter indicador dogrupo funcional ser mais ou menos marcante na medida em que as espcies queo compem possam evidenciar modificaes de outras comunidades ou modifica-es de processos essenciais do ecossistema. No que diz respeito a diversidadeassociada aos grupos funcionais, merecem ser distinguidos dois tipos de vari-veis: por um lado, a riqueza em espcies do grupo funcional e suas modificaes,por outra parte, a diversidade de grupos funcionais. Segundo o problema aborda-do, tanto uma como outra varivel pode adquirir o carter de indicador.

    Cabe, por ltimo, referir-se noo de espcie chave. Se bem a qualidade deespcie chave encontra-se ao oposto da noo de espcie redundante, caracters-tica diretamente associada com a diversidade ao nvel de espcies, a espcie cha-ve contm uma maior quantidade de informao sobre a sustentabilidade dabiocenose, seja porque associada manuteno do ecossistema, seja pela suaimportncia em relao sobrevida de outras espcies. Em todos os casos, trate-sede guilda, grupo funcional ou espcie chave, estas categorias biolgicas tmcomo trao em comum o fato de serem objeto de quantificao, podendo integraras variaes espao-temporais.

    Limitar o carter indicador da integridade do ecossistema s espcies implicadesconhecer que o ecossistema uma unidade na qual os componentes biticos eabiticos interagem de sorte que, estes ltimos, resultam assim mesmo da atividade

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    dos seres vivos. Outra categoria de indicadores deve ser reconhecida: trata-se devariveis que sintetizam o funcionamento do ecossistema, notadamente os doisprocessos maiores que o definem: produtividade e decomposio, ou de variveisque modulam fortemente estes processos. So desta ordem indicadores globaistais como a produo anual de necromassa, a matria orgnica do solo, o padrode distribuio de nutrientes, entre outros. O inconveniente dos indicadoresfuncionais globais reside no fato de ignorar, s vezes, que o ecossistema podeestruturar-se em mosaico, como acontece com as florestas tropicais que englobammanchas de estgios sucessionais, assegurando sobrevida do conjunto. Validarestes indicadores, que representam na realidade estimaes mdias, implicanecessariamente no desconsiderar a heterogeneidade interna, propriedadefuncional da maioria dos ecossistemas.

    Figura 4. Indicadores funcionais para avaliao da biodiversidade a nvel do ecossistema. Aelaborao de indicadores biolgicos pode ser realizada atravs de sucessivas simplificaesde maneira a ajustar parmetros que possam efetivamente ser estimados. Em ecossistemascom alto nmero de espcies, a riqueza especfica, ou diversidade , praticamente impossvelde ser conhecida. Pode-se ento estimar quais as espcies mais representativas e associarsuas densidades para calcular a diversidade . Certas propriedades ecolgicas permitem,ainda, definir tipos funcionais ou estandardizar parmetros abiticos que podem ser facilmentemedidos. Legenda: 1, 2, 3...k espcies da comunidade ou da guilda A; 1, 2, 3...j espcies dacomunidade ou da guilda B; GF: grupo funcional; kI..f= 1...n: grupo funcional e nmero deespcies do grupo funcional. Ver mais explicaes no texto.

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    Existe, ainda, a possibilidade de associar pesquisa de indicadores funcionais,ou guildas, investigao de indicadores globais, como por exemplo no caso depolinizadores relacionados a determinados grupos vegetais ou das caractersticasda cobertura vegetal com respeito s comunidades edficas. Segundo o sistema deestudo, a interao fauna / vegetao determina seja o grau de fertilidade eentrecruzamento das espcies vegetais consideradas, seja a estrutura da matriaorgnica (Garay & Silva 1995) e os estoques de nutrientes do solo (Figura 4).

    interessante destacar que esta abordagem sistmica no necessita doconhecimento exaustivo da riqueza especfica total, escolho, em geral, insupervel.Porm, a busca de indicadores globais precisa estar fundada na relao entre osaspectos funcionais do ecossistema e a diversidade gentica e ao nvel de espcies,a fim de eliminar variveis cujos valores independem do papel das espcies noecossistema. Neste sentido, um esforo particular de pesquisa parece necessrio.

    Seja qual for o melhor indicador ecolgico do ecossistema, a elucidao e,sobretudo, a escolha das variveis para avaliao da integridade do ecossistemadevero ser guiadas pelo intuito de integrao desta informao no que diz respei-to avaliao das atividades de impacto ligadas, notadamente, utilizao sus-tentvel dos recursos do ecossistema e de seu entorno.

    Indicadores da diversidade interecossistmica

    Em regio tropical e intertropical, a diversidade interecossistmica encontra-se, em geral, associada heterogeneidade ou variabilidade de fatores abiticos,tanto presentes como passados. Para certos grandes biomas, como o Cerrado ou,de forma mais ampla, as savanas, pesquisas realizadas a longo prazo, amidedentro de um contexto cientfico internacional, mostram efetivamente que podemexistir topo-seqncias relacionadas, por exemplo, s condies edficas enutricionais do solo. Diversos tipos de savana resultam, ainda, da variabilidade deregimes hdricos associada ao fogo, fator antrpico (Sarmiento 1990). Em FlorestaTropical, certos complexos de ecossistemas, como a Caatinga, obedecemigualmente a condies de substrato, mas tambm a problemas ligados gua(Medina & Cuevas 1989); s vezes, o regime hdrico da bacia hidrogrfica e suaspeculiaridades, que se encontram base da diferenciao de complexos florestais,como acontece com as florestas de Vrzea e Igap (Furch & Klinge 1989). Emtodos os casos, a escala de estudo se situa aqui entre a microrregio ou a regio,seja porque a diversidade interecossistmica corresponde espacialmente umabacia hidrogrfica, seja porque o motivo estrutural da topo-seqncia se repete noespao, abrangendo paisagens diversas. Em conseqncia, a avaliao dadiversidade ecossistmica dever abraar esta mesma escala.

    Do ponto de vista da conservao e, logicamente, de uma poltica de gesto, ofato de que os complexos de ecossistemas representem estratgias globais, mediante

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    as quais biocenose inteiras sofreram adaptaes variabilidade ou heterogeneidade das condies do meio, s vezes extremas, no semconseqncia: cada unidade de ecossistema pode representar um caso nico quedeve ser resguardado. Assim, a gesto da biodiversidade, no pode ficar restringidaao ecossistema climax sem considerar o complexo de ecossistemas, notadamente,porque no interior destes complexos que certas unidades apresentam a maiorfragilidade, como no caso das Restingas de Floresta Atlntica, de Florestas deVrzea, de Florestas de Galeria ou dos ecossistemas arbustivos de Caatinga.

    Em primeira aproximao, os indicadores desta diversidade devem ser busca-dos quando existem a priori condies de variabilidade ou heterogeneidade evi-dentes: idades e natureza diversas do substrato edfico; gradiente de fatores cli-mticos, como no caso de relevo pronunciado; diversidade de microbaciashidrogrficas; histrico de ocupao e de uso do solo diversos e, mesmo, histriaevolutiva varivel no interior de uma regio, ocasionando modificaes drsticasdos ecossistemas em certos perodos, o que conduziu a um mosaico defitofisionomias ou presena de ecossistemas remanescentes. Aparecem assim,numa escala e numa perspectiva distinta, a mesma sorte de indicadores que permi-tem avaliar a integridade ecossistmica. Indicadores ecolgicos, como uma guildaou um grupo funcional, podem servir como indicadores da diversidadeinterecossistmica se, por exemplo se constata, de um ecossistema a outro, mu-dana nas formas de vida que compem estes grupos de espcies ou na diversida-de prpria do grupo funcional, ou, ainda, sua ausncia. Quanto s espciesendmicas, pela sua qualidade intrnseca de ficar restritas num certo tipo deecossistema, elas podem volver-se indicadores da diversidade interecossistmica,sob condio de refletir formas de vida ou estratgias adaptativas especficas acada ecossistema ou de estar associadas a mosaicos de ecossistemas claramentediferenciveis pela fitofisionomia. Ora, espcies endmicas vicariantes, que inte-gram ecossistemas cujo funcionamento difere, so marcadores da histria da di-versidade ecossistmica.

    Porm, indicadores globais, que sintetizam processos ecossistmicos, devemser privilegiados para a avaliao da diversidade de ecossistemas: variaes nopadro de estoques de nutrientes, na alocao da biomassa ou da necromassa, noscontedos de matria orgnica ou nutrientes do solo etc. Alguns dentre eles apre-sentam efetivamente a vantagem de uma padronizao e estimao rpida; outros,pelo contrrio, exigem um esforo de pesquisa a meio e longo prazo para validarseu carter indicador.

    A estruturao da paisagem ocasionada pela atividade humana pode, ela tam-bm, estar base de uma diferenciao das unidades ecossistmicas; os efeitos deborda levam em certas situaes a um acrscimo da biodiversidade ao nvel deespcies e de comunidades, conferindo caractersticas prprias ao ecossistemacomo um todo. De fato, quando trata-se de antigas regies de ocupao humana,os fragmentos de ecossistemas que configuram as paisagens podem representar

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    estgios de evoluo, mais ou menos regressiva, que asseguram entretanto a ma-nuteno de uma alta diversidade funcional dos fragmentos e das populaesbiolgicas que os constituem. Porm, pouco ou quase nada se conhece sobre ainfluncia positiva do homem na diversidade ecossistmica. Em sentido contr-rio, possvel identificar quais os melhores indicadores da diversidade e integri-dade dos ecossistemas quando se evidencia um impacto antrpico severo sobrevariveis que esto em relao direta com a manuteno dos sistemas biolgicos,como acontece com certos tipos de poluio, a modificao de bacias hidrogrficasou a eroso de solos.

    Todavia, os melhores indicadores da diversidade interecossistmica so aque-les que refletem tambm a integridade do ecossistema, facilitando a passagem deescala e a incorporao no SIG de indicadores das unidades biolgicas do meioambiente.

    ConclusoA avaliao da diversidade ao nvel do ecossistema constitui uma atividade

    interdisciplinar, no entrecruzamento de uma problemtica que diz respeito scincias da natureza e do homem. Com objetivo scio-poltico e econmico,fixado pela Conveno sobre Diversidade Biolgica e em acordo com as polticasde desenvolvimento prprias aos pases, os responsveis da gesto ambientalparticipam igualmente na elaborao dos instrumentos necessrios a esta avaliao.Desta maneira, a determinao e escolha do sistema de avaliao do componentebiolgico no pertence, de fato, somente a bilogos ou eclogos, assim comodimensionar o impacto dos fatores scio-econmicos e polticos sobre os sistemasbiolgicos escapa as nicas competncias de especialistas em cincias sociais oude administradores, mas emerge como resultado de uma tarefa conjunta de cartertransdisciplinar (Di Castri 1985). Se, em geral, as metodologias especficas paraavaliao do s componente biolgico dos ecossistemas esto relativamentedesenvolvidas, aprimorar o carter transdisciplinar de um sistema de avaliao emonitoramento da diversidade ao nvel do ecossistema condio necessriapara o cumprimento da Conveno sobre Diversidade Biolgica.

    Agradecimentos

    Queremos agradecer muito especialmente Licenciada Rosangela Silva deJesus pela correo do manuscrito. Nosso agradecimento vai, igualmente, ao Dr. PauloKitamura do Centro de Pesquisa de Meio Ambiente (CPMA / EMBRAPA) e ao Dr.Jaime Tadeu Frana do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e RecursosRenovveis (IBAMA) pelas teis discusses durante o workshop Conservaoda Biodiversidade em Ecossistemas Tropicais: avanos conceituais e reviso demetodologias de avaliao e monitoramento, financiado pelo MMA e CNPq.

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