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2. Sobre Tipografia O termo tipografia significa “a arte e a técnica de compor e imprimir com uso de tipos” 1 . O tipo, tomando-se aqui aquele utilizado na impressão tipográfica, vem a ser uma peça tridimensional, fundida em liga metálica de chumbo, estanho e antimônio, cuja face em relevo possui o desenho invertido do caractere para impressão direta sobre o papel. Tipografia é também o termo para o conjunto de itens e procedimentos que configuraram o primeiro processo de mecanização da escrita conhecido no ocidente, desenvolvido pelo ourives alemão Johannes Gutenberg (c. 1395-1468) em meados do século XV. Esse processo veio para modificar, na época, os padrões de tempo e produção de impressos. Gutenberg desenvolveu o sistema completo para reprodução 1 Em artes gráficas. O primeiro registro histórico de typographia é de 1789. Outras acepções: 2. conjunto de procedimentos artísticos e técnicos que abrangem as diversas etapas da produção gráfica (desde a criação dos caracteres até a impressão e acabamento), especialmente no sistema de impressão direta com o uso de matriz em relevo; imprensa. 3. impressão tipográfica. 4. Derivações por metonímia: estabelecimento destinado a composição, paginação e impressão tipográfica; arranjo ou estilo da composição tipográfica numa determinada publicação. 5. o mesmo que tipologia ('coleção de caracteres'). Obs.: tb. se diz apenas tipo. Etimologia tip(i/o) + -grafia - typographia (Houaiss e Villar, 2001, p. 2722). Figura 2.1 – Páginas da Bíblia de Gutenberg, 1450-55. (Meggs, 1998, p. 74).

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2. Sobre Tipografia

O termo tipografia significa “a arte e a técnica de compor e imprimir com uso de tipos”1. O tipo, tomando-se aqui aquele utilizado na impressão tipográfica, vem a ser uma peça tridimensional, fundida em liga metálica de chumbo, estanho e antimônio, cuja face em relevo possui o desenho invertido do caractere para impressão direta sobre o papel. Tipografia é também o termo para o conjunto de itens e procedimentos que configuraram o primeiro processo de mecanização da escrita conhecido no ocidente, desenvolvido pelo ourives alemão Johannes Gutenberg (c. 1395-1468) em meados do século XV. Esse processo veio para modificar, na época, os padrões de tempo e produção de impressos. Gutenberg desenvolveu o sistema completo para reprodução

1Em artes gráficas. O primeiro registro histórico de typographia é

de 1789. Outras acepções: 2. conjunto de procedimentos artísticos e técnicos que abrangem as diversas etapas da produção gráfica (desde a criação dos caracteres até a impressão e acabamento), especialmente no sistema de impressão direta com o uso de matriz em relevo; imprensa. 3. impressão tipográfica. 4. Derivações por metonímia: estabelecimento destinado a composição, paginação e impressão tipográfica; arranjo ou estilo da composição tipográfica numa determinada publicação. 5. o mesmo que tipologia ('coleção de caracteres'). Obs.: tb. se diz apenas tipo. Etimologia tip(i/o) + -grafia - typographia (Houaiss e Villar, 2001, p. 2722).

Figura 2.1 – Páginas da Bíblia de Gutenberg, 1450-55. (Meggs, 1998, p. 74).

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de textos em série: desde o desenho da fonte gótica estilo textura, o molde para reprodução dos tipos de metal, assim como idealizou a prensa para imprimir a sua obra maior, a Bíblia de 42 linhas. Na história do ocidente, o advento da tipografia é também referido como o próprio nascimento da imprensa. Sugeriu o marco inicial do período renascentista-humanista e veio a acarretar uma série de desdobramentos em função da disseminação da informação e do conhecimento em larga escala.

Germinava então, em pleno século XV, a semente daquilo que viria configurar, cinco séculos depois, a sociedade da informação, expressão cunhada ainda nos anos 60. É uma das designações que melhor descrevem o século XX – cujo aparato econômico também poderia ser descrito como economia da informação, por todas as relações de âmbito político-econômico passarem a depender de suportes de comunicação novos, sem os antigos obstáculos naturais ou geográficos. McLuhan havia descrito esse modelo social em Understanding Media [Para entender a mídia]: “na era eletrônica, nos vemos cada vez mais sendo traduzidos como informação, nos movendo para o âmbito da consciência tecnológica” (McLuhan apud Briggs & Burke, 2006, p. 259).

Na área do design gráfico deu-se a expansão em função do avanço tecnológico – uma significativa ampliação do campo de atuação, do volume de profissionais e da demanda por serviços. A tecnologia digital deixa de ser desvinculada da atividade do design gráfico, na atual conjuntura, a qual começou a se configurar há quase trinta anos.

Independentemente da tecnologia envolvida para composição da página e impressão – fosse ela manual e mecânica, em voga entre os séculos XV e XIX, ou o processo digital vigente desde o final do século XX – o termo tipografia define uma atividade de natureza técnica que diz respeito tanto ao design de fontes tipográficas quanto à sua utilização que abrange desde a seleção, a organização ou distribuição, ao se configurar um projeto visual que inclua elementos textuais. Pode-se dizer que a tipografia implica na própria materialização da linguagem, já que ao se apresentar na forma escrita, a linguagem passa a ter dimensões tangíveis: altura, largura, peso e formato, entre outros tantos atributos físicos. No entanto, nem toda forma de escrita pode ser definida como tipografia. Isso porque, para configurar-se como tal, a tarefa de escrever precisa ser automatizada, seja através da imposição manual de tipos ou através do teclado de um computador (Baines & Haslam, 2002). Por sua natureza automatizada, a escrita tipográfica apresentará sempre alto grau de regularidade em sua forma, posto que, neste processo, há a repetição exata dos caracteres: grosso modo, toda letra “A” de uma mesma fonte tipográfica, por

Figura 2.2 – Punção, matriz e molde tipográficos. (Meggs, 1998, p. 70).

Figura 2.3 – Prensa tipográfica do século XV. (Meggs, 1998, p. 72).

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exemplo, será sempre idêntica, e aí reside sua principal divergência da escrita. Assim coloca Farias:

Embora qualquer um destes processos possa resultar em uma fonte tipográfica do ponto de vista do design de tipos, dentro da esfera do design com tipos é importante diferenciar a tipografia, enquanto processo mecânico ou automatizado para a obtenção de caracteres regulares e repetíveis, da caligrafia (processo manual para a obtenção de letras únicas, a partir de traçados contínuos a mão livre) e do letreiramento (processo manual para a obtenção de letras únicas, a partir de desenhos) (Farias, 2004. Anais). Em 1990 os designers holandeses Eric Van Blokland e

Just Van Rossum desenvolveram a Beowolf, uma fonte tipográfica digital lançada pela Fontshop, com um fator de imprevisibilidade. As fontes digitais são programas de computador – de modo que contêm três níveis de acaso e, sendo assim, um caractere nunca será igual duas vezes. Ou seja, há diversas opções de design para cada letra do alfabeto (Fonseca, 1996, p.33). Um número ilimitado de combinações entre os diferentes designs, proporcionados pelo encontro de letras de uma palavra. Farias realizou um estudo de caso da fonte Beowolf, em seu livro Tipografia digital (2001), no qual aponta:

Embora na tela e em seu código a fonte permaneça a mesma, os caracteres de Beowolf nunca são atualizados pela impressora com as mesmas linhas de contorno. Eles são sempre ocorrências novas e bastante imprevisíveis (Farias, 2001, p. 78). Essa possibilidade de escrever através de um teclado –

tarefa automatizada – aliada ao fator aleatório veio desafiar a própria definição tradicional do termo tipografia:

Os algoritmos utilizados na descrição de fontes digitais, ainda mais do que os sistemas de fotocomposição e offset, contribuíram para um controle maior sobre as formas dos caracteres, sugerindo a existência de tipos “perfeitos”, absolutamente coerentes e confiáveis. É interessante perceber que estes mesmos algoritmos permitem que se crie uma fonte onde o usuário não tem nenhum – ou muito pouco – controle sobre estas formas (Farias, 2001, p. 79).

2.1. Tipografia: Legibilidade e Expressividade

Há duas questões centrais intrínsecas à atividade da tipografia do ponto de vista do designer gráfico. Pode-se dizer que a tipografia envolve duas funções concomitantes,

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que, por vezes, podem ser até contraditórias e excludentes. De qualquer modo, voluntariamente ou não, ao trabalhar a formatação da tipografia é impossível para o designer não se deparar com as questões pertinentes tanto à legibilidade e leiturabilidade como à expressividade. Bringhurst assim descreve o paradoxo das funções tipográficas:

Em um mundo repleto de mensagens que ninguém pediu para receber, a tipografia precisa frequentemente chamar a atenção para si própria antes de ser lida. Para que ela seja lida, precisa contudo abdicar da mesma atenção que despertou. A tipografia que tem algo a dizer aspira, portanto, a ser uma espécie de estátua transparente. (…) (Bringhurst, 2005, p. 23). A legibilidade e a leiturabilidade dizem respeito à

função primordial da tipografia, à qual ela foi inicialmente idealizada, que é a de proporcionar acesso ao conteúdo semântico do texto, através da visualização da linguagem. Ou seja, em outras palavras, viabilizar a leitura de um texto e a compreensão do mesmo pelo leitor – entendido como fator cognitivo associado à facilidade de decodificação da tipografia. Sob esse ponto de vista, a tipografia passa a ser um instrumento, possibilitando que uma mensagem possa ser transmitida do escritor até o leitor, por meio de um código visual organizado pelo designer. Para que esse processo de comunicação ocorra com sucesso, será imprescindível que o designer se preocupe em proporcionar uma boa e confortável leiturabilidade através dos parâmetros que definir para a tipografia, sendo eles: escolha da fonte ou combinação de famílias, tamanho do corpo da fonte, espacejamentos entrelinhas e entreletras, entre outros que afetam a formatação. O termo legibilidade refere-se à qualidade de leitura que é intrínseca às características individuais do desenho de cada caractere de uma fonte. Leiturabilidade diz respeito à qualidade de leitura proporcionada pelo conjunto de parâmetros visuais aplicados a um texto – parâmetros da dita formatação.

A segunda questão que se coloca ao designer, e não menos importante, envolve a mensagem visual implícita à imagem do texto – configuração visual que o texto assume, devido aos parâmetros aplicados à tipografia, e que se refere a seu potencial expressivo. Se, por um lado, os fatores legibilidade e leiturabilidade definirão a qualidade do acesso ao sentido denotativo de um texto, será a sua configuração visual que trará à tona certos sentidos conotativos para o mesmo. Desse modo, o designer deverá estar atento a ambas as funções, que em última instância, estão atreladas à percepção, tanto aquela de natureza bastante objetiva quanto aquela relativa ao caráter expressivo ou imagético do texto, e cuja natureza é deveras subjetiva.

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2.2. Tipografia como Código

Em semiótica, um código corresponde a um sistema de signos que assume relações que, por sua vez, geram significados. Lupton e Miller inicialmente questionam, para depois afirmarem:

Que tipo de sistema semiótico é a tipografia? O alfabeto foi designado para representar a fala. A escrita é portanto uma linguagem que descreve outra linguagem, um conjunto de signos para representar outros signos. O design de fontes é levado ainda mais adiante: é um meio cuja significação não é a palavra, mas sim, o alfabeto (Lupton e Miller, 2000, p.55)2. O alfabeto pode ser classificado, de acordo com

Guiraud (Guiraud apud Mollerup, 1999, p. 80-81), como um código lógico da categoria dos paralinguísticos, sendo que um código lógico é do tipo objetivo com uma forte, e geralmente explícita, convenção. Ainda segundo Guiraud, do outro lado, em oposição aos códigos lógicos, estariam os códigos expressivos e subjetivos, tais como a moda, os rituais e as artes. No entanto, os códigos geralmente permeiam uma intersecção entre puramente lógicos e puramente expressivos. A tipografia, por exemplo, é a manipulação de um código lógico – o alfabeto – e o designer determina seu arranjo visual e espacial. Na tipografia pós-moderna especificamente – objeto de interesse desta tese – a manipulação do código (neste caso, as letras propriamente ditas) é livre das convenções funcionalistas e estruturalistas. Assim, o código torna-se não somente lógico como também expressivo e subjetivo, pois estará sujeito aos sentimentos, à carga emotiva do designer/tipógrafo, e a suas escolhas e interpretações acerca do conteúdo do texto em questão.

2.3. Abordagens Tipográficas

Sendo o enfoque desta tese a tipografia pós-moderna, faz-se imprescindível apresentar algumas abordagens ou vertentes distintas acerca de tipografia, visando elucidar sobre o caráter pós-moderno que esta assume, quando confrontada com as demais Escolas. Para compreender os princípios que definem a tipografia pós-moderna é necessário compreender os cânones que postulam a tipografia clássica e a tipografia moderna, muito embora Heller e Fili (1999) proponham ainda muitas outras vertentes, anteriores à pós-

2 Tradução da autora.

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moderna, a saber: pre-modern, early modern, avant-garde modern, commercial modern, late modern e eclectic modern.

De acordo com Saussure ([1915] 1946), a tipografia é entendida como um ofício que presta serviço à linguagem, representando-a visualmente, e portanto a ela está submetida. Sob essa ótica deverá, por conseguinte, reproduzir de forma análoga, sobre a página, as características intrínsecas à linguagem verbal, tais como: sequência, ritmo, pausa, ênfase, entonação, entre outras. Sendo assim, deverá elucidar a respeito do conteúdo para o qual está servindo, fazendo deste, e não de si mesma, o protagonista da página. Em última instância, a tipografia seria a interface visual entre o autor do texto e seu leitor, determinando no espaço que ocupa o menor nível de ruídos possível para que esta comunicação se dê da forma mais eficaz.

A preocupação com as questões de legibilidade e leiturabilidade na tipografia nascem com ela em meados do século XV. Gutenberg empenhou-se em transpor para a sua fonte, estilo e textura, as qualidades visuais dos textos manuscritos da época – de modo que não houvesse rejeição aos textos, agora impressos. As primeiras fontes romanas – as Humanistas, surgidas também no século XV na região geográfica hoje correspondente ao território da república Italiana – visavam simular os parâmetros visuais pertinentes à escrita e determinados pelos instrumentos utilizados para escrever naqueles tempos. A fonte tipográfica Garamond, ainda nos dias de hoje uma das mais indicadas para utilização em massas de texto, foi criada pelo francês Claude Garamond entre 1540 e 1545, apresentando claro refinamento sobre os tipos Humanistas-Venezianos, que lhe serviram de modelo (Pereira, 2004). Esse requinte deve ser entendido como um aprimoramento no processo de gravação, fundição e impressão dos tipos, que passaram a se diferenciar cada vez mais das letras manuscritas. Assim coloca Meggs:

As fontes que Garamond gravou durante os anos 1540 atingiram a maestria da forma visual e um desenho mais estreito, que permitiu um espacejamento entrepalavras mais apertado, assim como uma harmonia entre o design das capitulares, das letras da caixa baixa, e dos itálicos. Esses tipos permitiram a livros como o francês Poliphili, impresso por Jacques Kerver em 1546, manter o status de benchmarks da beleza tipográfica e da leiturabilidade até os dias de hoje. A influência da escrita como modelo diminuiu no trabalho de Garamond, pois a tipografia estava se desenvolvendo como uma forma de linguagem enraizada no processo da confecção de punções de aço, fundição de tipos de metal, e na impressão, ao invés de imitar as formas criadas pelo gesto manual com a pena entintada sobre o papel (Meggs, 1998, p. 108)3. 3 Tradução da autora.

Figura 2.4 – Fonte humanista para a obra De Aetna, de Pietro Bembo. Veneza, 1495. Serviram de modelo para Garamond no século XVI. (Meggs, 1998, p. 100).

Figura 2.5 – Tipografia humanista na página tipográfica da obra Hypnerotomachia Poliphili, do editor Aldus Manutius, 1499. (Meggs, 1998, p. 100).

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Com o passar do tempo e disseminação da informação

por meios impressos, a tipografia foi evoluindo e conquistando cada vez mais autonomia em relação à escrita. O elo de semelhança entre ambas, outrora almejado pelos tipógrafos, foi-se diluindo até desaparecer por completo com o surgimento das fontes grotescas, popularmente chamadas sem-serifa, no século XIX. Em 1695, Louis Simmoneau gravou em chapas de cobre, as quais também imprimiu, as letras-modelo encomendadas pelo Rei Luis XIV – fonte denominada de Roman Du Roi. Para tanto, utilizou-se de um diagrama modulado – um grid, de base geométrica.

Philippe Grandjean posteriormente produziu as matrizes tipográficas dessa fonte tipográfica real, baseando-se nos modelos de Simmoneau (Meggs, 1998, p. 117). A Roman Du Roi representa o princípio da abstração da tipografia em relação à escrita e à racionalização no desenho das letras. Também na França, c. 1737-1768, Fournier Le Jeune propõe o primeiro sistema de medidas tipográficas para padronizar e otimizar a produção de impressos em geral. Esses fatos denotam uma busca pela escrita ideal – em termos de performance tanto nos quesitos funcionais quanto no estilo – sintetizada na frase de Giambbattista Bodoni: “Eu desejo tão-somente o magnífico, e eu não trabalho para o vulgar” (Pereira, 2004, p. 29).

Em uma visão também alinhada aos princípios clássicos, Bringhurst (2005, p. 31) indica que a tipografia deveria prestar os seguintes serviços ao leitor:

• convidá-lo à leitura; • revelar o teor e o significado do texto; • tornar clara a estrutura e a ordem do texto; • conectar o texto a outros elementos existentes;

Figura 2.6 – As letras genuínas de Claude Garamond só foram identificadas corretamente há cerca de 60 anos. (http://tipografos.net/tipos/garamond.html em 22/08/2010).

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• induzir a um estado de repouso energético, que é a condição ideal da leitura.

A tipografia clássica ou tradicional tem por princípio

proporcionar a organização e legibilidade do texto, consequentemente o acesso a seu conteúdo. Portanto, todas as variáveis ou parâmetros de estilo a ela aplicáveis deverão visar a esse fim. São eles: definição de fontes tipográficas, corpo, caixa, espacejamentos, alinhamento, recuo. Tornar a leitura uma experiência agradável, sem sobressaltos ou ambiguidades, seria o ideal da abordagem tradicional da tipografia. A abordagem moderna desenvolve-se sobre o paradigma funcionalista, assim descrito por Villas-Boas:

O funcionalismo é a aplicação prática do racionalismo e, em sua concepção modernista, tem origem na arquitetura, tendo seus pressupostos básicos estabelecidos em alguns volumes emblemáticos do modernismo, como Arquitetura Internacional, de Gropius (1925) e Estilo Internacional, de Philip Johnson e Russel Hitchcock (1932). Sua aplicação ao design seguiu o princípio geral de que os elementos estético-formais devem estar diretamente ligados à função do objeto, e dependente dela: a forma nascendo do respeito puro à função (...) (Villas-Boas, 1998, p.87). Os princípios da tipografia funcionalista foram

minuciosamente identificados e descritos pelo tipógrafo Jan

Figuras 2.7 – Letras gravadas por Louis Simonneau que serviram de gabarito para a construção da fonte tipográfica Roman du Roi, 1695. (Meggs, 1998, p. 118).

Figura 2.8 – Clássica página de John Baskerville para Bucolica, Georgica, et Aeneis, de Vergil, 1757. O tipógrafo baseou seu layout na disposição simétrica das letras e no espacejamento. (Meggs, 1998, p. 123).

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Tschichold em Tipografia elementar (1925), escrito por ocasião de uma visita à exposição dos resultados dos trabalhos da Bauhaus em Weimar, no ano de 1923. As ideias postuladas nesta sua primeira abordagem do assunto contribuíram para uma ruptura da tipografia com o ornamento encontrado no sistema clássico editorial dominante, no começo do século XX. Tischchold foi um dos responsáveis pela introdução do Movimento Moderno na tipografia, o maior defensor da Nova Tipografia – termo cunhado por Moholy-Nagy no catálogo da citada exposição de 1923. No referido livro, Tschichold apresenta seus “dez mandamentos”, expondo propostas da nova tipografia, em detrimento das ideias ultrapassadas. Surgiram aí os elementos iniciais para, três anos mais tarde, ser lançada sua obra máxima: A nova tipografia (1926).

Os ideais dessa nova tipografia refutavam a proximidade, ou semelhança, com os impressos rebuscados, com as caligrafias ornamentais – ou com qualquer excesso de elementos – na comunicação. Rejeitavam a simetria, sugerindo a economia de elementos, a limpeza racional da página impressa, a comunicação mais direta e efetiva – utilizando-se de fontes sem-serifa – design assimétrico e grande contraste de cores e formas. Entretanto, possuía mais em comum com a tipografia clássica do que com a pós-moderna. Da clássica, a tipografia moderna – ou Nova Tipografia – herdou os princípios descritos por Bringhurst

Figura 2.9 – Página dupla de Jan Tschichold para Tipografia elementar, 1925. As linhas em bold pontuam o espaço, enquanto o ensaio explica a nova abordagem. (Meggs, 1998, p. 320).

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(2005): revelar teor e significado textual; tornar clara a estrutura e a ordem do texto; e proporcionar condições ideais de leitura.

Na contramão de alguns dos preceitos clássicos, e opondo-se fortemente à nova tipografia, a pós-moderna – cujas manifestações embrionárias surgiram na década de 70 – apresenta outros princípios. Ou melhor, prima pela ausência deles. As numerosas e variadas manifestações tipográficas, reunidas sob a alcunha de pós-modernas, revelam como traço comum a rejeição aos dogmas funcionalistas da nova tipografia, e resgatam alguns princípios da tipografia clássica, como a preocupação com o estilo individual e uso do ornamento. Tudo isso reunido sob o amálgama do computador, como pondera Fonseca:

Os conceitos que aparecem como característicos da pós-modernidade são identificáveis com os procedimentos propostos pela relação interativa de trabalho na computação gráfica (...). Jogo (em oposição a propósito), acaso (em oposição a projeto), processo, performance, são termos recorrentes quando se trata da natureza do meio eletrônico de produção de imagens. É significativo que o computador já tenha sido descrito como um meio pós-moderno (Fonseca, 1996, p 46).

Figura 2.10 – Capa de Jan Tschichold para Tipografia elementar, 1925. (Meggs, 1998, p. 320).

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