1a-II Ciclo - Analise Da Interdiscursividade - CLT EaD - Unida

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Unida Exegese do Novo Testamento II 1 Interpretando o plano de conteúdo de textos bíblicos Relações intertextuais e interdiscursivas (Parte I do II Ciclo) Júlio Paulo T. Zabatiero Introdução Você já escreveu vários trabalhos escolares e, possivelmente, preparou vários sermões e estudos bíblicos. Ao escrever esses trabalhos e preparar os estudos e sermões, você utilizou dois recursos linguísticos importantes: a intertextualidade e a interdiscursividade. Você usou o recurso da intertextualidade todas as vezes que citou uma fonte bibliográfica, filmográfica, ou de outro tipo. A citação pode ter sido curta ou longa, indicada com aspas, ou com recuo da margem esquerda. Você também pode ter usado outra forma de intertextualidade, a alusão ao invés de citar literalmente uma fonte, você coloca o conteúdo daquela fonte em suas próprias palavras. Normalmente você indica a alusão usando palavras como “conforme”, “de acordo com”, “segundo fulano de tal” - seja no corpo do texto, seja em uma nota de rodapé. Você usou o recurso da interdiscursividade todas as vezes que você fez opções entre diferentes conteúdos com base em suas leituras, conversas, músicas ouvidas, etc. Por exemplo, se você é batista, as suas leituras não serão necessariamente as mesmas leituras de colegas pentecostais. Você já pensa de acordo com alguns discursos pré-definidos (por exemplo, você sabe que o batismo é só para pessoas “adultas” que declaram publicamente a sua fé em Cristo), que servem de guia e de critérios para as suas leituras e interpretação de textos. Se você é batista e

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  • Unida Exegese do Novo Testamento II 1

    Interpretando o plano de contedo de textos bblicos Relaes intertextuais e interdiscursivas (Parte I do II Ciclo)

    Jlio Paulo T. Zabatiero

    Introduo

    Voc j escreveu vrios trabalhos escolares e, possivelmente, preparou

    vrios sermes e estudos bblicos. Ao escrever esses trabalhos e preparar os

    estudos e sermes, voc utilizou dois recursos lingusticos importantes: a

    intertextualidade e a interdiscursividade. Voc usou o recurso da intertextualidade

    todas as vezes que citou uma fonte bibliogrfica, filmogrfica, ou de outro tipo. A

    citao pode ter sido curta ou longa, indicada com aspas, ou com recuo da margem

    esquerda. Voc tambm pode ter usado outra forma de intertextualidade, a aluso

    ao invs de citar literalmente uma fonte, voc coloca o contedo daquela fonte

    em suas prprias palavras. Normalmente voc indica a aluso usando palavras

    como conforme, de acordo com, segundo fulano de tal - seja no corpo do

    texto, seja em uma nota de rodap.

    Voc usou o recurso da interdiscursividade todas as vezes que voc fez opes

    entre diferentes contedos com base em suas leituras, conversas, msicas ouvidas,

    etc. Por exemplo, se voc batista, as suas leituras no sero necessariamente as

    mesmas leituras de colegas pentecostais. Voc j pensa de acordo com alguns

    discursos pr-definidos (por exemplo, voc sabe que o batismo s para pessoas

    adultas que declaram publicamente a sua f em Cristo), que servem de guia e de

    critrios para as suas leituras e interpretao de textos. Se voc batista e

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    O sentido de um texto no a soma das partes do texto. O

    sentido uma propriedade do todo do texto, que se

    estende s suas partes. O todo do texto, por sua vez, no

    s o prprio texto, mas o conjunto de discursos a que

    ele pertence.

    paulistano, alm dos discursos batistas, tambm os discursos paulistanos

    estaro presentes de alguma forma em seus trabalhos escritos, ou em seus sermes,

    conversar, etc. Talvez na forma de expresses idiomticas tpicas da cidade de So

    Paulo (urra mano, no me faz uma coisa dessas), talvez na forma de valores

    tipicamente metropolitanos (por exemplo, fazer as coisas com rapidez ou pressa),

    talvez na forma de msicas paulistanas e suas letras (alguma coisa acontece no

    meu corao ...).

    1. Analisando as relaes interdiscursivas de Marcos 1,9-15

    A intertextualidade e a interdiscursividade so, ento, mecanismos

    lingusticos de produo de sentido e de textos e tambm de interpretao de

    textos. Podemos dizer que todos os textos possuem relaes intertextuais e

    interdiscursivas, seno no seriam textos. com a ajuda dessas relaes que um

    texto constitui o seu prprio sentido. Note bem: o sentido de um texto no algo

    isolado, fechado no texto, mas uma realidade aberta, permeada por outros textos

    e discursos. Por isso, no incio do II Ciclo da exegese de Marcos 1,9-15, o primeiro

    passo a anlise das relaes intertextuais e interdiscursivas que ajudaram a

    estabelecer os sentidos presentes no texto. No II Ciclo da exegese, queremos

    entender os sentidos oferecidos pelo texto a quem o interpreta. A compreenso do

    sentido uma atividade complexa e o II Ciclo dividido em trs procedimentos

    distintos e complementares: anlise das relaes intertextuais e interdiscursivas,

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    anlise da forma estilstica e da argumentao do texto e anlise temtica. Nesta

    disciplina aprenderemos apenas o primeiro e o terceiro procedimentos, iniciando

    com a anlise das relaes intertextuais e interdiscursivas.

    Vejamos as perguntas que compem o II Ciclo:

    Para responder primeira pergunta, que o tema desta semana, os passos

    que devemos executar so os seguintes:

    Como se identificam as relaes intertextuais e interdiscursivas? Vejamos a

    definio dos termos: Intertextualidade o termo que explica o uso que um texto

    faz de outros, a ele anteriores, ou contemporneos. H trs maneiras de uso de

    outros textos: a citao, quando um texto copia literalmente partes ou o todo de

    outro(s) texto(s); aluso, quando um texto se apropria no literalmente de partes ou

    do todo de outro(s); e estilizao, quando um texto imita o estilo de outros

    (ZABATIERO, J. P. T. Manual de Exegese. So Paulo: Hagnos, 2009, 2. ed.).

    A citao pode estar marcada no texto: em trabalhos acadmicos usamos

    Quais so as possibilidades de sentido de um texto e como

    elas esto organizadas (1) intertextual e

    interdiscursivamente; (2) estilstica e argumentativamente; e

    (3) figurativa e tematicamente?

    1. Identificar as relaes intertextuais e interdiscursivas;

    2. Analisar as relaes intertextuais e interdiscursivas;

    3. Elaborar uma sntese interpretativa

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    aspas ou recuo da margem, ou letras em itlico. Nos textos bblicos, porm, no

    se costumava usar tais marcas. Leia, porm, Marcos 1,2: Conforme est escrito

    na profecia de Isaas: Eis a envio diante da tua face o meu mensageiro, o qual

    preparar o teu caminho. A sentena em itlico a marca textual da

    intertextualidade: o texto de Marcos cita um texto de Isaas (ah! Para voc pensar

    o texto citado no est em Isaas, mas em Malaquias 3:1!). Agora leia Atos 1,4b-5

    ... mas esperassem a promessa do Pai, a qual, disse ele, de mim ouvistes. Porque

    Joo, na verdade, batizou com gua, mas vs sereis batizados com o Esprito

    Santo, no muito depois destes dias. Em Atos, Lucas faz uma aluso ao

    Evangelho de Lucas 3,16 (confira o texto de Lc 3,16 e voc ver que no uma

    citao). As sentenas em itlico so a marca lingustica da intertextualidade. O

    mecanismo da intertextualidade aqui a aluso, ou seja, o uso no literal das

    palavras de outro texto.

    Interdiscursividade o termo que explica o uso que um texto faz de

    discursos, a ele anteriores, ou contemporneos. H duas maneiras de uso de outros

    discursos: a citao, quando um texto copia percurso(s) temtico(s) de outro(s); e a

    aluso, quando um texto se apropria mais livremente de percurso(s) temtico(s) de

    outro(s). Tanto na interdiscursividade quanto na intertextualidade, o uso dos outros

    textos e/ou discursos pode ser de forma contratual (quando h um acordo de

    ideias), ou polmica (quando os outros textos e/ou discursos so usados sem

    concordncia). (ZABATIERO, J. P. T. op. cit.)

    Seria timo se todas as relaes intertextuais e interdiscursivas fossem

    marcadas dessa maneira explcita, evidente. A anlise das

    relaes intertextuais seria facilitada, pois ns acharamos

    rapidamente os textos que se relacionam entre si. O problema

    que, na Bblia, a maior parte das relaes intertextuais e

    interdiscursivas marcada de formas pouco explcitas. So marcas sutis, como o

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    Algumas Ajudas:

    Chave Bblica ou Concordncia

    Chave Bblica nas margens de

    Bblias de Estudo

    Notas de Rodap de Bblias de

    Estudo

    Comentrios Bblicos

    Dicionrios e Compndios de

    Teologia Bblica

    Como a gente no nasce sabendo,

    voc pode consultar essas ajudas

    para iniciar seu trabalho...

    uso de palavras-chave de outro texto, ou o uso de forma literria copiada de outro

    texto, ou o uso de metforas trazidas de outros textos. Nesses casos, somente o

    conhecimento enciclopdico nos ajuda a fazer a identificao das relaes intertextuais

    e interdiscursivas. O conhecimento enciclopdico , segundo Umberto Eco, o

    conhecimento que uma pessoa tem dos textos que existem em uma dada cultura,

    dos temas e ideias que circulam nessa cultura, ou dos discursos que compem o

    universo discursivo de uma cultura. Por exemplo, ter um conhecimento

    enciclopdico til para interpretar Mc 1,9-15 significa conhecer os textos bblicos

    da mesma poca e anteriores ao texto de Marcos, e, atravs deles, conhecer os

    discursos e as prticas sociais da poca. Atravs da memria, quando lemos um

    texto, identificamos nesse texto partes de outro texto (intertextualidade), ou de

    outros temas e ideias (interdiscursividade).

    Resumindo: o primeiro passo identificar as relaes de intertextualidade e

    interdiscursividade. Se as relaes forem marcadas explicitamente, este trabalho

    ficar bem fcil. Se as marcas forem no

    marcadas, s o conhecimento

    enciclopdico! E se eu no tiver o tal

    de conhecimento enciclopdico,

    voc poderia me perguntar, que

    que eu fao? Minha resposta

    : estude, estude, estude. Leia,

    leia, leia. Pesquise,

    pesquise, pesquise. Aprenda a usar a

    bibliografia exegtica (comentrios,

    dicionrios teolgicos, dicionrios bblicos,

    introdues Bblia) e desenvolva seu conhecimento enciclopdico das Escrituras

    e dos tempos bblicos. Ah! claro! Eis o mais importante: no se esquea de ler,

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    reler, reler, reler a Bblia toda, vrias e vrias vezes.

    O segundo passo analisar as relaes intertextuais e interdiscursivas.

    Como se faz essa anlise? (1) Verifique se so relaes contratuais ou polmicas.

    Coloque no papel a sua definio (se contratuais ou polmicas); (2) Descreva como

    essas relaes (intertextuais ou interdiscursivas) ajudam o texto (o que voc est

    interpretando) a produzir sentido. Veja o que eu fiz com o texto de Marcos, acima.

    Jlio, voc talvez perguntasse se estivesse na minha classe, eu tenho de

    separar intertextualidade de interdiscursividade no meu trabalho? Tanto faz, voc

    decide. Eu acho que no precisa, pois todas as relaes intertextuais sero,

    tambm, interdiscursivas. Nem todas as relaes interdiscursivas precisam ter uma

    relao intertextual na sua base. Ento, voc quem escolhe como escrever o seu

    trabalho.

    O passo final a elaborao de uma sntese interpretativa. A sntese a

    expresso da sua interpretao das relaes intertextuais e interdiscursivas do texto

    exegetado. uma pequenina dissertao sobre como essas relaes ajudam o seu

    texto a produzir sentido. Repare, no exemplo acima, que eu j apresentei todos os

    passos numa nica redao na prpria sntese.

    Continua com dvidas? Ainda bem! Porque voc s vai aprender a analisar

    relaes intertextuais e interdiscursivas, analisando textos bblicos. Voc j

    conhece a rotina. Eu fiz uma parte do trabalho; agora voc continua!