1figuras de Linguagem

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resumo - estilística

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  • http://www.edtl.com.pt/business-directory/6109/figuras-de-linguagem/ AUTOR: Latuf Isaias MucciFIGURAS DE LINGUAGEM

    O estudo das figuras de linguagem - ou figuras de retrica ou, ainda, figuras de estilo no deve resultar numa incua taxonomia, fastigiosa para o aluno do segundo grau e mais enfadonha ainda e infindvel para o estudante universitrio. Com efeito, as figuras estruturam a prpria linguagem, potencializam o discurso, carregam com expressividade a fala, realam o que Roman Jakobson denomina funo potica da linguagem, sendo que toda linguagem poisis, vale dizer, criao. Alis, em sua Potica, e no em sua trica, que Aristteles, o pai da teoria da teoria da arte e, metonimicamente, pai da teoria da literatura, trata de algumas figuras. Tradicionalmente, h um repertrio infindo de figuras de linguagem, com nomenclaturas diversas, heterogneas e, at, contraditrias. A prpria ambigidade da classificao das figuras revela a natureza conotativa de todo discurso: a denotao seria, ento, uma utopia, na medida em que o poeta, por exemplo, almeja que a palavra seja a coisa, o cone seja o real, o signo seja o ser. Para alm da polissemia de todo enunciado, as figuras tambm se misturam, configurando um concerto significativo.

    Grosso modo, o termo figura designa todos os procedimentos de estilo num determinado enunciado. De acordo com Marc Angenot, a figura , na retrica tradicional, todo fragmento de enunciado cuja configurao aparente no est conforme sua funo real e que resulta desde logo numa transgresso codificada do prprio cdigo (fnico, grfico, semntico, sinttico, textual, lgico). Desde seus primrdios, a retrica, sobretudo sob a rubrica (ou figura) da elocutio, distingue as figuras de palavras, ou tropos, das figuras de pensamento, que intervem mais diretamente na organizao do conjunto do discurso. Em seu constantemente reeditado Dicionrio de termos literrios, Massaud Moiss retoma, citando Heinrich Lausberg, a distino entre figuras de palavras, que dizem respeito formao lingstica e consistem na transformao desta, por meio de categorias da adiectio, detractio, transmutatio, e figuras de pensamento, que dizem respeito aos pensamentos (auxiliares), encontrados pelo sujeito falante para a elaborao da matria e, por conseguinte, so, em princpio, objeto da inventio. Integrando o captulo da linguagem figurada, distinguem-se dos tropos, visto que estes implicam a mudana semntica dos vocbulos. Com base nas regras formuladas por Aristteles, aos retores cabe, mais do que ensinar a maneira de elaborar um discurso (falado ou escrito, mas, sobretudo, escrito), trabalhar os processos do discurso e os processos do estilo, conhecidos sob o nome de figuras. Nessa pauta, o estatuto da retrica varia conforme se considerem as figuras como um ornatus adjacente ao pensamento que se exprime no texto ou como tpica de um trabalho especfico sobre a prpria significao (signifiance, na clave de Barthes); em todo caso, a retrica manifesta-se, sempre, como um cdigo segundo, que se junta e eventualmente contradiz as prescries do cdigo lingstico.

    Na literatura arte da palavra, ou, como conceitua Roland Barthes, arte da linguagem -, as figuras ocupam um lugar privilegiado de estudo, de mediao e de meditao. Cai sobre o estudo das figuras de retrica o pejo de serem ornamentos da linguagem ou, mais prosaicamente, a cereja que enfeita a torta do discurso ou, at, a construo de uma retrica do elogio, fcil ou ardiloso, ou da mera bajulao. Para alm desse aspecto pejorativo, h outro, mais interessante, que caracteriza o estudo das figuras como argumentativo e ldico, realando os traos dialticos da linguagem. No ludismo reside grande parte da seduo do discurso e da arte, em particular. Com sua longa, gloriosa e inglria histria, a retrica renova-se no sculo XX: Roman Jakobson, articula duas fundamentais figuras de retrica - a metfora e a metonmia - e duas importantes categorias da linguagem - a seleo e a combinao -, e formula esta hiptese fulcral: la fonction potique projette le prncipe dquivalence de laxe de la slection (ou: paradigmatique) sur laxe de la combinaison (ou: syntagmatique), correlacionando os plos metafrico e metonmico que configuram a estrutura lingstica; os novos retores do Grupo de Lige e semilogos, da estirpe de Roland Barthes, que insiste sobre o papel cognitivo e hermenutico da figura de retrica e que, tratando da morte da retrica, sinaliza para u

  • ma retrica erotizada ( o prazer do texto um prazer retrico) e para a insuspeita (ou suspeita) plurissignificao de todo e qualquer signo, seja em sua origem, seja em sua recepo. No jogo que as figuras de linguagem travam, estabelece-se, alm de uma substituio, uma superposio dialtica.

    Dentro da mais clssica tradio retrica, as figuras pertencem a quatro famlias: segundo afetam o aspecto sonoro ou grfico das palavras, o aspecto semntico das unidades, a disposio formal da frase ou o valor lgico e referencial da proposio, operando funes de supresso, acrscimo, substituio e permuta. Eis os quatro grupos: os metaplasmas ou figuras de dico, que recobrem tanto figuras grficas quanto figuras fonticas (apcope, sncope, anagrama, direse, sinrese, neologismo, paronomsia, aliterao, assonncia, calembur, sufixao parasitria, rima...); os metassememas ou tropos ou figuras de palavras, que reenviam mudana de significado, isto , projeta-se um significado outro da palavra, diferente de seu significado normal, literal (metfora, metonmia, sindoque, compara antonomsia, perfrase, sinestesia, alegoria, catacrese, parbola, smbolo, silepse...); os metataxes ou figuras de construo, que atuam sobre a frase, a ordem das palavras, a gramtica, que agem no plano sinttico e formal, alteram a estrutura habitual da frase (elipse, zeugma, pleonasmo, assndeto, polissndeto, hibrbato, inverso, hiplage, quiasmo, parataxe, silepse, anacoluto, anfora, aliterao, assonncia, onomatopia, oxmoro, tmese...); enfim, os metalogismos ou figuras de pensamento, que concernem mais diretamente a linguagem, que se apiam em idias (litote, anttese, paradoxo, hiprbole, eufemismo, ironia, personificao ou prosopopia, apstrofe, gradao...).. Outras taxonomias h das figuras de linguagem o que prova a atualidade e instigao do estudo da retrica -, como a proposta por Harry Shaw: As figuras de estilo ou de retrica podem dividir-se em trs classes: (1) semelhanas imaginadas, como sucede com a alegoria, a aluso, o conceito e o smile; (2) associaes sugestivas em que se relaciona uma palavra com outra, como, por exemplo, urea com juventude, felicidade e riqueza: a hiplage, a hiprbole, a metonmia e a sindoque; (3) apelos vista e ao ouvido: a aliterao, o anacoluto e a onomatopia. As figuras de estilo podem tambm agrupar-se em (1) figuras do pensamento, em que as palavras conservam o seu significado, mas no os seus moldes retricos, como sucede na apstrofe, e (2) tropos, em que as palavras sofrem uma mudana ntida de significado, como acontece na metfora. Outra classificao prtica das figuras de retrica : (1) aquelas que envolvem efetivamente uma comparao (analogia, personificao, tropo) e (2) aquelas que normalmente no comparam coisa alguma (hiprbole, ltotes, ironia).

    Haver, no rico repertrio das figuras de retrica, uma figura prima inter pares? s vezes, a metfora , metaforicamente, coroada como a rainha dos tropos. Na psicanlise freudiana, reduzem-se a duas as figuras de linguagem: a metfora, que condensa os signos, e a metonmia, que os desloca. . No fundo, no fundo, tudo metfora, na medida em que o chamado sentido literal, sentido prprio, sentido dicionarizado no deixa de ser usentido figurado ou, em outros termos, a denotao seria uma mscara da conotao. Se, para repetir com Fernando Pessoa, ser poeta fingir, falar , tambm, fingir, ficcionalizar, forjar sentidos, que o interlocutor traduz em sentidos outros, prprios ou imprprios. A prpria linguagem metfora, metfora da metfora, metfora de um real inatingve segundo Lacan. Aplicado ao discurso, ou retrica, o prprio termo figura uma figura de linguagem: a metfora. A figura uma traduo e, como toda traduo, uma traio. Grard Gee pondera que, quando se lana mo da sindoque vela para significar navio, o sentido o smo, embora no seja a mesma coisa, dado que o signo diferente.

    Para evitar, na prtica magisterial, um estudo inspido e, talvez, incuo das figuras de linguagem, tenho carreado a tipologia para outras linguagens da arte, alm da prpria literatura, iniciativa que deixa os estudantes vontade para escolherem o campo de aplicabilidade e que suscita um surpreendente exerccio de criatividade. Na teoria da literatura, a sindoque aplica-se, por exemplo, questo do gnero para a espcie e da espcie para o gnero, assim como realismo, visto sob o prisma da sindoque, que designa o continente pelo contedo e vive-versa, a causa pelo efeito e vice-versa, chama a ateno para as representaes culturais. Analisando-se o filme Vestido, do cineasta Paulo Thiago, inspirado no belo poema Caso do vestido, de Carlos Drummond de Andrade, pode-se considerar que as duas personagens fulcrais, ngela e Brbara,

  • respectivamente interpretadas por Ana Beatriz e Gabriela Duarte, estabelecem um jogo, onde prevalece o quiasma, na medida em que seriam duas faces da mesma moeda, a esposa ilibada e a perversa concubina, o lado mau e o lado bom de todo ser humano, o angelical (o nome da esposa legtima resolve-se como metfora) e a sensualidade sedutora e exacerbada (a amante porta, metaforicamente tambm, o nome de personagem de clebre poema de Chico Buarque, alm de ter, numa espcie de dialtica da denotao e da conotao, o prenome da protagonista de Jorge Amado, no luxurioso romance Gabriela, cravo e canela). Se a linguagem corriqueira investe-se, sem que disso nos demos conta, de inmeras figuras de retrica, lem-se expresses, tais que cu da boca, a mesa, brao da cadeira, como catacreses (metforas esclerosadas, metforas-clichs, metfas-nariz-de-cera), que ao estudante, desejo da busca de um estilo, cumpriria ressuscitar, atendendo ao apelo do poeta francs Mallarm: Donner un sens plus pur aux mots de la tribu. Tambm tecido por insuspeitas figuras de linguagem, o discurso social tem paradigmticos casos, quando, por exemplo, emprega a metonmia no enunciado da prtica simblica do casamento: pedir a mo.

    A ambigidade, que toda figura de linguagem estrutura, configura o que o semilogo italiano Umberto Eco designa como obra aberta, na medida em que, para falar com os formalistas russos, causa estranhamento, dpaysement. Reenviando, no s coisas de que fala, mas ao modo como as fala, o discurso aberto tem como primeiro significado a prpria estrutura. Assim, a mensagem no se consuma jamais, permanece sempre como fonte de informaes possveis e responde de modo diverso a diversos tipos de sensibilidade e de cultura. O discurso aberto um apelo responsabilidade, escolha individual, um desafio e um estmulo para o gosto, para a imaginao, para a inteligncia. Porque estrutura um discurso fechado, ou persuasivo, na concepo de Umberto Eco, a publicidade presta-se como campo profcuo para o estudo das figuras de linguagem: linguagem com funo essencialmente apelativa, ou conativa, o discurso publicitrio organiza, todavia, uma retrica da seduo, ancorada em tropos e figuras, que mascaram a ideologia de mercado. Para alm, portanto, do estudo da linguagem propriamente dita, a investigao das figuras de linguagem aponta para a ideologia que habita cada signo.

    Bibliografia

    Roman Jakobson, Essais de linguistique gnrale , p. 110 (1963); Marc Angenot, Glossrio da crtica contempornea, p. 97 (1984); Massaud Moiss, Dicionrio de termos literrios , p. 188 ( 2004); Roland Barthes, Leon (1978); Harry Shaw, Dicionrio de termos literrios , p. 209 (1982); Grard Genette, Figures I, p. 211 (1966); Roland Barthes, A aventura semiolgica, p. 19-94, (1987); Latuf Isaias Mucci, A Retrica como plenitude da linguagem (2005); Umberto Eco, Obra aberta, p. 280 (1962).