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5/17/2018 2-Prop.Elsticas-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/2-prop-elasticas 1/27 Propriedades Físicas dos Materiais Prof. Sérgio de Souza Camargo Jr. Capítulo 2: Energia de coesão e propriedades elásticas 2.1. Introdução Uma das propriedades mais básicas dos materiais sólidos é sua resistência mecânica, a capacidade de resistir a deformações ou alterações em seu formato original. As diferentes maneiras com que os materiais sólidos reagem quando sujeitos a esforços mecânicos são objeto de nosso aprendizado desde cedo. Assim, todos sabemos que alguns materiais resistem fortemente às deformações, enquanto outros mudam de forma dramaticamente, e outros ainda podem quebrar-se facilmente em pedaços.  A maior parte dos sólidos, quando sujeita à ação de forças, apresenta deformações tão pequenas que somente com instrumentos muito precisos somos capazes de mensurar. Dentro de certo limite, estas pequenas deformações são reversíveis e assim, ao cessar a aplicação da força, o material retorna à sua forma original. Exceções são alguns tipos de polímeros, como os elastômeros, que têm a capacidade de apresentar deformações muito grandes e ainda assim voltar à sua forma inicial. Este processo, no qual as deformações são reversíveis, é chamado deformação elástica.  A figura 2.1 mostra uma curva típica obtida em um ensaio de tração de um material dútil. Estão assinalados, o denominado limite elástico, que corresponde ao ponto onde a curva se desvia da linearidade (e que é, em geral, de difícil determinação), o limite de escoamento (σ  Y - o valor de tensão para o qual a deformação é 0,2% maior que o predito pela lei de Hooke), e o ponto de fratura (F)  1 .  Além do limite elástico, atinge-se a chamada região plástica, onde o material passa a apresentar deformações permanentes. Este caso, no entanto, não será tratado aqui. É também de conhecimento geral que os sólidos muito resistentes à deformação também possuem grande resistência a altas temperaturas, apresentando alto ponto de fusão. O objetivo deste capítulo é colocar esta relação quase intuitiva entre coesão da 1 O leitor que não está bem familiarizado com estes conceitos deve consultar qualquer livro de Ciência dos Materiais, como por exemplo, o excelente livro de W. D. Callister.

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Capítulo 2:Energia de coesão e

propriedades elásticas

2.1. Introdução

Uma das propriedades mais básicas dos materiais sólidos é sua resistênciamecânica, a capacidade de resistir a deformações ou alterações em seu formatooriginal. As diferentes maneiras com que os materiais sólidos reagem quando sujeitos aesforços mecânicos são objeto de nosso aprendizado desde cedo. Assim, todossabemos que alguns materiais resistem fortemente às deformações, enquanto outrosmudam de forma dramaticamente, e outros ainda podem quebrar-se facilmente empedaços.

 A maior parte dos sólidos, quando sujeita à ação de forças, apresentadeformações tão pequenas que somente com instrumentos muito precisos somoscapazes de mensurar. Dentro de certo limite, estas pequenas deformações sãoreversíveis e assim, ao cessar a aplicação da força, o material retorna à sua formaoriginal. Exceções são alguns tipos de polímeros, como os elastômeros, que têm acapacidade de apresentar deformações muito grandes e ainda assim voltar à sua formainicial. Este processo, no qual as deformações são reversíveis, é chamado deformaçãoelástica.

 A figura 2.1 mostra uma curva típica obtida em um ensaio de tração de um

material dútil. Estão assinalados, o denominado limite elástico, que corresponde aoponto onde a curva se desvia da linearidade (e que é, em geral, de difícildeterminação), o limite de escoamento (σ Y  - o valor de tensão para o qual adeformação é 0,2% maior que o predito pela lei de Hooke), e o ponto de fratura (F)  1. Além do limite elástico, atinge-se a chamada região plástica, onde o material passa aapresentar deformações permanentes. Este caso, no entanto, não será tratado aqui.

É também de conhecimento geral que os sólidos muito resistentes à deformaçãotambém possuem grande resistência a altas temperaturas, apresentando alto ponto defusão. O objetivo deste capítulo é colocar esta relação quase intuitiva entre coesão da

1 O leitor que não está bem familiarizado com estes conceitos deve consultar qualquer livro de Ciênciados Materiais, como por exemplo, o excelente livro de W. D. Callister.

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rede e propriedades elásticas, em bases físicas mais sólidas por meio da análise daenergia de coesão da rede cristalina e da interação entre os átomos que a formam.

Figura 2.1 – Curva tensão x deformação para um material dútil. Os pontos assinalados correspondem ao limite elástico, limite de escoamento ( σ Y  ) e à fratura (F).

2.2. Deformação elástica

Dentro do regime elástico, as tensões mecânicas aplicadas e deformaçõesresultantes são proporcionais entre si. Por exemplo, para uma tensão uniaxial aplicadaem tração vale a relação:

ε  (2.1). E =σ 

 onde σ é a tensão aplicada, ε a deformação resultante e E é o chamado módulo

de elasticidade ou módulo de Young do material. Da mesma forma sob tensãocisalhante:

(2.2)γ .G=τ  onde agora τ é a tensão, γ a deformação resultante e G é o chamado módulo de

cisalhamento. De maneira análoga, sob ensaio hidrostático (ver nota 2.1):

V  BdP .−=

dV (2.3)

sendo P a pressão hidrostática, dV/V a variação relativa de volume da amostracausada pelo acréscimo de pressão dP e B seu módulo de compressibilidade. O sinal

negativo denota que um aumento da pressão acarreta numa diminuição do volume dosólido.

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Como em qualquer um destes casos a propriedade que está sendo analisada é aresistência do material a ação de esforços mecânicos, é razoável esperar que haja umainter-relação entre os três parâmetros E, G e B. De fato, estas relações são dadas por:

)1(2 ν += G E  (2.4)

)21(3 ν −= B E  (2.5)

Onde ν, a chamada razão de Poisson, é uma medida de quanto o sólido sedeforma nas direções transversais à direção de deformação (veja, por exemplo,Callister, 1997). Desta maneira, pode-se também escrever:

12

−=G

 E ν  (2.6)

Na tabela 2.1 abaixo estão apresentados valores de E, G, B e ν para algunsmetais.

Metal B (GPa) E (GPa) G (GPa) ν 

 Ag 100,03 78,94 27,85 0,38 Al 73,16 70,51 26,77 0,34 Au 171,62 78,65 27,65 0,42Co 183,38 200,06 74,82 0,31Cr 190,25 235,36 88,26 0,30Cu 137,29 122,58 45,50 0,34Fe 168,68 212,80 83,06 0,28Mn 124,54 21,57 76,49 0,24Nb 163,77 103,95 36,58 0,38Ni 183,38 201,04 76,98 0,31Sb 41,38 16,28 5,59 0,44Sn 50,99 54,33 20,40 0,33

Ti 117,68 105,91 39,81 0,34W 312,83 388,34 148,08 0,29

Tabela 2.1 – Propriedades mecânicas de alguns metais policristalinos puros a 20 ºC (fonte: W.J. McGregor Tegart, Elements of Mechanical Metallurgy, Mac Millan, New York, 1966).

 A figura 2.2 ilustra a relação existente entre o valor do limite de escoamento e omódulo de elasticidade dos mais diversos materiais.

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Figura 2.2 – Relação em escala log-log entre o limite de escoamento e o módulo de elasticidade de materiais diversos. 

Nota 2.1: O ensaio hidrostático

O ensaio hidrostático é um ensaio mecânico volumétrico onde a tensão mecânicaaplicada atua em todas as direções de forma isotrópica. Na prática isto é realizado pormeio da aplicação de pressão num fluido qualquer onde o corpo de prova se encontraimerso. A figura 2.3 abaixo ilustra este procedimento.

O módulo de compressibilidade pode então ser calculado por:

V V 

 AF 

deformação

tensão B

 / 

 / 

Δ−== (2.7)

Note que o sinal negativo é necessário, pois um aumento da tensão causa umaredução no volume, ao contrário dos outros ensaios mecânicos mencionados. Nestaexpressão F/A é simplesmente a pressão aplicada ao fluido. Desta maneira, podemosescrever o modulo de compressibilidade como:

V V 

P B

 / ΔΔ

−= (2.8)

que é análoga à expressão 2.3 acima.

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Figura 2.3 – Ilustração esquemática de um ensaio hidrostático mostrando a atuação da força de forma isotrópica.

2.3. Propagação de ondas mecânicas em sólidos homogêneos e isotrópicos

 Até aqui foram considerados casos onde as forças que atuam sobre o materialsão estáticas, isto é, não variam no tempo, ou variam de forma muito lenta, ou seja, deforma quase estacionária. Em geral, quando um sólido é submetido a uma forçadependente do tempo, deformações dinâmicas aparecerão e, conseqüentemente, estaspoderão se propagar na forma de ondas mecânicas. Um exemplo comum disto é a

propagação de som em meios sólidos. Não é difícil perceber que, se estas deformaçõesforem suficientemente pequenas, as propriedades mecânicas dinâmicas e estáticas dossólidos devem guardar uma estreita relação entre si.

Quando uma tensão mecânica dependente do tempo é aplicada em um sólidohomogêneo e isotrópico, uma onda de deformação deverá se propagar de acordo coma equação de onda:

0),(1

),(2

2

2

2 =∂

∂−∇

t r u

ct r u

r

r

(2.9)

onde c é a velocidade de propagação da onda neste sólido.

Para uma onda se propagando ao longo do eixo x, a equação de onda se reduza:

0),(1),(

2

2

22

2

=∂

−∂ t  xu

∂∂ t c x

t  xu(2.10)

Com solução dada por:

)](exp[),( 0 wt kxiut  xu ±−= (2.11)

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Substituindo a solução acima na equação de onda, obtém-se uma relação dedispersão linear:

ck w = (2.12)

Esta relação de dispersão é típica de meios não dispersivos, ou seja, meios emque a velocidade de propagação da onda é constante, não dependendo do seucomprimento de onda ou freqüência. Podemos citar como exemplos de sistemas destetipo, além da propagação de som em sólidos, líquidos e gases, a propagação de umaonda eletromagnética no vácuo ou no ar, e em certos casos a propagação de ondas nasuperfície de fluidos. De fato, neste caso a velocidade de propagação da onda(velocidade de grupo) é igual a:

cdk 

dwvg

== (2.13)

ou seja, independe de w ou k. Em casos como este, um pulso de formatoarbitrário se propagará ao longo do meio sem distorção (veja figura 2.4.a).

Por outro lado, quando a velocidade de propagação de uma onda não é umaconstante, ou seja, depende do comprimento de onda ou freqüência, diz-se que o meioé dispersivo, pois o pulso será distorcido (alargado) à medida que se propaga ao longodo meio (veja figura 2.4.b). Este é o caso típico da propagação de ondaseletromagnéticas em muitos sólidos, como por exemplo, o caso da luz se propagando

em um vidro. É o fenômeno de dispersão, ou seja, a dependência da velocidade depropagação com a frequência (ou comprimento de onda) que faz com que a luz brancase disperse na cores do arco-íris ao passar por um prisma.

(a)

(b) 

Figura 2.4 – Ilustração esquemática da propagação de um pulso ao longo de um meio não dispersivo (a) e dispersivo (b).

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No caso particular de uma onda longitudinal se propagando ao longo de umabarra longa e estreita, a velocidade da onda é simplesmente a velocidade depropagação do som no sólido, dada por:

 ρ 

 E vc S L == (2.14)

E para uma onda transversal:

 ρ 

GcT  = (2.15)

onde ρ é a densidade (massa/volume) do meio em questão.

Desta forma, o conhecimento das propriedades elásticas dos materiais permite aobtenção da velocidade de propagação de ondas sonoras e vice-versa. É baseado nestefato que se pode estimar o módulo de elasticidade de um material através da medidada velocidade de propagação de um pulso ultra-sônico. A tabela 2.2 mostra valores davelocidade de propagação de ondas sonoras longitudinais e transversais em algunsmetais, cerâmicos e polímeros.

Categoria Material cL(m/s) cT(m/s)

Metais

 Alumínio, Al 6374 3111Berílio, Be 12890 8880Cobre, Cu 4759 2325

Chumbo, Pb 2160 700Cromo, Cr 6608 4005

Estanho, Sn 3380 1594Ferro, Fe 5957 3224

Magnésio, Mg 5823 3163Molibdênio, Mo 6475 3505

Nióbio, Nb 5068 2092

Níquel, Ni 5700 3000Ouro, Au 3240 1200Platina, Pt 3260 1730Prata, Ag 3704 1698

Tântalo, Ta 4159 2036Titânio, Ti 6130 3182

Tungstênio, W 5221 2887Urânio, U 3370 1940

 Vanádio, V 6023 2774Zinco, Zn 4187 2421

Zircônio, Zr 4650 2250

Isolantes eSemicondutores

Boro 16200Silício 2200

Selênio 3350

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Telúrio 2610 Antimônio 3420Germânio 5400

Cerâmicos

Carbono (diamante) 18350 9200 Vidro (crown) 5660 3420

 Vidro (heavy flint) 5260 2960 Vidro (pyrex) 5640 3280Cristal de quartzo 5720Quartzo fundido 5970 3765

Concreto 4250 - 5250

Polímeros

Polietileno 2000 3111Poliestireno 2350 1120

PVC 2300Borracha 1600 4005

Tabela 2.2 – Velocidade de propagação de ondas sonoras em sólidos (fontes: de Podesta, 1996 e http://www.webelements.com).

Nota 2.2: Propagação do som

Convenciona-se denominar de som, as ondas mecânicas com freqüência audívelpara o ser humano, o que corresponde ao intervalo de freqüências 20Hz < ν < 20kHz.

 Acima deste intervalo (até centenas de MHz) situa-se a faixa denominada de ultra-som. A tabela 2.3 traz valores da velocidade de propagação do som no ar, água e nummaterial sólido típico, e valores dos comprimentos de onda correspondentes aos limitesdo intervalo de freqüências das ondas sonoras.

Meio vS (m/s) λ (m) @ ν = 20Hz λ (m) @ ν = 20kHz

 Ar 340 17 0.017 Água 1400 70 0.070Sólido ~ 5000 250 0.25

Tabela 2.3 – Propriedades de ondas sonoras no ar, água e um material sólido típico.

Conforme se pode notar, a velocidade de propagação do som é bastante maiornos meios mais rígidos (sólido ou líquido) do que num gás (ar). Pode-se observartambém que os comprimentos de ondas sonoras se situam na faixa de algunscentímetros a centenas de metros, dependendo da freqüência e do meio considerado.Deve-se notar também que em um meio como o ar, o som é uma onda longitudinal,pois ondas transversais não se propagam em um gás. Num sólido, por outro lado,pode-se ter ondas sonoras tanto longitudinais quanto transversais.

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2.4. O módulo de compressibilidade e o potencial interatômico

De um ponto de vista microscópico, as propriedades elásticas de um sólido sãodeterminadas pelas forças de interação entre os átomos que o compõe. Considerando,por simplicidade, um sólido unidimensional de comprimento L, como sendo constituído

por uma cadeia de N átomos separados pela distância internuclear r, então L = N.r, e adeformação pode ser escrita como:

r  L==ε dr dL

(2.16)

Ou seja, a deformação macroscópica (dL/L) é igual à deformação microscópicadas ligações químicas que compõe o sólido (dr/r). Assim, quando o sólido é submetidoa um ensaio de tração, por exemplo, está se ensaiando a força de interação entre osátomos que o compõe. Quando cessa a ação da força, o sólido volta à situação original,

pois seus átomos retornam à suas posições de equilíbrio. Obviamente, esta afirmaçãosó é válida no dentro do limite elástico.

De um ponto de vista macroscópico, por outro lado, quando um ensaio mecânicoé realizado, a aplicação de uma força ao sólido acarreta em um aumento da suaenergia potencial interna. Tanto é assim, que quando a força cessa sua ação, o sólidovolta a suas dimensões iniciais realizando trabalho. No caso de um ensaio hidrostático,por exemplo, o aumento da energia interna está relacionado ao produto da pressãoaplicada pela variação de volume.

Da termodinâmica temos que:

PdV TdSdE  −= (2.17)

 A temperaturas suficientemente baixas ou, de forma equivalente, supondo que omaterial é comprimido a temperatura constante, o acréscimo na energia interna seráigual ao trabalho realizado, de forma que podemos escrever:

PdV dE  −= (2.18)

Donde:

dV 

dE P −= (2.19)

 Assim sendo, e utilizando a expressão 2.3 para o módulo de compressibilidade,podemos escrever:

2

2

dV 

 E d V  B = (2.20)

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Esta é uma relação macroscópica, ou seja, expressa a dependência do módulode compressibilidade com a energia interna do sólido como um todo. Gostaríamos derelacionar B com U(r) - uma quantidade microscópica - a energia potencial de interaçãoentre um par de átomos ou moléculas que compõem o sólido como função da distânciaentre eles.

Na análise que se segue, três suposições são fundamentais: (i) que somenteexista interação entre átomos vizinhos, esta suposição pode ser boa em alguns casosou ruim em outros, como no caso dos cristais iônicos que veremos mais adiante. Asegunda suposição é (ii) que a energia de interação entre um par de átomos vizinhosnão seja afetada pela presença de um terceiro átomo. Assim, a energia de ligação totaldo sólido será a soma das energias de interação entre todos os seus pares de átomos,e finalmente (iii) que a rede seja rígida o suficiente para que se despreze o movimentode vibração dos átomos, ou seja, sua energia cinética. Desta maneira, desprezando-seefeitos de superfície, a energia total do sólido E(r) também pode ser escrita como

sendo igual a energia U(r) entre um par de átomos multiplicada pelo número de paresde átomos existentes no sólido. Ou seja:

)(2

1)( r  NzU r  E  = (2.21)

Onde z é o número de coordenação (número de vizinhos) médio e N o númerototal de átomos da rede. O fator ½ aparece de forma que não se conte duas vezes omesmo par de átomos.

Considerando que existe uma função que relaciona o volume V de um sólido coma distância r entre seus átomos, podemos escrever:

2

2

2

2

2

2

2

⎟ ⎠

 ⎞⎜⎝ 

⎛ +=dV 

dr 

dr 

 E d 

dV 

r d 

dr 

dE 

dV 

 E d (2.22)

Mas, como no limite elástico as deformações são muito pequenas, devemosconsiderar r aproximadamente igual a distância interatômica de equilíbrio a0, quecorresponde ao mínimo da energia. Desta forma, temos que dE/dr = 0, logo:

00

2

2

2

2

2

ar ar dV 

dr 

dr 

 E d 

dV 

 E d 

== ⎥⎥⎦

⎢⎢⎣

⎡⎟ ⎠ ⎞

⎜⎝ ⎛ =⎥

⎤⎢⎣

⎡(2.23)

Em função da distância r entre os átomos, o volume do sólido pode ser escritocomo V = N. k. r3, onde a constante k pode ser determinada, uma vez conhecida aestrutura cristalina do sólido em questão. Assim, utilizando a eq. 2.20, temos que:

0

2

2

09

1

ar 

dr 

 E d 

 Nka B

=

⎤⎢

⎡= (2.24)

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E, substituindo 2.21 em 2.24, temos finalmente a expressão para o módulo decompressibilidade:

0

2

2

018 ar dr 

U d 

ka

 z B

=

⎤⎢

⎡= (2.25)

O que mostra que o módulo de compressibilidade é proporcional à segundaderivada da energia de interação entre um par de átomos U(r) (vide figura 2.6) ou àderivada da força de interação entre estes átomos F(r) (figura 2.5), em r = a0.

2.5. O potencial interatômico

Dificilmente se conhece em detalhe as forças de interação entre os átomos de

um sólido qualquer. No entanto, considerando a interação entre um par de átomos, équalitativamente razoável admitir que esta força deva apresentar uma dependênciacom a distância interatômica r que tende a zero quando os átomos estão muitoafastados, já que nesta situação não devem interagir, e tende a ser infinitamenterepulsiva para distâncias muito pequenas, devido à forte repulsão entre suas nuvenseletrônicas. Entre estes dois extremos, tem-se a distância internuclear de equilíbrio (r =a0), na qual a força resultante que age sobre os átomos é nula. A figura 2.5 mostra umgráfico qualitativo da variação da força com a distância interatômica.

Figura 2.5 – Dependência qualitativa da força de interação F(r) entre dois átomos com a distância interatômica r, mostrando os casos de átomos unidos por uma ligação química forte (1) e uma ligação química fraca (2). O primeiro caso corresponde a um sólido mais rígido que o segundo. Por simplicidade escolheu-se a mesma distância de equilíbrio em ambos os casos.

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No caso de um par de átomos que interage fortemente, ou seja, quando aligação química é forte, será necessária uma força bastante grande para afastar ouaproximar os átomos em relação à posição de equilíbrio a (curva 1, figura 2.5). Nestecaso, a tangente dF/dr é grande e o sólido correspondente deve ser bastante rígido.Por outro lado, quando os átomos interagem mais fracamente (ligação química fraca) a

força necessária para produzir a mesma deformação no comprimento da ligaçãoquímica será menor que no caso anterior (curva 2, figura 2.5). Neste segundo caso, atangente dF/dr é menor e o sólido correspondente deve ser menos rígido que noexemplo anterior. Desta forma, é razoável que haja uma correspondência direta entreas propriedades elásticas de um sólido e a inclinação da curva F(r) em torno de r=a0.

Em termos da energia potencial de interação entre os átomos, a situação é talcomo ilustrada na figura 2.6. Para distâncias muito grandes os átomos não interagem,de forma que U(r) não varia com a distância e pode ser tomado como sendo nulo. Àmedida que os átomos se aproximam, passam a interagir atrativamente até que, para

distâncias muito pequenas U(r) se torna fortemente repulsivo. A distância de equilíbriocorresponde neste caso ao mínimo de U(r). Neste ponto a energia de interação vale –UL, onde UL é a energia de ligação do par de átomos.

Figura 2.6 – Dependência da energia potencial de interação U(r) entre um par de átomos com a distância interatômica r, mostrando os termos atrativo (U  A  ) e repulsivo (U R  ).

De maneira geral, a energia potencial de interação entre dois átomos oumoléculas de um sólido pode ser escrita como sendo a soma de duas contribuiçõesdistintas, uma atrativa que prevalece a distâncias relativamente grandes e uma parcelarepulsiva que atua mais intensamente a pequenas distâncias:

)()()( r U r U r U  −= A R (2.26)

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O termo atrativo é, em geral, bem aproximado por um potencial do tipocoulombiano, exceto para sólidos moleculares (ou de gases nobres) onde a atração édevida à interação de Van der Waals, que cai muito mais rapidamente com a distância.O termo repulsivo, devido à interação entre as nuvens eletrônicas, que é em grande

parte baseada no princípio de exclusão de Pauli, pode ser bem aproximado por umafunção exponencial, pois atua apenas a pequenos valores da distância interatômica. Noentanto, por motivo de simplicidade, neste momento é mais interessante considerareste outro termo também como uma lei de potência. Desta forma, U(r) pode ser escritocomo:

mn r 

 B

 Ar U  −=)( (2.27)

Onde A e B são constantes. Esta expressão, no caso de gases, líquidos apolares

e sólidos moleculares ou de gases nobres, assume a forma da famosa expressão dopotencial de Lennard-Jones, com n = 12 e m = 6. As constantes A e B podem serdeterminadas impondo-se as condições de que U(r) possui mínimo em r = a0 e que aenergia mínima (energia de ligação) vale – UL.

Uma forma conveniente de U(r), escrita em função da distância internuclear deequilíbrio e da energia de ligação do par de átomos, é dada por (veja Flowers eMendoza, 1970):

⎥⎥⎦

⎢⎢⎣

⎟ ⎠

 ⎞

⎜⎝ 

⎛ 

−⎟ ⎠

 ⎞

⎜⎝ 

⎛ 

⎟ ⎠ ⎞

⎜⎝ ⎛ 

−=

mn

 L r 

a

mr 

a

nmn

nm

U r U 00 11

)( (2.28)

onde UL e a0 já foram definidos anteriormente (veja figura 2.6). A tabela 2.4mostra valores aproximados de n e m utilizados para sólidos formados por diferentestipos de ligações químicas.

Sólido n m

Iônico (Born-Lánde) ≈ 9 1Halogeneto Alcalino 6 - 10 1Molecular (Lennard-Jones) 12 6

Metal 5 - 9 ≈ 1Metal alcalino 2 1

Tabela 2.4 – Valores aproximados dos parâmetros n e m da expressão da energia potencial U(r) (eq. 2.28) para diferentes tipos de sólidos.

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Tomando-se a expressão para a energia potencial U(r), eq. 2.28, e substituindo-se em 2.25, pode-se facilmente obter a relação entre o módulo de elasticidade e osparâmetros de U(r):

3

0.18 a

 znm

 BL

= (2.29)

Ou de outra forma, considerando em analogia a 2.21, a energia de ligação dosólido L = ½ N z UL :

 L

 L B ≈= β  (2.30)

onde L é a energia interna de um mol do sólido, V (= N A.k.a03) é seu volume

molar, e β uma constante que não difere muito da unidade. Desta forma, a eq. 2.30mostra que o módulo de compressibilidade de um sólido é simplesmente proporcional àsua energia interna por unidade de volume.

 A tabela 2.5 traz os valores de energia de ligação e volume molar para a maiorparte dos metais da tabela periódica. A comparação entre os valores obtidos para L/Vcom os do módulo de compressibilidade B pode ser apreciada na figura 2.X. Conformepode-se verificar, embora o modelo simples desenvolvido acima indique umaproporcionalidade entre estas duas quantidades, os dados experimentais sugerem umatendência a um comportamento ligeiramente supra-linear. No capítulo 4 voltaremos atratar do módulo de compressibilidade de materiais metálicos.

Metal L (kJ/mol) (1) V (10-6 m3 /mol) (2) L/V (GPa) B (GPa) (1) 

 Alumínio 327 10,0 32,7 72,2Bário 183 38,21 4,79 10,3Berílio 320 4,88 65,57 100,3Cádmio 112 13,0 8,62 46,7Cálcio 178 25,86 6,88 15,2Césio 77,6 70,96 1,09 2,0

Chumbo 196 18,26 10,73 43Cobalto 424 6,62 64,05 191,4Cobre 336 7,09 47,39 137Cromo 395 7,23 54,63 190,1

Estanho (beta) 303 16,24 18,66 111Estrôncio 166 34,5 4,81 11,6

Ferro 413 7,09 58,25 168,3Gálio 271 11,81 22,95 56,9Índio 243 15,71 15,47 41,1Irídio 670 8,57 78,18 355Ítrio 422 19,89 21,22 36,6

Lítio 158 13,0 12,15 11,6Magnésio 145 1,98 73,23 35,4

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Manganês 282 7,38 38,21 59,6Mercúrio 65 14,81 4,39 38,2

Molibdênio 658 9,39 70,07 272,5Nióbio 730 10,84 67,34 170,2Níquel 428 6,59 64,95 186

Ósmio 788 8,43 93,48 418Ouro 368 10,19 36,11 173,2Paládio 376 8,85 42,49 180,8Platina 564 9,10 61,98 278,3

Potássio 90,1 45,36 1,99 3,2Prata 284 10,27 27,65 100,7Rádio 160 45,2 3,54 13,2Rênio 775 8,86 87,47 372Ródio 554 8,29 66,83 380

Rubídio 82,2 55,79 1,47 3,1Rutênio 650 8,14 79,85 270

Sódio 107 23,68 4,52 6,8Tálio 182 17,24 10,56 35,9

Tântalo 782 10,87 71,94 200Titânio 468 10,55 44,36 105,1Tório 598 19,8 30,2 54,3

Tungstênio 859 9,53 90,14 323,2Urânio 536 12,56 42,68 98,7

 Vanádio 512 8,34 61,39 161,9Zinco 130 9,17 14,18 59,8

Zircônio 603 14,02 43,01 83,3

Tabela 2.5 – Energia de ligação L, volume molar V, razão L/V e módulo de compressibilidade B  para elementos metálicos (fontes: (1) Kittel, 2003 e (2) http://www.webelements.com) 

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0 20 40 60 80 100

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

 

   M  o   d  u   l  o   d  e

   C  o  m  p  r  e  s  s   i   b   i   l   i   d  a   d  e   (   G   P  a   )

HF

/ V (GPa)

 

Figura 2.X – Relação entre o módulo de compressibilidade B dos metais e sua energia interna  por unidade de volume L/V. A linha tracejada indica a tendência dos dados.

 A relação entre os valores de módulo de compressibilidade (e das propriedadeselásticas em geral) e a energia interna de um sólido depende essencialmente da formada curva U(r), que, por sua vez, depende fortemente do tipo de sólido considerado. Napróxima seção consideraremos o caso dos sólidos iônicos.

2.6. Os sólidos iônicos

No caso de sólidos iônicos, a energia potencial da interação atrativa entre os íonsé essencialmente coulombiana (ou seja, m = 1) e, portanto, de longo alcance. Destaforma, não é razoável supor, como fizemos nas seções anteriores, que somente existainteração entre átomos vizinhos. Neste caso, deve-se levar em conta a interação decada íon com todos os outros íons (positivos e negativos) da rede cristalina. Comoresultado disto, neste caso o termo atrativo será mais intenso que no caso de um par

de íons por um fator α, denominado constante de Madelung. Assim, a expressão

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para a energia potencial de interação entre os íons da rede, fica expressa pela chamadaequação de Born-Lánde:

 z ze

 Ar U 

n

0

21

2

4)(

πε 

α −= (2.31)

onde z1 e z2 são as valências dos íons que compõe o sólido e n é o chamadoexpoente de Born. O termo atrativo da expressão acima também é conhecido comoenergia de Madelung. A constante de Madelung pode ser determinada, bastandopara isto efetuar a soma de todas as contribuições atrativas e repulsivas devidas ainteração coulombiana de um íon com todos outros íons da rede. Assim, pode-seescrever para o i-ésimo íon:

ij

i j

 j

i

 A

 z zer U 

0

21

2

4

)(

πε 

±=∑≠

(2.32)

Onde a soma engloba todos os íons exceto i=j e o sinal negativo é utilizado paracargas de sinal contrário e o sinal positivo para cargas de mesmo sinal. Fazendo:

0a pr  ijij = (2.33)

Onde a0 é a distância entre átomos primeiro vizinhos do cristal. Assim,comparando-se 2.32 com o termo atrativo de 2.31, temos:

ij j p

1±∑=α  (2.34)

Desta maneira, fica claro que a constante de Madelung é um número quedepende apenas da geometria da estrutura cristalina e não da valência de seus íons oudo parâmetro de rede. Por exemplo, no caso da estrutura do NaCl, a soma acima fica:

1,74756...4

6

3

8

2

126 ≅⎥

⎤⎢⎣

⎡+−+−=α  (2.35)

Conforme pode ser verificado, a soma acima possui uma convergência bastantelenta. No entanto, rearranjando-se os termos de forma adequada pode-se melhorarmuito a convergência e obter α rapidamente (veja, por exemplo, Kittel, 1978). A Tabela2.8 lista os valores da constante de Madelung para diversas estruturas de cristaisiônicos.

Estrutura α 

Cloreto de cádmio (CdCl2) 2,244Cloreto de cálcio (CaCl2) 2,365

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Cloreto de césio (CsCl) 1,76267Cloreto de sódio (NaCl - sal gema) 1,74756Fluoreto de cálcio (CaF2 - fluorita) 2,51939Fluoreto de magnésio (MgF2) 2,381Iodeto de cádmio (CdI2) 2,355Óxido de alumínio α (Al2O3 - alumina) 4,1719Óxido cuproso (Cu2O) 2,22124Óxido de silício (SiO2 - sílica) 2,2197Dióxido de titânio (TiO2 - anatásio) 2,400Dióxido de titânio (TiO2 - rutilo) 2,408Óxido de zinco (ZnO) 1,4985Sulfeto de zinco cúbico (ZnS - blenda ou esfalerita) 1,63806Sulfeto de zinco hexagonal (ZnS - wurtzita) 1,64132

Tabela 2.8 – Valores da constante de Madelung para algumas estruturas cristalinas de cristais iônicos (fonte: CRC Chemistry and Physics Handbook).

Para maior diversidade do texto, nesta seção consideraremos um termo repulsivode forma exponencial, no lugar da lei de potência A/rn da equação 2.31. Estaexpressão, de acordo com a mecânica quântica, é mais razoável que aquela, poisreflete a dependência funcional das funções de onda eletrônicas. Assim, reescrevendo:

 z zer r U 

0

21

2

4exp)(

πε 

α 

 ρ λ  −⎟⎟

 ⎠

 ⎞⎜⎜

⎝ 

⎛ −= (2.36)

onde a intensidade λ e o alcance ρ do termo repulsivo, são constantes a seremdeterminadas. Diferenciando a expressão de U(r) em relação a r e utilizando o fato quea derivada é nula em r = a0, pode-se eliminar λ e a expressão para a energia de ligaçãofica2:

⎟⎟ ⎠

 ⎞⎜⎜⎝ 

⎛ −−=−==

000

21

2

0 14

)(aa

 z zeU ar U   L

 ρ 

πε 

α (2.37)

 A expressão em frente ao parêntesis é a chamada energia de Madelung, quese refere apenas à contribuição da interação coulombiana (atrativa ou repulsiva) de umdado íon com o restante do cristal. Note que o número entre parêntesis não diferemuito da unidade, uma vez que o alcance do termo repulsivo é bastante menor que adistância interatômica. Desta forma, espera-se que a energia de ligação de um cristaliônico seja dominada pelo termo de Madelung. A figura 2.7 mostra um gráfico

2  Caso tivéssemos considerado a expressão de Born-Lánde (eq. 2.31) para o potencial deinteração, procedimento semelhante levaria a seguinte expressão para a energia de ligação:

⎟ ⎠ ⎞⎜

⎝ ⎛  −=

na

 Z  Z eU  L

11

4 00

212

πε 

α (2.37a)

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quantitativo das contribuições das energias de Madelung e repulsiva para a energia deligação em um cristal de KCl.

Figura 2.7 – Gráficos das contribuições de Madelung e repulsiva, e da energia total de ligação 

em um cristal de KCl. Note que a energia de ligação é próxima da energia coulombiana atrativa.

Seguindo um procedimento semelhante ao das seções anteriores podemos obtero módulo de compressibilidade (eq. 2.20) a partir da expressão de U(r) (eq. 2.36),obtendo:

⎟⎟ ⎠

 ⎞⎜⎜⎝ 

⎛ −= 2

36

0

4

00

2

 ρ πε 

α  a

ka

e B (2.38)

Combinando as expressões 2.37 e 2.38, pode-se obter a energia de ligação apartir dos valores experimentais do módulo de elasticidade, obtidos de ensaiosmecânicos, e da distância interatômica, obtida da difração de raios X. A tabela 2.9 listaestes valores, bem como os valores experimentais e calculados para a energia deligação de todos os halogenetos alcalinos que possuem a estrutura do NaCl (para a qualZ1 = Z2 = 1, α = 1,747 e k = 2). Conforme se pode notar, os valores experimentais ecalculados são bastante próximos.

Cristal a0 (Å) B (GPa) ULexp (eV) UL

calc (eV) Dif. (%)

LiF 2,014 67,1 - 10,52 - 10,51 0,04

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LiCl 2,570 29,8 - 8,63 - 8,37 3,01LiBr 2,751 23,8 - 8,24 - 7,86 4,63LiI 3,000 17,1 - 7,71 - 7,21 6,52

NaF 2,317 46,5 - 9,31 - 9,34 0,37NaCl 2,820 24,0 - 7,93 - 7,75 2,19NaBr 2,989 19,9 - 7,54 - 7,34 2,53NaI 3,237 15,1 - 7,08 - 6,80 4,04

KF 2,674 30,5 - 8,24 - 8,21 0,36KCl 3,147 17,4 - 7,20 - 7,01 2,53KBr 3,298 14,8 - 6,88 - 6,71 2,52KI 3,533 11,7 - 6,51 - 6,27 3,60

RbF 2,815 26,2 - 7,87 - 7,83 0,55RbCl 3,291 15,6 - 6,91 - 6,75 2,44RbBr 3,445 13,0 - 6,62 - 6,44 2,81RbI 3,671 10,6 - 6,29 - 6,06 3,65

Tabela 2.9 – Propriedades dos halogenetos alcalinos com estrutura do NaCl. Todos os valores a temperatura ambiente e pressão atmosférica. Note a boa concordância entre os valores experimentais e calculados para a energia de ligação (adaptado de M. P. Tosi, Solid State Physics 16 (1964) 1).

 A figura 2.8 mostra a relação entre a dureza mecânica e a energia de coesão porvolume molar expressa em termos do calor latente de sublimação ou do calor latentede formação de alguns materiais cerâmicos. Embora a dureza mecânica não dependaunicamente das propriedades elásticas do sólido, pois sua medida envolvenecessariamente deformações plásticas, pode-se observar que estas propriedades sãoaproximadamente proporcionais entre si. Daí decorre a relação geralmente encontradaentre a dureza de um material e seu ponto de fusão, pois o ponto de fusão estádiretamente relacionado à energia de coesão do sólido (figura 2.9).

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Figura 2.8 – Relação, em escala log-log, entre dureza mecânica e a energia de coesão por volume molar expressa em termos do calor latente de sublimação (círculos vazios – escala da esquerda) e do calor latente de formação (círculos cheios – escala da direita) de alguns sólidos (fonte: Ohring, 1992).

Figura 2.9 – Relação, em escala log-log, entre o ponto de fusão e a energia de coesão de elementos diversos. A linha tracejada indica a tendência dos dados.

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Na ponta da ciência e da tecnologia

Mais duro que o diamante

Em 1985, Liu e Cohen obtiveram uma relação empírica para o módulo decompressibilidade do diamante e outros sólidos com estrutura hexagonal, incluindotodos os elementos e compostos do grupo IV, os compostos dos grupos III-V e II-VI databela periódica (veja tabela 2.10). Segundo esta relação, o módulo decompressibilidade destes sólidos é inversamente proporcional a distância interatômicaa0, e depende de um fator λ que dá conta do caráter iônico das ligações, na seguinte

forma:

5,3 z0 / )2201971.(

4a B λ −= (2.39)

onde z é o número de coordenação médio da rede cristalina e λ = 0, 1 ou 2;dependendo se o sólido pertence ao grupo IV, III-V ou II-VI, respectivamente. Assim,os sólidos de menor compressibilidade (maior B) seriam aqueles com os menorescomprimentos de ligação e cujas ligações sejam totalmente covalentes (caráter iôniconulo).

Note que, na expressão acima o termo entre parêntesis faz o papel da energiade ligação, que depende do caráter iônico da ligação química. No entanto, emcomparação à expressão deduzida anteriormente (equação 2.29), o módulo decompressibilidade neste caso varia com a distância interatômica um pouco maisfortemente (expoente –3,5 em vez de –3).

Grupo MaterialComprimento de

ligação ( Ă) Bexp. (GPa) Bcalc. (GPa)

IV 

C (diamante) 1.54 443 435

Si 2.35 99 99Ge 2.45 77 85Sn 2.75 53 57SiC 1.88 224 213

III-V 

BN 1.57 369 367BP 1.96 - 166BAs 2.07 - 138 AlP 2.36 86.0 86.7 AlAs 2.43 77.0 78.3 AlSb 2.66 58.2 57.0GaP 2.36 88.7 86.7GaAs 2.45 74.8 76.1

GaSb 2.65 57.0 57.8InP 2.54 71.0 67.0

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InAs 2.61 60.0 61.0InSb 2.81 47.4 47.1

II-VI

ZnS 2.34 77.1 78.1ZnSe 2.45 62.4 66.5ZnTe 2.64 51.0 51.2CdS 2.52 62.0 60.3CdSe 2.62 53.0 52.6CdTe 2.82 42.4 41.2HgSe 2.63 50.0 51.9HgTe 2.78 42.3 42.7

Tabela 2.10 – Comprimento de ligação, módulo de compressibilidade experimental e módulo de compressibilidade calculado pela equação 2.39 para sólidos dos grupos IV, III-V e II-VI (fonte: M. L. Cohen, Physical Review B 32 (1985) 7988).

Os valores experimentais e calculados (pela equação 2.39), para o módulo decompressibilidade dos sólidos listados na tabela 2.10, estão apresentados na figura2.10. Nota-se claramente o excelente acordo entre estes valores. Baseados na relação2.39, Liu e Cohen foram capazes de predizer que o sólido C3N4, caso exista,apresentaria módulo de compressibilidade maior que do diamante.

Com base nestes resultados, uma intensa atividade científica foi iniciada no finalda década de 80, no sentido de obter o C3N4. Embora este objetivo específico ainda nãotenha sido atingido, esta atividade resultou na obtenção de novos materiais de altadureza e interessantes propriedades tribológicas. Dentre estes, pode-se citar o nitretode carbono amorfo (a-CN), utilizado industrialmente como recobrimento protetor paradiscos rígidos de computadores, além de outros materiais compósitos e multicamadastambém baseados em nitretos que podem apresentar dureza superior à do diamante(vide figura 2.11).

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40 50 60 70 80 90100 200 300 400 500

40

50

60

70

8090

100

200

300

400

500

 

   B  c  a   l  c  u   l  a   d  o   (   G   P  a   )

B experimental (GPa)

 Figura 2.10 – Valores calculados versus valores experimentais do módulo de compressibilidade de sólidos dos grupos IV, III-V e II-VI da tabela periódica (vide tabela 2.8). A curva tracejada é a reta y=x. Note a excelente concordância entre os valores.

Figura 2.11 – Dureza de filmes nano-cristalinos (nc) de diamante e do compósito nano-cristalino TiN/Si 3 N 4  como função da carga aplicada. Note que o filme compósito apresenta dureza 

superior à do diamante (fonte: S. Veprek, Journal of Vacuum Science and Technology A 17 (1999) 2401).

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Exercícios

1) Um sólido é submetido a um ensaio de tração e sofre deformação elástica. Definindoo módulo de Young E (ou módulo de elasticidade) como a razão entre a tensão aplicadae a deformação na direção paralela a ela:

E = σx / εx

E definindo razão de Poisson υ como a razão entre as deformações nas direçõesperpendicular e paralela à aplicação da tensão:

υ = - εy / εx = - εz / εx 

Obtenha a variação do volume da amostra como resultado da aplicação da tensão. Quala condição que a razão de Poisson deve satisfazer?

2) Com base nas relações entre E, G e B (equações 2.4 e 2.5) obtenha um limitesuperior para o valor da razão de Poisson.

3) Considerando um sólido monoatômico de estrutura cúbica simples, de parâmetro derede a, formado por átomos cujas ligações químicas (entre átomos vizinhos apenas)possuem constante de mola C.

a)  Calcule o módulo de elasticidade (módulo de Young) E ao longo da direção (100)de uma barra deste sólido de comprimento L e área da seção reta A.b)  Obtenha uma expressão para a velocidade de propagação de uma onda sonora

longitudinal em função dos dados do problema.

4) Um certo tipo de aço foi submetido a um ensaio ultra-sônico tendo-se obtido umavelocidade de propagação do pulso igual a 5040 m/s. Sabendo que a densidade desteaço é de 7.86 g/cm3, obtenha seu módulo de elasticidade.

5) Dadas as velocidades de propagação de ondas mecânicas longitudinais e transversais

no alumínio (ρ = 2,71 g/cm

3

), cL = 6374 m/s e cT = 3111 m/s, calcule:a)  O módulo de elasticidadeb)  O módulo de cisalhamentoc)  Verifique se os resultados dos itens anteriores estão de acordo entre si, sabendo

que a razão de Poisson para o alumínio vale 0,33d)  Obtenha o módulo de compressibilidade do alumínio

6) O módulo de elasticidade e o módulo de cisalhamento do diamante valem 950 e 390GPa, respectivamente, enquanto que as velocidades de propagação de ondas sonoraslongitudinais e transversais são 18350 e 9200 m/s. Verifique se estes números sãocompatíveis entre si. A densidade do diamante vale 3.51 g/cm3.

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7) Utilizando a expressão 2.27 (ou 2.28) esboce gráficos quantitativos para U(r) para osdiferentes tipos de sólido com valores de n e m dados na tabela 2.4 e valores de UL e a0 dados nas tabelas 2.6 e 2.7.

8)  a) Explique qualitativamente, utilizando os gráficos apropriados, a relação existente

entre as constantes elásticas de um sólido e a curva do potencial de interação entreseus átomos.b) Na tabela abaixo, são dados valores dos calores latentes de fusão e evaporação e dovolume molar de diferentes metais. Considerando que o módulo de compressibilidade Bde um sólido é proporcional à sua energia interna por unidade de volume, classifiqueestes metais em ordem crescente do valor de B.

Metal LF (kJ/mol) L V (kJ/mol) V (10-6 m3 /mol)

 Al 10.71 294.0 10

Cu 13.26 300.4 7.1Fe 13.81 340.0 7.1Pb 4.77 179.5 18W 52.31 806.7 9.6

9) De posse dos valores para o módulo de compressibilidade e distância entre átomosvizinhos (veja tabela 2.9) no NaCl, calcule o alcance do potencial ρ e a energia deligação UL. Como ρ se compara com a distância entre átomos vizinhos?

10)  a) Considere os casos do LiF, NaCl, KBr e CsI (tabela 2.9 da apostila) e obtenhavalores para suas energias de ligação. Compare-os com os valores correspondentespara a energia de Madelung.b) De posse dos valores dados na tabela 2.9 da apostila para os quatro casos acima,obtenha os valores correspondentes para o alcance do potencial ρ. Calcule ρ /a0 nestesquatro casos e compare. Conclua.

11)  A partir da expressão 2.36 para a energia potencial de interação entre os átomosde um sólido, deduza a expressão 2.37.

12) Faça o mesmo para a expressão 2.37a, a partir de 2.31.

13)  A partir dos valores experimentais da energia de coesão e distância entre vizinhos,calcule o módulo de compressibilidade do LiF. Compare com o valor tabelado.

14) Calcule o valor de k para a estrutura do NaCl.

15) Calcule o valor de k para a estrutura do CsCl.

16) Estimar o módulo de compressibilidade do diamante sabendo que a distância entre

átomos vizinhos é 0,154 nm e sua energia de ligação 7,37 eV.

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Propriedades Físicas dos Materiais Prof. Sérgio de Souza Camargo Jr. 

17) Calcule o módulo de compressibilidade do β-C3N4 (a0 = 0,147 nm) utilizando arelação empírica de Liu e Cohen, com λ = 0,5. Como ele se compara ao do diamante?