1b-II Ciclo - Analise Tematica - CLT EaD - Unida

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Unida Exegese do Novo Testamento II 1 A dimensão teológica da ação Temática Júlio Paulo Tavares Zabatiero Introdução Chegamos à parte final da análise do II Ciclo em nosso método sêmio-discursivo centrado na ação. No estudo das relações intertextuais e interdiscursivas, coletamos dados e textos que nos ajudaram a entender o texto e que, agora, nos ajudarão mais um pouco. Na análise da dimensão temática (teológica ou semântica ) do discurso, o que descobrimos até agora irá nos ajudar a compor os sentidos possíveis do texto. Por que sentidos possíveis, ao invés de o sentido do texto? Por um lado, porque todo texto é polissêmico (ou seja, possui várias dimensões de sentido e.g., pessoal, política, econômica, social, cultural, etc. - ou, em linguagem mais técnica, possui diversas isotopias temáticas), mas não significa qualquer coisa. A polissemia não é só uma propriedade de textos, mas também de palavras . Por outro, porque a exegese não é uma ciência exata que descobre exatamente o sentido que está preso no texto. Interpretar um texto significa dialogar com esse texto, um esforço para perceber as relações que esse texto manteve com outros textos e discursos da sua época, mas também estabelecer uma nova relação a do/a leitor/a com o texto. E como todo diálogo, os “textos” vão crescendo em significado à medida que a conversa se desenvolve.

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  • Unida Exegese do Novo Testamento II 1

    A dimenso teolgica da ao Temtica

    Jlio Paulo Tavares Zabatiero

    Introduo

    Chegamos parte final da anlise do II Ciclo em nosso mtodo

    smio-discursivo centrado na ao. No estudo das relaes intertextuais e

    interdiscursivas, coletamos dados e textos que nos ajudaram a entender o

    texto e que, agora, nos ajudaro mais um pouco. Na anlise da dimenso

    temtica (teolgica ou semntica) do discurso, o que descobrimos at

    agora ir nos ajudar a compor os sentidos possveis do texto. Por que

    sentidos possveis, ao invs de o sentido do texto? Por um lado, porque

    todo texto polissmico (ou seja, possui vrias dimenses de sentido

    e.g., pessoal, poltica, econmica, social,

    cultural, etc. - ou, em linguagem mais tcnica,

    possui diversas isotopias temticas), mas no

    significa qualquer coisa. A polissemia no s

    uma propriedade de textos, mas tambm de

    palavras. Por outro, porque a exegese no uma

    cincia exata que descobre exatamente o sentido

    que est preso no texto. Interpretar um texto significa dialogar com esse

    texto, um esforo para perceber as relaes que esse texto manteve com

    outros textos e discursos da sua poca, mas tambm estabelecer uma

    nova relao a do/a leitor/a com o texto. E como todo dilogo, os

    textos vo crescendo em significado medida que a conversa se

    desenvolve.

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    A anlise da dimenso temtica do texto ocupar duas semanas de

    nosso curso, graas sua complexidade e importncia para a

    compreenso bblica. Ademais, infelizmente, este tempo no suficiente

    para estudarmos a dimenso estilstico-retrica. Nas disciplinas de

    Exegese do Antigo Testamento daremos ateno s demais sees do

    trabalho exegtico do II Ciclo.

    - Mas, no vamos aprender de modo insuficiente?. Talvez voc

    tenha esta pergunta em mente. Bem. No aprenderemos tudo o que

    possvel, mas estudaremos o que suficiente para uma boa interpretao

    do texto bblico.

    Repetindo as perguntas do II Ciclo:

    II Ciclo: Quais so as possibilidades de sentido de um texto e como elas esto

    organizadas (1) intertextual e interdiscursivamente; (2) estilstica e

    argumentativamente; e (3) figurativa e tematicamente?

    Vejamos como fazer:

    1. Reconhea as figuras e temas presentes no texto;

    2. Identifique os percursos temticos que organizam as figuras e temas do texto,

    nomeando o tema de cada percurso;

    3. Detalhe os sentidos de cada percurso presente no texto e atente para as

    isotopias nele presentes;

    4. Identifique o tema principal do texto ou seja, o grande percurso que unifica

    os percursos menores e d coerncia ao texto como um todo; e

    5. Elabore uma sntese dos significados do texto, a partir do seu tema principal.

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    Marcos 1

    9. Naqueles dias veio Jesus de Nazar da Galilia e por Joo

    foi batizado no rio Jordo. 10 Logo ao sair da gua, viu os

    cus rasgarem-se e o Esprito descendo como pomba sobre

    ele. 11 Ento foi ouvida uma voz dos cus: Tu s o meu filho

    amado, em ti me comprazo.

    12 Imediatamente o Esprito impeliu Jesus para o deserto.

    13 Durante quarenta dias, no deserto, ele foi tentado por

    Satans. Vivia com as feras, e os anjos o serviam.

    14 Depois que Joo fora entregue, Jesus veio para a Galilia.

    Ele proclamava o Evangelho de Deus, e dizia: 15 Cumpriu-se

    o tempo, e o Reinado de Deus aproximou-se: convertei-vos e

    crede no Evangelho.

    1. Reconhecendo as figuras e temas

    Este primeiro passo da anlise o mais elementar, e s o faremos

    para exercitar nossas habilidades. Com a prtica, podemos pular este

    passo e ir direto ao segundo. Figuras so palavras concretas que se

    referem a coisas que existem no mundo real ou imaginrio do texto.

    Temas so palavras abstratas, que explicam ou categorizam as coisas que

    existem no mundo. Os textos, ento, podem ser figurativos ou temticos,

    conforme predominem figuras ou temas em sua composio. Nosso foco

    recai sobre os substantivos (que podem ser concretos ou abstratos),

    deixando os verbos de lado, juntamente com as demais classes de

    palavras. Veja a traduo do texto, acima. As palavras em azul so

    figuras, enquanto as em verde so temas. Continue o reconhecimento,

    at o final da percope!

    Qual a importncia deste passo? Um texto figurativo um tipo

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    de texto no qual os temas apresentados ficam encobertos pelas figuras.

    Ou seja, quem interpreta textos figurativos precisa ser capaz de descobrir

    que temas esto ocultados pelas figuras. Textos temticos j indicam

    para quem os interpreta quais so os temas da superfcie do texto. Textos

    figurativos, em outras palavras, exigem que quem os l ultrapasse o

    significado literal das figuras!

    2. Identificando os percursos temticos

    Os sentidos de um texto esto organizados em percursos, que so

    encadeamentos de palavras e sentenas todas subordinadas a um tema

    mais abstrato. Todo percurso, portanto, temtico.

    Um percurso composto predominantemente por figuras chamado

    de figurativo-temtico. Um percurso composto predominantemente por

    temas chamado simplesmente de temtico.

    Para identificar os percursos temticos (daqui

    para a frente, vou chamar todos os percursos

    de temticos), necessrio analisar o

    encadeamento das palavras e sentenas do

    texto, ou analisar as relaes temticas entre

    essas palavras e sentenas. Uma pista que alguns textos nos do para

    descobrir os percursos a estruturao. Nem sempre, porm, os

    percursos temticos seguem a estruturao do texto. Outra pista a

    semelhana de vocabulrio palavras com traos semnticos comuns

    geralmente pertencem ao mesmo percurso. Mas, ateno, cada texto

    pode se organizar de formas muito diferentes e complexas, com vrias

    combinaes de isotopias.

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    Vejamos um exemplo.

    9. Naqueles dias veio Jesus de Nazar da Galilia e por Joo

    foi batizado no rio Jordo. 10 Logo ao sair da gua, viu os

    cus rasgarem-se e o Esprito descendo como pomba sobre

    ele. 11 Ento foi ouvida uma voz dos cus: Tu s o meu filho

    amado, em ti me comprazo.

    Quando prestamos ateno percope acima, buscando os

    encadeamentos das palavras e sentenas, pode-se concluir que h um

    nico percurso em que as palavras e sentenas esto encadeadas. Todo o

    texto tem a ver com o batismo de Jesus ele vem para o batismo,

    batizado por Joo no Jordo, sai do rio onde fora batizado, o Esprito

    desce sobre ele no momento que sai da gua, a voz dos cus fala no

    momento da sada de Jesus da gua onde foi batizado. Gramaticalmente,

    temos um nico perodo composto por oraes coordenadas,

    intercaladas por duas oraes subordinadas (logo ao sair da gua; e

    ento foi ouvida...). Como a maioria das palavras do texto de figuras,

    temos um texto figurativo. Ora, se no texto figurativo as figuras

    encobrem o tema, ento o batismo no pode ser o tema do texto! O

    batismo o acontecimento narrado pelo texto. Mas, agora, estamos

    perguntando: que possibilidades de sentido tem este texto cujo

    acontecimento narrado o batismo!

    Que o tema do texto no o batismo pode ser percebido pelas

    sentenas que tem o Esprito Santo e a voz dos cus como sujeitos.

    Ento, podemos ver no texto pelo menos duas isotopias: (a) uma delas

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    a do movimento note a profuso de verbos de movimento e

    substantivos indicativos de espao: Veio; Nazar da Galilia; rio Jordo;

    ao sair da gua; descendo; sobre ele; dos cus. (b) A segunda isotopia

    a da qualificao do batizado: Esprito descendo como pomba sobre

    ele!; voz dos cus dizendo: Tu s meu filho amado, em ti me

    comprazo.

    Voltemos definio de percurso: um encadeamento de palavras e

    sentenas ordenadas sob um tema mais abstrato. As perguntas que temos

    de responder, ento, so: (a) que tema abstrato encoberto pelo

    movimento; e (b) que tema abstrato encoberto pela qualificao? So

    dois ou um s? Como hiptese (a ser avaliada no decorrer da

    interpretao), entendo que as duas isotopias recobrem um mesmo tema:

    a messianidade de Jesus. Este, ento, o nome do percurso: a

    messianidade de Jesus; ou, se voc quiser um nome mais complexo: a

    identidade messinica de Jesus revelada no batismo.

    3. Detalhando os percursos do texto

    Agora, com o tema da messianidade em mente, iremos estudar

    detalhadamente cada sentena que compe Mc 1,9-11. Descreveremos o

    que consideramos ser o significado de cada sentena, levando em

    considerao o que j estudamos sobre a dimenso espao-temporal da

    ao e sobre a interdiscursividade nesta percope. Em outras palavras,

    faremos um comentrio da percope. Para que este texto no fique

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    longo demais, voc encontrar este detalhamento no texto secundrio

    desta semana um artigo que escrevi sobre a identidade de Jesus em

    Marcos.

    A seguir, algumas definies que podem ajud-lo em seu trabalho.

    1.FIGURAS: Palavras que se referem a coisas que existem no mundo, seja

    o mundo real, seja o mundo imaginrio do texto. Tambm chamadas de

    termos concretos. Sozinhas, as figuras no tm sentido, mas na forma de

    percursos, ocultam temas, ou seja, revestem ideias abstratas de formas

    concretas;

    2. TEMAS: Palavras que explicam, classificam ou categorizam as figuras.

    Tambm chamadas de termos abstratos. So as ideias, os conceitos, as

    noes que organizam e classificam as figuras, bem como as indicaes

    dos sentidos presentes no texto. Os temas do texto tambm so

    encadeados em percursos, que so temas de temas, ou seja, explicam,

    classificam ou categorizam os temas do texto;

    3. PERCURSOS TEMTICOS E FIGURATIVOS

    Todo texto composto por figuras e temas. Um percurso o

    encadeamento das palavras que compem o texto, definido por uma

    recorrncia temtica que d unidade e

    coerncia ao conjunto. Se o texto

    predominantemente figurativo, o percurso

    figurativo-temtico; se predominantemente

    temtico, apenas percurso temtico. Analisar

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    semanticamente um texto exige a identificao, a nomeao e o

    detalhamento dos percursos em que o texto est organizado. Para

    simplificar, usa-se apenas o termo percurso.

    Leia as figuras a seguir e note o que elas tm em comum: janela,

    porta, fechadura, sala-de-estar, quarto, banheiro. O que d coerncia a

    essa lista de figuras o tema da moradia. Se, porm, a lista fosse a

    seguinte: janela, porta, fechadura, caixa registradora, sala-de-estar,

    quarto, banheiro no haveria coerncia, moradias no se caracterizam

    por possuir caixas registradoras. O mesmo ocorre com textos temticos.

    Leia Glatas 5,19-21 e, depois, Glatas 5,22-23. So textos temticos que

    j nos sugerem a definio dos percursos. Nos primeiros versculos, as

    obras da carne; nos demais, o fruto do Esprito. O que d unidade e

    coerncia s listas de aes e valores nesses versculos so,

    respectivamente, a impiedade e a santidade. (ZABATIERO, J. P. T.

    Manual de exegese. So Paulo: Hagnos, 2009, 2. ed.)

    4.DETALHAMENTO DOS SENTIDOS

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    Em alguns manuais, este procedimento chamado de anlise

    semntica, ou de comentrio, ou de anlise do contedo. Trata-se de (a

    partir da definio da noo mais abstrata que une os termos que

    compem um percurso), compreender e explicar os sentidos das unidades

    parciais que formam cada percurso do texto. O princpio bsico para se

    realizar esse detalhamento pode ser descrito com o uso de um axioma da

    Semntica: o sentido de uma palavra, na orao, a menor contribuio

    dessa palavra ao sentido da orao; axioma que pode ser ampliado para:

    o sentido de uma sentena, num perodo, a

    menor contribuio dessa sentena ao sentido do

    perodo, e assim sucessivamente.

    Vejamos um exemplo: A Casa Branca foi

    atacada por msseis teleguiados. Casa branca

    pode ter mais de um sentido: pode se referir a

    uma casa qualquer, da cor branca; ou pode se referir sede do governo

    dos Estados Unidos da Amrica. Na sentena acima, a menor contribuio

    de casa branca ao sentido da sentena dada pelo sentido sede do

    governo norte-americano, pois dificilmente algum atacaria uma casa

    branca qualquer com msseis teleguiados. Este axioma o corretivo

    fundamental para um erro infelizmente muito comum na interpretao

    da Bblia: o erro que James Barr chamou de transferncia ilegtima da

    totalidade. Muita gente, ao ler um texto bblico, procura colocar nas

    palavras do texto o maior nmero possvel de sentidos que essa palavra

    pode ter na Bblia como um todo. Toda palavra polissmica, mas o

    sentido de uma palavra, em um texto, determinado exclusivamente

    pelo prprio texto, na forma do axioma ora descrito. No se pode atribuir

    a uma palavra, numa percope, todos os sentidos que essa palavra recebe

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    no lxico, ou no dicionrio teolgico.

    No custa lembrar que o sentido do texto no a soma do sentido

    de suas partes, mas sim o sentido do todo do texto. O movimento para a

    compreenso dos sentidos de um texto comea com o todo e desce para

    as partes. O detalhamento do sentido um procedimento aplicado ao

    estudo das partes do texto, o que deve ser feito somente depois do

    estudo do todo do texto o que inclui as anlises que estudamos nos dois

    ltimos captulos: a das relaes intertextuais e interdiscursivas, e a dos

    elementos estilsticos e argumentativos.

    5. Isotopia: Um direcionamento da leitura do texto, com base na

    repetio, na recorrncia de uma temtica nele presente. Certas

    palavras, ou frases, nos textos, indicam as diferentes isotopias em que

    um texto pode ser lido, e so chamadas de desencadeadores de isotopias;

    6. Polissemia: Literalmente, pluralidade de sentidos. Todo texto possui

    mais de um sentido, porm no significa qualquer coisa que nele

    queiramos encontrar. A polissemia textual controlada pela organizao

    sinttica do texto, e analisada mediante a identificao das isotopias

    temticas do texto;

    7. Semntica: Como termo tcnico, pode se referir a um dos campos da

    Lingstica, que estuda o sentido das palavras. Na exegese, normalmente

    se refere anlise do significado de palavras ou de todo o texto.

    (ZABATIERO, J. P. T. Manual de exegese. So Paulo: Hagnos, 2009, 2.

    ed.)