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2 ADMINISTRAO PBLICA NO SCULO XXI1. A nova gerncia pblica (Derry Ormond & Elke Lffler) RSP, abrjun/1999 ........................................................................................... 02 a 32 2. Desafios da administrao pblica brasileira: governana, autonomia, neutralidade (Maria das Graas Rua) RSP, set-dez/1997 ........... 33 a 52 3. O impacto do modelo gerencial na Administrao Pblica: um breve estudo sobre a experincia internacional recente (Fernando Luiz Abrucio) ENAP, 1997 ................................................................... 53 a 101 4. A reforma do Estado e a concepo francesa do servio pblico (Jacques Chevallier) RSP, set-dez/1996 .................................. 102 a 125 5. A reforma administrativa francesa (Valdei Arajo) ENAP, 1997............................................................................................... 126 a 149 6. A reforma administrativa da Nova Zelndia nos anos 80-90: controle estratgico, eficincia gerencial e accountability (Wagner Carvalho) RSP, set-dez/1997 ....................................................................... 150 a 180 7. Fortalecer o servio pblico e valorizar a cidadania: a opo australiana (Adriana de S Mesquita & Slvia Pereira Ferreira) RSP, setdez/1997 ....................................................................................... 181 a 206 8. Reforma administrativa: o caso do Reino Unido (Marcelo Ernandez Macedo & Andra Moraes Alves) RSP, set-dez/1997............... 207 a 228 9. Reforma do setor pblico e participao sindical: o caso do sistema de penso italiano (Lucio Baccaro & Richard M. Locke) RSP, maiago/1997 ...................................................................................... 229 a 259 10. Metodologia para medir a satisfao do usurio no Canad: desfazendo mitos e redesenhando roteiros (Geoff Dinsdale & D. Brian Marson & Faye Schmidt & Teresa Stuckland) ENAP/00........... 260 a 400 11. Clinton e a reinveno do governo federal: o National Performance Review (Flvio da Cunha Rezende) RSP, jan-mar/1998.......... 401 a 448 12. Novos padres gerenciais no setor pblico: medidas do governo americano (Bianor Scelza Cavalcanti & Roberto Bevilacqua Otero) ENAP, 1997 ................................................................................... 449 a 480

A nova gerncia pblica1

RSP Revista do Servio Pblico Ano 50 Nmero 2 Abr-Jun 1999

Derry Ormond e Elke Lffler

1. IntroduoO termo nova gerncia pblica (New Public Management NPM) freqentemente utilizado em muitos dos pases-membro da OCDE, bem como no resto do mundo. O termo parece descrever uma tendncia global em direo a um certo tipo de reforma administrativa, mas rapidamente se faz evidente especialmente em conferncias internacionais que assume diversos significados em diferentes contextos administrativos, inclusive na comunidade acadmica, onde ainda no se chegou a um acordo sobre o que significa o paradigma da nova gerncia pblica. Em todo caso, o termo tambm relativamente equivocado porque seus elementos no so to novos, razo pela qual tem sido acusado de vender vinho velho em garrafas novas. Exceto nos Estados Unidos, a gerncia pblica no foi um termo utilizado at os anos 80. Outrossim, as reformas na gerncia pblica esto avanando mediante uma ampla variedade de formas e em diversos contextos envolvendo preocupaes e necessidades nacionais completamente diferentes. O processo de transformao dos pases da Europa Central e Oriental justamente um exemplo. Ainda que no se possa dizer a priori o que a nova gerncia pblica, cabe assinalar que ela tem contribudo para a elaborao de uma viso mais econmica e gerencial da administrao governamental. A OCDE/PUMA (ver Anexo 1) esteve entre as primeiras organizaes que tentaram introduzir um conceito mais amplo de gerncia pblica, especificamente vinculado s necessidades de microreforma e ajuste estrutural, nos anos 80. A necessidade dessa abordagem abrangente pode serDerry Ormond trabalhou na Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) de 1962 a 1998, na rea de gerncia pblica, o que originou a criao do Public Management Committee (PUMA). Elke Lffler trabalha na OCDE, desde 1997, no Servio de Gerncia Pblica Traduzido por Ren Loncan

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explicada pelo conjunto de desafios globais confrontados pelos pases e que continuam sendo amplamente vlidos no presente: limitaes fiscais ao crescimento do setor pblico versus a infinidade de demandas efetivadas por cidados mais educados; busca intensiva de formas mais efetivas para a implementao de polticas pblicas; manejo da incorporao a um mundo de interdependncia acelerada e de dinmica imprevisvel; presso crescente de grupos empresariais e da indstria a fim de promover um setor pblico mais direcionado aos negcios, aos investimentos e ao fornecimento eficiente de servios; mudana de valores que questionam a administrao pblica tanto do interior quanto do exterior da mesma; mudanas tecnolgicas, especialmente em relao ao potencial para a difuso da informao; mudanas nos perfis scio-demogrficos, especialmente com o envelhecimento das populaes. Estas presses tm colocado em questo no apenas as estruturas administrativas e a tomada de decises polticas estabelecidas, mas tambm a forma de pensar acerca da administrao pblica e do servio civil, e de como a mudana se faz possvel. Uma onda de reformas da gerncia pblica tem tido lugar em todos os pases-membro da OCDE, freqentemente inspiradas e alimentadas pelo chamado paradigma da nova gerncia pblica. Por isso legtimo abordar a questo sobre o que aproveitar e o que abandonar desse paradigma. Como uma introduo, este documento apresenta algumas observaes sobre a experincia prtica do PUMA e a interao com os pases-membro da OCDE, ao invs de discutir a nova gerncia pblica em qualquer classe de constructo formal. O que se pretende sustentar com este documento o seguinte: 1) Estamos procurando identificar uma gerncia pblica que se adapte s necessidade atuais e que seja capaz de manejar os problemas do futuro. Isso inclui a capacidade para gerenciar efetivamente as organizaes pblicas e conceber, orientar, implementar e avaliar as reformas. Em outras palavras, coincidindo com o ponto de vista que percebe o setor pblico como uma organizao que aprende, que deveria melhorar constantemente, ao invs de procurar implementar um modelo particular de gerncia pblica ainda que receba o nome de nova gerncia pblica, reinveno, reengenharia, gerncia de qualidade total, new steering model ou qualquer outra denominao. 2) No existem modelos pr-estabelecidos; a mudana deve enraizar-se na configurao especfica da histria, das tradies e estruturas constitucionais e legais, nas foras poltico-administrativas, nas

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perspectivas econmicas e sociais e na posio internacional do pas. Por outra parte, no existe soluo nica para o setor pblico como um todo. Diferentes partes da administrao pblica podem requerer diferentes sistemas de gerncia pblica, dependendo, por exemplo, de se tratar do fornecimento de um servio de natureza redistributiva ou uma tarefa verdadeiramente autnoma. 3) A maioria dos elementos da nova gerncia pblica no so, realmente, novos no sentido de que inmeros pases implementaram no passado alguns destes elementos, de fato com outras denominaes. Por exemplo, o estabelecimento de uma ampla variedade de agncias na administrao estatal alem nos anos 70, por um lado tem sido interpretado luz da tradio neocorporativa alem e por outro como reao ao crescimento do setor pblico. O que novo em relao NPM que o conceito global tem evoludo a partir de um movimento orientado para a prtica, que teve incio de forma independente em vrios pases. Igualmente, a disponibilidade da tecnologia moderna da informao nos permite agora produzir e analisar a classe de dados referentes ao desempenho que estava faltando nas reformas administrativas anteriores. 4) Os pases que tm adotado um enfoque mais gradual no que se refere NPM, agora se confrontam com um problema de estruturas duais no setor pblico: ilhas de reforma com orientao fazem a NPM coexistir com organizaes pblicas gerenciadas de forma tradicional. Esta situao gera tenses no processo de reformas, como resultado de estruturas de incentivo em conflito, e em alguns casos inclusive, chega a questionar o que tem sido obtido at o momento. Por exemplo, as reformas baseadas na NPM em nvel municipal no podem concretizar o potencial pleno do aumento da eficincia, se a superviso municipal e o sistema intergovernamental de subsdios no permitirem uma determinada flexibilidade gerencial, o que pode desta forma sustentar argumentos oponentes NPM. 5) Existem tambm importantes desafios concernentes gesto de governo, que no esto, necessariamente, includos no debate sobre a NPM, alguns dos quais podem ter sido exagerados pelas reformas j realizadas, como por exemplo: a permanncia de tomada de decises efetivas do governo central em um contexto de devoluo e globalizao; gerncia da tica no governo: educao e responsabilidade cvica na sociedade; novas relaes com a sociedade civil e o setor privado; as relaes em processo de transformao entre o Executivo e o Legislativo; 6) Dessa forma, o que devemos deixar para trs so noes presas a dogmas, modelos e preconceitos da antiga e da nova administrao

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pblica. O modelo de uma nova gerncia pblica nunca existir na realidade, assim como a administrao pblica weberiana nunca existiu em sua forma ideal. 7) Devemos manter um conjunto equilibrado de valores da gerncia pblica. A gerncia pblica no deveria referir-se somente a promoo de valores econmicos. A tarefa que temos adiante a de dar maior nfase aos produtos e resultados efetivos, de acordo com os princpios legais e polticos da administrao pblica. O peso dado a estas diferentes racionalidades e suas relaes ser diferente de um pas a outro, dependendo de sua tradio de governo e seus marcos polticos e legais.

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2. A abrangncia da nova gerncia pblicaDevido a ambigidade do termo, se faz necessrio explicitar a classe de elementos que esto includos dentro do rtulo de NPM. Temos duas classes de conceitos fundamentais relativos nova gerncia pblica. Primeiro, um conceito restrito percebe a nova gerncia pblica como sendo a unio de duas correntes de idias diferentes (Hood, 1991:5). Uma delas decorre da nova economia institucional, que discute novos princpios administrativos, tais como contestabilidade, a escolha do usurio, a transparncia e uma focalizao estreita nas estruturas de incentivos. A segunda corrente deriva da aplicao dos princpios gerenciais do setor empresarial privado ao setor pblico. Em termos prticos, essa concepo restrita da NPM implica numa nfase da gerncia de contratos, na introduo de mecanismos de mercado no setor pblico e na vinculao estabelecida entre o pagamento e o desempenho. A NPM pode, dentro dessa definio restrita, equiparar-se com numerosas reformas da gerncia pblica realizadas na Nova Zelndia, e em menor escala na Dinamarca e no Reino Unido. Grande parte das crticas que se fazem NPM dizem respeito a sua relao com um paradigma claramente simplista, centrado exclusivamente na eficincia. Embora seja verdade que numerosos comentaristas admitem que essa verso da NPM pode funcionar em mltiplas situaes nos pases mencionados, eles tm dvidas sobre a possibilidade de que essa verso da NPM possa ser transferida a outros pases (ver, por exemplo, Kickert, 1997). Apesar dessa classe de filosofia da NPM, com uma clara nfase nos mercados e na privatizao, que no poderia ser transfervel como um regime de governo, existem, porm, numerosos instrumentos que podem ter importncia para outros pases. Por exemplo, ainda que provavelmente, o mecanismo primrio de governo da Espanha, como motivador, esteja apoiado na descentralizao e na devoluo mais do

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que na competncia de mercado e na privatizao, alguns elementos do tipo mercado tm sido introduzidos em setores especficos de polticas, especialmente em nvel regional (OCDE, 1997a: 327-338). As Comunidades Autnomas de Catalunha e de Galcia agora passam recibos aos pacientes dos hospitais. A competncia entre hospitais comea a se estabelecer. As medidas do desempenho esto proliferando nas polticas de sade e de educao, sendo ambas tambm responsabilidades regionais. Os governos locais tambm realizam experimentos com mecanismos do tipo mercado, tal como acontece na inovadora Administrao Metropolitana de Bilbao, que introduziu a cobrana aos usurios no departamento de bombeiros (para mais detalhes, ver OCDE, 1998). Segundo, um ponto de vista mais amplo sobre a NPM adotaria um enfoque mais pragmtico, no percebendo-a desde uma perspectiva filosfica, seno como uma resposta racional a algumas das presses enfrentadas pelos governos. Considerando que devido globalizao as presses so semelhantes em todos os pases, caberia esperar que as respostas compartilhassem certas caractersticas e como conseqncia, sejam, em alguma medida, convergentes. Porm dever-se-ia enfatizar (e talvez no tenhamos insistido nisso claramente no nosso trabalho no PUMA) que convergncia no quer dizer uniformidade. Inclusive se as questes da reforma so convergentes, isso no implica que a implementao da NPM seja a mesma em todos os pases. As diferenas entre um pas e outro podem ser consideradas como o resultado de interesses polticos e de ideologias subjacentes NPM (Pollitt, 1990), de dificuldades na operacionalizao de princpios bastante abstratos tais como a transparncia, de diferenas nos sistemas polticos e administrativos e na forma de adapt-los, assim como de histrias obviamente diferentes. Uma comparao das pesquisas anuais por pases realizada pelo PUMA ilustra como esses fatores podem gerar dinmicas de reforma completamente diferentes nos pases-membro da OCDE em matria de velocidade, orientao e abrangncia das reformas (OCDE, 1997b); ver tambm a pgina web do PUMA (http://www.oecd.org/puma/country). De toda forma, possvel distinguir um certo nmero de traoschave das reformas da gerncia pblica nos pases-membro da OCDE. O documento Governance in Transition (OCDE, 1995:28) identifica os seguintes temas comuns reforma, formulados para se chegar a administraes direcionadas para resultados: devolver autoridade, outorgar flexibilidade; garantir o desempenho, o controle e a responsabilidade; desenvolver a competncia e a escolha; fornecer servios adequados e agradveis aos cidados; melhorar a gesto dos recursos humanos;

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explorar a tecnologia da informao; melhorar a qualidade da regulamentao; fortalecer as funes de governo no centro.Essa ampla definio no impe um modelo apto para todas as circunstncias e faz com que os princpios da NPM possam ser transferveis. Enquanto no existir um enfoque melhor, cada governo direcionado reforma dever considerar em que grau e como esses traos-chave podem ser incorporados no seus sistemas de gerncia pblica. Isso poderia implicar em reformas radicais seletivas da gerncia pblica ou reformas adicionais, com adaptaes progressivas dependentes do marco institucional de cada pas. Em alguns pases, talvez no seja necessria a implementao de reformas com relao a determinados temas, porque j foram realizadas anteriormente (com uma denominao diferente) ou porque j existem estruturas equivalentes, tais como as agncias na Sucia ou alguns rgos semi-autnomos na Frana. Essa definio ampla e no prescritiva da nova gerncia pblica permite identificar e avaliar diversos tipos de estratgias e caminhos para a reforma, ao mesmo tempo em que se reconhecem alguns princpios convergentes. Fazendo com que as prticas e experincias da nova gerncia pblica sejam transparentes, os governos tm a oportunidade de escolher entre diversas alternativas e de tomar decises bem informadas sobre os instrumentos de polticas.

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3. Alguns aspectos da nova gerncia pblica3.1. Devoluo de autoridade Em numerosos pases existe um claro consenso em torno de um modelo centralizado de fornecimento de servios que j no satisfaz as necessidades e as condies da gerncia pblica. Os esforos de reforma tm se centrado na devoluo de autoridade no interior das agncias pblicas e/ou ministrios/departamentos e agncias executoras, e/ou entre o governo central e os escales inferiores de governo, o mercado e o terceiro setor. O processo de devoluo tem se orientado pela premissa de que a flexibilidade gerencial um pr-requisito, ou pelo menos uma medida complementar, para a consolidao fiscal a longo prazo. Essa posio baseia-se, no mnimo, em trs conjuntos de argumentos clssicos: em primeiro lugar, para muitos servios, a devoluo resultaria potencialmente num aumento da capacidade de resposta s demandas cidads; em segundo lugar, as vantagens no nvel da informao aumentam a eficincia administrativa; e em terceiro lugar, a inovao se v facilitada em nvel local. No entanto, a devoluo deve tambm ser comparada em

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relao s economias de escala na produo de servios pblicos, aos custos potenciais dos efeitos da difuso entre diversas jurisdies e aos efeitos da competncia governamental e da migrao. A devoluo de funes pblicas criou uma nova dimenso qualitativa e atualizou o antigo debate entre centralizao e descentralizao. Os ambientes transformados colocam, novamente, a questo bsica do federalismo fiscal: que distribuio de funes e responsabilidades satisfaz melhor as necessidades de subsdios e corresponde, razoavelmente, distribuio dos recursos fiscais? A nova questo (da gerncia pblica) diz respeito aos mecanismos apropriados para implementar os deslocamentos das funes pblicas em direo a nveis inferiores de governo. Tradicionalmente, na maioria das federaes europias as constituies exigem que uma parte substancial das leis federais sejam administradas pelos Estados. Esse tipo de descentralizao administrativa encontra-se tambm sendo processada em outros pases-membro da OCDE, onde os governos nacionais tm transferido numerosas funes em nveis subnacionais de governo. Uma ferramenta primordial para essa devoluo o manejo de mecanismos que conferem, aos nveis subnacionais de governo, novos espaos para a implementao de programas intergovernamentais. Esses novos espaos suscitam preocupao sobre a extenso e a certeza da apresentao de contas por resultados. As emergentes associaes para o desempenho (performance partnerships) entre diversos nveis de governo prometem ser um instrumento de transformao das relaes, altamente problemticas, com as agncias, em acordos contratuais que reduzem os seus custos e permitem o aumento da eficincia, podendo concretizar-se a partir da descentralizao administrativa. Essa idia bsica ilustrada no setor do mercado de trabalho canadense, onde o governo desse pas redesenhou as responsabilidades federais e provinciais (Canada Employment Insurance Commission, 1997: 19-26). A parte II da Employment Insurance Act (EI) permite que as provncias e territrios desenhem e executem os seus prprios programas de emprego apoiados por fundos do EI, mediante acordos de associao com o Ministrio de Desenvolvimento de Recursos Humanos. Os governos provinciais ou territoriais que preferirem no assumir a responsabilidade plena pelo desenho e execuo das medidas e benefcios relativos ao emprego ativo, nos termos da parte II da Lei, podem, alternativamente, optar pela formalizao de acordos de co-gesto. Os acordos negociados at o presente refletem ambas modalidades. 3.2. Oramento No caso da elaborao do oramento, a flexibilidade pode ser introduzida em diversas etapas do ciclo oramentrio. O processo de formulao do oramento depende em grande parte da estruturao da

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Lei Oramentria e do nvel de detalhamento com que o Legislativo exerce o controle das despesas. Existem duas tendncias principais que visam outorgar maior flexibilidade, que podem ser identificadas nesta fase: em primeiro lugar, os pases-membro da OCDE afastam-se cada vez mais do enfoque clssico, que parte da base em direo ao vrtice para a formulao do oramento, promovendo agora um exerccio que parte do vrtice e dirige-se base (top-down), onde o Conselho de Ministros estabelece tetos fixos para o total dos gastos governamentais que deveria ser alocado a cada ministrio. Esse novo processo promove o controle do governo sobre as despesas consolidadas e facilita a realocao de recursos. Em segundo lugar, em alguns dos pases-membro, os Parlamentos no discutem as alocaes individuais seno a direo e as tendncias gerais das despesas do governo. Por exemplo, na Sucia, o Parlamento deve aprovar primeiro a diviso da despesa consolidada em 27 reas de despesas, antes de aprovar as alocaes individuais. No que diz respeito implementao do oramento, cabe distinguir diferentes nveis de flexibilidade para as transferncias. O menor grau de flexibilidade corresponde, obviamente, ao caso no qual as transferncias no esto permitidas em absoluto. Uma maior flexibilidade possibilitada pelas estruturas institucionais nas quais as transferncias so, via de regra, permitidas para determinadas categorias de despesas, tais como as de operao e investimento. Alguns pases-membro tm combinado todas as alocaes para as operaes das oganizaes de governo dentro de um montante total para cada organizao. Por exemplo, na Sucia as agncias recebem atualmente uma nica alocao de recursos para o financiamento de todos seus custos correntes, sem restries na atribuio de insumos. Uma segunda opo de transferncias diz respeito redistribuio de recursos entre anos fiscais. No h flexibilidade alguma quando as alocaes no utilizadas devem ser devolvidas ao centro no final do ano fiscal. As disposies legais que permitem adiar a execuo de todas as despesas at um certo limite especificado fazem possvel essa flexibilidade gerencial. At que ponto os pases-membro da OCDE fizeram uso das diversas opes para flexibilizar o oramento em nvel central de governo? Recente pesquisa realizada entre os altos funcionrios do oramento (PUMA, 1998) sugere a existncia de marcadas diferenas entre os pases-membro da OCDE no que concerne ao nmero de itens de alocao e em nvel de detalhamento do controle parlamentar do oramento. A flexibilidade nas transferncias existe, na maioria dos casos, para as contas de despesas correntes, e em menor grau para os custos de programas. A maioria dos estados-membro da OCDE permite um certo grau de realocao dos recursos entre anos fiscais. Essa breve resenha da devoluo da autoridade oramentria por parte dos governos centrais demonstra

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que todos os estados-membro da OCDE tm flexibilizado seus processos oramentrios, ainda que em graus variveis. Em muitos estados-membro, nos quais as reformas da gerncia pblica tm adotado, em grande medida, a forma de um enfoque a partir da base em direo ao vrtice, a devoluo da autoridade oramentria tem tido uma influncia maior nos nveis inferiores do governo do que nos nveis centrais. O monitoramento estatstico inicial do impacto da devoluo da autoridade oramentria sobre o desempenho fiscal sugere que flexibilidade gerencial tem uma influncia considervel no sucesso do esforo de estabilizao, entendido como a reduo do dficit e da dvida a mdio prazo, aps a iniciao do esforo de consolidao. Isso tem sido plenamente verificado no caso do sistema oramentrio sueco, onde o processo de formulao do oramento tem experimentado mudanas fundamentais no decurso dos ltimos quatro anos, em resposta convico das autoridades de que o processo oramentrio em si mesmo tinha contribudo, significativamente, para o estado de deteriorao do equilbrio oramentrio naquele pas. Caberia esperar que os efeitos fiscais positivos da flexibilidade oramentria sejam ainda maiores no caso em que os pases venham tambm a redefinir as relaes entre as instncias centrais e agncias operativas. Um estudo do PUMA sobre a implementao da flexibilidade oramentria em cinco pases membros da OCDE Austrlia, Frana, Nova Zelndia, Sucia e o Reino Unido destaca que exceo da Sucia, todos os pases tm enfrentado dificuldades para traar uma clara linha divisria entre as responsabilidades das instituies centrais e as agncias operativas (OCDE, 1997c:14). 3.3. Gerncia de pessoal De maneira similar flexibilidade do oramento, a devoluo de autoridade na gerncia de pessoal envolve tambm vrias escolhas em termos dos elementos e graus de flexibilizao. Tem se dado uma grande ateno determinao do pagamento mas as flexibilidades da gerncia de pessoal podem implicar, igualmente, muitos outros elementos, (OCDE, 1996a:17-22), tais como: sistemas de classificao de cargos; mobilidade; termos dos processos de recrutamento/emprego; acordos trabalhistas. A flexibilidade no pagamento uma rea complexa per se. O PUMA tem desenvolvido uma escala de avaliao que permite comparar as diferentes dimenses da flexibilidade no pagamento (OCDE, 1997d:101): 1) nvel de negociao sobre o pagamento; 2) gerncia descentralizada

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da folha de pagamento; 3) nvel de flexibilidade dos ajustes anuais da folha de pagamento definida no nvel central; 4) nvel de flexibilidade na comparao do pagamento individual. exceo de Nova Zelndia e Reino Unido, que tm atingido um elevado grau de descentralizao, os outros pases da OCDE tm adotado uma abordagem mais limitada em relao a flexibilidade do pagamento. Porm, em todos os pases-membro o papel desempenhado pela agncia central de pessoal continua sendo importante. Inclusive nos pases onde foram implementadas mudanas abrangentes no sistema de pagamento no setor pblico (como por exemplo Nova Zelndia e Austrlia), persiste a necessidade de acompanhamento e de garantir padres comuns de tica no conjunto do servio pblico. A devoluo de autoridade na gesto de pessoal tem trazido benefcios indiscutveis. Os rgos centrais de gerncia de pessoal informam que se tem verificado aumento da eficincia e da efetividade geral e se facilita a inovao (OCDE, 1995: 56). Essa apreciao confirma-se pela anlise emprica. Em particular, ficou demonstrado que a flexibilidade, tanto na determinao da composio do staff como na negociao e determinao dos salrios individuais, contribuiu para minimizar as taxas de crescimento do pagamento de salrios (OCDE, 1997d:106). No entanto, em todos os pases que tm devolvido a gerncia de pessoal, o equilbrio entre o controle e a flexibilidade continua sendo instvel. Numerosos governos tm procurado assegurar-se de que retm o controle sobre o montante geral das despesas pblicas em matria de remuneraes, ainda que o detalhamento esteja sujeito a certas variaes locais. Os sistemas centralizados para a determinao do pagamento no setor pblico encontram-se, freqentemente, associados com a idia de que eles facilitam mais o controle dos custos trabalhistas do que os sistemas de determinao do pagamento mais descentralizados. Outrossim, existem preocupaes relativas ao equilbrio entre permitir que os departamentos e agncias desenvolvam suas prprias prticas de gerncia de pessoal e manter um certo grau de unidade e um conjunto comum de valores em todo o servio pblico. Algumas tentativas, que visam fortalecer uma perspectiva coletiva, se refletem nos acordos centralizados para a designao e a gerncia de funcionrio civis do alto escalo e nos esforos realizados em alguns pases para desenvolver a capacidade dos rgos centrais em matria de planejamento estratgico e polticas de recursos humanos em todos os servios. O debate que gira em torno da definio dos aspectos essenciais e dos elementos comuns que deveriam ser mantidos no servio pblico, bem como qual o grau desejvel de devoluo est longe de ter sido resolvido e continuar sendo uma questo chave na gerncia pblica nos prximos anos.

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3.4. Mecanismos tipo mercado A aplicao dos chamados mecanismos tipo mercado (MTM) no setor pblico tem sido objeto de uma ateno considervel. Novamente, isso no implica uniformidade, uma vez que o conceito de MTM abrange todos os arranjos nos quais est presente, pelo menos, uma das caractersticas significativas dos mercados competncia, fixao de preos, tomada de decises dispersa, incentivos monetrios etc. (OCDE 1993:11). Fica evidente, que essa definio exclui os dois casos opostos do tradicional fornecimento pblico e da privatizao total. Tomando-se em considerao a diversidade de MTMs impossvel discuti-los como um conjunto homogneo, motivo pelo qual discutem-se aqui trs classes de MTM: a contratao externa, a cobrana ao usurio, e os vouchers. 3.4.1. Contratao externa A contratao externa diz respeito situao em que o setor pblico adquire, no setor privado, algo que tradicionalmente havia produzido internamente. Quando se permite que as operaes internas participem tambm como licitaes, fala-se de market testing. O incentivo que est implcito na contratao externa simples. Estudos internacionais tm demonstrado, de forma consistente, que possvel obter uma poupana sustentvel de aproximadamente 20% contratando-se atividades externamente, enquanto so preservados ou melhorados os nveis de qualidade do servio, tal como aparece na tabela a seguir:Poupana de custos por contratao externa (em porcentagem) Estados Unidos Reino Unido Austrlia Sucia Islndia DinamarcaFonte: PUMA (1998b:70).

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20% 20% 15-20% 9-25% 20-25% 5-30%

As prticas de contratao externa variam amplamente entre os estados-membro da OCDE. No obstante, parece existir um amplo acordo em torno de que servios de apoio tais como manuteno e limpeza, o fornecimento de alimentos e a impresso grfica, entre outros, sejam candidatos apropriados para a contratao externa. Os pases-membro que contam com uma forte tradio de contratao externa, tais como a Austrlia, Nova Zelndia, Reino Unido, Estados Unidos e os pases nrdicos

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(Dinamarca, Islndia), foram alm da contratao externa de servios de apoio, em reas que poderiam ser consideradas inerentemente governamentais h pouco tempo atrs. Exemplos disso incluem os servios de bombeiros nos Estados Unidos, os servios carcerrios no Reino Unido, servios para os desempregados na Austrlia, lares para tratamento de indivduos com problemas comportamentais na Islndia, funes do escritrio nacional de auditoria na Nova Zelndia (muitos desses casos so revisados numa recente publicao do PUMA: 1997a, Contracting Out Government Services). O PUMA publicou, recentemente, um Policy Brief com as melhores diretrizes prticas para a contratao de servios governamentais, destacando os fatores-chave para uma contratao externa de sucesso. 3.4.2. Cobrana ao usurio Os pases esto financiando, cada vez mais, os servios governamentais mediante a cobrana ao usurio. O objetivo de cobrar do usurio no apenas conseguir recuperar os custos, seno tambm fazer com que os servios governamentais sejam mais eficazes e eficientes. Isso se consegue atravs da visibilidade clara de custos e benefcios dos servios oferecidos aos usurios pelos fornecedores, impondo disciplina no que diz respeito s demandas ao mesmo tempo em que promove a tomada de conscincia sobre os custos e a orientao oferecida. Mas ainda, a cobrana ao usurio oferece um marco para o desenvolvimento dos mercados e da concorrncia. Um exemplo clssico dos benefcios acarretados pela cobrana ao usurio o do Australian Bureau of Statistics. Quando comearam a cobrar por suas publicaes, registrou-se uma sbita queda da demanda, indicando que a relao dos que recebiam, gratuitamente, as publicaes pelo correio continha um grande nmero de pessoas que realmente no queria a publicao. O mais interessante foi que entre os que manifestaram seu desejo de assinar a publicao, vrios assinalaram que o fariam somente no caso em que o formato e os contedos fossem modificados de maneira determinada, para satisfazer suas exigncias. Esse caso exemplifica a margem de benefcios que pode ser obtida a partir da cobrana ao usurio aumento da receita, aumento da apropriao por parte do usurio, melhores produtos. O PUMA elaborou algumas diretrizes para melhorar as prticas em matria de cobrana ao usurio, assinalando os riscos que devem ser levados em considerao no momento de criar um sistema desse tipo (OCDE, 1998:7-11). As diretrizes esclarecem que a cobrana ao usurio constitui um exigente MTM, dado que para a sua otimizao se faz

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necessrio um sistema de apresentao de contas progressivo, uma boa medio do desempenho e flexibilidade gerencial da organizao pblica para estabelecer e adaptar a cobrana. 3.4.3. Vouchers Em contraste com os MTMs considerados anteriormente, a introduo de esquemas de vouchers ou quase-vouchers tem se desenvolvido muito pouco com relao discusso terica de suas vantagens e limitaes. Os vouchers podem ser definidos como regimes nos quais os indivduos recebem (mediante um pagamento ou por alocao) a titularidade de um bem ou um servio que podem fazer efetivo mediante um determinado conjunto de fornecedores, quando eles o descontam em efetivo ou em formas equivalentes por parte de um rgo financiador (Cave, 1998: 3). Tradicionalmente, os vouchers tm assumido a forma de recibos de papel autorizando uma pessoa nomeada para receber um servio especfico, a partir de uma relao de fornecedores designados. As caractersticas bsicas dos vouchers so sua no-transferibilidade entre consumidores e sua falta de flexibilidade comparada com o dinheiro efetivo. As principais vantagens atribudas aos vouchers so sua capacidade de melhorar a eficincia dos custos, induzindo processos concorrentes entre fornecedores. O segundo objetivo a melhoria da eficincia da alocao, mediante a ampliao do leque de escolhas do consumidor. Em terceiro lugar, os vouchers para servios pblicos tambm oferecem a vantagem, para o governo, de orientar o consumo e redistribuir a renda. Embora os vouchers no tenham sido implementados em grande escala, eles tm suscitado um considervel interesse, particularmente como recurso para prover servios fundamentais tais como educao, atendimento a crianas e ancios bem como moradia. Os estudos sobre a utilizao dos vouchers em programas de moradia para os pobres nos Estados Unidos e a introduo de quase-vouchers em casas de atendimento de enfermaria no Reino Unido, pesquisaram, em particular, as dificuldades de implementao e os benefcios que tinham sido discutidos superficialmente na prtica, tais como a concorrncia imperfeita para promover a demanda latente, o marco de regulamentao, etc. (ver OCDE, 1993: 43-53). Os resultados desses estudos de caso demonstraram que os vouchers levavam a um rpido ajuste no fornecimento, implicavam baixos custos administrativos e ofereciam uma correspondncia satisfatria entre as preferncias dos receptores e os servios obtidos, sempre que houvesse mercados verdadeiramente competitivos, de fcil acesso, pequena margem para a apropriao de benefcios por parte de outros que no fossem os supostos receptores bem como informao acessvel. No entanto, os vouchers, por si ss, no podem compensar a incerteza na previso das apropriaes, e portanto, os custos poderiam continuar sendo incontrolveis.

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Em sntese, no que diz respeito aos mecanismos tipo mercado, vrios pases tm dado uma nfase especial aos MTMs visando gerar aumento de eficincia e melhoria do desempenho do setor pblico. Os MTMs tm sido, geralmente, reconhecidos como propiciadores de significativos ganhos de eficincia, em um perodo de tempo relativamente pequeno. 3.4.4. Contratao por desempenho Com a devoluo de autoridade e a criao de mercados internos no seio do setor pblico, o conceito clssico de responsabilidade, baseado nas hierarquias e no controle dos insumos e dos processos, deixou de ser apropriado. Uma abordagem tem tentado esclarecer e formalizar as relaes entre indivduos, organizaes e nveis administrativos do setor pblico por meio dos chamados contrato por desempenho. Esta classe de quase-contrato um acordo mtuo entre duas partes do setor pblico, nos quais uma parte (o principal ou o comprador) especifica um nvel de recursos que dado outra parte (o vendedor ou agente) bem como o tipo, quantidade e qualidade do desempenho a ser produzido em um determinado perodo de tempo. Os contratos por desempenho no necessariamente determinam o uso dos recursos e dos processos. No entanto, eles oferecem a um setor pblico mais descentralizado um marco de responsabilidade potencialmente diferente. Em todos os casos em que existe devoluo, existe tambm um espao e uma necessidade potencial para os contratos por desempenho: entidade superior e empregado, unidades de servio de apoio e unidades administrativas centrais, entre organizaes do setor pblico na esfera do Executivo e o Parlamento bem como entre diversos nveis de governo. Os contratos por desempenho podem apresentar-se sob diferentes formas, dependendo da estrutura da administrao pblica, do marco legal e do desenvolvimento da medio de desempenho em um pas. Um projeto do PUMA em andamento, relativo contratao por desempenho, examina o uso especfico e os contedos dessa modalidade de contratao em vrios pases (para maiores informaes, ver http://www.oecd.org/ puma/mgmtres/pac/performcon.htm). Estudos de caso em nove pases permitiram realizar algumas observaes preliminares relacionadas com suas prticas e seus resultados. Os contratos por desempenho entre ministrios/departamentos e agncias tm sido freqentes enquanto que os acordos contratuais, que incluem diferentes nveis de governo, constituem um fenmeno ainda emergente. Em grandes linhas, os contratos por desempenho podem ser considerados como uma ferramenta til para promover uma gerncia dirigida a resultados e avaliao no setor pblico. Os contratos por desempenho

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obrigam a todas as partes envolvidas a especificar metas de desempenho, a revis-las e, o que mais importante, a estabelecer um dilogo entre elas. Em vrios pases est acontecendo um debate sobre se os contratos de desempenho legais que no geram obrigaes poderiam e deveriam se transformar em contratos por desempenho legais geradores de obrigaes. O risco , no entanto, que a possvel soluo judicial dos conflitos resultasse em custos de transao mais elevados. Outra questo controvertida se a implementao dos contratos por desempenho entre duas partes (que freqentemente se colocam numa relao vertical) introduz uma nova hierarquizao no setor pblico, que em ltima estncia levaria a uma maior (e indesejvel) fragmentao. A presente tendncia a estabelecer mais associaes no setor pblico pareceria assinalar uma virada na direo de uma coordenao melhorada ou de uma produo conjunta por meio de determinados tipos de contrato por desempenho horizontais.

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4. Alguns problemas transversaisA introduo de princpios econmicos e gerenciais ( do setor privado) no setor pblico no somente modifica as organizaes do setor pblico envolvidas, mas tambm muda em profundidade a natureza do Estado como um todo. A nova situao representada pelos contratos e agncias gera alguns problemas transversais referentes s relaes no interior do Estado, mas que vo alm na medida em que as relaes entre o Estado, o mercado e a sociedade esto envolvidas. Por outro lado, os negociadores, freqentemente, desconsideram a dimenso temporal das reformas da gerncia pblica. Isso significa no apenas que os problemas de implementao sejam subestimados. Freqentemente, pode-se verificar a existncia de um conhecimento inadequado sobre as diferentes etapas do processo de reforma, bem como da demanda por ele apresentada de solues diferentes e de mudana das aptides gerenciais. Muitas das implicaes de longo prazo das reformas organizacionais e gerenciais s se tornam visveis na atualidade. Em todo caso, fica evidente, para todos os pases que implementaram elementos da nova gerncia pblica, que no h um caminho de volta em direo s antigas formas do Estado e da administrao pblica. O estudo de alguns dos principais problemas transversais demonstra que a nova gerncia pblica muito mais exigente do que poderia sugerir uma olhada superficial aos princpios de gerncia. 4.1. Responsabilidade (accountability) A questo mais discutida da nova gerncia pblica, sem dvida, a implicao para as relaes de responsabilidade (accountability) entre os

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gerentes pblicos e os empregados, os ministrios e os rgos autnomos ou agncias, entre a administrao pblica e as autoridades polticas, a administrao pblica e os cidados, o Legislativo e o poder Executivo do governo, e entre os setores pblico e privado para o fornecimento de servios. A responsabilidade mantm uma relao estreita com a nova gerncia pblica, j que seu crescimento tem sido um dos objetivos explcitos de todas as reformas administrativas. O ponto de vista estritamente instrumental da responsabilidade por parte da nova gerncia pblica que se centra nos resultados promover mecanismos de responsabilidade atentos aos objetivos da ao pblica (Martin, 1997). Os mecanismos de responsabilidade correspondentes sero compatveis com as idias bsicas da gerncia de desempenho, que inclui a tarefa de estabelecer expectativas do desempenho, o registro da informao confivel a respeito do que foi alcanado, a necessidade de avaliar se as expectativas prvias foram satisfeitas, e a necessidade de oferecer retroalimentao sobre o desempenho alcanado, mantendo a responsabilidade por meio de incentivos positivos ou de sanes negativas. Os dilemas emergem do fato de que a responsabilidade poderia tambm ser considerada como uma finalidade em si mesma. Esse o caso, especificamente, de pases com Leis Administrativas, nos quais o funcionamento da administrao pblica baseia-se em princpios e procedimentos democraticamente legitimados, centrados mais nos insumos do que nos resultados. Essas duas posies podem no ser inerentemente incompatveis, na medida em que a responsabilidade baseada nos insumos capaz de melhorar quando se soma a ela o interesse com relao aos resultados. No obstante, a nfase colocada nos meios em oposio nfase colocada no objetivo, tambm estabelece limites devoluo da autoridade. Duas classes de conseqncias podem decorrer dessa situao: a nova gerncia pblica poderia ter de realizar transaes entre a eficincia e outros valores do setor pblico tais como a eqidade, ou pode ser que a plena realizao da nova gerncia pblica exija mudanas mais amplas no marco legal e institucional de alguns pases. A rea cinza entre a responsabilidade gerencial e a responsabilidade poltica continua sendo, particularmente, problemtica. No Reino Unido, em particular, h um permanente debate a respeito da responsabilidade ministerial em oposio responsabilidade pblica dos funcionrios. Enquanto alguns comentaristas argumentam que o aumento da transparncia do comportamento dos funcionrios fortalece os princpios de responsabilidade poltica (Martin, 1997:4), outros afirmam que a disponibilidade de informao sobre o desempenho tem fortalecido a responsabilidade gerencial, mas simultaneamente, tem enfraquecido a responsabilidade poltica (Pollit, Birchall & Putnam, 1998:26).

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Uma observao relevante nesse contexto que a reforma da gerncia do servio pblico no tem sido geralmente acompanhada de nveis significativos de reforma poltica (Walsh, 1995:221). Os debates polticos continuam centrados nos insumos mais do que nos resultados e nos produtos, e a gerncia por desempenho no est, suficientemente, integrada no processo oramentrio. 4.2. tica As reformas na gerncia pblica tm afetado tambm a gerncia do comportamento tico de vrias maneiras. Os crticos da nova gerncia pblica fazem predies de aumento da corrupo no novo Estado de contratos e de agncias, que outorga mais liberdade s organizaes do setor pblico e aos empregados do setor, individualmente considerados. Outra linha de crtica afirma que a nova gerncia pblica promove unilateralmente, valores econmicos em detrimento de outros valores tais como o bem comum. Esses argumentos baseiam-se em percepes individuais, quando no em preconceitos, mais do que nos fatos. Certamente, h poucos estudos empricos, se que os h, que comparam o comportamento tico antes e depois da implementao de reformas significativas na gerncia pblica. No obstante, evidente que tais reformas tm questionado os valores tradicionais do setor pblico. Um olhar mais atento s implicaes da nova gerncia pblica em relao gerncia tica identifica, nesta rea, os problemas abaixo (OCDE, 1996b:19-26): As reformas incluram mudanas no status das organizaes do setor pblico em conseqncia da corporatizao ou semiprivatizao. Isso coloca a pergunta de em que medida as corporaes pblicas e organizaes similares tendem a se encaixar dentro das mesmas diretrizes ticas e comportamentais que o centro do setor pblico. As reformas levaram ao desenvolvimento de novas formas de organizaes no setor pblico, tais como os rgos (semi) autnomos. Estas novas agncias, freqentemente, tm utilizado sua liberdade gerencial para definir seus prprios parmetros ticos. Essa tendncia tem sido reforada pelo incremento do recrutamento no setor privado, geralmente para os cargos de gerncia ou para posies de liderana. Como conseqncia, coloca-se a questo da possvel ruptura da coerncia do ethos anterior do servio pblico e da sua possvel e progressiva fragmentao. O aumento da liberdade gerencial no seio das organizaes pblicas aumentou tambm as oportunidades para a configurao de um comportamento irregular. O comportamento irregular no um problema tico quando ele reflete mais uma inovao do que um desvio de conduta. O aumento da liberdade de ao, porm, passa a se constituir num problema

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tico quando os sistemas de informao gerencial e as estruturas de responsabilidade no avanam no mesmo ritmo que a devoluo de autoridade. Conseqentemente, a devoluo exige o estabelecimento de uma nova infra-estrutura tica. As reformas tenderam a dissipar a fronteira entre o setor pblico e o setor privado. O aumento do intercmbio entre os setores pblico e privado coloca novos e numerosos dilemas que devem ser assumidos em nvel poltico. Por exemplo: a concorrncia de mercado entre organizaes dos setores pblico e privado implica que o setor pblico tambm tem direito a revelar informaes aos cidados no caso da existncia de efeitos negativos para a concorrncia? A necessidade de uma conduta tica no servio pblico tem sido orientada pela globalizao e intensificao do comrcio internacional. Para responder a estes desafios, os pases da OCDE desenvolveram doze princpios, orientando os pases a revisar as instituies, os sistemas e os mecanismos de que dispem para promover a tica no servio pblico (ver Anexo 2). Essa relao criada para a gerncia da tica foi adotada como uma recomendao da OCDE em abril de 1998. Ela cria o marco adequado para a reviso das experincias nacionais, visando a promoo de um aprendizado recproco no campo da gerncia e da tica no servio pblico. 4.3 Eleio de polticas e instrumentos de polticas Os problemas de responsabilidade, bem como os dilemas no resolvidos em questo de tica, colocam e revelam o fato de que as reformas da gerncia pblica envolvem a interao de processos polticos, organizaes, polticas pblicas e instrumentos de polticas. Uma eleio mais racional dos instrumentos de polticas requer uma nova infra-estrutura institucional e capacidades gerenciais da parte dos polticos eleitos. Por exemplo, na Sucia, a reviso nacional do processo central de oramento evidenciou que a expanso dos nveis de assessoria parlamentares ou a criao de um escritrio de oramento independente e responsvel, junto ao Parlamento, ajudaria os polticos eleitos a dispor de mais informaes relativas ao desempenho do Poder Executivo e a fazer melhor uso dessa informao. Uma pesquisa da OCDE sobre o papel do Legislativo no processo oramentrio revela que em todos os pases da OCDE, os corpos polticos eleitos do nvel central, freqentemente, no se ajustaram s novas realidades na administrao pblica. As estruturas parlamentares, oramentrias e regulamentadoras, bem como o controle parlamentar, continuam sem mudanas em grande parte, embora cada vez mais sejam percebidos

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como inadequados pelos parlamentares. Atualmente, observam-se quatro tipos de tendncias: 1) mais declaraes agregadas de polticas fiscais junto ao Legislativo, onde os nveis consolidados de rendas governamentais, despesas, dficit e dvidas so propostos de maneira geral; 2) aumento do papel dos comits, incluindo uma diviso mais acentuada de responsabilidades entre o comit oramentrio e os comits setoriais; 3) melhorias nos relatrios apresentados ao Legislativo, podendo incluir um leque de medidas que a abrangem desde a simples atualizao do formato da documentao oramentria at a introduo de mudanas fundamentais no seu contedo; 4) mais recursos para o Legislativo atravs da promoo do staff no-poltico dos comits, estabelecendo escritrios para dar assistncia aos parlamentares e aumentando os fundos dos partidos polticos, com a finalidade de propiciar um grau mais elevado de conhecimento em matria oramentria. Da parte do Poder Executivo, os instrumentos tradicionais de polticas esto, geralmente, ligados s instituies ou ao contexto cultural das reas particulares das polticas pblicas. Por exemplo, uma agncia responsvel pelo controle da poluio da sade pblica poderia considerar que a substituio de um instrumento como os incentivos econmicos por uma regulamentao direta seria difcil de ser aceita, ou sequer ser considerada objetivamente, em funo da incerteza dos resultados e da percepo de perda de poder. Um estudo do PUMA sobre a escolha dos instrumentos de poltica desenvolveu um marco geral identificando e reunindo 22 instrumentos segundo as classes de recursos utilizados. Esses instrumentos agrupam-se nas cinco categorias abaixo (PUMA, 1997b:3): financiados pela despesa nacional direta do oramento nacional; custos oramentrios indiretos ou intermitentes; disposies impositivas especiais para alcanar objetivos programticos; crditos e seguros; controle pblico no financiado ou influncia da atividade privada. O marco sugere que os instrumentos de poltica podem ser analisados em termos de eficincia, efetividade, eqidade, custos, intrusividade e responsabilidade (PUMA, 1997:3). Isso pode ser percebido como um tipo de ferramenta capaz de avaliar os custos e os benefcios de instrumentos especficos que fazem parte de reformas, em andamento ou futuras, da gerncia pblica.

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5. Preocupaes persistentesA NPM no , em absoluto, um conceito simples. A deciso dos lderes polticos ou administrativos de introduzi-la no setor pblico envolve opes difceis tais como que classes de elementos escolher dentro do menu da NPM e como combinar esses elementos. Como foi demonstrado na discusso de alguns problemas transversais, a introduo da NPM leva tambm a uma srie de problemas de segunda ordem que devem ser enfrentados. 5.1. Pr-requisitos para a introduo da NPM Na medida em que esses problemas aparecem, h uma maior conscientizao da parte dos pases de que a NPM no apenas requer uma concepo consistente da reforma, seno tambm uma bem fundamentada gesto da mudana em todos os nveis e em todas as etapas do processo da reforma. Os obstculos que vrios pases, incluindo aqueles pioneiros, tm enfrentado ao implementar as reformas, coloca tambm uma questo fundamental relativa aplicabilidade geral das mesmas. Em especial, a experincia dos pases da Europa Central e Oriental (CEEC) indica que devem cumprir-se algumas condies prvias para ser capaz de implementar com sucesso alguns conceitos da gerncia moderna. Se no se conta com estruturas e sistemas fundamentais, pouco provvel que a NPM seja a resposta adequada. Por exemplo, oito anos depois do incio da transio democracia, a administrao pblica na CEEC continua enfrentando uma srie de problemas estruturais. Um projeto europeu de pesquisa identificou quatro problemas principais na Bulgria, Hungria e Eslovquia (ver Erheijen, 1996: 8f; Erheijen, 1997:207-219): fragmentao vertical e horizontal, conduzindo a ineficincia e duplicao, bem como a atrasos no desenvolvimento e na implementao das polticas; alta rotao entre os funcionrios dos primeiros escales do servio civil, resultando num elevado nvel de instabilidade da administrao pblica; falta de capacidade para a elaborao das polticas agravada pelo alto nvel de rotao entre os servidores pblicos de maior hierarquia e a ausncia de induo e de facilidades para o treinamento em servio; debilidade dos sistemas de responsabilidade, em funo da falta de instituies bsicas, tais como os escritrios de auditoria. Devido aos problemas estruturais dos pases que fazem parte da CEEC, inevitvel ter dvidas a respeito da viabilidade de algumas reformas no sentido da NPM. A fragmentao da administrao num

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determinado nmero de unidades menores direcionadas a tarefas, provavelmente agravar os problemas de coordenao j existentes. Cabe esperar, tambm, que a liberalizao das condies de emprego, no estado atual do servio civil desses pases, levem ao aumento da politizao, promovendo conseqentemente a instabilidade, ao invs de reduzi-la. A introduo da NPM poderia, inclusive, incrementar o nvel de corrupo, se no se elaboram mecanismos transparentes para a nomeao dos chefes executivos das agncias. Em termos gerais, a experincia demonstra que a aplicao integral da NPM em sistemas de administrao imaturos no desejvel em funo da ausncia de resultados positivos e tambm do surgimento de disfunes provocadas por tais reformas. O potencial aumento de eficincia que se poderia alcanar, mediante a adoo das reformas da NPM, certamente seria superado pelos custos resultantes dos problemas de coordenao e do aumento da instabilidade. 5.2. Gerenciando o processo de reforma primeira vista, muitas reformas com a orientao da NPM parecem sugerir que o progresso normal de uma reforma da gerncia pblica segue um padro racional, com uma primeira etapa de natureza conceitual e um subseqente processo de implementao. Esse padro simples de reformas administrativas baseia-se na idia de que existe uma nica forma tima de se chegar aos objetivos, que toda a informao necessria sobre estratgias e instrumentos est disponvel, que no existem riscos envolvidos e que os objetivos originais da reforma permanecem imutveis no tempo. No decurso da primeira onda de reformas nos anos 80, ficou evidenciado que as reformas direcionadas NPM seguem diversos rumos, impulsionadas pela presso de uma informao incompleta; e face incerteza a respeito das condies para atingir os objetivos, implicam assumir riscos e complicam-se pela modificao dos objetivos, por parte dos participantes envolvidos. A deciso em favor de uma ou outra estratgia de reforma baseiase, geralmente, em alguns pressupostos relativos a sua superioridade em comparao com outras estratgias de reforma. Um pas, por exemplo, pode necessitar escolher entre limitar, inicialmente, as reformas direcionadas NPM, a determinados setores da administrao pblica, e um enfoque de reforma global desde o incio. Envolvido nesta escolha est o enfoque de precauo, que permite aprender fazendo, e um enfoque radical que evita atrasos na implementao e implica em incerteza e riscos aumentados. Em geral, os agentes de mudana possuem escassa informao sobre as diversas conseqncias prticas vinculadas com as decises adotadas e com os respectivos fatores de sucesso.

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Essa falta de informao envolve, automaticamente, um certo incremento do risco. Certamente, h esquemas disponveis que consideram que o risco-mdio de fracasso nas inovaes organizacionais no setor privado chegam a 70-80%. H motivos para pensar que o risco mdio de fracasso menor no setor pblico? Os problemas de implementao que vrios pases tm enfrentado ao longo do processo de reforma administrativa demonstram a existncia de poucas razes para ser otimista. Ao mesmo tempo, o exagero subjetivo do risco, que freqentemente surge em etapas crticas do processo de reforma, tem como conseqncia o debilitamento das reformas. Por conseguinte, importante para o sucesso da reforma da gerncia pblica que se desenvolva uma estratgia de manejo do risco, desde o incio do processo, e se coloque em andamento mecanismos de monitoramento e avaliao das reformas.

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6. ConclusesAps uma dcada e meia de reformas direcionadas NPM em alguns pases-membro da OCDE, existem muitos indicadores sobre o que aproveitar e o que abandonar desse enfoque. O debate ideolgico realizado tem percebido a NPM como uma finalidade em si mesma, que define um estado desejvel da administrao pblica em termos de estrutura, funcionamento e resultados. No entanto, a evoluo da NPM demonstra que ela deve ser compreendida e utilizada como um conjunto de princpios capazes de constituir as bases para a soluo de alguns problemas especficos, em determinados setores da administrao pblica, sendo os mesmos implementados adequadamente. Este ponto de vista sobre a NPM origina as seguintes sugestes: 1) Os pases deveriam adotar um enfoque pragmtico para as reformas da administrao pblica, ao invs de seguir dogmas ou modas nesse campo. A implementao da NPM em vrios pases tem demonstrado que, primeiramente, deve-se levar em considerao as circunstncias nacionais e locais, bem como a diversidade organizacional dentro de cada pas. Um determinado conceito relativo reforma poderia funcionar em um determinado setor de polticas mas no necessariamente em outro, uma vez que as estruturas e as culturas organizacionais so diferentes. 2) Existe a necessidade de identificar e de definir, claramente, uns poucos objetivos de reforma, que devero estabelecer-se aps uma cuidadosa anlise dos problemas enfrentados pela administrao pblica. Num segundo momento, devero ser exploradas as possveis alternativas, que sero avaliadas em termos de custos e benefcios. 3) essencial incluir a dimenso humana no processo de reforma. Uma das razes clssicas pela qual numerosas reformas da gerncia

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pblica fracassaram no passado foi a falta de informao s pessoas sobre a direo da mudana, a fim de que elas pudessem contribuir com o processo e apoi-lo adequadamente, quando as crticas aumentaram. 4) Ao se fazer a opo pela reforma, preciso examinar se se cumprem os pr-requisitos necessrios a uma implementao de sucesso. Por exemplo, antes do lanamento de uma poltica de contratao externa, deve-se ter a certeza de que existe um setor privado em funcionamento, de que os sistemas de responsabilidade funcionam bem e de que existe capacidade para gerenciar um contrato. 5) As capacidades de adaptao e de aprendizado devem existir no setor pblico. O estabelecimento de mecanismos de aprendizagem tais como as avaliaes regulares, as pesquisas de opinio de cidados e empregados no constituem apenas um fator de sucesso para manejar toda a classe de processo de reforma da gerncia pblica, mas tambm so um incentivo para que os lderes polticos olhem alm das reformas em andamento e demonstrem ter capacidade de resposta diante dos desafios do futuro. No presente perodo de intensas mudanas e de turbulncia potencial, cada pas ter que se perguntar quais so os desafios em relao ao seu prprio bom governo. A nova gerncia pblica pode ser utilizada como veculo para aproximar-se de algumas das respostas e para acessar outros problemas que exigem ser enfrentados.

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Notas

1 Verso corrigida do documento apresentado no III Congresso Internacional do CLAD

sobre a Reforma do Estado e da Administrao Pblica, realizado em Madrid, Espanha, de 14 a 17 de outubro de 1998. Os pontos de vista expressos neste documento pertencem aos autores e no, necessariamente, representam os da OCDE nem os do seu Servio de Gerncia Pblica. O presente artigo foi publicado na Revista del CLAD, Reforma y Democracia, n.13, febrero/1999.

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Referncias bibliogrficas

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Anexo 1

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OCDE/PUMAO Comit de Gerncia Pblica (PUMA) da OCDE, depois de ter sido o primeiro nesse campo, tem se transformado em um frum intergovernamental de vanguarda em relao aos problemas do governo, da gerncia e da reforma do setor pblico, bem como da modernizao administrativa. amplamente utilizado pelos 29 governos-membro da OCDE, e cada vez mais utilizado mundialmente, como fonte original de informao autorizada. Em 1996, realizou um simpsio para ministros. Atualmente, as atividades do Comit esto relacionadas com: polticas pblicas e processos decisrios; regulamentao efetiva; gerncia oramentria e financeira; problemas de desempenho; recursos humanos; tica no servio pblico; pagamentos no setor pblico; interao com os cidados e a sociedade civil; e relaes entre os diferentes nveis de governo. O Servio PUMA fornece ao Comit informao, anlises e avaliao; promove intercmbios de experincias entre altos funcionrios governamentais; e prepara relatrios e diretrizes para responsveis pela elaborao das polticas. Ao proporcionar comentrios bem informados solicitados por um pas em particular, pode desempenhar um papel fundamental de apoio aos esforos nacionais para a reforma. A informao comparativa desenvolvida oferece um ponto de referncia a partir do qual os pases podem avaliar como se localizam em relao a outros membros da OCDE, fornecendo, assim, ferramentas para a mudana. O PUMA tambm trabalhou com a Europa Central e Oriental por meio do SIGMA (Support for Improvement in Governance and Management). Trata-se de uma iniciativa conjunta do Centro para a Cooperao com No-Membros (CCNM) e do Programa PHARE da Unio Europia, financiado fundamentalmente por PHARE. SIGMA apia os esforos de reforma da administrao pblica em 13 pases em transio. Desde 1990, o PUMA tem publicado mais de 6 relatrios sobre gerncia pblica. Mais informaes podem ser obtidas no site: www.oecd.org/puma.

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Anexo 2

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Princpios para gerenciar a tica no servio pblicoTexto da Recomendao da OCDE 1998 Prefcio 1) A observao de uma conduta impecvel no servio pblico passou a ser uma exigncia crtica para os governos dos pases-membro da OCDE. Os valores tradicionais do servio pblico tm sido questionados pelas reformas da gerncia pblica que implicam numa maior atribuio de responsabilidades e de discricionariedade aos servidores pblicos, pelas presses oramentrias e pelas novas formas de fornecimento de servios pblicos. A globalizao e os avanos no desenvolvimento das relaes econmicas internacionais, incluindo o comrcio e o investimento, exigem parmetros de conduta no servio pblico capazes de suscitar um amplo reconhecimento. A preveno dos desvios de conduta to complexa como o fenmeno do desvio de conduta em si mesmo, sendo necessrio contar com um leque de mecanismos integrados para alcanar o sucesso nesta rea, incluindo sistemas bem fundamentados para gerenciar a tica. A crescente preocupao em torno do declnio da confiana no governo e da corrupo, levou os governos a reverem suas posies em relao ao comportamento tico. 2) Em respostas aos desafios anteriormente mencionados, os pases da OCDE desenvolveram um conjunto de princpios expostos a seguir. Os doze princpios foram estabelecidos visando ajudar os pases a revisar as instituies, os sistemas e os mecanismos de que dispem para promover a tica no servio pblico. So identificadas as funes de orientao, gerncia ou controle em relao s quais podem ser comparados os sistemas de gerncia da tica. Esses princpios condensam a experincia dos pases da OCDE, e refletem pontos de vista compartilhados em relao a uma gerncia da tica bem fundamentada. Os pases-membro encontraram suas prprias formas de equilibrar aspiraes e concepes, visando concretizar um marco efetivo adequado as suas prprias circunstncias. 3) Os princpios podem ser utilizados pela gerncia em nveis nacionais e subnacionais de governo. Os lderes polticos podem utiliz-los para revisar os regimes de gerncia da tica e avaliar em que medida a mesma operacionalizada nas dependncias governamentais. Os princpios

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pretendem ser um instrumento que os pases adaptaram s suas condies nacionais. Eles no so suficientes em si mesmos, mas deveriam ser vistos como uma forma de integrao da gerncia da tica no contexto mais amplo da gerncia pblica.

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Princpios para a gerncia da tica no servio pblico1) Os parmetros ticos para o servio pblico deveriam ser claros. Os servidores pblicos necessitam conhecer os princpios bsicos e os parmetros que se espera que eles apliquem em seus trabalhos e onde se encontram os limites de um comportamento aceitvel. Uma declarao concisa, bem divulgada dos parmetros de tica essenciais e dos princpios que orientam o servio pblico, por exemplo, na forma de um cdigo de conduta, pode cumprir essa diretriz, criando um consenso compartilhado nas dependncias governamentais e no seio da comunidade em geral. 2) Os parmetros ticos deveriam estar refletidos num marco legal. O marco legal a base para a comunicao dos parmetros mnimos e dos princpios de comportamento para todos os servidores pblicos. As leis e os regulamentos deveriam estabelecer os valores fundamentais do servio pblico e oferecer um marco de referncia para a orientao, a pesquisa, a ao disciplinar e a efetivao dessa ao. 3) A orientao tica deveria estar disposio dos servidores pblicos. A socializao profissional deveria contribuir para o desenvolvimento dos conceitos e das aptides, capacitando os servidores pblicos a aplicar princpios ticos em circunstncias concretas. O treinamento propicia a conscientizao desde o ponto de vista tico e pode desenvolver as aptides essenciais para a anlise tica e o raciocnio moral. Uma assessoria imparcial pode contribuir para criar um contexto no qual os servidores pblicos estejam mais propensos a enfrentar e a resolver tenses e problemas de ndole tica. Mecanismos de orientao e de consulta interna deveriam estar disposio dos servidores pblicos para ajud-los na aplicao de parmetros ticos em seu trabalho. 4) Os servidores pblicos deveriam conhecer seus direitos e obrigaes caso seja descoberta alguma atuao incorreta. Esse conhecimento necessrio para o reconhecimento de uma atuao incorreta real ou suposta no servio pblico. A esse respeito, deveriam incluir-se normas e procedimentos claros a serem seguidos pelos funcionrios e uma cadeia formal de responsabilidades. Os servidores

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pblicos necessitam saber qual a proteo a que podero ter direito no caso em que seja descoberta uma atuao incorreta. 5) O compromisso poltico com a tica deveria reforar o comportamento tico dos servidores pblicos. Os lderes polticos so responsveis pela manuteno de um elevado nvel de honestidade na realizao de suas tarefas oficiais. Seu compromisso demonstra-se atravs do exemplo, levando a cabo aes que somente so possveis em nvel poltico, por exemplo, estabelecendo acordos em torno de disposies legislativas e institucionais capazes de reforar o comportamento tico, gerando sanes contra as formas incorretas de procedimento, oferecendo apoio e recursos adequados para as atividades relacionadas com a tica em todas as dependncias governamentais, e evitando a explorao de normas e leis ticas com objetivos polticos. 6) O processo de tomada de decises deveria ser transparente e aberto ao escrutnio. O pblico tem direito de conhecer como as instituies pblicas utilizam o poder e os recursos que lhes so confiados. O escrutnio pblico deveria ser facilitado por processos transparentes e democrticos, supervisionado pelo Legislativo e acessvel informao pblica. A transparncia deveria ser promovida cada vez mais atravs de medidas tais como a abertura dos sistemas e o reconhecimento do papel desempenhado por meios de comunicao ativos e independentes. 7) Deveria haver diretrizes claras para a interao entre os setores pblico e privado. Normas claras que definam os parmetros ticos deveriam orientar os comportamento dos servidores pblicos nas suas relaes com o setor privado, por exemplo, no que diz respeito procuradoria pblica, contratao externa ou s condies de emprego pblico. O incremento da interao entre os setores pblico e privado requer que se preste uma maior ateno aos valores do servio pblico e que se exija dos participantes externos o respeito desses valores. 8) Os gerentes deveriam demonstrar e promover um comportamento tico. Um ambiente organizacional no qual se promovam elevados nveis de comportamento atravs de incentivos apropriados para o desenvolvimento desse tipo de conduta, tais como condies adequadas de trabalho e uma efetiva avaliao do desempenho, exerce um impacto direto na prtica cotidiana de valores e parmetros de tica no servio pblico. Os gerentes desempenham um papel importante neste aspecto, oferecendo uma liderana consistente e cumprindo o papel de modelo em termos de tica e de comportamento na sua relao profissional com lderes polticos, com outros servidores pblicos e com os cidados.

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9) Polticas, procedimentos e prticas de gerncia deveriam promover um comportamento tico. As polticas e as prticas de gerncia deveriam demonstrar o compromisso da organizao com os parmetros ticos. No suficiente para os governos terem, somente, estruturas baseadas na norma ou no consentimento. Os sistemas baseados, exclusivamente, no consentimento podem, inadvertidamente, estimular os servidores pblicos a funcionar simplesmente no limite da ilegalidade, argumentando que j que no esto violando as leis, esto atuando eticamente. As polticas governamentais no deveriam apenas delinear os parmetros mnimos a partir dos quais as aes dos funcionrios no seriam toleradas, mas articular tambm claramente, um conjunto de valores do servio pblico aos quais os empregados deveriam aspirar. 10) As condies do servio pblico e a gerncia de recursos humanos deveriam promover uma conduta tica. As condies do emprego pblico, tais como as perspectivas de carreira, o desenvolvimento pessoal, uma remunerao adequada e polticas de gesto dos recursos humanos deveriam criar um ambiente propcio ao comportamento tico. A adoo de princpios bsicos, tais como o merecimento, de forma consistente nos processos cotidianos de recrutamento e de promoo, contribuem para a operacionalizao da integridade no servio pblico. 11) Mecanismos adequados de responsabilidade deveriam instalar-se no seio do servio pblico. Os servidores pblicos deveriam ser responsveis pelas suas aes junto a seus superiores, e de maneira mais geral, junto ao pblico. A responsabilidade deveria centrar-se na aceitao de norma e princpios ticos, bem como na obteno de resultados. Os mecanismos de responsabilidade podem ser internos a uma agncia, ou estarem em vigor para todas as dependncias governamentais, ou podem ser colocados pela sociedade civil. Os mecanismos que promovem a responsabilidade podem ser desenhados para oferecer controles adequados, ao mesmo tempo em que permite uma apropriada flexibilidade gerencial. 12) Procedimento e sanes apropriadas deveriam existir para manejar os desvios de condutas. Os mecanismos para a deteco e a investigao independente das aes incorretas, tais como a corrupo, constituem uma parte necessria da infra-estrutura tica. preciso contar com procedimentos e recursos confiveis para monitorar, informar e investigar as transgresses das normas do servio pblico, bem como para aplicar as correspondentes sanes administrativas ou disciplinares com o efeito de desestimular essas transgresses. Os gerentes deveriam capacitar-se para fazerem uso apropriado destes mecanismos quando se faz preciso empreender aes.

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Resumo Resumen Abstract

RSP Revista do Servio Pblico Ano 50 Nmero 2 Abr-Jun 1999

A nova gerncia pblicaDerry Ormond e Elke Lffler Os autores discorrem sobre o significado do conceito de nova gerncia pblica, oriundo do termo New Public Management (NPM), a partir do enfoque com que o mesmo utilizado na prtica em vrios pases-membro da OCDE. De certa forma, retratam a experincia que ambos adquiriram no trabalho desenvolvido no PUMA (Public Management Committee), enquanto organismo dedicado aos problemas do governo, gerncia e reforma do setor pblico e sua respectiva modernizao administrativa. So abordados vrios temas sob a tica do novo paradigma, entre eles a devoluo/descentralizao de autoridade, a flexibilizao do processo oramentrio e da gerncia de pessoal, a adoo de mecanismos de mercado (contratao externa, cobrana ao usurio, vouchers e contratos por desempenho), bem como os problemas resultantes ligados accountability, tica, escolha de polticas e instrumentos mais adequados. Os autores apontam os pr-requisitos para a introduo da NPM bem como a necessidade de um cuidadoso processo de gerenciamento da reforma.

La nueva gerencia pblicaDerry Ormond e Elke Lffler Los autores discurren sobre el significado de nueva gerencia pblica, oriundo del trmino New Public Management (NPM), a partir del enfoque con que el mismo es utilizado en la prctica en varios pases miembros de la OCDE. De cierta manera, los autores retratan la experiencia que ambos adquirieron en el trabajo desarrollado en el PUMA (Public Management Committee), en su calidad de organismo dedicado a los problemas del gobierno, de la gerencia y reforma del sector pblico y de su respectiva modernizacin administrativa. Se abordan varios temas bajo la ptica del nuevo paradigma, entre ellos la delegacin/ descentralizacin de autoridad, la adopcin de mecanismos de mercado (contratacin externa, cobro al usuario, vouchers y contratos por desempeo) y asimismo los problemas resultantes vinculados a la imputacin de responsabilidad, a la tica, la eleccin de polticas e instrumentos ms adecuados. Los autores indican los requisitos previos para la introduccin del NPM y la necesidad de un cuidadoso proceso de gerencia de la reforma.Derry Ormond trabalhou na Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE) de 1962 a 1998, na rea de gerncia pblica, o que originou a criao do Public Management Committee (PUMA). Elke Lffler trabalha na OCDE, desde 1997, no Servio de Gerncia Pblica

The new public managementDerry Ormond e Elke Lffler The authors elaborate on the meaning of the concept of new public management (NPM), starting from the approach with which it is used in practice in several OECD member countries. They depict, somehow, the experience both of them acquired in the work they developed within PUMA (Public Management Committee), as an organisation devoted to government, management and public sector reform problems and their respective administrative modernisation. Several subjects are dealt with therein, under the optics of the new paradigm, amongst them the delegation/decentralisation of authority, the changes in the budgeting process and of personnel management aimed at rendering them more flexible, the adoption of market mechanisms (outsourcing, collection form users, vouchers and performance contracts), as well as the ensuing problems pertaining to accountability, ethics, and the choice of the most appropriate policies and instruments. The authors indicate the prerequisites for introducing NPM, as well as the need for a careful process of reform management.Contato com o autor: [email protected]

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Desafios da administrao pblica brasileira: governana, autonomia, neutralidade1Maria das Graas Rua

RSP Revista do Servio Pblico Ano 48 Nmero 3 Set-Dez 1997

1. IntroduoO objetivo deste texto contribuir para o debate do problema da neutralidade da burocracia versus o requisito da autonomia de deciso, elemento fundamental do modelo de administrao pblica gerencial. Este problema assume especial relevncia frente aos objetivos de aumentar a governana do Estado e constitui um dos desafios centrais do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, particularmente no que diz respeito forma de administrao do chamado ncleo estratgico responsvel pela definio das leis e polticas pblicas e das atividades exclusivas de Estado caracterizadas pelo exerccio do poder de legislar e tributar, fiscalizando, regulamentando e transferindo recursos. No ambiciono apresentar solues. Ao contrrio: pretendo somente iniciar um levantamento das graves dificuldades que o problema impe. Para isto, organizei a discusso em quatro sees. Na primeira, apresento rapidamente os conceitos de governabilidade e governana, procurando chamar a ateno para o fato de que a distino entre eles representa apenas um recurso analtico e argumento que: a) a atividade poltica est presente em ambos; e b) o modelo de administrao pblica burocrtica exibe contradies no somente devido aos desafios colocados atividade governamental pelas mudanas do mundo contemporneo, mas tambm em razo das clivagens que estabelecem entre racionalidade instrumental e neutralidade burocrtica, por um lado, e o exerccio da autoridade e da deciso poltica, por outro. Na segunda seo, a partir das distines clssicas de Max Weber entre poltica e administrao, polticos e burocratas, procuro caracterizar a neutralidade burocrtica e mostrar que representa, na realidade, apenasMaria das Graas sociloga, doutorada em Cincia Poltica pelo IUPERJ e professora do Departamento de Relaes Internacionais da UnB

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um dos elementos de uma construo tpico-ideal, cada vez mais distante de qualquer correspondncia com o mundo real. E sustento que, ainda que a neutralidade burocrtica fosse realmente possvel, cabe indagar pelo menos sobre: a) como torn-la uma caracterstica efetiva e consolidada do comportamento dos agentes da administrao pblica; e b) quais as suas conseqncias sob a tica dos valores democrticos mais amplos. Em seguida, comento rapidamente o processo de mudana do modelo de administrao pblica; e apresento algumas das caractersticas do chamado Modelo de Administrao Pblica Gerencial que, em lugar da neutralidade, implicam elevado grau de autonomia por parte dos agentes burocrticos em especial a flexibilidade, a descentralizao e horizontalizao das estruturas e a participao dos atores sociais. Por fim, apresento algumas consideraes finais, procurando mostrar que, da mesma maneira que a neutralidade, a autonomia burocrtica apresenta dificuldades e que a proposta da autonomia imersa ou autonomia inserida exibe implicaes que merecem reflexo mais demorada.

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2. Governabilidade, governana e administrao pblica burocrticaDentre os muitos e complexos desafios da reforma do Estado, um vem se destacando pela sua recente incluso no debate poltico e acadmico: a capacidade do sistema poltico de responder satisfatoriamente s demandas da sociedade e de enfrentar os desafios da eficincia e eficcia da ao pblica em contextos de complexidade e incerteza crescente. Nesse sentido, dois diferentes conceitos tm ocupado o centro da discusso, cada um deles referindo-se a uma dimenso do problema. A primeira refere-se s condies sistmicas do exerccio do poder, e envolve as caractersticas do sistema poltico, a forma de governo, as relaes entre os poderes, o sistema partidrio, o sistema de intermediao de interesses e outras (DINIZ, 1996). Trata-se da dimenso da governabilidade, cuja discusso remonta dcada de 60 (HUNTINGTON, 1968; 1975; HABERMAS ,1987; OCONNOR , 1973) A outra diz respeito maneira pela qual o poder exercido na administrao dos recursos econmicos e sociais, tendo em vista o desenvolvimento e envolve os modos de uso da autoridade, expressos mediante os arranjos institucionais que coordenam e regulam as transaes dentro e fora dos limites da esfera econmica (MELO, 1996). Trata-se da dimenso da governana, cujo conceito de formulao bastante recente pode ser resumido como o conjunto das condies financeiras e administrativas de um governo para transformar em realidade as decises que toma (BRESSER PEREIRA, 1997).

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Esta ltima dimenso mostra-se particularmente relevante no caso brasileiro, quando se tem em mente as constataes recentes de que, em lugar da suposta paralisia decisria, o que tem se observado a incapacidade do governo no sentido de implementar as decises que toma. Dessa forma, hiperatividade decisria da cpula governamental contrape-se a falncia executiva do Estado, que no se mostra capaz de tornar efetivas as medidas que adota e de assegurar a continuidade das polticas formuladas (DINIZ, 1996). Neste sentido, vale assinalar que, ao contrrio do que eventualmente se supe, refletir sobre os dois conceitos e/ou optar por um deles como elemento de recorte analtico no significa assumir a existncia de qualquer disjuntiva entre uma dimenso propriamente poltica do processo de governo (governabilidade) e uma outra, restrita s rotinas de gerenciamento despolitizado (governana). Uma perspectiva desta natureza exatamente o que pretendo questionar neste texto, uma vez que sustento, primeiro, que administrao poltica; e segundo, por implicao, a existncia de um vnculo indissolvel e de uma articulao dinmica entre governabilidade e governana. Na realidade, a distino entre as duas significa apenas um recurso de anlise. A governana compreende duas importantes capacidades: a financeira e a administrativa. A primeira refere-se disponibilidade de recursos para realizar investimentos, assegurar a continuidade das polticas em andamento e introduzir novas polticas pblicas. A segunda diz respeito disponibilidade de quadros executivos, ao estilo de gesto e aos limites impostos ao administrativa. Neste sentido, Bresser Pereira (1997) assinala que, se nos anos 80 as tentativas de solucionar a crise do Estado privilegiavam as polticas de ajuste fiscal, nos anos 90 os esforos nesse sentido no bastam: necessrio que se combinem consistentemente com a busca da maximizao da capacidade gerencial do Estado. De acordo com o mesmo autor, este ltimo problema resulta de uma contradio intrnseca ao modelo de administrao pblica vigente no mundo ocidental moderno desde o sculo XIX: o modelo de administrao burocrtica: ...a administrao pblica burocrtica, que Weber descreveu como uma forma de dominao racional-legal, trazia embutida uma contradio intrnseca. A administrao burocrtica racional, nos termos da racionalidade instrumental, medida em que adota os meios mais adequados (eficientes) para atingir os fins visados. , por outro lado, legal, medida em que define rigidamente os objetivos e os meios para atingi-los na lei. Ora, em um mundo em plena transformao tecnolgica e social, impossvel para o administrador ser

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racional sem poder adotar decises, sem usar de seu julgamento discricionrio, seguindo cegamente os procedimentos previstos em lei. (BRESSER PEREIRA, 1997:41). Talvez caiba acrescentar que enquanto a adoo dos meios mais adequados para atingir os fins visados supe escolher entre alternativas previamente estabelecidas e delimitadas pela autoridade legal, a definio dos objetivos e os meios para atingi-los na lei remete ao mundo da poltica, esfera na qual as prprias alternativas so construdas e as decises so tomadas em resposta a interesses, necessidades e demandas freqentemente conflituosos. Neste sentido, ao enfatizar a racionalidade enquanto ao instrumental de adequao entre meios e fins, o modelo de administrao burocrtica como mecanismo de dominao racional-legal implica uma dicotomia entre administrao e poltica que , ela prpria, contraditria. Essas consideraes remetem a uma das mais instigantes questes acerca da poltica administrativa e da reforma do Estado: o significado, a desejabilidade e os limites da neutralidade burocrtica nas democracias contemporneas.

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3. Um (entre vrios) paradoxos do governo no estado democrticoEntre os diversos atores que transitam na esfera pblica, dois assumem papis especialmente relevantes e, de certa maneira, mais visveis: os polticos e os burocratas.2 Idealmente, os polticos tm como misso promover o interesse pblico, isto , o bem comum, contribuindo para o desenvolvimento da sociedade e o bem-estar geral. Para isto, so investidos de autoridade decisria e supe-se que venham a exerc-la conforme padres universalistas. A realidade, entretanto, bem distinta: o que leva os indivduos ao exerccio da atividade poltica freqentemente o desejo do poder, da glria e da riqueza e a capacidade de usar a autoridade para beneficiar interesses particulares, de grupos especficos, mesmo quando no se trata de vantagens estrita ou diretamente pessoais. Este um dos paradoxos do governo. Esta tenso entre o ideal e o mundo real da poltica, entre o bem pblico e o interesse particular, tem sido objeto da reflexo poltica e do esforo de construo de mecanismos institucionais que configuram o que hoje conhecemos como democracia liberal: a regra da maioria, a separao e independncia dos poderes, o mandato representativo limitado, as eleies livres e regulares, e outras.

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Embora a discusso desse problema, no que diz respeito aos polticos, remonte ao sculo XVII, preocupaes correspondentes aos burocratas so muito mais recentes, apesar das apreenses manifestadas por autores como Stuart Mill, j no sculo XIX. Isto se deve, em parte, ao fato de que a moderna burocracia muito mais recente do que a moderna classe poltica, j que o modelo de administrao pblica burocrtica, hoje generalizado nas sociedades ocidentais, s veio substituir o modelo de administrao pblica patrimonialista no sculo XIX. Por outro lado, deve-se tambm ao fato de que o modelo de administrao pblica burocrtica surge, tendo a neutralidade como um dos seus princpios. De fato, em Burocracia, Max Weber (1979) indica ser caracterstica do processo de burocratizao e da burocracia o cumprimento objetivo das tarefas, significando isso, primordialmente, um cumprimento de tarefas a partir do conhecimento tcnico especializado e segundo regras calculveis e sem relao com pessoas. Este o princpio do sine ira et studio: um comportamento de tal forma neutro que exclui dos negcios oficiais o amor, o dio, as preferncias, todos os elementos pessoais, irracionais e emocionais, que fogem ao clculo. Nas sociedades contemporneas, Weber constata ser essa a natureza especfica da burocracia, louvada como sua virtude especial. E quanto mais complexa e especializada se torna a cultura moderna, tanto mais requer o perito despersonalizado e rigorosamente objetivo, em lugar do mestre das velhas estruturas sociais, que era movido pela simpatia e pelas preferncias pessoais, pela graa e gratido (1979: 250-251). E em A poltica como vocao (1979), Max Weber estabelece precisamente a diferena entre polticos e burocratas ao constatar que: Tomar uma posio, ser apaixonado ira et studium o elemento do poltico e, acima de tudo, o elemento do lder poltico. Sua conduta est sujeita a um princpio de responsabilidade (...) pessoal exclusiva pelo que ele faz (...) (1979: 116-117). J os burocratas se distinguem pela atribuio de executar conscienciosamente as determinaes dos polticos, como se resultassem de suas prprias convices, ainda que lhes paream erradas; o compromisso de evitar envolvimento com partidos ou lderes polticos, de modo a constituir-se em instrumentos de qualquer governo legtimo; o dever de atuar como conselheiros desinteressados