1ª DP: DEPOSITO DE INQUERITOS

1
Jornal de Fato Domingo, 23 de maio de 2010 5 popular ESDRAS MARCHEZAN Da Redação Sem um trabalho eficiente de inves- tigação dos crimes a onda de assassina- tos e execuções, em Mossoró, se man- tém no mesmo nível de anos anteriores. Sem culpados, novas mortes acontecem. Muitas em plena luz do dia. No ano pas- sado, o Instituto Técnico-científico de Polícia (ITEP) registrou 103 homicídios na área da cidade. Neste ano, entre ja- neiro e os primeiros dias de maio, 41 pessoas já foram assassinadas em Mos- soró. Mais de 80% desses casos (82,93%) através de armas de fogo. Os números revelam um fato inte- ressante. Aos poucos, os assassinatos e execuções se fazem presentes em todos os pontos da cidade. De trinta bairros mapeados pelo relatório do Itep/Mosso- ró, os homicídios por arma de fogo es- tiveram presentes em 29 deles no ano pas- sado. O único bairro que ficou de fora da violência em 2009 foi o Planalto 13 de Maio. Santo Antônio (13), Alto de São Manoel (10) e Zona Rural (10) lidera- ram o ranking. No primeiro, todos os homicídios registrados foram por arma de fogo. A atuação do tráfico de drogas naquela área está diretamente ligada à grande parte dos crimes. Barrocas e Be- lo Horizonte - cada um com sete homi- cídios - vem em seguida. Neste ano, San- to Antônio (8) e Barrocas (4) são os pon- tos da cidade que registraram os maio- res índices de homicídio. Mais de 50% das pessoas assassinadas em Mossoró pos- suem entre 16 e 30 anos de idade e são homens. O promotor criminal Ítalo Moreira, que atua no tribunal do júri popular, re- força a informação de que sem investi- gação policial fica mais difícil colocar na cadeia os assassinos. "Não tem traba- lho de investigação nas delegacias de Mos- soró. Digo isso não me referindo aos po- liciais, mas à estrutura. Sem estrutura, os policiais não investigam e os inquéri- tos ficam parados. Assim o Ministério Público não tem como condenar os res- ponsáveis", comenta o promotor. Ele explica que em alguns casos que o Ministério Público Estadual (MPE) toma conhecimento, novas diligências são solicitadas à polícia, mas o inquéri- to demora muito tempo para retornar aos promotores. "Na verdade, a situa- ção de Mossoró é um caos. Absurdo. Não tem como chegar ao responsável por um crime sem uma investigação qualifica- da e um trabalho de perícia bem feito. Para isso não temos equipamentos, es- trutura", disse. O delegado Caetano Baumann - que está à frente da 1ª DP - confirma que cer- ca de 100 inquéritos estejam nessa situa- ção na delegacia, mas faz questão de fri- sar que não é falta de vontade da polí- cia. "Pelo contrário. Temos policiais que fazem até mais do que podem, mas se não temos estrutura para trabalhar va- mos fazer o que? Entendo a posição das famílias, mas elas têm de entender que há situações em que fazemos o que po- de ser feito. Sem contar que há casos so- lucionáveis, mas há outros que não têm solução", comenta o delegado que, além da 1ª DP, é responsável pela delegacia re- gional de Baraúna, Upanema e ainda do plantão em alguns dias. O delegado Rubério Pinto, da 2ª DP, disse que naquela distrital a situação es- tá controlada. De acordo com ele, pou- co menos de 30 inquéritos se arrastam à espera de conclusão. Há três anos na de- legacia, ele ressalta que o problema é "he- rança" de outras administrações. "Estou há três anos. Quando cheguei já tinha um bocado de inquérito. A gente vai traba- lhando como pode, mas além dos homi- cídios temos os outros casos como aci- dentes de trânsito, agressões, isso gera pro- blema", diz. Corregedoria: último degrau Em Mossoró, as famílias de Francis- co Fernandes Neto, o "Netinho", Jair de Lima Ferreira, e Augusto Vicente Lopes Neto, todos eles tratados pela polícia co- mo "estatística", já procuraram todos os meios possíveis em busca da justiça. Mas, até agora, parece que esses meca- nismos não vêm surtindo efeito. Audiên- cias com delegados, promotores de justi- ça e até mesmo a tentativa de falar com juízes criminais, não deram certo e, o úl- timo passo, é buscar a Corregedoria. A Corregedoria da Polícia Civil é o órgão responsável pela fiscalização da ins- tituição em todo o Rio Grande do Nor- te. E esse foi o caminho tomado por So- nali Ferreira de Lima, filha de Jair de Li- ma. Ela foi até Natal e prestou queixa na Corregedoria contra a Primeira Delega- cia de Polícia Civil. Em contato com a reportagem, ela dis- se que a equipe da Corregedoria mostrou- se espantada com as denúncias que ela fez e que foi solicitado um prazo de 30 dias, que está prestes a se vencer. "Essas pessoas não podem ficar impunes. Eles matam e a polícia não faz nada. O que nós queremos é justiça, só isso!", desabafa So- nali. "Esse era o meu último degrau para encontrar uma solução para o massacre que está sendo feito com minha família e com todas as outras que perderam al- guém e que dependem daquela delegacia", acrescenta. Ao ser questionada sobre suas esperan- ças de um dia ver os responsáveis pela mor- te do seu pai serem punidos, ela é taxati- va: "a esperança é a última que morre. Eu vou lutar por isso até o fim da vida". A família de Augusto Lopes também pretende seguir esse mesmo caminho e logo após a publicação dessa reportagem, eles dizem que vão à Natal, em busca da Corregedoria para denunciar a Primeira Delegacia. (AR) A situação da Primeira Delegacia de Polícia Civil de Mossoró vem se agravando durante os últimos anos. A falta das mínimas condições de trabalhado, aliada ao descaso de alguns poli- ciais que já passaram por lá ou que trabalham atualmente, fez com que a I DP ficasse conheci- da na região Oeste do Rio Grande do Norte co- mo a pior de todas, fazendo com que os delega- dos não aceitem trabalhar naquela unidade. De acordo com um delegado que pediu pa- ra não ser identificado, no meio policial existe um certo medo de assumir a I DP e todos os problemas que vêm se acumulando naquela uni- dade durante os últimos anos. A missão de le- var nas costas uma DP sucateada, abarrotada de inquéritos, foi aceita pelo delegado Caetano Baumman de Azevedo, que além da I DP, res- ponde pela Segunda Delegacia Regional de Mos- soró e outras cidades dessa região. Na semana passada, a Delegacia Geral de Polícia Civil (DEGEPOL) promoveu um ro- dízio de delegados na região devido à aposen- tadoria do delegado José Milton Rodrigues, que respondia pela Delegacia do Adolescente (DEA). De acordo com o delegado consulta- do pela reportagem, o medo maior dos dele- gados que iriam participar do rodízio era que a Degepol os designasse para a Primeira DP. "Hoje, todos os delegados sabem que ela é a pior e, por isso, ninguém quer ir pra lá com medo de se 'queimar', porque sua imagem vai ser atrelada a ela", diz. Nos últimos anos, passaram pela Primeira DP o delegado Roberto Moura, que hoje está à frente da Delegacia de Areia Branca, José Milton Rodrigues, que se aposentou, Antônio Pinto, responsável pela Delegacia de Macau, e, por último, Luiz Antônio, que agora assumiu a Delegacia Especializada em Defraudações e Falsificações (DEDF) de Mossoró. Todos, sem exceção, reclamavam da falta de estrutura e das péssimas condições de tra- balho que eram submetidos, juntamente com suas equipes. (AR) Delegados fogem da I DP Entendo a posição das famílias, mas elas têm de entender que há situações em que fazemos o que pode ser feito" CAETANO BAUMANN delegado da 1ª DP A situação de Mossoró é um caos. Absurdo. Não tem como chegar ao responsável por um crime sem uma investigação qualificada e um trabalho de perícia bem feito" ÍTALO MOREIRA promotor criminal Editoria de arte: Neto Silva

description

Continuação da reportagem

Transcript of 1ª DP: DEPOSITO DE INQUERITOS

SEM FREIO PARA A VIOLÊNCIA

Jornal de Fato

Domingo, 23 de maio de 2010 5popular

ESDRAS MARCHEZAN

Da Redação

Sem um trabalho eficiente de inves-tigação dos crimes a onda de assassina-tos e execuções, em Mossoró, se man-tém no mesmo nível de anos anteriores.Sem culpados, novas mortes acontecem.Muitas em plena luz do dia. No ano pas-sado, o Instituto Técnico-científico dePolícia (ITEP) registrou 103 homicídiosna área da cidade. Neste ano, entre ja-neiro e os primeiros dias de maio, 41pessoas já foram assassinadas em Mos-soró. Mais de 80% desses casos (82,93%)através de armas de fogo.

Os números revelam um fato inte-ressante. Aos poucos, os assassinatos eexecuções se fazem presentes em todosos pontos da cidade. De trinta bairrosmapeados pelo relatório do Itep/Mosso-ró, os homicídios por arma de fogo es-tiveram presentes em 29 deles no ano pas-sado. O único bairro que ficou de forada violência em 2009 foi o Planalto 13de Maio. Santo Antônio (13), Alto de SãoManoel (10) e Zona Rural (10) lidera-ram o ranking. No primeiro, todos oshomicídios registrados foram por armade fogo. A atuação do tráfico de drogasnaquela área está diretamente ligada àgrande parte dos crimes. Barrocas e Be-lo Horizonte - cada um com sete homi-cídios - vem em seguida. Neste ano, San-to Antônio (8) e Barrocas (4) são os pon-tos da cidade que registraram os maio-res índices de homicídio. Mais de 50%das pessoas assassinadas em Mossoró pos-suem entre 16 e 30 anos de idade e sãohomens.

O promotor criminal Ítalo Moreira,que atua no tribunal do júri popular, re-força a informação de que sem investi-gação policial fica mais difícil colocarna cadeia os assassinos. "Não tem traba-lho de investigação nas delegacias de Mos-soró. Digo isso não me referindo aos po-liciais, mas à estrutura. Sem estrutura,os policiais não investigam e os inquéri-tos ficam parados. Assim o MinistérioPúblico não tem como condenar os res-ponsáveis", comenta o promotor.

Ele explica que em alguns casos queo Ministério Público Estadual (MPE)toma conhecimento, novas diligênciassão solicitadas à polícia, mas o inquéri-to demora muito tempo para retornaraos promotores. "Na verdade, a situa-ção de Mossoró é um caos. Absurdo. Nãotem como chegar ao responsável por umcrime sem uma investigação qualifica-da e um trabalho de perícia bem feito.Para isso não temos equipamentos, es-trutura", disse.

O delegado Caetano Baumann - queestá à frente da 1ª DP - confirma que cer-ca de 100 inquéritos estejam nessa situa-ção na delegacia, mas faz questão de fri-sar que não é falta de vontade da polí-cia. "Pelo contrário. Temos policiais quefazem até mais do que podem, mas senão temos estrutura para trabalhar va-mos fazer o que? Entendo a posição dasfamílias, mas elas têm de entender quehá situações em que fazemos o que po-de ser feito. Sem contar que há casos so-lucionáveis, mas há outros que não têmsolução", comenta o delegado que, alémda 1ª DP, é responsável pela delegacia re-gional de Baraúna, Upanema e ainda doplantão em alguns dias.

O delegado Rubério Pinto, da 2ª DP,disse que naquela distrital a situação es-tá controlada. De acordo com ele, pou-co menos de 30 inquéritos se arrastam àespera de conclusão. Há três anos na de-legacia, ele ressalta que o problema é "he-rança" de outras administrações. "Estouhá três anos. Quando cheguei já tinha umbocado de inquérito. A gente vai traba-lhando como pode, mas além dos homi-cídios temos os outros casos como aci-dentes de trânsito, agressões, isso gera pro-blema", diz.

Corregedoria:último degrau

Em Mossoró, as famílias de Francis-co Fernandes Neto, o "Netinho", Jair deLima Ferreira, e Augusto Vicente LopesNeto, todos eles tratados pela polícia co-mo "estatística", já procuraram todos osmeios possíveis em busca da justiça.

Mas, até agora, parece que esses meca-nismos não vêm surtindo efeito. Audiên-cias com delegados, promotores de justi-ça e até mesmo a tentativa de falar comjuízes criminais, não deram certo e, o úl-timo passo, é buscar a Corregedoria.

A Corregedoria da Polícia Civil é oórgão responsável pela fiscalização da ins-tituição em todo o Rio Grande do Nor-te. E esse foi o caminho tomado por So-nali Ferreira de Lima, filha de Jair de Li-ma. Ela foi até Natal e prestou queixa naCorregedoria contra a Primeira Delega-cia de Polícia Civil.

Em contato com a reportagem, ela dis-se que a equipe da Corregedoria mostrou-se espantada com as denúncias que elafez e que foi solicitado um prazo de 30dias, que está prestes a se vencer. "Essaspessoas não podem ficar impunes. Elesmatam e a polícia não faz nada. O que nósqueremos é justiça, só isso!", desabafa So-nali.

"Esse era o meu último degrau paraencontrar uma solução para o massacreque está sendo feito com minha famíliae com todas as outras que perderam al-guém e que dependem daquela delegacia",acrescenta.

Ao ser questionada sobre suas esperan-ças de um dia ver os responsáveis pela mor-te do seu pai serem punidos, ela é taxati-va: "a esperança é a última que morre. Euvou lutar por isso até o fim da vida".

A família de Augusto Lopes tambémpretende seguir esse mesmo caminho elogo após a publicação dessa reportagem,eles dizem que vão à Natal, em busca daCorregedoria para denunciar a PrimeiraDelegacia. (AR)

A situação da Primeira Delegacia de PolíciaCivil de Mossoró vem se agravando durante osúltimos anos. A falta das mínimas condições detrabalhado, aliada ao descaso de alguns poli-ciais que já passaram por lá ou que trabalhamatualmente, fez com que a I DP ficasse conheci-da na região Oeste do Rio Grande do Norte co-mo a pior de todas, fazendo com que os delega-dos não aceitem trabalhar naquela unidade.

De acordo com um delegado que pediu pa-ra não ser identificado, no meio policial existeum certo medo de assumir a I DP e todos osproblemas que vêm se acumulando naquela uni-dade durante os últimos anos. A missão de le-var nas costas uma DP sucateada, abarrotada deinquéritos, foi aceita pelo delegado CaetanoBaumman de Azevedo, que além da I DP, res-ponde pela Segunda Delegacia Regional de Mos-soró e outras cidades dessa região.

Na semana passada, a Delegacia Geral dePolícia Civil (DEGEPOL) promoveu um ro-dízio de delegados na região devido à aposen-tadoria do delegado José Milton Rodrigues,que respondia pela Delegacia do Adolescente(DEA). De acordo com o delegado consulta-do pela reportagem, o medo maior dos dele-gados que iriam participar do rodízio era quea Degepol os designasse para a Primeira DP."Hoje, todos os delegados sabem que ela é apior e, por isso, ninguém quer ir pra lá commedo de se 'queimar', porque sua imagem vaiser atrelada a ela", diz.

Nos últimos anos, passaram pela PrimeiraDP o delegado Roberto Moura, que hoje estáà frente da Delegacia de Areia Branca, JoséMilton Rodrigues, que se aposentou, AntônioPinto, responsável pela Delegacia de Macau, e,por último, Luiz Antônio, que agora assumiua Delegacia Especializada em Defraudações eFalsificações (DEDF) de Mossoró.

Todos, sem exceção, reclamavam da faltade estrutura e das péssimas condições de tra-balho que eram submetidos, juntamente comsuas equipes. (AR)

Delegadosfogem da I DP

Entendo a

posição dasfamílias, mas

elas têm de

entender que

há situaçõesem que

fazemos o que

pode ser feito"

CAETANO BAUMANN

delegado da 1ª DP

‘A situação deMossoró é um

caos. Absurdo.

Não tem como

chegar ao

responsável porum crime sem

uma investigação

qualificada e um

trabalho de

perícia bem feito"

ÍTALO MOREIRA

promotor criminal

Editoria de arte: Neto Silva