20. perdidos na serra
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PPPPEEEERRRRDDDDIIIIDDDDOOOOSSSS NNNNAAAA SSSSEEEERRRRRRRRAAAA
Aventura
Texto de:
JULIO CARRARA
Escrita em 2004
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 1111
PERSONAGENS:
ALAN
MARÍLIA
GABRIEL
LILIANE
FRED
ANA TELMA
VELHA
CENÁRIO: O prólogo se passa na Serra do Mar. Nas cenas seguintes, na Mata
Atlântica. Muitas árvores. O ambiente é sombrio e misterioso.
NOTA: Perdidos na Serra é a sequência de Conto de Verão. Para compreender
melhor o universo, sugiro a leitura das duas obras.
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PRÓLOGO
(Ouve-se no escuro ruídos de porcos. Luz sobe em resistência. Alan, Marília, Liliane,
Gabriel e Fred estão indecisos se entram ou não no veículo.)
VOZ DO MOTORISTA
Como é que é? Vão ou não aceitar a carona?
ALAN
E agora, galera?
MARÍLIA
Nós temos outra saída?
ALAN
Acho que não.
LILIANE
Ai, eu não tenho estômago pra ir com esses porcos nojentos.
FRED
O meu estômago tá revirando com esse cheiro horrível de lavagem.
Acho que vou vomitar...
MARÍLIA
Ah gente, deixa de frescura.
GABRIEL
Mas a gente não precisa ir com eles. É só rebocar o carro no caminhão e
a gente vai dentro dele, só curtindo...
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ALAN
Boa idéia. Vamos vazar...
(Enquanto discutem, Ana Telma aparece e entra no porta-malas do Fiat, sem ninguém
perceber. Alan pega uma corda e com a ajuda de Gabriel, rebocam o carro no caminhão,
enquanto os outros entram no veículo. O caminhão segue viagem, enquanto a galera
canta uma música qualquer. O clima é agradável. De repente, Gabriel para de cantar e
fica atento nas manobras do caminhoneiro.)
GABRIEL
Gente, esse cara tá correndo muito.
(Buzinas. O caminhoneiro tenta frear, em vão. Uma forte neblina cega os jovens.)
FRED
(Gritando.) Ai, vai bater. (Começa a rezar.) Ave Maria, cheia de graça...
(O caminhoneiro perde a direção e bate. Um forte estrondo é ouvido no áudio,
enquanto a corda que rebocava o carro arrebenta e o veículo cai na ribanceira. Todos
gritam apavorados. A única visão que o público tem é da forte neblina que encobre todo
o espaço cênico. Black-out.)
CENA 1
(Luz sobe em resistência revelando a Mata Atlântica. Alan, Marília, Fred, Gabriel e
Liliane estão caídos no chão, gemendo. Se recompõe aos poucos. Gabriel se levanta e
observa os outros.)
GABRIEL
Ai... Puta pancada... Tá tudo bem com vocês, galera? Liliane?
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LILIANE
(Suspirando.) Tô bem, só um pouco tonta.
GABRIEL
Alan, Marília, Fred?
ALAN
Eu tô legal...
MARÍLIA
Eu também.
GABRIEL
(Caminha até Fred.) Fred? (O rapaz não se move.) Fred? (Pausa.) O Fred
morreu!
(Todos se levantam, sacodem a poeira, tiram as folhas secas do corpo e caminham até
ele, apavorados.)
ALAN
(Coloca a mão sobre o coração do rapaz, em seguida em sua boca para ver se ele
respira.) Ele não morreu, não. Só desmaiou... (Tenta reanimá-lo.) Fred! Fred!
FRED
(Em transe.) ...rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte,
amém... (Abre os olhos e sai do transe.) Que bom que vocês me acompanharam.
Eu achei que fosse morrer sozinho.
GABRIEL
Cala a boca, idiota.
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FRED
Eu sempre achei que o céu fosse todo branco e não verde, cheio de
árvores... Aqui não é o purgatório, é? Não tenho a mínima idéia de como ele
seja. Eu não devia ter pulado essa parte quando li A Divina Comédia pra escola.
GABRIEL
Você não morreu idiota. Isso aqui é a Serra do Mar, não o purgatório,
besta...
FRED
(Levanta-se e fica feliz.) Eu não morri... eu não morri... (Pula de alegria.) Eu
tô vivo... eu tô vivo... Todos nós estamos vivos...
LILIANE
E perdidos.
MARÍLIA
Eu tô com medo.
ALAN
Fica calma. A gente só precisa bolar um jeito de sair daqui o mais rápido
possível...
GABRIEL
Você conhece essa trilha?
ALAN
Não. (Caminha um pouco.) E sair daqui não vai ser nada fácil.
MARÍLIA
(Chorando.) Eu quero sair daqui... Eu quero minha casa.
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ALAN
(Grita ao ver o Fiat destroçado.) Não... Não pode ser...
LILIANE
O que foi?
ALAN
Meu carro virou sanfona.
MARÍLIA
Demorou. Foi tarde! Esse lixo só trouxe azar pra gente.
GABRIEL
Não fique triste, cara. Pense que a gente poderia estar dentro dele,
presos nas ferragens...
LILIANE
E o caminhão de porcos?
ALAN
Nem sinal dele.
LILIANE
E agora, o que a gente faz?
GABRIEL
Acho melhor a gente armar as barracas. Vai que apareça algum bicho...
Melhor prevenir do que virar jantar de alguma fera.
(Pegam as barracas e começam a montá-las. Enquanto realizam essa tarefa, ouve-se um
ruído estranho. Parece um animal ferido. Pausa tensa.)
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MARÍLIA
Vocês ouviram?
(Novo ruído.)
GABRIEL
Acho que é algum bicho...
LILIANE
Parece estar machucado.
(Fred se aproxima e vê algo no chão coberto por folhas. Muito curioso, tira as folhas
que cobrem o suposto animal.)
FRED
(Aos prantos.) Nããããããooooo!
TODOS
O que foi?
(Percebe-se que o suposto bicho é Ana Telma.)
FRED
Eu devo ter mijado na cruz... O que fiz para merecer isso?
ANA TELMA
(Gemendo.) Ai, benzinho. Acho que torci meu pé. Me ajuda aqui...
(Fred fica sem ação.)
GABRIEL
Vai Fred, seja cavalheiro com sua mulher...
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FRED
Vão pro inferno... Eu só vou ajudar ela porque não gosto de ver
ninguém sofrendo... Eu estaria sendo desumano com ela.
LILIANE
Ah, Fred, assume logo, vai. Vocês formam um casal bem bonito.
GABRIEL
(Cochichando.) Eu já vi gente feia, mas igual à ela, nunca.
ALAN
Ela parece ter nascido ao avesso, coitada!
LILIANE
Mas pro Fred tá muito bom...
FRED
(Para Ana Telma.) Você tá bem?
ANA TELMA
Acho que sim. Só de ter você do meu lado já me sinto bem... Me abraça?
(Fred resiste. Os outros começam a zoar com ele, exceto Marília.)
TODOS (MENOS MARÍLIA)
(Batendo palmas.) Abraça, abraça, abraça...
FRED
(Para eles.) Eu odeio vocês.
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GABRIEL
Vai Fred, não precisa ficar com vergonha, chega junto. Você não vai
fazer uma desfeita dessas...
FRED
Só porque você tá com essa gostosona da Liliane acha que pode tirar
uma da minha cara?
GABRIEL
Mas essa aí também é gostosona. O que estraga é a cara. É só botar uma
máscara nela que resolve o problema.
LILIANE
O que importa é o conteúdo, não a forma.
MARÍLIA
Olha quem fala em conteúdo. Logo você Liliane, que não tem nenhum...
LILIANE
O que você quer dizer com isso?
MARÍLIA
Isso mesmo que você ouviu.
LILIANE
Olha aqui, garota, eu não vou permitir que você fique me tirando... Quer
partir pra briga?
MARÍLIA
(Enfrenta-a.) É pra já!
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GABRIEL
(Separando as duas.) Oh, gente... Paz...
LILIANE
Foi ela quem começou. Eu estava quietinha no meu canto.
MARÍLIA
Mas tava caçoando da infeliz...
FRED
(Berrando.) Chega!!!!! Eu tô cansado de vocês... Não sei por que fiz a
cagada de vir pra essa droga de viagem. Eu só me fodi o tempo inteiro. Perdi o
casbaço com esse ser de outro planeta que agora não para de me perseguir...
Pode existir alguém mais desgraçado do que eu? Eu quero ir embora. (Sai
correndo.) Nunca mais quero ver nenhum de vocês outra vez...
OS DOIS
Fred, volta aqui. (Saem.)
ANA TELMA
Tchutchuco... Não me deixa.
(Gabriel e Alan vão atrás dele. Marília, Liliane e Ana Telma em cena. Marília fica
indiferente com Liliane.)
LILIANE
(Tenta uma reconciliação.) Marília...
MARÍLIA
Não vem, não, Liliane. Não quero saber de conversa.
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LILIANE
Foi mal. Desculpa.
MARÍLIA
Não é pra mim que você tem que pedir desculpa. É pra ela! (Para Ana
Telma.) Olha, peço desculpas em nome do grupo. Não sei como você pode
aguentar tanta gozação e ficar calada. Por quê?
ANA TELMA
Eu já me acostumei.
MARÍLIA
E sua família?
ANA TELMA
Minha mãe me deixou logo que eu nasci. Meu pai era um estivador do
porto de Santos, e na primeira oportunidade entrou clandestinamente num
navio e foi sei lá pra onde, me deixando sozinha lá no porto.... Eu só queria um
pouco de amor, entendem?...Poder amar alguém e ser correspondida... E
quando conheci meu Tchutchuco, achei que ele seria o homem da minha vida.
Mas ele vive fugindo de mim! Sabe o que é pior? Eu nunca vou fazer parte de
nenhuma turma...
MARÍLIA
Não fique assim... Quero que saiba que eu serei sua amiga, e não vou me
importar com que os outros pensem ou deixem de pensar a seu respeito.
LILIANE
(Emocionada.) Desculpa, tá?
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MARÍLIA
(Impaciente.) Não vem com essa, Liliane. Você arrebenta com a menina e
acha que pedir desculpa resolve?
LILIANE
Eu não fiz por mal. Foi só uma brincadeira.
MARÍLIA
Brincadeira de mau gosto...
LILIANE
Por que você tá implicando só comigo. Todo mundo tava zoando com
ela. Inclusive o Alan.
MARÍLIA
Porque são uns idiotas.
LILIANE
Eu não devia ter vindo com vocês. Eu e o Gabriel poderíamos ter
pegado um ônibus em São Vicente. E agora estamos aqui, perdidos nessa
Serra, onde não há uma alma pra ajudar a gente e eu vou ter que aguentar
desaforo? Maldita a hora eu que fiz as pazes com você...
MARÍLIA
Faço as minhas as suas palavras...
ANA TELMA
(Acalma os ânimos.) Ei, sem estresse... Vamos parar de brigar? Quem
deveria estar chateada era eu, e, no entanto, tô aqui de boa. (Silêncio mortal.)
Marília, me dá o seu dedinho. (Marília dá o dedo mínimo para ela.) Liliane, me dá
o seu. (Liliane faz o mesmo. Ana Telma junta os dedos mínimos das duas.) Agora
vocês vão ficar de bem... As crianças não fazem assim? Brigam, brigam e cinco
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minutos depois não fazem as pazes? (Pausa.) De agora em diante não quero
ver vocês discutindo, até porque não sabemos até quando vamos ficar aqui.
Precisamos buscar uma solução pra sairmos dessa enrascada. Combinado?
(As três se olham por um tempo.)
MARÍLIA e LILIANE
Combinado. (Abraçam-se.)
(Ana Telma sorri mostrando a banguela.)
MARÍLIA
Olha, vamos fazer de tudo para que o Fred se apaixone por você.
ANA TELMA
(Preocupada.) Ai, ai, ai. Onde será que ele se meteu?
LILIANE
Pode ficar tranquila. O Alan e o Gabriel seguiram ele.
MARÍLIA
Espero que não tenham se perdido.
(Nesse momento aparece Gabriel e Alan segurando Fred, que se esperneia.)
FRED
Vocês não podem me obrigar a fazer o que eu não quero. Me solte, eu
quero ir embora.
ALAN
Acorda, cara. A gente tá sem saída...
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FRED
Me solta... Me solta... Estúpidos.
GABRIEL
(Para Alan.) Deixa comigo. (Segura Fred pelos ombros com as duas mãos e
chacoalha-o com força, como se exorcizasse um demônio. Fala brandindo, olhando para
seus olhos.) Fica quieto, fica quieto... Cale a boca, cala a boca... Obedece,
obedece... (Em seguida dá três tapas na cara do rapaz, que fica parado e calmo.) Tá
mais calmo?
FRED
(Tranquilíssimo.) Agora tô...
ANA TELMA
(Abraça o amado.) Meu amor, que bom que você voltou... São e salvo...
(Fred se desvencilha dela.)
ALAN
Gente, precisamos pensar numa forma de sair daqui. Já tá anoitecendo,
o frio tá aumentando e não temos água nem comida.
GABRIEL
Mas e o frango com a farofa?
FRED
Já era.
GABRIEL
Mas não sobrou nem uma coxinha, nem uma asinha?
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FRED
Nada...
GABRIEL
Danou-se. Tamo fritos
ALAN
Não tamo, não. Agora precisamos fazer o teste de sobrevivência.
Amanhã, logo cedo vamos explorar a Mata e procurar comida. Deve ter várias
árvores frutíferas por aqui. E também vamos caçar algum animal pra gente se
alimentar...
FRED
Só espero não ter que comer lesma nem olho de cabra.
TODOS
Cala a boca, Fred!
MARÍLIA
Precisamos encontrar alguma cachoeira... Sem água não dá pra ficar...
Eu tô louca por um banho.
ALAN
Pois é. Mas vamos nos recolher, porque amanhã vamos ter um longo dia
pela frente.
FRED
E como vamos dormir se só tem duas barracas?
MARÍLIA
Dorme três em cada barraca... O Fred, a Tchutchuca e o Gabriel numa e
eu, o Alan e a Liliane em outra.
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FRED
Eu dormir com ela? (Aponta Ana Telma.) Nunca! Prefiro ficar no porta-
malas do carro que ainda tá inteiro... É mais seguro. Quero preservar o meu
pintinho... Vamos fazer como em São Vicente: o Alan e a Marília numa
barraca, o Gabriel e a Liliane em outra e eu substituo o saco de dormir pelo
porta-malas do carro.
ANA TELMA
Mas e eu?
FRED
Você fica em pé com os braços abertos como um espantalho, que é o que
você é....
MARÍLIA
(Repreende Fred.) Fred?
FRED
É isso mesmo... (Vai em direção ao carro.) Bem, vou pros meus aposentos.
Boa noite. (Sai.)
MARÍLIA
Como é mesmo seu nome?
ANA TELMA
Ana Telma.
MARÍLIA
Vem, Ana Telma, você dorme na barraca com a gente.
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ALAN
(Cochicha para Marília.) Não faz isso, amor. Eu não sei o que eu faço se
acordo de noite e dou de cara com esse bicho dentro da barraca.
MARÍLIA
Cala a boca...
ANA TELMA
Eu não quero atrapalhar vocês...
MARÍLIA
Não vai atrapalhar em nada...
ALAN
(Tenta se safar.) Eu tenho chulé, ronco e peido pra caramba....
ANA TELMA
Não tem problema... Eu também...
GABRIEL
(Zomba o amigo.) Ih, fodeu, Alan! Vem Liliane!
(Gabriel e Liliane entram na barraca e Marília, Ana Telma e Alan caminham para a
outra. Alan é o último a entrar. Gabriel, na abertura de sua barraca, satiriza o amigo.)
GABRIEL
Cuidado, Alan. Essa baranga pode fazer com você o que fez com o Fred
lá em São Vicente... É melhor colocar o cinto de castidade... Dorme bem! E
cuidado com o bicho!
(Entra na barraca gargalhando. Alan, desolado, entra na barraca. A noite cai. Black-
out.)
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CENA 2
(Luz volta devagar. Amanhece. Ouvem-se ruídos de pássaros. Ana Telma sai da
barraca, faz uns alongamentos nada convencionais e caminha até o porta-malas do
carro com uma grande dose de sensualidade. Abre o porta-malas. Fred está chupando o
dedo e tudo leva a crer que está tendo um sonho erótico. A garota, delicadamente, o
acorda.)
ANA TELMA
Bom dia, Tchutchuco.
FRED
(Sonâmbulo, abraça Ana Telma, que deita com ele.) Vem cá, meu amor. Me
beija. Quero sentir esses seus lábios carnudos e esse seu hálito de cereja. (Ana
Telma beija Fred, que acorda e ao olhar a garota, tem um sobressalto.) O que é isso?
Sai daqui, sai... (Sai do porta-malas.)
ANA TELMA
Foi você quem me puxou, delícia... Eu só fiz o que você pediu... E como
você beija bem! Meus lábios estão formigando... Tô toda arrepiada. Agora vai
ter que dar conta do recado.
FRED
(Tem uma ideia.) Eu... eu jogo em outro time.
ANA TELMA
O quê?
FRED
Eu gosto do que você gosta. Dou ré no quiabo.
ANA TELMA
Como?
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FRED
Eu sou gay.
ANA TELMA
Conta outra. Ontem você não era.
FRED
Mas hoje sou. Hoje eu resolver sair do armário. Meu negócio é bofe,
racha uó. E se você tentar qualquer coisa comigo de novo eu não respondo por
mim. Eu tiro meu sapato e lhe bato com o salto na testa. (Pega uma flor do chão e
coloca atrás da orelha e solta a franga.) Eu sou gay...O mundo é gay... (Grita.) Ai,
eu tô looooooouca!
ANA TELMA
Não me decepciona, amor meu. Não faz isso comigo.
FRED
E vamos deixar de conversa e acordar os outros. Temos que sair atrás de
comida e de água, Meu estômago tá nas costas. E se você tentar qualquer coisa
comigo... (Põe o dedo indicador na boca e em seguida toca na testa da garota.) Eu te
afogo!
(Ana Telma fica sem reação. Fred tira um apito da boca e começa a apitá-lo.)
FRED
Vamos acordar! Ao trabalho, pessoal!
(Alan, Marília, Gabriel e Liliane saem das barracas, mal-humorados.)
GABRIEL
Pô Fred. Você é um mala!
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FRED
Como vai, meu gatão? (Beija Gabriel e caminha para Alan, anasalando a voz.)
E aí bofe, dormiu bem? Ai, eu fico louca quando vejo esses seus olhos e esses
seus cachinhos. É super fashion... (Beija Alan.)
ALAN
O que é isso, Fred? Virou boiola?
FRED
Pois é. Saí do armário... Fiquei louca!!!
(Ana Telma chora num canto.)
ANA TELMA
Nada dá certo pra mim...
GABRIEL
(Sacando.) Ah, saquei... (Ri.) Boa jogada, Fred.
ALAN
Bem gente, ao trabalho.
LILIANE
Vamos formar dois grupos de três e vasculhar a mata.
ALAN
Acho perigoso dividir o grupo. A gente não sabe o que pode encontrar
pela frente. Vamos ficar todos juntos. É mais seguro.
MARÍLIA
Eu também acho.
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GABRIEL
Vou pegar o facão.
MARÍLIA
Aproveita e pega também as garrafas plásticas pra gente encher de
água. (Gabriel sai.)
FRED
(Tira um estilingue do bolso.) Eu vou armado com esse estilingue.
LILIANE
Por quê?
FRED
Pra matar algum animal selvagem que queira nos atacar.
TODOS
Cala a boca, Fred.
(Gabriel volta com o facão e diversas garrafas de 2 litros de refrigerantes, vazias.)
GABRIEL
Pronto... tá tudo aqui.
ALAN
(Pega uma bússola.) Essa bússola nos servirá de guia. Bem, ao trabalho!!!
(Saem.)
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CENA 3
(O palco fica vazio por alguns instantes. Música. Entra em cena uma velha misteriosa.
Seu rosto é coberto por rugas, longos cabelos desgrenhados brancos. Parece que esse
cabelo nunca viu uma tesoura. É uma figura quase pré-histórica. Seu andar se
assemelha com os dos macacos. A velha vasculha os objetos de cena, sem emitir
nenhum som. Não encontra nada do que procura e vai se sentar em posição de “iogue”,
num canto afastado do palco, lembrando a postura de um dos macacos orientais: o que
não fala. Permanece assim por muito tempo.)
CENA 4
(Os jovens aparecem todos sujos e suados, carregando nas mãos as vasilhas de
refrigerantes cheias de água, cachos de bananas e algumas achas de lenha. Alan traz
nas mãos algum animal morto embrulhado numa folha de bananeira. Colocam tudo no
centro. Alan acende uma fogueirinha e põe o animal para assar.)
MARÍLIA
Ufa!
FRED
(Pega duas bananas, descasca e come uma seguida da outra.) Essa banana tá
deliciosa. Acho que vou comer o cacho inteiro.
ALAN
Nem pensar. Depois vai ficar peidando aí... A gente vai dividir tudo em
partes iguais. Todo mundo vai comer a mesma quantidade que o outro.
FRED
Tá certo. Fico aliviado de saber que não vou precisar comer lesma nem
olho de cabra.
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ANA TELMA
(Começa a sentir enjoo.) Ai... Eu tô enjoada.
LILIANE
É por causa da fome. Aguente um pouco...
ANA TELMA
Tá tudo girando... Acho que vou desmaiar. (Desmaia.)
ALAN
(Corre socorrer a menina.) Ana Telma! Ana Telma!
ANA TELMA
(recobra os sentidos) Ai...
MARÍLIA
Tá melhor? Come uma banana... (Ana Telma come a banana)
ANA TELMA
Tô. Obrigada.
MARÍLIA
Você tá tremendo...
LILIANE
Ela tá muito fraca!
FRED
(Sem se importar.) Ai, deixa essa amapô trash pra lá.
ALAN
Pô Fred seja mais humano...
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ANA TELMA
Deixa Alan. Não quero ver ninguém mais brigando por mim. Eu
preciso descansar um pouco. Posso ficar lá na sua barraca, Marília?
MARÍLIA
Claro. Vem que eu te ajudo! (Leva Ana Telma até a barraca e volta para o
grupo.) Tô preocupada com ela. Ela tá muito fraca!
ALAN
Vem comer, Marília.
(Alan divide a caça em partes iguais e entrega um pedaço a cada um e separa o de Ana
Telma. Comem.)
GABRIEL
Mas você hein, Fred?
FRED
O que é que tem?
GABRIEL
Ficar fingindo que é boiola só pra escapar dela.
FRED
E eu tive escolha? Cara, essa menina é tarada. Se der moleza ela ataca.
Por pouco não fui violentado por ela de novo. Ainda bem que acordei a tempo
de escapar.
ALAN
Fred, numa boa, vocês usaram camisinha?
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 25252525
FRED
E de que jeito? Ela pulou em cima de mim feito louca. Achei que fosse
quebrar o meu pinto. Ainda bem que tive ejaculação precoce. Foi uma transa
de coelho... E eu espero que ela não tenha nenhuma doença venérea. Só faltava
eu pegar verruga, igual a que teve o meu amigo Gustavo.
MARÍLIA
Esses enjoos dela pode ser um aviso...
FRED
Como?
GABRIEL
Já parou pra pensar que você possa ter engravidado a Ana Telma, Fred?
(Fred engasga, tosse e cospe um pedaço de carne.)
FRED
Deus não seria tão cruel comigo.
ALAN
É uma hipótese.
FRED
Não, não, não!!!
(Fred começa a correr desesperado pela mata. Pega uma pedra e atira longe. A pedra
atinge os pés da velha que grita de dor.)
VELHA
AAAAAAAAAAAAAAAAAiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 26262626
(Ela tenta tapar a boca, mas a dor é mais intensa. O grito ecoa pela mata.)
MARÍLIA
O que foi isso?
(Todos caminham na direção do barulho e se espantam ao ver a velha.)
GABRIEL
Meu Deus. Não bastava uma. Agora temos duas criaturas bizarras no
mesmo ambiente?
VELHA
AAAAAAAAAAAAAAiiiiiiiiiiiii!!!! (Revoltada, para Fred.) Desgraçado,
você me fez quebrar o meu voto de silêncio!
FRED
Como?
VELHA
Há mais de vinte anos eu tô calada, sem emitir nenhum som, nenhum
ruído e agora você me acerta essa pedra nos pés? AAAAAAAAiiiiiiiiiiiiiiii!
(Começa a se empolgar ao se ouvir). Eu estou falando, falando, falando... Há mais
de vinte anos eu mantive as palavras dentro de mim e agora sinto um desejo
louco de libertá-las. O mameluco melancólico meditava e a megera
megalocéfala macabra e maquiavélica mastigava mostarda na maloca
miasmática migalhas minguadas de moagem mitigavam míseras meninas
moleques magricelas mergulhavam no mucurro murmurando como uma
matinada de macacos três pratos de trigo para três tigres um tigre dois tigres
três tigres como quiabo cru como quiabo cru como quiabo cru como quiabo
cru o peito do pé do padre Pedro é preto quando eu estou aqui eu vivo esse
momento lindo olhando pra você e as mesmas emoções sentindo eu vi na tv
uma atriz fazendo amor ela olhava o ator como eu olho você com cara de
Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara Perdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na SerraPerdidos na Serra 27272727
quem está no céu é proibido fumar diz o aviso que eu li vai lacraia vai lacraia
tô mandando um beijinho pra filhinha e pra vovó só não posso esquecer da
minha éguinha pocotó pocotó pocotó pocotó pocotó quando a luz dos olhos
teus e a luz dos olhos meus resolvem se encontrar ai que bom que isso é meu
Deus que frio que me dá o encontro desse olhar entardeceu ai que vontade de
brincar de pega-pega de macaca de comer goiaba de trepar no muro se a ran
becucanie ninqüencos se a ran becucanie niqüencos mudos nascemos mudos
um dia estaremos mas nesse intervalo nos dedicamos a falar fala-se tanto que
sem nos darmos conta passamos a maior parte do tempo falando fala-se pelos
ouvidos e pelos cotovelos.
(Todos ficam boquiabertos e não suportando mais, berram em uníssono.)
TODOS
Cala a boca!
VELHA
Não. Vocês me fizeram quebrar o meu voto de silêncio, invadiram a
minha mata e agora querem que eu fique quieta? (Volta a falar
compulsivamente.) Boi touro rã macaco arara rinoceronte cachorro gato galinha
pato porco hipopótamo rato tava a velha em seu lugar veio uma mosca lhe
fazer mal a mosca na velha e a velha a fiar tava a mosca em seu lugar veio a
aranha lhe fazer mal a aranha na mosca a mosca na velha e a velha a fiar tava a
aranha em seu lugar veio um rato lhe fazer mal o rato na aranha a aranha na
mosca a mosca na velha e a velha a fiar... (Continua cantando, mais baixo.)
MARÍLIA
Pelo amor de Deus, Alan, amordace a boca dessa velha. Ela não vai
parar de falar pelos próximos 50 anos.
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ALAN
(Pega uma mordaça e põe na boca da velha que continua cantando “A velha a
fiar”.) É fala recolhida, ela precisa liberar.
LILIANE
Haja saco!
GABRIEL
E tudo por sua culpa, Fred.
FRED
Minha culpa? Agora eu sou o culpado de tudo? Não tenho culpa se esse
ser pré-histórico fez voto de silêncio... Eu tô preocupado comigo e com o meu
futuro... Deus, não me castigue. Oh, Pai, porque me abandonaste? Já sofri o
bastante. Poderei suportar mais ainda?
MARÍLIA
É demais pra minha cabeça.
(Ouve-se o ruído de um helicóptero sobrevoando a região. Os jovens olham para cima e
começam a acenar para o alto, berrando. O helicóptero desaparece, deixando os jovens
frustrados.)
LILIANE
Droga! Era bom demais pra ser verdade!
ALAN
Eles podem estar procurando a gente. Com certeza já souberam do
acidente. O que nos resta é esperar pelo resgate.
(Sentam-se todos, suspirando. A velha continua cantando, mesmo amordaçada. Eles
tapam os ouvidos e fecham os olhos.)
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CENA 5
(Todos continuam na mesma posição da cena anterior. A velha vai parando de cantar e
fica em silêncio. Está ofegante.)
LILIANE
Até que enfim! Não sei como os pulmões dela puderam suportar tanto!
ALAN
Será que ela pode nos mostrar a saída?
GABRIEL
É possível! Afinal ela vive aqui.
ALAN
Eu vou tirar a mordaça dela. (Faz o que diz. Todos caminham até ela.) Ei
senhora, poderia nos mostrar o caminho que leva à estrada?
VELHA
Poder eu posso. (Todos se alegram.) Mas da minha boca não ouvirão
nada! (Todos se entristecem.) Nem uma frase, nem uma palavra, nem uma
sílaba, nem uma letra!
FRED
Mas por quê?
VELHA
Porque você, seu idiota, me fez quebrar o meu juramento!
FRED
Eu? Eu ia adivinhar que você tava lá, camuflada, parecendo uma sapa
velha no tronco da árvore?
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MARÍLIA
Peraí... Que juramento?
VELHA
Eu prometi que nunca mais iria abrir a minha boca, que ia ficar
enterrada o resto da minha vida aqui nesta mata, por um crime que cometi.
GABRIEL
E que crime cometeu?
VELHA
O pior crime que alguém pode cometer... Eu sou um monstro... (Começa
a chorar.)
FRED
Ah, é mesmo.
TODOS
Cala a boca, Fred!
LILIANE
E que crime foi esse?
VELHA
(Soluçando.) Durante vinte e dois anos estou com a consciência pesada...
Nunca mais dormi desde aquele maldito dia... pareço estar com cem anos...
FRED
Duzentos no mínimo...
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MARÍLIA
Desabafe com a gente... Isso vai te fazer bem...
VELHA
Ela era pequena... tinha acabado de nascer... uma criança frágil... Minha
família não aceitava a minha gravidez, e eram contra o meu casamento. Meu
marido era pobre. Trabalhava como estivador no porto de Santos. E logo que a
criança nasceu eu abandonei a criança e fugi de tudo e de todos. Não podia
voltar pra casa, não tinha condições de criar o bebê. Deixei ela lá no hospital...
era uma menininha... Fugi de lá, deixando pra trás o meu passado, o meu
marido e minha filha. Eu queria morrer. Mas como isso não aconteceu, fiz um
juramento: eu iria ficar calada até o fim dos meus dias... Vim pra cá, fiz minha
cabaninha e vivi durante esses anos todos comendo raízes e frutas... (Altera-se.)
E no momento em que estava em êxtase, limpando meu espírito da podridão,
me vem esse desgraçado (Para Fred.) e me acerta uma pedra nos pés?
(Escutam silenciosamente o relato da velha. Marília e Liliane começam a juntar as
peças do quebra cabeças.)
MARÍLIA
Você está pensando o que eu estou pensando, Liliane?
LILIANE
Sim.
AS DUAS
(Num rompante.) A gente sabe onde tá sua filha!
MENINOS
O quê?
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VELHA
Como?
MARÍLIA
Sua filha tá bem próxima da senhora. O que ela nos contou bate com
tudo o que a senhora disse. Ela foi abandonada logo que nasceu e seu pai era
um estivador do porto de Santos. Tudo se encaixa perfeitamente.
ALAN
Mas de quem você está falando, Marília?
MARÍLIA
Da Ana Telma.
GABRIEL
(Surpreso.) A Ana Telma?
LILIANE
Olhando bem, vocês são bem parecidas...
VELHA
E onde ela tá?
MARÍLIA
Na barraca descansando... Ela não tava passando bem...
GABRIEL
Gravidez é assim mesmo.
VELHA
O quê? Minha filha, grávida?
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GABRIEL
Pois é.
FRED
Não pode ser... não pode ser...
LILIANE
É só uma suposição...
GABRIEL
E esse aqui é o pai da criança... Seu genro.
VELHA
(Para Fred.) Que Deus o abençoe. Eu quero que você seja muito feliz com
minha filha...
GABRIEL
Aí Fred. Já ganhou a bênção da sogrinha... agora é tarde...
FRED
Eu te odeio!
MARÍLIA
Eu vou chamar a Ana Telma... (Caminha até a barraca.) Eu tenho uma
surpresa pra você, Ana Telma.
ANA TELMA
(Saindo da barraca.) O que é?
MARÍLIA
Vem aqui...
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(Coloca Ana Telma de frente para a velha. Ambas se olham. Parecem estar na frente de
um espelho. São idênticas.)
VELHA
(Estendendo os braços.) Filhinha!!!
ANA TELMA
(Idem.) Mamãe!!!
(Música cinematográfica. As duas correm em câmera lenta, se abraçam afetuosamente
e choram.)
VELHA
Como eu sonhei com esse momento...
ANA TELMA
Eu também...
(Tempo.)
GABRIEL
(Quebra o gelo.) Tá bom... Isso aqui não é o Programa do Gugu!
ALAN
Bem, agora que resolvemos o problema da senhora, precisamos ir
embora. Agora a senhora vai nos mostrar a saída?
VELHA
Com uma condição...
ALAN
Qual?
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VELHA
(Para Fred.) Que eu vá morar com você e com minha filha.
FRED
Mas a gente nem tá junto... Era tudo brincadeira deles, dona. Esse lance
de gravidez não é verdade!
VELHA
É verdade, sim. Coração de mãe não se engana. Minha filha tá grávida,
sim.
FRED
(Apavorado, tenta sair.) Eu quero sair daqui...
VELHA
Vai sair daqui direto pra Igreja. Desonrou minha filha, agora vai assumir
o que fez... vai se casar com ela e vai criar o filho de vocês... Eu só mostro o
caminho de volta se você fizer isso.
FRED
Prefiro a morte. Ou melhor: vou também fazer um juramento. A partir
de agora farei um voto de silêncio e ficarei mudo e enclausurado nesta mata
até o fim dos meus dias.
(Fica na mesma posição da velha. A velha o agarra e coloca-o de frente com Ana
Telma.)
VELHA
Deixa de fita. Vou fazer o casamento simbólico de vocês (Age como
padre.) Ana Telma, aceita... (Não sabe o nome do rapaz e pede auxílio a Gabriel.)
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GABRIEL
Frederico...
FRED
Eu te mato!
VELHA
... Frederico como seu legítimo esposo?
ANA TELMA
(Sorri.) Aceito.
VELHA
Frederico, aceita Ana Telma como sua legítima esposa? (Silêncio mortal.
A velha repete a pergunta mais duas vezes.) Diz: aceito.
FRED
Não tem outra alternativa?
VELHA
Não...
FRED
(À contragosto) Tá. Fazer o que. Aceito, né?...
VELHA
Eu vos declaro marido e mulher... Podem se beijar. (Fred não se move.
Ana Telma fica movimentando a boca. A velha repete a pergunta mais duas vezes.)
Beija logo!
(Ambos se beijam. Fred tenta escapar, mas Ana Telma prolonga o beijo.)
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ALAN
Agora a senhora pode nos mostrar o caminho?
VELHA
Agora sim. Venham comigo...
(Os jovens desmontam as barracas, colocam as mochilas nas costas e seguem a velha.
Alan olha tristemente para os destroços do carro. Marília o abraça afetuosamente e o
beija apaixonadamente. Liliane e Gabriel fazem o mesmo. Ana Telma para não ficar por
baixo, força Fred a beijá-la. Seguem a velha até saírem de cena. Black-out.)
CENA 6
(Estrada. Todos aparecem, exceto a velha. Estão desanimados.)
MARÍLIA
Vai começar tudo outra vez pela terceira vez...
ALAN
Só que desta vez, não temos mais o carro...
GABRIEL
Pois é. Vamos ter que pedir mais uma carona!
FRED
Na ida fomos com caminhão de galinhas. Na tentativa de volta com um
caminhão de porcos e agora, vamos como?
(Relinchar de cavalo. entra a velha sentada numa charrete.)
VELHA
Foi tudo o que consegui...
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ALAN
Vamos nessa, galera!
(Os jovens sobem na charrete. O cavalo sai em disparada e o que se ouve além do seu
trotar, são os ruídos de latinhas presas por um fio na charrete, comuns em carros de
recém-casados. Black-out final.)
FIM
Agosto/2004