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2-1 Motores a Combustão Interna Prof. Fernando Porto Curso Eng. Mecânica - UNITAU 2. MOTORES A COMBUSTÃO INTERNA – PRINCÍPIOS BÁSICOS 2.1. BREVE HISTÓRICO DO MOTOR A COMBUSTÃO INTERNA Os modernos motores de combustão interna iniciaram seu desenvolvimento na segunda metade do século XIX, embora existam registros indicando que, com certeza pelo menos desde o século XV, diversos pioneiros apresentaram protótipos de motores de combustão interna e de veículos autopropulsados. A maioria destes protótipos eram máquinas a vapor e não conseguiram se tornar operacionais na prática, pois as tecnologias necessárias para tal (combustíveis, lubrificantes, materiais, estradas, processos de fabricação, etc.) não estavam ainda suficientemente desenvolvidas, portanto não permitindo naquela época o desenvolvimento dos motores imaginados. Os motores a combustão externa conseguiram atingir o patamar operacional bem antes que os MCI, sendo as máquinas a vapor já sendo produzidas industrialmente em larga escala no século XVIII. Por volta de 1820 as máquinas a vapor e as ferrovias (sua principal aplicação, na forma de locomotivas) já se encontravam difundidas em vários países. Entretanto, durante a segunda metade do século XIX na Europa e nos Estados Unidos dois eventos tecnológicos estimularam o surgimento do motor de combustão interna. Em 1859, a descoberta de petróleo bruto na Pensilvânia finalmente disponibilizou o desenvolvimento de combustíveis confiáveis que poderiam ser usados nesses motores recém-desenvolvidos. Até este momento, a falta de combustíveis bons e consistentes foi uma grande desvantagem no desenvolvimento de motores. Óleo de baleia, gás de carvão, óleos minerais, carvão e pólvora eram os combustíveis disponíveis anteriormente, e definitivamente não eram o ideal para o desenvolvimento do MCI. Ainda demorou muitos anos até que os produtos da indústria do petróleo evoluíssem do primeiro petróleo bruto para a gasolina, o combustível do automóvel do século XX, mas os produtos de hidrocarbonetos melhorados começaram a aparecer tão cedo quanto a década de 1860 e a gasolina, os óleos lubrificantes e o motor de combustão interna passaram a evoluir juntos. O segundo evento tecnológico foi a invenção e a comercialização do pneumático ou pneu de borracha. Em 1888 John B. Dunlop iniciou a comercialização do pneu de borracha. Esta invenção tornou o automóvel muito mais prático e desejável, e assim ampliou bastante seu mercado, e consequentemente, aumentou a demanda para motores a combustão interna. Durante os primeiros anos do automóvel, o MCI competiu intensamente com motores elétricos e a vapor como meio básico de propulsão. No início do século XX, tanto a eletricidade como o vapor já haviam desaparecido como opções de motorização para os automóveis produzidos em larga escala. Desta forma, o automóvel no século XX é dominado pelo MCI, mas já no final deste século este tipo de motor volta a ser desafiado pela eletricidade e outras formas de propulsão, sendo assim anunciado o início de um novo ciclo tecnológico. 2.2. MOTOR 4 TEMPOS A maioria dos motores a combustão interna são baseados neste ciclo, sendo aplicado para a fabricação de motores mais eficientes e menos poluentes do que os demais tipos motores a combustão interna, mesmo quando apresentando maior complexidade, peso e volume, quando em comparação como outros tipos de motores mas de mesma potência.

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2. MOTORES A COMBUSTÃO INTERNA – PRINCÍPIOS BÁSICOS 2.1. BREVE HISTÓRICO DO MOTOR A COMBUSTÃO INTERNA Os modernos motores de combustão interna iniciaram seu desenvolvimento na segunda metade do século XIX, embora existam registros indicando que, com certeza pelo menos desde o século XV, diversos pioneiros apresentaram protótipos de motores de combustão interna e de veículos autopropulsados. A maioria destes protótipos eram máquinas a vapor e não conseguiram se tornar operacionais na prática, pois as tecnologias necessárias para tal (combustíveis, lubrificantes, materiais, estradas, processos de fabricação, etc.) não estavam ainda suficientemente desenvolvidas, portanto não permitindo naquela época o desenvolvimento dos motores imaginados. Os motores a combustão externa conseguiram atingir o patamar operacional bem antes que os MCI, sendo as máquinas a vapor já sendo produzidas industrialmente em larga escala no século XVIII. Por volta de 1820 as máquinas a vapor e as ferrovias (sua principal aplicação, na forma de locomotivas) já se encontravam difundidas em vários países. Entretanto, durante a segunda metade do século XIX na Europa e nos Estados Unidos dois eventos tecnológicos estimularam o surgimento do motor de combustão interna. Em 1859, a descoberta de petróleo bruto na Pensilvânia finalmente disponibilizou o desenvolvimento de combustíveis confiáveis que poderiam ser usados nesses motores recém-desenvolvidos. Até este momento, a falta de combustíveis bons e consistentes foi uma grande desvantagem no desenvolvimento de motores. Óleo de baleia, gás de carvão, óleos minerais, carvão e pólvora eram os combustíveis disponíveis anteriormente, e definitivamente não eram o ideal para o desenvolvimento do MCI. Ainda demorou muitos anos até que os produtos da indústria do petróleo evoluíssem do primeiro petróleo bruto para a gasolina, o combustível do automóvel do século XX, mas os produtos de hidrocarbonetos melhorados começaram a aparecer tão cedo quanto a década de 1860 e a gasolina, os óleos lubrificantes e o motor de combustão interna passaram a evoluir juntos. O segundo evento tecnológico foi a invenção e a comercialização do pneumático ou pneu de borracha. Em 1888 John B. Dunlop iniciou a comercialização do pneu de borracha. Esta invenção tornou o automóvel muito mais prático e desejável, e assim ampliou bastante seu mercado, e consequentemente, aumentou a demanda para motores a combustão interna. Durante os primeiros anos do automóvel, o MCI competiu intensamente com motores elétricos e a vapor como meio básico de propulsão. No início do século XX, tanto a eletricidade como o vapor já haviam desaparecido como opções de motorização para os automóveis produzidos em larga escala. Desta forma, o automóvel no século XX é dominado pelo MCI, mas já no final deste século este tipo de motor volta a ser desafiado pela eletricidade e outras formas de propulsão, sendo assim anunciado o início de um novo ciclo tecnológico. 2.2. MOTOR 4 TEMPOS A maioria dos motores a combustão interna são baseados neste ciclo, sendo aplicado para a fabricação de motores mais eficientes e menos poluentes do que os demais tipos motores a combustão interna, mesmo quando apresentando maior complexidade, peso e volume, quando em comparação como outros tipos de motores mas de mesma potência.

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A combustão ocorre na câmara de combustão (composto pelo cilindro, fechado na parte superior pelo cabeçote, e na parte inferior, pelo topo do pistão. Graças ao sistema biela-manivela, o movimento alternativo de translação do pistão é transformado em movimento rotativo no virabrequim.

Figura 2-1: Etapa de admissão. A válvula de admissão abre-se, e o pistão movimenta-se para baixo

aspirando a mistura ar/combustível para dentro da câmara de combustão.

Figura 2-2: Etapa de compressão. A válvula de admissão fecha-se, e o pistão movimenta-se para cima comprimindo a mistura ar/combustível contra o topo da câmara de combustão.

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Figura 2-3: Etapa da explosão. A vela de ignição, por meio de uma faísca, provoca a queima da mistura ar/combustível. A consequente dilatação do ar empurra o pistão para baixo.

Figura 2-4: Etapa da exaustão. A válvula de exaustão abre-se, e o pistão movimenta-se de modo a expelir os gases da combustão.

Os motores multicilindros associam os diversos cilindros segundo geometrias variáveis: as mais usadas são as em linha ou em "V", mas existem também radiais, em linha, "H“ (boxer), etc.

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Figura 2-5: Configurações mais comuns de motores automotivos a combustão interna. Por outro lado, o motor de combustão interna diesel não utiliza centelha ou faísca para inflamar o combustível, uma vez que o diesel, quando injetado na câmara de combustão no estágio final da compressão, entra em combustão espontaneamente ao encontrar-se em elevada pressão e em contato com oxigênio. 2.3. MOTOR 2 TEMPOS O motor de dois tempos é um tipo de motor de combustão interna no qual ocorrem as etapas de admissão, compressão, expansão e exaustão de gases a cada volta do eixo. Existe uma grande variedade de tipos de motores de dois tempos. Devido a sua simplicidade e baixo peso, trata-se de um motor popular em aplicações de baixa potência, tais como motosserras, motocicletas e geradores elétricos portáteis. Por outro lado, são fabricados motores dois tempos de grande porte, tal como o maior motor de combustão interna do mundo, o Wärstsilä-Sulzer RT-flex96C, diesel, naval.

monocilindro single

V-duplo V-Twin

Triplo em linha Triple

4 em linha Inline-4

5 em linha Straight-5

V-5 V-5

V-6 V-6

V-8 V-8

2 cilindros boxer Boxer twin H ou 4 cil. boxer

Flat-4

6 cil. boxer Flat-6

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Figura 2-6: Wärtsilä-Sulzer 14RT-flex96C, diesel, naval, dois tempos, considerado em 2017 o maior motor a combustão interna do mundo.

Dados técnicos gerais do Wärtsilä-Sulzer 14RT-flex96C: Motor 14 cilindros, de capacidade volumétrica de 25.480 litros, sendo 960 mm o diâmetro de cada cilindro. Consumo médio de 6284 litros de óleo combustível / hora. Alcança a potência de 108.878 cv e torque de 775.378 kgf.m na rotação de 120 rpm. Cerca de 50% do calor produzido é utilizado para a geração de energia elétrica. Faixa operacional de rotações entre 22 e 120 rpm. Os pistões apresentam desgaste de 0,03 mm a cada 1.000 horas de operação. Instalado no Emma Mærsk, de 397 metros de comprimento, 63 metros de largura e carga de aproximadamente 375 mil toneladas, permite ao navio trabalhar em uma velocidade de cruzeiro de 50 km/h. Motores dois tempos de pequeno porte não utilizam o cárter para conter o óleo lubrificante. A lubrificação é feita misturando-se óleo lubrificante ao combustível (normalmente 1:40) seja diretamente no tanque de combustível, seja através de um dispositivo dosador automático. Durante a funcionamento do motor, o lubrificante contido no combustível deposita-se nas superfícies deste, lubrificando os elementos mecânicos a medida em que passa da câmara de combustão para o cárter. Motores dois tempos de pequeno porte normalmente não tem válvulas, e sim duas janelas na parede da câmara de combustão, comunicando o cilindro com o exterior (exaustão) e o cárter (admissão).

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Existem dezenas de variantes do funcionamento de motores dois tempos, mas para motores de pequeno porte a descrição que se segue atende razoavelmente na maioria dos casos: Movimento ascendente do pistão Etapas de Compressão e Admissão À medida que ocorre o movimento ascendente do êmbolo, este obstrui as janelas, e em seguida comprime a mistura gasosa existente na parte superior do cilindro. Ao mesmo tempo cria-se um vácuo no cárter, o que força a admissão de ar atmosférico no interior do mesmo. O fluxo da mistura ar-combustível-lubrificante é normalmente chamado de fluxo de limpeza.

Figura 2-7: Movimento ascendente do pistão em um motor 2 tempos sem válvulas.

Movimento descendente do pistão Etapas de Explosão e Exaustão Quando o pistão atinge o PMS (ponto morto superior) ocorre a ignição, e consequente queima da mistura ar/combustível/lubrificante, por meio da centelha na vela. Os gases em expansão devido a esta queima empurram o pistão ao PMI (ponto morto inferior), girando o virabrequim, e liberando a janela de escape, permitindo a saída dos gases de combustão.

Figura 2-8: Movimento descendente do pistão em um

motor 2 tempos sem válvulas. O movimento descendente do pistão aumenta a pressão no cárter, o que impele a mistura ar-combustível para o cilindro quando a janela de transferência é aberta, além de impedir que os gases de exaustão se desloquem para o cárter.

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Entretanto, motores de grande porte e elevada potência utilizam uma dinâmica bastante diferenciada. Um dos modelos de maior sucesso com motores diesel de grande porte, é o que utiliza o sistema “uni-flow”. No sistema “uni-flow” a mistura ar-combustível, neste caso ar-diesel, entra por janelas próximas ao PMI do pistão, enquanto que os gases de escape saem através de uma válvula de escape, disposta na área superior do cilindro. Assim, o fluxo de limpeza ocorre em uma única direção, e por isto o nome “uni-flow”. A adoção de válvulas em motores dois tempos não é incomum, podendo ser encontrada em motores de motocicleta, motores diesel estacionários (Detroit Diesel), alguns pequenos motores de dois tempos marítimos (Cinza Marine), locomotivas diesel (Electro-Motive Diesel) e grandes motores de propulsão navais diesel, dois tempos (Wärtsilä).

Figura 2-9: Desenho esquemático do funcionamento de um motor 2

tempos “uni-flow”.

2.4. MOTOR ROTATIVO WANKEL O motor Wankel é um tipo de motor rotativo de combustão interna, e que emprega um rotor ou rotores em forma de prisma, e não pistões, bielas e virabrequim como usados nos motores alternativos de combustão interna. Inicialmente o motor era denominado de motor rotativo NSU/Wankel, mas hoje este motor carrega o nome do seu inventor, o alemão Felix Wankel.

Figura 2-10: Felix Wankel

Como já mencionado, o motor Wankel não utiliza pistões, bielas e virabrequim, não tendo assim qualquer movimento alternativo e empregando um número menor de peças. Isto faz com que não tenha massas que tenham de ser aceleradas e desaceleradas continuamente, permitindo, em conjunto com o menor número de peças, um funcionamento com menos vibração e atrito, e consequentemente, mais suave e silencioso. Estas características tornaram o motor Wankel atrativo tecnicamente, mas dificuldades com a vedação interna entre câmaras e o alto consumo, aliados a baixa durabilidade dos modelos iniciais, acabou impedindo sua utilização em larga escala na área automobilística, embora tenha encontrado espaço consistente na motorização de aeronaves de pequeno porte.

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Figura 2-11: Desenho esquemático do motor

Wankel.

De modo simplificado, pode ser afirmado que o “bloco” do motor Wankel consiste em uma câmara (3) cujo formato interno se aproxima de dois círculos que se sobrepõem quase totalmente. Na câmara, o “pistão” do motor, o rotor (6) de formato prismático, gira de forma excêntrica em relação ao eixo (8), o qual seria o equivalente ao virabrequim dos motores alternativos. O formato do rotor e da câmara foi desenvolvido de modo que os três vértices do rotor estão sempre muito próximos da superfície interna da câmara, sendo que esta proximidade funciona como uma vedação. O movimento do rotor faz com que o espaço entre as arestas do rotor e a parede interna da câmara varie continuamente, aumentando e diminuindo em acordo com a rotação.

Deste modo, a mistura ar/combustível é succionada pela baixa pressão da região de admissão (figura 2-12, etapa 1), pois esta encontra-se aumentando de tamanho. Logo após, com o movimento do rotor, a mistura é conduzida e comprimida (figura 2-12, etapa 2) até a região de ignição, onde sofre detonação por meio de centelha (figura 2-12, etapa 3). Por fim, os gases de combustão são expulsos através da janela de escape (figura 2-12, etapa 4), ao sofrerem compressão na região de exaustão.

Figura 2-12: As quatro etapas do motor a combustão interna no motor Wankel. Em (1), admissão; (2), compressão; (3), explosão; (4), exaustão.

Desta forma, verifica-se que todas as etapas do ciclo do motor quatro tempos (admissão, compressão, explosão e exaustão) também ocorrem no motor Wankel. Além disso, pode-se afirmar que todas as faces do rotor estão em três etapas diferentes todo o tempo, durante sua operação. Entretanto, o formato que a câmara de ignição assume faz com que a queima da mistura seja incompleta, fazendo com que combustível não detonado seja eliminado na exaustão. Esta característica, intrínseca ao seu projeto, faz com que o motor Wankel tenha um consumo mais elevado, assim como maior nível de emissões de exaustão do que um motor convencional de mesma potência. Comparado com motores convencionais de mesma potência, o motor Wankel entrega muito pouco torque em baixas rotações, embora isto seja corrigido em rotações mais altas.

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Outra particularidade é a questão da vedação entre os vértices do rotor e as paredes da câmara. Devido a dilatação térmica e a necessidade de elevada precisão dos componentes, esta vedação é difícil de ser obtida, exigindo um projeto e construção esmerados. Além disso, devido à rotação elevada, o motor Wankel gera mais calor que um motor 4 tempos convencional. Estas duas últimas características fazem com que este motor opere com máxima eficiência em uma faixa elevada de rotações, o que reduz a versatilidade de operação. Embora o número de desvantagens frente aos motores alternativos seja grande, suas vantagens ainda fazem o motor Wankel atraente para muitos. O motor Wankel emprega um menor número de peças do que um motor convencional, o que reduz o seu custo e a complexidade de montagem. Tem pequenas dimensões e seu peso é bem menor que o de um motor convencional de capacidade similar. Uma das consequências é que este motor permite um baixo centro de gravidade para o automóvel, melhorando suas características dinâmicas. Além disso, o motor rotativo é excepcionalmente suave, pois gera muito menos vibração do que um motor convencional, uma vez que não ocorrem os movimentos alternativos dos pistões. Por fim, o motor Wankel é capaz de entregar alta potência com baixa cilindrada. O motor rotativo do Mazda Cosmo chegava a entregar 110 CV com somente 980 cc. O somatório destas vantagens (baixo nível de vibração mesmo em alta rotação, baixo desgaste, vida longa, simplicidade de manutenção) o tornam atraente para o consumidor comum. Entretanto, são os aficionados de carros esportivos que tem especial atenção sobre este tipo de motor, pois sua capacidade de entregar com rapidez elevada potência e torque, aliada ao pequeno tamanho e peso, permitem o projeto de carros leves, com baixo centro de gravidade e alto desempenho.

Figura 2-13: Mazda 787B, vencedor na 24h

Le Mans 1991. Figura 2-14: Mazda RX-7 FD3S Veilside Fortune, no filme “The Fast and the Furious: Tokyo Drift”.

2.5. MOTOR TURBO-JATO Em julho de 1944 o Messerschmitt Me 262, equipado com dois motores turbo-jato Jumo 004B de 900 kg de empuxo cada, tornou-se o primeiro avião a jato produzido em série a entrar em serviço operacional.

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Figura 2-15: Messerschmitt Me 262 A-1a Schwalbe (Andorinha).

Figura 2-16: Motor turbo-jato Jumo 004B – o grande precursor. Deste tempo para a atualidade, os motores à jato puro evoluíram enormemente, porém os princípios fundamentais do funcionamento deste tipo de motor continuam inalterados.

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O ar atmosférico entra no motor e é parcialmente comprimido no difusor, sendo depois comprimido a uma taxa muito mais elevada no compressor, o qual pode ser do tipo centrífugo ou de fluxo axial.

Figura 2-17: Diagrama esquemático de um motor turbo-jato. Este ar altamente comprimido entra na câmara de combustão, na qual uma quantidade suficiente de combustível é injetada continuamente. A mistura é queimada também de forma contínua, o que faz elevar a temperatura dos gases no ponto (4) até ≈ 930oC. O ar aquecido, contendo aproximadamente 25% de gases produzidos na combustão, expande na turbina, a qual é diretamente conectada ao compressor de ar. A rotação da turbina, portanto, é o que movimenta o compressor. Da turbina, os gases passam através de um tubo o qual pode ser equipado com um pós-queimador (não necessariamente). Os gases, desta forma, expandem em uma saída de geometria variável e são ejetados para a atmosfera em um jato de alta velocidade. Uma vez que os gases da exaustão da turbina contêm uma grande quantidade de ar que não foi empregado na combustão, a velocidade dos gases de saída pode ser aumentada (e consequentemente, o empuxo) pela queima de combustível adicional no interior do bocal de saída. O dispositivo para realizar esta ação é denominado de pós-queimador. O pós-queimador é capaz de aumentar o empuxo em cerca de 35%. Na velocidade de ≈ 930 km/h, em uma emergência tática, o pós-queimador pode aumentar o empuxo em até 60%. Com o acionamento deste equipamento, a temperatura no ponto 7 (começo da redução no bocal de saída) pode chegar a ≈ 1850oC. Praticamente todos os aviões não militares a jato fabricados atualmente utilizam motores turbofan, uma evolução do turbo-jato. Este tipo de motor oferece uma relação consumo versus potência mais favorável que o turbo-jato nas faixas de altitude e velocidade utilizadas pela aviação comercial.

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2.6. LEITURA ADICIONAL 2.6.1. MOTORES AUTOMOTIVOS DE COMBUSTÃO INTERNA: CONFIGURAÇÕES 1. Monocilindro: Motor com apenas um cilindro. É a configuração mais simples, derivando desta todas as demais configurações. Vantagens: Os motores de um único cilindro são simples, compactos e econômicos na fabricação. O resfriamento é mais simples do que com cilindros múltiplos, uma característica que permite reduzir o peso, especialmente quando empregado arrefecimento a ar. Desvantagens: O virabrequim deve ser tão resistente quanto o de um motor de cilindros múltiplos de mesma potência, e normalmente é requerido um volante (disco de inércia) mais pesado do que para um motor de cilindros múltiplos de mesma potência. Estas massas rotativas relativamente grandes acabam por restringir a aceleração e mudanças bruscas de velocidade. No arranjo básico, são motores propensos a vibração. O mecanismo de um único cilindro quase inevitavelmente desenvolverá uma menor relação potência-peso do que um motor multi-cilindro de tecnologia similar.

Figura 2-18: Desenho esquemático das configurações de motores em linha, V-duplo e monocilíndrica.

2. Motores em linha: Motor multi-cilindro, com os cilindros dispostos alinhados em um único banco ou plano. Vantagens: É mais simples e de construção mais fácil do que um motor em V de capacidade equivalente, pois o bloco, assim como o virabrequim, pode ser fresado a partir de um único bloco de metal. Além disso, o cabeçote e o eixo comando de válvulas são mais simples. Desvantagens: Em automóveis, o número de cilindros nos motores em linha tem sido restrito a uma faixa entre 3 e 5 cilindros. Isto porque um motor em linha tem maiores dimensões que um motor em V ou boxer de igual capacidade, e como o espaço reservado ao motor ser pequeno nos atuais automóveis, estas outras configurações passaram a ser preferenciais para motores de maior potência. Esta restrição de espaço para o motor se deve a grande utilização de tração dianteira nos modelos atuais de carros (o sistema de tração disputa espaço no habitáculo do motor), e também à necessidade aerodinâmica de ser baixa a frente do automóvel. Com a extremidade frontal baixa, a solução é a instalação transversal do motor, mas a largura do carro passa a ser o limitante, e o motor em linha é mais longo do que motores boxers ou em V de potência similar.

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3. Motor em V: motor com dois conjuntos (também chamados de bancos ou planos) de cilindros alinhados, dispostos em ângulo formando um "V". Vantagens: Um motor em V geralmente tem menor comprimento, altura e peso do que um motor de configuração em linha de similar capacidade, além de serem mais robustos. Além disso, neste mesmo tipo de comparação, apresentam centro de gravidade mais baixo, o que auxilia na estabilidade de um automóvel. Motores V-8 empregando virabrequim de plano cruzado podem ser facilmente balanceados através de contrapesos. Desvantagens: Construção normalmente mais complexa e cara do que a de um motor em linha de similar capacidade. A maior parte dos motores em V apresenta vibrações quando em operação, requerendo a adição de um eixo de compensação (eixo de balanceamento ou balance shaft) ou ainda a divisão do virabrequim (em especial nos casos de motores com 12 cilindros ou mais).

Figura 2-19: Configurações de motor em V e boxer. 4. Motor Boxer: Configuração com cilindros horizontalmente opostos unidos por um único virabrequim. Vantagens: Baixo centro de gravidade permite um melhor desempenho dinâmico do automóvel. No caso de motores com 6 cilindros, o balanceamento do motor é natural desde que os bancos de cilindros tenham o mesmo número de cilindros, o que dispensa o uso de eixos de compensação e o uso de contrapesos no virabrequim. Desvantagens: Comparados com motores de igual capacidade, mas de diferentes configurações, motores boxers com menos de 6 cilindros tendem a vibrar mais. Também nesta linha de comparação, motores boxers tendem a ser mais ruidosos, pois devido à disposição das válvulas, o ruído destas não é amortecido pelos demais componentes do motor.

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5. Motor em W: Configuração na qual a disposição dos bancos de cilindros lembra a letra W, da mesma forma que os bancos de cilindros de um motor em V lembram a letra V a um observador. Ao longo da história, três diferentes configurações já foram denominadas de motor em W: Conjunto de 3 bancos de cilindros compartilhando um virabrequim, também denominado de

“broad arrow” (ponta de flecha). Conjunto de 4 bancos de cilindros compartilhando um virabrequim, também denominado de

duplo V (double V). Dois bancos de cilindros atendendo dois virabrequins, integrados por meio de um trem de

engrenagens. Vantagens: Consegue integrar um grande número de cilindros em um único bloco, sendo assim uma configuração que permite atingir uma baixa relação peso/potência. Permite também alcançar uma relação volume ocupado versus potência gerada mais favorável que outras configurações, quando em comparação com motores de igual capacidade. Desvantagens: Construção de alto custo e complexa. Peso elevado, sendo adequada somente para motores de potência muito alta. Devido a estas desvantagens, trata-se de uma configuração de motor que somente no século XXI foi empregada em veículos produzidos em série, sendo que anteriormente seu uso era restrito a aeronaves ou carros de competição. Ainda assim, seu uso é restrito a automóveis de alta performance e luxo, de preço elevado. Os únicos motores automotivos em W em fabricação seriada em 2018 são modelos produzidos pela Volkswagen Group, equipando carros de luxo da Bugatti, Audi, Bentley, VW e Spyker.

Figura 2-20: Motor em W. Acima a esquerda, desenho em corte do motor Napier-Railton, aeronáutico, 12 cilindros, de 1917. Acima a direita, disposição dos cilindros em motores em W atualmente produzidos pela VW. Ao lado, bloco do motor W16 de 987bhp que

equipou o Bugatti Veyron EB16.4.

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Motores a Combustão Interna Prof. Fernando Porto Curso Eng. Mecânica - UNITAU

2.6.2. POR QUE NÃO HÁ MOTORES DE SETE, NOVE OU 11 CILINDROS? Correio Técnico: as dúvidas dos leitores respondidas pela QUATRO RODAS Publicado em 25 abr 2017, 14h46 Geralmente, o motor tem um número par de cilindros, mas há opções de cinco, como o antigo Fiat Marea, e os atuais três-cilindros. Por que não há motores de sete, nove ou 11 cilindros? – Rodolfo Rodrigues, – Mogi Guaçu (SP). Motores com número ímpar de cilindros geralmente estão dispostos em linha (com raras exceções, como o VR5 de ângulo reduzido da Volks e motores V5 e V3 utilizados em motos), e este seria o principal fator limitante de seu emprego em quantidades maiores que cinco. Apesar dos motores cinco-em-linha ainda terem espaço no portfólio da Audi, o compromisso entre tamanho (no caso, comprimento) do bloco e potência reduziu a aplicação de motores com seis cilindros (ou mais) em linha para uso automobilístico – apesar da Mercedes ensaiar uma retomada na tradição, com o renovado Classe S recebendo novas opções a gasolina e a diesel. Espaço no cofre do motor não é problema para um Classe S, que pode comportar um V12 de 6 litros nas versões mais potentes. Mas em geral é difícil acomodar um motor com mais de seis cilindros em linha em carros de passeio, até porque a tendência é a instalação transversal, o que dificulta ainda mais seu uso. Além disso, motores com número ímpar de cilindros possuem distribuição de massas e forças assimétrica, tornando mais difícil e complexo o seu balanceamento – não por acaso, os cinco cilindros da Audi são restritos aos caros e exclusivos TT RS e RS3. No passado, como já explicamos neste post, motores automotivos de oito cilindros em linha eram comuns, como o do Bugatti Type 35 (1924) ou dos Buick e Oldsmobile dos anos 40. Mesmo assim, não se tem conhecimento de motores de dez ou 12 cilindros em linha, pois nesses casos o virabrequim muito longo sofreria um excesso de forças desiguais ao longo do seu comprimento. Quando se necessita de mais cilindros, normalmente opta-se pela configuração em V, W ou opostos (boxer). Todas essas alternativas reduzem seu comprimento sem afetar a potência, mas geralmente só são utilizadas com números pares de cilindros. Em aplicações marítimas de grande porte, porém, os motores em linha reinam absolutos, já que o virabrequim pode ser reforçado sem se preocupar com o peso ou com limites de espaço. Por isso há modelos como os da MAN (dez cilindros e 58.600 cv), Rolls-Royce Marine (nove cilindros de 2.180 a 69.000 cv) ou Sisu (com sete ou 13 cilindros), entre outros.