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Manual de Direito Penal Partes Geral e Especial – Volume Único – 1ª edição Flávio Monteiro de Barros ATUALIZAÇÕES LEGISLATIVAS E JURISPRUDENCIAIS SUMÁRIO: 1. LEI 13.834/2019; 2. LEI 13.869/2019 (NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE); 3. LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME); 4. LEI 13.968/2019; 5. JURISPRUDÊNCIA. 1. LEI 13.834/2019 • Art. 326-A do Código Eleitoral – Crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral A denunciação caluniosa com finalidade eleitoral é crime do art. 326-A, do Código Eleitoral, introduzido pela lei 13.834/2019, cujo teor é o seguinte: “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com finalidade eleitoral: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa. §1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto. §2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção”. Outro tipo especial, conforme já salientado anteriormente, é o delito de abuso de autoridade previsto no art. 30, parte final, da lei 13.869/2019. 2. LEI 13.869/2019 – NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

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Manual de Direito Penal

Partes Geral e Especial – Volume Único – 1ª edição

Flávio Monteiro de Barros

ATUALIZAÇÕES LEGISLATIVAS E JURISPRUDENCIAIS

SUMÁRIO: 1. LEI 13.834/2019; 2. LEI 13.869/2019 (NOVA LEI DE ABUSO

DE AUTORIDADE); 3. LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME); 4. LEI

13.968/2019; 5. JURISPRUDÊNCIA.

1. LEI 13.834/2019

• Art. 326-A do Código Eleitoral – Crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral

A denunciação caluniosa com finalidade eleitoral é crime do art. 326-A, do

Código Eleitoral, introduzido pela lei 13.834/2019, cujo teor é o seguinte:

“Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de

investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa,

atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com

finalidade eleitoral:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

§1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou

de nome suposto.

§2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de

contravenção”.

Outro tipo especial, conforme já salientado anteriormente, é o delito de abuso

de autoridade previsto no art. 30, parte final, da lei 13.869/2019.

2. LEI 13.869/2019 – NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

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• Lei 13.869/2019 – Polêmica sobre a revogação do crime de violência arbitrária do CP

Discute-se se o art. 322 do CP foi ou não revogado pela Lei 4.898/65, que

considera abuso de autoridade qualquer atentado à integridade física.

Uma primeira corrente entende que o art. 322 foi revogado, porque a lei

4.898/65 é posterior e especial, tendo disciplinado toda a matéria.

Uma segunda corrente, que é dominante, preconiza que o art. 322 do CP não foi

revogado, pois a lei 4.898/65 tem caráter geral, e portanto, não revogou o art. 322 do CP,

que é uma norma que cuida especificamente da violência física arbitrária. Ademais, a lei

4.898/65 revela-se genérica ao definir como crime de abuso de autoridade qualquer

atentado à integridade física, sendo, pois, inconstitucional por prever um tipo

demasiadamente aberto, genérico, vago, de conteúdo indeterminado, violando o

princípio da taxatividade.

A lei 4.898/65 foi expressamente revogada pela lei 13.869/2019, que é omissa

quanto ao delito de atentado à integridade física, salvo em algumas situações específicas.

Para a corrente que proclamava a revogação do art. 322 do CP, cumpre recordar que não

existe, no Brasil, o instituto da repristinação tácita, de modo que a revogação não implica

na revigoração automática do art. 322 do CP. Noutras palavras, o atentado à integridade

física teria que ser punido como delito de lesão corporal. Entretanto, conforme já

salientado, prevalece a corrente da não revogação do art. 322 pela lei 4.898/65.

• Art. 30 da Lei 13.869/2019 – Art. 30 e o crime de denunciação caluniosa do CP Em regra, a denunciação caluniosa é crime comum, que pode ser praticado por

qualquer pessoa, tendo em vista que a ação penal na maioria dos casos é pública

incondicionada e, dessa forma, a “notitia criminis” pode ser levada à autoridade

competente por qualquer do povo.

Quanto ao advogado que, juntamente com o cliente, assina o requerimento de

instauração de inquérito policial ciente da inocência, será também enquadrado no delito

em apreço. A propósito, o requerimento de instauração de inquérito não exige

capacidade postulatória, prescindindo-se da assinatura do advogado.

Nos crimes de ação penal privada ou pública condicionada à representação ou

requisição do Ministro da Justiça, a denunciação caluniosa revela-se um crime próprio,

que só poderá ser praticado pelas pessoas legitimadas a providenciar a instauração da

persecução penal, ou seja, a vítima ou seu representante legal, bem como o Ministro da

Justiça, conforme a natureza da ação penal. Nesses casos, se a autoridade policial tiver a

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certeza da inocência e ainda assim deferir o requerimento de instauração do inquérito,

ela será também incursa no crime de denunciação caluniosa.

Quanto ao agente público, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la,

será enquadrado no crime de abuso de autoridade, previsto no art. 30, parte final, da lei

13.869/2019, que prevê um delito específico de denunciação caluniosa, que afasta a

incidência do delito geral do art. 339 do CP, por força do princípio da especialidade.

A propósito, dispõe o citado art. 30, parte final:

“Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa

causa fundamentada ou contra quem sabe inocente:

Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

Por consequência, o juiz de direito ou o promotor de justiça, e até mesmo o

delegado de polícia e o ministro da justiça, que, por exemplo, provocam a instauração

de um inquérito policial, sabendo da inocência da pessoa, respondem pelo delito do art.

30 da lei 13.869/2019, e não pelo art. 339 do CP, por força da princípio da especialidade.

Maquinação astuciosa

Entende-se por maquinação astuciosa o uso de um meio fraudulento para se

imputar o delito a uma pessoa inocente. Exemplo: o policial coloca droga no carro de uma

pessoa, prendendo-a em flagrante, nesse caso, será incurso na denunciação caluniosa do

art. 30 da lei 13.869/2019. Outro exemplo: o ladrão põe a “res furtiva” no bolso de um

inocente, sem que ele perceba, dando causa à sua prisão em flagrante pela polícia.

Nesses dois exemplos, haverá o crime de denunciação caluniosa, sendo que o ladrão

ainda responderá pela tentativa de furto.

Pena desproporcional

O art. 339 do CP prevê a pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa.

Entretanto, a denunciação caluniosa praticada por agente público, no exercício

da função ou a pretexto de exercê-la, que configura crime de abuso de autoridade,

previsto no art. 30, parte final, da lei 13.869/2019, é punido com pena de detenção, de 1

(um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Noutras palavras, a denunciação caluniosa praticada por agente público, que é

fato mais grave, é apenada de forma bem mais branda que a cometida por particular,

que é fato menos grave.

É, pois, flagrante a violação do princípio constitucional da proporcionalidade da

pena, previsto no art. 5º, XLVI, da CF.

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Força convir, portanto, para que o referido princípio seja preservado, que a

denunciação caluniosa perpetrada por particular, prevista no art. 339 do CP, também

deve ser apenada com detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

No âmbito do Ministério Público do Estado de São Paulo sustenta-se a

inconstitucionalidade do citado art. 30, por violação do princípio do retrocesso na tutela

dos bens jurídicos envolvidos, já protegidos pelo art. 339 do CP, punido, inclusive, com

pena em dobro.

Esta tese, entretanto, não convence, pois o princípio da vedação do retrocesso,

que proíbe a eliminação de determinados direitos, é aplicável apenas aos direitos sociais

e não às normas penais.

• Art. 33 da Lei 13.869/2019 – Art. 33 e o crime de concussão do CP O objeto material da concussão é a vantagem indevida, que é aquela não

prevista em lei penal ou extrapenal. Trata-se, portanto, de uma vantagem ilícita. Se a

vantagem exigida for devida haverá o crime de abuso de autoridade, previsto no art. 33

da lei 13.869/2019, por exemplo, o delegado de polícia que, para não lavrar o auto de

prisão em flagrante, exige que o criminoso lhe pague uma dívida que realmente existe.

A vantagem exigida em proveito da própria Administração Pública, por exemplo,

o delegado de polícia exige dinheiro em troca de não indiciar o suspeito, mas com o

propósito de aplicar essa verba numa reforma da cadeia pública, a rigor, não caracteriza

concussão, malgrado a opinião contrária do penalista Magalhães Noronha, que

interpreta a expressão “para si ou outrem”, prevista no art. 316 do CP, como sendo

passível de beneficiar até mesmo a própria Administração Pública. A hipótese configura

crime de abuso de autoridade, previsto no art. 33 da lei 13.869/2019.

• Art. 33 da Lei 13.869/2019 – art. 33 e o crime de exercício arbitrário das próprias razões do CP

Somente o particular pode cometer o delito de exercício arbitrário das próprias

razões, pois se o agente for funcionário público que, no exercício da função ou em razão

dela, aplicar meios ilícitos para satisfazer uma pretensão legítima, responderá pelo delito

de abuso de autoridade (art. 33 da lei 13.869/2019).

3. LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME)

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Código Penal

• Art. 25, parágrafo único, do Código Penal – Legítima defesa dos agentes de segurança

pública

Dispõe o parágrafo único do art. 25 do CP:

”Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também

em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de

agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.”

O dispositivo em análise, introduzido pela lei 13.964/2019, não configura uma

licença para matar, pois a reação deve ser feita através do uso moderado do meio

necessário. O excesso poderá configurar o delito de violência arbitrária, previsto no art.

322 do Código Penal, além da pena correspondente à violência, ou seja, lesão corporal e

homicídio, conforme ressalva expressa no parágrafo único do citado art. 322.

Trata-se de uma hipótese de legítima defesa de terceiro, que autoriza o agente

de segurança pública a reagir em favor da vítima que é mantida refém durante a prática

de crimes.

A reação é autorizada para repelir agressão atual ou iminente, ou seja, prestes

a ocorrer.

O dispositivo em análise, a rigor, era desnecessário, pois a situação descrita é

evidentemente de legítima defesa de terceiro. Na verdade, o policial, na situação descrita

no parágrafo único do art. 25 do CP, encontra-se acobertado por duas excludentes da

antijuridicidade: legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal.

A permissão para agir em legítima defesa na situação acima foi atribuída aos

agentes de segurança pública, que abrange os policiais em geral, previstos no art. 144 da

CF, mas o particular também poderá ser beneficiado pela referida excludente, com base

no art. 25, “caput”, do CP.

• Art. 51 do Código Penal – Execução da pena de multa

Não efetuado o pagamento no decêndio legal, deverá ser iniciado o processo de

execução da pena de multa.

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O art. 51 do CP, com a redação que lhe foi dada pela Lei 13.964/2019, encerrou a

celeuma acerca do juízo competente para a execução da pena de multa, estipulando que

é o da execução penal.

A propósito, dispõe citado o art. 51 do CP:

“Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante

o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas

à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e

suspensivas da prescrição”.

No que tange à fixação do juízo competente, a norma em estudo tem caráter

processual e, por consequência, as execuções das penas de multa que tramitavam perante

o juízo da Fazenda Pública, deverão ser imediatamente encaminhadas ao juízo da execução

penal.

Quanto à súmula 521 do STJ, que atribuía a legitimidade para execução da pena

de multa à Procuradoria da Fazenda Pública, encontra-se cancelada, pois a Lei

13.964/2019, ao atribuir a competência ao juízo da execução penal, deixou claro que se

trata de uma ação penal de execução, cuja legitimidade é exclusiva do Ministério Púbico,

nos termos do art. 129, I, da CF.

O fundamento desta corrente é que a multa penal, por se tratar de uma pena,

conforme prevê a própria Constituição Federal, só pode ser executada pelo Ministério

Público, nos termos do art. 129, I, da CF. A ação de execução penal é sempre uma ação

penal pública incondicionada e, por consequência, a Fazenda Pública, em hipótese alguma,

poderá mover a execução da pena de multa, nem mesmo em caráter subsidiário, ainda

que o Ministério Público se revele inerte.

Com efeito, o Ministério Público, após extrair a certidão da sentença

condenatória, com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial,

requererá em autos apartados, perante o juízo da execução penal, a citação do condenado

para, no prazo de dez dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora (art. 164 da

LEP). Decorrido esse prazo sem o pagamento da multa, ou o depósito da respectiva

importância, proceder-se-á à penhora de tantos bens quantos bastem para garantir a

execução. Se a penhora recair em bem imóvel, os autos apartados serão remetidos ao juízo

cível para prosseguimento da execução, com o Ministério Público no polo ativo da relação

processual (art. 165 da LEP).

Sobre o assunto, antes da lei 13.964/2019, havia duas correntes.

Uma primeira, adotada pelo Plenário do STF, sustentava que a execução devia ser

movida prioritariamente pelo Ministério Público, perante o juízo da execução penal,

funcionando como título executivo a certidão da sentença condenatória com menção do

trânsito em julgado e do valor da multa. Quanto à Fazenda Pública, tinha legitimidade

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subsidiária, se o Ministério Público não propusesse a ação de execução no prazo de 90

(noventa) dias. Assim, caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não movesse

a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o juiz da execução criminal deveria

dar ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (federal ou estadual,

conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria vara de execução fiscal, com a

observância do rito da Lei 6.830/1980” (Informativo 927 do STF).

Esta corrente foi parcialmente acolhida pela lei 13.964/2019, que atribui a

legitimidade ao Ministério Público, mas sem fazer a ressalva da atuação subsidiária da

Fazenda Pública. Por consequência, ainda que o Ministério Público não proponha a

execução da pena de multa no prazo de 90 (noventa) dias, a Fazenda Pública não poderá

iniciar a execução. Foi correta a postura da lei 13.964/2019, pois a execução da multa

tem a natureza de ação penal pública, cuja legitimidade é exclusiva do Ministério Público,

nos termos do art. 129, I, da CF.

Uma segunda corrente, que era adotada no STJ, previa que a pena de multa

deveria ser executada pelo Procurador da Fazenda Estadual ou Nacional, conforme o crime

fosse da justiça estadual ou federal, perante o juízo cível do anexo fiscal, funcionando como

título executivo a certidão da dívida ativa contendo o valor da multa.

O fundamento desta orientação era que a multa penal não teria mais o caráter

de pena, transmudando-se numa simples dívida de valor, por força do art. 51 do CP.

A súmula 521 do STJ, que abraçava esta última orientação, rezava que:

“A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta

em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública”.

Com o advento da lei 13.964/2019, que fixou a competência do juízo da

execução penal, operou-se o cancelamento da referida súmula.

Sobre o assunto, já havia escrito o seguinte:

“A polêmica foi gerada pelo art. 51 do CP, com a nova redação que lhe foi dada

pela Lei n. 9.268/96, ao dispor que:

“Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida

de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda

Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”.

A inovação, porém, não tem o alcance propugnado por alguns penalistas, no

sentido de que a multa teria perdido a natureza de pena, passando a ser mera dívida de

valor. Eles apregoam a revogação do art. 164 da LEP; consideram que, como dívida de

valor, a execução da multa deve reger-se pela Lei n. 6.830/80, cujo título executivo é a

certidão da dívida ativa, devendo a execução ser movida pelo Procurador do Estado ou

Procurador da Fazenda Nacional, conforme a condenação seja estadual ou federal,

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perante o juízo do anexo fiscal, tal como ocorre com as execuções fiscais, mas as multas

impostas no Juizado Criminal são executadas no próprio juizado (art. 98, I, da CF) .

A esse argumento, ofereço as seguintes objeções:

a) o caráter de pena da multa criminal emana diretamente da Constituição da

República, de modo que a legislação ordinária não pode alterar a sua estrutura

ontológica;

b) o art. 51 do CP, com a nova redação da Lei n. 9.268/96, em nenhum momento

ordenou a inscrição na dívida ativa da Fazenda Pública, limitando-se a fixar, para multa, as

normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública;

c) reduzir a pena de multa a uma simples dívida, além de alterar seu caráter

ontológico, violaria, por via oblíqua, o princípio da personalização da pena, já que, como

simples dívida, seria passível de transmissão aos herdeiros do condenado; no entanto, é

pacifico que a pena de multa não se transmite aos herdeiros do condenado.

d) o fato de ser dívida de valor não lhe retira a qualidade de pena. Aliás, a pena

de multa sempre foi dívida de valor. Efetivamente, no direito civil, as dívidas podem ser:

— pecuniárias: quando o dinheiro é o objeto da prestação (ex.: mútuo);

— de valor: quando o objeto da prestação é algo diverso do dinheiro, mas este

serve para quantificar o débito.

No caso de alimentos, por exemplo, a prestação devida é o sustento do

alimentado, servindo o dinheiro como medida desse valor. Igualmente, numa colisão de

veículos, a prestação devida é o conserto do automóvel, servindo o dinheiro para medir

o valor do débito. Da mesma forma, na multa penal, a prestação devida é a pena,

consistente na reparação do mal injusto pelo mal justo, servindo o dinheiro para valorar

essa prestação.

Expostas assim, em rápida síntese, as principais ideias sobre a natureza jurídica

da multa penal, sinto-me animado a afirmar que a expressão “dívida de valor” não tem o

condão de retirar da multa o caráter de pena.

No tocante à execução da multa, entendo que se encontra em vigor o art. 164

da LEP, de modo que o título executivo é a certidão da sentença condenatória com

trânsito em julgado, e não a certidão da dívida ativa. A execução é promovida pelo

Promotor de Justiça, e não pelo Procurador do Estado. A vara competente é a da execução

penal, e não a do anexo fiscal.”

Este ponto de vista foi acolhido integralmente pela lei 13.964/2019, que pôs fim

à discussão.

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• Art. 75 do Código Penal – Limite das penas

Com o advento da Lei 13.964/2019, o tempo máximo de cumprimento da pena,

que era de 30 (trinta) anos, passou a ser de 40 (quarenta) anos.

A propósito, dispõe o art. 75 do CP:

“O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser

superior a 40 (quarenta) anos”.

O §1º do art. 75 acrescenta que:

“Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja

superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo

deste artigo”.

Trata-se de “novatio legis in pejus”, aplicável apenas aos crimes ocorridos a

partir de sua vigência, sendo, pois, irretroativa.

O art. 10 da LCP, por sua vez, também determina que, nas contravenções penais,

“a duração da pena de prisão simples não pode, em caso algum, ser superior a 5 (cinco)

anos”.

Estes dois dispositivos legais, inspirados na proibição constitucional da pena de

prisão perpétua, traçam limites à duração da pena privativa de liberdade.

Admite-se, porém, condenação superior a 40 (quarenta) anos de prisão. Nesse

caso, o juízo da execução unifica as penas no limite máximo de 40 (quarenta) anos. Essa

unificação, conforme se depreende do art. 75, é só para o efeito de cumprimento da pena,

não se aplicando a livramento condicional, remição, progressão de regimes, ou a outras

finalidades. Sobre o assunto, dispõe a Súmula 715 do STF: “A pena unificada para atender

ao limite de 30 (trinta) anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal,

não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional

ou o regime mais favorável de execução”. Onde se consta 30 (trinta) anos, na súmula 715,

deve ser lido 40 (quarenta) anos, por força da lei 13.964/2019.

Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena,

far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido

(§ 2º do art. 75 do CP).

Assim, vindo o agente a praticar outro crime durante o cumprimento da pena,

far-se-á nova unificação, somando-se o restante da pena com a nova condenação,

respeitando, também, nessa segunda unificação, o limite máximo de 40 (quarenta) anos.

O sentenciado que, ao delinquir no cárcere, tivesse ainda dez anos de reclusão a cumprir,

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a partir do novo crime, pelo qual, por exemplo, foi condenado a trinta e cinco anos de

reclusão, teria de cumprir mais 40 (quarenta) de reclusão.

Imagine, porém, que, registrando trezentos anos de prisão, unificada na

execução para o limite de 40 (quarenta) anos, ele viesse, dentro do presídio, após cumprir

25 (vinte e cinco) anos, a cometer um pequeno delito, sendo condenado a seis meses de

reclusão. Nesse caso, far-se-á nova unificação entre o restante da pena unificada, isto é,

15 (quinze) anos, e a nova condenação de 6 (seis) meses. Não me parece que a unificação

deva ser feita pelo restante do total da pena, ou seja, 275 (duzentos e setenta e cinco)

anos, porque a expressão “far-se-á nova unificação”, prevista no § 2º do art. 75 do CP,

deve ser interpretada no sentido de nova unificação da pena subsequente com o restante

da pena anteriormente unificada.

Sobre o momento da consideração da pena para o fim de unificação, não se pode

olvidar a norma consagrada no art. 4º do CP, consagrando a teoria da atividade, que

considera praticado o delito no momento da conduta. Sendo assim, toma-se o restante da

pena ao tempo da conduta criminosa, adicionando-se a ela a nova condenação,

respeitando-se o limite máximo de 40 (quarenta) anos, deduzindo-se ainda o tempo de

pena cumprido após a prática do novo crime.

Miremos no exemplo de um condenado a 40 (quarenta) anos, que praticou novo

delito quando já havia cumprido 26 (vinte e seis) anos de pena, restando-lhe, portanto,

ao tempo da conduta delituosa, 14 (quatorze) anos. Ele é condenado, pelo novo crime, a

38 (trinta e oito) anos de reclusão. Por consequência, terá que cumprir os 14 (quatorze)

anos restantes da pena anterior mais 26 (vinte e seis) anos da nova pena, totalizando 40

(quarenta) anos. Se por ocasião desta nova condenação, em razão da demora do

processo, restasse apenas 3 (três) anos da pena anterior, ele teria que cumprir estes

(três) anos da pena anterior mais 26 (vinte e seis) anos da nova pena, pois a unificação

deve ser tomar por base a pena restante ao tempo do crime, que no caso correspondia

a 14 (quatorze) anos.

Por fim, o condenado a 40 (quarenta) anos de reclusão que, nos primeiros dias

de seu ingresso no presídio, vier a cometer um homicídio, matando, por exemplo, o

carcereiro, permanecerá praticamente impune desse novo delito.

• Art. 91-A do Código Penal – Efeitos extrapenais da condenação

Os efeitos da condenação criminal extrapolam os limites jurídico-penais para

adentrar nas fronteiras pertencentes ao direito civil, direito comercial, direito trabalhista,

direito administrativo etc.

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Limitar-nos-emos, para não alongarmos em demasia, à análise dos efeitos

extrapenais previstos no Código Penal. Esses efeitos podem ser genéricos e específicos.

Os primeiros, presentes no art. 91, são automáticos, isto é, independem de declaração

expressa na sentença, ao passo que os segundos, elencados nos arts. 91-A e 92 do CP,

devem ser motivadamente declarados na sentença (arts. 91-A, §3º, e 92, parágrafo

único).

São efeitos genéricos da condenação: a reparação do dano e o confisco.

Os efeitos específicos são:

a) perda do patrimônio incompatível com o rendimento lícito; b) perda dos instrumentos utilizados para a prática de crimes por

organizações criminosas e milícias; c) incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela; d) perda de cargo, função pública ou mandato eletivo; e) inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática

de crime doloso.

No crime de racismo há um outro efeito específico, que pode ser aplicado ao servidor

público condenado por este delito, podendo o juiz ordenar de forma fundamentada a perda

do cargo ou função pública (art. 16 da lei 7716/89).

• Art. 91-A do Código Penal - Perda do patrimônio incompatível com o rendimento lícito

Dispõe o 91-A do CP, introduzido pela lei 13.964/2019:

“Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima

superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou

proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do

condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito”.

Não se trata da pena concreta, mas, sim, da abstrata. Ainda que a condenação

seja inferior a 6(seis) anos, a perda de bens poderá ser decretada se a pena abstrata for

superior a 6 (seis) anos.

Convém observar que somente os crimes punidos com reclusão admitem este

efeito específico da condenação.

O legislador presume que o patrimônio do condenado é incompatível com os

seus rendimentos lícitos, em relação às infrações cuja pena abstrata seja superior a 6(seis)

anos de reclusão.

Trata-se, porém, de uma presunção relativa, pois admite prova em contrário.

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Sobre o assunto, reza o § 2º do art. 91-A do CP:

“O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a

procedência lícita do patrimônio”.

Há, como se vê, uma inversão do ônus da prova.

O dispositivo em análise, entretanto, segundo valiosas opiniões, ao estabelecer

a inversão do ônus da prova, viola o princípio da presunção da inocência, previsto no art.

5º, LVII, da CF.

A perda recairá sobre a diferença entre o valor do patrimônio do condenado e

aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.

A apuração do patrimônio compatível deverá levar em conta, segundo o texto

legal, os rendimentos lícitos do condenado.

Entende-se por rendimentos lícito o total das fontes honestas de rendas do

condenado, deduzindo-se os tributos e contribuições sociais.

O § 1º do art. 91-A do CP esclarece que:

“Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio

do condenado todos os bens:

I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício

direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e

II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória,

a partir do início da atividade criminal”.

Assim, o patrimônio do condenado abrange todos os bens, corpóreos ou

incorpóreos, móveis ou imóveis, inclusive, os semoventes, que sejam:

a) de sua titularidade formal, ou seja, propriedade; b) do seu domínio, que se caracteriza pela presença de um dos seguintes

poderes: usar, gozar, dispor e reaver o bem. Na enfiteuse, por exemplo, o benefício é direto; na nua propriedade, o benefício é indireto. Na alienação fiduciária em garantia, por exemplo, o benefício é direto.

c) bens transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminosa. O legislador, ao permitir a perda de bens que não integram mais o patrimônio do réu, mas, sim, de terceiros, instituiu na área processual penal uma espécie de fraude de execução, consubstanciada na alienação gratuita ou irrisória de bens, após o início da atividade criminosa, ainda que não haja processo em andamento. A atividade criminosa, a que se refere o texto legal, deve dizer respeito ao crime que foi objeto da condenação penal que motivou a perda do bem, sob pena de violação do princípio do juiz natural. É claro que o terceiro poderá ajuizar as medidas cabíveis para impedir a perda do bem, apelando, por exemplo, da sentença ou

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então ingressando com embargos de terceiros na seara criminal.

Por outro lado, a perda do patrimônio incompatível não é automática, pois

depende de requerimento expresso do Ministério Público, ao oferecer a denúncia, com o

intuito de se preservar o princípio da ampla defesa, sendo vedado ao juiz pronunciar-se

de ofício.

De fato, reza o § 3º do art. 91-A do CP:

“A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo

Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença

apurada”.

O § 4º do citado art. 91-A do CP acrescenta que:

“Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e

especificar os bens cuja perda for decretada”.

Assim, na sentença condenatória, o juiz, caso acolha o pedido de perda de bens,

deverá:

a) declarar o valor, em dinheiro, da diferença entre o montante do patrimônio

do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.

b) especificar os bens cuja perda for decretada.

Convém observar que o efeito específico da condenação do art. 91-A do CP, que

recai sobre os bens suspeitos do condenado, não se confunde com o confisco, que incide

sobre os produtos, proveitos e instrumentos do crime.

O art. 91-A do CP é omisso sobre o destino dos bens declarados perdidos, mas,

por analogia, será o mesmo dos bens confiscados.

Perda dos instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações

criminosas e milícias

Dispõe o § 5º do art. 91-A do CP, introduzido pela lei 13.964/2019:

“Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas

e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo

da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das

pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o

cometimento de novos crimes.”

Instrumento, conforme já visto, é o meio utilizado pelo agente para a prática do

crime.

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O efeito da condenação do §5º do art. 91-A distingue-se do confisco dos

instrumentos do crime previstos no art. 91, II, “a”, nos seguintes aspectos:

a) só pode ser confiscado o instrumento cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constituir fato ilícito, ao passo que no art. 91-A, §5º, a perda poderá recair sobre qualquer instrumento do crime praticado por organização criminosa e milícia, ainda que lícito, mesmo que não ponha em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes;

b) o confisco é um efeito da condenação automática, pois independe de menção expressa na sentença. Em contrapartida, o efeito do art. 91-A, §5º, do CP é específico, pois só se verifica quando declarado expressamente na sentença condenatória;

c) o destino do bem confiscado, em regra, é o Fundo Nacional de Segurança Pública. O destino do instrumento do crime, a que faz menção o art. 91-A, §5º, do CP é a União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal;

d) o confisco é um efeito da condenação previstos para todos os crimes. O efeito do art.91-A, §5º, do CP é exclusivo dos crimes praticados por organizações criminosas e milícias.

Convém observar que o art. 91-A, §5º, do CP não se refere à associação

criminosa, mas apenas aos crimes praticados por organização criminosa e milícia, sendo

vedada a analogia “in malam partem”.

Organização criminosa é a associação de quatro ou mais pessoas,

estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que

informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer

natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores

a 4 (quatro) anos, ou que tenham caráter transnacional (§1º do art. 1º da lei

12.850/2013).

Sobre a distinção entre organização e associação criminosa, prevista no art. 288

do CP, vale a pena mencionar o seguinte:

a) a organização criminosa exige 4 (quatro) ou mais pessoas e a finalidade é

praticar infrações penais (crime ou contravenção), cujas penas máximas sejam superiores

a 4 (quatro) anos ou que tenha caráter transnacional, isto é, lese bem jurídico de mais de

um país. A associação criminosa exige 3 (três) ou mais pessoas e a finalidade é praticar

crimes de qualquer natureza.

b) a organização criminosa exige o fim de obter vantagem de qualquer natureza

(econômica ou não). A associação criminosa não exige o fim de obter vantagem.

c) a organização criminosa requer uma estrutura, ainda que informal, com

divisão de tarefas, pressupondo um grau maior de organização. A associação criminosa

não exige sequer uma estrutura informal.

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Por fim, quanto ao crime de milícia, é previsto no art. 288-A do CP. A milícia é o

gênero que abrange as seguintes entidades criminosas:

Organização paramilitar: é o grupo, civil ou militar, que usa táticas e técnicas das

Forças Armadas (Marinha, Exército ou Aeronáutica), para atentar contra a ordem

constitucional e o Estado Democrático. É o caso, por exemplo, das Forças Revolucionárias

Colombianas (Farcs).

Milícia particular: é o grupo formado para combater o narcotráfico e demais

crimes, em favelas e outras comunidades, que agem para prestar serviço de segurança

ou sob este pretexto. Visa, pois, exercer as funções de segurança pública, de atribuição

das polícias civil, militar, federal, rodoviária ou ferroviária (art. 144 da CF). Exemplo:

gangue que impõe aos moradores o dever de obediência à suposta segurança que ela

realiza no local, cobrando mensalidades.

Grupo: é a união de pessoas que buscam impor o seu poder, ditando as regras

que devem ser observadas em determinado local. Exemplo: grupo de presidiários que

traçam o “código de ética” do presídio.

Esquadrão: é o grupo formado por justiceiros, com o objetivo de agir contra os

criminosos. Em regra, miram o extermínio, mas nada obsta que outro seja o propósito,

por exemplo, lesão corporal.

• Art. 116 do Código Penal – Impedimento e suspensão da prescrição

Impedimento é o obstáculo que inviabiliza o início do fluxo prescricional. Na

suspensão, esse obstáculo surge durante o prazo prescricional, paralisando

temporariamente a sua fluência, mas cessado o obstáculo, a prescrição volta a correr,

computando-se o período anterior à suspensão.

O Código Penal, no art. 116, prevê quatro causas impeditivas e suspensivas,

dispondo que a prescrição, antes de passar em julgado a sentença final, não corre:

“I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o

reconhecimento da existência do crime;

II - enquanto o agente cumpre pena no exterior”;

III - na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais

Superiores, quando inadmissíveis; e

IV - enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução

penal.

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A primeira delas é referente à questão prejudicial ainda não resolvida em outro

processo. Questão prejudicial é a que influi na tipicidade do delito. A sua resolução é

imprescindível para a existência do crime. O juiz penal, em regra, tem jurisdição para

decidir qualquer questão, exceto a que versa sobre o estado civil das pessoas, quando,

então, a ação penal ficará obrigatoriamente suspensa até o trânsito em julgado da

sentença prolatada na esfera cível. É o que ocorre com o delito de bigamia, cuja ação

penal ficará suspensa na hipótese de pender, na área cível, ação de anulação do primeiro

casamento. No tocante às prejudiciais não referentes ao estado civil das pessoas, a

suspensão da ação penal é facultativa. Se, por exemplo, o réu processado por furto estiver

discutindo na área cível se a coisa é ou não alheia, a ação penal, a critério do juiz, ficará

suspensa até a resolução dessa questão. De fato, se a coisa lhe pertencer, não haverá

furto, pois este delito pressupõe que a coisa seja alheia. Se, no entanto, o juiz criminal

resolver prosseguir na ação penal, condenando o acusado, este, na hipótese de a

sentença cível lhe ser favorável, atribuindo-lhe o domínio da coisa, poderá ingressar com

o pedido de revisão criminal.

Se, em recurso extraordinário, em razão da repercussão geral, o STF, com base

no art. 1035, §5º, do CPC, mandar suspender os processos penais que versam sobre a

mesma questão, até que se decida, se o fato é típico ou atípico, impõe-se a suspensão da

prescrição, pois se trata de uma questão prejudicial. Exemplo: recurso extraordinário nº

966.177, onde se discute se a contravenção de jogo de azar (art. 50 da LCP) é ou não fato

típico.

A segunda causa suspensiva, cumprimento de pena no exterior, justifica-se pela

impossibilidade em se obter a extradição do acusado. Observe-se, porém, que o

cumprimento de pena no Brasil não impede a fluência da prescrição da pretensão

punitiva.

A terceira causa suspensiva consiste no fato de não correr prescrição na

pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando

inadmissíveis.

A hipótese comporta duas interpretações, pois a redação do art. 116, III, do CP

é dúbia.

Primeira, os embargos de declaração, que suspendem a prescrição, são somente

os interpostos nos Tribunais Superiores.

Segunda, quaisquer embargos de declaração suspendem a prescrição, ainda que

interpostos contra decisão, sentença ou acórdão.

Gramaticalmente, as duas interpretações são possíveis.

A meu ver, a primeira exegese é a mais correta, pois os embargos de declaração

também são recursos. Ademais, não há razão plausível para que a prescrição se suspenda

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pela interposição de embargos de declaração em outros juízos e tribunais e não se

suspenda com os demais recursos declarados inadmissíveis. O que o texto legal quis

expressar foi o seguinte: “não corre prescrição na pendência de embargos de declaração

ou de quaisquer outros recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis. Convém

ainda salientar que a lei fez expressa menção aos embargos de declaração para se

precaver da corrente doutrinária que não os considera recurso.

De qualquer maneira, trata-se de uma dúvida gramaticalmente insolúvel, razão

pela qual deve ser aplicado excepcionalmente, em matéria de hermenêutica, o princípio

“in dubio pro reo”, de modo que a prescrição só não correrá em relação aos embargos

de declaração declarados inadmissíveis, que foram dirigidos aos Tribunais Superiores,

pois a suspensão da prescrição é prejudicial ao réu, mas o assunto certamente ensejará

polêmica.

A prescrição permanecerá suspensa no período entre a interposição dos

embargos de declaração e a publicação da decisão de inadmissibilidade.

Conquanto a lei não faça distinção entre os embargos de declaração interpostos

pela acusação ou pela defesa, o seu objetivo foi evitar a interposição de recursos

meramente protelatórios, inerentes à defesa, e, por isso, a meu ver, a prescrição não se

suspenderá nos embargos de declaração oriundos do órgão acusatório, mas este tema

ensejará polêmica, pois é também possível argumentar que onde a lei não distingue ao

intérprete não é lícito distinguir.

É, porém, necessário, para que se obste a fluência da prescrição, que os

embargos de declaração não sejam admitidos.

Cumpre não confundir a inadmissibilidade com o não provimento dos embargos

de declaração.

A não admissibilidade é o não preenchimento dos pressupostos de

admissibilidade do recurso. Exemplo: os embargos de declaração não descrevem os vícios

da decisão embargada.

O não provimento é a sua rejeição, no mérito, após o recurso ter sido admitido.

Exemplo: os embargos de declaração descrevem o vício da omissão e, por isso, são

conhecidos, mas o órgão julgador, ao analisar o mérito, conclui que não houve a omissão

alegada e, diante disso, nega provimento ao recurso.

A prescrição não corre quando os embargos de declaração não são admitidos,

mas, uma vez admitidos, ainda que não providos, a prescrição fluirá. De fato, a suspensão

da prescrição é prejudicial ao acusado, sendo vedada a analogia “in malam partem”.

Igualmente, não corre a prescrição na pendência de recursos aos Tribunais

Superiores, quando inadmissíveis.

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Há, pois, duas situações:

a) o recurso não é admitido, pois não preenche os requisitos admissibilidade.

Neste caso, a prescrição permanecerá suspensa entre a data do protocolo do recurso e

a publicação da decisão monocrática ou acórdão que o julgou inadmissível.

b) o recurso é admitido, mas, no mérito, o Tribunal Superior lhe nega

provimento. Neste caso, a prescrição não será tida como suspensa, fluindo

normalmente.

Os Tribunais Superiores são: STJ, STM, TSE e TST. Este último, porém, não tem

competência penal.

Convém ressaltar que o STF não é tratado pela Constituição Federal como sendo

um Tribunal Superior, mas, sim, como um Tribunal Supremo, que está acima de todos os

demais.

Diante disso, força convir que, na pendência de recurso extraordinário ao STF a

prescrição fluirá normalmente, pois é vedada a analogia “in malam partem”. Outra

exegese, porém, também deverá considerar o STF como sendo um Tribunal Superior,

com base na interpretação extensiva.

Por fim, quanto aos recursos interpostos perante os Tribunais de Justiça,

Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais Eleitorais, ainda que não conhecidos,

não suspenderão o curso da prescrição.

A última causa de suspensão da prescrição, prevista no art. 116, IV, é o acordo

de não persecução penal. Na pendência deste acordo, a prescrição permanecerá

suspensa e só voltará a fluir na hipótese de descumprimento ou rescisão. O acordo de

não persecução penal é o instituto pelo qual o Ministério Público se abstém de oferecer

a denúncia na hipótese de o autor da infração penal confessar a autoria e ainda aceitar

determinadas condições não privativas da liberdade. Este acordo, que deve ser

homologado pelo juiz, só é possível nas infrações penais cometidas sem violência ou grave

ameaça à pessoa, cuja pena mínima seja inferior a 4 (quatro) anos, desde ainda que não

seja cabível a transação penal da lei 9.099/95. O reincidente não pode usufruir deste

benefício. A prescrição só será suspensa a partir da publicação da decisão judicial que

homologou o acordo de não persecução penal; e voltará a fluir a partir da publicação da

decisão judicial que declarar rescindido o referido acordo.

• Art. 157, § 2º, do Código Penal – Roubo qualificado, agravado ou circunstanciado ou

majorado

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De acordo com o § 2º do art. 157 do CP, a pena aumenta de 1/3 (um terço) até

a metade:

1. Se há concurso de duas ou mais pessoas; 2. Se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece

tal circunstância; 3. Se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado

para outro Estado ou para o exterior; 4. Se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade; 5. Se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que,

conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego; 6. Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca.

Vê-se assim a existência de seis causas de aumento de pena, que são aplicáveis

ao roubo próprio e ao impróprio, mas que não incidem em relação ao roubo qualificado

pelo resultado, previsto no §3º do art.157, porque as sobreditas causas de aumento

antecedem à qualificadora do § 3º.

A primeira majorante, consistente no concurso de duas ou mais pessoas,

justifica-se pela maior organização do delito, aumentando a possibilidade de consumação

à medida em que diminui a chance de defesa da vítima. Os menores de 18 anos, os

doentes mentais e os desconhecidos, participantes da conduta criminosa, também são

computados. Quanto à necessidade de participação na execução, a matéria já foi

analisada por ocasião do furto qualificado (CP, art.155, §4º, inciso IV).

A segunda causa de aumento ocorre quando a vítima está em serviço de

transporte de valores e o agente conhece tal circunstância. Objetiva-se tutelar a

segurança do transporte. A expressão valores abrange o dinheiro, joias preciosas e

qualquer outro bem passível de ser convertido em pecúnia. O valor que a vítima

transporta deve ser alheio, porque a lei fala em serviço de transporte, de modo que não

incide o aumento se a vítima transporta valores próprios. A noção de serviço nada tem a

ver com emprego, incidindo o aumento ainda que o transporte seja gratuito ou acidental.

O serviço de transporte consiste na condução da coisa de um local para outro. Se a vítima

estiver apenas portando valores alheios, o roubo será simples. Finalmente, urge que o

agente saiba que a vítima está em serviço de transporte. A lei exige o dolo direto, isto é,

a certeza acerca desse fato. A dúvida sobre a vítima estar ou não em serviço de

transporte de valores exclui o aumento, porque não se admite, em tal hipótese, o dolo

eventual.

A terceira majorante consiste na subtração de veículo automotor que venha a

ser transportado para outro Estado ou Exterior. A expressão “veículo automotor”

abrange aeronaves, automóveis, motocicletas, lanchas, jet-ski, enfim qualquer veículo

movido por motor de propulsão. Exclui-se os veículos de tração humana (exemplo:

bicicleta), bem como os de tração animal (exemplo: charrete). Urge, para a incidência do

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aumento da pena, que o veículo seja efetivamente transportado para outro Estado ou

Exterior. Justifica-se o aumento, porque o transporte diminui a possibilidade de

recuperação do bem, facilitando ainda a adulteração e negociação do veículo, lesando,

por consequência, eventuais terceiros de boa-fé. Consuma-se o transporte quando o

veículo transpõe a fronteira, não necessitando que chegue até o local almejado pelo

agente. Não há necessidade de se efetuar o transporte através de outro veículo, isto é,

sobre uma jamanta ou caminhão. Por outro lado, responde por receptação o agente que

é contratado, após a consumação do roubo, apenas para transportar o veículo, que sabe

roubado. Em tal hipótese, não há falar-se em participação, porque o delito de roubo já

estava consumado. Só se configura a participação quando o agente atua antes da

consumação. O autor do roubo, porém, responderá pelo roubo qualificado, desde que

tenha dado causa dolosamente ao transporte pelo terceiro. O terceiro que transporta o

veículo, após a consumação, poderá ser partícipe do roubo, e não receptador, na

hipótese de ter prometido realizar o transporte antes da prática do roubo, pois, como se

sabe, a promessa de auxílio caracteriza uma instigação, sendo suficiente para gerar a

participação.

A quarta majorante ocorre quando o agente mantém a vítima em seu poder,

restringindo a sua liberdade. Justifica-se o aumento, tendo em vista a violação da

liberdade pessoal de movimento, isto é, o direito de ir, vir e ficar no local. Quanto ao

crime de sequestro, será absorvido, pois já funciona como causa de aumento de pena do

roubo.

Urge salientar, todavia, que nem toda a restrição da liberdade consiste na

subtração da vítima de um local para conduzi-la a outro (deductio de loco ad locum). Se,

ao inverso, não houver a tirada da vítima do local onde já se achava, mas mera retenção,

como, por exemplo, trancá-la no quarto da própria casa, caracteriza-se, da mesma forma,

o delito em apreço. Defrontamo-nos, nesse último caso, com a restrição per obsidionem.

Só se configura a majorante quando o sequestro funcionar como meio de

execução do roubo ou então para assegurar a fuga. Em tal hipótese, conforme já dito, o

crime de sequestro, previsto no art.148 do CP, é absorvido, por força do princípio da

subsidiariedade implícita.

O reconhecimento da majorante depende da conexão entre o sequestro e a

subtração ou então entre o sequestro e a fuga. Em suma, o sequestro há de ser um

desdobramento do roubo. Se, não obstante, o agente sequestrar a vítima para assegurar

a fuga ou a subtração, vindo a mantê-la em seu poder após já ter garantido a fuga e a

subtração, haverá delito de roubo qualificado pela restrição da liberdade em concurso

material com o delito de sequestro previsto no art. 148 do CP. Com efeito, em tal

circunstância surge um novo dolo, qual seja, o dolo de sequestro, que se desvinculou do

roubo anterior à medida em que a fuga e a subtração já estavam asseguradas. E não há

falar-se em bis in idem diante da existência de dois sequestros distintos. O primeiro serviu

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como desdobramento do roubo. O segundo iniciou-se após assegurada a fuga e a

subtração. Há posicionamento, porém, que o delito seria simples em concurso com

sequestro.

Ressalte-se ainda a lição de Guilherme de Souza Nucci no sentido de que não

configura a causa de aumento quando o agente segura a vítima por brevíssimo tempo,

o suficiente para tomar-lhe o bem almejado (exemplo: disposto a tomar o veículo da

vítima, o agente ingressa no automóvel unicamente para, alguns quarteirões depois,

colocá-la para fora). Com efeito, o tipo penal fala em manter, o que implica sempre uma

duração razoável.

Por outro lado, discordamos do brilhante penalista Cezar Roberto Bittencourt,

que exclui a majorante quando o eventual sequestro for praticado depois da consumação

do roubo. A nosso ver, o sequestro após a consumação do roubo pode dar ensejo ao

aumento da pena, desde que necessário para assegurar a fuga, tendo em vista que a lei

não faz distinção quanto ao momento do sequestro; se, ao revés, o sequestro não tiver

a finalidade de assegurar a fuga nem a subtração daí sim exclui-se a majorante,

respondendo o agente por roubo simples em concurso com o crime de sequestro.

Quanto ao agente que, após consumar o roubo e garantir a fuga, prosseguir

sequestrando a vítima, extorquindo-a com o fim de obter outras vantagens econômicas,

responderá por roubo em concurso com extorsão, ambos os delitos qualificados pela

restrição da liberdade.

A quinta majorante, se a subtração for de substâncias explosivas ou de

acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou

emprego, é idêntica à qualificadora do furto do art. §7º do art. 155 do CP, ambas

introduzidas pela Lei 13.654/2018.

A última causa de aumento de pena, violência ou grave ameaça exercida com

emprego de arma branca, foi introduzida pela lei 13.964/2019. Arma branca é a que não

é arma de fogo. Trata-se de um conceito que se obtém por exclusão. Abrange as armas

impróprias, que são os instrumentos que servem para ataque ou defesa, embora não seja

esta a sua finalidade, como a tesoura, faca de cozinha, pedaço de pau, caco de vidro, etc.,

bem como as armas próprias que não sejam de fogo, que são os instrumentos cuja

finalidade específica é o ataque ou defesa, como o punhal, a espada, o soco inglês e

outros. Outra corrente, ao revés, só considera arma branca as armas próprias, ou seja, o

instrumento que tem a finalidade específica de ataque ou defesa. É mister, para a

majoração da pena, que haja o emprego da arma branca, que consiste no seu uso efetivo

ou exibição ostensiva. Caso a arma branca não tenha sido exibida nem anunciada pelo

assaltante, exclui-se a majorante.

Roubo majorado pelo emprego de arma de fogo

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São três as majorantes do roubo com emprego de arma de fogo. São elas:

a) arma de fogo de uso permitido: é aquela cujo porte é passível de obtenção. Nesse caso, a pena é aumentada de 2/3 (dois terços), por força do art. 157, §2º-A, I, do CP, introduzido pela lei 13.654/2018.

b) arma de fogo de uso restrito: é aquela cujo porte é restrito a determinadas pessoas. Neste caso, a pena é dobrada, nos termos do art. 157, §2º-B, do CP, introduzido pela lei 13.964/2019.

c) arma de fogo de uso proibido: é aquela cujo porte é vedado. A pena também é dobrada, nos termos do art. 157, §2º-B, do CP, introduzido pela lei 13.964/2019.

Justifica-se a majorante, em razão da maior potencialidade lesiva do fato, que

cria risco de morte à vítima.

O porte oculto não majora a pena do roubo, porque a lei exige o emprego da

arma, consistente no uso efetivo ou porte ostensivo. Assim, só incide a majorante quando

a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo.

Por outro lado, o roubo majorado absorve o delito de arma de fogo, previsto na

legislação especial, que já funciona como causa de aumento de pena, sendo de rigor o

afastamento dessa última norma em face do princípio da subsidiariedade implícita. Outra

corrente, entretanto, sustenta que o crime de porte de arma só será absorvido quando

o agente armar-se com a finalidade específica de praticar o roubo, caso tenha se armado,

independentemente do roubo, responderá também pelo crime de porte de arma em

concurso com o roubo majorado pelo emprego de arma.

Quanto à arma de brinquedo, também denominada “arma finta”, não funciona

como causa de aumento de pena, pois não se trata de arma de fogo, mas é suficiente

para servir de meio de execução de um roubo simples. O agente que na calada da noite

encosta o dedo nas costas da vítima, simulando estar armado, responde por roubo

simples, porque o dedo não pode ser equiparado a arma. A situação é idêntica quando

se trata de arma de brinquedo.

Quanto à arma descarregada, também não majora a pena do roubo, falta-lhe

potencialidade ofensiva e, portanto, não se trata de arma, respondendo o agente por

roubo simples.

No tocante à arma não apreendida, compete ao agente exibi-la em juízo para

que seja periciada, sob pena de incidência da majorante diante da presunção de

potencialidade ofensiva.

• Art. 171, § 5º, do Código Penal – Ação penal de crime de estelionato

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A partir do advento da Lei 13.964/2019, o delito de estelionato, que era de ação

penal pública incondicionada, se tornou de ação pública condicionada à representação.

A ação penal será, entretanto, pública incondicionada, nos termos do § 5º do

art. 171 do CP, quando a vítima for:

I - a Administração Pública, direta ou indireta;

II - criança ou adolescente;

III - pessoa com deficiência mental; ou

IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.”

Vê-se assim que o estelionato, cuja ação penal era pública incondicionada,

transmudou-se, em regra, para ação penal pública condicionada à representação.

Trata-se de “novatio legis in mellius”, aplicável aos crimes ocorridos antes da sua

vigência. De fato, a norma que exige representação, aos delitos que eram de ação pública

incondicionada, tem caráter híbrido, sendo simultaneamente uma norma penal e

processual penal, mas prevalece o seu caráter penal, devendo retroagir para beneficiar o

réu.

Neste caso, se a vítima, no curso do processo já houver manifestado a sua

vontade de instaurar a persecução penal contra o criminoso, tendo providenciado, por

exemplo, o boletim de ocorrência, este fato já servirá como representação e, por

consequência, o processo terá prosseguimento normal.

Se, entretanto, não houver no processo nenhum ato da vítima que possa ser

interpretado como representação, o juiz, caso ainda não decorrido o prazo decadencial

de 6 (seis) meses, deverá ordenar a intimação da vítima para manifestar-se sobre a sua

intenção de representar.

Em havendo a representação, o processo prosseguirá, aproveitando-se os atos

anteriores. Em não havendo a representação, o juiz deverá anular o processo, desde a

denúncia, por falta de pressuposto processual e, após decorrido o prazo de 6(seis) meses,

a contar do conhecimento da autoria do crime, decretar a extinção da punibilidade pela

decadência.

O prazo para oferecer a representação é contado do conhecimento da autoria

do crime, de modo que, para se iniciar uma nova contagem a partir da publicação da nova

lei, haveria necessidade de uma norma legal expressa regulando o direito intertemporal.

Convém observar que, com base no princípio da proporcionalidade, a

Defensoria Pública sustenta que, em delitos patrimoniais menos graves, a ação penal

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também depende de representação. Exemplos: arts. 155, “caput”, 168, “caput”, 180,

“caput”, e 180, §3º, todos do CP.

• Art. 316 do Código Penal – Pena do crime de concussão

A corrupção passiva, que é prevista no art. 317 do CP, tem a seguinte pena:

reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Entretanto, o crime de concussão, previsto no art. 316 do CP, que é mais grave,

tendo em vista que o funcionário público faz uma exigência, com conotação ameaçadora,

a pena era inferior, reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

Era nítida a violação do princípio da proporcionalidade da pena, porquanto o

delito menor não pode ter uma reprimenda maior que o delito mais grave.

A confusão foi gerada pela lei 10.763/2003, que aumentou a pena da corrupção

passiva e se esqueceu de majorar a pena do crime de concussão.

A doutrina preconizava pela recomposição da lógica para que a pena máxima da

corrupção passiva fosse também de 8 (oito) anos, além da multa. Quanto à pena mínima,

não havia qualquer ilegalidade.

Com o advento da Lei 13.964/2019, a pena do delito de concussão passou a ser

de reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa, igualando-se, destarte, à pena do crime

de corrupção passiva, previsto no art. 317 do CP, encerrando-se, destarte, a

incongruência.

Código de Processo Penal

• Art. 315, §2º, do Código de Processo Penal – Precedente Judicial

Introdução

No Brasil, adota-se, em regra, o “civil law”, que é o ordenamento jurídico

composto pelo direito legislado. Entretanto, o “common law”, que é o ordenamento

jurídico baseado no direito costumeiro e em decisões judiciais também é seguido em

algumas situações.

O art. 315, §2º, VI, do CPP, introduzido pela lei 13.964/2019, aproxima ainda

mais esses dois sistemas, à medida que torna obrigatório o cumprimento de

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determinadas súmulas e decisões judiciais, provocando uma verdadeira revolução na

seara penal e processual penal.

A propósito, dispõe o aludido art. 315, § 2º, VI, do CPP:

“Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela

interlocutória, sentença ou acórdão, que:

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

Este inciso VI consagra na esfera processual penal os precedentes obrigatórios ou vinculantes, que doravante deverão ser seguidos por juízes e tribunais.

Entretanto, o CPP não esclarece quais seriam estes precedentes obrigatórios, sendo aplicado, por analogia, nos termos do art. 3º do CPP, o art. 927 do CPC, que prevê os precedentes que necessariamente deverão ser observados pelos magistrados.

É certo, pois, que o art. 315, §2º, VI do CPP, numa interpretação isolada, torna obrigatória qualquer súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte.

Penso, porém, que deve se sujeitar à interpretação restritiva para abranger somente as hipóteses do art. 927 do CPC.

Com efeito, de acordo com o art. 927 do CPC:

“Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de

constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de

demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria

constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem

vinculados”.

O rol acima refere-se aos precedentes e súmulas obrigatórios, que devem ser

observados pelos juízes e tribunais. Não é qualquer precedente e súmula que são

obrigatórios, mas apenas os mencionados acima.

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Uma primeira corrente sustenta a inconstitucionalidade do art. 927 do CPC, à

exceção dos incisos I e II que se encontram previstos na Constituição, pois não se pode,

através de uma simples lei ordinária, implantar no Brasil a doutrina do “common law”.

Ademais, argumenta-se que esta obrigatoriedade de se cumprir certas súmulas e

precedentes judiciais viola o princípio da livre convicção do magistrado.

Outra corrente, que é dominante, defende a constitucionalidade, pois esta

obrigatoriedade de se cumprir certas súmulas e precedentes judiciais tem o objetivo de

preservar os princípios da isonomia e da segurança jurídica. Modernamente, entende-se

que a norma jurídica é o resultado de uma interpretação, e não algo pronto e acabado,

de modo que a decisão judicial, além de solucionar o caso concreto, ainda serve para

tornar uníssona a hermenêutica do direito. Acrescente-se ainda que o princípio da

legalidade impõe o respeito à lei. A exigência de cumprimento de súmulas e precedentes

judiciais não afrontam o princípio da legalidade, pois respeitar a lei é acima de tudo

respeitar a forma como ela é interpretada pelos tribunais.

Conceito de precedente judicial

Precedente judicial, também chamado de “ratio decidendi” ou “holding”, é a

tese jurídica essencial para a solução da questão jurídica, que foi adotada na

fundamentação de uma decisão judicial.

O precedente judicial não é propriamente uma decisão judicial, mas sim a

fundamentação de uma decisão judicial. É, pois, formado a partir de uma decisão judicial,

mas não é equivalente à decisão judicial.

Os precedentes judiciais obrigatórios são apenas aqueles mencionados no art.

927. Portanto, nem toda fundamentação de uma decisão judicial pode ser considerada

um precedente judicial. Aliás, a fundamentação, para ter o status de precedente judicial,

não basta se enquadrar no art. 927 do CPC, pois é ainda necessário que se trate de uma

fundamentação essencial ao deslinde da questão jurídica.

O chamado “obiter dictum”, que é a fundamentação jurídica acessória,

dispensável, não essencial à solução da questão jurídica, não constitui precedente

judicial.

Conteúdo do precedente judicial

O precedente judicial compreende apenas a fundamentação jurídica essencial,

adotada pelo acórdão, para decidir o caso concreto.

Não abrange, portanto, o “obiter dictum”, que é o argumento jurídico

prescindível, acessório, mencionado na fundamentação da decisão.

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Se, porém, na fundamentação do acórdão, houver mais de uma tese jurídica

essencial à conclusão, todas elas serão consideradas partes integrantes do precedente

judicial.

Métodos de identificação do precedente

Na identificação do precedente, os dois principais critérios são:

a) método de Wambaugh: a tese jurídica só será um precedente quando a sua

exclusão alterar a conclusão do julgado. Se, no entanto, a sua exclusão não alterar a

conclusão é porque se trata de uma argumentação acessória, isto é, de um “obiter

dictum”. Este método, no entanto, é frágil quando o julgado adota duas fundamentações

jurídicas que, isoladamente, levam à mesma decisão.

b) método de Goodhart: a fundamentação jurídica, que constitui precedente,

deve ser identificada a partir dos pontos relevantes à decisão. Assim, uma determinada

fundamentação jurídica só será considerada precedente judicial quando versar sobre

fatos relevantes da decisão. Identifica-se primeiro estes fatos, sendo que o precedente

será a fundamentação jurídica essencial acerca dos referidos fatos.

Por outro lado, o precedente judicial abrange a fundamentação jurídica acerca

do mérito e também sobre questões processuais, ou seja, pode ter por objeto questão

de direito material ou processual.

Diferença entre a eficácia do precedente e coisa julgada

A coisa julgada recai sobre o dispositivo da decisão de mérito e só atinge as

partes, ao passo que o precedente incide sobre a fundamentação jurídica e produz

efeitos “erga omnes”.

Distinção entre precedente judicial, jurisprudência e súmula

Precedente é a fundamentação essencial para a decisão de uma questão

jurídica. É, pois, a tese jurídica constante na fundamentação de uma decisão judicial. Não

se exige, para a caracterização do precedente, que essa tese jurídica tenha sido prolatada

mais de uma vez, sendo suficiente que haja uma única decisão judicial.

A fundamentação jurídica que constitui precedente é a constante nas decisões

do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, nos

acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas

repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos e na

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orientação do plenário ou do órgão especial aos quais os magistrados estiverem

vinculados (art. 927, I, III e V do CPC).

A jurisprudência, por sua vez, é a reiteração uniforme e constante de decisões

judiciais dos tribunais. Exige, pois, a repetição de acórdãos no mesmo sentido. A

jurisprudência não é vinculante, salvo nas hipóteses do art. 927 do CPC.

Por fim, a súmula é o enunciado do tribunal que, de forma escrita e sintética,

formaliza a consagração pacífica de uma determinada jurisprudência. É, pois, a síntese

escrita da jurisprudência dominante. Trata-se de um método de trabalho para ordenar e

facilitar a atividade jurisdicional.

De acordo com o §2º do art. 926 do CPC, os tribunais, ao editarem os enunciados

de súmulas, devem descrever as circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a

sua criação.

A rigor, tanto a jurisprudência quanto a súmula são também precedentes

judiciais, pois ambos consagram uma determinada fundamentação jurídica acerca de

uma situação fática subjacente. Entretanto, as súmulas que são precedentes obrigatórios

são somente aquelas mencionadas no art. 927, II, IV e V, do CPC.

Análise dos precedentes obrigatórios

Os precedentes obrigatórios são os que necessariamente devem ser

observados pelos juízes e tribunais. Nada obsta que, no julgamento, haja a aplicação do

precedente com a ressalva do magistrado no sentido de que esposa ponto de vista

diferente, conforme Enunciado 172 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Se a

situação fática do caso concreto for diversa, o precedente será afastado, mediante uma

distinção fundamentada (Enunciado 306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).

Os precedentes obrigatórios, de acordo com o art. 927 do CPC, são as seguintes:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de

constitucionalidade.

O controle abstrato ou concentrado de constitucionalidade é o que promove a

discussão, em tese, da adequação da lei ou ato normativo federal ou estadual à

Constituição Federal. Trata-se de um processo objetivo, isto é, que se instaura sem que

haja qualquer conflito concreto a ser solucionado.

Este controle é feito exclusivamente pelo STF. Para tanto, é preciso que os

legitimados constitucionais, arrolados no art. 103 da CF, promovam uma das seguintes

ações:

a) Ação direta de inconstitucionalidade (ADIN);

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b) Ação declaratória de constitucionalidade (ADECON); c) Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF); O que é decidido no dispositivo destes acórdãos do STF faz coisa julgada

material, com efeito “erga omnes”, vinculando todos os demais órgãos jurisdicionais do

país e a administração pública, direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,

por força do art. 102, §2º, da CF.

O art.927, I, do CPC, entretanto, trata de assunto diverso, isto é, do efeito “erga

omnes” do precedente, que é a fundamentação jurídica dos referidos acórdãos. Esta

vinculação, contudo, só se aplica aos juízes e tribunais e não à administração pública.

Se, por exemplo, o STF declara a inconstitucionalidade de uma lei federal por

entender que a União não poderia legislar sobre determinado assunto, os juízes, os

tribunais e a administração pública não poderão aplicar esta lei. Mas, caso haja outras

leis federais sobre a mesma matéria, os juízes e tribunais deverão, ao decidir um caso

concreto, declará-la também inconstitucional, por força da vinculação da tese jurídica

constante na fundamentação daquele acórdão, mas a Administração Pública poderá

continuar aplicando as leis que versam sobre aquele assunto.

II – os enunciados de súmula vinculante.

A súmula vinculante é editada exclusivamente pelo STF, após reiteradas decisões

sobre matéria constitucional. É obrigatória a sua observação pelos demais órgãos do

Poder Judiciário e da Administração Pública, direta ou indireta, nas esferas federal,

estadual e municipal, conforme art. 105-A da CF.

A iniciativa de criar súmula vinculante pode ser, de ofício pelo STF, ou mediante

requerimento dos legitimados constantes no art. 3º da Lei 11.417/2006.

O quórum de aprovação é de 2/3 (dois terços) dos ministros do STF.

III – os acórdãos prolatados em incidente de assunção de competência ou de

resolução de demandas repetitivas ou em julgamento de recursos extraordinário e especial

repetitivos.

O dispositivo em análise aborda três situações:

a) acórdão do incidente de assunção de competência. Este acórdão pode ser prolatado pelos tribunais locais ou superiores.

b) acórdão do incidente de resolução de demandas repetitivas. Este acórdão só pode ser prolatado pelos tribunais locais (TJ, TRF e TRT).

c) acórdão do recurso extraordinário ou especial repetitivos. Este acórdão só pode ser prolatado pelo STF e STJ, respectivamente.

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria

constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional.

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Não é qualquer súmula do STF ou STJ que terão incidência obrigatória, mas

apenas as que versam, respectivamente, sobre matéria constitucional e

infraconstitucional.

Note-se que enquanto as súmulas vinculantes do STF vinculam também a

administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, as

demais súmulas do STF e do STJ só obrigam os juízes e os tribunais.

Outra diferença é que caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério

Público para garantir a observância de súmula vinculante do STF, mas não será cabível

para se garantir a observância das demais súmulas do STF ou STJ, conforme se conclui da

interpretação do art. 988, IV, do CPC.

V – orientação do plenário ou do órgão especiais aos quais estiverem vinculados.

Há, assim, as seguintes situações:

a) a tese jurídica do acórdão do plenário do STF sobre matéria constitucional:

vincula todos os tribunais e juízes brasileiros. Impõe-se esta vinculação ainda que não

haja a edição de súmulas.

b) a tese jurídica do acórdão do plenário e órgão especial do STJ sobre matéria

infraconstitucional federal: vincula o próprio STJ, os Tribunais Regionais Federais, os

Tribunais de Justiça Estaduais, os juízes federais e os juízes estaduais.

c) a tese jurídica do plenário ou do órgão especial do TRF: vincula o próprio TRF

e os juízes federais a ele vinculados.

d) a tese do plenário ou do órgão especial do TJ: vincula o próprio TJ e os juízes

estaduais a ele vinculados.

Quanto às súmulas dos tribunais locais (TJ, TRF e TRT), não são de observância

obrigatória. O que é vinculante é a orientação do plenário ou do órgão especial do

tribunal, ainda que não seja editada súmula. Não se exige, para que haja esta

obrigatoriedade, que a decisão seja unânime, basta a maioria absoluta. Vale lembrar que

o precedente é a tese jurídica adotada na fundamentação de uma determinada decisão.

Superação ou revogação do precedente judicial

Conceito e espécies

A revogação do precedente judicial é a cessação de sua aplicabilidade pelo

próprio órgão que o editou.

As hipóteses de revogação, que são conhecidas como técnicas de superação do

precedente, são três: o “overruling”, “overriding” e o “transformation”.

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Nas suas três modalidades, a superação do precedente exige um procedimento

específico. Este procedimento de modificação do entendimento consagrado no

precedente, quando se tratar de súmula vinculante, encontra-se previsto na lei

11.417/2006, mas, em relação aos demais precedentes, o procedimento de revisão é

previsto no regimento interno do respectivo tribunal. A revogação pode ser instaurada

em procedimento autônomo, em que só se discute esse assunto, que é o chamado

“overruling” concentrado, ou em procedimento incidental, que é instaurado no

julgamento de recurso, na remessa necessária ou em causa de competência do tribunal,

que é denominado de “overruling” difuso (Enunciado 321 do Fórum Permanente de

Processualistas Civis).

“Overruling”

“Overruling” é a substituição de uma precedente judicial por outro. É, pois, a sua

revogação total.

O “overruling” classifica-se em:

a) expresso (“express overruling”): quando a substituição do precedente judicial

opera-se através de um procedimento específico, que é instaurado com o objetivo de

revogá-lo. É o sistema adotado no Brasil.

b) tácito (“implied overruling”): quando num julgamento posterior o tribunal

adota tese jurídica contrária à firmada em precedente judicial anterior, sem que seja

instaurado formalmente o procedimento destinado a revogá-lo. A rigor, não é possível a

revogação tácita, pois o §4º do art. 927 do CPC preceitua que: “A modificação de

enunciado da súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de

casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica,

considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da

isonomia”. O §2º do art. 927 do CPC ainda assevera que: “A alteração de tese jurídica

adotada em enunciado de súmula e em julgamento de casos repetitivos poderá ser

precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que

possam contribuir para a rediscussão da tese”. O §2º do art. 927, que prevê inclusive a

participação do “amicus curiae”, segundo a doutrina também deve ser adotado esse

dispositivo legal para a alteração de precedente oriundo de jurisprudência pacificada.

Vê-se assim que para a revogação total ou parcial do precedente judicial é

necessária que haja a instauração de um procedimento autônomo ou incidental. Abre-

se, no entanto, exceção quando sobrevier lei nova incompatível com o precedente

judicial. Este fato acarreta a não aplicação do precedente por qualquer juiz ou tribunal,

salvo quando a referida lei for inconstitucional.

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“Overriding”

“Overriding” é a restrição do âmbito de aplicação de um precedente judicial. É,

pois, a revogação parcial do precedente judicial. O precedente é reescrito com o fim de

restringir o seu âmbito de aplicação, reduzindo-se, destarte, o seu campo de incidência.

Note-se que, enquanto no “overruling”, o precedente é totalmente revogado

por um novo posicionamento; no “overriding”, o precedente é mantido, mas a sua

incidência é reduzida.

“Transformation”

Trata-se também da superação parcial do precedente que, no entanto, é

mantido para o caso anterior e ampliado para se incluir outros aspectos fáticos e

jurídicos, que não eram abordados anteriormente.

No “overriding”, o precedente é revogado parcialmente com redução do seu

campo de incidência. Na “transformation”, amplia-se o campo de incidência do

precedente.

Eficácia temporal da revogação ou alteração do precedente

Na hipótese de revogação ou alteração do precedente judicial, discute-se se o

efeito será retroativo ou prospectivo.

Uma primeira corrente sustenta que a eficácia temporal é retroativa, isto é,

aplica-se aos fatos ocorridos anteriormente à mencionada mudança.

Outra corrente equipara a hipótese à revogação da lei e, dessa forma, impõe o

efeito prospectivo, “ex nunc”, aplicando-se apenas aos fatos ocorridos após a mudança.

O §3º do art. 927 do CPC resolve parcialmente a celeuma ao estipular que: “Na

hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos

tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver

modulação dos efeitos da alteração no interesse social e na segurança jurídica”.

A modulação é o mecanismo que ameniza os efeitos “ex tunc” e “erga omnes”,

por razões de interesse social e de segurança jurídica. Vê-se assim que a modulação só é

possível por razões de interesse social e de segurança jurídica.

São três os possíveis aspectos do efeito modular:

a) restringe os efeitos da alteração do precedente judicial, tornando-a

inaplicável para certas situações concretas.

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b) conferir efeito “ex nunc”, estabelecendo que a alteração do precedente só

terá eficácia aos casos ocorridos após o trânsito em julgado, mantendo-se o precedente

anterior para as situações pretéritas.

c) conferir efeito “pro futuro” à decisão, prevendo que ela só surtirá efeito após

o decurso de um certo prazo, por exemplo, depois de um ano. Enquanto isso, o

precedente anterior continuaria sendo aplicado.

A previsão do efeito modular, que inclusive pode ser determinado de ofício pelo

tribunal, sinaliza, ainda que de forma indireta, que, em regra, a mudança do precedente

tem eficácia retroativa.

Cumpre observar que o código só prevê a modulação dos efeitos em relação aos

precedentes oriundos do STF, dos tribunais superiores e do incidente de resolução de

demandas repetitivas.

Não há previsão legal para a concessão do efeito modular quando se altera os

precedentes judiciais oriundos dos tribunais de justiça, dos tribunais regionais federais e

trabalhistas e do incidente de assunção de competência. Mas creio que, por analogia, se

deva também aplicar o §3º do art. 927 do CPC.

Por fim, a modulação dos efeitos só é prevista para alteração de súmulas e de

teses jurídicas firmadas no julgamento de casos repetitivos, mas, em respeito aos

princípios de segurança jurídica e da confiança, impõe-se também essa possibilidade

quando houver alteração de jurisprudência pacificada, ainda que não sumulada.

“Signaling”

“Signaling” é o anúncio prévio pelo tribunal da possível mudança do precedente

judicial.

Nesse caso, quando operar-se formalmente a sua revogação, o efeito da

mudança será a partir daquele aviso.

O Enunciado 320 do Fórum Permanente de Processualistas Civis dispõe que:

“Os tribunais poderão sinalizar aos jurisdicionados sobre a possibilidade de

mudança de entendimento da corte, com eventual superação ou criação de exceções ao

precedente para casos futuros”.

Diante do “signaling”, o precedente judicial fica sob suspeita e, por isso, as

pessoas não poderão mais invocar, para justificar a sua aplicação a fatos vindouros, o

princípio da confiança.

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“Reversal”

“Reversal” é a reforma do precedente judicial do Tribunal Inferior através do

julgamento de um caso concreto pelo Tribunal Superior.

Trata-se de um mecanismo de controle do precedente judicial e não

propriamente da superação, posto que, sob o ponto de vista técnico, a expressão

revogação ou superação só deve ser utilizada quando a ab-rogação ou derrogação

emanar do próprio órgão que fixou o precedente.

Não aplicação dos precedentes

O precedente vinculante só não será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir

o caso sob julgamento, demonstrando, fundamentadamente, tratar-se de situação

particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa (Enunciado

306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).

Assim, a não aplicação do precedente somente ocorre em três situações:

a) quando, após a aplicação da distinção, se conclui que ele difere do caso

concreto;

b) “overruling”: superação total por outro precedente judicial;

c) “overriding”: limitação da sua incidência por força de lei superveniente.

Leis penais especiais

• Art. 52 da Lei de Execução Penal – Regime Disciplinar Diferenciado

Origem histórica

O Regime Disciplinar Diferenciado surgiu em maio de 2001, veiculado pela

Resolução n. 26 da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo,

para conter o poder de organização das facções criminosas, através do isolamento de

seus líderes, por até 360 (trezentos e sessenta) dias.

De discutível constitucionalidade, porque o assunto, conquanto afeto ao Direito

Penitenciário, de competência dos Estados-membros (art. 24, I, da CF), acabou sendo

criado por uma resolução, mero ato administrativo, em vez de lei estadual emanada da

Assembleia Legislativa, violando, decerto, o princípio da legalidade.

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A questão da inconstitucionalidade acabou sendo superada com a

regulamentação da matéria pelo art. 52 da LEP, com redação dada pela lei n.

10.792/2003, , fixando as normas gerais do sobredito regime, em cumprimento ao

disposto no § 1º do art. 24 da CF, delegando-se aos Estados-membros e Distrito Federal

a edição de normas especiais para: “I — estabelecer o sistema de rodízio entre os agentes

penitenciários que entrem em contato direto com os presos provisórios e condenados; II

— assegurar o sigilo sobre a identidade e demais dados pessoais dos agentes

penitenciários lotados nos estabelecimentos penais de segurança máxima; III — restringir

o acesso dos presos provisórios e condenados aos meios de comunicação de informação;

IV — disciplinar o cadastramento e agendamento prévio das entrevistas dos presos

provisórios ou condenados com seus advogados, regularmente constituídos nos autos da

ação penal ou processo de execução criminal, conforme o caso; V — elaborar programa

de atendimento diferenciado aos presos provisórios e condenados, visando a sua

reintegração ao regime comum e recompensando-lhes o bom comportamento durante

o período de sanção disciplinar”.

Uma parcela da doutrina sustenta a inconstitucionalidade do instituto, alegando

que se trata de pena cruel e por isso viola o princípio da dignidade da pessoa humana.

Com o advento da lei 13.964/2019, o art. 52 da LEP foi novamente alterado,

agravando-se ainda mais o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).

Conceito

O Regime Disciplinar Diferenciado consiste no isolamento do preso, cumulada

com a suspensão e a restrição de determinados direitos.

Anote-se que apenas no regime disciplinar diferenciado o isolamento, a

suspensão e a restrição de direitos podem exceder a 30 (trinta) dias (art. 58 da LEP);

Características

As características desse regime, conforme art. 52 da LEP, são:

I - duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição da sanção

por nova falta grave de mesma espécie;

II - recolhimento em cela individual;

III - visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem realizadas em

instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa

da família ou, no caso de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas)

horas. As visitas serão gravadas em sistemas de áudios ou de áudios e vídeos e, com

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autorização judicial, fiscalizadas por agentes penitenciários (§ 6º do art. 52 da LEP). Após

os primeiros 6 (seis) meses de regime disciplinar diferenciado, o preso que não receber

visita poderá, após prévio agendamento, ter contato telefônico, que será gravado, com

uma pessoa da família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez) minutos (art. 52, §7º da

LEP). A lei não autoriza o contato telefônico ao preso que, nos primeiros 6 (seis) meses,

recebeu visita, mas se permanecer 6 (seis) meses consecutivos sem a referida visita,

deverá lhe ser concedido o direito ao contato telefônico.

IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol,

em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com presos do mesmo

grupo criminoso;

V - entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em

instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, salvo

expressa autorização judicial em contrário;

VI - fiscalização do conteúdo da correspondência;

VII - participação em audiências judiciais preferencialmente por

videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente do

preso.

Prorrogação do RDD

De acordo com o § 4º do art. 52 da LEP, o regime disciplinar diferenciado poderá

ser prorrogado sucessivamente, por períodos de 1 (um) ano, existindo indícios de que o

preso:

I - continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do

estabelecimento penal de origem ou da sociedade;

II - mantém os vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou

milícia privada, considerados também o perfil criminal e a função desempenhada por ele

no grupo criminoso, a operação duradoura do grupo, a superveniência de novos

processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário.

Cada período de prorrogação deve ser no máximo de 1 (um) ano, mas se os fatos

acima persistirem poderá ocorrer uma nova prorrogação de 1 (um) ano e assim

sucessivamente.

Vê-se assim que, em caso de prorrogação, a duração do RDD pode ultrapassar

o período de 2 (dois) anos. A rigor, é possível permanecer no RDD durante todo o tempo

de cumprimento da pena, desde que persistam os fatores de sua prorrogação.

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Local do cumprimento do RDD

Em regra, o RDD é cumprido no próprio presídio onde o preso cumpre a pena.

Entretanto, o regime disciplinar diferenciado será obrigatoriamente cumprido

em estabelecimento prisional federal nas seguintes hipóteses (§3º do art. 52 da LEP):

a) quando houver indícios de que o preso exerce liderança em organização

criminosa, associação criminosa ou milícia privada;

b) quando o preso tiver atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da

Federação.

Nestas hipóteses, o regime disciplinar diferenciado deverá contar com alta

segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade de se

evitar contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação

criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais (art. 52, §5º, da LEP).

O regime disciplinar diferenciado preventivo

O art. 60, 2ª parte, da LEP autoriza o Juiz da execução penal a incluir o preso no

regime disciplinar diferenciado, de forma preventiva, no interesse da disciplina e da

averiguação do fato, pelo prazo máximo de 10 (dez) dias, sem possibilidade de

prorrogação ou de nova decretação pelo mesmo fundamento. Escoado o decênio, como

esclarece Renato Flávio Marcão, ou se determina a inclusão no regime disciplinar

diferenciado, conforme regulado no art. 52, ou se restitui ao preso sua normal condição

de encarcerado.

A decretação do Regime Disciplinar Diferenciado Preventivo depende de fumus

boni iuris e periculum in mora acerca dos fatos autorizadores da sua inclusão definitiva.

O tempo de isolamento ou inclusão preventiva no regime disciplinar

diferenciado será computado no período de cumprimento do regime disciplinar

definitivo (art. 60, parágrafo único, da LEP).

Anote-se que o isolamento preventivo do faltoso pelo prazo de 10 (dez) dias

pode ser decretado por autoridade administrativa (art. 60, 1ª parte, da LEP). Mas esse

isolamento, embora seja uma sanção disciplinar, não caracteriza o regime disciplinar

preventivo. Trata-se da sanção disciplinar prevista no art. 53, IV, da LEP. Acima de 10 (dez)

dias, o isolamento só pode ser decretado pelo Juiz da execução, mas não pode exceder a

30 (trinta) dias, salvo quando se tratar de regime disciplinar diferenciado, conforme

preceitua o art. 58 da LEP.

Fatos autorizadores do ingresso no RDD

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São três os fatos autorizadores do ingresso no sobredito regime:

I — Prática de fato previsto como crime doloso, que ocasione subversão da

ordem ou disciplinas internas (art. 52, “caput”, da LEP). Não basta, como se vê, a prática

do crime doloso, sendo ainda necessária a subversão, isto é, o tumulto da ordem

(organização) ou disciplina (obediência às normas e aos superiores) do presídio. Não é

preciso o trânsito em julgado da condenação para o ingresso no RDD, sendo suficiente a

prática do crime. Inegável o caráter cautelar da medida extrema, cuja frustração seria

fatal se a lei tivesse exigido o trânsito em julgado.

II — Apresentação de alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento

penal ou da sociedade (§1o, I, do art. 52 da LEP).

III — quando houver fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a

qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada,

independentemente da prática de falta grave (§1o, II, do art. 52 da LEP).

Nas três hipóteses, a LEP autoriza a inclusão no Regime Disciplinar Diferenciado

tanto para os presos provisórios quanto para os presos definitivos, nacionais ou

estrangeiros.

Saliente-se, ainda, que, malgrado a omissão da lei, o ingresso no regime

disciplinar diferenciado é tão somente para quem se encontra no regime fechado, ou

cujo prognóstico seja de cumprimento da pena nesse regime, quando se tratar de preso

provisório, sendo incoerente, sem a prévia regressão, incluir no regime excepcional os

presos que se encontram no semiaberto ou aberto.

Natureza jurídica

Batizado doutrinariamente de regime “fechadíssimo”, na verdade, não se trata

de um novo regime penitenciário, mas de uma forma de se cumprir o regime fechado.

Reveste-se da natureza jurídica de sanção disciplinar, conforme se depreende da análise

do art. 53 da LEP. Faz parte do direito penitenciário, e não propriamente do direito penal,

razão pela qual, conquanto mais severa, a nova lei tem aplicação imediata, abrangendo

também fatos anteriores à sua vigência.

Procedimento

O pedido de inclusão no regime disciplinar diferenciado só pode ser formulado

pelo diretor do presídio ou outra autoridade administrativa, como o Secretário da

Segurança Pública e o Secretário da Administração Penitenciária, mediante requerimento

fundamentado (§ 1º do art. 54 da LEP). O Ministério Público não tem legitimidade para

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postular a inclusão no regime disciplinar diferenciado, malgrado opiniões contrárias, que

o enquadram como autoridade administrativa.

O pedido é dirigido ao Juiz da execução, que dará vista dos autos ao Ministério

Público e à defesa, sucessivamente, no prazo máximo de 15 (quinze) dias para cada um.

Em seguida, o Juiz decidirá, podendo a sua decisão ser impugnada por agravo de

execução. Tratando-se preso provisório o pedido deve ser dirigido ao juiz do processo de

conhecimento.

• ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL – PROGRESSÃO DE REGIMES

São três os sistemas penitenciários clássicos: o de Filadélfia, o de Aurbun e o

inglês ou progressivo.

No sistema da Filadélfia, o condenado permanece em isolamento absoluto,

fechado na cela, sem poder sair, salvo esporadicamente para passeio em pátios cerrados.

No sistema de Aurbun, o condenado trabalha em silêncio, durante o dia,

juntamente com outros, permanecendo isolado apenas no período noturno.

No sistema inglês ou progressivo, o condenado inicia a pena em isolamento.

Depois, passa a trabalhar junto com os outros detentos. E, na última fase, é posto em

liberdade condicional.

A reforma penal de 1984 adotou o sistema progressivo ou evolutivo, com

características próprias.

Efetivamente, o condenado a cumprir pena em regime fechado fica sujeito a

trabalho em comum no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno (§§

1ºe 2º do art. 34 do CP). E, depois de cumprir um percentual legal da pena, pode requerer

a transferência para o regime semiaberto, onde o trabalho é comum durante o período

diurno, sendo que o repouso noturno também pode ser coletivo (art. 92 da LEP). E, vindo

a cumprir mais um percentual da pena, previsto em lei, passa para o regime aberto,

quando, então, permanece solto durante o período diurno, recolhendo-se no período

noturno à casa de albergado.

Percentuais de progressão de regime

Até o advento da lei 13.964/2019, bastava cumprir 1/6 (um sexto) da pena para

pleitear a progressão de regimes, mas com o advento desta lei instituiu-se inúmeros

percentuais, cujos critérios são:

a) a reincidência e a primariedade;

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b) o fato de o crime ser ou não cometido com violência ou grave ameaça à

pessoa;

c) o fato de se tratar de crime hediondo ou equiparado, com ou sem resultado

morte.

Assim, de acordo com o art. 112 da LEP, com redação dada pela lei 13.964/2019,

a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência

para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido

ao menos:

I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver

sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça. Neste aspecto, a nova lei pode

ou não se revelar mais branda, pois 16% (dezesseis por cento) é um pouco mais favorável

que 1/6 (um sexto), impondo-se a retroatividade, nas situações benéficas ao réu. A

violência, a que se refere o texto legal, é a física, que abrange as vias de fato, a lesão

corporal e a morte. Não abarca a violência imprópria, que é o fato de o agente, sem

aplicar violência ou grave ameaça, reduzir a vítima à impossibilidade de resistência, por

exemplo, hipnotizar ou drogar a vítima antes de praticar o delito de constrangimento

ilegal, previsto no art. 146 do CP. Assim, o delito de constrangimento ilegal praticado por

réu primário, mediante violência imprópria, admitirá a progressão com percentual de

16% (dezesseis por cento). No tocante à violência culposa, por exemplo, homicídio ou

lesão culposos, também admitirá a progressão com base neste percentual.

II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime

cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça. Este percentual, assim como os dos

incisos posteriores, é mais rigoroso que o anterior, que era de 1/6 (um sexto), e, por isso,

não há falar-se em retroatividade. O texto legal não faz distinção entre o reincidente em

crime doloso e o reincidente em crime culposo. Quanto ao tecnicamente primário, que é

o réu que ostenta condenação definitiva sem ser reincidente, diante da omissão da lei,

deve se enquadrar no inciso anterior, que exige apenas o cumprimento de 16% (dezesseis

por cento) da pena.

III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime

tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça. Esta hipótese revela-se

injusta em relação às infrações penais de menor potencial ofensivo cometidas com

violência ou grave ameaça à pessoa, mas como a lei não faz qualquer distinção, elas

também terão que seguir o percentual 25% (vinte e cinco por cento). Tratando-se de

violência imprópria não se aplica este percentual, mas, sim, o previsto no inciso I, de 16%

(dezesseis por cento).

IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime

cometido com violência à pessoa ou grave ameaça. Tratando-se de violência imprópria

não se aplica este percentual, mas, sim, o previsto no inciso II, de 20% (vinte por cento).

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O texto legal não se refere a qualquer reincidente, mas apenas ao reincidente em crime

cometido com violência à pessoa ou grave ameaça. Se um dos crimes, que gera a

reincidência, houver sido cometido sem e o outro com violência ou grave ameaça à

pessoa, o percentual, diante da lacuna da lei, será de 20% (vinte por cento).

V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática

de crime hediondo ou equiparado, se for primário. Antes da lei 13.964/2019, o percentual

de progressão de crime hediondo ou equiparado era de 2/5 (dois quintos), quando o

apenado era primário. Na verdade, 2/5 (dois quintos) é a mesma coisa que 40% (quarenta

por cento). Portanto, trata-se de uma alteração puramente semântica. Os delitos

hediondos são os catalogados na lei 8.072/90. Os equiparados são o tráfico de drogas,

terrorismo e tortura. Não há vedação do livramento condicional.

VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado

morte, se for primário, vedado o livramento condicional. Este percentual só será aplicado

ao não reincidente em crime hediondo e equiparado, mas nada obsta que seja

reincidente noutros delitos. De fato, o reincidente em crime hediondo ou equiparado,

com resultado morte, para obter a progressão, terá que cumprir 70% (setenta por cento)

da pena. Na hipótese de tentativa, onde não ocorre a morte por circunstâncias alheias à

vontade do agente, não se aplica este percentual, mas, sim, o de 40% (quarenta por

cento), previsto no inciso V.

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização

criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado. A hipótese não

faz menção à associação criminosa, prevista no art. 288 do CP, mas apenas à organização

criminosa, sendo vedada a analogia “in malam partem”. Aqui, não há a vedação do

livramento condicional, pois a condenação é pelo crime de organização criminosa e não

por crime hediondo ou equiparado.

c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada. A hipótese

não faz menção à associação criminosa, prevista no art. 288 do CP, nem ao crime de

organização criminosa, mas apenas à milícia privada, tipificada no art. 288-A do CP, sendo

vedada a analogia “in malam partem”. Aqui, não há a vedação do livramento condicional,

pois a condenação é pelo crime de milícia privada e não por crime hediondo ou

equiparado.

VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática

de crime hediondo ou equiparado. Aqui, também se exige a reincidência específica em

crime hediondo ou equiparado. Este percentual só é aplicável quando não houver o

resultado morte. Não há a vedação do livramento condicional.

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VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime

hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional. Exige-

se uma reincidência específica em crime hediondo ou equiparado com o resultado morte.

Para efeito didático, as regras são as seguintes:

I- Primário e tecnicamente primário:

a) 16% (dezesseis por cento) da pena, nos crimes sem violência ou grave ameaça

à pessoa.

b) 25% (vinte e cinco por cento) da pena, nos crimes cometidos com violência à

pessoa ou grave ameaça.

II- Reincidente:

a) 20% (vinte por cento) da pena, quando reincidente em crime cometido sem

violência à pessoa ou grave ameaça. Outrossim, quando um dos crimes for com e o outro

sem violência ou grave ameaça à pessoa.

b) 30% (trinta por cento) da pena, quando reincidente em crime cometido com

violência à pessoa ou grave ameaça.

III- Crimes hediondos e equiparados, tanto ao primário quanto ao não

reincidente específico nesses crimes:

a) 40% (quarenta por cento);

b) 50% (cinquenta por cento), quando houver morte.

IV- Crimes hediondos e equiparados, ao reincidente específico nesses crimes:

a) 60% (sessenta por cento);

b) 70 % (setenta por cento), quando houver morte

V- Regras específicas:

a) 50% (cinquenta por cento), ao condenado por exercer o comando de

organização criminosa estruturada para a prática de crimes hediondos e equiparados.

b) 50% (cinquenta por cento), ao condenado por crime constituição de milícia

privada.

Vê-se assim que o critério principal do percentual de progressão não é o tipo de

crime cometido, mas, sim, o fato de o agente ser primário ou reincidente em

determinadas categorias de delitos. O agente que, por exemplo, é reincidente em crime

cometido com violência ou grave ameaça à pessoa para obter a progressão de regimes

terá que cumprir 30% (trinta por cento) da pena, mesmo em relação aos crimes

cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa.

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Da mesma forma, por exemplo, o reincidente em crime hediondo com o

resultado morte terá, para obter a progressão, que cumprir 70% (setenta por cento) da

pena, mesmo em relação aos crimes que não sejam hediondos nem equiparados.

Quanto ao reincidente em contravenções penais, a lei é omissa e, por isso, para

efeito de progressão, o agente deverá ser tratado como primário.

Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar

boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as

normas que vedam a progressão (§ 1º do art. 112 da LEP). Não basta, para se obter a

progressão, cumprir um percentual da pena; é preciso ainda que o condenado tenha

méritos para obter a progressão, isto é, bom comportamento carcerário. A única forma

de comprovação da boa conduta carcerária é através do atestado do diretor do

estabelecimento penal, mas se houver má-fé do aludido diretos, o juiz da execução

poderá anular o atestado e deferir a progressão.

No caso de a condenação ser superior a 40 (quarenta) anos, é preciso cumprir

um percentual da pena total, e não dos 40 (quarenta) anos (Súmula 715 do STF).

Observe-se ainda que o condenado por crime contra a administração pública

terá progressão do regime de cumprimento da pena condicionada à reparação do dano

que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais (§4º

do art. 33 do CP).

A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada

e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que

também será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de

penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes (§2º do art. 112 da LEP).

Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de

tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (§

5º do art. 112 da LEP). Trata-se do tráfico de drogas privilegiado, que se verifica quando

o agente é primário, de bons antecedentes, não se dedica às atividades criminosas nem

integra a organização criminosa. O aludido delito, para efeito de progressão, deverá

observar os percentuais previstos para os delitos não hediondos ou equiparados.

O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade

interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena,

caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena

remanescente (§ 6º do art. 112 da LEP). É flagrante a violação do princípio constitucional

da presunção da inocência, pois a lei presume a culpabilidade pelo simples cometimento

de falta grave. Na verdade, a interrupção só poderá ocorrer após a condenação definitiva

pela falta grave, em processo administrativo disciplinar, observando-se o contraditório e

a ampla defesa. A partir da interrupção, inicia-se uma nova contagem do percentual de

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cumprimento de pena, tomando-se por base a pena remanescente, e não o total da pena

inicialmente imposta.

Por outro lado, o ideal seria que só após a concessão do regime aberto o

condenado pudesse progredir para o livramento condicional. Todavia, a lei não impõe

esse requisito, de modo que o livramento condicional pode ser deferido aos criminosos

que estejam cumprindo pena em regime fechado.

Cabe também ressaltar que o caráter progressivo do sistema, consistente na

transferência do regime mais rigoroso para o imediatamente menos rigoroso, veda, por

raciocínio lógico, a progressão “por saltos”, isto é, a passagem direta do regime fechado

para o aberto. Se, porém, não houver vaga no semiaberto, o condenado deverá aguardar

a vaga no regime aberto, conforme Súmula Vinculante 56.

Finalmente, dispõe a Súmula 192 do STJ que compete ao Juízo das Execuções

Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal,

Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração

estadual.

Progressão especial

A progressão especial é a que exige o cumprimento de apenas 1/8 (um oitavo)

da pena no regime anterior.

Só é possível este benefício à mulher gestante ou que for mãe ou responsável

por crianças ou pessoas com deficiência.

O benefício é vedado nos crimes com violência ou grave ameaça contra pessoa

e também àquelas que integram ou integraram organizações criminosas. Outrossim, nos

crimes contra seu filho ou dependente. Exige-se ainda a primariedade e o bom

comportamento carcerário.

A propósito dispõe o §3º do art. 112 da LEP, introduzido pela lei 13.771/2018:

“No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou

pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:

I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;

II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;

III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;

IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor

do estabelecimento;

V - não ter integrado organização criminosa”.

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O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do

benefício (§ 4º do art. 112 da LEP).

A aludida progressão especial, que exige o cumprimento de apenas 1/8 (um

oitavo) da pena no regime anterior, também se aplica aos crimes hediondos e

equiparados, quando não houver violência nem grave ameaça contra pessoa, desde que

preenchidos os demais requisitos acima, pois a lei não faz qualquer ressalva em relação

a esses delitos.

Vedação da progressão de regimes e de outros benefícios prisionais

O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa

ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de

regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios

prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo

associativo (§9º do art. 2º).

Súmula Vinculante 56

Dispõe a Súmula Vinculante 56:

“A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do

condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os

parâmetros fixados no RE 641.320/RS.”

Os itens 3 e 4 deste recurso extraordinário 641.320/RS traçam as seguintes

regras:

"3. Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados

aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São

aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como 'colônia agrícola, industrial'

(regime semiaberto) ou 'casa de albergado ou estabelecimento adequado' (regime

aberto) (art. 33, § 1º, alíneas "b" e "c"). No entanto, não deverá haver alojamento

conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado.

4. Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados:

I - a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;

II - a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai

antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas;

III - o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado

que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas

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propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. (RE 641320, Relator

Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 11.5.2016, DJe de 8.8.2016, com

repercussão geral - tema 423)”.

O item 3 do referido recurso extraordinário admite, conforme já consta na lei,

que o regime semiaberto pode recair sobre estabelecimento similar a uma colônia

agrícola ou industrial. Igualmente, que o regime aberto seja um estabelecimento similar

à casa de albergado.

Recaindo o regime semiaberto ou o aberto sobre estabelecimento similar ao

previsto na lei, os juízes da execução penal poderão avaliar se os referidos

estabelecimentos são ou não adequados, isto é, se eles equivalem ou não a uma colônia

agrícola ou industrial, no caso do regime semiaberto, ou a uma casa de albergado, na

hipótese de regime aberto. Nesta avaliação, o juiz deverá atentar-se para a proibição

de alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do

regime fechado.

O item 4 do sobredito recurso extraordinário trata da hipótese em que não há

vagas no regime semiaberto ou aberto.

Com efeito, não havendo vagas no regime semiaberto, é preciso antecipar a

abertura desta vaga promovendo a saída antecipada do sentenciado que estava próximo

de progredir deste regime semiaberto para o aberto, a fim de que a sua vaga seja ocupada

por aquele sentenciado que obteve a progressão do regime fechado para o semiaberto.

Ao sentenciado que saiu antecipadamente do regime anterior, para que se abrisse a vaga,

será imposta a liberdade eletronicamente monitorada.

Esta solução prevista na referida súmula viola o princípio da isonomia. De fato,

presos numa colônia agrícola ou industrial onde há vagas cumprirão o percentual legal

de progressão da pena no regime semiaberto, ao passo que os presos de outra colônia

onde faltam vagas têm a chance de obterem o regime aberto antes de cumprirem o

percentual legal de progressão da pena, quando houver necessidade de abertura de

vagas.

Ademais, a Súmula Vinculante 56 não esclarece quem teria o dever de

providenciar a saída antecipada do preso em regime semiaberto para abertura de vagas.

Enquanto ninguém requer esta saída antecipada, o preso que estava no regime fechado

e progrediu para o semiaberto, onde não há vagas, deverá aguardar a vaga no regime

aberto, em domicílio, posto que, como se sabe, na prática quase que não existe casa de

albergado. Esta situação também fere a isonomia, pois este preso, que deveria ter

passado do regime fechado para o regime semiaberto, permanecerá na sua própria

residência, enquanto os outros presos que já se encontravam no regime semiaberto

continuarão cumprindo a pena neste regime.

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Outro problema que a súmula não resolve é o fato de, após a saída antecipada

do regime semiaberto para o aberto, a fim de se abrir vagas, ressurgir outras vagas no

regime semiaberto. Nesse caso, o preso que havia saído antecipadamente deverá ou não

voltar para o regime semiaberto? A meu ver, impõe-se o retorno, pois o seu regime é o

semiaberto, salvo se ao tempo do ressurgimento da vaga havia verdadeiramente

completado o tempo de progredir de um regime para o outro.

Por outro lado, o sentenciado que obtém a progressão para o regime aberto, em

caso de falta de vagas por ausência de casa de albergado ou estabelecimento similar,

deverá, como primeira opção, ter a pena privativa de liberdade convertida em pena

restritiva de direitos. Numa segunda opção, até que sejam estruturadas estas medidas

alternativas consubstanciadas nas penas restritivas de direitos, o juiz deverá conceder o

albergue domiciliar (prisão domiciliar) com tornozeleira eletrônica. A primeira opção, de

substituir, na fase de execução, a pena privativa de liberdade por pena restritiva de

direito, não tem previsão legal, a não ser nas hipóteses do art. 180 da LEP, mas não se

vislumbra qualquer prejuízo, posto que a pena restritiva de direitos é mais branda que a

pena de prisão no regime aberto.

Execução Provisória

Antes mesmo de transitar em julgado a sentença penal condenatória, a

progressão de regimes já pode ser requerida ao juízo competente. Esse fenômeno dá-se

o nome de execução provisória. Tal ocorre quando o acusado, preso provisoriamente e

já estando condenado por sentença, aguarda o julgamento de seu recurso pelo tribunal.

O pressuposto básico da execução provisória é o trânsito em julgado para a acusação,

pois, se também estiver pendente o apelo do Ministério Público, torna-se inadmissível

que, antes do trânsito em julgado, pleiteie-se a progressão de regimes. Há, todavia, uma

corrente que aceita a execução provisória mesmo na pendência do apelo do Ministério

Público, argumentando que o art. 2º da Lei n. 7.210/84 não exige o requisito do trânsito

em julgado para a acusação.

A súmula 716 do STF preceitua que é possível a progressão de regime antes do

trânsito em julgado da sentença condenatória. A súmula 717 do STF esclarece que o fato

de o réu se encontrar em prisão especial não impede a progressão de regime antes do

trânsito em julgado da sentença.

A expressão “execução provisória” tem sido objeto de debate. Os seus

opositores salientam que no processo penal não há execução provisória, devido ao

princípio da presunção da inocência. Argumentam que a progressão não passa de uma

medida cautelar de antecipação dos efeitos da sentença definitiva. Sidnei Agostinho

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Beneti destaca: “o que é provisória, esta sim, é a concessão da contracautela

assecuratória do direito à progressão de regime, e não a execução”1.

Quando se fala, porém, em execução provisória, a nosso ver, não se deseja

afrontar o princípio da presunção de inocência, e, sim, beneficiar o acusado, razão pela

qual não compreendemos a celeuma instaurada sobre a aludida expressão.

Aliás, a Excelsa Corte já decidiu que “a execução provisória da sentença

transitada em julgado para a acusação e pendente recurso interposto pela defesa

pressupõe estejam presentes no Juízo das Execuções Penais as peças indispensáveis,

incumbindo ao interessado providenciá-las junto ao Tribunal que exercerá o crivo de

revisão” (HC 69.152-8, Rel. Marco Aurélio, DJU, 2 dez. 1992). Utilizou-se, como se vê, a

expressão “execução provisória”.

O réu deve requerer, perante o tribunal pelo qual se processa o recurso, a

expedição de carta de guia provisória. Deferido o pedido, o juízo da execução realizará a

autuação provisória e processará o pedido de progressão de regimes. Ressalte-se, por fim,

a existência de numerosas decisões atribuindo a competência ao juízo da condenação (RT,

686:337, 688:307; RJDTACrimSP, 11:28). Essas decisões baseiam-se na inexistência de

execução provisória, encarando o problema como mera antecipação cautelar dos efeitos

da sentença definitiva.

A meu ver, existe, sim, execução provisória, de modo que o pedido deve ser

apreciado pelo juízo da execução, pois o juízo da condenação, com a sentença, esgota o

seu poder jurisdicional. Sobremais, ele não dispõe de poderes para decidir questões

afetas ao juízo da execução.

A execução provisória, a propósito, é admitida expressamente pelo parágrafo

único do art. 2º da Lei n. 7.210/84. Em São Paulo, o assunto encontra-se regulamentado

no Provimento n. 653/99 do Conselho Superior da Magistratura.

Entretanto, não é possível a execução provisória das penas de multa e

restritivas de direito, pois o art. 147 da LEP exige expressamente o trânsito em julgado da

sentença.

Finalmente, quanto à possibilidade de execução provisória na pendência de

recurso especial perante o STJ e de recurso extraordinário perante o STF, uma corrente

sustenta que esses dois recursos não inviabilizam a expedição do mandado de prisão,

ainda que se trate de réu primário e de bons antecedentes. Assim, na pendência de um

desses recursos, o condenado não teria o direito de aguardar em liberdade o julgamento,

porque despojados, ambos, de eficácia suspensiva. De acordo com esse entendimento, o

direito de recorrer em liberdade circunscreve-se aos recursos de apelação e embargos

infringentes. Confirmada a condenação no julgamento desses recursos, ocorre uma

1 Sidnei A. Benetti, execução penal, cit. 90

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espécie de trânsito em julgado provisório, razão pela qual deve ser expedido o mandado

de prisão, iniciando-se, por consequência, a execução provisória, a despeito da pendência

dos recursos especial ou extraordinário.

Ora, o art. 675, § 1º, do CPP exige expressamente o trânsito em julgado para

o fim de ser expedido o mandado de prisão, não abrindo exceção aos recursos especial e

extraordinário. Onde a lei não distingue, o intérprete não pode distinguir. Ademais, o

entendimento acima viola o princípio da presunção da inocência, previsto no item LVII do

art. 5º da CF. Na verdade, reveste-se de flagrante inconstitucionalidade os dispositivos que

negam efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário. Na esfera processual

penal, os recursos devem ter efeito suspensivo, sob pena de violação do princípio da

presunção da inocência, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito

em julgado de sentença condenatória penal. Não se pode antecipar a culpabilidade do

condenado, apegando-se à velha distinção, proposta por Espínola Filho, que diferencia o

caso julgado da coisa julgada. De acordo com o ilustre processualista, ocorre o caso julgado

na hipótese de a sentença poder ser executada na pendência de recurso extraordinário,

sem efeito suspensivo, ao passo que a coisa julgada verifica-se quando da decisão não cabe

mais recurso de espécie alguma. Ora, se a lei pode excluir o efeito suspensivo dos recursos

especial e extraordinário, pode também exclui-lo no recurso de apelação e, dessa forma,

fazer tábula rasa do princípio da presunção da inocência.

Convém salientar que o STF, no dia 07 de novembro de 2019, firmou

entendimento, por 6 votos a 5, que a execução da pena só se inicia após o trânsito em

julgado da condenação. Através de Emenda Constitucional, porém, se pretende instituir

a prisão automática, após a condenação em segundo grau, mas o assunto é polêmico,

pois o princípio da presunção da inocência é uma cláusula pétrea, de modo que não pode

ser alterado nem por Emenda Constitucional.

• ART. 112, § 1º, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL – REQUISITOS SUBJETIVOS DO LIVRAMENTO

CONDICIONAL

O primeiro é o bom comportamento durante a execução da pena. Antes da lei

13.964/2019, não se exigia bom comportamento, mas, sim, o comportamento carcerário

satisfatório. A ausência de falta disciplinar, por si só, não preenche esse requisito. A boa

conduta carcerária deve ser comprovada pelo diretor do estabelecimento penal (§ 1º do

art. 112 da LEP).

O segundo requisito, introduzido pela lei 13.964/2019, é o não cometimento

de falta grave nos últimos 12 (doze) meses. O mero cometimento da falta grave, segundo

o texto da lei, é fator inibitório do livramento condicional, sendo flagrante a violação do

princípio da presunção da inocência. Se, entretanto, sobrevier a absolvição em processo

administrativo o obstáculo desaparecerá. Convém esclarecer que a prática de falta grave

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não interrompe o prazo para se obter o livramento condicional (súmula 441 do STJ). Mas,

após a falta grave, para se obter o livramento condicional, é preciso revelar bom

comportamento carcerário.

O terceiro é a aptidão para prover a própria subsistência me­diante trabalho honesto. A lei fala em aptidão, isto é, capacidade para arrumar trabalho honesto. Não é exigida a proposta de emprego, mesmo porque isso não depende apenas do condenado. Na prática, porém, costuma-se fazer tal exigência, embora descabida.

O quarto é a constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir. Esse requisito só é exigido para os crimes dolosos, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa (p. ex.: roubo, homicídio, estupro com violência real etc.), dispensando-o em relação aos demais crimes. O objetivo da lei é denegar o benefício aos condenados que apresentam periculosidade, isto é, personalidade voltada para o crime. Havendo um prognóstico de que o réu voltará a delinquir, o livramento deve ser negado. Na análise desse requisito costuma-se determinar, acertadamente, a realização de perícia psiquiátrica. Embora a lei não exija exame criminológico, é de bom alvitre a sua realização, pois assim o juiz encontrará melhores subsídios para a apreciação do fato. A propósito, dispõe a súmula 439 do STJ: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”.

• Art. 122, § 2º, da Lei de Execução Penal – Proibição de saída temporária para crime

hediondo com resultado morte

Não terá direito à saída temporária o condenado que cumpre pena por praticar

crime hediondo com resultado morte (§2º do art. 122 da LEP).

• Art. 1º da Lei 8.072/90 – Crimes hediondos

Furto qualificado pelo emprego de explosivo

É o único furto que é crime hediondo (art. 1º, IX, da lei 8.072/90, com redação

dada pela lei 13.964/2019).

Roubo hediondo

O roubo, consumado ou tentado, é crime hediondo nas seguintes hipóteses:

a) roubo circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º,

inciso V);

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b) roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso

I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, §2º-B);

c) roubo qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º).

A inovação foi introduzida pela Lei 13.964/2019, pois antes dela apenas o roubo

qualificado pela morte, consumada ou tentada, era considerado hediondo.

Extorsão hedionda

O delito de extorsão só é crime hediondo na situação do art. 158, §3º, do CP.

Esta hipótese foi introduzida pela lei 13.964/2019, que em contrapartida

revogou o antigo inciso III do art. 1º da lei 8.072/90, que considerava como sendo crime

hediondo a extorsão qualificada pela morte, prevista no art. 158, §2º, do CP.

A nova lei, em vez de manter como hediondo o art. 158, §2º, do CP e acrescentar

o 158, §3º, do CP, em sua nova redação, só fez menção ao art. 158, §3º.

A propósito, dispõe o art. 1 º, III, da lei 8.072/90, que é crime hediondo a

“extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal

ou morte (art. 158, §3º).”

A norma em análise comporta as seguintes interpretações:

a) a extorsão só será crime hediondo quando, além da restrição da liberdade, houver ainda lesão corporal ou morte;

b) a extorsão será crime hediondo em todas as situações do §3º do art. 158 do CP, ou seja, quando houver apenas a restrição da liberdade ou quando, além da restrição da liberdade, ainda houver lesão corporal ou morte. Esta exegese, torna inócua a menção à ocorrência da lesão corporal ou morte, pois bastaria, para o delito ser hediondo, a restrição da liberdade de locomoção;

c) a extorsão será crime hediondo em três situações distintas. Primeira, quando houver restrição da liberdade, ainda que não haja lesão nem morte. Segunda, quando houver lesão corporal, ainda que não haja restrição da liberdade. Terceira, quando houver morte, ainda que não haja restrição da liberdade. Esta exegese não reflete o propósito da lei, pois esta se refere expressamente ao §3º do art. 158, que cuida da extorsão com restrição da liberdade de locomoção. Não se pode, dessa forma, considerar também como crime hediondo as extorsões dos parágrafos anteriores ou do “caput” do art. 158.

Por consequência, a extorsão qualificada pela morte, prevista no §2º do art. 158

do CP, não é mais crime hediondo.

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Trata-se de uma “novatio legis in mellius” em relação ao §2º do art. 158 do CP,

impondo-se a sua retroatividade e, “in pejus”, portanto, irretroativa quanto ao §3º do

art. 158 do CP.

• Arts. 17, § 2º, 18, parágrafo único, do Estatuto do Desarmamento e 33, § 1º, IV, da Lei de

Drogas – Delito putativo por obra do agente provocador

Dá-se quando as circunstâncias fáticas, preordenadas por outrem, induzem o

agente a realizar a conduta criminosa, ao mesmo tempo em que são tomadas

providências inviabilizadoras da consumação.

A hipótese, que é conhecida como crime de ensaio ou de experiência, depende

de dois requisitos:

a) ato de provocação: o agente é induzido por outrem à prática da conduta

criminosa;

b) providências que tornam absolutamente impossível a consumação.

Presentes os dois requisitos, o agente não responde sequer pela tentativa. O

fato permanece impune. Aplica-se, por analogia in bonam partem, o disposto no art. 17

do CP, que disciplina o crime impossível, uma vez que não há lesão nem perigo de lesão

ao bem jurídico. Na realidade, o seu autor, como dizia Hungria, é apenas o protagonista

inconsciente de uma comédia. Sob o prisma subjetivo, o crime existe, mas objetivamente

a norma penal não é violada e sequer exposto a perigo o bem jurídico por ela protegido.

O exemplo clássico é o do policial disfarçado que oferece propina ao funcionário

público, para induzi-lo à prática de um ato ilegal, prendendo-o no ato da aceitação. Bem

como o do falso comerciante, que oferece propina ao fiscal, dando-lhe voz de prisão após

averiguar a sua desonestidade. Também é provocado o flagrante efetuado por delegado

de polícia que, fingindo-se de bicheiro, prende em flagrante todos os que se lhe dirigiam

para realizar apostas.

Em todos esses exemplos, o agente permanece impune, diante da ausência de

probabilidade de lesão ao bem jurídico. A propósito, o Excelso Pretório editou a Súmula

145: “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua

consumação”.

Outro bom exemplo é o da desprevenida empregada que no ato de subtrair as

joias da patroa, expostas propositadamente ao seu fácil alcance, recebe a voz de prisão

do provocador, que armou a arapuca para comprovar a sua desconfiança sobre a serviçal.

Trata-se, sem dúvida, de flagrante provocado. Se, porém, malgrado o empenho do

provocador, a empregada conseguir ludibriar sua vigilância, subtraindo com sucesso as

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joias da patroa, caracteriza-se o delito de furto. Nesse caso, não há crime de ensaio,

porque a tomada de providência não tornou absolutamente impossível a consumação;

se o provocador agiu com dolo eventual, assumindo o risco de a larápia consumar a

subtração, ser-lhe-á também imputado o delito de furto, na condição de partícipe. Se, ao

invés, o êxito da gatuna deveu-se à imprudência do provocador, este por nada

responderá, uma vez que não há participação culposa em crime doloso. Se houvesse em

nosso Código a figura do furto culposo, este delito lhe seria imputado.

Por último, cumpre não confundir flagrante provocado e flagrante esperado. No

primeiro, a iniciativa do crime é do provocador; no segundo, a iniciativa emana do próprio

agente. O flagrante provocado é nulo, não há sequer tentativa. O flagrante esperado é

válido, subsistindo a tipicidade da conduta realizada pelo agente.

Dá-se o flagrante esperado quando a polícia toma conhecimento de que alguém

irá cometer um delito, comparecendo ao local para dar voz de prisão ao delinquente. É o

que ocorre quando a vítima da extorsão, não suportando mais as ameaças, avisa a polícia,

que a instrui a levar o dinheiro no lugar combinado pelo extorsionário, que acaba sendo

preso no local. Note-se que a conduta de extorquir foi realizada sem qualquer

provocação, de modo que o flagrante é válido, por ser esperado, e não provocado.

Policial disfarçado

O policial, para surpreender o criminoso em flagrante, pode se disfarçar,

fazendo-se passar por outra pessoa, desde que haja elementos probatórios razoáveis de

uma conduta criminal preexistente.

Trata-se de uma postura legítima, introduzida pela lei 13.964/2019, em relação

aos crimes do §2º do art. 17 e parágrafo único do art. 18, ambos do Estatuto do

Desarmamento, outrossim, no art. 33, §1º, IV, da Lei de Drogas, desde que haja elementos

probatórios razoáveis de uma conduta criminal preexistente.

Com relação a outros delitos, há duas exegeses.

Primeira, o flagrante será válido, desde que haja elementos probatórios

razoáveis de uma conduta criminal preexistente, pois o ordenamento jurídico admite

todos os meios de prova moralmente legítimos.

Segunda, o flagrante será nulo, pois o ato de induzir ou instigar a conduta

criminal atenta contra os preceitos morais.

O instituto em análise comporta duas situações:

a) há elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da autoria. Nesse

caso, é lícito o disfarce para se obter a prova da materialidade. Exemplo: o policial

disfarçado, após a coleta das provas da autoria do delito de venda de drogas, se oferece

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para comprar droga, com o intuito de comprovar a materialidade, prendendo o traficante

em flagrante no ato da entrega da droga. Ainda que o traficante não possuísse a droga,

comprando-a de um terceiro para satisfazer o desejo do falso cliente, o flagrante será

válido, diante da presença de elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da

autoria. Se, ao revés, não havia elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da

autoria, o flagrante será nulo, nos termos da súmula 145 do STF. Antes da lei

13.964/2019, que criou os tipos penais acima, o flagrante era nulo, ainda que houvessem

elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da autoria.

b) há elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da materialidade.

Nesse caso, também é lícito o disfarce para se obter a prova da autoria. Exemplo: o

policial disfarçado, após obter a prova da materialidade, ou seja, de que há drogas em

determinado balcão, se oferece para comprar drogas do suspeito, assim agindo com o

escopo de comprovar a autoria, prendendo-o em flagrante quando ele lhe traz a droga

do referido local.

Assim, nos referidos delitos, o flagrante provocado por policial disfarçado pode

ser válido ou nulo, conforme haja ou não elementos probatórios razoáveis da conduta

criminal preexistente.

Imagine o seguinte exemplo: o policial disfarçado que provoca a conduta

criminal, oferecendo-se para comprar drogas de uma pessoa, mas sem que houvessem

elementos probatórios razoáveis de uma conduta criminal preexistente. Caso obtenha

êxito, por se tratar coincidentemente de um traficante de drogas, o flagrante será válido?

Creio que não, pois, de acordo com os tipos penais acima referidos, o policial só poderá

utilizar-se do disfarce quando houver elementos probatórios razoáveis de uma conduta

criminal preexistente. De fato, não se pode estimular este tipo de diligência, que se revela

como sendo de caráter excepcional, à medida que é tênue a linha divisória que a separa

do campo da imoralidade.

• Art. 3º da Lei 13.756/2018 – Destinos dos bens confiscados

O destino dos bens confiscados, segundo a Lei Complementar 79/94, é o Fundo

Penitenciário Nacional.

Com o advento da lei 13.964/2019, que alterou o art. 3º da lei 13.756/2018, os

bens confiscados passaram a ser revertidos em favor do Fundo Nacional de Segurança

Pública (FNSP).

Ora, a lei complementar não pode ser alterada por lei ordinária. Por

consequência, a referida mudança poderá ensejar polêmica.

Em algumas situações, porém, os bens confiscados terão os seguintes destinos:

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a) Confisco de arma de fogo: estas armas são destinadas ao Comando do

Exército, poderá destruí-las ou doá-las aos órgãos de Segurança Pública ou das Forças Armadas (art. 25 da lei 10.826/2003).

b) Confisco do proveito do tráfico de drogas: estes bens são destinados ao Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD), conforme art. 63, §1º, da lei 11.343/2006.

c) Produto do crime ambiental: os animais são liberados ao habitat natural ou entregue aos Jardins Zoológicos e as madeiras doadas às instituições científicas, hospitalares, penais ou outras de caráter beneficente, conforme art. 25, §§ 1º e 3º, da lei 9.605/1998.

Contudo, a lei ressalva os direitos do lesado ou de terceiro de boa-fé. Tratando-

se, porém, de confisco de instrumentos do crime, dificilmente restituir-se-á a coisa à

vítima ou ao terceiro de boa-fé. Neste caso, constitui fato ilícito a fabricação, alienação,

uso, porte ou detenção da coisa (art. 91, II, a). Numa primeira análise parece realmente

impossível restituir à vítima ou a terceiro de boa-fé os instrumentos do crime. Admite-se,

porém, a restituição quando a vítima ou terceiro de boa-fé possuir autorização especial

para manter a posse da coisa (p. ex.: a arma, de uso exclusivo do exército, furtada do

colecionador devidamente autorizado a guardá-la).

4. LEI 13.968/2019

• Art. 122 do Código Penal – Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação Considerações gerais

O suicídio, por si só, não constitui delito. Igualmente, a automutilação com

justeza já se afirmou o absurdo que seria o direito penal contemporâneo comportar-se

como o direito canônico da Idade Média, que aplicava pena ao cadáver do suicida e

equiparava, ainda, a tentativa de suicídio à tentativa de homicídio.

O legislador, porém, erigiu à categoria de crime a conduta de participação em

suicídio ou em automutilação.

Por outro lado, o art. 146, § 3º, II, do Código Penal tornou lícita a coação

empregada para impedir o suicídio e, por analogia “in bonam partem”, para impedir a

automutilação. Sendo assim, força convir que o suicídio é um fato antijurídico, porém

desvestido de tipicidade. Igualmente, a automutilação.

A tipicidade reside, tão-somente, nas condutas de induzir, instigar ou auxiliar

alguém ao suicídio ou à automutilação (CP, art. 122), à semelhança da prostituição que,

por si só, não é punida, residindo a criminalidade na conduta do proxeneta que induz

alguém à prostituição (CP, art. 228).

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A lei 13.968/2019 alterou a redação do art. 122 do CP em inúmeros aspectos,

com destaque para os seguintes:

a) modificou o delito de participação em suicídio, responsabilizando

criminalmente o terceiro que concorre para uma tentativa frustrada de suicídio. Antes da

aludida lei, o delito do art. 122 só se configurava quando do fato resultava morte ou lesão

grave, mas, agora, o crime se caracteriza ainda que da tentativa resulte apenas lesão

corporal leve ou então nenhuma lesão.

b) criou, no próprio art. 122 do CP, um novo crime, participação em

automutilação.

c) alterou parcialmente o enquadramento típico na hipótese de o delito ser

praticado contra vítima vulnerável.

d) introduziu novas causas de aumento de pena.

A propósito, dispõe o art. 122 do CP:

”Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-

lhe auxílio material para que o faça:

Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos”.

O tipo penal em análise se desdobra em 2 (dois):

a) participação em suicídio;

b) participação em automutilação.

No suicídio, a vítima tem o desejo de morrer; na automutilação, a vontade da

vítima é de apenas lesionar a própria integridade física.

Em ambos os delitos, o ato de execução é realizado pela própria vítima, ao passo

que, nos delitos de homicídio e lesão corporal, a execução provém de um terceiro.

Os dois delitos encontram-se inseridos no Capítulo I do Título I da Parte Especial

do Código Penal, que cuida dos crimes contra a vida.

No delito de participação em automutilação, conquanto a vítima não tenha a

vontade de morrer, o certo é que o terceiro que participou do fato quer que ela morra

ou então assume o risco de lhe provocar a morte.

Com efeito, à medida que o delito de participação em automutilação fora

inserido entre os crimes contra a vida, força convir que o agente procede com dolo de

matar, tanto é que a pena abstrata do referido delito é a mesma do crime de participação

em suicídio, sendo ambos os delitos da competência do tribunal do júri.

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O agente que, sem o dolo de matar, induz a vítima à automutilação, não

responde pelo delito em análise e, na verdade, diante da atipicidade do fato,

permanecerá impune, pois é vedada a analogia “in malam partem”.

Talvez não tenha sido esta a intenção do legislador, mas, como se sabe, uma vez

promulgada, a vontade da lei se desprende da vontade do legislador e, na análise do tipo

penal, o intérprete não pode se desvencilhar do bem jurídico tutelado que, no caso, é a

vida, sendo, pois, necessário que o dolo do agente seja o de matar ou assumir o risco de

matar a vítima através da automutilação.

Noutras palavras, o referido tipo penal dificilmente terá aplicação prática.

Conceito

O suicídio, no dizer de Nélson Hungria, “é a eliminação voluntária e direta da

própria vida”2.

Automutilação, por sua vez, é lesão, nos tecidos internos ou externos do corpo,

provocada de forma voluntária e direta pela própria vítima. Exemplo: cortar a própria

pele com um objeto afiado. Outro exemplo: ingerir substâncias tóxicas para lesionar os

tecidos internos do corpo. Outro exemplo: agravar lesões existentes.

Dessas definições resultam os elementos constitutivos do suicídio e da

automutilação:

a) eliminação voluntária da própria vida, no caso de suicídio; e lesão voluntária

nos tecidos do corpo, na hipótese de automutilação.

b) eliminação direta da própria vida, no caso de suicídio; e lesão direta do

próprio corpo, na hipótese de automutilação.

Assim, se uma pessoa obriga a outra a ingerir veneno, mediante coação moral

irresistível, ocorre o delito de homicídio, pois no suicídio é curial o desejo de morrer da

vítima.

Da mesma forma, quem obriga alguém à automutilação, sem dolo de matar,

responde pelo delito de lesão corporal e, com dolo de matar, por homicídio, consumado

ou tentado, conforme sobrevenha ou não a morte da vítima.

Por outro lado, íntima é a ligação entre o suicídio e o homicídio consentido. No

primeiro, a execução é realizada pela própria vítima; no segundo, o ato executório de

matar é operado por terceiro.

2 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 3. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1955. v. 1, t. 1, e v.V. p.

231.

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Suponha-se que o agente encontre a vítima à beira de um despenhadeiro, com

intenção de despedir-se da vida, e resolva instigá-la ao salto letal. Nesse caso, responderá

pelo delito de participação em suicídio (art. 122 do CP), pois foi a própria vítima quem

executou o ato consumativo da morte. Se, entretanto, não tendo coragem de precipitar-

se no despenhadeiro, a vítima pede ao agente que a empurre, haverá delito de homicídio

consentido (CP, art. 121), pois dessa vez foi ele quem executou o ato consumativo da

morte.

Da mesma forma, é íntima a relação entre a automutilação e a lesão corporal.

Na primeira, a execução é realizada pela própria vítima; na segunda, o ato executório de

ferir é operado por terceiro.

Suponha-se que o agente encontre a vítima querendo se cortar com uma

tesoura e resolva instigá-la a concluir o ato. Nesse caso, se houver o dolo de lhe causar

a morte, responderá pelo delito de participação em automutilação (art. 122 do CP), pois

foi a própria vítima quem executou o ato consumativo da lesão, mas ausente o dolo de

matar o fato será atípico, pois o art. 122 do CP não é delito contra a integridade física e,

sim, contra a vida.

Se, entretanto, não tendo coragem de se cortar, a vítima pede ao agente que a

lesione com a tesoura, haverá delito de lesão corporal ou tentativa de homicídio,

conforme o dolo seja de ferir ou matar, pois dessa vez foi ele quem executou o ato

consumativo da lesão.

Objetividade Jurídica

No delito de participação em suicídio ou participação em automutilação, tutela-

se a vida humana.

Sujeito ativo

O sujeito ativo do crime em apreço pode ser qualquer pessoa física. Trata-se de

delito comum. Admite a coautoria e a participação. Por exemplo: “A” e “B” instigam “C”

ao suicídio ou à automutilação. “A” e “B” são coautores. Outro exemplo: “A” induz “B” a

induzir “C” ao suicídio ou à automutilação. “A” é partícipe e “B”, autor do delito em

estudo.

Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou

de rede virtual (art. 122, § 5º. do CP).

Sujeito passivo

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Sujeito passivo deve ser pessoa ou pessoas determinadas.

Referentemente ao induzimento ou instigação de caráter genérico, isto é,

dirigido a um número indeterminado de pessoas, por exemplo, obra literária

incentivando os leitores ao suicídio ou à automutilação, não caracteriza os delitos em

estudo, pois, como já visto, o sujeito passivo tem que ser pessoa ou pessoas

determinadas.

Vítima vulnerável

Antes da Lei 13.968/2019, exigia-se ainda que a vítima tivesse capacidade de

resistência e discernimento para compreender o ato, pois sem esta capacidade o agente

respondia pelo delito de homicídio.

A capacidade de resistência da vítima é tida como nula em três situações de

vulnerabilidade:

a) menor de 14 (quatorze) anos;

b) enfermo ou deficiente mental sem discernimento. Trata-se do inimputável do

art. 26, caput, do CP.

c) pessoa que, por qualquer causa, não pode oferecer resistência. Exemplo:

pessoa hipnotizada. Outro exemplo: embriaguez completa.

Antes da lei 13.968/2019, o agente respondia por homicídio consumado ou

tentado, conforme a hipótese.

Como advertia Euclides Custódio da Silveira: “Punir-se-á de acordo com o art.

121 aquele que induzir, instigar ou auxiliar um demente ou uma criança de tenra idade a

se suicidar”.

Com o advento desta lei, nessas três situações em que a vítima tem a resistência

nula, o enquadramento típico será o seguinte:

a) homicídio consumado (art. 121 do CP): quando a vítima morrer. É o que

preceitua o § 7º do art. 122 do CP.

b) lesão corporal gravíssima (art. 129, § 2º, do CP): quando vítima sofrer lesão

corporal gravíssima. É o que reza o §6º do art.122 do CP. Trata-se, na verdade, de uma

tentativa de homicídio que o legislador resolver punir como lesão corporal gravíssima.

c) participação em suicídio ou em automutilação do art. 122, § 1º, do CP: quando

a vítima sofrer lesão corporal grave. É o que dispõe o § 1º do art. 122 do CP.

d) participação em suicídio ou em automutilação do art. 122, caput, do CP:

quando a vítima não sofrer lesões ou sofrer apenas lesões leves.

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O delito do art. 122 do CP é da competência do tribunal do júri, mas a lesão

corporal gravíssima é da alçada do juiz singular.

Há, pois, uma incoerência. Com efeito, se vítima vulnerável, ou seja, com

resistência nula, não sofrer lesões corporais ou sofrer lesões graves ou leves, o agente

responderá pelo art. 122 do CP e, por consequência, será julgado pelo júri. Se, porém, ela

sofrer lesões corporais gravíssimas, o agente responderá pelo delito do art. 129, § 2º, do

CP, cuja competência é do juiz singular.

Esta solução do legislador fere a lógica. Se a vítima com resistência nula, morre,

não sofre lesões ou sofre lesões graves ou leves, o agente será julgado pelo tribunal do

júri, mas se ela sofre lesões corporais gravíssimas a competência passa a ser do juiz

singular.

Por uma questão de coerência, na hipótese de lesão corporal gravíssima, o

agente também deverá ser julgado pelo tribunal do júri.

Se, no caso de morte, fato mais grave, impõe-se a garantia do tribunal do júri,

no fato menos grave, lesão corporal gravíssima, terá também o direito de ser julgado pelo

tribunal popular.

Esta questão da lesão gravíssima certamente ensejará duas correntes acerca do

órgão jurisdicional competente.

O ideal seria que, sendo a vítima de resistência nula, o agente respondesse por

tentativa de homicídio, ainda que não houvesse lesão corporal ou do fato resultasse

lesões leves, graves e gravíssimas, como era antes da Lei 13.968/2019.

Núcleos do tipo

São três os núcleos do tipo: induzir, instigar e prestar auxílio ao suicídio. Nos dois

primeiros casos, há uma participação moral e no último, material.

Passo à análise destes três verbos:

a) Induzir: é incutir na mente da vítima a ideia suicida ou de automutilação.

b) Instigar: é estimular, reforçar a preexistente ideia suicida ou de

automutilação.

Ambos têm o significado de persuadir, convencer alguém a praticar o ato.

Não obstante a presença de tantas características comuns, distinguem-se de

modo nítido. Com efeito, no induzimento é o agente quem toma a iniciativa da formação

da vontade suicida ou de automutilação no espírito da vítima. Na instigação, ao inverso,

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a ideia suicida ou de automutilar-se parte da própria vítima, o agente simplesmente a

reforça.

c) Prestar auxílio: é facilitar a execução do suicídio ou da automutilação.

Cumpre, todavia, salientar que o auxílio é meramente acessório, devendo o agente

limitar-se, por exemplo, a fornecer os meios ou instruções sobre o modo de executar o

suicídio ou a automutilação, sem, porém, participar diretamente da execução do ato.

Incorre, destarte, em delito de homicídio, por ter participado diretamente dos atos

executórios, aquele que segura a faca contra a qual se lança o desertor da vida ou que

ajuda a empurrar ao mar a vítima que pretende o suicídio. Também responde por

homicídio, como esclarece Manzini, a pessoa que ajuda a amarrar uma pedra no pescoço

de quem se joga ao mar, tendo em vista que isso caracteriza ato de execução da morte,

e não uma conduta meramente acessória.

Por fim, tenha-se presente que o tipo legal do art. 122 ingressa na categoria dos

crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, pois a norma penal prevê várias

condutas, alternativamente, como modalidades de um mesmo delito. A prática sucessiva

das condutas pelo mesmo agente e contra a mesma vítima não dá ensejo a vários delitos,

pelo contrário, não obstante a pluralidade de condutas, haverá um só delito, como

decorrência da aplicação do princípio da alternatividade. Noutras palavras, se o agente

induz, instiga e depois auxilia alguém a suicidar-se ou automutilar-se responde apenas

uma vez pelo delito de participação em suicídio ou em automutilação (CP, art. 122).

Meios executórios

Na participação moral (induzir ou instigar) o delito pode ser comissivo e

omissivo. Nesse último caso, é necessário o dever jurídico de impedir o resultado,

respondendo, por exemplo, pelo delito de participação em suicídio o diretor do presídio

que não impede a morte do detento decorrente da greve de fome. Se não impede a

automutilação do preso, responderá pelo delito de participação em automutilação.

No tocante à prestação de auxílio por omissão, a questão oferece

complexidades, tendo provocado na doutrina larga divergência. Sustenta Frederico

Marques que não há auxílio por omissão, porque a expressão usada no núcleo do tipo

(prestar auxílio) do art. 122 é indicativa de conduta comissiva. E também porque no seu

entender, “se o legislador fala em prestar auxílio para que alguém se suicide, é preciso

que o antecedente psíquico omissivo se enquadre no núcleo do tipo, o que não ocorre,

evidentemente, no caso do art. 122, uma vez que cooperação material alguma encontra

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o suicida naquele que se absteve de impedir a execução de seus planos de auto-

eliminação da vida”3.

Entendem outros, em sentido oposto, que a prestação de auxílio por omissão é

possível, quando o agente tem o dever jurídico de impedir o resultado. Fundam-se, os

que assim pensam, no art. 13 do Código Penal, que não distingue entre causa e condição.

Alinhamo-nos entre os que esposam o último ponto de vista, pois, diante da

adoção da teoria da equivalência dos antecedentes, o descumprimento do dever jurídico

de impedir o resultado pode perfeitamente caracterizar uma prestação de auxílio. Assim,

responde pelo delito do art. 122, conforme ensina Nélson Hungria, “o enfermeiro que,

percebendo o desespero do doente e seu propósito de suicídio, não lhe toma a arma

ofensiva de que está munido e com que vem, realmente, a matar-se. Já não se

apresentará, entretanto, o crime, por exemplo, no caso da moça que, não obstante o

protesto de suicídio da parte de um jovem sentimental, deixa de responder-lhe a missiva

de paz e dá causa, assim, a que o tresloucado se mate. Não há, aqui, o descumprimento

de um dever jurídico”4.

É pueril a corrente que veda o auxílio por omissão sob o argumento de que a lei

usa a expressão “prestar auxílio”, indicando a necessidade de uma conduta comissiva.

Ora, os verbos induzir e instigar também indicam uma ação, e, no entanto, a doutrina, de

forma unânime, admite a omissão. O raciocínio de Frederico Marques, com o devido

respeito, neutraliza a omissão em todos os delitos em que a lei incrimina a ação, tornando

inócuo o § 2o do art.13 do CP, que consagra os delitos omissivos impróprios.

Elemento subjetivo do tipo

O referido crime se imputa a título de dolo, que consiste na vontade livre e

consciente de provocar a morte da vítima através do suicídio ou da automutilação.

De fato, ambos os delitos são contra a vida e, dessa forma, o dolo deve ser

direcionado a causar ou assumir o risco de causar a morte da vítima.

No delito de participação em suicídio, porém, não basta o desejo do agente em

provocar a morte da vítima, urge ainda que esta também tenha a intenção de suicidar-

se. Como esclarece Cezar Roberto Bitencourt: “Não haverá crime se, por exemplo, a

3 MARQUES, José Frederico. Curso de direito penal. São Paulo, Saraiva, 1956. v. 1. Parte especial, v. 4., p.

130.

4 Ob. cit., p. 233.

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vítima estivesse zombando de alguém que acreditava em sua insinuação e, por erro, vem

a falecer”5.

Basta, porém, para a configuração de ambos os delitos, o dolo eventual, que se

dá quando o agente, sem querer diretamente o suicídio ou automutilação, pratica uma

daquelas três condutas assumindo o risco de provocá-lo. Por exemplo, responde pelo

delito o pai que expulsa a filha de casa tendo sérias razões para acreditar que ela iria se

suicidar.

Os delitos, contudo, não admitem a forma culposa. Há quem sustente que se a

conduta culposa do agente provocar o suicídio haverá homicídio culposo ou lesão

culposa, conforme a hipótese.

Rendo-me à posição contrária, porque o crime culposo tem caráter excepcional,

caracterizando-se apenas nos casos expressos em lei. A lacuna não pode ser suprida,

porque é vedada a analogia “in malam partem”.

Consumação

Os delitos se consumam com a conduta de induzir, instigar ou auxiliar alguém

ao suicídio ou à automutilação, independentemente da ocorrência de morte.

Trata-se, portanto, de crime formal, pois a consumação se verifica com a simples

conduta, prescindido-se da ocorrência do resultado naturalístico.

Antes da Lei 13.968/2019, o delito de participação em suicídio era material e só

se consumava com a ocorrência da morte ou lesão corporal grave.

Tentativa

Admite-se a tentativa na hipótese de o induzimento, instigação ou auxílio não

entrar na esfera de conhecimento da vítima por circunstâncias alheias à vontade do

agente. Exemplo: o agente envia pelo correio a fórmula do veneno com o qual a vítima

pretendia suicidar-se, mas a missiva é extraviada.

Antes da Lei 13.968/2019, o delito em estudo não admitia tentativa, pois a

tipicidade estava condicionada à ocorrência da morte ou lesão corporal grave. Se a

tentativa de suicídio não provocasse lesão ou apenas gerasse lesão leve, o fato seria

atípico. Era um dos únicos crimes materiais que não admitiam a tentativa.

5 Tratado de Direito Penal, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 107.

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Tratava-se, na época, de delito de atentado ou de empreendimento, pois a

tentativa de suicídio geradora de lesão grave era punida como crime consumado.

Qualificadoras

Os delitos em análise são qualificados quando resultar:

a) lesão corporal grave ou gravíssima;

b) morte.

A propósito dispõe o art. 122, §1º, do CP:

“Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de

natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos”.

O §2º do art. 122 do CP acrescenta que:

“Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos”.

Tratam-se de qualificadoras, pois têm penas próprias, desvinculadas da pena

cominada no “caput” do art. 122 do CP.

Diante da existência destas qualificadoras, força convir que os delitos

fundamentais, previstos no “caput” do art. 122 do CP, só têm incidência quando da

participação em suicídio ou em automutilação não resultar lesão ou ocasionar apenas

lesão leve.

Causas de aumento de pena

A pena cominada à participação em suicídio ou participação em automutilação

é obrigatoriamente duplicada, tanto no “caput” quanto nas figuras qualificadas, se o

crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil ou se a vítima é menor ou tem

diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

A propósito, dispõe o art. 122, § 3º, do CP:

“A pena é duplicada:

I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil;

II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de

resistência”.

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Outrossim, a pena é obrigatoriamente aumentada até o dobro, quando o crime

for praticado através de rede de computadores, rede social ou com transmissão em

tempo real. A lei é omissa acerca do aumento mínimo, pois se limitar a prever um

aumento “até o dobro”. Dessa forma, o aumento, ao contrário da hipótese do parágrafo

anterior, não precisa necessariamente dobrar a pena.

É o que dispõe o § 4º do art. 122 do CP:

“A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de

computadores, de rede social ou transmitida em tempo real”.

O § 5º do art. 122 do CP ainda prevê outra causa de aumento de pena, ao dispor

que:

“Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo

ou de rede virtual”.

São, pois, 9 (nove) as causas de majoração da pena:

a) motivo egoístico;

b) motivo torpe;

c) motivo fútil;

d) se a vítima é menor;

e) se a vítima tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

f) conduta realizada por meio de rede de computadores;

g) conduta realizada por meio de rede social;

h) transmissão em tempo real;

i) delito praticado por coordenador de grupo ou rede social.

A primeira, motivo egoístico: ocorre quando o agente provoca o suicídio ou a

automutilação para obter vantagem pessoal, de cunho patrimonial ou extrapatrimonial.

Exemplos: induz o pai ao suicídio visando o recebimento da herança; auxilia o jovem ao

suicídio ou à automutilação para conquistar-lhe a namorada.

A segunda, motivo torpe, é o abjeto, moralmente repugnante. Exemplo: induz a

mulher ao suicídio ou à automutilação pelo fato de ela não querer se prostituir.

A terceira, motivo fútil, é o insignificante, desproporcional. Exemplo: induz o

técnico de futebol ao suicídio ou à automutilação por ter sido derrotado.

A quarta causa de aumento de pena, menoridade da vítima, refere-se ao menor

de 18 (dezoito) anos (art. 27 do CP). Assim, a partir dos 18 anos, a pena do art. 122 não é

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mais duplicada. Em sendo a vítima menor de 14 (quatorze) anos, conforme já visto, o

agente, no caso de morte, responderá pelo delito do art. 121 do CP; em caso de lesão

grave, pelo delito do § 1º do art. 122 do CP, com a pena duplicada; em caso de lesão

gravíssima, pelo delito do § 2º do art. 129 do CP; e quando não houver lesão ou estas

forem leves, pelo delito do art. 122, caput, do CP, com a pena duplicada.

A quinta majorante, vítima que tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade

de resistência, se caracteriza pela fragilidade do poder de autodeterminação da vítima.

Exemplo: semi-imputabilidade (parágrafo único do art. 26 do CP). Outro exemplo:

embriaguez incompleta. Mais um exemplo: vítima sob efeito de violenta emoção. Se for

nula a capacidade de resistência da vítima, ou seja, estiver totalmente suprimida,

também haverá o aumento da pena, por força da interpretação extensiva. Exemplo:

vítima hipnotizada. Outro exemplo: embriaguez completa. Mais um exemplo: estado de

sonambulismo. Último exemplo: enfermo ou deficiente mental sem discernimento.

Nestes casos de resistência nula da vítima, conforme já visto, nem sempre haverá o delito

do art. 122 do CP. Com efeito, no caso de morte da vítima, o agente responderá pelo

delito do art. 121 do CP; em caso de lesão grave, pelo delito do § 1º do art. 122 do CP,

com a pena duplicada; em caso de lesão gravíssima, pelo delito do § 2º do art. 129 do CP;

e quando não houver lesão ou estas forem leves, pelo delito do art. 122, caput, do CP,

com a pena duplicada.

A sexta causa de aumento de pena ocorre quando o delito houver sido praticado

por meio de rede de computadores, que abrange a internet e a intranet.

A sétima se verifica quando o delito houver sido praticado por meio de rede

social, ou seja, por pessoas conectadas por vários tipos de relações. Exemplo: redes

comunitárias de pessoas de um determinado bairro. Outro exemplo: redes profissionais

como é o caso do LinkedIn. Mais exemplos: redes sociais online como Facebook,

WhatsApp, Twitter e Instagram.

A oitava majorante, transmissão em tempo real, ocorre quando o suicídio ou a

automutilação é transmitido ao vivo.

A nona, delito praticado por coordenador de grupo ou rede social, a meu ver,

malgrado o silêncio da lei, só se caracteriza quando o suicídio ou a automutilação

envolver membro do grupo ou da rede social.

Finalmente, a pena será aumenta de um terço quando tratar-se de índio não

integrado à civilização (art.59 da lei no 6.001/73).

Questões especiais

Dentre as questões que suscita o delito em apreço, a que exige raciocínio mais

aguçado é a do suicídio a dois.

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Suponha-se que “A” e “B” tenham feito um pacto de suicídio, trancando-se num

quarto hermeticamente fechado, onde está instalada uma torneira de gás. Antes de

elencarmos as diversas hipóteses possíveis, cumpre destacar a presença de instigação

recíproca à medida que o pacto de morte foi combinado pelos dois.

Não se perca também de vista que no suicídio a vítima realiza diretamente o ato

de execução da morte. Nunca é demais salientar que o ato de execução, no exemplo

ministrado, reside na abertura da torneira de gás. Abrir a aludida torneira equivale a

acionar o gatilho do revólver.

Feitas essas considerações preliminares, vamos à análise das hipóteses:

1. “A” abre a torneira e morre. “B” responde por participação em suicídio. Se

morre “B”, o sobrevivente “A” responde por homicídio. Se os dois sobrevivem, por

circunstâncias alheias à vontade, “A” responde por tentativa de homicídio, ao passo que

“B” responderá por participação em suicídio. Esta conduta de “B”, antes da Lei

13.968/2019, era atípica quando não resultasse lesões graves em “A”, pois o delito do

art. 122 do Código não admitia a tentativa; se, entretanto, “A” sofresse lesões graves, “B”

responderia pelo delito consumado de participação em suicídio.

2. Os dois abrem a torneira de gás, mas sobrevivem por circunstâncias alheias à

vontade. Ambos respondem por tentativa de homicídio. “A” em relação a “B”; “B” em

relação a “A”.

Urge também se formule a questão da roleta russa. Suponha-se que “A” e “B”

rolem o tambor do revólver que contém um só projétil, disparando, cada um em sua vez,

a arma na própria direção. O sobrevivente responde por participação em suicídio, pois,

aderindo a essa prática, instigou a vítima ao suicídio.

Frederico Marques lembra que o sobrevivente do chamado duelo americano

também responde por induzimento ao suicídio. No duelo americano duas pessoas

ajustam o suicídio de uma delas, mediante sorteio, ou deixando ao azar da escolha entre

duas armas, das quais só uma se encontra municiada.

Por último, responde por homicídio culposo aquele que, pretendendo suicidar-

se, erra o alvo e mata um terceiro.

Ação penal

É pública incondicionada.

5. Jurisprudências

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• EQUIPARAÇÃO DE HOMOFOBIA E TRANSFOBIA AO CRIME DE RACISMO

O STF na ADO 26 e MI 4.733, equiparou a homofobia e a transfobia ao crime de

racismo, através da analogia “in malam partem”, disfarçada de argumentações jurídicas

baseadas, sobretudo, no princípio da isonomia e na proibição do preconceito, em

flagrante violação ao princípio da reserva legal. A Excelsa Corte reconheceu

expressamente a mora legislativa, ou seja, a omissão da lei em relação à criminalização

da homofobia e transfobia, ato contínuo, decidiu pela aplicação da lei de racismo, que

rege hipóteses semelhantes. O pressuposto da analogia é a omissão da lei, mas, em

matéria penal, não se pode fazer analogia “in malam partem”, sob pena de violação do

princípio da reserva legal, que é uma cláusula pétrea. Ademais, a rigor, tanto a homofobia

quanto a transfobia são um preconceito relacionado à opção sexual e, dessa forma, não

havia omissão, pois os preconceitos relacionados ao sexo são expressamente tipificados

como contravenção penal, conforme lei 7.437/1985.

• EXECUÇÃO PROVISÓRIA

Tanto a pena de multa quanto as penas restritivas de direito, segundo a

jurisprudência do STJ, não admitem a execução provisória. De fato, o art. 147 da LEP só

prevê o início da execução destas penas após o trânsito em julgado. Por consequência,

na pendência do recurso especial ou recurso extraordinário, que não têm efeito

suspensivo, o condenado não poderá ser compelido a iniciar o cumprimento destas

penas.

• PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

No crime de contrabando, a jurisprudência não admite a aplicação do princípio

da insignificância, ainda que se trate de mercadoria relativamente proibida, como

cigarros e bebidas, de modo que a importação ou exportação de uma quantidade irrisória

caracteriza crime.

No descaminho, ao revés, é aceita a absolvição e até mesmo o arquivamento do

inquérito policial com base no princípio da insignificância.

Conforme Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda, o Procurador da Fazenda

Nacional não é obrigado a executar débitos de valor igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte

mil reais).

Os autos dessas execuções fiscais serão arquivados, mediante requerimento do

Procurador da Fazenda Nacional, sem baixa na distribuição, mas a execução será

reativada quando os valores do débito ultrapassarem o limite acima.

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O STF e o STJ, no âmbito penal, têm aplicado o princípio da insignificância

quando o débito tributário não ultrapassar o valor de vinte mil reais. O argumento é que

se o Estado não tem interesse em efetivar a cobrança é porque a lesão ao erário público

revelou-se diminuta, a ponto de não se justificar a apuração dos fatos na área penal, que

é regida pelo princípio da intervenção mínima.