2. LEI 13.869/2019 NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE · 2020. 5. 26. · • Lei 13.869/2019 –...
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Manual de Direito Penal
Partes Geral e Especial – Volume Único – 1ª edição
Flávio Monteiro de Barros
ATUALIZAÇÕES LEGISLATIVAS E JURISPRUDENCIAIS
SUMÁRIO: 1. LEI 13.834/2019; 2. LEI 13.869/2019 (NOVA LEI DE ABUSO
DE AUTORIDADE); 3. LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME); 4. LEI
13.968/2019; 5. JURISPRUDÊNCIA.
1. LEI 13.834/2019
• Art. 326-A do Código Eleitoral – Crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral
A denunciação caluniosa com finalidade eleitoral é crime do art. 326-A, do
Código Eleitoral, introduzido pela lei 13.834/2019, cujo teor é o seguinte:
“Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, de
investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa,
atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente, com
finalidade eleitoral:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
§1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou
de nome suposto.
§2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de
contravenção”.
Outro tipo especial, conforme já salientado anteriormente, é o delito de abuso
de autoridade previsto no art. 30, parte final, da lei 13.869/2019.
2. LEI 13.869/2019 – NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE
• Lei 13.869/2019 – Polêmica sobre a revogação do crime de violência arbitrária do CP
Discute-se se o art. 322 do CP foi ou não revogado pela Lei 4.898/65, que
considera abuso de autoridade qualquer atentado à integridade física.
Uma primeira corrente entende que o art. 322 foi revogado, porque a lei
4.898/65 é posterior e especial, tendo disciplinado toda a matéria.
Uma segunda corrente, que é dominante, preconiza que o art. 322 do CP não foi
revogado, pois a lei 4.898/65 tem caráter geral, e portanto, não revogou o art. 322 do CP,
que é uma norma que cuida especificamente da violência física arbitrária. Ademais, a lei
4.898/65 revela-se genérica ao definir como crime de abuso de autoridade qualquer
atentado à integridade física, sendo, pois, inconstitucional por prever um tipo
demasiadamente aberto, genérico, vago, de conteúdo indeterminado, violando o
princípio da taxatividade.
A lei 4.898/65 foi expressamente revogada pela lei 13.869/2019, que é omissa
quanto ao delito de atentado à integridade física, salvo em algumas situações específicas.
Para a corrente que proclamava a revogação do art. 322 do CP, cumpre recordar que não
existe, no Brasil, o instituto da repristinação tácita, de modo que a revogação não implica
na revigoração automática do art. 322 do CP. Noutras palavras, o atentado à integridade
física teria que ser punido como delito de lesão corporal. Entretanto, conforme já
salientado, prevalece a corrente da não revogação do art. 322 pela lei 4.898/65.
• Art. 30 da Lei 13.869/2019 – Art. 30 e o crime de denunciação caluniosa do CP Em regra, a denunciação caluniosa é crime comum, que pode ser praticado por
qualquer pessoa, tendo em vista que a ação penal na maioria dos casos é pública
incondicionada e, dessa forma, a “notitia criminis” pode ser levada à autoridade
competente por qualquer do povo.
Quanto ao advogado que, juntamente com o cliente, assina o requerimento de
instauração de inquérito policial ciente da inocência, será também enquadrado no delito
em apreço. A propósito, o requerimento de instauração de inquérito não exige
capacidade postulatória, prescindindo-se da assinatura do advogado.
Nos crimes de ação penal privada ou pública condicionada à representação ou
requisição do Ministro da Justiça, a denunciação caluniosa revela-se um crime próprio,
que só poderá ser praticado pelas pessoas legitimadas a providenciar a instauração da
persecução penal, ou seja, a vítima ou seu representante legal, bem como o Ministro da
Justiça, conforme a natureza da ação penal. Nesses casos, se a autoridade policial tiver a
certeza da inocência e ainda assim deferir o requerimento de instauração do inquérito,
ela será também incursa no crime de denunciação caluniosa.
Quanto ao agente público, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la,
será enquadrado no crime de abuso de autoridade, previsto no art. 30, parte final, da lei
13.869/2019, que prevê um delito específico de denunciação caluniosa, que afasta a
incidência do delito geral do art. 339 do CP, por força do princípio da especialidade.
A propósito, dispõe o citado art. 30, parte final:
“Dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa
causa fundamentada ou contra quem sabe inocente:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.
Por consequência, o juiz de direito ou o promotor de justiça, e até mesmo o
delegado de polícia e o ministro da justiça, que, por exemplo, provocam a instauração
de um inquérito policial, sabendo da inocência da pessoa, respondem pelo delito do art.
30 da lei 13.869/2019, e não pelo art. 339 do CP, por força da princípio da especialidade.
Maquinação astuciosa
Entende-se por maquinação astuciosa o uso de um meio fraudulento para se
imputar o delito a uma pessoa inocente. Exemplo: o policial coloca droga no carro de uma
pessoa, prendendo-a em flagrante, nesse caso, será incurso na denunciação caluniosa do
art. 30 da lei 13.869/2019. Outro exemplo: o ladrão põe a “res furtiva” no bolso de um
inocente, sem que ele perceba, dando causa à sua prisão em flagrante pela polícia.
Nesses dois exemplos, haverá o crime de denunciação caluniosa, sendo que o ladrão
ainda responderá pela tentativa de furto.
Pena desproporcional
O art. 339 do CP prevê a pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa.
Entretanto, a denunciação caluniosa praticada por agente público, no exercício
da função ou a pretexto de exercê-la, que configura crime de abuso de autoridade,
previsto no art. 30, parte final, da lei 13.869/2019, é punido com pena de detenção, de 1
(um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Noutras palavras, a denunciação caluniosa praticada por agente público, que é
fato mais grave, é apenada de forma bem mais branda que a cometida por particular,
que é fato menos grave.
É, pois, flagrante a violação do princípio constitucional da proporcionalidade da
pena, previsto no art. 5º, XLVI, da CF.
Força convir, portanto, para que o referido princípio seja preservado, que a
denunciação caluniosa perpetrada por particular, prevista no art. 339 do CP, também
deve ser apenada com detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
No âmbito do Ministério Público do Estado de São Paulo sustenta-se a
inconstitucionalidade do citado art. 30, por violação do princípio do retrocesso na tutela
dos bens jurídicos envolvidos, já protegidos pelo art. 339 do CP, punido, inclusive, com
pena em dobro.
Esta tese, entretanto, não convence, pois o princípio da vedação do retrocesso,
que proíbe a eliminação de determinados direitos, é aplicável apenas aos direitos sociais
e não às normas penais.
• Art. 33 da Lei 13.869/2019 – Art. 33 e o crime de concussão do CP O objeto material da concussão é a vantagem indevida, que é aquela não
prevista em lei penal ou extrapenal. Trata-se, portanto, de uma vantagem ilícita. Se a
vantagem exigida for devida haverá o crime de abuso de autoridade, previsto no art. 33
da lei 13.869/2019, por exemplo, o delegado de polícia que, para não lavrar o auto de
prisão em flagrante, exige que o criminoso lhe pague uma dívida que realmente existe.
A vantagem exigida em proveito da própria Administração Pública, por exemplo,
o delegado de polícia exige dinheiro em troca de não indiciar o suspeito, mas com o
propósito de aplicar essa verba numa reforma da cadeia pública, a rigor, não caracteriza
concussão, malgrado a opinião contrária do penalista Magalhães Noronha, que
interpreta a expressão “para si ou outrem”, prevista no art. 316 do CP, como sendo
passível de beneficiar até mesmo a própria Administração Pública. A hipótese configura
crime de abuso de autoridade, previsto no art. 33 da lei 13.869/2019.
• Art. 33 da Lei 13.869/2019 – art. 33 e o crime de exercício arbitrário das próprias razões do CP
Somente o particular pode cometer o delito de exercício arbitrário das próprias
razões, pois se o agente for funcionário público que, no exercício da função ou em razão
dela, aplicar meios ilícitos para satisfazer uma pretensão legítima, responderá pelo delito
de abuso de autoridade (art. 33 da lei 13.869/2019).
3. LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIME)
Código Penal
• Art. 25, parágrafo único, do Código Penal – Legítima defesa dos agentes de segurança
pública
Dispõe o parágrafo único do art. 25 do CP:
”Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também
em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de
agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.”
O dispositivo em análise, introduzido pela lei 13.964/2019, não configura uma
licença para matar, pois a reação deve ser feita através do uso moderado do meio
necessário. O excesso poderá configurar o delito de violência arbitrária, previsto no art.
322 do Código Penal, além da pena correspondente à violência, ou seja, lesão corporal e
homicídio, conforme ressalva expressa no parágrafo único do citado art. 322.
Trata-se de uma hipótese de legítima defesa de terceiro, que autoriza o agente
de segurança pública a reagir em favor da vítima que é mantida refém durante a prática
de crimes.
A reação é autorizada para repelir agressão atual ou iminente, ou seja, prestes
a ocorrer.
O dispositivo em análise, a rigor, era desnecessário, pois a situação descrita é
evidentemente de legítima defesa de terceiro. Na verdade, o policial, na situação descrita
no parágrafo único do art. 25 do CP, encontra-se acobertado por duas excludentes da
antijuridicidade: legítima defesa e estrito cumprimento do dever legal.
A permissão para agir em legítima defesa na situação acima foi atribuída aos
agentes de segurança pública, que abrange os policiais em geral, previstos no art. 144 da
CF, mas o particular também poderá ser beneficiado pela referida excludente, com base
no art. 25, “caput”, do CP.
• Art. 51 do Código Penal – Execução da pena de multa
Não efetuado o pagamento no decêndio legal, deverá ser iniciado o processo de
execução da pena de multa.
O art. 51 do CP, com a redação que lhe foi dada pela Lei 13.964/2019, encerrou a
celeuma acerca do juízo competente para a execução da pena de multa, estipulando que
é o da execução penal.
A propósito, dispõe citado o art. 51 do CP:
“Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante
o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas
à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e
suspensivas da prescrição”.
No que tange à fixação do juízo competente, a norma em estudo tem caráter
processual e, por consequência, as execuções das penas de multa que tramitavam perante
o juízo da Fazenda Pública, deverão ser imediatamente encaminhadas ao juízo da execução
penal.
Quanto à súmula 521 do STJ, que atribuía a legitimidade para execução da pena
de multa à Procuradoria da Fazenda Pública, encontra-se cancelada, pois a Lei
13.964/2019, ao atribuir a competência ao juízo da execução penal, deixou claro que se
trata de uma ação penal de execução, cuja legitimidade é exclusiva do Ministério Púbico,
nos termos do art. 129, I, da CF.
O fundamento desta corrente é que a multa penal, por se tratar de uma pena,
conforme prevê a própria Constituição Federal, só pode ser executada pelo Ministério
Público, nos termos do art. 129, I, da CF. A ação de execução penal é sempre uma ação
penal pública incondicionada e, por consequência, a Fazenda Pública, em hipótese alguma,
poderá mover a execução da pena de multa, nem mesmo em caráter subsidiário, ainda
que o Ministério Público se revele inerte.
Com efeito, o Ministério Público, após extrair a certidão da sentença
condenatória, com trânsito em julgado, que valerá como título executivo judicial,
requererá em autos apartados, perante o juízo da execução penal, a citação do condenado
para, no prazo de dez dias, pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora (art. 164 da
LEP). Decorrido esse prazo sem o pagamento da multa, ou o depósito da respectiva
importância, proceder-se-á à penhora de tantos bens quantos bastem para garantir a
execução. Se a penhora recair em bem imóvel, os autos apartados serão remetidos ao juízo
cível para prosseguimento da execução, com o Ministério Público no polo ativo da relação
processual (art. 165 da LEP).
Sobre o assunto, antes da lei 13.964/2019, havia duas correntes.
Uma primeira, adotada pelo Plenário do STF, sustentava que a execução devia ser
movida prioritariamente pelo Ministério Público, perante o juízo da execução penal,
funcionando como título executivo a certidão da sentença condenatória com menção do
trânsito em julgado e do valor da multa. Quanto à Fazenda Pública, tinha legitimidade
subsidiária, se o Ministério Público não propusesse a ação de execução no prazo de 90
(noventa) dias. Assim, caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não movesse
a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o juiz da execução criminal deveria
dar ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (federal ou estadual,
conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria vara de execução fiscal, com a
observância do rito da Lei 6.830/1980” (Informativo 927 do STF).
Esta corrente foi parcialmente acolhida pela lei 13.964/2019, que atribui a
legitimidade ao Ministério Público, mas sem fazer a ressalva da atuação subsidiária da
Fazenda Pública. Por consequência, ainda que o Ministério Público não proponha a
execução da pena de multa no prazo de 90 (noventa) dias, a Fazenda Pública não poderá
iniciar a execução. Foi correta a postura da lei 13.964/2019, pois a execução da multa
tem a natureza de ação penal pública, cuja legitimidade é exclusiva do Ministério Público,
nos termos do art. 129, I, da CF.
Uma segunda corrente, que era adotada no STJ, previa que a pena de multa
deveria ser executada pelo Procurador da Fazenda Estadual ou Nacional, conforme o crime
fosse da justiça estadual ou federal, perante o juízo cível do anexo fiscal, funcionando como
título executivo a certidão da dívida ativa contendo o valor da multa.
O fundamento desta orientação era que a multa penal não teria mais o caráter
de pena, transmudando-se numa simples dívida de valor, por força do art. 51 do CP.
A súmula 521 do STJ, que abraçava esta última orientação, rezava que:
“A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta
em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública”.
Com o advento da lei 13.964/2019, que fixou a competência do juízo da
execução penal, operou-se o cancelamento da referida súmula.
Sobre o assunto, já havia escrito o seguinte:
“A polêmica foi gerada pelo art. 51 do CP, com a nova redação que lhe foi dada
pela Lei n. 9.268/96, ao dispor que:
“Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida
de valor, aplicando-se-lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda
Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”.
A inovação, porém, não tem o alcance propugnado por alguns penalistas, no
sentido de que a multa teria perdido a natureza de pena, passando a ser mera dívida de
valor. Eles apregoam a revogação do art. 164 da LEP; consideram que, como dívida de
valor, a execução da multa deve reger-se pela Lei n. 6.830/80, cujo título executivo é a
certidão da dívida ativa, devendo a execução ser movida pelo Procurador do Estado ou
Procurador da Fazenda Nacional, conforme a condenação seja estadual ou federal,
perante o juízo do anexo fiscal, tal como ocorre com as execuções fiscais, mas as multas
impostas no Juizado Criminal são executadas no próprio juizado (art. 98, I, da CF) .
A esse argumento, ofereço as seguintes objeções:
a) o caráter de pena da multa criminal emana diretamente da Constituição da
República, de modo que a legislação ordinária não pode alterar a sua estrutura
ontológica;
b) o art. 51 do CP, com a nova redação da Lei n. 9.268/96, em nenhum momento
ordenou a inscrição na dívida ativa da Fazenda Pública, limitando-se a fixar, para multa, as
normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública;
c) reduzir a pena de multa a uma simples dívida, além de alterar seu caráter
ontológico, violaria, por via oblíqua, o princípio da personalização da pena, já que, como
simples dívida, seria passível de transmissão aos herdeiros do condenado; no entanto, é
pacifico que a pena de multa não se transmite aos herdeiros do condenado.
d) o fato de ser dívida de valor não lhe retira a qualidade de pena. Aliás, a pena
de multa sempre foi dívida de valor. Efetivamente, no direito civil, as dívidas podem ser:
— pecuniárias: quando o dinheiro é o objeto da prestação (ex.: mútuo);
— de valor: quando o objeto da prestação é algo diverso do dinheiro, mas este
serve para quantificar o débito.
No caso de alimentos, por exemplo, a prestação devida é o sustento do
alimentado, servindo o dinheiro como medida desse valor. Igualmente, numa colisão de
veículos, a prestação devida é o conserto do automóvel, servindo o dinheiro para medir
o valor do débito. Da mesma forma, na multa penal, a prestação devida é a pena,
consistente na reparação do mal injusto pelo mal justo, servindo o dinheiro para valorar
essa prestação.
Expostas assim, em rápida síntese, as principais ideias sobre a natureza jurídica
da multa penal, sinto-me animado a afirmar que a expressão “dívida de valor” não tem o
condão de retirar da multa o caráter de pena.
No tocante à execução da multa, entendo que se encontra em vigor o art. 164
da LEP, de modo que o título executivo é a certidão da sentença condenatória com
trânsito em julgado, e não a certidão da dívida ativa. A execução é promovida pelo
Promotor de Justiça, e não pelo Procurador do Estado. A vara competente é a da execução
penal, e não a do anexo fiscal.”
Este ponto de vista foi acolhido integralmente pela lei 13.964/2019, que pôs fim
à discussão.
• Art. 75 do Código Penal – Limite das penas
Com o advento da Lei 13.964/2019, o tempo máximo de cumprimento da pena,
que era de 30 (trinta) anos, passou a ser de 40 (quarenta) anos.
A propósito, dispõe o art. 75 do CP:
“O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser
superior a 40 (quarenta) anos”.
O §1º do art. 75 acrescenta que:
“Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja
superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo
deste artigo”.
Trata-se de “novatio legis in pejus”, aplicável apenas aos crimes ocorridos a
partir de sua vigência, sendo, pois, irretroativa.
O art. 10 da LCP, por sua vez, também determina que, nas contravenções penais,
“a duração da pena de prisão simples não pode, em caso algum, ser superior a 5 (cinco)
anos”.
Estes dois dispositivos legais, inspirados na proibição constitucional da pena de
prisão perpétua, traçam limites à duração da pena privativa de liberdade.
Admite-se, porém, condenação superior a 40 (quarenta) anos de prisão. Nesse
caso, o juízo da execução unifica as penas no limite máximo de 40 (quarenta) anos. Essa
unificação, conforme se depreende do art. 75, é só para o efeito de cumprimento da pena,
não se aplicando a livramento condicional, remição, progressão de regimes, ou a outras
finalidades. Sobre o assunto, dispõe a Súmula 715 do STF: “A pena unificada para atender
ao limite de 30 (trinta) anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal,
não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional
ou o regime mais favorável de execução”. Onde se consta 30 (trinta) anos, na súmula 715,
deve ser lido 40 (quarenta) anos, por força da lei 13.964/2019.
Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena,
far-se-á nova unificação, desprezando-se, para esse fim, o período de pena já cumprido
(§ 2º do art. 75 do CP).
Assim, vindo o agente a praticar outro crime durante o cumprimento da pena,
far-se-á nova unificação, somando-se o restante da pena com a nova condenação,
respeitando, também, nessa segunda unificação, o limite máximo de 40 (quarenta) anos.
O sentenciado que, ao delinquir no cárcere, tivesse ainda dez anos de reclusão a cumprir,
a partir do novo crime, pelo qual, por exemplo, foi condenado a trinta e cinco anos de
reclusão, teria de cumprir mais 40 (quarenta) de reclusão.
Imagine, porém, que, registrando trezentos anos de prisão, unificada na
execução para o limite de 40 (quarenta) anos, ele viesse, dentro do presídio, após cumprir
25 (vinte e cinco) anos, a cometer um pequeno delito, sendo condenado a seis meses de
reclusão. Nesse caso, far-se-á nova unificação entre o restante da pena unificada, isto é,
15 (quinze) anos, e a nova condenação de 6 (seis) meses. Não me parece que a unificação
deva ser feita pelo restante do total da pena, ou seja, 275 (duzentos e setenta e cinco)
anos, porque a expressão “far-se-á nova unificação”, prevista no § 2º do art. 75 do CP,
deve ser interpretada no sentido de nova unificação da pena subsequente com o restante
da pena anteriormente unificada.
Sobre o momento da consideração da pena para o fim de unificação, não se pode
olvidar a norma consagrada no art. 4º do CP, consagrando a teoria da atividade, que
considera praticado o delito no momento da conduta. Sendo assim, toma-se o restante da
pena ao tempo da conduta criminosa, adicionando-se a ela a nova condenação,
respeitando-se o limite máximo de 40 (quarenta) anos, deduzindo-se ainda o tempo de
pena cumprido após a prática do novo crime.
Miremos no exemplo de um condenado a 40 (quarenta) anos, que praticou novo
delito quando já havia cumprido 26 (vinte e seis) anos de pena, restando-lhe, portanto,
ao tempo da conduta delituosa, 14 (quatorze) anos. Ele é condenado, pelo novo crime, a
38 (trinta e oito) anos de reclusão. Por consequência, terá que cumprir os 14 (quatorze)
anos restantes da pena anterior mais 26 (vinte e seis) anos da nova pena, totalizando 40
(quarenta) anos. Se por ocasião desta nova condenação, em razão da demora do
processo, restasse apenas 3 (três) anos da pena anterior, ele teria que cumprir estes
(três) anos da pena anterior mais 26 (vinte e seis) anos da nova pena, pois a unificação
deve ser tomar por base a pena restante ao tempo do crime, que no caso correspondia
a 14 (quatorze) anos.
Por fim, o condenado a 40 (quarenta) anos de reclusão que, nos primeiros dias
de seu ingresso no presídio, vier a cometer um homicídio, matando, por exemplo, o
carcereiro, permanecerá praticamente impune desse novo delito.
• Art. 91-A do Código Penal – Efeitos extrapenais da condenação
Os efeitos da condenação criminal extrapolam os limites jurídico-penais para
adentrar nas fronteiras pertencentes ao direito civil, direito comercial, direito trabalhista,
direito administrativo etc.
Limitar-nos-emos, para não alongarmos em demasia, à análise dos efeitos
extrapenais previstos no Código Penal. Esses efeitos podem ser genéricos e específicos.
Os primeiros, presentes no art. 91, são automáticos, isto é, independem de declaração
expressa na sentença, ao passo que os segundos, elencados nos arts. 91-A e 92 do CP,
devem ser motivadamente declarados na sentença (arts. 91-A, §3º, e 92, parágrafo
único).
São efeitos genéricos da condenação: a reparação do dano e o confisco.
Os efeitos específicos são:
a) perda do patrimônio incompatível com o rendimento lícito; b) perda dos instrumentos utilizados para a prática de crimes por
organizações criminosas e milícias; c) incapacidade para o exercício do poder familiar, tutela ou curatela; d) perda de cargo, função pública ou mandato eletivo; e) inabilitação para dirigir veículo, quando utilizado como meio para a prática
de crime doloso.
No crime de racismo há um outro efeito específico, que pode ser aplicado ao servidor
público condenado por este delito, podendo o juiz ordenar de forma fundamentada a perda
do cargo ou função pública (art. 16 da lei 7716/89).
• Art. 91-A do Código Penal - Perda do patrimônio incompatível com o rendimento lícito
Dispõe o 91-A do CP, introduzido pela lei 13.964/2019:
“Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima
superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou
proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do
condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito”.
Não se trata da pena concreta, mas, sim, da abstrata. Ainda que a condenação
seja inferior a 6(seis) anos, a perda de bens poderá ser decretada se a pena abstrata for
superior a 6 (seis) anos.
Convém observar que somente os crimes punidos com reclusão admitem este
efeito específico da condenação.
O legislador presume que o patrimônio do condenado é incompatível com os
seus rendimentos lícitos, em relação às infrações cuja pena abstrata seja superior a 6(seis)
anos de reclusão.
Trata-se, porém, de uma presunção relativa, pois admite prova em contrário.
Sobre o assunto, reza o § 2º do art. 91-A do CP:
“O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a
procedência lícita do patrimônio”.
Há, como se vê, uma inversão do ônus da prova.
O dispositivo em análise, entretanto, segundo valiosas opiniões, ao estabelecer
a inversão do ônus da prova, viola o princípio da presunção da inocência, previsto no art.
5º, LVII, da CF.
A perda recairá sobre a diferença entre o valor do patrimônio do condenado e
aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.
A apuração do patrimônio compatível deverá levar em conta, segundo o texto
legal, os rendimentos lícitos do condenado.
Entende-se por rendimentos lícito o total das fontes honestas de rendas do
condenado, deduzindo-se os tributos e contribuições sociais.
O § 1º do art. 91-A do CP esclarece que:
“Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio
do condenado todos os bens:
I - de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício
direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e
II - transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória,
a partir do início da atividade criminal”.
Assim, o patrimônio do condenado abrange todos os bens, corpóreos ou
incorpóreos, móveis ou imóveis, inclusive, os semoventes, que sejam:
a) de sua titularidade formal, ou seja, propriedade; b) do seu domínio, que se caracteriza pela presença de um dos seguintes
poderes: usar, gozar, dispor e reaver o bem. Na enfiteuse, por exemplo, o benefício é direto; na nua propriedade, o benefício é indireto. Na alienação fiduciária em garantia, por exemplo, o benefício é direto.
c) bens transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminosa. O legislador, ao permitir a perda de bens que não integram mais o patrimônio do réu, mas, sim, de terceiros, instituiu na área processual penal uma espécie de fraude de execução, consubstanciada na alienação gratuita ou irrisória de bens, após o início da atividade criminosa, ainda que não haja processo em andamento. A atividade criminosa, a que se refere o texto legal, deve dizer respeito ao crime que foi objeto da condenação penal que motivou a perda do bem, sob pena de violação do princípio do juiz natural. É claro que o terceiro poderá ajuizar as medidas cabíveis para impedir a perda do bem, apelando, por exemplo, da sentença ou
então ingressando com embargos de terceiros na seara criminal.
Por outro lado, a perda do patrimônio incompatível não é automática, pois
depende de requerimento expresso do Ministério Público, ao oferecer a denúncia, com o
intuito de se preservar o princípio da ampla defesa, sendo vedado ao juiz pronunciar-se
de ofício.
De fato, reza o § 3º do art. 91-A do CP:
“A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo
Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença
apurada”.
O § 4º do citado art. 91-A do CP acrescenta que:
“Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e
especificar os bens cuja perda for decretada”.
Assim, na sentença condenatória, o juiz, caso acolha o pedido de perda de bens,
deverá:
a) declarar o valor, em dinheiro, da diferença entre o montante do patrimônio
do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito.
b) especificar os bens cuja perda for decretada.
Convém observar que o efeito específico da condenação do art. 91-A do CP, que
recai sobre os bens suspeitos do condenado, não se confunde com o confisco, que incide
sobre os produtos, proveitos e instrumentos do crime.
O art. 91-A do CP é omisso sobre o destino dos bens declarados perdidos, mas,
por analogia, será o mesmo dos bens confiscados.
Perda dos instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações
criminosas e milícias
Dispõe o § 5º do art. 91-A do CP, introduzido pela lei 13.964/2019:
“Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas
e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo
da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das
pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o
cometimento de novos crimes.”
Instrumento, conforme já visto, é o meio utilizado pelo agente para a prática do
crime.
O efeito da condenação do §5º do art. 91-A distingue-se do confisco dos
instrumentos do crime previstos no art. 91, II, “a”, nos seguintes aspectos:
a) só pode ser confiscado o instrumento cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constituir fato ilícito, ao passo que no art. 91-A, §5º, a perda poderá recair sobre qualquer instrumento do crime praticado por organização criminosa e milícia, ainda que lícito, mesmo que não ponha em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes;
b) o confisco é um efeito da condenação automática, pois independe de menção expressa na sentença. Em contrapartida, o efeito do art. 91-A, §5º, do CP é específico, pois só se verifica quando declarado expressamente na sentença condenatória;
c) o destino do bem confiscado, em regra, é o Fundo Nacional de Segurança Pública. O destino do instrumento do crime, a que faz menção o art. 91-A, §5º, do CP é a União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal;
d) o confisco é um efeito da condenação previstos para todos os crimes. O efeito do art.91-A, §5º, do CP é exclusivo dos crimes praticados por organizações criminosas e milícias.
Convém observar que o art. 91-A, §5º, do CP não se refere à associação
criminosa, mas apenas aos crimes praticados por organização criminosa e milícia, sendo
vedada a analogia “in malam partem”.
Organização criminosa é a associação de quatro ou mais pessoas,
estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que
informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer
natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores
a 4 (quatro) anos, ou que tenham caráter transnacional (§1º do art. 1º da lei
12.850/2013).
Sobre a distinção entre organização e associação criminosa, prevista no art. 288
do CP, vale a pena mencionar o seguinte:
a) a organização criminosa exige 4 (quatro) ou mais pessoas e a finalidade é
praticar infrações penais (crime ou contravenção), cujas penas máximas sejam superiores
a 4 (quatro) anos ou que tenha caráter transnacional, isto é, lese bem jurídico de mais de
um país. A associação criminosa exige 3 (três) ou mais pessoas e a finalidade é praticar
crimes de qualquer natureza.
b) a organização criminosa exige o fim de obter vantagem de qualquer natureza
(econômica ou não). A associação criminosa não exige o fim de obter vantagem.
c) a organização criminosa requer uma estrutura, ainda que informal, com
divisão de tarefas, pressupondo um grau maior de organização. A associação criminosa
não exige sequer uma estrutura informal.
Por fim, quanto ao crime de milícia, é previsto no art. 288-A do CP. A milícia é o
gênero que abrange as seguintes entidades criminosas:
Organização paramilitar: é o grupo, civil ou militar, que usa táticas e técnicas das
Forças Armadas (Marinha, Exército ou Aeronáutica), para atentar contra a ordem
constitucional e o Estado Democrático. É o caso, por exemplo, das Forças Revolucionárias
Colombianas (Farcs).
Milícia particular: é o grupo formado para combater o narcotráfico e demais
crimes, em favelas e outras comunidades, que agem para prestar serviço de segurança
ou sob este pretexto. Visa, pois, exercer as funções de segurança pública, de atribuição
das polícias civil, militar, federal, rodoviária ou ferroviária (art. 144 da CF). Exemplo:
gangue que impõe aos moradores o dever de obediência à suposta segurança que ela
realiza no local, cobrando mensalidades.
Grupo: é a união de pessoas que buscam impor o seu poder, ditando as regras
que devem ser observadas em determinado local. Exemplo: grupo de presidiários que
traçam o “código de ética” do presídio.
Esquadrão: é o grupo formado por justiceiros, com o objetivo de agir contra os
criminosos. Em regra, miram o extermínio, mas nada obsta que outro seja o propósito,
por exemplo, lesão corporal.
• Art. 116 do Código Penal – Impedimento e suspensão da prescrição
Impedimento é o obstáculo que inviabiliza o início do fluxo prescricional. Na
suspensão, esse obstáculo surge durante o prazo prescricional, paralisando
temporariamente a sua fluência, mas cessado o obstáculo, a prescrição volta a correr,
computando-se o período anterior à suspensão.
O Código Penal, no art. 116, prevê quatro causas impeditivas e suspensivas,
dispondo que a prescrição, antes de passar em julgado a sentença final, não corre:
“I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o
reconhecimento da existência do crime;
II - enquanto o agente cumpre pena no exterior”;
III - na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais
Superiores, quando inadmissíveis; e
IV - enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução
penal.
A primeira delas é referente à questão prejudicial ainda não resolvida em outro
processo. Questão prejudicial é a que influi na tipicidade do delito. A sua resolução é
imprescindível para a existência do crime. O juiz penal, em regra, tem jurisdição para
decidir qualquer questão, exceto a que versa sobre o estado civil das pessoas, quando,
então, a ação penal ficará obrigatoriamente suspensa até o trânsito em julgado da
sentença prolatada na esfera cível. É o que ocorre com o delito de bigamia, cuja ação
penal ficará suspensa na hipótese de pender, na área cível, ação de anulação do primeiro
casamento. No tocante às prejudiciais não referentes ao estado civil das pessoas, a
suspensão da ação penal é facultativa. Se, por exemplo, o réu processado por furto estiver
discutindo na área cível se a coisa é ou não alheia, a ação penal, a critério do juiz, ficará
suspensa até a resolução dessa questão. De fato, se a coisa lhe pertencer, não haverá
furto, pois este delito pressupõe que a coisa seja alheia. Se, no entanto, o juiz criminal
resolver prosseguir na ação penal, condenando o acusado, este, na hipótese de a
sentença cível lhe ser favorável, atribuindo-lhe o domínio da coisa, poderá ingressar com
o pedido de revisão criminal.
Se, em recurso extraordinário, em razão da repercussão geral, o STF, com base
no art. 1035, §5º, do CPC, mandar suspender os processos penais que versam sobre a
mesma questão, até que se decida, se o fato é típico ou atípico, impõe-se a suspensão da
prescrição, pois se trata de uma questão prejudicial. Exemplo: recurso extraordinário nº
966.177, onde se discute se a contravenção de jogo de azar (art. 50 da LCP) é ou não fato
típico.
A segunda causa suspensiva, cumprimento de pena no exterior, justifica-se pela
impossibilidade em se obter a extradição do acusado. Observe-se, porém, que o
cumprimento de pena no Brasil não impede a fluência da prescrição da pretensão
punitiva.
A terceira causa suspensiva consiste no fato de não correr prescrição na
pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando
inadmissíveis.
A hipótese comporta duas interpretações, pois a redação do art. 116, III, do CP
é dúbia.
Primeira, os embargos de declaração, que suspendem a prescrição, são somente
os interpostos nos Tribunais Superiores.
Segunda, quaisquer embargos de declaração suspendem a prescrição, ainda que
interpostos contra decisão, sentença ou acórdão.
Gramaticalmente, as duas interpretações são possíveis.
A meu ver, a primeira exegese é a mais correta, pois os embargos de declaração
também são recursos. Ademais, não há razão plausível para que a prescrição se suspenda
pela interposição de embargos de declaração em outros juízos e tribunais e não se
suspenda com os demais recursos declarados inadmissíveis. O que o texto legal quis
expressar foi o seguinte: “não corre prescrição na pendência de embargos de declaração
ou de quaisquer outros recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis. Convém
ainda salientar que a lei fez expressa menção aos embargos de declaração para se
precaver da corrente doutrinária que não os considera recurso.
De qualquer maneira, trata-se de uma dúvida gramaticalmente insolúvel, razão
pela qual deve ser aplicado excepcionalmente, em matéria de hermenêutica, o princípio
“in dubio pro reo”, de modo que a prescrição só não correrá em relação aos embargos
de declaração declarados inadmissíveis, que foram dirigidos aos Tribunais Superiores,
pois a suspensão da prescrição é prejudicial ao réu, mas o assunto certamente ensejará
polêmica.
A prescrição permanecerá suspensa no período entre a interposição dos
embargos de declaração e a publicação da decisão de inadmissibilidade.
Conquanto a lei não faça distinção entre os embargos de declaração interpostos
pela acusação ou pela defesa, o seu objetivo foi evitar a interposição de recursos
meramente protelatórios, inerentes à defesa, e, por isso, a meu ver, a prescrição não se
suspenderá nos embargos de declaração oriundos do órgão acusatório, mas este tema
ensejará polêmica, pois é também possível argumentar que onde a lei não distingue ao
intérprete não é lícito distinguir.
É, porém, necessário, para que se obste a fluência da prescrição, que os
embargos de declaração não sejam admitidos.
Cumpre não confundir a inadmissibilidade com o não provimento dos embargos
de declaração.
A não admissibilidade é o não preenchimento dos pressupostos de
admissibilidade do recurso. Exemplo: os embargos de declaração não descrevem os vícios
da decisão embargada.
O não provimento é a sua rejeição, no mérito, após o recurso ter sido admitido.
Exemplo: os embargos de declaração descrevem o vício da omissão e, por isso, são
conhecidos, mas o órgão julgador, ao analisar o mérito, conclui que não houve a omissão
alegada e, diante disso, nega provimento ao recurso.
A prescrição não corre quando os embargos de declaração não são admitidos,
mas, uma vez admitidos, ainda que não providos, a prescrição fluirá. De fato, a suspensão
da prescrição é prejudicial ao acusado, sendo vedada a analogia “in malam partem”.
Igualmente, não corre a prescrição na pendência de recursos aos Tribunais
Superiores, quando inadmissíveis.
Há, pois, duas situações:
a) o recurso não é admitido, pois não preenche os requisitos admissibilidade.
Neste caso, a prescrição permanecerá suspensa entre a data do protocolo do recurso e
a publicação da decisão monocrática ou acórdão que o julgou inadmissível.
b) o recurso é admitido, mas, no mérito, o Tribunal Superior lhe nega
provimento. Neste caso, a prescrição não será tida como suspensa, fluindo
normalmente.
Os Tribunais Superiores são: STJ, STM, TSE e TST. Este último, porém, não tem
competência penal.
Convém ressaltar que o STF não é tratado pela Constituição Federal como sendo
um Tribunal Superior, mas, sim, como um Tribunal Supremo, que está acima de todos os
demais.
Diante disso, força convir que, na pendência de recurso extraordinário ao STF a
prescrição fluirá normalmente, pois é vedada a analogia “in malam partem”. Outra
exegese, porém, também deverá considerar o STF como sendo um Tribunal Superior,
com base na interpretação extensiva.
Por fim, quanto aos recursos interpostos perante os Tribunais de Justiça,
Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais Eleitorais, ainda que não conhecidos,
não suspenderão o curso da prescrição.
A última causa de suspensão da prescrição, prevista no art. 116, IV, é o acordo
de não persecução penal. Na pendência deste acordo, a prescrição permanecerá
suspensa e só voltará a fluir na hipótese de descumprimento ou rescisão. O acordo de
não persecução penal é o instituto pelo qual o Ministério Público se abstém de oferecer
a denúncia na hipótese de o autor da infração penal confessar a autoria e ainda aceitar
determinadas condições não privativas da liberdade. Este acordo, que deve ser
homologado pelo juiz, só é possível nas infrações penais cometidas sem violência ou grave
ameaça à pessoa, cuja pena mínima seja inferior a 4 (quatro) anos, desde ainda que não
seja cabível a transação penal da lei 9.099/95. O reincidente não pode usufruir deste
benefício. A prescrição só será suspensa a partir da publicação da decisão judicial que
homologou o acordo de não persecução penal; e voltará a fluir a partir da publicação da
decisão judicial que declarar rescindido o referido acordo.
• Art. 157, § 2º, do Código Penal – Roubo qualificado, agravado ou circunstanciado ou
majorado
De acordo com o § 2º do art. 157 do CP, a pena aumenta de 1/3 (um terço) até
a metade:
1. Se há concurso de duas ou mais pessoas; 2. Se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece
tal circunstância; 3. Se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado
para outro Estado ou para o exterior; 4. Se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade; 5. Se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que,
conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego; 6. Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca.
Vê-se assim a existência de seis causas de aumento de pena, que são aplicáveis
ao roubo próprio e ao impróprio, mas que não incidem em relação ao roubo qualificado
pelo resultado, previsto no §3º do art.157, porque as sobreditas causas de aumento
antecedem à qualificadora do § 3º.
A primeira majorante, consistente no concurso de duas ou mais pessoas,
justifica-se pela maior organização do delito, aumentando a possibilidade de consumação
à medida em que diminui a chance de defesa da vítima. Os menores de 18 anos, os
doentes mentais e os desconhecidos, participantes da conduta criminosa, também são
computados. Quanto à necessidade de participação na execução, a matéria já foi
analisada por ocasião do furto qualificado (CP, art.155, §4º, inciso IV).
A segunda causa de aumento ocorre quando a vítima está em serviço de
transporte de valores e o agente conhece tal circunstância. Objetiva-se tutelar a
segurança do transporte. A expressão valores abrange o dinheiro, joias preciosas e
qualquer outro bem passível de ser convertido em pecúnia. O valor que a vítima
transporta deve ser alheio, porque a lei fala em serviço de transporte, de modo que não
incide o aumento se a vítima transporta valores próprios. A noção de serviço nada tem a
ver com emprego, incidindo o aumento ainda que o transporte seja gratuito ou acidental.
O serviço de transporte consiste na condução da coisa de um local para outro. Se a vítima
estiver apenas portando valores alheios, o roubo será simples. Finalmente, urge que o
agente saiba que a vítima está em serviço de transporte. A lei exige o dolo direto, isto é,
a certeza acerca desse fato. A dúvida sobre a vítima estar ou não em serviço de
transporte de valores exclui o aumento, porque não se admite, em tal hipótese, o dolo
eventual.
A terceira majorante consiste na subtração de veículo automotor que venha a
ser transportado para outro Estado ou Exterior. A expressão “veículo automotor”
abrange aeronaves, automóveis, motocicletas, lanchas, jet-ski, enfim qualquer veículo
movido por motor de propulsão. Exclui-se os veículos de tração humana (exemplo:
bicicleta), bem como os de tração animal (exemplo: charrete). Urge, para a incidência do
aumento da pena, que o veículo seja efetivamente transportado para outro Estado ou
Exterior. Justifica-se o aumento, porque o transporte diminui a possibilidade de
recuperação do bem, facilitando ainda a adulteração e negociação do veículo, lesando,
por consequência, eventuais terceiros de boa-fé. Consuma-se o transporte quando o
veículo transpõe a fronteira, não necessitando que chegue até o local almejado pelo
agente. Não há necessidade de se efetuar o transporte através de outro veículo, isto é,
sobre uma jamanta ou caminhão. Por outro lado, responde por receptação o agente que
é contratado, após a consumação do roubo, apenas para transportar o veículo, que sabe
roubado. Em tal hipótese, não há falar-se em participação, porque o delito de roubo já
estava consumado. Só se configura a participação quando o agente atua antes da
consumação. O autor do roubo, porém, responderá pelo roubo qualificado, desde que
tenha dado causa dolosamente ao transporte pelo terceiro. O terceiro que transporta o
veículo, após a consumação, poderá ser partícipe do roubo, e não receptador, na
hipótese de ter prometido realizar o transporte antes da prática do roubo, pois, como se
sabe, a promessa de auxílio caracteriza uma instigação, sendo suficiente para gerar a
participação.
A quarta majorante ocorre quando o agente mantém a vítima em seu poder,
restringindo a sua liberdade. Justifica-se o aumento, tendo em vista a violação da
liberdade pessoal de movimento, isto é, o direito de ir, vir e ficar no local. Quanto ao
crime de sequestro, será absorvido, pois já funciona como causa de aumento de pena do
roubo.
Urge salientar, todavia, que nem toda a restrição da liberdade consiste na
subtração da vítima de um local para conduzi-la a outro (deductio de loco ad locum). Se,
ao inverso, não houver a tirada da vítima do local onde já se achava, mas mera retenção,
como, por exemplo, trancá-la no quarto da própria casa, caracteriza-se, da mesma forma,
o delito em apreço. Defrontamo-nos, nesse último caso, com a restrição per obsidionem.
Só se configura a majorante quando o sequestro funcionar como meio de
execução do roubo ou então para assegurar a fuga. Em tal hipótese, conforme já dito, o
crime de sequestro, previsto no art.148 do CP, é absorvido, por força do princípio da
subsidiariedade implícita.
O reconhecimento da majorante depende da conexão entre o sequestro e a
subtração ou então entre o sequestro e a fuga. Em suma, o sequestro há de ser um
desdobramento do roubo. Se, não obstante, o agente sequestrar a vítima para assegurar
a fuga ou a subtração, vindo a mantê-la em seu poder após já ter garantido a fuga e a
subtração, haverá delito de roubo qualificado pela restrição da liberdade em concurso
material com o delito de sequestro previsto no art. 148 do CP. Com efeito, em tal
circunstância surge um novo dolo, qual seja, o dolo de sequestro, que se desvinculou do
roubo anterior à medida em que a fuga e a subtração já estavam asseguradas. E não há
falar-se em bis in idem diante da existência de dois sequestros distintos. O primeiro serviu
como desdobramento do roubo. O segundo iniciou-se após assegurada a fuga e a
subtração. Há posicionamento, porém, que o delito seria simples em concurso com
sequestro.
Ressalte-se ainda a lição de Guilherme de Souza Nucci no sentido de que não
configura a causa de aumento quando o agente segura a vítima por brevíssimo tempo,
o suficiente para tomar-lhe o bem almejado (exemplo: disposto a tomar o veículo da
vítima, o agente ingressa no automóvel unicamente para, alguns quarteirões depois,
colocá-la para fora). Com efeito, o tipo penal fala em manter, o que implica sempre uma
duração razoável.
Por outro lado, discordamos do brilhante penalista Cezar Roberto Bittencourt,
que exclui a majorante quando o eventual sequestro for praticado depois da consumação
do roubo. A nosso ver, o sequestro após a consumação do roubo pode dar ensejo ao
aumento da pena, desde que necessário para assegurar a fuga, tendo em vista que a lei
não faz distinção quanto ao momento do sequestro; se, ao revés, o sequestro não tiver
a finalidade de assegurar a fuga nem a subtração daí sim exclui-se a majorante,
respondendo o agente por roubo simples em concurso com o crime de sequestro.
Quanto ao agente que, após consumar o roubo e garantir a fuga, prosseguir
sequestrando a vítima, extorquindo-a com o fim de obter outras vantagens econômicas,
responderá por roubo em concurso com extorsão, ambos os delitos qualificados pela
restrição da liberdade.
A quinta majorante, se a subtração for de substâncias explosivas ou de
acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou
emprego, é idêntica à qualificadora do furto do art. §7º do art. 155 do CP, ambas
introduzidas pela Lei 13.654/2018.
A última causa de aumento de pena, violência ou grave ameaça exercida com
emprego de arma branca, foi introduzida pela lei 13.964/2019. Arma branca é a que não
é arma de fogo. Trata-se de um conceito que se obtém por exclusão. Abrange as armas
impróprias, que são os instrumentos que servem para ataque ou defesa, embora não seja
esta a sua finalidade, como a tesoura, faca de cozinha, pedaço de pau, caco de vidro, etc.,
bem como as armas próprias que não sejam de fogo, que são os instrumentos cuja
finalidade específica é o ataque ou defesa, como o punhal, a espada, o soco inglês e
outros. Outra corrente, ao revés, só considera arma branca as armas próprias, ou seja, o
instrumento que tem a finalidade específica de ataque ou defesa. É mister, para a
majoração da pena, que haja o emprego da arma branca, que consiste no seu uso efetivo
ou exibição ostensiva. Caso a arma branca não tenha sido exibida nem anunciada pelo
assaltante, exclui-se a majorante.
Roubo majorado pelo emprego de arma de fogo
São três as majorantes do roubo com emprego de arma de fogo. São elas:
a) arma de fogo de uso permitido: é aquela cujo porte é passível de obtenção. Nesse caso, a pena é aumentada de 2/3 (dois terços), por força do art. 157, §2º-A, I, do CP, introduzido pela lei 13.654/2018.
b) arma de fogo de uso restrito: é aquela cujo porte é restrito a determinadas pessoas. Neste caso, a pena é dobrada, nos termos do art. 157, §2º-B, do CP, introduzido pela lei 13.964/2019.
c) arma de fogo de uso proibido: é aquela cujo porte é vedado. A pena também é dobrada, nos termos do art. 157, §2º-B, do CP, introduzido pela lei 13.964/2019.
Justifica-se a majorante, em razão da maior potencialidade lesiva do fato, que
cria risco de morte à vítima.
O porte oculto não majora a pena do roubo, porque a lei exige o emprego da
arma, consistente no uso efetivo ou porte ostensivo. Assim, só incide a majorante quando
a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo.
Por outro lado, o roubo majorado absorve o delito de arma de fogo, previsto na
legislação especial, que já funciona como causa de aumento de pena, sendo de rigor o
afastamento dessa última norma em face do princípio da subsidiariedade implícita. Outra
corrente, entretanto, sustenta que o crime de porte de arma só será absorvido quando
o agente armar-se com a finalidade específica de praticar o roubo, caso tenha se armado,
independentemente do roubo, responderá também pelo crime de porte de arma em
concurso com o roubo majorado pelo emprego de arma.
Quanto à arma de brinquedo, também denominada “arma finta”, não funciona
como causa de aumento de pena, pois não se trata de arma de fogo, mas é suficiente
para servir de meio de execução de um roubo simples. O agente que na calada da noite
encosta o dedo nas costas da vítima, simulando estar armado, responde por roubo
simples, porque o dedo não pode ser equiparado a arma. A situação é idêntica quando
se trata de arma de brinquedo.
Quanto à arma descarregada, também não majora a pena do roubo, falta-lhe
potencialidade ofensiva e, portanto, não se trata de arma, respondendo o agente por
roubo simples.
No tocante à arma não apreendida, compete ao agente exibi-la em juízo para
que seja periciada, sob pena de incidência da majorante diante da presunção de
potencialidade ofensiva.
• Art. 171, § 5º, do Código Penal – Ação penal de crime de estelionato
A partir do advento da Lei 13.964/2019, o delito de estelionato, que era de ação
penal pública incondicionada, se tornou de ação pública condicionada à representação.
A ação penal será, entretanto, pública incondicionada, nos termos do § 5º do
art. 171 do CP, quando a vítima for:
I - a Administração Pública, direta ou indireta;
II - criança ou adolescente;
III - pessoa com deficiência mental; ou
IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.”
Vê-se assim que o estelionato, cuja ação penal era pública incondicionada,
transmudou-se, em regra, para ação penal pública condicionada à representação.
Trata-se de “novatio legis in mellius”, aplicável aos crimes ocorridos antes da sua
vigência. De fato, a norma que exige representação, aos delitos que eram de ação pública
incondicionada, tem caráter híbrido, sendo simultaneamente uma norma penal e
processual penal, mas prevalece o seu caráter penal, devendo retroagir para beneficiar o
réu.
Neste caso, se a vítima, no curso do processo já houver manifestado a sua
vontade de instaurar a persecução penal contra o criminoso, tendo providenciado, por
exemplo, o boletim de ocorrência, este fato já servirá como representação e, por
consequência, o processo terá prosseguimento normal.
Se, entretanto, não houver no processo nenhum ato da vítima que possa ser
interpretado como representação, o juiz, caso ainda não decorrido o prazo decadencial
de 6 (seis) meses, deverá ordenar a intimação da vítima para manifestar-se sobre a sua
intenção de representar.
Em havendo a representação, o processo prosseguirá, aproveitando-se os atos
anteriores. Em não havendo a representação, o juiz deverá anular o processo, desde a
denúncia, por falta de pressuposto processual e, após decorrido o prazo de 6(seis) meses,
a contar do conhecimento da autoria do crime, decretar a extinção da punibilidade pela
decadência.
O prazo para oferecer a representação é contado do conhecimento da autoria
do crime, de modo que, para se iniciar uma nova contagem a partir da publicação da nova
lei, haveria necessidade de uma norma legal expressa regulando o direito intertemporal.
Convém observar que, com base no princípio da proporcionalidade, a
Defensoria Pública sustenta que, em delitos patrimoniais menos graves, a ação penal
também depende de representação. Exemplos: arts. 155, “caput”, 168, “caput”, 180,
“caput”, e 180, §3º, todos do CP.
• Art. 316 do Código Penal – Pena do crime de concussão
A corrupção passiva, que é prevista no art. 317 do CP, tem a seguinte pena:
reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Entretanto, o crime de concussão, previsto no art. 316 do CP, que é mais grave,
tendo em vista que o funcionário público faz uma exigência, com conotação ameaçadora,
a pena era inferior, reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.
Era nítida a violação do princípio da proporcionalidade da pena, porquanto o
delito menor não pode ter uma reprimenda maior que o delito mais grave.
A confusão foi gerada pela lei 10.763/2003, que aumentou a pena da corrupção
passiva e se esqueceu de majorar a pena do crime de concussão.
A doutrina preconizava pela recomposição da lógica para que a pena máxima da
corrupção passiva fosse também de 8 (oito) anos, além da multa. Quanto à pena mínima,
não havia qualquer ilegalidade.
Com o advento da Lei 13.964/2019, a pena do delito de concussão passou a ser
de reclusão de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa, igualando-se, destarte, à pena do crime
de corrupção passiva, previsto no art. 317 do CP, encerrando-se, destarte, a
incongruência.
Código de Processo Penal
• Art. 315, §2º, do Código de Processo Penal – Precedente Judicial
Introdução
No Brasil, adota-se, em regra, o “civil law”, que é o ordenamento jurídico
composto pelo direito legislado. Entretanto, o “common law”, que é o ordenamento
jurídico baseado no direito costumeiro e em decisões judiciais também é seguido em
algumas situações.
O art. 315, §2º, VI, do CPP, introduzido pela lei 13.964/2019, aproxima ainda
mais esses dois sistemas, à medida que torna obrigatório o cumprimento de
determinadas súmulas e decisões judiciais, provocando uma verdadeira revolução na
seara penal e processual penal.
A propósito, dispõe o aludido art. 315, § 2º, VI, do CPP:
“Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão, que:
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.
Este inciso VI consagra na esfera processual penal os precedentes obrigatórios ou vinculantes, que doravante deverão ser seguidos por juízes e tribunais.
Entretanto, o CPP não esclarece quais seriam estes precedentes obrigatórios, sendo aplicado, por analogia, nos termos do art. 3º do CPP, o art. 927 do CPC, que prevê os precedentes que necessariamente deverão ser observados pelos magistrados.
É certo, pois, que o art. 315, §2º, VI do CPP, numa interpretação isolada, torna obrigatória qualquer súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte.
Penso, porém, que deve se sujeitar à interpretação restritiva para abranger somente as hipóteses do art. 927 do CPC.
Com efeito, de acordo com o art. 927 do CPC:
“Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de
demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem
vinculados”.
O rol acima refere-se aos precedentes e súmulas obrigatórios, que devem ser
observados pelos juízes e tribunais. Não é qualquer precedente e súmula que são
obrigatórios, mas apenas os mencionados acima.
Uma primeira corrente sustenta a inconstitucionalidade do art. 927 do CPC, à
exceção dos incisos I e II que se encontram previstos na Constituição, pois não se pode,
através de uma simples lei ordinária, implantar no Brasil a doutrina do “common law”.
Ademais, argumenta-se que esta obrigatoriedade de se cumprir certas súmulas e
precedentes judiciais viola o princípio da livre convicção do magistrado.
Outra corrente, que é dominante, defende a constitucionalidade, pois esta
obrigatoriedade de se cumprir certas súmulas e precedentes judiciais tem o objetivo de
preservar os princípios da isonomia e da segurança jurídica. Modernamente, entende-se
que a norma jurídica é o resultado de uma interpretação, e não algo pronto e acabado,
de modo que a decisão judicial, além de solucionar o caso concreto, ainda serve para
tornar uníssona a hermenêutica do direito. Acrescente-se ainda que o princípio da
legalidade impõe o respeito à lei. A exigência de cumprimento de súmulas e precedentes
judiciais não afrontam o princípio da legalidade, pois respeitar a lei é acima de tudo
respeitar a forma como ela é interpretada pelos tribunais.
Conceito de precedente judicial
Precedente judicial, também chamado de “ratio decidendi” ou “holding”, é a
tese jurídica essencial para a solução da questão jurídica, que foi adotada na
fundamentação de uma decisão judicial.
O precedente judicial não é propriamente uma decisão judicial, mas sim a
fundamentação de uma decisão judicial. É, pois, formado a partir de uma decisão judicial,
mas não é equivalente à decisão judicial.
Os precedentes judiciais obrigatórios são apenas aqueles mencionados no art.
927. Portanto, nem toda fundamentação de uma decisão judicial pode ser considerada
um precedente judicial. Aliás, a fundamentação, para ter o status de precedente judicial,
não basta se enquadrar no art. 927 do CPC, pois é ainda necessário que se trate de uma
fundamentação essencial ao deslinde da questão jurídica.
O chamado “obiter dictum”, que é a fundamentação jurídica acessória,
dispensável, não essencial à solução da questão jurídica, não constitui precedente
judicial.
Conteúdo do precedente judicial
O precedente judicial compreende apenas a fundamentação jurídica essencial,
adotada pelo acórdão, para decidir o caso concreto.
Não abrange, portanto, o “obiter dictum”, que é o argumento jurídico
prescindível, acessório, mencionado na fundamentação da decisão.
Se, porém, na fundamentação do acórdão, houver mais de uma tese jurídica
essencial à conclusão, todas elas serão consideradas partes integrantes do precedente
judicial.
Métodos de identificação do precedente
Na identificação do precedente, os dois principais critérios são:
a) método de Wambaugh: a tese jurídica só será um precedente quando a sua
exclusão alterar a conclusão do julgado. Se, no entanto, a sua exclusão não alterar a
conclusão é porque se trata de uma argumentação acessória, isto é, de um “obiter
dictum”. Este método, no entanto, é frágil quando o julgado adota duas fundamentações
jurídicas que, isoladamente, levam à mesma decisão.
b) método de Goodhart: a fundamentação jurídica, que constitui precedente,
deve ser identificada a partir dos pontos relevantes à decisão. Assim, uma determinada
fundamentação jurídica só será considerada precedente judicial quando versar sobre
fatos relevantes da decisão. Identifica-se primeiro estes fatos, sendo que o precedente
será a fundamentação jurídica essencial acerca dos referidos fatos.
Por outro lado, o precedente judicial abrange a fundamentação jurídica acerca
do mérito e também sobre questões processuais, ou seja, pode ter por objeto questão
de direito material ou processual.
Diferença entre a eficácia do precedente e coisa julgada
A coisa julgada recai sobre o dispositivo da decisão de mérito e só atinge as
partes, ao passo que o precedente incide sobre a fundamentação jurídica e produz
efeitos “erga omnes”.
Distinção entre precedente judicial, jurisprudência e súmula
Precedente é a fundamentação essencial para a decisão de uma questão
jurídica. É, pois, a tese jurídica constante na fundamentação de uma decisão judicial. Não
se exige, para a caracterização do precedente, que essa tese jurídica tenha sido prolatada
mais de uma vez, sendo suficiente que haja uma única decisão judicial.
A fundamentação jurídica que constitui precedente é a constante nas decisões
do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, nos
acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas
repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos e na
orientação do plenário ou do órgão especial aos quais os magistrados estiverem
vinculados (art. 927, I, III e V do CPC).
A jurisprudência, por sua vez, é a reiteração uniforme e constante de decisões
judiciais dos tribunais. Exige, pois, a repetição de acórdãos no mesmo sentido. A
jurisprudência não é vinculante, salvo nas hipóteses do art. 927 do CPC.
Por fim, a súmula é o enunciado do tribunal que, de forma escrita e sintética,
formaliza a consagração pacífica de uma determinada jurisprudência. É, pois, a síntese
escrita da jurisprudência dominante. Trata-se de um método de trabalho para ordenar e
facilitar a atividade jurisdicional.
De acordo com o §2º do art. 926 do CPC, os tribunais, ao editarem os enunciados
de súmulas, devem descrever as circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a
sua criação.
A rigor, tanto a jurisprudência quanto a súmula são também precedentes
judiciais, pois ambos consagram uma determinada fundamentação jurídica acerca de
uma situação fática subjacente. Entretanto, as súmulas que são precedentes obrigatórios
são somente aquelas mencionadas no art. 927, II, IV e V, do CPC.
Análise dos precedentes obrigatórios
Os precedentes obrigatórios são os que necessariamente devem ser
observados pelos juízes e tribunais. Nada obsta que, no julgamento, haja a aplicação do
precedente com a ressalva do magistrado no sentido de que esposa ponto de vista
diferente, conforme Enunciado 172 do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Se a
situação fática do caso concreto for diversa, o precedente será afastado, mediante uma
distinção fundamentada (Enunciado 306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).
Os precedentes obrigatórios, de acordo com o art. 927 do CPC, são as seguintes:
I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de
constitucionalidade.
O controle abstrato ou concentrado de constitucionalidade é o que promove a
discussão, em tese, da adequação da lei ou ato normativo federal ou estadual à
Constituição Federal. Trata-se de um processo objetivo, isto é, que se instaura sem que
haja qualquer conflito concreto a ser solucionado.
Este controle é feito exclusivamente pelo STF. Para tanto, é preciso que os
legitimados constitucionais, arrolados no art. 103 da CF, promovam uma das seguintes
ações:
a) Ação direta de inconstitucionalidade (ADIN);
b) Ação declaratória de constitucionalidade (ADECON); c) Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF); O que é decidido no dispositivo destes acórdãos do STF faz coisa julgada
material, com efeito “erga omnes”, vinculando todos os demais órgãos jurisdicionais do
país e a administração pública, direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal,
por força do art. 102, §2º, da CF.
O art.927, I, do CPC, entretanto, trata de assunto diverso, isto é, do efeito “erga
omnes” do precedente, que é a fundamentação jurídica dos referidos acórdãos. Esta
vinculação, contudo, só se aplica aos juízes e tribunais e não à administração pública.
Se, por exemplo, o STF declara a inconstitucionalidade de uma lei federal por
entender que a União não poderia legislar sobre determinado assunto, os juízes, os
tribunais e a administração pública não poderão aplicar esta lei. Mas, caso haja outras
leis federais sobre a mesma matéria, os juízes e tribunais deverão, ao decidir um caso
concreto, declará-la também inconstitucional, por força da vinculação da tese jurídica
constante na fundamentação daquele acórdão, mas a Administração Pública poderá
continuar aplicando as leis que versam sobre aquele assunto.
II – os enunciados de súmula vinculante.
A súmula vinculante é editada exclusivamente pelo STF, após reiteradas decisões
sobre matéria constitucional. É obrigatória a sua observação pelos demais órgãos do
Poder Judiciário e da Administração Pública, direta ou indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal, conforme art. 105-A da CF.
A iniciativa de criar súmula vinculante pode ser, de ofício pelo STF, ou mediante
requerimento dos legitimados constantes no art. 3º da Lei 11.417/2006.
O quórum de aprovação é de 2/3 (dois terços) dos ministros do STF.
III – os acórdãos prolatados em incidente de assunção de competência ou de
resolução de demandas repetitivas ou em julgamento de recursos extraordinário e especial
repetitivos.
O dispositivo em análise aborda três situações:
a) acórdão do incidente de assunção de competência. Este acórdão pode ser prolatado pelos tribunais locais ou superiores.
b) acórdão do incidente de resolução de demandas repetitivas. Este acórdão só pode ser prolatado pelos tribunais locais (TJ, TRF e TRT).
c) acórdão do recurso extraordinário ou especial repetitivos. Este acórdão só pode ser prolatado pelo STF e STJ, respectivamente.
IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria
constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional.
Não é qualquer súmula do STF ou STJ que terão incidência obrigatória, mas
apenas as que versam, respectivamente, sobre matéria constitucional e
infraconstitucional.
Note-se que enquanto as súmulas vinculantes do STF vinculam também a
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, as
demais súmulas do STF e do STJ só obrigam os juízes e os tribunais.
Outra diferença é que caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério
Público para garantir a observância de súmula vinculante do STF, mas não será cabível
para se garantir a observância das demais súmulas do STF ou STJ, conforme se conclui da
interpretação do art. 988, IV, do CPC.
V – orientação do plenário ou do órgão especiais aos quais estiverem vinculados.
Há, assim, as seguintes situações:
a) a tese jurídica do acórdão do plenário do STF sobre matéria constitucional:
vincula todos os tribunais e juízes brasileiros. Impõe-se esta vinculação ainda que não
haja a edição de súmulas.
b) a tese jurídica do acórdão do plenário e órgão especial do STJ sobre matéria
infraconstitucional federal: vincula o próprio STJ, os Tribunais Regionais Federais, os
Tribunais de Justiça Estaduais, os juízes federais e os juízes estaduais.
c) a tese jurídica do plenário ou do órgão especial do TRF: vincula o próprio TRF
e os juízes federais a ele vinculados.
d) a tese do plenário ou do órgão especial do TJ: vincula o próprio TJ e os juízes
estaduais a ele vinculados.
Quanto às súmulas dos tribunais locais (TJ, TRF e TRT), não são de observância
obrigatória. O que é vinculante é a orientação do plenário ou do órgão especial do
tribunal, ainda que não seja editada súmula. Não se exige, para que haja esta
obrigatoriedade, que a decisão seja unânime, basta a maioria absoluta. Vale lembrar que
o precedente é a tese jurídica adotada na fundamentação de uma determinada decisão.
Superação ou revogação do precedente judicial
Conceito e espécies
A revogação do precedente judicial é a cessação de sua aplicabilidade pelo
próprio órgão que o editou.
As hipóteses de revogação, que são conhecidas como técnicas de superação do
precedente, são três: o “overruling”, “overriding” e o “transformation”.
Nas suas três modalidades, a superação do precedente exige um procedimento
específico. Este procedimento de modificação do entendimento consagrado no
precedente, quando se tratar de súmula vinculante, encontra-se previsto na lei
11.417/2006, mas, em relação aos demais precedentes, o procedimento de revisão é
previsto no regimento interno do respectivo tribunal. A revogação pode ser instaurada
em procedimento autônomo, em que só se discute esse assunto, que é o chamado
“overruling” concentrado, ou em procedimento incidental, que é instaurado no
julgamento de recurso, na remessa necessária ou em causa de competência do tribunal,
que é denominado de “overruling” difuso (Enunciado 321 do Fórum Permanente de
Processualistas Civis).
“Overruling”
“Overruling” é a substituição de uma precedente judicial por outro. É, pois, a sua
revogação total.
O “overruling” classifica-se em:
a) expresso (“express overruling”): quando a substituição do precedente judicial
opera-se através de um procedimento específico, que é instaurado com o objetivo de
revogá-lo. É o sistema adotado no Brasil.
b) tácito (“implied overruling”): quando num julgamento posterior o tribunal
adota tese jurídica contrária à firmada em precedente judicial anterior, sem que seja
instaurado formalmente o procedimento destinado a revogá-lo. A rigor, não é possível a
revogação tácita, pois o §4º do art. 927 do CPC preceitua que: “A modificação de
enunciado da súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de
casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica,
considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da
isonomia”. O §2º do art. 927 do CPC ainda assevera que: “A alteração de tese jurídica
adotada em enunciado de súmula e em julgamento de casos repetitivos poderá ser
precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que
possam contribuir para a rediscussão da tese”. O §2º do art. 927, que prevê inclusive a
participação do “amicus curiae”, segundo a doutrina também deve ser adotado esse
dispositivo legal para a alteração de precedente oriundo de jurisprudência pacificada.
Vê-se assim que para a revogação total ou parcial do precedente judicial é
necessária que haja a instauração de um procedimento autônomo ou incidental. Abre-
se, no entanto, exceção quando sobrevier lei nova incompatível com o precedente
judicial. Este fato acarreta a não aplicação do precedente por qualquer juiz ou tribunal,
salvo quando a referida lei for inconstitucional.
“Overriding”
“Overriding” é a restrição do âmbito de aplicação de um precedente judicial. É,
pois, a revogação parcial do precedente judicial. O precedente é reescrito com o fim de
restringir o seu âmbito de aplicação, reduzindo-se, destarte, o seu campo de incidência.
Note-se que, enquanto no “overruling”, o precedente é totalmente revogado
por um novo posicionamento; no “overriding”, o precedente é mantido, mas a sua
incidência é reduzida.
“Transformation”
Trata-se também da superação parcial do precedente que, no entanto, é
mantido para o caso anterior e ampliado para se incluir outros aspectos fáticos e
jurídicos, que não eram abordados anteriormente.
No “overriding”, o precedente é revogado parcialmente com redução do seu
campo de incidência. Na “transformation”, amplia-se o campo de incidência do
precedente.
Eficácia temporal da revogação ou alteração do precedente
Na hipótese de revogação ou alteração do precedente judicial, discute-se se o
efeito será retroativo ou prospectivo.
Uma primeira corrente sustenta que a eficácia temporal é retroativa, isto é,
aplica-se aos fatos ocorridos anteriormente à mencionada mudança.
Outra corrente equipara a hipótese à revogação da lei e, dessa forma, impõe o
efeito prospectivo, “ex nunc”, aplicando-se apenas aos fatos ocorridos após a mudança.
O §3º do art. 927 do CPC resolve parcialmente a celeuma ao estipular que: “Na
hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos
tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver
modulação dos efeitos da alteração no interesse social e na segurança jurídica”.
A modulação é o mecanismo que ameniza os efeitos “ex tunc” e “erga omnes”,
por razões de interesse social e de segurança jurídica. Vê-se assim que a modulação só é
possível por razões de interesse social e de segurança jurídica.
São três os possíveis aspectos do efeito modular:
a) restringe os efeitos da alteração do precedente judicial, tornando-a
inaplicável para certas situações concretas.
b) conferir efeito “ex nunc”, estabelecendo que a alteração do precedente só
terá eficácia aos casos ocorridos após o trânsito em julgado, mantendo-se o precedente
anterior para as situações pretéritas.
c) conferir efeito “pro futuro” à decisão, prevendo que ela só surtirá efeito após
o decurso de um certo prazo, por exemplo, depois de um ano. Enquanto isso, o
precedente anterior continuaria sendo aplicado.
A previsão do efeito modular, que inclusive pode ser determinado de ofício pelo
tribunal, sinaliza, ainda que de forma indireta, que, em regra, a mudança do precedente
tem eficácia retroativa.
Cumpre observar que o código só prevê a modulação dos efeitos em relação aos
precedentes oriundos do STF, dos tribunais superiores e do incidente de resolução de
demandas repetitivas.
Não há previsão legal para a concessão do efeito modular quando se altera os
precedentes judiciais oriundos dos tribunais de justiça, dos tribunais regionais federais e
trabalhistas e do incidente de assunção de competência. Mas creio que, por analogia, se
deva também aplicar o §3º do art. 927 do CPC.
Por fim, a modulação dos efeitos só é prevista para alteração de súmulas e de
teses jurídicas firmadas no julgamento de casos repetitivos, mas, em respeito aos
princípios de segurança jurídica e da confiança, impõe-se também essa possibilidade
quando houver alteração de jurisprudência pacificada, ainda que não sumulada.
“Signaling”
“Signaling” é o anúncio prévio pelo tribunal da possível mudança do precedente
judicial.
Nesse caso, quando operar-se formalmente a sua revogação, o efeito da
mudança será a partir daquele aviso.
O Enunciado 320 do Fórum Permanente de Processualistas Civis dispõe que:
“Os tribunais poderão sinalizar aos jurisdicionados sobre a possibilidade de
mudança de entendimento da corte, com eventual superação ou criação de exceções ao
precedente para casos futuros”.
Diante do “signaling”, o precedente judicial fica sob suspeita e, por isso, as
pessoas não poderão mais invocar, para justificar a sua aplicação a fatos vindouros, o
princípio da confiança.
“Reversal”
“Reversal” é a reforma do precedente judicial do Tribunal Inferior através do
julgamento de um caso concreto pelo Tribunal Superior.
Trata-se de um mecanismo de controle do precedente judicial e não
propriamente da superação, posto que, sob o ponto de vista técnico, a expressão
revogação ou superação só deve ser utilizada quando a ab-rogação ou derrogação
emanar do próprio órgão que fixou o precedente.
Não aplicação dos precedentes
O precedente vinculante só não será seguido quando o juiz ou tribunal distinguir
o caso sob julgamento, demonstrando, fundamentadamente, tratar-se de situação
particularizada por hipótese fática distinta, a impor solução jurídica diversa (Enunciado
306 do Fórum Permanente de Processualistas Civis).
Assim, a não aplicação do precedente somente ocorre em três situações:
a) quando, após a aplicação da distinção, se conclui que ele difere do caso
concreto;
b) “overruling”: superação total por outro precedente judicial;
c) “overriding”: limitação da sua incidência por força de lei superveniente.
Leis penais especiais
• Art. 52 da Lei de Execução Penal – Regime Disciplinar Diferenciado
Origem histórica
O Regime Disciplinar Diferenciado surgiu em maio de 2001, veiculado pela
Resolução n. 26 da Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo,
para conter o poder de organização das facções criminosas, através do isolamento de
seus líderes, por até 360 (trezentos e sessenta) dias.
De discutível constitucionalidade, porque o assunto, conquanto afeto ao Direito
Penitenciário, de competência dos Estados-membros (art. 24, I, da CF), acabou sendo
criado por uma resolução, mero ato administrativo, em vez de lei estadual emanada da
Assembleia Legislativa, violando, decerto, o princípio da legalidade.
A questão da inconstitucionalidade acabou sendo superada com a
regulamentação da matéria pelo art. 52 da LEP, com redação dada pela lei n.
10.792/2003, , fixando as normas gerais do sobredito regime, em cumprimento ao
disposto no § 1º do art. 24 da CF, delegando-se aos Estados-membros e Distrito Federal
a edição de normas especiais para: “I — estabelecer o sistema de rodízio entre os agentes
penitenciários que entrem em contato direto com os presos provisórios e condenados; II
— assegurar o sigilo sobre a identidade e demais dados pessoais dos agentes
penitenciários lotados nos estabelecimentos penais de segurança máxima; III — restringir
o acesso dos presos provisórios e condenados aos meios de comunicação de informação;
IV — disciplinar o cadastramento e agendamento prévio das entrevistas dos presos
provisórios ou condenados com seus advogados, regularmente constituídos nos autos da
ação penal ou processo de execução criminal, conforme o caso; V — elaborar programa
de atendimento diferenciado aos presos provisórios e condenados, visando a sua
reintegração ao regime comum e recompensando-lhes o bom comportamento durante
o período de sanção disciplinar”.
Uma parcela da doutrina sustenta a inconstitucionalidade do instituto, alegando
que se trata de pena cruel e por isso viola o princípio da dignidade da pessoa humana.
Com o advento da lei 13.964/2019, o art. 52 da LEP foi novamente alterado,
agravando-se ainda mais o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).
Conceito
O Regime Disciplinar Diferenciado consiste no isolamento do preso, cumulada
com a suspensão e a restrição de determinados direitos.
Anote-se que apenas no regime disciplinar diferenciado o isolamento, a
suspensão e a restrição de direitos podem exceder a 30 (trinta) dias (art. 58 da LEP);
Características
As características desse regime, conforme art. 52 da LEP, são:
I - duração máxima de até 2 (dois) anos, sem prejuízo de repetição da sanção
por nova falta grave de mesma espécie;
II - recolhimento em cela individual;
III - visitas quinzenais, de 2 (duas) pessoas por vez, a serem realizadas em
instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, por pessoa
da família ou, no caso de terceiro, autorizado judicialmente, com duração de 2 (duas)
horas. As visitas serão gravadas em sistemas de áudios ou de áudios e vídeos e, com
autorização judicial, fiscalizadas por agentes penitenciários (§ 6º do art. 52 da LEP). Após
os primeiros 6 (seis) meses de regime disciplinar diferenciado, o preso que não receber
visita poderá, após prévio agendamento, ter contato telefônico, que será gravado, com
uma pessoa da família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez) minutos (art. 52, §7º da
LEP). A lei não autoriza o contato telefônico ao preso que, nos primeiros 6 (seis) meses,
recebeu visita, mas se permanecer 6 (seis) meses consecutivos sem a referida visita,
deverá lhe ser concedido o direito ao contato telefônico.
IV - direito do preso à saída da cela por 2 (duas) horas diárias para banho de sol,
em grupos de até 4 (quatro) presos, desde que não haja contato com presos do mesmo
grupo criminoso;
V - entrevistas sempre monitoradas, exceto aquelas com seu defensor, em
instalações equipadas para impedir o contato físico e a passagem de objetos, salvo
expressa autorização judicial em contrário;
VI - fiscalização do conteúdo da correspondência;
VII - participação em audiências judiciais preferencialmente por
videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente do
preso.
Prorrogação do RDD
De acordo com o § 4º do art. 52 da LEP, o regime disciplinar diferenciado poderá
ser prorrogado sucessivamente, por períodos de 1 (um) ano, existindo indícios de que o
preso:
I - continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança do
estabelecimento penal de origem ou da sociedade;
II - mantém os vínculos com organização criminosa, associação criminosa ou
milícia privada, considerados também o perfil criminal e a função desempenhada por ele
no grupo criminoso, a operação duradoura do grupo, a superveniência de novos
processos criminais e os resultados do tratamento penitenciário.
Cada período de prorrogação deve ser no máximo de 1 (um) ano, mas se os fatos
acima persistirem poderá ocorrer uma nova prorrogação de 1 (um) ano e assim
sucessivamente.
Vê-se assim que, em caso de prorrogação, a duração do RDD pode ultrapassar
o período de 2 (dois) anos. A rigor, é possível permanecer no RDD durante todo o tempo
de cumprimento da pena, desde que persistam os fatores de sua prorrogação.
Local do cumprimento do RDD
Em regra, o RDD é cumprido no próprio presídio onde o preso cumpre a pena.
Entretanto, o regime disciplinar diferenciado será obrigatoriamente cumprido
em estabelecimento prisional federal nas seguintes hipóteses (§3º do art. 52 da LEP):
a) quando houver indícios de que o preso exerce liderança em organização
criminosa, associação criminosa ou milícia privada;
b) quando o preso tiver atuação criminosa em 2 (dois) ou mais Estados da
Federação.
Nestas hipóteses, o regime disciplinar diferenciado deverá contar com alta
segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade de se
evitar contato do preso com membros de sua organização criminosa, associação
criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais (art. 52, §5º, da LEP).
O regime disciplinar diferenciado preventivo
O art. 60, 2ª parte, da LEP autoriza o Juiz da execução penal a incluir o preso no
regime disciplinar diferenciado, de forma preventiva, no interesse da disciplina e da
averiguação do fato, pelo prazo máximo de 10 (dez) dias, sem possibilidade de
prorrogação ou de nova decretação pelo mesmo fundamento. Escoado o decênio, como
esclarece Renato Flávio Marcão, ou se determina a inclusão no regime disciplinar
diferenciado, conforme regulado no art. 52, ou se restitui ao preso sua normal condição
de encarcerado.
A decretação do Regime Disciplinar Diferenciado Preventivo depende de fumus
boni iuris e periculum in mora acerca dos fatos autorizadores da sua inclusão definitiva.
O tempo de isolamento ou inclusão preventiva no regime disciplinar
diferenciado será computado no período de cumprimento do regime disciplinar
definitivo (art. 60, parágrafo único, da LEP).
Anote-se que o isolamento preventivo do faltoso pelo prazo de 10 (dez) dias
pode ser decretado por autoridade administrativa (art. 60, 1ª parte, da LEP). Mas esse
isolamento, embora seja uma sanção disciplinar, não caracteriza o regime disciplinar
preventivo. Trata-se da sanção disciplinar prevista no art. 53, IV, da LEP. Acima de 10 (dez)
dias, o isolamento só pode ser decretado pelo Juiz da execução, mas não pode exceder a
30 (trinta) dias, salvo quando se tratar de regime disciplinar diferenciado, conforme
preceitua o art. 58 da LEP.
Fatos autorizadores do ingresso no RDD
São três os fatos autorizadores do ingresso no sobredito regime:
I — Prática de fato previsto como crime doloso, que ocasione subversão da
ordem ou disciplinas internas (art. 52, “caput”, da LEP). Não basta, como se vê, a prática
do crime doloso, sendo ainda necessária a subversão, isto é, o tumulto da ordem
(organização) ou disciplina (obediência às normas e aos superiores) do presídio. Não é
preciso o trânsito em julgado da condenação para o ingresso no RDD, sendo suficiente a
prática do crime. Inegável o caráter cautelar da medida extrema, cuja frustração seria
fatal se a lei tivesse exigido o trânsito em julgado.
II — Apresentação de alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento
penal ou da sociedade (§1o, I, do art. 52 da LEP).
III — quando houver fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a
qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada,
independentemente da prática de falta grave (§1o, II, do art. 52 da LEP).
Nas três hipóteses, a LEP autoriza a inclusão no Regime Disciplinar Diferenciado
tanto para os presos provisórios quanto para os presos definitivos, nacionais ou
estrangeiros.
Saliente-se, ainda, que, malgrado a omissão da lei, o ingresso no regime
disciplinar diferenciado é tão somente para quem se encontra no regime fechado, ou
cujo prognóstico seja de cumprimento da pena nesse regime, quando se tratar de preso
provisório, sendo incoerente, sem a prévia regressão, incluir no regime excepcional os
presos que se encontram no semiaberto ou aberto.
Natureza jurídica
Batizado doutrinariamente de regime “fechadíssimo”, na verdade, não se trata
de um novo regime penitenciário, mas de uma forma de se cumprir o regime fechado.
Reveste-se da natureza jurídica de sanção disciplinar, conforme se depreende da análise
do art. 53 da LEP. Faz parte do direito penitenciário, e não propriamente do direito penal,
razão pela qual, conquanto mais severa, a nova lei tem aplicação imediata, abrangendo
também fatos anteriores à sua vigência.
Procedimento
O pedido de inclusão no regime disciplinar diferenciado só pode ser formulado
pelo diretor do presídio ou outra autoridade administrativa, como o Secretário da
Segurança Pública e o Secretário da Administração Penitenciária, mediante requerimento
fundamentado (§ 1º do art. 54 da LEP). O Ministério Público não tem legitimidade para
postular a inclusão no regime disciplinar diferenciado, malgrado opiniões contrárias, que
o enquadram como autoridade administrativa.
O pedido é dirigido ao Juiz da execução, que dará vista dos autos ao Ministério
Público e à defesa, sucessivamente, no prazo máximo de 15 (quinze) dias para cada um.
Em seguida, o Juiz decidirá, podendo a sua decisão ser impugnada por agravo de
execução. Tratando-se preso provisório o pedido deve ser dirigido ao juiz do processo de
conhecimento.
• ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL – PROGRESSÃO DE REGIMES
São três os sistemas penitenciários clássicos: o de Filadélfia, o de Aurbun e o
inglês ou progressivo.
No sistema da Filadélfia, o condenado permanece em isolamento absoluto,
fechado na cela, sem poder sair, salvo esporadicamente para passeio em pátios cerrados.
No sistema de Aurbun, o condenado trabalha em silêncio, durante o dia,
juntamente com outros, permanecendo isolado apenas no período noturno.
No sistema inglês ou progressivo, o condenado inicia a pena em isolamento.
Depois, passa a trabalhar junto com os outros detentos. E, na última fase, é posto em
liberdade condicional.
A reforma penal de 1984 adotou o sistema progressivo ou evolutivo, com
características próprias.
Efetivamente, o condenado a cumprir pena em regime fechado fica sujeito a
trabalho em comum no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno (§§
1ºe 2º do art. 34 do CP). E, depois de cumprir um percentual legal da pena, pode requerer
a transferência para o regime semiaberto, onde o trabalho é comum durante o período
diurno, sendo que o repouso noturno também pode ser coletivo (art. 92 da LEP). E, vindo
a cumprir mais um percentual da pena, previsto em lei, passa para o regime aberto,
quando, então, permanece solto durante o período diurno, recolhendo-se no período
noturno à casa de albergado.
Percentuais de progressão de regime
Até o advento da lei 13.964/2019, bastava cumprir 1/6 (um sexto) da pena para
pleitear a progressão de regimes, mas com o advento desta lei instituiu-se inúmeros
percentuais, cujos critérios são:
a) a reincidência e a primariedade;
b) o fato de o crime ser ou não cometido com violência ou grave ameaça à
pessoa;
c) o fato de se tratar de crime hediondo ou equiparado, com ou sem resultado
morte.
Assim, de acordo com o art. 112 da LEP, com redação dada pela lei 13.964/2019,
a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência
para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido
ao menos:
I - 16% (dezesseis por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime tiver
sido cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça. Neste aspecto, a nova lei pode
ou não se revelar mais branda, pois 16% (dezesseis por cento) é um pouco mais favorável
que 1/6 (um sexto), impondo-se a retroatividade, nas situações benéficas ao réu. A
violência, a que se refere o texto legal, é a física, que abrange as vias de fato, a lesão
corporal e a morte. Não abarca a violência imprópria, que é o fato de o agente, sem
aplicar violência ou grave ameaça, reduzir a vítima à impossibilidade de resistência, por
exemplo, hipnotizar ou drogar a vítima antes de praticar o delito de constrangimento
ilegal, previsto no art. 146 do CP. Assim, o delito de constrangimento ilegal praticado por
réu primário, mediante violência imprópria, admitirá a progressão com percentual de
16% (dezesseis por cento). No tocante à violência culposa, por exemplo, homicídio ou
lesão culposos, também admitirá a progressão com base neste percentual.
II - 20% (vinte por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime
cometido sem violência à pessoa ou grave ameaça. Este percentual, assim como os dos
incisos posteriores, é mais rigoroso que o anterior, que era de 1/6 (um sexto), e, por isso,
não há falar-se em retroatividade. O texto legal não faz distinção entre o reincidente em
crime doloso e o reincidente em crime culposo. Quanto ao tecnicamente primário, que é
o réu que ostenta condenação definitiva sem ser reincidente, diante da omissão da lei,
deve se enquadrar no inciso anterior, que exige apenas o cumprimento de 16% (dezesseis
por cento) da pena.
III - 25% (vinte e cinco por cento) da pena, se o apenado for primário e o crime
tiver sido cometido com violência à pessoa ou grave ameaça. Esta hipótese revela-se
injusta em relação às infrações penais de menor potencial ofensivo cometidas com
violência ou grave ameaça à pessoa, mas como a lei não faz qualquer distinção, elas
também terão que seguir o percentual 25% (vinte e cinco por cento). Tratando-se de
violência imprópria não se aplica este percentual, mas, sim, o previsto no inciso I, de 16%
(dezesseis por cento).
IV - 30% (trinta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime
cometido com violência à pessoa ou grave ameaça. Tratando-se de violência imprópria
não se aplica este percentual, mas, sim, o previsto no inciso II, de 20% (vinte por cento).
O texto legal não se refere a qualquer reincidente, mas apenas ao reincidente em crime
cometido com violência à pessoa ou grave ameaça. Se um dos crimes, que gera a
reincidência, houver sido cometido sem e o outro com violência ou grave ameaça à
pessoa, o percentual, diante da lacuna da lei, será de 20% (vinte por cento).
V - 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática
de crime hediondo ou equiparado, se for primário. Antes da lei 13.964/2019, o percentual
de progressão de crime hediondo ou equiparado era de 2/5 (dois quintos), quando o
apenado era primário. Na verdade, 2/5 (dois quintos) é a mesma coisa que 40% (quarenta
por cento). Portanto, trata-se de uma alteração puramente semântica. Os delitos
hediondos são os catalogados na lei 8.072/90. Os equiparados são o tráfico de drogas,
terrorismo e tortura. Não há vedação do livramento condicional.
VI - 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:
a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado
morte, se for primário, vedado o livramento condicional. Este percentual só será aplicado
ao não reincidente em crime hediondo e equiparado, mas nada obsta que seja
reincidente noutros delitos. De fato, o reincidente em crime hediondo ou equiparado,
com resultado morte, para obter a progressão, terá que cumprir 70% (setenta por cento)
da pena. Na hipótese de tentativa, onde não ocorre a morte por circunstâncias alheias à
vontade do agente, não se aplica este percentual, mas, sim, o de 40% (quarenta por
cento), previsto no inciso V.
b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização
criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado. A hipótese não
faz menção à associação criminosa, prevista no art. 288 do CP, mas apenas à organização
criminosa, sendo vedada a analogia “in malam partem”. Aqui, não há a vedação do
livramento condicional, pois a condenação é pelo crime de organização criminosa e não
por crime hediondo ou equiparado.
c) condenado pela prática do crime de constituição de milícia privada. A hipótese
não faz menção à associação criminosa, prevista no art. 288 do CP, nem ao crime de
organização criminosa, mas apenas à milícia privada, tipificada no art. 288-A do CP, sendo
vedada a analogia “in malam partem”. Aqui, não há a vedação do livramento condicional,
pois a condenação é pelo crime de milícia privada e não por crime hediondo ou
equiparado.
VII - 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática
de crime hediondo ou equiparado. Aqui, também se exige a reincidência específica em
crime hediondo ou equiparado. Este percentual só é aplicável quando não houver o
resultado morte. Não há a vedação do livramento condicional.
VIII - 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime
hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional. Exige-
se uma reincidência específica em crime hediondo ou equiparado com o resultado morte.
Para efeito didático, as regras são as seguintes:
I- Primário e tecnicamente primário:
a) 16% (dezesseis por cento) da pena, nos crimes sem violência ou grave ameaça
à pessoa.
b) 25% (vinte e cinco por cento) da pena, nos crimes cometidos com violência à
pessoa ou grave ameaça.
II- Reincidente:
a) 20% (vinte por cento) da pena, quando reincidente em crime cometido sem
violência à pessoa ou grave ameaça. Outrossim, quando um dos crimes for com e o outro
sem violência ou grave ameaça à pessoa.
b) 30% (trinta por cento) da pena, quando reincidente em crime cometido com
violência à pessoa ou grave ameaça.
III- Crimes hediondos e equiparados, tanto ao primário quanto ao não
reincidente específico nesses crimes:
a) 40% (quarenta por cento);
b) 50% (cinquenta por cento), quando houver morte.
IV- Crimes hediondos e equiparados, ao reincidente específico nesses crimes:
a) 60% (sessenta por cento);
b) 70 % (setenta por cento), quando houver morte
V- Regras específicas:
a) 50% (cinquenta por cento), ao condenado por exercer o comando de
organização criminosa estruturada para a prática de crimes hediondos e equiparados.
b) 50% (cinquenta por cento), ao condenado por crime constituição de milícia
privada.
Vê-se assim que o critério principal do percentual de progressão não é o tipo de
crime cometido, mas, sim, o fato de o agente ser primário ou reincidente em
determinadas categorias de delitos. O agente que, por exemplo, é reincidente em crime
cometido com violência ou grave ameaça à pessoa para obter a progressão de regimes
terá que cumprir 30% (trinta por cento) da pena, mesmo em relação aos crimes
cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa.
Da mesma forma, por exemplo, o reincidente em crime hediondo com o
resultado morte terá, para obter a progressão, que cumprir 70% (setenta por cento) da
pena, mesmo em relação aos crimes que não sejam hediondos nem equiparados.
Quanto ao reincidente em contravenções penais, a lei é omissa e, por isso, para
efeito de progressão, o agente deverá ser tratado como primário.
Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se ostentar
boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as
normas que vedam a progressão (§ 1º do art. 112 da LEP). Não basta, para se obter a
progressão, cumprir um percentual da pena; é preciso ainda que o condenado tenha
méritos para obter a progressão, isto é, bom comportamento carcerário. A única forma
de comprovação da boa conduta carcerária é através do atestado do diretor do
estabelecimento penal, mas se houver má-fé do aludido diretos, o juiz da execução
poderá anular o atestado e deferir a progressão.
No caso de a condenação ser superior a 40 (quarenta) anos, é preciso cumprir
um percentual da pena total, e não dos 40 (quarenta) anos (Súmula 715 do STF).
Observe-se ainda que o condenado por crime contra a administração pública
terá progressão do regime de cumprimento da pena condicionada à reparação do dano
que causou, ou à devolução do produto do ilícito praticado, com os acréscimos legais (§4º
do art. 33 do CP).
A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre motivada
e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor, procedimento que
também será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de
penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes (§2º do art. 112 da LEP).
Não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste artigo, o crime de
tráfico de drogas previsto no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 (§
5º do art. 112 da LEP). Trata-se do tráfico de drogas privilegiado, que se verifica quando
o agente é primário, de bons antecedentes, não se dedica às atividades criminosas nem
integra a organização criminosa. O aludido delito, para efeito de progressão, deverá
observar os percentuais previstos para os delitos não hediondos ou equiparados.
O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de liberdade
interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de cumprimento da pena,
caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo terá como base a pena
remanescente (§ 6º do art. 112 da LEP). É flagrante a violação do princípio constitucional
da presunção da inocência, pois a lei presume a culpabilidade pelo simples cometimento
de falta grave. Na verdade, a interrupção só poderá ocorrer após a condenação definitiva
pela falta grave, em processo administrativo disciplinar, observando-se o contraditório e
a ampla defesa. A partir da interrupção, inicia-se uma nova contagem do percentual de
cumprimento de pena, tomando-se por base a pena remanescente, e não o total da pena
inicialmente imposta.
Por outro lado, o ideal seria que só após a concessão do regime aberto o
condenado pudesse progredir para o livramento condicional. Todavia, a lei não impõe
esse requisito, de modo que o livramento condicional pode ser deferido aos criminosos
que estejam cumprindo pena em regime fechado.
Cabe também ressaltar que o caráter progressivo do sistema, consistente na
transferência do regime mais rigoroso para o imediatamente menos rigoroso, veda, por
raciocínio lógico, a progressão “por saltos”, isto é, a passagem direta do regime fechado
para o aberto. Se, porém, não houver vaga no semiaberto, o condenado deverá aguardar
a vaga no regime aberto, conforme Súmula Vinculante 56.
Finalmente, dispõe a Súmula 192 do STJ que compete ao Juízo das Execuções
Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal,
Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração
estadual.
Progressão especial
A progressão especial é a que exige o cumprimento de apenas 1/8 (um oitavo)
da pena no regime anterior.
Só é possível este benefício à mulher gestante ou que for mãe ou responsável
por crianças ou pessoas com deficiência.
O benefício é vedado nos crimes com violência ou grave ameaça contra pessoa
e também àquelas que integram ou integraram organizações criminosas. Outrossim, nos
crimes contra seu filho ou dependente. Exige-se ainda a primariedade e o bom
comportamento carcerário.
A propósito dispõe o §3º do art. 112 da LEP, introduzido pela lei 13.771/2018:
“No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou
pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor
do estabelecimento;
V - não ter integrado organização criminosa”.
O cometimento de novo crime doloso ou falta grave implicará a revogação do
benefício (§ 4º do art. 112 da LEP).
A aludida progressão especial, que exige o cumprimento de apenas 1/8 (um
oitavo) da pena no regime anterior, também se aplica aos crimes hediondos e
equiparados, quando não houver violência nem grave ameaça contra pessoa, desde que
preenchidos os demais requisitos acima, pois a lei não faz qualquer ressalva em relação
a esses delitos.
Vedação da progressão de regimes e de outros benefícios prisionais
O condenado expressamente em sentença por integrar organização criminosa
ou por crime praticado por meio de organização criminosa não poderá progredir de
regime de cumprimento de pena ou obter livramento condicional ou outros benefícios
prisionais se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo
associativo (§9º do art. 2º).
Súmula Vinculante 56
Dispõe a Súmula Vinculante 56:
“A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do
condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os
parâmetros fixados no RE 641.320/RS.”
Os itens 3 e 4 deste recurso extraordinário 641.320/RS traçam as seguintes
regras:
"3. Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados
aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São
aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como 'colônia agrícola, industrial'
(regime semiaberto) ou 'casa de albergado ou estabelecimento adequado' (regime
aberto) (art. 33, § 1º, alíneas "b" e "c"). No entanto, não deverá haver alojamento
conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado.
4. Havendo déficit de vagas, deverão ser determinados:
I - a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;
II - a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai
antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas;
III - o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado
que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas
propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. (RE 641320, Relator
Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgamento em 11.5.2016, DJe de 8.8.2016, com
repercussão geral - tema 423)”.
O item 3 do referido recurso extraordinário admite, conforme já consta na lei,
que o regime semiaberto pode recair sobre estabelecimento similar a uma colônia
agrícola ou industrial. Igualmente, que o regime aberto seja um estabelecimento similar
à casa de albergado.
Recaindo o regime semiaberto ou o aberto sobre estabelecimento similar ao
previsto na lei, os juízes da execução penal poderão avaliar se os referidos
estabelecimentos são ou não adequados, isto é, se eles equivalem ou não a uma colônia
agrícola ou industrial, no caso do regime semiaberto, ou a uma casa de albergado, na
hipótese de regime aberto. Nesta avaliação, o juiz deverá atentar-se para a proibição
de alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do
regime fechado.
O item 4 do sobredito recurso extraordinário trata da hipótese em que não há
vagas no regime semiaberto ou aberto.
Com efeito, não havendo vagas no regime semiaberto, é preciso antecipar a
abertura desta vaga promovendo a saída antecipada do sentenciado que estava próximo
de progredir deste regime semiaberto para o aberto, a fim de que a sua vaga seja ocupada
por aquele sentenciado que obteve a progressão do regime fechado para o semiaberto.
Ao sentenciado que saiu antecipadamente do regime anterior, para que se abrisse a vaga,
será imposta a liberdade eletronicamente monitorada.
Esta solução prevista na referida súmula viola o princípio da isonomia. De fato,
presos numa colônia agrícola ou industrial onde há vagas cumprirão o percentual legal
de progressão da pena no regime semiaberto, ao passo que os presos de outra colônia
onde faltam vagas têm a chance de obterem o regime aberto antes de cumprirem o
percentual legal de progressão da pena, quando houver necessidade de abertura de
vagas.
Ademais, a Súmula Vinculante 56 não esclarece quem teria o dever de
providenciar a saída antecipada do preso em regime semiaberto para abertura de vagas.
Enquanto ninguém requer esta saída antecipada, o preso que estava no regime fechado
e progrediu para o semiaberto, onde não há vagas, deverá aguardar a vaga no regime
aberto, em domicílio, posto que, como se sabe, na prática quase que não existe casa de
albergado. Esta situação também fere a isonomia, pois este preso, que deveria ter
passado do regime fechado para o regime semiaberto, permanecerá na sua própria
residência, enquanto os outros presos que já se encontravam no regime semiaberto
continuarão cumprindo a pena neste regime.
Outro problema que a súmula não resolve é o fato de, após a saída antecipada
do regime semiaberto para o aberto, a fim de se abrir vagas, ressurgir outras vagas no
regime semiaberto. Nesse caso, o preso que havia saído antecipadamente deverá ou não
voltar para o regime semiaberto? A meu ver, impõe-se o retorno, pois o seu regime é o
semiaberto, salvo se ao tempo do ressurgimento da vaga havia verdadeiramente
completado o tempo de progredir de um regime para o outro.
Por outro lado, o sentenciado que obtém a progressão para o regime aberto, em
caso de falta de vagas por ausência de casa de albergado ou estabelecimento similar,
deverá, como primeira opção, ter a pena privativa de liberdade convertida em pena
restritiva de direitos. Numa segunda opção, até que sejam estruturadas estas medidas
alternativas consubstanciadas nas penas restritivas de direitos, o juiz deverá conceder o
albergue domiciliar (prisão domiciliar) com tornozeleira eletrônica. A primeira opção, de
substituir, na fase de execução, a pena privativa de liberdade por pena restritiva de
direito, não tem previsão legal, a não ser nas hipóteses do art. 180 da LEP, mas não se
vislumbra qualquer prejuízo, posto que a pena restritiva de direitos é mais branda que a
pena de prisão no regime aberto.
Execução Provisória
Antes mesmo de transitar em julgado a sentença penal condenatória, a
progressão de regimes já pode ser requerida ao juízo competente. Esse fenômeno dá-se
o nome de execução provisória. Tal ocorre quando o acusado, preso provisoriamente e
já estando condenado por sentença, aguarda o julgamento de seu recurso pelo tribunal.
O pressuposto básico da execução provisória é o trânsito em julgado para a acusação,
pois, se também estiver pendente o apelo do Ministério Público, torna-se inadmissível
que, antes do trânsito em julgado, pleiteie-se a progressão de regimes. Há, todavia, uma
corrente que aceita a execução provisória mesmo na pendência do apelo do Ministério
Público, argumentando que o art. 2º da Lei n. 7.210/84 não exige o requisito do trânsito
em julgado para a acusação.
A súmula 716 do STF preceitua que é possível a progressão de regime antes do
trânsito em julgado da sentença condenatória. A súmula 717 do STF esclarece que o fato
de o réu se encontrar em prisão especial não impede a progressão de regime antes do
trânsito em julgado da sentença.
A expressão “execução provisória” tem sido objeto de debate. Os seus
opositores salientam que no processo penal não há execução provisória, devido ao
princípio da presunção da inocência. Argumentam que a progressão não passa de uma
medida cautelar de antecipação dos efeitos da sentença definitiva. Sidnei Agostinho
Beneti destaca: “o que é provisória, esta sim, é a concessão da contracautela
assecuratória do direito à progressão de regime, e não a execução”1.
Quando se fala, porém, em execução provisória, a nosso ver, não se deseja
afrontar o princípio da presunção de inocência, e, sim, beneficiar o acusado, razão pela
qual não compreendemos a celeuma instaurada sobre a aludida expressão.
Aliás, a Excelsa Corte já decidiu que “a execução provisória da sentença
transitada em julgado para a acusação e pendente recurso interposto pela defesa
pressupõe estejam presentes no Juízo das Execuções Penais as peças indispensáveis,
incumbindo ao interessado providenciá-las junto ao Tribunal que exercerá o crivo de
revisão” (HC 69.152-8, Rel. Marco Aurélio, DJU, 2 dez. 1992). Utilizou-se, como se vê, a
expressão “execução provisória”.
O réu deve requerer, perante o tribunal pelo qual se processa o recurso, a
expedição de carta de guia provisória. Deferido o pedido, o juízo da execução realizará a
autuação provisória e processará o pedido de progressão de regimes. Ressalte-se, por fim,
a existência de numerosas decisões atribuindo a competência ao juízo da condenação (RT,
686:337, 688:307; RJDTACrimSP, 11:28). Essas decisões baseiam-se na inexistência de
execução provisória, encarando o problema como mera antecipação cautelar dos efeitos
da sentença definitiva.
A meu ver, existe, sim, execução provisória, de modo que o pedido deve ser
apreciado pelo juízo da execução, pois o juízo da condenação, com a sentença, esgota o
seu poder jurisdicional. Sobremais, ele não dispõe de poderes para decidir questões
afetas ao juízo da execução.
A execução provisória, a propósito, é admitida expressamente pelo parágrafo
único do art. 2º da Lei n. 7.210/84. Em São Paulo, o assunto encontra-se regulamentado
no Provimento n. 653/99 do Conselho Superior da Magistratura.
Entretanto, não é possível a execução provisória das penas de multa e
restritivas de direito, pois o art. 147 da LEP exige expressamente o trânsito em julgado da
sentença.
Finalmente, quanto à possibilidade de execução provisória na pendência de
recurso especial perante o STJ e de recurso extraordinário perante o STF, uma corrente
sustenta que esses dois recursos não inviabilizam a expedição do mandado de prisão,
ainda que se trate de réu primário e de bons antecedentes. Assim, na pendência de um
desses recursos, o condenado não teria o direito de aguardar em liberdade o julgamento,
porque despojados, ambos, de eficácia suspensiva. De acordo com esse entendimento, o
direito de recorrer em liberdade circunscreve-se aos recursos de apelação e embargos
infringentes. Confirmada a condenação no julgamento desses recursos, ocorre uma
1 Sidnei A. Benetti, execução penal, cit. 90
espécie de trânsito em julgado provisório, razão pela qual deve ser expedido o mandado
de prisão, iniciando-se, por consequência, a execução provisória, a despeito da pendência
dos recursos especial ou extraordinário.
Ora, o art. 675, § 1º, do CPP exige expressamente o trânsito em julgado para
o fim de ser expedido o mandado de prisão, não abrindo exceção aos recursos especial e
extraordinário. Onde a lei não distingue, o intérprete não pode distinguir. Ademais, o
entendimento acima viola o princípio da presunção da inocência, previsto no item LVII do
art. 5º da CF. Na verdade, reveste-se de flagrante inconstitucionalidade os dispositivos que
negam efeito suspensivo aos recursos especial e extraordinário. Na esfera processual
penal, os recursos devem ter efeito suspensivo, sob pena de violação do princípio da
presunção da inocência, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado de sentença condenatória penal. Não se pode antecipar a culpabilidade do
condenado, apegando-se à velha distinção, proposta por Espínola Filho, que diferencia o
caso julgado da coisa julgada. De acordo com o ilustre processualista, ocorre o caso julgado
na hipótese de a sentença poder ser executada na pendência de recurso extraordinário,
sem efeito suspensivo, ao passo que a coisa julgada verifica-se quando da decisão não cabe
mais recurso de espécie alguma. Ora, se a lei pode excluir o efeito suspensivo dos recursos
especial e extraordinário, pode também exclui-lo no recurso de apelação e, dessa forma,
fazer tábula rasa do princípio da presunção da inocência.
Convém salientar que o STF, no dia 07 de novembro de 2019, firmou
entendimento, por 6 votos a 5, que a execução da pena só se inicia após o trânsito em
julgado da condenação. Através de Emenda Constitucional, porém, se pretende instituir
a prisão automática, após a condenação em segundo grau, mas o assunto é polêmico,
pois o princípio da presunção da inocência é uma cláusula pétrea, de modo que não pode
ser alterado nem por Emenda Constitucional.
• ART. 112, § 1º, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL – REQUISITOS SUBJETIVOS DO LIVRAMENTO
CONDICIONAL
O primeiro é o bom comportamento durante a execução da pena. Antes da lei
13.964/2019, não se exigia bom comportamento, mas, sim, o comportamento carcerário
satisfatório. A ausência de falta disciplinar, por si só, não preenche esse requisito. A boa
conduta carcerária deve ser comprovada pelo diretor do estabelecimento penal (§ 1º do
art. 112 da LEP).
O segundo requisito, introduzido pela lei 13.964/2019, é o não cometimento
de falta grave nos últimos 12 (doze) meses. O mero cometimento da falta grave, segundo
o texto da lei, é fator inibitório do livramento condicional, sendo flagrante a violação do
princípio da presunção da inocência. Se, entretanto, sobrevier a absolvição em processo
administrativo o obstáculo desaparecerá. Convém esclarecer que a prática de falta grave
não interrompe o prazo para se obter o livramento condicional (súmula 441 do STJ). Mas,
após a falta grave, para se obter o livramento condicional, é preciso revelar bom
comportamento carcerário.
O terceiro é a aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto. A lei fala em aptidão, isto é, capacidade para arrumar trabalho honesto. Não é exigida a proposta de emprego, mesmo porque isso não depende apenas do condenado. Na prática, porém, costuma-se fazer tal exigência, embora descabida.
O quarto é a constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir. Esse requisito só é exigido para os crimes dolosos, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa (p. ex.: roubo, homicídio, estupro com violência real etc.), dispensando-o em relação aos demais crimes. O objetivo da lei é denegar o benefício aos condenados que apresentam periculosidade, isto é, personalidade voltada para o crime. Havendo um prognóstico de que o réu voltará a delinquir, o livramento deve ser negado. Na análise desse requisito costuma-se determinar, acertadamente, a realização de perícia psiquiátrica. Embora a lei não exija exame criminológico, é de bom alvitre a sua realização, pois assim o juiz encontrará melhores subsídios para a apreciação do fato. A propósito, dispõe a súmula 439 do STJ: “Admite-se o exame criminológico pelas peculiaridades do caso, desde que em decisão motivada”.
• Art. 122, § 2º, da Lei de Execução Penal – Proibição de saída temporária para crime
hediondo com resultado morte
Não terá direito à saída temporária o condenado que cumpre pena por praticar
crime hediondo com resultado morte (§2º do art. 122 da LEP).
• Art. 1º da Lei 8.072/90 – Crimes hediondos
Furto qualificado pelo emprego de explosivo
É o único furto que é crime hediondo (art. 1º, IX, da lei 8.072/90, com redação
dada pela lei 13.964/2019).
Roubo hediondo
O roubo, consumado ou tentado, é crime hediondo nas seguintes hipóteses:
a) roubo circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º,
inciso V);
b) roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso
I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, §2º-B);
c) roubo qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º).
A inovação foi introduzida pela Lei 13.964/2019, pois antes dela apenas o roubo
qualificado pela morte, consumada ou tentada, era considerado hediondo.
Extorsão hedionda
O delito de extorsão só é crime hediondo na situação do art. 158, §3º, do CP.
Esta hipótese foi introduzida pela lei 13.964/2019, que em contrapartida
revogou o antigo inciso III do art. 1º da lei 8.072/90, que considerava como sendo crime
hediondo a extorsão qualificada pela morte, prevista no art. 158, §2º, do CP.
A nova lei, em vez de manter como hediondo o art. 158, §2º, do CP e acrescentar
o 158, §3º, do CP, em sua nova redação, só fez menção ao art. 158, §3º.
A propósito, dispõe o art. 1 º, III, da lei 8.072/90, que é crime hediondo a
“extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal
ou morte (art. 158, §3º).”
A norma em análise comporta as seguintes interpretações:
a) a extorsão só será crime hediondo quando, além da restrição da liberdade, houver ainda lesão corporal ou morte;
b) a extorsão será crime hediondo em todas as situações do §3º do art. 158 do CP, ou seja, quando houver apenas a restrição da liberdade ou quando, além da restrição da liberdade, ainda houver lesão corporal ou morte. Esta exegese, torna inócua a menção à ocorrência da lesão corporal ou morte, pois bastaria, para o delito ser hediondo, a restrição da liberdade de locomoção;
c) a extorsão será crime hediondo em três situações distintas. Primeira, quando houver restrição da liberdade, ainda que não haja lesão nem morte. Segunda, quando houver lesão corporal, ainda que não haja restrição da liberdade. Terceira, quando houver morte, ainda que não haja restrição da liberdade. Esta exegese não reflete o propósito da lei, pois esta se refere expressamente ao §3º do art. 158, que cuida da extorsão com restrição da liberdade de locomoção. Não se pode, dessa forma, considerar também como crime hediondo as extorsões dos parágrafos anteriores ou do “caput” do art. 158.
Por consequência, a extorsão qualificada pela morte, prevista no §2º do art. 158
do CP, não é mais crime hediondo.
Trata-se de uma “novatio legis in mellius” em relação ao §2º do art. 158 do CP,
impondo-se a sua retroatividade e, “in pejus”, portanto, irretroativa quanto ao §3º do
art. 158 do CP.
• Arts. 17, § 2º, 18, parágrafo único, do Estatuto do Desarmamento e 33, § 1º, IV, da Lei de
Drogas – Delito putativo por obra do agente provocador
Dá-se quando as circunstâncias fáticas, preordenadas por outrem, induzem o
agente a realizar a conduta criminosa, ao mesmo tempo em que são tomadas
providências inviabilizadoras da consumação.
A hipótese, que é conhecida como crime de ensaio ou de experiência, depende
de dois requisitos:
a) ato de provocação: o agente é induzido por outrem à prática da conduta
criminosa;
b) providências que tornam absolutamente impossível a consumação.
Presentes os dois requisitos, o agente não responde sequer pela tentativa. O
fato permanece impune. Aplica-se, por analogia in bonam partem, o disposto no art. 17
do CP, que disciplina o crime impossível, uma vez que não há lesão nem perigo de lesão
ao bem jurídico. Na realidade, o seu autor, como dizia Hungria, é apenas o protagonista
inconsciente de uma comédia. Sob o prisma subjetivo, o crime existe, mas objetivamente
a norma penal não é violada e sequer exposto a perigo o bem jurídico por ela protegido.
O exemplo clássico é o do policial disfarçado que oferece propina ao funcionário
público, para induzi-lo à prática de um ato ilegal, prendendo-o no ato da aceitação. Bem
como o do falso comerciante, que oferece propina ao fiscal, dando-lhe voz de prisão após
averiguar a sua desonestidade. Também é provocado o flagrante efetuado por delegado
de polícia que, fingindo-se de bicheiro, prende em flagrante todos os que se lhe dirigiam
para realizar apostas.
Em todos esses exemplos, o agente permanece impune, diante da ausência de
probabilidade de lesão ao bem jurídico. A propósito, o Excelso Pretório editou a Súmula
145: “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua
consumação”.
Outro bom exemplo é o da desprevenida empregada que no ato de subtrair as
joias da patroa, expostas propositadamente ao seu fácil alcance, recebe a voz de prisão
do provocador, que armou a arapuca para comprovar a sua desconfiança sobre a serviçal.
Trata-se, sem dúvida, de flagrante provocado. Se, porém, malgrado o empenho do
provocador, a empregada conseguir ludibriar sua vigilância, subtraindo com sucesso as
joias da patroa, caracteriza-se o delito de furto. Nesse caso, não há crime de ensaio,
porque a tomada de providência não tornou absolutamente impossível a consumação;
se o provocador agiu com dolo eventual, assumindo o risco de a larápia consumar a
subtração, ser-lhe-á também imputado o delito de furto, na condição de partícipe. Se, ao
invés, o êxito da gatuna deveu-se à imprudência do provocador, este por nada
responderá, uma vez que não há participação culposa em crime doloso. Se houvesse em
nosso Código a figura do furto culposo, este delito lhe seria imputado.
Por último, cumpre não confundir flagrante provocado e flagrante esperado. No
primeiro, a iniciativa do crime é do provocador; no segundo, a iniciativa emana do próprio
agente. O flagrante provocado é nulo, não há sequer tentativa. O flagrante esperado é
válido, subsistindo a tipicidade da conduta realizada pelo agente.
Dá-se o flagrante esperado quando a polícia toma conhecimento de que alguém
irá cometer um delito, comparecendo ao local para dar voz de prisão ao delinquente. É o
que ocorre quando a vítima da extorsão, não suportando mais as ameaças, avisa a polícia,
que a instrui a levar o dinheiro no lugar combinado pelo extorsionário, que acaba sendo
preso no local. Note-se que a conduta de extorquir foi realizada sem qualquer
provocação, de modo que o flagrante é válido, por ser esperado, e não provocado.
Policial disfarçado
O policial, para surpreender o criminoso em flagrante, pode se disfarçar,
fazendo-se passar por outra pessoa, desde que haja elementos probatórios razoáveis de
uma conduta criminal preexistente.
Trata-se de uma postura legítima, introduzida pela lei 13.964/2019, em relação
aos crimes do §2º do art. 17 e parágrafo único do art. 18, ambos do Estatuto do
Desarmamento, outrossim, no art. 33, §1º, IV, da Lei de Drogas, desde que haja elementos
probatórios razoáveis de uma conduta criminal preexistente.
Com relação a outros delitos, há duas exegeses.
Primeira, o flagrante será válido, desde que haja elementos probatórios
razoáveis de uma conduta criminal preexistente, pois o ordenamento jurídico admite
todos os meios de prova moralmente legítimos.
Segunda, o flagrante será nulo, pois o ato de induzir ou instigar a conduta
criminal atenta contra os preceitos morais.
O instituto em análise comporta duas situações:
a) há elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da autoria. Nesse
caso, é lícito o disfarce para se obter a prova da materialidade. Exemplo: o policial
disfarçado, após a coleta das provas da autoria do delito de venda de drogas, se oferece
para comprar droga, com o intuito de comprovar a materialidade, prendendo o traficante
em flagrante no ato da entrega da droga. Ainda que o traficante não possuísse a droga,
comprando-a de um terceiro para satisfazer o desejo do falso cliente, o flagrante será
válido, diante da presença de elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da
autoria. Se, ao revés, não havia elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da
autoria, o flagrante será nulo, nos termos da súmula 145 do STF. Antes da lei
13.964/2019, que criou os tipos penais acima, o flagrante era nulo, ainda que houvessem
elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da autoria.
b) há elementos probatórios razoáveis preexistentes acerca da materialidade.
Nesse caso, também é lícito o disfarce para se obter a prova da autoria. Exemplo: o
policial disfarçado, após obter a prova da materialidade, ou seja, de que há drogas em
determinado balcão, se oferece para comprar drogas do suspeito, assim agindo com o
escopo de comprovar a autoria, prendendo-o em flagrante quando ele lhe traz a droga
do referido local.
Assim, nos referidos delitos, o flagrante provocado por policial disfarçado pode
ser válido ou nulo, conforme haja ou não elementos probatórios razoáveis da conduta
criminal preexistente.
Imagine o seguinte exemplo: o policial disfarçado que provoca a conduta
criminal, oferecendo-se para comprar drogas de uma pessoa, mas sem que houvessem
elementos probatórios razoáveis de uma conduta criminal preexistente. Caso obtenha
êxito, por se tratar coincidentemente de um traficante de drogas, o flagrante será válido?
Creio que não, pois, de acordo com os tipos penais acima referidos, o policial só poderá
utilizar-se do disfarce quando houver elementos probatórios razoáveis de uma conduta
criminal preexistente. De fato, não se pode estimular este tipo de diligência, que se revela
como sendo de caráter excepcional, à medida que é tênue a linha divisória que a separa
do campo da imoralidade.
• Art. 3º da Lei 13.756/2018 – Destinos dos bens confiscados
O destino dos bens confiscados, segundo a Lei Complementar 79/94, é o Fundo
Penitenciário Nacional.
Com o advento da lei 13.964/2019, que alterou o art. 3º da lei 13.756/2018, os
bens confiscados passaram a ser revertidos em favor do Fundo Nacional de Segurança
Pública (FNSP).
Ora, a lei complementar não pode ser alterada por lei ordinária. Por
consequência, a referida mudança poderá ensejar polêmica.
Em algumas situações, porém, os bens confiscados terão os seguintes destinos:
a) Confisco de arma de fogo: estas armas são destinadas ao Comando do
Exército, poderá destruí-las ou doá-las aos órgãos de Segurança Pública ou das Forças Armadas (art. 25 da lei 10.826/2003).
b) Confisco do proveito do tráfico de drogas: estes bens são destinados ao Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD), conforme art. 63, §1º, da lei 11.343/2006.
c) Produto do crime ambiental: os animais são liberados ao habitat natural ou entregue aos Jardins Zoológicos e as madeiras doadas às instituições científicas, hospitalares, penais ou outras de caráter beneficente, conforme art. 25, §§ 1º e 3º, da lei 9.605/1998.
Contudo, a lei ressalva os direitos do lesado ou de terceiro de boa-fé. Tratando-
se, porém, de confisco de instrumentos do crime, dificilmente restituir-se-á a coisa à
vítima ou ao terceiro de boa-fé. Neste caso, constitui fato ilícito a fabricação, alienação,
uso, porte ou detenção da coisa (art. 91, II, a). Numa primeira análise parece realmente
impossível restituir à vítima ou a terceiro de boa-fé os instrumentos do crime. Admite-se,
porém, a restituição quando a vítima ou terceiro de boa-fé possuir autorização especial
para manter a posse da coisa (p. ex.: a arma, de uso exclusivo do exército, furtada do
colecionador devidamente autorizado a guardá-la).
4. LEI 13.968/2019
• Art. 122 do Código Penal – Induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação Considerações gerais
O suicídio, por si só, não constitui delito. Igualmente, a automutilação com
justeza já se afirmou o absurdo que seria o direito penal contemporâneo comportar-se
como o direito canônico da Idade Média, que aplicava pena ao cadáver do suicida e
equiparava, ainda, a tentativa de suicídio à tentativa de homicídio.
O legislador, porém, erigiu à categoria de crime a conduta de participação em
suicídio ou em automutilação.
Por outro lado, o art. 146, § 3º, II, do Código Penal tornou lícita a coação
empregada para impedir o suicídio e, por analogia “in bonam partem”, para impedir a
automutilação. Sendo assim, força convir que o suicídio é um fato antijurídico, porém
desvestido de tipicidade. Igualmente, a automutilação.
A tipicidade reside, tão-somente, nas condutas de induzir, instigar ou auxiliar
alguém ao suicídio ou à automutilação (CP, art. 122), à semelhança da prostituição que,
por si só, não é punida, residindo a criminalidade na conduta do proxeneta que induz
alguém à prostituição (CP, art. 228).
A lei 13.968/2019 alterou a redação do art. 122 do CP em inúmeros aspectos,
com destaque para os seguintes:
a) modificou o delito de participação em suicídio, responsabilizando
criminalmente o terceiro que concorre para uma tentativa frustrada de suicídio. Antes da
aludida lei, o delito do art. 122 só se configurava quando do fato resultava morte ou lesão
grave, mas, agora, o crime se caracteriza ainda que da tentativa resulte apenas lesão
corporal leve ou então nenhuma lesão.
b) criou, no próprio art. 122 do CP, um novo crime, participação em
automutilação.
c) alterou parcialmente o enquadramento típico na hipótese de o delito ser
praticado contra vítima vulnerável.
d) introduziu novas causas de aumento de pena.
A propósito, dispõe o art. 122 do CP:
”Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou a praticar automutilação ou prestar-
lhe auxílio material para que o faça:
Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos”.
O tipo penal em análise se desdobra em 2 (dois):
a) participação em suicídio;
b) participação em automutilação.
No suicídio, a vítima tem o desejo de morrer; na automutilação, a vontade da
vítima é de apenas lesionar a própria integridade física.
Em ambos os delitos, o ato de execução é realizado pela própria vítima, ao passo
que, nos delitos de homicídio e lesão corporal, a execução provém de um terceiro.
Os dois delitos encontram-se inseridos no Capítulo I do Título I da Parte Especial
do Código Penal, que cuida dos crimes contra a vida.
No delito de participação em automutilação, conquanto a vítima não tenha a
vontade de morrer, o certo é que o terceiro que participou do fato quer que ela morra
ou então assume o risco de lhe provocar a morte.
Com efeito, à medida que o delito de participação em automutilação fora
inserido entre os crimes contra a vida, força convir que o agente procede com dolo de
matar, tanto é que a pena abstrata do referido delito é a mesma do crime de participação
em suicídio, sendo ambos os delitos da competência do tribunal do júri.
O agente que, sem o dolo de matar, induz a vítima à automutilação, não
responde pelo delito em análise e, na verdade, diante da atipicidade do fato,
permanecerá impune, pois é vedada a analogia “in malam partem”.
Talvez não tenha sido esta a intenção do legislador, mas, como se sabe, uma vez
promulgada, a vontade da lei se desprende da vontade do legislador e, na análise do tipo
penal, o intérprete não pode se desvencilhar do bem jurídico tutelado que, no caso, é a
vida, sendo, pois, necessário que o dolo do agente seja o de matar ou assumir o risco de
matar a vítima através da automutilação.
Noutras palavras, o referido tipo penal dificilmente terá aplicação prática.
Conceito
O suicídio, no dizer de Nélson Hungria, “é a eliminação voluntária e direta da
própria vida”2.
Automutilação, por sua vez, é lesão, nos tecidos internos ou externos do corpo,
provocada de forma voluntária e direta pela própria vítima. Exemplo: cortar a própria
pele com um objeto afiado. Outro exemplo: ingerir substâncias tóxicas para lesionar os
tecidos internos do corpo. Outro exemplo: agravar lesões existentes.
Dessas definições resultam os elementos constitutivos do suicídio e da
automutilação:
a) eliminação voluntária da própria vida, no caso de suicídio; e lesão voluntária
nos tecidos do corpo, na hipótese de automutilação.
b) eliminação direta da própria vida, no caso de suicídio; e lesão direta do
próprio corpo, na hipótese de automutilação.
Assim, se uma pessoa obriga a outra a ingerir veneno, mediante coação moral
irresistível, ocorre o delito de homicídio, pois no suicídio é curial o desejo de morrer da
vítima.
Da mesma forma, quem obriga alguém à automutilação, sem dolo de matar,
responde pelo delito de lesão corporal e, com dolo de matar, por homicídio, consumado
ou tentado, conforme sobrevenha ou não a morte da vítima.
Por outro lado, íntima é a ligação entre o suicídio e o homicídio consentido. No
primeiro, a execução é realizada pela própria vítima; no segundo, o ato executório de
matar é operado por terceiro.
2 HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. 3. ed. Rio de Janeiro, Forense, 1955. v. 1, t. 1, e v.V. p.
231.
Suponha-se que o agente encontre a vítima à beira de um despenhadeiro, com
intenção de despedir-se da vida, e resolva instigá-la ao salto letal. Nesse caso, responderá
pelo delito de participação em suicídio (art. 122 do CP), pois foi a própria vítima quem
executou o ato consumativo da morte. Se, entretanto, não tendo coragem de precipitar-
se no despenhadeiro, a vítima pede ao agente que a empurre, haverá delito de homicídio
consentido (CP, art. 121), pois dessa vez foi ele quem executou o ato consumativo da
morte.
Da mesma forma, é íntima a relação entre a automutilação e a lesão corporal.
Na primeira, a execução é realizada pela própria vítima; na segunda, o ato executório de
ferir é operado por terceiro.
Suponha-se que o agente encontre a vítima querendo se cortar com uma
tesoura e resolva instigá-la a concluir o ato. Nesse caso, se houver o dolo de lhe causar
a morte, responderá pelo delito de participação em automutilação (art. 122 do CP), pois
foi a própria vítima quem executou o ato consumativo da lesão, mas ausente o dolo de
matar o fato será atípico, pois o art. 122 do CP não é delito contra a integridade física e,
sim, contra a vida.
Se, entretanto, não tendo coragem de se cortar, a vítima pede ao agente que a
lesione com a tesoura, haverá delito de lesão corporal ou tentativa de homicídio,
conforme o dolo seja de ferir ou matar, pois dessa vez foi ele quem executou o ato
consumativo da lesão.
Objetividade Jurídica
No delito de participação em suicídio ou participação em automutilação, tutela-
se a vida humana.
Sujeito ativo
O sujeito ativo do crime em apreço pode ser qualquer pessoa física. Trata-se de
delito comum. Admite a coautoria e a participação. Por exemplo: “A” e “B” instigam “C”
ao suicídio ou à automutilação. “A” e “B” são coautores. Outro exemplo: “A” induz “B” a
induzir “C” ao suicídio ou à automutilação. “A” é partícipe e “B”, autor do delito em
estudo.
Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo ou
de rede virtual (art. 122, § 5º. do CP).
Sujeito passivo
Sujeito passivo deve ser pessoa ou pessoas determinadas.
Referentemente ao induzimento ou instigação de caráter genérico, isto é,
dirigido a um número indeterminado de pessoas, por exemplo, obra literária
incentivando os leitores ao suicídio ou à automutilação, não caracteriza os delitos em
estudo, pois, como já visto, o sujeito passivo tem que ser pessoa ou pessoas
determinadas.
Vítima vulnerável
Antes da Lei 13.968/2019, exigia-se ainda que a vítima tivesse capacidade de
resistência e discernimento para compreender o ato, pois sem esta capacidade o agente
respondia pelo delito de homicídio.
A capacidade de resistência da vítima é tida como nula em três situações de
vulnerabilidade:
a) menor de 14 (quatorze) anos;
b) enfermo ou deficiente mental sem discernimento. Trata-se do inimputável do
art. 26, caput, do CP.
c) pessoa que, por qualquer causa, não pode oferecer resistência. Exemplo:
pessoa hipnotizada. Outro exemplo: embriaguez completa.
Antes da lei 13.968/2019, o agente respondia por homicídio consumado ou
tentado, conforme a hipótese.
Como advertia Euclides Custódio da Silveira: “Punir-se-á de acordo com o art.
121 aquele que induzir, instigar ou auxiliar um demente ou uma criança de tenra idade a
se suicidar”.
Com o advento desta lei, nessas três situações em que a vítima tem a resistência
nula, o enquadramento típico será o seguinte:
a) homicídio consumado (art. 121 do CP): quando a vítima morrer. É o que
preceitua o § 7º do art. 122 do CP.
b) lesão corporal gravíssima (art. 129, § 2º, do CP): quando vítima sofrer lesão
corporal gravíssima. É o que reza o §6º do art.122 do CP. Trata-se, na verdade, de uma
tentativa de homicídio que o legislador resolver punir como lesão corporal gravíssima.
c) participação em suicídio ou em automutilação do art. 122, § 1º, do CP: quando
a vítima sofrer lesão corporal grave. É o que dispõe o § 1º do art. 122 do CP.
d) participação em suicídio ou em automutilação do art. 122, caput, do CP:
quando a vítima não sofrer lesões ou sofrer apenas lesões leves.
O delito do art. 122 do CP é da competência do tribunal do júri, mas a lesão
corporal gravíssima é da alçada do juiz singular.
Há, pois, uma incoerência. Com efeito, se vítima vulnerável, ou seja, com
resistência nula, não sofrer lesões corporais ou sofrer lesões graves ou leves, o agente
responderá pelo art. 122 do CP e, por consequência, será julgado pelo júri. Se, porém, ela
sofrer lesões corporais gravíssimas, o agente responderá pelo delito do art. 129, § 2º, do
CP, cuja competência é do juiz singular.
Esta solução do legislador fere a lógica. Se a vítima com resistência nula, morre,
não sofre lesões ou sofre lesões graves ou leves, o agente será julgado pelo tribunal do
júri, mas se ela sofre lesões corporais gravíssimas a competência passa a ser do juiz
singular.
Por uma questão de coerência, na hipótese de lesão corporal gravíssima, o
agente também deverá ser julgado pelo tribunal do júri.
Se, no caso de morte, fato mais grave, impõe-se a garantia do tribunal do júri,
no fato menos grave, lesão corporal gravíssima, terá também o direito de ser julgado pelo
tribunal popular.
Esta questão da lesão gravíssima certamente ensejará duas correntes acerca do
órgão jurisdicional competente.
O ideal seria que, sendo a vítima de resistência nula, o agente respondesse por
tentativa de homicídio, ainda que não houvesse lesão corporal ou do fato resultasse
lesões leves, graves e gravíssimas, como era antes da Lei 13.968/2019.
Núcleos do tipo
São três os núcleos do tipo: induzir, instigar e prestar auxílio ao suicídio. Nos dois
primeiros casos, há uma participação moral e no último, material.
Passo à análise destes três verbos:
a) Induzir: é incutir na mente da vítima a ideia suicida ou de automutilação.
b) Instigar: é estimular, reforçar a preexistente ideia suicida ou de
automutilação.
Ambos têm o significado de persuadir, convencer alguém a praticar o ato.
Não obstante a presença de tantas características comuns, distinguem-se de
modo nítido. Com efeito, no induzimento é o agente quem toma a iniciativa da formação
da vontade suicida ou de automutilação no espírito da vítima. Na instigação, ao inverso,
a ideia suicida ou de automutilar-se parte da própria vítima, o agente simplesmente a
reforça.
c) Prestar auxílio: é facilitar a execução do suicídio ou da automutilação.
Cumpre, todavia, salientar que o auxílio é meramente acessório, devendo o agente
limitar-se, por exemplo, a fornecer os meios ou instruções sobre o modo de executar o
suicídio ou a automutilação, sem, porém, participar diretamente da execução do ato.
Incorre, destarte, em delito de homicídio, por ter participado diretamente dos atos
executórios, aquele que segura a faca contra a qual se lança o desertor da vida ou que
ajuda a empurrar ao mar a vítima que pretende o suicídio. Também responde por
homicídio, como esclarece Manzini, a pessoa que ajuda a amarrar uma pedra no pescoço
de quem se joga ao mar, tendo em vista que isso caracteriza ato de execução da morte,
e não uma conduta meramente acessória.
Por fim, tenha-se presente que o tipo legal do art. 122 ingressa na categoria dos
crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado, pois a norma penal prevê várias
condutas, alternativamente, como modalidades de um mesmo delito. A prática sucessiva
das condutas pelo mesmo agente e contra a mesma vítima não dá ensejo a vários delitos,
pelo contrário, não obstante a pluralidade de condutas, haverá um só delito, como
decorrência da aplicação do princípio da alternatividade. Noutras palavras, se o agente
induz, instiga e depois auxilia alguém a suicidar-se ou automutilar-se responde apenas
uma vez pelo delito de participação em suicídio ou em automutilação (CP, art. 122).
Meios executórios
Na participação moral (induzir ou instigar) o delito pode ser comissivo e
omissivo. Nesse último caso, é necessário o dever jurídico de impedir o resultado,
respondendo, por exemplo, pelo delito de participação em suicídio o diretor do presídio
que não impede a morte do detento decorrente da greve de fome. Se não impede a
automutilação do preso, responderá pelo delito de participação em automutilação.
No tocante à prestação de auxílio por omissão, a questão oferece
complexidades, tendo provocado na doutrina larga divergência. Sustenta Frederico
Marques que não há auxílio por omissão, porque a expressão usada no núcleo do tipo
(prestar auxílio) do art. 122 é indicativa de conduta comissiva. E também porque no seu
entender, “se o legislador fala em prestar auxílio para que alguém se suicide, é preciso
que o antecedente psíquico omissivo se enquadre no núcleo do tipo, o que não ocorre,
evidentemente, no caso do art. 122, uma vez que cooperação material alguma encontra
o suicida naquele que se absteve de impedir a execução de seus planos de auto-
eliminação da vida”3.
Entendem outros, em sentido oposto, que a prestação de auxílio por omissão é
possível, quando o agente tem o dever jurídico de impedir o resultado. Fundam-se, os
que assim pensam, no art. 13 do Código Penal, que não distingue entre causa e condição.
Alinhamo-nos entre os que esposam o último ponto de vista, pois, diante da
adoção da teoria da equivalência dos antecedentes, o descumprimento do dever jurídico
de impedir o resultado pode perfeitamente caracterizar uma prestação de auxílio. Assim,
responde pelo delito do art. 122, conforme ensina Nélson Hungria, “o enfermeiro que,
percebendo o desespero do doente e seu propósito de suicídio, não lhe toma a arma
ofensiva de que está munido e com que vem, realmente, a matar-se. Já não se
apresentará, entretanto, o crime, por exemplo, no caso da moça que, não obstante o
protesto de suicídio da parte de um jovem sentimental, deixa de responder-lhe a missiva
de paz e dá causa, assim, a que o tresloucado se mate. Não há, aqui, o descumprimento
de um dever jurídico”4.
É pueril a corrente que veda o auxílio por omissão sob o argumento de que a lei
usa a expressão “prestar auxílio”, indicando a necessidade de uma conduta comissiva.
Ora, os verbos induzir e instigar também indicam uma ação, e, no entanto, a doutrina, de
forma unânime, admite a omissão. O raciocínio de Frederico Marques, com o devido
respeito, neutraliza a omissão em todos os delitos em que a lei incrimina a ação, tornando
inócuo o § 2o do art.13 do CP, que consagra os delitos omissivos impróprios.
Elemento subjetivo do tipo
O referido crime se imputa a título de dolo, que consiste na vontade livre e
consciente de provocar a morte da vítima através do suicídio ou da automutilação.
De fato, ambos os delitos são contra a vida e, dessa forma, o dolo deve ser
direcionado a causar ou assumir o risco de causar a morte da vítima.
No delito de participação em suicídio, porém, não basta o desejo do agente em
provocar a morte da vítima, urge ainda que esta também tenha a intenção de suicidar-
se. Como esclarece Cezar Roberto Bitencourt: “Não haverá crime se, por exemplo, a
3 MARQUES, José Frederico. Curso de direito penal. São Paulo, Saraiva, 1956. v. 1. Parte especial, v. 4., p.
130.
4 Ob. cit., p. 233.
vítima estivesse zombando de alguém que acreditava em sua insinuação e, por erro, vem
a falecer”5.
Basta, porém, para a configuração de ambos os delitos, o dolo eventual, que se
dá quando o agente, sem querer diretamente o suicídio ou automutilação, pratica uma
daquelas três condutas assumindo o risco de provocá-lo. Por exemplo, responde pelo
delito o pai que expulsa a filha de casa tendo sérias razões para acreditar que ela iria se
suicidar.
Os delitos, contudo, não admitem a forma culposa. Há quem sustente que se a
conduta culposa do agente provocar o suicídio haverá homicídio culposo ou lesão
culposa, conforme a hipótese.
Rendo-me à posição contrária, porque o crime culposo tem caráter excepcional,
caracterizando-se apenas nos casos expressos em lei. A lacuna não pode ser suprida,
porque é vedada a analogia “in malam partem”.
Consumação
Os delitos se consumam com a conduta de induzir, instigar ou auxiliar alguém
ao suicídio ou à automutilação, independentemente da ocorrência de morte.
Trata-se, portanto, de crime formal, pois a consumação se verifica com a simples
conduta, prescindido-se da ocorrência do resultado naturalístico.
Antes da Lei 13.968/2019, o delito de participação em suicídio era material e só
se consumava com a ocorrência da morte ou lesão corporal grave.
Tentativa
Admite-se a tentativa na hipótese de o induzimento, instigação ou auxílio não
entrar na esfera de conhecimento da vítima por circunstâncias alheias à vontade do
agente. Exemplo: o agente envia pelo correio a fórmula do veneno com o qual a vítima
pretendia suicidar-se, mas a missiva é extraviada.
Antes da Lei 13.968/2019, o delito em estudo não admitia tentativa, pois a
tipicidade estava condicionada à ocorrência da morte ou lesão corporal grave. Se a
tentativa de suicídio não provocasse lesão ou apenas gerasse lesão leve, o fato seria
atípico. Era um dos únicos crimes materiais que não admitiam a tentativa.
5 Tratado de Direito Penal, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, 2008, p. 107.
Tratava-se, na época, de delito de atentado ou de empreendimento, pois a
tentativa de suicídio geradora de lesão grave era punida como crime consumado.
Qualificadoras
Os delitos em análise são qualificados quando resultar:
a) lesão corporal grave ou gravíssima;
b) morte.
A propósito dispõe o art. 122, §1º, do CP:
“Se da automutilação ou da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de
natureza grave ou gravíssima, nos termos dos §§ 1º e 2º do art. 129 deste Código:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos”.
O §2º do art. 122 do CP acrescenta que:
“Se o suicídio se consuma ou se da automutilação resulta morte:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos”.
Tratam-se de qualificadoras, pois têm penas próprias, desvinculadas da pena
cominada no “caput” do art. 122 do CP.
Diante da existência destas qualificadoras, força convir que os delitos
fundamentais, previstos no “caput” do art. 122 do CP, só têm incidência quando da
participação em suicídio ou em automutilação não resultar lesão ou ocasionar apenas
lesão leve.
Causas de aumento de pena
A pena cominada à participação em suicídio ou participação em automutilação
é obrigatoriamente duplicada, tanto no “caput” quanto nas figuras qualificadas, se o
crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil ou se a vítima é menor ou tem
diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.
A propósito, dispõe o art. 122, § 3º, do CP:
“A pena é duplicada:
I - se o crime é praticado por motivo egoístico, torpe ou fútil;
II - se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de
resistência”.
Outrossim, a pena é obrigatoriamente aumentada até o dobro, quando o crime
for praticado através de rede de computadores, rede social ou com transmissão em
tempo real. A lei é omissa acerca do aumento mínimo, pois se limitar a prever um
aumento “até o dobro”. Dessa forma, o aumento, ao contrário da hipótese do parágrafo
anterior, não precisa necessariamente dobrar a pena.
É o que dispõe o § 4º do art. 122 do CP:
“A pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio da rede de
computadores, de rede social ou transmitida em tempo real”.
O § 5º do art. 122 do CP ainda prevê outra causa de aumento de pena, ao dispor
que:
“Aumenta-se a pena em metade se o agente é líder ou coordenador de grupo
ou de rede virtual”.
São, pois, 9 (nove) as causas de majoração da pena:
a) motivo egoístico;
b) motivo torpe;
c) motivo fútil;
d) se a vítima é menor;
e) se a vítima tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.
f) conduta realizada por meio de rede de computadores;
g) conduta realizada por meio de rede social;
h) transmissão em tempo real;
i) delito praticado por coordenador de grupo ou rede social.
A primeira, motivo egoístico: ocorre quando o agente provoca o suicídio ou a
automutilação para obter vantagem pessoal, de cunho patrimonial ou extrapatrimonial.
Exemplos: induz o pai ao suicídio visando o recebimento da herança; auxilia o jovem ao
suicídio ou à automutilação para conquistar-lhe a namorada.
A segunda, motivo torpe, é o abjeto, moralmente repugnante. Exemplo: induz a
mulher ao suicídio ou à automutilação pelo fato de ela não querer se prostituir.
A terceira, motivo fútil, é o insignificante, desproporcional. Exemplo: induz o
técnico de futebol ao suicídio ou à automutilação por ter sido derrotado.
A quarta causa de aumento de pena, menoridade da vítima, refere-se ao menor
de 18 (dezoito) anos (art. 27 do CP). Assim, a partir dos 18 anos, a pena do art. 122 não é
mais duplicada. Em sendo a vítima menor de 14 (quatorze) anos, conforme já visto, o
agente, no caso de morte, responderá pelo delito do art. 121 do CP; em caso de lesão
grave, pelo delito do § 1º do art. 122 do CP, com a pena duplicada; em caso de lesão
gravíssima, pelo delito do § 2º do art. 129 do CP; e quando não houver lesão ou estas
forem leves, pelo delito do art. 122, caput, do CP, com a pena duplicada.
A quinta majorante, vítima que tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade
de resistência, se caracteriza pela fragilidade do poder de autodeterminação da vítima.
Exemplo: semi-imputabilidade (parágrafo único do art. 26 do CP). Outro exemplo:
embriaguez incompleta. Mais um exemplo: vítima sob efeito de violenta emoção. Se for
nula a capacidade de resistência da vítima, ou seja, estiver totalmente suprimida,
também haverá o aumento da pena, por força da interpretação extensiva. Exemplo:
vítima hipnotizada. Outro exemplo: embriaguez completa. Mais um exemplo: estado de
sonambulismo. Último exemplo: enfermo ou deficiente mental sem discernimento.
Nestes casos de resistência nula da vítima, conforme já visto, nem sempre haverá o delito
do art. 122 do CP. Com efeito, no caso de morte da vítima, o agente responderá pelo
delito do art. 121 do CP; em caso de lesão grave, pelo delito do § 1º do art. 122 do CP,
com a pena duplicada; em caso de lesão gravíssima, pelo delito do § 2º do art. 129 do CP;
e quando não houver lesão ou estas forem leves, pelo delito do art. 122, caput, do CP,
com a pena duplicada.
A sexta causa de aumento de pena ocorre quando o delito houver sido praticado
por meio de rede de computadores, que abrange a internet e a intranet.
A sétima se verifica quando o delito houver sido praticado por meio de rede
social, ou seja, por pessoas conectadas por vários tipos de relações. Exemplo: redes
comunitárias de pessoas de um determinado bairro. Outro exemplo: redes profissionais
como é o caso do LinkedIn. Mais exemplos: redes sociais online como Facebook,
WhatsApp, Twitter e Instagram.
A oitava majorante, transmissão em tempo real, ocorre quando o suicídio ou a
automutilação é transmitido ao vivo.
A nona, delito praticado por coordenador de grupo ou rede social, a meu ver,
malgrado o silêncio da lei, só se caracteriza quando o suicídio ou a automutilação
envolver membro do grupo ou da rede social.
Finalmente, a pena será aumenta de um terço quando tratar-se de índio não
integrado à civilização (art.59 da lei no 6.001/73).
Questões especiais
Dentre as questões que suscita o delito em apreço, a que exige raciocínio mais
aguçado é a do suicídio a dois.
Suponha-se que “A” e “B” tenham feito um pacto de suicídio, trancando-se num
quarto hermeticamente fechado, onde está instalada uma torneira de gás. Antes de
elencarmos as diversas hipóteses possíveis, cumpre destacar a presença de instigação
recíproca à medida que o pacto de morte foi combinado pelos dois.
Não se perca também de vista que no suicídio a vítima realiza diretamente o ato
de execução da morte. Nunca é demais salientar que o ato de execução, no exemplo
ministrado, reside na abertura da torneira de gás. Abrir a aludida torneira equivale a
acionar o gatilho do revólver.
Feitas essas considerações preliminares, vamos à análise das hipóteses:
1. “A” abre a torneira e morre. “B” responde por participação em suicídio. Se
morre “B”, o sobrevivente “A” responde por homicídio. Se os dois sobrevivem, por
circunstâncias alheias à vontade, “A” responde por tentativa de homicídio, ao passo que
“B” responderá por participação em suicídio. Esta conduta de “B”, antes da Lei
13.968/2019, era atípica quando não resultasse lesões graves em “A”, pois o delito do
art. 122 do Código não admitia a tentativa; se, entretanto, “A” sofresse lesões graves, “B”
responderia pelo delito consumado de participação em suicídio.
2. Os dois abrem a torneira de gás, mas sobrevivem por circunstâncias alheias à
vontade. Ambos respondem por tentativa de homicídio. “A” em relação a “B”; “B” em
relação a “A”.
Urge também se formule a questão da roleta russa. Suponha-se que “A” e “B”
rolem o tambor do revólver que contém um só projétil, disparando, cada um em sua vez,
a arma na própria direção. O sobrevivente responde por participação em suicídio, pois,
aderindo a essa prática, instigou a vítima ao suicídio.
Frederico Marques lembra que o sobrevivente do chamado duelo americano
também responde por induzimento ao suicídio. No duelo americano duas pessoas
ajustam o suicídio de uma delas, mediante sorteio, ou deixando ao azar da escolha entre
duas armas, das quais só uma se encontra municiada.
Por último, responde por homicídio culposo aquele que, pretendendo suicidar-
se, erra o alvo e mata um terceiro.
Ação penal
É pública incondicionada.
5. Jurisprudências
• EQUIPARAÇÃO DE HOMOFOBIA E TRANSFOBIA AO CRIME DE RACISMO
O STF na ADO 26 e MI 4.733, equiparou a homofobia e a transfobia ao crime de
racismo, através da analogia “in malam partem”, disfarçada de argumentações jurídicas
baseadas, sobretudo, no princípio da isonomia e na proibição do preconceito, em
flagrante violação ao princípio da reserva legal. A Excelsa Corte reconheceu
expressamente a mora legislativa, ou seja, a omissão da lei em relação à criminalização
da homofobia e transfobia, ato contínuo, decidiu pela aplicação da lei de racismo, que
rege hipóteses semelhantes. O pressuposto da analogia é a omissão da lei, mas, em
matéria penal, não se pode fazer analogia “in malam partem”, sob pena de violação do
princípio da reserva legal, que é uma cláusula pétrea. Ademais, a rigor, tanto a homofobia
quanto a transfobia são um preconceito relacionado à opção sexual e, dessa forma, não
havia omissão, pois os preconceitos relacionados ao sexo são expressamente tipificados
como contravenção penal, conforme lei 7.437/1985.
• EXECUÇÃO PROVISÓRIA
Tanto a pena de multa quanto as penas restritivas de direito, segundo a
jurisprudência do STJ, não admitem a execução provisória. De fato, o art. 147 da LEP só
prevê o início da execução destas penas após o trânsito em julgado. Por consequência,
na pendência do recurso especial ou recurso extraordinário, que não têm efeito
suspensivo, o condenado não poderá ser compelido a iniciar o cumprimento destas
penas.
• PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
No crime de contrabando, a jurisprudência não admite a aplicação do princípio
da insignificância, ainda que se trate de mercadoria relativamente proibida, como
cigarros e bebidas, de modo que a importação ou exportação de uma quantidade irrisória
caracteriza crime.
No descaminho, ao revés, é aceita a absolvição e até mesmo o arquivamento do
inquérito policial com base no princípio da insignificância.
Conforme Portarias 75 e 130 do Ministério da Fazenda, o Procurador da Fazenda
Nacional não é obrigado a executar débitos de valor igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte
mil reais).
Os autos dessas execuções fiscais serão arquivados, mediante requerimento do
Procurador da Fazenda Nacional, sem baixa na distribuição, mas a execução será
reativada quando os valores do débito ultrapassarem o limite acima.
O STF e o STJ, no âmbito penal, têm aplicado o princípio da insignificância
quando o débito tributário não ultrapassar o valor de vinte mil reais. O argumento é que
se o Estado não tem interesse em efetivar a cobrança é porque a lesão ao erário público
revelou-se diminuta, a ponto de não se justificar a apuração dos fatos na área penal, que
é regida pelo princípio da intervenção mínima.