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E DO VINHO NA MADEIRA GENUINE r . -- -. . . .. C - I . . - v ie ir a v ie ir a BREVIARIO DA VINHA E DO VINHO NA MADEIRA Um aspecto do serrado de vinhas e Armazém de Cossart, Gordon & Co. em São Marlinho (extraído de rótulo antigo) BREVIARIO DA VINIIA E DO VINHO NA MADEIRA 5000 exemplares Rótulo antigo Dfrcltos reservndos para n Lingun Portuguesn Tirngem Depdslto Legal Cnpn No Erontispicio Autor Titulo Editar v ie ir a 2.a edição ALBERTO VIEIRA v ie ir a

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E DO VINHO NA MADEIRA

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BREVIARIO DA VINHA E DO VINHO NA MADEIRA

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Autor

No Erontispicio

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Editar

Dfrcltos reservndos

para n Lingun Portuguesn

Depdslto Legal

Tirngem

BREVIARIO DA VINIIA E DO VINHO NA MADEIRA

Um aspecto do serrado de vinhas e Armazém de Cossart, Gordon & Co. em São Marlinho (extraído de rótulo antigo)

Rótulo antigo

MARINHO MATOS EUROSIGNO PUBLICAÇÓES, LDA. Rua Nova da Misericórdia, 208-1.0 F Esq. 9500 PONTA DELGADA (Açores) B? (096) 32272 132278

EUROSIGNO PUBLICAÇÕES, LDA, ediçtío : 1990

2.8,edição: 1991

TIPOGRAFIA BARBOSA & XAVIER, LDA. Rua Gabriel Pereira de Castro, 31-C 4700 BRAGA E%' (053) 230 63 FAX (053) 61 53 50

5000 exemplares

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ALBERTO VIEIRA

BREVIÁRIO DA VINHA E DO VINHO NA MADEIRA

2.a edição

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Perfuma e alegra o solo um vinho histórico, produ.to de castas primitivas, sangue de raça a perpetuar na ilha o nome de Portugal. Foi este vinho companheiro dos colonos na rota da descoberta; postou-se de guarda h porta de suas casas, de braços abertos, numa ramada acolhedora a parentes, amigos e vizinhos; dá-lhe vida no trabalho; vibra-lhe na alma em festas de família e todos os anos se renova no barril ou quartola para o aquecer no Inverno, estugar-lhe o passo nas romarias do Verão, firmar promessas, selar contratos, fechar negócios e ser providência económica no seu lar.

(EDUARDO PEREIRA, Ilhas de Zargo, Funchal, 1967, vol. I, pp. 558-559)

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1. Armar da Cidade do Fwichal. Couim e M d . 18Eô.

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2. Armalem de vinhos de Isidm Gongalves.

3. Ediflcio do Instituto do Vinho da Madeira. Foi reiidéncia do cbnsul @gKs Henry Vcitch e armaz6m de vinhos de Iridro Gongalves.

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vinha e o vinho surgem no processo histórico madeirense como o único elo de continuidade do devir económico. Desde os inícios da ocupação da ilha que este produto, como componente fundamental da dieta alimentar da cristandade ocidental, assumiu uma posição relevante na estru- tura agrária madeirense, quer pela sua intervenção na dieta alimentar, quer pelo seu alto valor comercial; da necessidade da despensa diária dos cabou- queiros madeirenses passou a componente obrigatório da copa dos marean tes, mercê das suas propriedades na luta contra o escorbuto e, depois, a ração das cantinas militares das colónias inglesas nas Índias Ocidentais e Orientais. Estes três vectores foram suficientes para a definição de um potencial mercado consumidor, que se foi moldando de acordo com a evolução da conjuntura política e económica do Atlântico e Índico.

Os testemunhos dos viajantes quatrocentistas e quinhentistas atestam que o mercado europeu, nomeadamente o inglês, firmou-se no início como o consumidor preferencial, depois, nos séculos XVII a X I X , a documen- tação alfandegária da conta de que o principal comprador se situava nas colónias inglesas, e, finalmente, a conjuntura de independência no conti- nente americano aliada a extrema vulnerabilidade das rotas de ligação, mercê da incidência do corso, trazem-no de retorno a Europa, nomeada- mente nórdica, que se afirmará, desde a segunda metade do século X I X , como o principal destino do nosso vinho.

Na América do Norte, acompanhou os presidentes Benjarnim Franklin, George Washington, John Adams e Thomas Jefferson no seu dia-a-dia, mantendo-se na actualidade como brinde oficial e m actos de grande solenidade'. A par disso, foi companheiro assíduo dos heróis do «far- -west» nas suas cavalgadas e lutas nos vales do Arizona. No Brasil, foi levado pelos bandeirantes até ao sertão aurífero, enquanto na índia serviu de antídoto a permanente saudade do Velho Mundo para as hostes britâ- nicas ai sediadas. Mas, na Europa, o vinho Madeira requintou as companhias e ambientes, sendo o preferido da coroa britânica e dos czares russos. E m síntese, u m vinho de superior qualidade e elevado preço, que apenas poderia ser saboreado pelas gentes importantes dos quatro cantos do mundo.

Note-se que, desde o século X'V, o vinho surgia já como u m impor- tante produto ao nível das trocas externas da ilha, mas só a partir do terceiro quartel do século seguinte, se firmou como o produto dominante

T. B. DUNCAN, Atlantic Islands ( . . .), Chicago, 1972, pp. 250-251.

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desse movimento de troca com o exterior, surgindo nos séculos XVIII e XIX como a única fonte de receita da região e a moeda de troca as manu- facturas e mantimentos de importação. De acordo com a manifestação expressa pelas autoridades madeirenses na primeira metade do século XIX, este era a única bandeira que o ilhéu podia acenar e despertar a atenção das embarcações que sulcavam os mares madeirenses.

A conturbada conjuntura politica da primeira metade do século XIX, aliada ao aparecimento do oídio (1852) e a fiíoxera (1872), conduziram a uma situação de crise na produção e comércio do vinho madeirense, com implicações sociais e económicas imprevisíveis; desde a década de trinta a miséria, a fome e a emigração foram os epítetos mais badalados para definir a situação da ilha.

Até à necessária e completa reconversão da viticultura madeirense, e m curso, a vinha e o vinho viveram momentos difíceis e de concorrência de outros produtos, como a cana-de-açúcar. Todavia, a permanente solici- tação do preferencial mercado europeu pressionou a necessária reconversão e aumento da qualidade. O consumidor, a politica comunitária e o empenho das autoridades locais propiciam uma nova era para o comércio e consumo do vinho da Madeira. Tal como no século XVI a conjuntura permitiu a sua expansão, uma vez que este adquiriu u m estatuto preferencial nas expor- tações da ilha. Além disso, como produto único e disfrutando de uma tradição mais que secular no mercado mundial, está e m condições de reas- sumir a sua posição cimeira no mercado externo madeirense; as tentativas de falsificação feitas pelos americanos ou soviéticos foram rejeitadas pelos habituais consumidores e mereceram a reprovação das organizações inter- nacionais, situação que comprova a sua posição preferencial na economia da ilha n o contexto europeu.

Pariindo dessa desmesurada valorização da vinha e do vinho na actual conjuntura económica madeirense, propomos ao longo de dezanove temas uma reflexão, e m termos de breviário, sobre alguns aspectos relacionados com este produto, que poderão contribuir para a definição de uma correcta e actual política vitivinícola. Por aqui passarão palavras e conceitos comuns aos enólogos, viticultores e historiadores, com u m tratamento di;ferente, marcado pelo devir da realidade histórica; assim, falaremos de aguar- dente, alambique, baldeação, balseira, borracho, comércio, crise, direilos, estufas, lagar, latadas, mercadores, mercados, produção, pro teccionismo, roda (vinho de), vindima, vinificação, viticultura.

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4. ~ u r n e m ~ r a ~ ~ ~ ~ r t a n d o certos para a vindima. Erircilo de Carnara de Lobos.

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MADEIRA

5. ROtulos antigos

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O processo de vinificação na ilha evoluiu de acordo com a solici- tação do mercado e a divulgação das técnicas então experimentadas na Europa. A tecnologia francesa, sempre na vanguarda, não era alheia aos madeirenses, que procuravam assim usufruir dos seus benefícios no apuramento do vinho a exportar; a afirmação do mercado colonial, com condições específicas em termos de variação climática, implicava redo- brados cuidados, enquanto a expansão da cultura da vinha em altitude e na vertente norte, colocava ao dispor do mercado vinhos de menor quali- dade que precisavam de ser fortificados com aguardente. Foram os ingleses os primeiros a chamar a atenção para esta necessidade e foram, também eles que fizeram chegar a ilha as primeiras aguardentes de França.

O alvorecer do século XVIII marca o início dessa prática que se manterá até à actualidade; as aguardentes francesas invadem o mercado madeirense, sendo importadas a partir da Inglaterra por intermedio do mercador inglês. Mas o facto de este se ter habituado a adulterá-las com a adição de água, à sua passagem por Inglaterra, levou as autoridades da ilha a proibir a sua importação até 1760. A partir desta data levan- tou-se o embargo, permitindo-se a entrada de pequenos lotes para «adubar» alguns vinhos de embarque, mas cedo se generalizou o seu consumo na vinificação e como bebida, aumentando o número de pipas importadas.

Desde então o uso da aguardente de França no trato do vinho de embarque é uma realidade, mas as reacções a essa situação não se fizeram esperar; em 17822 a Junta da Real Fazenda autoriza o despacho de vinte vasilhas desta aguardente, mas em 1793 a sua introdução é feita por meio de contrato exclusivo com um particular por nove anos 3, a 1200 reais o galão; todavia, em 1794, interditava-se a entrada de aguardente de Valença, pois a permissão era apenas para as aguardentes de França.

Até 1821 defendeu-se a livre entrada desta aguardente francesa, con- siderada única e capaz para a «adubagem» dos vinhos de superior qualidade

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2 Arquivo Nacional da Torre do Tombo [= ANTT], Provedoria e Junta da Real Fazenda do Funchal [= PJRFFI,

n." 942, El. 96. ANTT, PJRFF, n.O 761, foi. 196-197.

Aguardente

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6 . Vinificagáo no armazem de Cosrart. Gordon & Co. ISRO

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produzidos na ilha. Mas desde esse momento, marcado de profundas alte- rações político-institucionais em que se vive na ilha, uma profunda crise do comércio do vinho -os stocks de vinho eram elevados e pouca a exportação - começaram a surgir entraves a sua entrada, conduzindo a limitação do seu uso e depois a sua proibição.

O ano de 1821 marca a viragem do domínio do grande comércio das aguardentes de França, sob controlo do mercador inglês, para o dos proprietários de fábricas de destilação contínua, apostados no escoamento do vinho em armazém e, mais propriamente, do vinho de baixa qualidade do norte da ilha; a tecnologia francesa havia chegado a ilha e os madei- renses estavam já preparados para fabricar a sua aguardente com qualidade semelhante à francesa. Assim, nesse ano4, em petição as cortes solici- tava-se a proibição da entrada desta aguardente, pois as da terra eram «de qualidade e quilates superiores a todas as aguardentes conhecidas», não podendo de modo algum «ser igualadas em bondade por outra alguma conhecida)), uma vez que «operam tanto no concerto e trato dos nossos vinhos, em uma medida dada, quando produz o dobro da aguardente de França, além do benefício, que resulta a sua natureza homogénea)).

Que razões conduziram a esta mudança? A resposta a esta questão evidencia-se por dois aspectos particu-

lares da conjuntura vintista; por um lado temos a estagnação do comércio do vinho, a partir de 1814, de modo que as colheitas de 1819, 1820 e 1821 se mantiveram estagnadas nos armazéns, sem comprador, e isto de tal modo que em 1821 permaneciam retidas 20 000 pipas - em face disto, a queima de grande parte deste vinho surge como uma solução de improviso, capaz de relançar esse negócio -, por outro lado, temos a divulgação e aperfeiçoamento dos alambiques de destilação contínua, que passam a produzir aguardente de boa qualidade e mais adequada ao trato do vinho local.

Em 1823' os comerciantes e proprietários do Funchal, em repre- sentação conjunta, justificavam de forma evidente essa viragem: «Já ninguém duvida que os novos alambiques destilam com os nossos vinhos aguardente de superior qualidade, tanto para consumo de vinhos novos, como velhos, enquanto guardado de um para outro ano, capaz de rivalizar com a melhor, que aqui nos tem vindo de França, desta verdade estão todos convencidos, até as casas de comércio estrangeiras da maior inteli- gência, dignidade e respeito».

4 Arquivo Regional da Madeira [= ARM], Câmara Municipal do Funchal [=CMFJ, t. 15, fls. 100 v-104 e 263-264.

5 ARM, CMF, t. 15, fi. 129 v.

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7. M P q b de rodar. Século XM.

8. Maquinas-de encher garrnfas. SCculo XiX.

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A culminar a discussão oficial e jornalística6 surgem as medidas proibitivas de 31 de Julho de 1822 e de 2 de Janeiro de 1824. O comer- ciante inglês e acólitos, lesados nos seus interesses comerciais procuraram fazer frente a estas proibições por meio do contrabando, aproveitando os locais desprotegidos e livres da vigilância militar da costa sul; entre 1824 e 1830 estão documentados vários actos, muitas vezes sob o olhar atento dos guardas da alfândega, e daí o incessante lamento pela inefi- cácia da aplicação dessas medidas proibitivas.

Deste modo, até 1821, as aguardentes de França dominaram o pro- cesso de vinificação, passando-se a partir dessa data para a aguardente da terra, fabricada com os vinhos de baixa qualidade produzidos na área vitícola da vertente norte da ilha. Desde então, a aguardente da ilha afir- ma-se em quantidade e qualidade, passando o viticultor nortenho e o pro- prietário do alambique para uma posição cimeira no negócio do vinho. Esta foi a solução mais adequada para fazer frente ao elevado stock de pipas de vinho em armazém.

Enquadrado nesta política proteccionista, estabelecera-se, a partir de 1710, a proibição de entrada ou baldeação das bebidas estrangeiras, medida que foi alargada em 1799 as nacionais, apenas se permitindo a importação limitada da quantidade de aguardente de França, necessária para o trato do vinho. Também ficou proibida, desde 1814, a venda nas tabernas do Funchal e seu termo, de aguardente e mais bebidas espiri- tuosas; o período da ocupação da ilha pelas tropas britânicas (1801-1802, 1887-1814) havia conduzido à generalização do seu consumo e demais bebidas de fora; só em 1810 se permitiu a entrada de 3600 galões de aguardente para consumo da tropa inglesa. Em 1814 estas proibições eram justificadas do seguinte modo: «A experiência nos tem demonstrado a incli- nação geral do povo para o uso de bebidas espirituosas e também nos mostra o estrago que elas causam, pois muitos dados a esta sorte de bebidas têm acabado a vida com elas, Todos os médicos nacionais e estran- geiros atribuem ao uso das bebidas espirituosas o estrago da população, os danos a agricultura e comércio saltam aos olhos de todos (. . . ) » 7 .

Em face disto e dos prejuízos que a sua importação causava ao livre comércio, a Câmara e a Junta da Real Fazenda haviam decidido proibir a sua introdução, antes mesmo do necessário beneplacito régio. Assim sucedeu em 1836 com a cachaça do Brasil; para isso buscavam fundamentação nas medidas proibitivas de 1801, 1810, 1822, 1824 e a sua reprovação as medidas de 181 6 e 1825. Todavia, desde 1710 até meados do século XIX, manteve-se acesa polémica sobre a entrada de bebidas

6 O Patriota Funchalense, n.OS 9 a 14, 25, 26, 30, 31, 40 e 123. ARM, CMF, t. 14, fls. 79 V-81.

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espirituosas, sem que se tenha definido uma política acertada do seu comércio na ilha.

Mas de pouco valia a determinação da Junta da Real Fazenda e da Vereação funchalense se do Reino não vinha a desejada concordância, que muitas vezes tardava e, quando surgia, era contraditória e as vezes lesiva dos interesses do mercado madeirense. A Madeira valeu-lhe a dis- tância que se encontrava do Paço, a pertinácia da Junta e do Município na defesa do produto local. Se assim não fosse, cedo o seu vinho teria caído em desgraça pela concorrência no mercado local dos <<molhados» de fora. Assim não sucedeu, mercê dessa acção atempada das autoridades locais, mas não conseguiu manter a qualidade e o mercado consumidor foi seriamente ameaçado.

9. Fachada du armrz6m dc Blandr Bruiherr. 1880.

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Desde meados do século XVIII que os vinhos de superior qualidade da ilha destinados A exportação eram adubados com a afamada aguar- dente de França, conhecida em toda a Europa pela sua superior qualidade e acção beiiéfica sobre o vinho; generalizado o seu uso no processo de vinificação madeirense, teremos a sua assídua afluência a este mercado, trazida pelo mercador inglês. Depois seguiram-se os primeiros alam- biques de destilação continua para queima dos vinhos fracos do norte.

Escasseiam as referências aos primeiros alambiques na ilha; apenas podenlos situá-los a partir de 1821-22, momento em que a aguardente da terra se afirma perante a francesa. Em 1821, o Patriota Ftinchalense dh-nos conta de três alambiques: Tertuliano Turíbio de Freitas Vergolino, Pedro Petreli Santa Cruz (nos Moinhos) e Frederico Castro Novo8. A estes veio juntar-se, ein 1822', a fábrica de destilação contínua de Severiano Alberto de Freitas Ferraz, com «dois custosos e aperfeiçoados destilatórios, aonde se tem fabricado a mais perfeita aguardente)).

A acesa discussão em torno das aguardentes a usar na vinificação conduziu, em 31 de Julho de 1822, à proibição da importação da aguar- dente de França, a única usada até então no trato do vinho. Esta situação conduziu à valorização das aguardentes da terra e a um maior equilíbrio no coinércio e stocks de vinho. Assim foram criadas as condições para o aparecimento e generalização dos alambiques na ilha.

Tal como vimos, de França veio, primeiro, a aguardente e, depois, o alambique, que com a habilidade de alguns madeirenses, como Frede- rico Castro Novo e Severiano de Freitas Ferraz, se implantou, a partir de 182 1, na illia; ambos trouxeram daí os ,alambiques ou os conhecimentos necessários para a sua construção. O último construiu, em 1822, um alam- bique de destilação contínua baseado no modelo francês, o qual teve o apoio da Fazenda Nacional com um empréstimo de 500 000 reais; Por isso mesmo foi indeferido, nessa data, um pedido de importação de dois alambiques, no valor de 80 000 reais 'O; a Madeira lançava-se na aindús- tria)) de fabrico de alambiques e havia que ~rotegê-la.

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N.0"6,p .4 ;57 ,p .4 ;81 ,p .4 ;85 ,p .4 . ') ARM, CMF, 1. 15, fls. 24-26. 10 ANTT, PJRFF, n.O 105, I'l. 105; i 1 . O 763, fls. 146 v-147.

Alambique

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Severiano de Freitas Ferraz, com «um maquinismo de alambique de destilação contínua, no qual afiançava melhores resultados do que o dos últimos inventos de França existentes neste país» lançou mãos, em 1826, a um complexo de destilação com «cinco perfeitos aparelhos de destilação contínua habilmente dirigidos e com toda a vigilância e exactidão » " .

A partir de 1826, generalizou-se o uso dos alambiques, que se espa- lharam a toda a ilha, isto de tal modo que em 1828 Frederico Castro Novo havia montado no Funchal uma oficina para construção de alambi- ques novos ou conserto de velhos. Assim, em meados do século XIX temos treze alambiques, situando-se três no Funchal e em Santa Cruz, um em Ponta do Sol, um no Porto Moniz, um em Ponta Delgada, três em São Vicente, dois em São Jorge e um no Faial, que ferviam, em média, sete a oito mil pipas de vinho.

A distribuição geográfica dos alambiques pelas Areas produtoras de vinho é muito esclarecedora; a vertente sul, onde se produziam os melhores vinhos, apresentava apenas cinco, sendo três no Funchal e os outros dois em áreas onde se produziam os melhores vinhos do sul: Santa Cruz e Ponta do Sol. Na vertente norte, área de produção dos vinhos de baixa qualidade, temos oito alambiques, destacando-se três em São Vicente e dois em São Jorge, zonas de maior produção desta área. Assim se confirma que a luta em prol da qualidade e boa reputação do vinho, enquadrada em determinados momentos de crise, passava pela des- tilação dos vinhos baixos do norte e para tal com a instalação de Fábricas de destilação contínua.

11 Arquivo Histórico Ultramarino [= AHUI, Madeira e Porto Santo, n.O 9480; Defensor da Liberdade, n.O 2, p. 4.

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13. Borracheiros. Chegada ao Funchal.

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14. Arrnazknr de Krohn Broihers no Funchal. IR80

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Em momentos de grande procura, a oferta de vinho da ilha aumen- tava em quantidade, perdendo em qualidade; o mercado cada vez mais alargado, tornava necessário um stock elevado de vinho velho adequado ao embarque, que a parca área vitícola da ilha não comportava. O vinho de superior qualidade, insistentemente solicitado pelos inercadores, era incapaz de dar cabimento a tão incessante procura, daí o recurso à prática da baldeação do vinho, interna e externamente; era uma solução prática e rendosa que pouco abonava a economia vinícola. A História documenta a sua existência desde o século XVIII.

A configuração da ilha define duas áreas geo-climáticas com impli- cações directas na qualidade do vinho produzido. E comum diferenciar-se o vinho do norte do do sul e o vinho das meias terras abaixo do das meias terras acima. O vinho de superior qualidade produzia-se na vertente sul, nos vinhedos situados nas meias terras abaixo. Aí brotava o afamado rubinéctar tão apreciado pelo inglês. Assim os vinhos das meias terras acima e o originário da vertente norte, encontravam dificuldades no seu escoamento, embora vendidos a preço inferior. Esta situação lesava um grupo substancial de viticultores não abrangidos pela área de produção do vinho de superior qualidade que procurava, por todos os meios, vender o seu vinho; a forma mais comum e lucrativa era a denominada bal- deação interna, isto é, misturava-se o vinho de inferior qualidade com o de superior, vendendo-se o vinho baldeado a preço deste último.

Numa terra onde o processo de vinificação se mantinha tradicional e as hodiernas técnicas de análise laboratorial eram desconhecidas, ficando a sua avaliação dependente dos conhecimentos gustativos, era fácil ludi- briar esse eventual comprador.

Na primeira metade do século XVIII era comum o trato do vinho do norte com o suco de cereja negra, que lhe atribuía a coloração caracte- rística dos vinhos do sul, de modo a que, depois de baldeados com estes, fosse vendido como originário desta última região. O mercador e viti- cultor do sul sentindo-se lesados nos seus negócios reclamam junto do Senado da Câmara obtendo em 9 de Janeiro de 173712 a necessária

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12 AHU, Madeira e Porto Santo, n.O 291.

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Baldeação do vinho

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15. Borracheiros.

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postura que proibia a entrada de vinhos do norte nas partes do sul. Mas de pouco valeu tal medida pois que a mesma não coibiu tal prática, ao invés esta generalizou-se, de tal modo que, em 1768 13, o governador e capitão general da ilha, António de Sá Pereira, lamentava a Martinho de Mel10 e Castro a inexistência de vinho puro e de qualidade na ilha, sendo sua intenção colmatar essa lacuna com medidas de rigoroso controlo do seu transporte ou baldeação. Assim, por edital, proíbe-se a exportação, até Maio, dos vinhos do Porto da Cruz, Faial, Arco de São Jorge, Seixal, Porto Moniz, São Vicente, Ponta Delgada, Santana, São Jorge, Machico, Ponta do Pargo, Serra d'Água. Entretanto, aos vinhedos das melhores áreas - Câmara de Lobos, Canhas, Calheta, Arco da Calheta, Fajã da Ovelha - estipula-se a proibição da sua baldeação com os das terras atrás referidas 14 .

Nos anos de 1785 a 1786 estas medidas foram reforçadas com a obrigatoriedade de manter encascado o vinho do norte até Janeiro e, todo o que daí saísse antes dessa data, deveria ser portador da respectiva guia passada pelo juiz do lugar ou comandante do distrito; o vinho do norte só poderia ser movimentado no sul a partir de Maio. Também se ordenou, pelo edital de 27 de Fevereiro de 178816, o arranque ou enxertia das cerejeiras pretas, usadas na coloração do vinho. Contra esta medida manifestaram-se Manuel Acciaouli e o cónego Pedro Nicolau Acciaouli, tendo-se gerado acesa polémica que, mercê da teimosia do cónego, o levou a prisão. Mas mesmo assim, esta iniciativa repressiva não foi suficiente para demover a pertinácia de alguns viticultores, urna vez que em 181917 surge idêntica situação. Com determinação e afinco se bateram os governantes e capitães generais António de Sá Pereira e Diogo Forjaz Coutinho, mas foram incapazes de demover certos viticultores desta prática fraudulenta e lucrativa.

O vinho da ilha rivalizava então com qualquer vinho europeu ou insular e apresentava-se como o afamado rubinéctar da mesa do colonialista europeu. Açores e Canárias, regiões de elevada produção de vinho, mas de inferior qualidade, procuravam tirar partido desta situação por meio da baldeação do seu vinho com o da Madeira, ou a venda do seu vinho com o rótulo do Madeira.

Estamos em finais do século XVIII, o vinho da Madeira não chegava para a procura desmesurada, daí o recurso, quer a vinho de fraca quali-

13 AHU, Madeira e Porto Santo, n.' 289. 14 AHU, Madeira e Porto Santo, n . O S 280, 310-31 1 e 346. 15 ARM, Governo Civil, n.O 70, fls. 33 v-35 v. 16 AHU, Madeira e Porto Santo, n.OS 824 a 838. 17 ANTT, PJAFF, n.' 942, fl. 120.

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I R . Coma Transporfr dr pipa de vinho.

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dade da ilha, quer ao das ilhas vizinhas, quer, ainda, no trato acelerado com a estufa, a solução adequada para esta ingente solicitação. Muitas das embarcações que demandavam a Madeira a procura de vinho, viam-se obrigadas a rotear as Canárias ou fazer-se ao largo a procura dos portos de Angra e da Horta, onde carregavam os seus porões de pipas com rótulo de Madeira. Por vezes trazia-se vinho destas áreas para o Funchal, onde se baldeava, ao largo ou no porto, com vinho da terra.

Em 1791 18, o cônsul inglês, Carlos Murray, reclamava contra a fraude praticada por alguns mercadores locais que exportavam vinhos da Madeira para as Canárias, onde se loteavarn com os de produção local, muito mais baratos e de inferior qualidade, para depois os venderem falsificados com o designativo de Madeira, sendo assídua a sua prática nos anos de 1784-1787 e 1796.

A baldeação com o vinho açoriano está documentada a partir de 1800 l 9 mantendo-se em 1810; em 1800 o comerciante de vinhos, Domingos Oliveira Júnior, tinha representação comercial no Faial donde fazia extrair quantidades elevadas de pipas de vinho para a Madeira, onde eram baldeadas, aliás o mesmo é referenciado como um dos principais activadores desse negócio lesivo servindo-se do vinho das Canárias, Açores, Málaga e Catalunha.

Para pôr cobro a esta prática especulativa de alguns comerciantes foram tomadas severas medidas de controlo do comércio de saída do vinho; primeiro, em 1800, com a exigência de marcar as vasilhas de exportação do vinho da Madeira e dos Açores e a proibição de saída das mesmas vazias para fora da ilha; depois, com a obrigatoriedade do uso de manifestos singulares e outros documentos autênticos para a comprovação da origem e qualidade do vinho, e, finalmente, em 1812-1814 'O, com a proibição da entrada de qualquer vinho, bem como da sua baldeação ou franquia.

Esta prática da baldeação interna ou externa, corrente em finais do século XVIII e princípios do século XIXI apresentava-se como lesiva para a economia insular, conduzindo ao descrédito do vinho da Madeira, no seu potencial mercado. Deste modo houve que atender a estes inconve- nientes com a severidade das medidas punitivas que se lançaram; primeiro, coibindo a prática da baldeação dos vinhos do norte com os do sul, passando-se pela proibição das cerejeiras pretas e, depois, com a prática fraudulenta da baldeação dos vinhos do Faial e Canárias foram encaradas soluções drásticas, como proibição da sua entrada, a marcação das pipas, interdição de saída das vazias e, finalmente, o uso de certidões de embarque.

18 AHU, Madeira e P o r t o Santo, n . O 1235. 19 AHU, Madeira e P o r t o Santo, n.OS 1221 1255. 20 ANTT, Alfândega do Funchal, n.' 238, 8. 196; ANTT, P J R F F , n.O 404, fl. 463.

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19. Latada em Camara iIc Lohr>s

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A cultura da vinha na Madeira espraiava-se nos patamares, ao longo do declive montanhoso. No sul, junto ao mar, e das meias terras acima, abundava a vinha de pé rastejante, por entre o basalto existente, enquanto na região intermédia e, mais propriamente, urbanizada, dominavam as latadas. No norte, região de forte arvoredo e humidade do ar, abundavam as balseiras, isto é, a vinha enlaçada em árvore, que servia de suporte aos bacelos; plantava-se o bacelo junto a uma árvore com ramagem ampla, orientando-se depois a videira ao longo do seu tronco e ramos.

Era comum o uso do carvalho, castanheiro, freixo e loureiro como árvores de suporte. No entanto, em 185321, em face de uma demanda entre um senhorio e um caseiro, temos também referenciado o uso de pessegueiros, damasqueiros, figueiras, ameixoeiras e laranjeiras. A prática deste sistema de suporte das videiras está documentada a partir de 1759, mas é de concluir da sua utilização desde os primórdios da ocupação da ilha, uma vez que era já usada no norte de Portugal.

A balseira havia-se generalizado na vertente norte, região de maior arborização da ilha, facilitando a faina vitivinícola; o viticultor deixava a videira desenvolver-se e entrelaçar-se na árvore, não sendo necessário construir as latadas de suporte, a sua intervenção resumia-se apenas a retirar, momentos antes da vindima, parte da folhagem da árvore de suporte, de modo a que as uvas recebessem os raios solares e atingissem rapidamente a necessária maturação.

Em 1853 22, Eduardo Grande estabelece algumas normas para a vinha em balseira. Este, após referir os inconvenientes que daí advinharn para as uvas que raramente amadureciam, chama a atenção para o uso de «cavalos» americanos a servir de base a enxertia, e da necessidade de seleccionar as árvores de suporte com menos folhagem, como o carvalho, o castanheiro e o freixo.

O oídio pôs termo a este sistema de cultivo da vinha, obrigando à generalização da latada, sistema adequado para um acompanhamento constante da evolução do ciclo vegetativo da videira. No norte, o aban-

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21 Sentenças dum Juiz de Direito, Lisboa, 1860, p. 40. 22 Sociedade Agrícola do Funchal, Relatório, 1865, pp. 74-76.

Balseira

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dono da cultura da vinha e a morte das «videiras parasitárias,,, conduziram ao desaparecimento da balseira, substituída pela latada e vinha de pé. Todavia, ainda hoje podemos encontrar, principalmente em São Vicente, alguns carvalhos e castanheiros a servirem de suporte as parreiras dei- xadas ao abandono; são vestigios de uma tecnologia tradicional trazida das áreas viticolas do norte de Portugal pelos viticultores que lá assen- taram sua morada; vestigios dum passado remoto, testemunhos da pouca dificuldade da sua cultura.

Em tempos idos a vinha medrava, sob o olhar complacente do ilhéu, em balseiras, obrigando ao homem pouco esforço físico. Hoje, a vinha aramada, onde possível, vem substituindo a latada e vinha de pé, suces- soras da balseira, tornando fácil a sua cultura por meio da mecanização da faina vitivinícola.

20. Mulhcr com traje regicinal. iuntu de latada. 1880.

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5 1 Borracho

O borracho OU odre, foi, em tempos idos, o meio mais eficaz de transporte do mosto das lagariças, disseminadas pelo meio rural. oara

. I os armazéns da cidade, OU portos locais. Este e r a feito a partir da pele de cabrito, devidamente tratada e preparada para poder transportar o mosto. Desta forma, se procurava minorar a dificuldade e a canseira do transporte do vinho, criando-se um recipiente que se adaptasse perfei- tamente ao dorso do homem.

0 borracho é dos poucos componentes da f a i n a vitivinícola tipica- mente madeirense. Apenas na Madeira ele foi utilizado para o transporte do mosto do lagar ao armazém. Todavia, não é uma criação madeirense, pois aparece nas Canárias, no Sul da Península e Nor te de Africa. Nesta ultima localidade, donde pensamos seja originário este utensílio, era e e usado para o transporte e guarda de água. Nas Canárias, o seu uso generalizou-se na população guanche para guardar o gofio.

A. forte presença de escravos guanches na Madeira, na segunda metade do século XV, aliada a assídua participação madeirense nas cam- panhas militares marroquinas, terão contribuído para o aparecimento deste tipo de utensílio na nossa ilha. Note-se, ainda que os guanches eram pas- tores de cabras, e que com eles vieram os primeiros exemplares de gado caprino que povoaram as encostas das ilhas do arquipélago.

Ao longo dos séculos XVI e XVII abundam nos testamentos refe- rências a este recipiente, então chamado odre. A primeira representação do seu fabrico e uso surge no cadeirado da Sé do Funchal, datado de princípios do século XVI. Até ao último quartel do século XVIII conti- nuou a utilizar-se esta designação. Certamente a expressão borracho é uma criação dos nossos dias, uma vez que não encontramos em séculos anteriores semelhante designativo.

A razão do uso do odre ou borracho no t ranspor te do vinho é apre- sentada em documentos de 1777 onde se afirma que no transporte do mosto para as adegas se utilizavam os barris de dois almudes ou «odres sobre ombros de homens porque a escabrosidade dos caminhos faz impra- ticáveis outras conduções » .

O borracho destaca-se, assim, como o único componente da safra vitivinícola tipicamente madeirense, dai a necessidade da sua preser- vação e, porque não, o uso e divulgação nas míiltiplas iniciativas cul- turais e turísticas.

23 ANTT, PJRFF, n.O 994, fls. 8-1 1.

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A posição dominante do porto do Funchal, desde o início da ocupação da ilha, nas rotas de navegação atlântica, contribuiu para a expansão do comércio do vinho madeirense; a rota do vinho da ilha imbrica-se nas do comércio de escravos, das especiarias, ouro e prata. A par disso a necessidade de debelar o escorbuto, O principal perigo da vida a bordo, com o recurso a diversos antidotos, de que o vinho era um dos principais componentes, conduziu a necessária valorização do vinho da ilha na vivência colonial e europeia. Ambos os factores contribuíram para a definição do mercado consumidor e afirmação deste produto no âmbito da economia colonial entre os séculos XVII e XIX.

A quebra desse movimento, só será possível em face da conjuntura conturbada do espaço atlântico, mercê das guerras europeias (1740-1748, 1806-1809) e americanas (1776-1790)) que se extendem ao oceano com a guerra de represália ou corso. Assim, seremos confrontados, a partir de

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princípios do século XIX, com uma quebra acentuada do consumo

Comércio

e comércio com os principais mercados, nomeadamente o americano. Tal situação foi muito prejudicial à economia da ilha, uma vez

que todos os seus interesses econóinicos incidiam sobre este produto. A documentação do período de 1779 a 1821 retrata essa tendência exclusi- vista e OS malefícios que daí advinham para a débil economia madeirense; assim o enunciava um documento de 18 19 24 : :«A agricultura consiste em vinhos, mas a ilha que só tem este género de exportação, a que seus habitantes se entregam todos pela certeza do lucro, abandonam o essen- cial, importam todos os outros géneros. Embora a ilha se fortifique e se defenda de qualquer ataque, a viva força, porque não pode resistir a um cabouqueiro, visto que de tudo carece».

O comércio do vinho da Madeira está documentado desde o século XV, bastando para tal a referência ao testemunho de cadamosto e Shakespeare. Todavia, só em finais do skculo XVI este adquire uma posição dominante nas exportações da ilha; posição que saiu reforçada na primeira metade do século seguinte. Para isso em muito contribui a

24 AHU, Madeira e Porto Saizto, n.' 518.

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26. Piepsi-n(-5r> do embarque nos armmens de Cosran. C<ird<in & C".

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forte e activa presença inglesa na ilha no período ap6s 1640. Note-se que, em 166925, segundo opinião do cônsul francês, o vinho era o único meio de comércio da ilha. Todavia, s6 no século XVIII surgem registos alfande- gários que permitem atestar essa observação.

O século XVIII é considerado o momento, por excelência, do comércio do vinho da ilha; é a época em que se atingem os valores mais elevados nas exportações. Assim, em 1700, o quantitativo de pipas exportadas (10 000) é cinco vezes superior ao de 1646, enquanto no período de 1794 a 1801, considerado como o principal momento desse apogeu, suplanta- ram-se as 40 000 pipas; estamos perante uma situação de conflito na Europa e os principais mercados do vinho estão encerrados, daí o recurso a Madeira e demais ilhas para abastecer o mercado colonial. A mudança da con- juntura política europeia, com a natural abertura do seu mercado, con- duziu a uma grave crise de estagnação do comércio do vinho da ilha. Assim, em 1821 26, dizia-se que as casas estavam cheias (com mais de 20 000 pipas) de vinho e carentes de pão.

A contracção do mercado na década de vinte sucederam os efeitos nefastos do oídio (1852) e da filoxera (1872) que deram uma forte macha- dada na economia vitivinícola; das cerca de 40 000 pipas do século XVIII passa-se, na década de sessenta do século XIX, para cerca de 500 pipas. A ilha perdia a sua principal aposta de comércio externo e iria aguardar alguns decénios para recuperar essa animação comercial, que deixaria de estar baseada nesta tendência para a afirmação dominante de apenas um produto.

25 Albert SILBERT, «Un carrefour de IIAtlantique: Madère (1640-1820). . . », in Anais do Ilzstituto Strperior de Ciências Económicas e Financeiras, t. 11, vol. XXII, Lisboa, 1954, p. 397.

26 ARM, CMF, L. 15, fls. 100 V-104.

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Vindima no Estreito de CPmara dc 1.. metade do século XX.

Aparcceu entre n6s a moltstia das vinhas e m 1852, u ~ m ela a aniquiia@o cwipleta da prdu#O quasi exclusiva do nosso país, da única ptdWB0 agricola que ainda dava vida As nossas rr- comerciais com os povos estranKeiro. e & que vivíamos bem ou mal. . .

Jb antes da moléstia das v-. n6o 6- ricos, nem felizes; a nossa in&aiaaBi.loda a tia- peçw todos os dias em graves erma cmnómicos n8o se aperfei nem desandvia. as * (?ID

muitas i o c a i i m n ~ o p r o d u z i a r n ~ despdespeaasda cultura e pode-se dizer que os kmdofa as &- vavam. nHo jb por interesse. mas por amor. ou uma espécie de gratidão aos interesses

Jb antes da mol&tia das vhkm, z s & colonos abandonavam esta terra desgmda e d gravam para paire. pestlfems da América. alsrias levados, C verdade, pela ambiç. e fas&dqa @m promessas sedutoras de vis dx&uhwsr uieã O maior parte fugidos da fome e miattip

JA antes da molkatia dao viihrs Ci;an>os um povo desgraçado. que marchbv~108 dcwuiGIa&m eapassossurdosnoEaminho~eoahrsis~o~lr dwir B ruina M t A v e i . Jb n- épe3ta pes&, aqiuelequed=w=-~=@+*wwr*w todos.jadamos e reflectisse dm &via p F &rto de antever um futuro mais = e aaw- tador, do que o presente que tanto noa eeamdm.

Então serâ porventura a wnrsa ~ â e ~ o s r o l males, ou a que devamos presar maior aiea$&, a molbstia das vinhas. quando a despeito & haviamos de sentir aqueles? Ou aerA verdaãc e a moléstia das vinhas não fez mais do que- uma crise, porque mais cedo ma mp2s - havíamos de passar devida a oriuas?

èxta de A. Wwves, p u b P U b i i u m o a . ~ ~ n 0 2 p 9

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Para a compreensão da crise vitivinícola afigura-se-nos neces- sário o conhecimento dos factores que, de forma directa ou indirecta, estiveram na sua origem.

A crise que se inicia nos primórdios do século XIX, resultado da contracção do mercado, mercê do fim das guerras europeias e consequente conquista dos vinhos franceses e espanhóis do mercado britânico, alas- trou por todo o século XIX. Vários são os factores que influenciaram ou estiveram na origem deste movimento depressionário; por isso mesmo, a sua coinpreensão só poderá ser possível quando tivermos em conta todos esses vectores.

Não nos parecem correctas as afirmações daqueles que pretendem ver a crise da primeira metade do século como um fenómeno isolado, motivado pelo descrédito do vinho, devido a prática da baldeação do vinho dos Açores e das Canárias, ou pelo mau trato das estufas e aguardentes de França. Nem nos satisfazem as hipóteses, mais acertadas, dos que afirmam a sua origem na contracção do mercado devido ao fim das guerras europeias e concorrência do vinho da Europa como o de França e Espanha. Mais nos parece que na análise desse momento inicial da crise se deve privilegiar ambos os factores aludidos, que, por certo, se apresentam como determinantes, mas também deverão ser equacionados com outros ele- mentos, que embora se mantenham invisíveis, foram decisivos para o acelerar do processo de crise.

As crises, que se vão sucedendo de forma cíclica ao longo do século XVIII, encaramo-las como conjunturais, de índole comercial, uma vez que a sua permanência é de curta duração e a sua origem se prende acima de tudo com as eventualidades pontuais do mercado consumidor. Ao nível externo, a conjuntura de guerra e a consequente campanha de pirataria e corso no Atlântico, não estavam alheias a essa brusca alte- ração. Entretanto, ao nível interno, associam-se a crónica falta de moeda e a forte dependência do mercado local ao mercador inglês e a tendência para o exclusivismo da exploração agrícola.

As alterações produzidas a partir da década de 60 na dinâmica estru- tural e conjuntura1 das colónias e Europa fizeram com que o vinho da Madeira fosse projectado para o primeiro plano do mercado mundial consumidor, uma vez fechados os portos das demais áreas europeias con-

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correntes da Madeira (França e Espanha). Esta situação favoreceu o comércio da ilha, entre os finais do século XVIII e princípios do XIXI momento em que se atingiu o máximo volume de exportação; era a fase de apogeu do vinho a que se seguiria, inevitavelmente, a fase de declínio, a partir de 1815.

Desde 1700 que, em face da procura cada vez maior do vinho da Madeira, se havia dado um avanço nas técnicas de seu trato, substi- tuindo-se o sistema de canteiro pelas estufas e adicionamento das aguar- dentes de França. Esta era uma forma de dar resposta a sua incessante procura. A fama dos vinhos genuínos da Madeira ficou esquecida por momentos, pois o que importava era conseguir o número de pipas neces- sárias para atender a essa cada vez maior procura; aqui não interessava se fosse vinho do norte ou do sul, mas vinho com o rótulo de Madeira.

Mudam-se os tempos, apura-se o gosto do consumidor e a sua possi- bilidade de escolha, e o vinho da ilha não interessa mais como vinho de pasto, pois este surge em situação favorável no mercado francês e espanhol. Os vinhos de Xerez, Porto, França, Espanha e Cabo da Boa Esperança substituem o Madeira. Não preparado para esta mudança e pouco fazendo para o evitar, o madeirense deixou perder-se a sua fonte de riqueza. As colheitas de 1819-1821 não encontram comprador. Além disso, já em 1815 começam a surgir as primeiras dificuldades de escoa- rnento do vinho; entrava-se assim na fase de declínio do comércio do vinho que se manterá por largos anos até que seja encontrada uma alternativa para a exploração económica madeirense.

Desta forma, a crise do vinho radica a sua origem no domínio da circulação, sendo resultado da concorrência dos outros vinhos europeus e da contracção do mercado consumidor. Esta situação será parcialmente minorada com o aparecimento de um novo e importante mercado con- sumidor, a partir da década de 30 do século XIX: Londres e Rússia.

A estagnação das colheitas surge num momento de surto da pro- dução, resultante da febre vitícola dos anos anteriores, o que veio a agravar de modo significativo a situação da economia vitivinícola madeirense a partir de 1837. Essa ambiência pouco favorável, aliada ao oídio (1852) e filoxera (1872) demarcaram uma situação em que se estabelece uma necessária conjugação entre a produção e o comércioz7.

Em síntese, a crise do comércio do vinho da Madeira começa a sentir-se em 18 15, tornando-se evidente entre 18 19-1 823, dominando a esfera de circulação e alarga-se a partir de 1837 a produção, definindo o quadro típico do período de declínio do vinho. Deste modo, convencionamos chamar a este momento, o de crise estrutural do vinho da Madeira.

27 Veja-se D. João da Câmara LEME, Apontamentos para o Estudo da Crise Agricola no Distrito do Funchal, Funchal, 1879; Idem, Uma Crise Agrícola, Um Caminho Aéreo e Uma Sociedade Anónima, Funchal, 1876.

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Em face das diversas crises de subconsumo, apontava-se a tendência monopolista inglesa desse tráfego e com as crises de produção dava-se atenção as formas como se correlacionavam as diversas forças sociais na área da produção vitícola. Aqui, afirmava-se que o contrato de colonia, o morgadio, eram um forte entrave ao desenvolvimento económico da ilha. A conjuntura vintista, dominada por uma forte Crise de subconsumo, foi muito fértil em análises e na apresentação de soluções. Tal como podemos constatar nas páginas do Patriota F ~ n c h a l e n s e ~ ~ .

Contra este movimento se manifestava, em meados do século XIX, António Correia Herédia: «Há quatrocentos anos que este país é vítima de grandes absurdos e que ninguém deu por eles senão quando se acabou o vinho e o oidium tickevi é que ficou responsável por todos esses erros, que pobre coitado, para ter alguma coisa de bom apenas fez conhecer a quem até agora os deixara passar sem reparar! Assim, por exemplo: - Acabou-se o vinho? - Reforme-se o contrato de colonia! - Acabou-se o vinho? - Liberte-se a terra! - Acabou-se o vinho? - Reforme-se a pauta da Alfândega! Não é lógico e chega a parecer absurdo.

A falta de vinho pode ser uma razão mais para que se tome algumas dessas medidas, mas de por si, não é, não pode ser fundamento bastante para que o governo, que deve subordinar aos princípios económicos todas as providências desta ordem, adopte sem repugnância, nem reflexão tudo quanto por esta forma se lhe reclama».

Em conclusão, podemos afirmar que a crise vinícola, da segunda metade do século XIXI se insere num âmbito mais lato, no período de declínio do ciclo do vinho, o qual se iniciara em 1815 com uma forte crise comercial, que, a partir de 1837, conduziu a uma prolongada crise de produção.

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O organigrama da administração das novas áreas no Atlântico, evidencia-se pela sua adequação aos vectores e condicionantes da sua explo- ração e aproveitamento pelo continente europeu. Todas estas áreas estavam integradas num vasto complexo luso-atlântico ou europeu-atlântico, encontrando-se numa situação periférica ou semi-periférica em relação ao centro decisivo: a Europa atlântica. Deste modo, toda a sua orgânica político-administrativa orientava todos os aspectos relevantes destas novas áreas para uma situação subsidiária ou secundária em relação ao centro da decisão europeu.

A ilha da Madeira, integrada numa dessas novas áreas, conhecida como o Mediterrâneo Atlântico, apresentava-se como um espaço adequado ao ensaio do modelo de ocupação e de administração. Aí vimos surgir as donatarias, com orgânica própria, onde se confronta a acção do donatário e capitão com a alçada régia, por meio da corregedoria e ouvidoria. Mas, com a acção do monarca D. Manuel, essa estrutura ganha uma nova forma, com a afirmação da administração régia, por meio do aparecimento de estruturas com actividades específicas: à Alfândega funchalense, criada na década de setenta do século XV pelo donatário e com a superintendência de toda a actividade inerente a economia de troca, a que se juntava a acção da vereação funchalense, veio juntar-se a Provedoria da Fazenda.

A partir da primeira metade do século XVI, estabelece-se essa nova estrutura da administração da Fazenda Real e arrecadação dos direitos, com o aparecimento da Provedoria da Junta da Real Fazenda do Funchal. Conforme documento de 179929, a arrecadação das rendas do arquipé- lago estava a cargo da Junta da Real Fazenda, Contadoria e Alfândega do Funchal. Dessas, são referidos os dízimos do pescado, dos cabritos e produção da terra, imposição da carne e do vinho, direitos de Alfândega (de entrada e saída), direitos do Brasil e novos direitos, oitavos do açúcar e rendimentos próprios. A estas rendas podemos juntar o imposto do real de água, do vinho (1842), donativo (1632)) finto e tributo da guerra (1641)) o subsídio literário (1771) e imposição das estufas (1806).

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29 AHU, Madeira e Porto Santo, n.'. 1069.

Direitos sobre o vinho

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31. Prepara~ão do vinho para embarque em garrafa I.' metade do século XX.

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A Alfândega do Funchal superintendia a cobrança dos direitos de entrada e saída das diversas mercadorias no porto do Funchal, sendo a sua actuação presidida pela Mesa Grande. A Junta da Real Fazenda do Funchal detinha a administração e arrecadação dos dinheiros e rendas reais; a Contadoria Geral encarregava-se da arrecadação dessas rendas, nomeadamente a imposição do vinho, das estufas; a Repartição do sub- sídio literário procedia a cobrança e administração dos dinheiros do subsídio literário, enquanto a Repartição do Erário Régio superintendia todos os dinheiros das rendas reais da ilha.

Entre o século XVII e XIX todos ou quase todos os rendimentos da administração madeirense resultavam, directa ou indirectamente, do vinho, então definido como o produto motivador da actividade económica da ilha. Segundo informação de 183030 estes direitos, em época de pros- peridade, orçavam a 9000 reais por pipa (16 % do seu valor), enquanto neste ano ficavam por 5000 a 4500 reais, a que se juntavam o imposto das estufas, dízimos, subsídio literário, finto, selos, direitos sobre a impor- tação de aduelas e arcos de ferro. Assim, por exemplo, os vinhos do norte eram onerados em 66 % de direitos sobre o seu valor em mosto. Dos direitos referidos que recaem sobre o vinho, destaca-se a imposição sobre o vinho (1485) os direitos de saída e entrada, o dízimo, o donativo (1635), o subsídio literário (1772)) imposição das estufas (1805).

A arrecadação destas rendas fazia-se de um modo geral por con- trato de arrendamento nas diversas freguesias, obrigando-se o arrendatário a proceder a sua arrecadação e a entregar, aos quartéis, a soma arrema- tada a Junta ou ao recebedor da Câmara.

Os direitos lançados sobre o vinho oneravam de modo directo o proprietário e o colono com a imposição do vinho, subsídio literário, finto, donativo e, ainda, pelo dízimo. O revendedor era apenas sobrecarregado com o direito dos vinhos atavernados, contemplado na imposição, e com as taxas de licença de abertura da taberna ou quando muito, se fazia a sua revenda para embarque, teria a sobrecarga da imposição das estufas. O comerciante, num âmbito mais lato, com todo o seu complexo de vinificação de apoio a exportação, estava obrigado ao pagamento da imposição das estufas, dos direitos de saída do vinho e de importação de aguardente de França, dos emolumentos e encargos da importação dos materiais de tanoaria.

Toda esta sobrecarga de direitos explica, em parte, o alto preço que o vinho atingia no mercado consumidor, nomeadamente Londres e colónias inglesas.

30 O Correio da Madeira, n.' 79, pp. 2-3.

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32. KUtuIo antigo

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Imposição do vinho

O vinho apresentava-se já, em finais do século XV, como um produto de grande relevo na economia madeirense, sendo uma importante fonte de receita, por intermédio da imposição, lançada para custear as despesas do concelho, ou enobrecimento deste. Esta nova fonte de receita, autori- zada em 1485 e lançada em 148g3', foi regulamentada pelos regimentos de 1485, 1628, 1640, 1776 e 1782.

Este direito incidia sobre o vinho atavernado, o qual estava obri- gado a pagar, em 1485, uma canada de vinho por almude de treze canadas, passando, em 1568, para duas canadas por almude de catorze canadas ou a 1 I7 do vinho (14,3 %).

A sua arrecadação, segundo o regimento de 1485, estava a cargo de um vereador da Câmara, coadjuvado por um varejador e recebedor; o varejador estava encarregado de lançar a vara nas pipas de vinho para venda, «para se saber quantos almudes tem», de modo a se poder lançar a imposição. De acordo com o quantitativo e preço de venda do vinho, o recebedor tinha a seu cargo o recebimento e arrecadação do dinheiro, fazendo o devido assento num livro próprio para a vereação ter conhe- cimento da sua receita.

No século XVI132, o vinho afirmava-se já como o principal produto da economia madeirense, apresentando-se como a primacial fonte de ren- dimentos da administração da ilha. Assim houve necessidade de melhorar a forma da sua arrecadação, tornando-a mais eficaz e de acordo com o aumento do volume de vinho transaccionado nas tabernas. Em 1628, temos novo regimento, em que se delega toda a responsabilidade da sua arreca- dação no juiz, tendo sob a sua alçada o feitor e escrivão da Câmara. Estes deveriam percorrer três vezes por semana as tabernas da cidade, tomando nota das ementas das pipas que os taberneiros abrem para venda, assentando o preço, o que recebem dos direitos, as pipas vazias e os almudes das pipas já abertas. Colocada a «insígnia de Juiz» o vinho podia ser vendido procedendo-se a arrecadação do direitos aos quartéis.

Com o decorrer dos anos, aumentou a importância do vinho e os subterfúgios dos taberneiros para se furtarem ao pagamento da arreca- dação. Assim sucede, em finais do século XVIII, com a sua arrematação em lanços bienais, passando a sua alçada para a mão dos denominados administradores da renda, os quais procediam a arrematação dos con- tratos ao rendeiro ou arrematador, recebendo destes os respectivos valores, aos quartéis, em data estabelecida no contrato.

31 ARM, CMF, t. 1 , €1. 30-30 V.

32 ARM, CMF, t. 5, fls. 11 V-114.

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A renda era estabelecida a partir do vinho colectado no ano ante- rior, sendo deduzida através da abertura do preço corrente do barril de vinho do ano em causa. O rendeiro arrematava a arrecadação da impo- sição do vinho, em praça pública, obrigando-se a proceder a sua arrecadação com o auxílio do varejador e do arrieiro-mor ou condutor dos vinhos atavernados. Segundo documento de 178433, este último tinha por obri- gação «examinar continuadamente por todas as tabernas da cidade o vinho que para elas vai a vender e no fim de cada dia dar conta ao rendeiro para este arrecadar o devido imposto». Até 1796, o arrieiro-mor era nomeado pela Câmara mas, desde sempre, o rendeiro da imposição do vinho tinha o privilégio de eleger e nomear os seus cobradores. Mas, no meio rural, manteve-se o hábito da sua eleição pela Câmara, como sucede em 1819 em Santa Cruz. Aliás, em 1834, existiam dois arrieiros - José de Freitas e José da Costa Martins - com o encargo da condução dos vinhos das freguesias do norte para as tabernas.

Feita a inspecção para avaliação da quantidade de vinho e estabele- cimento do seu preço de venda, procedia-se a sua arrecadação em género ou em dinheiro. Segundo o regimento de 1628, a imposição era paga em quartéis, de três em três meses. O rendeiro, conforme o contrato, estava obrigado a entregar ao administrador da renda os quartéis estipulados; depois de deduzidas as despesas inerentes a sua arrecadação ele deveria confiar metade à Câmara e a outra ao administrador da renda ou à Junta da Real Fazenda. Em 1794, da parte desta última, retirava-se, no Funchal, 113 para o Senado da Câmara.

A boa administração desta renda definia-se, quer por uma forma prática responsável da sua arrecadação, quer por medidas proibitivas ou limitativas da venda do vinho a retalho. Assim temos, por regimento de 1485, a imposição de pena de 1000 réis e apreensão do vinho não varejado. Em 1628, esta pena passou para 2000 réis e, em 1715, a venda do vinho por miúdo, sem a insígnia do juiz e fora da taberna com ramo a porta, implicava a perda do vinho encontrado em armazéns e dois meses de prisão irremissíveis, ficando proibido de vender vinho na cidade. Ao denun- ciante era atribuído 113 do vinho aprisionado, ao mesmo tempo que se mantém segredo sobre este. Por vezes, a intervenção das autoridades era excessiva, como sucedeu em 1838 34, em que se mandou «caçar» a Antonio Faria Camacho a licença de venda ou taberna.

E em muitas freguesias rurais escasseavam os agentes económicas interessados na arrematação das rendas, ficando estas a cargo da Câmara

33 AHU, Madeira e Porto Santo, n.O 731. 34 ARM, CMF, t. 19, Eis. 36-37.

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respectiva. O mesmo sucedia na ilha do Porto Santo, onde estas eram arrecadadas por inteiro pela Câmara, que delas se servia para custear as suas despesas correntes.

O dízimo surge, desde o século XV, a onerar o proprietário de vinhas, e recaía sobre a produção anual de vinho, sendo 11 10 desse quantitativo. Este era arrecadado conjuntamente com o dos cereais, verduras (legumes) e frutas de espinho. Com o decreto de 30 de Junho de 1832, este direito foi abolido em todo o país mantendo-se, excepcionalmente, na Madeira.

Donativo

O donativo era o imposto de guerra, variável, lançado sobre os pro- dutos da terra. Este tributo surgiu em 1635, tendo-se generalizado, em 1658, por 20 000 cruzados, distribuídos da seguinte forma:

-vinho . . . . . . . . . . . 4 réis por canada 200 réis por pipa

. . . . . . . . . . -vinagre 300 réis por pipa

. . . . . . - aguardente 2 cruzados por pipa

Este direito ainda se mantinha em 1804, mas desde então ignora-se a sua existência.

Décimo ou finto

Tributo de guerra, criado em 1641, para auxiliar as despesas da guerra após a Restauração, nas fronteiras do Reino, o qual se manteve como tributo militar utilizado para custear as despesas militares decor- rentes da fortificação.

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Este era fixo, incidindo a sua arrecadação sobre o vinho exportado. Em 1641, era de 10 000 cruzados, passando em 1772 para 5 000 cruzados, sendo a cobrança a 4,5 %. No entanto, em 1799, encontrava-se já em desuso, havendo já dezoito anos que não era lançado, facto que leva o monarca a solicitar Junta da Real Fazenda a sua arrecadação, no que mereceu a contestação do bispo, membros da Casa dos Vinte e Quatro e do Corpo da Nobreza da cidade.

Direitos de saída e entrada na Alfândega

A Alfândega do Funchal surge como organismo administrativo voca- cionado para o controlo e protecção do comércio da ilha, actuando sobre o movimento de entrada e saída das mercadorias. Conforme a documen- tação do século XVIII e XIX, sabemos que esta se apresentava com um organismo de chefia - Mesa Grande da Alfândega -, presidido pelo juiz mais velho. A Mesa Grande deliberava sobre as questões mais importantes da administração alfandegária e concedia as fianças necessárias para a entrada ou saída de mercadorias.

A um escalão inferior, temos vários ofícios com actividades especí- ficas: os guardas de numero, que zelavam pela regularidade do serviço da repartição, impedindo o roubo, o contrabando e todo o acto fraudu- lento; o feitor da descarga assinalava as entradas; o escrivão das marcas dava entrada a mercadoria apondo a marca; o selador colava o selo; o fiel dos armazéns fazia o manifesto da carga armazenada para o embarque; o feitor do embarque, finalmente, ordenava a saída das mercadorias após a sua devida solicitação, para se lançar o respectivo direito.

Através do regimento de 1499, das pautas (1782, 1831, 1836, 1837, 1840, 1843, 1850 e cartas de lei (184411845)) foi regulamentada toda a actividade da repartição, bem como o cômputo e arrecadação dos direitos de entrada e saída3'. O quantitativo dos direitos, até ao século XVII, manteve-se fixo e só a partir de então o seu tabelamento passou a ser variável, consoante a época e qualidade do «molhado», distinguindo-se o vinho seco, rhalvasia, aguardente, vinagre.

A sua dedução era feita pela Junta, anualmente, entre Novembro e Janeiro, de acordo com o volume de produção, estado do comércio do produto e preços correntes; definido o quantitativo, a mesma dava conhe-

35 Veja-se, Correio da Madeira, n.oS 103-110 e 115, pp. 1-5; Gazeta da Madeira, n . O 60.

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cimento ao Erário Régio, aguardando a devida autorização para a sua entrada em vigor. Enquanto tardava a homologação pelo Erário Régio, a Alfândega cobrava os referidos direitos, «enquanto não houver nada em contrário», ou a saída sob fiança de 4000 reis por pipa. Muitas vezes.. demorava a vinda dessa homologação, causando transtornos à adminis- tração alfandegária, razão pela qual se clamava pela fixação de um direito de saída por período de quatro anos, como sucedeu em Outubro de 1799; mantendo-se a luta por um direito fixo, este só foi estabelecido pela pauta de 1837.

Até 1776, o direito de saída era um quantitativo fixo e invariável, passando desde então a ser taxado anualmlente, consoante a qualidade do «molhado». Em 156736, lança-se o direito de 1 % ou, como então se refere, «certa cousa por almude no que se vender». Em 1647 (?) passou para 400 réis por pipa, a que se adicionou,'em 1669 um cruzado, como tributo imposto para as despesas da guerra. Em 1776 era taxado em 4200 réis, passando em 1779 para valores variáveis, consoante a qualidade do vinho molhado e que se mantinha por quatro anos: 4000 r6is para o vinho de embarque, 8000 réis para a malvasia, 5000 réis para a aguardente e 1200 réis para o vinagre. Em 1802 mantém-se o direito fixo de 5000 réis por pipa e pretende-se diminuir estes direitos, sobrecarregando-se os géneros manufacturados estrangeiros, mas a 9 de Outubro, estes são aumen- tados em 1200 réis por pipa, com justificação de se arrecadar para desentulhar e construir as muralhas as ribeiras, de modo a evitar-se as acções devastadoras dos aluviões, como o de 1803.

Em 1808 37, os direitos tornam a ser lançados de modo separado, consoante a qualidade do molhado: vimho seco, 50 réis; malvasia, 100 réis; aguardente-da-terra, 600 réis; vinagre, 2000 réis. No entanto, a classe mercantil mantém a sua intenção de facilitar o comércio do vinho, fazendo retirar os direitos de saída, ou argumentando a favor da definição de um direito fixo de 5000 réis-por pipa. Se no último não foram aten- didos, mantendo-se o sistema em uso, no primei0 tiveram acolhimento da Junta, que compensou essa descida com o aumento em 10 % dos direitos de importação de fazendas de luxo. Assim, os direitos sobre o vinho bai- xaram de 8700 réis para 5000 réis.

A partir de 1821, estabeleceu-se uma diferença entre o vinho expor- tado para os portos do reino, colónias e es.trangeiro; os primeiros estavam isentos, ou apenas pagavam metade da soma 'atribuída ao estrangeiro. No entanto, para evitar qualquer subterfúgio, apenas tinha acesso a tal regime o mercador que apresentasse a certidão e guia da alfândega do

36 ARM, CMF, t. velho, fls. 123-132 v. 37 AHU, Madeira e Porto Santo, n.O 3714.

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34. Rótulo antigo.

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porto de desembarque do vinho, num prazo de seis meses, sendo punidos os infractores com pesadas multas. No ano em causa, o vinho exportado para os portos nacionais apenas pagava 2400 réis de direitos por pipa, mantendo-se, em 1825, em metade. Desde 1837, estes passaram para 2076 réis, enquanto os do vinho exportado para os portos estrangeiros, que em 1837 se mantinham em 4800 réis, sofreram um aumento de 10 %, elevando-se a 5530 réis.

Ao mercador nacional e estrangeiro, a indefinição da política de lançamento e arrecadação dos direitos de saída do vinho apresentava-se como prejudicial a sua actividade especulativa e de lucro, daí o seu cons- tante aviltamento a estes direitos e incessante procura de subterfúgios ao seu pagamento, por meio do contrabando, aliciamento, desvio e prá- ticas excepcionalmente admitidas, uso de medidas de transporte de vinho. Neste último caso, temos o recurso à pratica de exportação como vinho de roda (isento de direitos) ou de saída para os portos nacionais. A actuação permanente da Junta da Real Fazenda, mais propriamente da Alfândega do Funchal, não era suficiente para coibir o mercador de tal prática, pois o contrabando existia e documenta-se, ao longo dos séculos XVIII e XIX, sendo preocupação constante das autoridades alfandegárias.

Ao nível da entrada do «molhado», temos o lançamento de direitos onerativos de produtos, directa ou indirectamente relacionados com o vinho: a aguardente e os materiais de tanoaria. O valor que recaía sobre este último produto foi definido numa percentagem de 10 % em 1803. A estes juntam-se os direitos proibitivos sobre os vinhos e bebidas espirituosas que podiam concorrer e dificultar o comércio do vinho local; assim temos a oneração da aguardente de cana, genebra, vinhos, cerveja, licores, whisky.

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D. João da Câmara Leme estabelece, de forma evidente, a ambiência que deu razão ao aparecimento das estufas: ((Estamos em fins do século XVIII. A exportação dos vinhos da Madeira tem aumentado, muito principalmente para a Inglaterra, porque, em razão da guerra, Ihes estão fechados os portos da Europa. As reservas de vinhos em boas condições de embarque estão esgotadas. O sistema de canteiro não é processo aplicável a um largo e importante consumo com a perspectiva de grandes lucros » 38.

Foi esta situação favorável do mercado consumidor que levou o ilhéu a acelerar o processo de envelhecimento do vinho, de modo a poder manter o caudal ascendente de procura deste no mercado europeu e colonial. O conhecimento empírico levou-o ao vinho de roda, mas o conhecimento científico, adquirido em França, fê-lo avançar para o pro- cesso mais eficaz: a estufa.

A tradição teima em apontar esta última fase como resultante da primeira, mas tudo nos indica que não houve um processo encadeado a partir do conhecimento empírico ocasional. Já os gregos e romanos haviam tomado conhecimento da acção do calor nos porões dos barcos sobre o vinho e dele se serviram para o trato destes, tal como nos refere Plínio. Por outro lado, era já um facto adquirido na vinificação, que o calor solar ou artificial tinha propriedades sobre o vinho, conduzindo ao seu envelhecimento e consequente transformação do seu valor gustativo.

As estufas surgem, pela primeira vez na Madeira, em 1794, não como consequência lógica do vinho de roda, mas sim como resultado do avanço nos conhecimentos de vinificação, a escala europeia, de que a França se afirma como pioneira. Na ilha, os primeiros ensaios foram feitos em 179411795 por Pantaleão Fernandes, que começou por aquecer os seus armazéns de vinho novo, a que se seguiu um armazém, devidamente pre- parado, com fornalha e canos de ar quente: a estufa.

A estufa desenvolveu-se de tal modo que, em 1802, a estufagem se havia generalizado a todo o processo de vinificação do vinho ilhéu.

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38 Ob. cit., p. 6.

Estufas de vinho

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No período que decorre de 1805 a 1882 podemos ter uma ideia do número de estufas em laboração, mercê da existência dos livros do manifesto das estufas3'. Se nos primeiros dez anos, mercê da discussão acesa sobre a sua utilidade ou não e das medidas proibitivas, não houve uma afirmação destas, no período consequente, refreados os ânimos, temos um forte impulso (1817-1 819), mas momentâneo, pois a crise do comércio do vinho e a ma sina das estufas, conduzem a uma quebra acentuada a partir de 1832. Desde então manteve-se uma certa estabilidade, alterada com um saldo isolado em 1838. Somente a partir de 1845 se confirma a ten- dência ascendente, que culmina com o máximo valor atingido em 1851. No entanto, a crise de 1852 foi fatal, conduzindo a uma quebra acentuada a partir de 1860.

A partir de 1794, a estufa passou a ser uma área privilegiada do complexo vitivinícola do mercador da urbe. E estas começaram a surgir de modo indiscriminado por toda a cidade, nos recintos dos armazéns. De pouco valeu, em 1802-1803, a proibição da sua construção no recinto da cidade, pois o mercador nacional ou estrangeiro pôde suplantar a pretensão do juiz do povo, que militava pelas condições de salubridade do meio urbano.

O grosso das estufas situava-se em pleno centro do burgo e eixos de maior atracção e animação comercial, em redor do porto. Na freguesia da Sé surgem, entre 1839-1840, quinze estufas, enquanto na de São Pedro temos nove; nota-se uma forte concentração das estufas no Beco das Aranhas, de São Paulo e área ribeirinha ao mar, pelo lado da Pontinha e sobranceira a Ribeira de São João. No termo da cidade, as estufas localizavam-se em Santa Luzia (Caminho da Torrinha e Torreão) e Santa Maria (Rua dos Balcões, Rua Bela de São Tiago, Rochinha). E de referir o facto de apenas se referenciarem duas estufas fora da área do Funchal, mais precisamente em Santa Cruz, no ano de 1849.

Tendo-se desenvolvido numa ambiência agitada, a estufa manter- -se-a por todo o século XIX como o principal pomo de discórdia da opinião pública madeirense, ou antes, como motivo de recurso para definir a crise do comércio do vinho. O ilhéu que sempre viu com maus olhos o seu aparecimento, atribuía-lhe as culpas da crise que viveu a partir do segundo quartel do século XIX; estas foram as principais vítimas nesses momentos de crise, como em 1819, 1821, 1851-1865.

Particularmente interessante é a opinião e decisão das autoridades locais, como a vereação funchalense, que concorda com a sua proibição, em 23 de Agosto de 1802 e 6 de Novembro de 1803, ou aponta os efeitos

39 ARM, CMF, n . O S 1068-1074.

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negativos do seu uso no trato do vinho em 1819, enquanto em 1834 des- fazia todos os equívocos da discussão sobre as estufas, sendo peremptória na afirmação da sua utilidade sobre o trato e comércio do vinho". Com esta posição a vereação ia ao encontro de um elevado número de merca- dores do vinho que, desde inícios do século, vinha argumentando a favor da sua importância na vinificação e uma necessidade para a manutenção do comércio do vinho.

D. João da Câmara Leme4', regressado de França no terceiro quartel do século XIX, participa activamente.nessa discussão sobre o uso das estufas, apontando as vias possíveis para a solução da polémica. Dez anos de estudos, experiências e de contactos assíduos com os conhecimentos da vinificação francesa, foram suficientes para lançar um novo sistema de aquecimento do vinho, o único capaz de atribuir qualidades ao vinho da Madeira, que ficou conhecido como o vinho canavial.

40 AHU. Madeiro e Pono So>zlo. n."' 1428. 1431. 1433. 4l O< TrE! .Sisiemli.< de Traromcnro dor Vinhor da Mndcira. Funchal. 1900: 0.7 Vi,zhm do Madeiro e o seir DescrP.

diio pelos Eslufar (. . I , Funchal. 1889; Nolicio rahre o Vinho Conoviol (. . .). Funçhal. 1892.

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O lagar apresentava-se como um elemento primordial da faina viti- vinícola, uma vez que a sua utilização era imprescindível para a transformação das uvas em vinho. O colono europeu que aportou estas terras virgens trouxe consigo, para além de alguns bacelos, de boas cepas, o instrumental (ou conhecimento) necessário para a sua construção e mon- tagem. O lagar foi um desses elementos, sendo de admitir que os colonos provenientes das regiões vitivinícolas do norte sejam os seus progenitores. Em terra de boas madeiras teremos o lagar de madeira a rivalizar com as lagariças de pedra, que parece terem sido pouco usuais na ilha.

Ao nível tecnológico, é possível estabelecer a forma da sua evolução. Tudo indica que, a par dos rústicos lagares escavados na rocha, existiram outros feitos em tronco de madeira, geralmente de dragoeiro, com vara, sem parafuso, sendo o reforço do peso feito num prato como o da balança decimal. Este era conhecido como o lagar do cocho; na documentação encontramos referências às lagariças de pedra e de pau. Mais tarde ter-se-á generalizado o lagar quadrangular, segundo A. Sarmento, feito de «tábuas justas, calafetadas em caixa aberta com biqueira, sobre o suporte de traves, encimando-o a vara do lagar, grossa viga articulada num extremo e apoiada no outro por uma porca, onde vem montar um alto parafuso de madeira, ligado a um pesado bloco de pedra. Esta suspende, ao elevar-se, o parafuso de pau branco, transfurando a vara, e actua como reforço, premindo a alavanca inter-resistente sobre o bagaço, depois deste

42 ter sofrido o primeiro piso, a pé lavado» ,

O lagar de cocho foi o mais divulgado entre os pequenos proprietá- rios, sendo usual no século XVII e XVIII todo, ou quase todo, o colono ter o seu lagar em sua casa onde fazia o vinho; estes eram conhecidos como lagariças de pau, conforme informação do documento de 1779. O lagar de madeira calafetada, com vara de pinho, castanho ou eucalipto e o fuso de pau branco seria usual nas casas de famílias abastadas, com possibilidade de os construírem.

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A. A. SARMENTO, Noticia Histórico-Militar sobre a Ilha de Porto Santo, Funchal, 1933, pp. 94-95.

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Lagar

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Aliás o lagar no meio vitivinícola definia, em certa medida, a impor- tância do vitivinicultor medindo-se a sua importância pela sua posse ou não; só teria o seu lagar quem possuísse bons hectares de vinha e aí fruísse de algumas dezenas de pipas de vinho. O pequeno produtor, por norma, estava obrigado a fazer o seu vinho no lagar dos vitivinicultores mais abastados que o possuíam, mantendo-se em algumas regiões do norte a obrigatoriedade de pagamento de um direito pelo uso do lagar, defi- nido numa determinada quantia (em barril). Este uso materializava a manutenção de um antigo direito da economia senhorial: a lagaragem.

Com o andar dos tempos aperfeiçoou-se a tecnologia do lagar e avançou-se com novos processos de feitura do vinho, generalizados ao nível dos grandes produtores ou casas de exportação. A.primeira evolução deu-se com o aparecimento dos lagares de cimento, seguindo-se a prensa manual ou mecânica. H. Bento de Gouveia documenta essa evolução43, em princípios do nosso século, na zona de Ponta Delgada e São Vicente: «E há 44 lagares em actividade construídos de cimento, assim como as tinas. Os de madeira de til feitas de ripas arcaizavam-se e aproveitavam-se as tábuas. O cimento conferiu aos lagares uma eternidade que a madeira não podia dar. E, de facto, a substituição desta por aquele trouxe vanta- gens ao lavrador. Pois os lagares de madeira, todos os anos, por altura das colheitas, tinham de ser calafetados. Através das juntas das tábuas, com o batuque das repisas e no ardor ainda maior de tirar do bagaço a água-pé, as pranchas davam de si e o mosto começava a pingar. As tiras apertadas por arcos de ferro também se desconjuntavam. Deixou, portanto, de haver a preocupação do conserto, semanas antes das vin- dimas, além de que era outra durabilidade.

Introduziu-se, há muitos anos, a prensa no lagar, mas no norte da ilha não vingou o moderno aperfeiçoamento da técnica no espremer das uvas».

Na actualidade generalizou-se o uso da prensa e da máquina de moer uvas, sendo poucos os viticultores que conservam o velho lagar de vara. Estes guardam-se apenas em algumas casas como preciosa recor- dação dos seus avoengos. Mas hoje é raro, ou quase impossível, encontrar na ilha um lagar de madeira, pois a geração do cimento destronou-os; estes, quando existem, são apenas peças de museu.

43 Canhenhos da Ilha, Funchal, 1966, pp. 124-125.

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A faina vitivinícola na Madeira assume particularidades, mercê da necessária adaptação da tecnologia da vinha e do vinho as condições do novo meio. A configuração do solo insular conduziu a uma disposição onerosa dos vinhedos; socalco sob socalco, ornamentado com as latadas, vinha de pé e, mesmo, embarrados ou balseiras; à dura faina de cons- trução dos socalcos junta-se a construção de latadas.

«Estas vinhas são suspendidas sobre latadas e corredores, formados de canas sobre estacas de madeira e, tudo entre si ligado por atas de vime, tudo exposto ao rigor das estações e, pois tanto é curta a sua duração e precizão de serem renovadas todos os anos as porções danificadas. . . ».

Assim era definida num documento de 18 1 1 44 a dificuldade de cons- trução e manutenção das latadas, consideradas como meio oneroso para a cultura da vinha, mas benéfico ao enquadramento paisagístico dos aglo- merados urbano e rural, como nos refere, em 1864, Francisco Valdez: «Usam-se na Madeira latadas ou parreiras armadas, trepando as vides pelas canas' e cobrindo varandas, janelas e portadas, à madeira de toldo ou docel, formando em algumas partes bonitos arcos, aberturas ou espécie de janela entre cada uma das pilastras que sustentam aquela vistosa cober-

45 tura de pâmpanos de cachos de uvas» . Na actualidade, generalizou-se a toda a ilha o sistema de latada,

mas com a chamada latada de arame, preparada para durar tantos anos quantos a vinha que serve de suporte.

A latada é uma importação do Reino, tendo-se divulgado conjunta- mente com a vinha; assim, em meados do século XV temos notícia de onze latadas no Funchal, mais sete latadas, distribuídas por Ponta do Sol, Ribeira Brava, Caniço, Calheta. Generalizou-se o seu uso consoante o ritmo de crescimento da cultura da vinha e valoração do vinho. Defi- nia-se a área das latadas pela faixa costeira até 400 metros de alti- tude, sendo daí para cima substituídas pela vinha de pé e embarrados.

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44 AHU, Madeira e Porto Santo, n.O 3007. 45 Africa Ocidental, Lisboa, 1864, p. 54.

Latadas

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39. Laiada. I . " metade do seculo XX

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A par da intervenção do viticultor ou lavrador no amanho cuidado das vinhas surge o mercador que, sediado no Funchal, procede à compra do mosto das diversas áreas, preparando-o para que chegue na condição desejada a mesa do seu habitual consumidor; enquanto o meio rural detém o controlo da faina vitícola, a cidade é soberana na vinificação e comércio. Se até ao século XVIII os segredos da vinificação pertenciam ao domínio dos madeirenses, desde então tal situação preferencial alarga-se também aos mercadores ingleses, portadores de novas técnicas. Estes fixam-se no Funchal onde criaram grandes complexos de armazéns.

De um modo geral, o comércio do vinho da Madeira estava sob o controlo da feitoria inglesa. Para tal em muito terão contribuído os tratados de amizade, que lhes atribuem, desde 1640, uma posição prefe- rencial que culminou, em 1703, com o célebre tratado de Methuen. A par disso, o facto de as colónias inglesas serem o principal consumidor do nosso vinho e de estes mercadores deterem o monopólio da exportação para esse mercado, veio reforçar a sua posição hegemónica. Nesse con- texto, deverá entender-se a ocupação inglesa da ilha (1801-1802, 1807-1808) como a expressão dessa forte presença; da intencional defesa dos inte- resses ingleses na ilha essa ocupação permitiu o reforço das posições já assumidas que se ins titucionalizaram no tratado de 1 8 10.

Como corolário de toda essa ambiência favorável, os ingleses surgem, entre 1822-1830, com mais de 50 % do total do vinho exportado; desses podemos referir, em 1823 a firma Newton Murdoch & Scott, com 10 % do total do vinho saído nesse ano, enquanto em 1826 J. Bean surge com ?4 desse valor.

Em face disto, os mercadores nacionais não podiam competir com essa posição preferencial da feitoria inglesa e, por isso mesmo, sujeitam-se, muitas vezes, a condição de signatários dos grandes empó- rios britânicos e americanos. Destes, apenas merece referência João de Oliveira que, no período de 1823-1830, detém 60 % do vinho expor- tado pelos nacionais.

A presença inglesa no comércio dó vinho da Madeira espelha-se na acção de quatro importantes mercadores: W. Bolton (1695-1740), J. Leacok (1741)) Francis Newton e J. Blandy (1802). O primeiro demarcou-se, nesses quarenta e cinco anos em que residiu e teve representação comercial na

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40. Vindima. Quadro de Mar R6mer.

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ilha, como o principal detentor do comércio desta com a América do Norte; de Londres ou do Funchal comandava uma importante rede de negócios com representação nas Canárias, Açores, Lisboa e Nova Iorque. O abaste- cimento de farinhas americanas a troco de vinho era da sua quase exclusiva responsabilidade. Os dois seguintes assumem uma posição proeminente na segunda metade do século XVIII, podendo ser definidos como os mais destacados negociantes de vinhos da ilha. O último, bem como Rutherford & Grant (1824)) são os principais usufrutuários das condições favoráveis decorrentes da ocupação inglesa da ilha.

A situação de crise da segunda metade do século XIX provocou uma debandada geral do mercador inglês que procurou noutras paragens um substituto para a sua actividade comercial na ilha. Segundo Álvaro Rodrigues de A ~ e v e d o ~ ~ , ferrenho britanófobo, este foi um mal que veio por bem pois, segundo seu entender, libertou o madeirense das peias do mercador inglês. Todavia, a análise desapaixonada da presença inglesa na ilha permite uma visão diferente. Assim não houve uma saída generali- zada, uma vez que estes se mantiveram para além desses momentos de dificuldade, empenhados no comércio do vinho ou desdobrando-se noutras actividades. Além disso, a sua presença não poderá ser apontada como prejudicial, uma vez que foram eles os principais obreiros do lançamento e afirmação do vinho da Madeira no mercado colonial. Quem os substi- tuiría nessa iniciativa e quem dispunha de uma frota capaz de conduzir o nosso vinho aos mais recônditos cantos do mundo?

As transformações porque passou a cultura e comércio do vinho, entre meados do século passado e as décadas da presente centúria, condu- ziram a uma profunda alteração no número de mercadores envolvidos no seu comércio. A criação, em 1913, da Madeira Wine Association, definiu o início de uma nova era para o comércio do vinho, definida por uma tendência para a sua concentração num reduzido número de intervenientes; apenas esta firma absorveu, entre 1925 e 1953, mais de trinta casas, que não conseguiram resistir aos desafios do presente século. Esta passou a designar-se, em finais de 1981, de Madeira Wine Company, tendo ao seu lado Henriques & Henriques, Lda. (18.50)) H. M. Borges, Suces- sores, Lda. (1877)) Veiga França (Vinhos), Lda. (1944)) Vinhos Barbeito (Madeira), Lda. (1946), Pereira d'oliveira (Vinhos), Lda. (1820)) Artur Barros & Sousa, Lda. (1954)) Adegas de Torreão (Vinhos), Lda., Vinhos Justino Henriques, Lda., (1 870).

46 «Anotações», in Saudades da Terra, Funchal, 1873, p. 720.

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H&-de nlln encontrar cepas viçosa em panes do terreno transplantadar jd mosrrando seus frutos pmpinosas por mdos da natureza agriculmda: fard que destas pawas viços? fiquem as terras brevemente inçadas porque fardo nos sdculos vindouroj o prazer das nações, OS Seus tesouroS.

Seja pois esta a planta mais quetida de que tratem os incolas primeim: seja a terra de 'upas revestida em vez de louros, cedros e pidteims: a cultura das pawas seja a li& dòs que forem ali teus wmpnhsirpp dizer-te nada mais me nanpw ogor<l. na emeuda que vês d .Zwco MCmB

(Pnwcisa, P~ul.4 táBDXNA 8 ybsmNcsro$ Lisboa, 1 8 0 6 . ~ k . ~ t m k a x p m e I s J a v )

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44. Tnruporte de pipa com .coma*. 1842

45. Embarque de pipas com vinho no porto do Funchal. 1.. metade do s6culo XX.

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Nos destinos de exportação do vinho da Madeira diferenciam-se três momentos distintos, que correspondem a diversos mercados preferenciais; primeiro, os séculos XV e XVII em que o mercado europeu, nomeada- mente inglês e francês, se afirma como o principal consumidor, depois, nos séculos XVII e XVIII, definido pelo mercado colonial europeu, na América e Ásia, para, a partir das décadas de 30 e 40 do século XIX, ser a vez dos mercados hanseáticos e britânicos. Esta oscilação das áreas preferenciais de consumo do vinho da ilha deriva das múltiplas alterações das conjunturas político-económicas no espaço europeu e colonial. Se do período inicial restam apenas testemunhos escritos de viajantes que por cá passaram e tiveram oportunidade de degustar o nosso vinho, dos dois últimos momentos chegou até nós a documentação alfandegária que permite uma correcta elucidação.

No periodo de 1777 a 1782 é marcante o domínio do mercado colo- nial inglês (americano e asiático) ao nível do consumo de vinho da ilha; mais de dois terços do vinho, então exportado, destinavam-se a esse mercado, atingindo-se em 1780 os 85 % do valor das exportações. No con- tinente americano, evidenciaram-se as colónias do sul da América do Norte e as Antilhas, enquanto que no Oriente sobressaíram os portos de Bombay, Madras e Bengala.

Confrontados os registos de exportação de 1789, 1796 e 1801, veri- fica-se a manutenção do mercado americano como área preferencial, com incidência nas Índias Ocidentais (Jamaica, Barbados, Martinica, Santa Cruz, St. Eustachio, St. Vicent) e portos da América do Norte (Boston, Filadélfia, Virgínia, Terra Nova, Nova Iorque, Charlton e Baltimore).

Com o advento do século XIX surge um novo mercado a norte capaz de preencher a lacuna deixada com a quebra dos circuitos americano e asiático; desde 1831 esse mercado, dominado pela Rússia e Inglaterra, passou a substituir o colonial. O comércio do vinho com a Rússia está documentado desde 1793, tendo-se intensificado só a partir de 1813. Essa situação favorável conduziu a que o porto de São Petersburgo manti- vesse, entre 1832 e 1850, uma posição cimeira no volume de exportações; esta disputa entre o mercado londrino e russo, pela posição domi- nante no consumo do vinho da Madeira manter-se-á até finais do século.

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O comércio e transporte do vinho da ilha para o mercado americano e asiático era da exclusiva responsabilidade dos ingleses e, apos a inde- pendência, dos americanos. Estes dispunham de uma poderosa frota e de direitos exclusivos sobre o comércio com as referidas colónias ou dos acordos vantajosos com Portugal, como sucedeu em 1808 e 1810.

Em síntese, o vinho da Madeira foi nos séculos XVII e XIX um vinho para o inglês degustar e amealhar avultadas fortunas; para o ilhéu foi apenas um limitado recurso económico e ao mesmo tempo um vexame pouco compensatório.

46. Lagar no Eslrrito de Carnara dc Lobos.

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A vinha, desde o século XV, chegara a todas as frentes de arrotea- mento, mas as condições do solo, clima e a forma de expressão da agricultura madeirense definiram as áreas e os momentos de afirmação; se numa primeira fase esta surge como o traço dominante da urbe e de toda a vertente sul, numa segunda afirma-se como a cultura, por exce- lência, da vertente norte. Assim, de acordo com os dados disponíveis para 1787, a capitania de Machico apresentava-se com mais de metade da pro- dução, sendo tal valor resultante da safra de São Vicente, Ponta Delgada e Porto da Cruz. Essa destacada situação da região vitícola da vertente norte saiu reforçada, em 1821, com o aparecimento dos alambiques que passaram a consumir grandes quantidades do vinho aí produzido. Todavia, era na vertente sul, dominada pelas áreas de Santo António, São Roque, Câmara de Lobos, Estreito e Ponta do Sol, que se produzia o vinho de superior qualidade utilizado nas exportações.

A importância económica de um produto é aferida pela congregação dos valores de produção e exportação. Enquanto os primeiros atestam da dimensão que o produto adquire na vivência quotidiana do meio rural, os segundos definem idêntica situação para o meio urbano e relaciona- mento com o exterior. Entre ambos estabelece-se uma relação de interdependência que define, em última análise, a pujança económica do produto; as mudanças numa destas esferas repercutem-se na outra. Deste modo, terá sido o aumento da procura do nosso vinho que em conso- nância com a crise de produção açucareira, contribuíram para o rápido avanço, nos séculos XVI e XVII, da viticultura madeirense. Note-se que, de 1650 a 1676, quintuplicou a produção, de modo que no último quartel do século atingem-se as 20 000 pipas, passando para 35 000 em 1756.

A conjuntura da segunda metade do século XVIII, por se apresentar favorável à exportação do vinho, condicionou uma subida vertiginosa, entre 178 1-180 1, dos valores de produção, atingindo-se entre 1801-1 825 o cômputo mais elevado. Nesse período, segundo a documentação disponivel, a pro- dução oscilava entre as 50 e as 20 mil pipas de vinho.

As alterações do mercado, a partir da década de 30 do século XIX, condicionaram, de forma violenta, a produção. Assim, desde 1837, demar- ca-se o início da crise de produção que se acentua a partir de 1850; em

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1855 produziram-se apenas 30 pipas, situação que atesta o desmesurado abandono a que estavam votadas as vinhas.

Estas oscilações da produção tornam-se mais explícitas se ponde- rarmos a evoluçáo do preço: entre 1810 e 1817, uma subida vertiginosa do preço da pipa de vinho, atingindo-se em 1813 o valor mais elevado. Esta situação é deveras espectacular se considerarmos que a safra de 1812 tinha sido das melhores na história do vinho da ilha. Todavia, a estagnação do vinho nos armazéns, desde 1820, define uma quebra em flecha do seu preço, a partir de 1823, que culmina em 1833-1934 com um valor igual ao registado em 1583.

O regime de exploração agrícola assentava no contrato de colonia. As terras eram entregues aos colonos que cuidavam de as tomar produ- tivas mediante o pagamento ao senhor de um quantitativo da produção de vinho. A este sistema aliava-se a vinculação das terras que surge, no período de 1819-1834, com grande destaque na área entre o Funchal e o Campanário, onde atinge cerca de 50 % dos vinhedos. Destes vín- culos sobressaem, em Câmara de Lobos, o do Visconde de Torre Bela, o de Joáo Carvalhal, o de Ayres de Ornelas e Vasconcelos e o de D. João da Câmara.

Por fim, note-se a presença estrangeira na produção, que ao con- trário do que sucede com o comércio, é quase nula e só aparece no Funchal. Este mercador colocava todo o seu empenho na fase de vinificação e comer- cialização do vinho no mercado externo.

50. Amarém de Cossari. Gordon & Co.

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51. Vindima em Câmara dc Lobos. 1880.

i i i i i i u r W DBaCENDINa 1 H B XOUXTIIR.

52 . vindima em Cérnara de Lobo*.

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53. Corsa. Painel de azulejo.

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As dificuldades no escoamento dos stocks de vinho da Madeira, mercê de uma forte contracção do mercado na primeira metade do século XIX, implicaram acesa discussão na imprensa, cortes e senado da Câmara. Aí defrontaram-se os interesses de diversos grupos económicos interes- sados numa favorável solução das questões em causa.

Uma das mais importantes reivindicações em destaque assentava na definição de uma política proteccionista, de sabor marcadamente mer- cantilista, Assim, no Senado e mais instituições madeirenses, ganha corpo a política proteccionista do vinho, argumentada pelos principais represen- tantes dos proprietários das vinhas. Contra tais medidas vexatórias do livre-cambismo levantaram-se os mercadores ingleses, principais lesados com tal política. Estes faziam depender os seus interesses do comércio especulativo e da capacidade de intervenção do seu cônsul. Foi nesse sentido que este interveio, em 181447, contra as medidas proibitivas da entrada de bebidas de fora, estabelecidas em conjunto pela Câmara e Junta da Real Fazenda.

Reagindo a tal pertinácia da feitoria inglesa os locais desvendam as intenções dos seus detractores dizendo: C Os estrangeiros não contentes com fazerem exclusivamente o comércio activo dos nossos vinhos, pondo o preço a estes e aos efeitos pretendem atravessar o consumidor interior dos mesmos vinhos com suas bebidas deles por preços ínfimos e muitas vezes depois de uma estagnação de dois e três anos)). Mais adiante reforça-se esta ideia dando conta da débil situação da economia vinícola: «O vinho é o único género abundante que produz esta ilha e traz toda a sua riqueza, é a moeda que mais gira como equivalente e do mais que importa para o sustento de seus habitantes alimentados unicamente do seu produto sem recurso de nenhuma outra produção que possa contrapesar os males da introdução de outras bebidas capazes de adulterar os vinhos bons de embarque ou paralisar a venda dos baixos nas tabernas que desta forma não vendidos se exportem com descrédito dos legais de embarquem.

Perante esta situação as medidas proteccionistas definem-se como uma necessidade na política de defesa dos interesses económicos dos

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47 ARM, CMF, t. 14, fls. 81~-82.

Proteccionismo

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madeirenses em momentos de abastança ou crise. Essa política ganha corpo nos momentos áureos do mercantilismo, mas só em princípios do século XIX é insistentemente solicitada, pelo Senado e Junta da Real Fazenda, como meio de minorar os efeitos da crise. A primeira regulamen- tação conhecida data de 17104' e nela se estabelece a total interdição de entrada as bebidas fabricadas fora do Reino. Todavia, em 177g4', a Câmara alargou o seu âmbito ao vinho nacional, nomeadamente o aço- riano. No período vintista reacende-se a discussão mas em torno da entrada das bebidas espirituosas, nomeadamente a aguardente de França e do Brasil.

A defesa e legitimação, por parte das estruturas de poder na ilha, de uma política proteccionista do vinho e da sua produção em face da concorrência doutro proveniente do Reino, Açores e Canárias, ou das aguar- dentes e demais bebidas espirituosas, esbate com a permanente oposição dos mercadores ingleses, principais interessados, e a falta de concordância do Reino a estas legítimas aspirações. Não obstante a pertinácia da Junta e Senado na defesa da posição preferencial do vinho madeirense, con- seguiu legitimar essas medidas, com ou sem o beneplácito de Lisboa.

Por outro lado esta ambiência comprova o afrontamento de inte- resses entre os proprietários/viticultores e a burguesia comercial e marítima; os primeiros empenhados na defesa do produto da sua lavra, os segundos interessados na especulação e livre trânsito de produtos como forma de aumentar os seus réditos; uns e outros cativavam os seus apoios de modo diverso procurando institucionalizar as suas aspirações. Para os proprietários, o Senado da Câmara e a Junta da Real Fazenda, onde estes detêm uma posição maioritária, surgem como a expressão dos seus legítimos interesses. Aos mercadores restava apenas a esperança de um contrabando bem sucedido ou então o recurso as instituições do Reino. Todavia, a distância da ilha aos centros de decisão em Lisboa e a morosi- dade na definição de soluções, contribuíram para essa posição favorável aos viticultores,

48 ANTT, PJRFF, n . O 404, fl. 463. 49 ANTT, PJRFF, n . O 970, fls. 119-120v; AHU, Madeira e Porto Santo, n . O 1261.

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5% Anrnuém de F. F. P m q . Ida. Século >Em.

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57. Amazém de Henriquer Lawlon & Co. 1880.

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Desde 1730, o «East India Madeira» ou vinho de torna-viagem

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adquiriu uma posição relevante no mercado londrino, passando a ser O

preferido da aristocracia inglesa, a substituir o <cCornmon Madeira», o «London Market » e o «London Particular ».

O traçado da carreira das índias inglesas definiu a rota de escoa- mento do vinho para o seu mercado colonial; muito do vinho embar- cado permanecia, nos porões das naus e galeras, como mercadoria de lastro ou para o seu aprovisionamento fazendo, deste modo, todo o percurso, chegando algum, no regresso, a Londres. Esse vinho de torna- -viagem apresentava um travo especial sendo, então, muito procurado no porto de Londres.

Roda, vinho de

Segundo os entendidos, na época, o vinho adquiria qualidades aro- máticas e gustativas especiais mercê do calor a que estava sujeito nos porões, quando da dupla travessia da região tropical; pelo menos assinl o enuncia A. A. Sarmento: «Pelo final do século XVIII, notaram os nego- ciantes exportadores de vinho da madeira, que este sujeito a uma longa viagem, batido pelo balanço da embarcação, aquecido às abafadas tempe- raturas que se notam nos porões, tomava características especiais de aromatização, um todo precocemente envelhecido, pelo que mandavam muitas pipas a Índia com frete de torna-viagem, para de lá voltar melho- rado o vinho, que ficou sendo chamado de roda do mundo ou simplesmente Vinho de Roda» 'O.

A constatação desta realidade, fruto do empirismo ou do contacto com os conhecimentos da vinificação francesa, marca o inicio de uin pro- cesso evolutivo/transformativo da vinificação madeirense, que tem a sua expressão cabal com o aparecimento das estufas em 1794. Numa primeira fase, o ilhéu, guiado pela constatação empirica, lança no mercado este novo vinho resultante da viagem da rota colonial. A nova marca conquista o mercado londrino e o ilhéu procura, então, colher os seus proventos. Assim esta prática manteve-se até 1830 apresentando-se como concorrencial do processo de estufagen~, resultante da segunda fase evolutiva do processo.

s0 ARM, CMF, t. 14, fls. 79 v-81.

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A própria Junta da Real Fa7,enda do Funchal promoveu esta pratica, ao enviar. em Abril de 1818". cinquenta pipas de vinho para Cabo Verde a fim de ai envelhecer com o calor do VerAo. Dado o exemplo seguiu-se. a partir de 1823,. a sua generalizaqAo. No período que decorre de 1823 a 1830, o volume de vinho saido do porto do Funchal atingiu elevados valores. tendo-se enviado 1650 pipas em 1823 e 3660 em 1824.

Este surto do vinho de roda confunde-se com as medidas propicia- dores da Junta que havia ordenado o reembolso dos direitos papos à saida ou da fianqa. Esta situaqào era considerada pela Junta da Fazenda como prejudicial aos interesses da Fazenda Real na ilha pois, segundo o seu entender. os negociantes procuravam usufruir desta situação para escapar aos direitos de saida, ou entáo. para demorar no seu pagamento. Assim sucedeu em 1826", com Philip Noairles Searle. um dos principais frui- dores deste processo.

O vinho de roda surge. assim. como o resultado dum processo inovador da vinificaqào madeirense encarado como solução adequada para a constante procura de vinho envelhecido da ilha, cujos srocks se iam esgotando.

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' 1 I n<on . i I / i s r r i n < - i , < <Ia Minha Trrra. 111. Fùwhil . 1905 , p 110 ': ANTT. P I H F F n " 7<U. 11 407

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&i. V--. ùuuko de IIPX Ro- na rala de pmvss do M.dcLi Wine Caapmy. I M .

TROVAS A VINDLMA

Meniao q'<uulPir h folha tm pamira á'akc(w~te dai-me M caaMko d ' u w para &r PO meu amame

Vf* vi* venke vwm vorRa me& maia gíftPdll quem pw bsbcr moir vinhs p o r i h o o B o u r n a I e ~

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O meu amor anda As mar; eu sou o aeu <1jdam&e Vou apanhando e connnulo. qu'a parreira tem h t m r r s

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A vindima destaca-se como o momento mais importante da faina vitivinícola; desde finais de Agosto a princípios de Outubro o meio rural anima-se com essa azáfama atraindo forasteiros e assalariados sazonais, velhos, adultos, novos e crianças, numa alegria inexcedível pautada pelos cantares regionais do trabalho. Tudo isto tem lugar nos inúmeros vinhedos que engalanam a encosta da ilha, tendo como centro os lagares. Enquanto os velhos, adultos e novos, munidos de facas, podões e navalhas, cortam os cachos e enchem os cestos «vindimas», os homens de «molhelha» ao ombro transportam os barreleiros acogulados de uvas ao respectivo lagar.

Esta era a ambiência característica da vindima madeirense que hoje teima em desaparecer, mercê da evolução hodierna do processo de vinifi- cação; o lagar, que era então o principal centro dessa animação, jaz hoje adormecido, sendo apresentado apenas como peça de museu.

A latada e o lagar concentravam a atenção do meio rural man- tendo-se a sua volta, por um prazo limitado, uma actividade constante ao longo das vinte e quatro horas do dia. Esta actividade cativava de tal forma as atenções do ilhéu que, desde o século XVII, a vereação fun- chalense suspendia sempre as suas reuniões semanais para os seus elementos se dedicarem as «colheitas», ou, mais propriamente, a vindimas.

Ao findar do dia, terminada a apanha da uva, os homens procediam a pisa da uva, a pé descalço e calça arregaçada. Esmagadas as uvas, o bagaço era arrumado ao centro, aposto em pé, enrolado helicoidalmente, por uma corda, que dá todo o aspecto de um tronco de cone de largas bases sobre a superior como diâmetro e na direcção da vara assenta o juiz dvidindo, pela justa colocação da proficuidade dos esforços que o todo se prepara para suportar. É em cima do juiz que se colocam, sucessi- vamente, as tábuas, os malhais, a porca, os leitões e, por último, o cachaço, pedaço de madeira de grossura variável, sendo este último que recebe directamente a acção da vara. O extremo livre desta grossa trave é atra- vessado pelo fuso que se prende inferiormente a pesada pedra do lagar. Pondo-o em movimento de aperto, atarrachando-o, a pedra, que descan- sava no solo, levanta-se e fica exercendo a desejada pressão sobre o bagaço. É a chamada empesa»53,

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53 ANTT, PJRFF, n.O 241, fl. 39 v.

Vindima

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Ao longo da noite prosseguia esta árdua tarefa, com a repisa e empesa, acompanhada de um farto manjar, regado com bom vinho e aguar- dente, de modo a que a noite fosse animada com os cantares cadenciados, alusivos à faina do lagar. Depois, alta madrugada, os homens munidos de borrachos ou barris transportavam o mosto as adegas ou locais de embarque para os armazéns do Funchal.

Nos tempos actuais, esta faina perdeu todo o seu aspecto bucólico que a caracterizava e a máquina retirou ao homem o fardo pesado; a tecnologia hodierna veio substituir o homem e amenizar as tarefas de tal modo que é raro ver-se os borracheiros, enquanto os lagares de vara vêm sendo substituídos por prensas ou máquinas de moer uvas. Mesmo assim, em certas zonas do norte, permanecem estes hábitos arcaizantes a rememorar a faina dos nossos avoengos; no Porto da Cruz, por exemplo, o vinho americano ainda continua a ser transportado em borrachos.

A vindima, encarada como fase preliminar do processo de vinifi- cação madeirense, estava sob o rigoroso controlo das autoridades, pois que a qualidade do vinho produzido dependia da forma correcta como se procedia à apanha das uvas. Assim o entenderam, em 178554, 0s senhorios que reclamavam contra os colonos que «não esperam que as uvas estejão perfeitamente sazonadas para as vindimarem, nem no tempo da vindima fazem a precisa escolha que se requer para que não se misture o verde com o maduro». Por regimento das vindimas de 12 de Agosto se procurou coibir os colonos de tal prática, obrigando-se estes a proce- derem h escolha da uva, ao mesmo tempo que se estipulava a data certa para vindima, em cada região, ficando o seu cumprimento a cargo de um inspector coadjuvado por inspectores locais. Em anexo ao regimento vêm estipuladas as datas de início das vindimas:

- a partir de 8 de Setembro nas freguesias de Câmara de Lobos, São Pedro, São Martinho, São Gonçalo, Nossa Senhora do Calhau;

- a 15 de Setembro . . . . . . . nas freguesias de Santo António, Santa Luzia, Santa Cruz, Ribeira Brava, Ponta do Sol, Arco da Calheta. Paúl do Mar, Ponta do Pargo, São Roque, Caniço, Cam- panário, Tábua, Madalena do Mar, Calheta, Jardim do Mar, Fajã da Ovelha, Canhas;

54 J. Reis GOMES, O Vinho da Madeira. Como se Prepara um Néctar, Funchal, 1937, p. 8.

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-a 25 de Setembro . .

- a 1 de Outubro . . . .

. nas freguesias de Machico, Estreito de Câmara de ~ o b o s , Santana;

. nas freguesias de São Vicente e a malvasia, .por ser este vin- donho o que mais custa a sazonar..

Em provisão de 1819'' referia-se a necessidade de haver três ins- pectores por freguesia para fiscalizarem o cumprimento deste regulamento, estabelecendo o momento exacto para a apanha da uva. Posteriormente, tivemos novo regulamento de 16 de Maio de 1813", que se encontrava em uso em 1839. Mas com o andar dos tempos estas medidas benéficas e necessárias a produção do vinho de qualidade foram votadas ao esqueci- mento, deixando-se campo aberto para o produtor proceder ii sua vindima consoante os seus desejos e interesses. A cada viticultor passou a ser delegada a responsabilidade da apanha da uva, no momento considerado oportuno, e poucos são os que aguardam que as uvas se encontrem bem sazonadas para proceder a sua apanha; hoje apenas é prática comum a data imposta pelas casas compradoras do vinho e uvas das diversas castas.

55 ARM, Governo Civil, n.' 70, flr. 29v.32. 56 ARM. CMF. t. 14, fls. 14-15".

61. Rótulo antigo.

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O vinho da Madeira define-se não só pela qualidade das castas, de que é resultante, mas também pelo peculiar processo de trato, que o madei- rense criou em tempos imemoráveis e teima em manter para a posteridade. Se é certo que o vinho depende directamente da casta que é usada e das condições agroclimáticas, não é menos certo que, em última instância, o vinho da Madeira surge como resultado do processo de vinificação; o segredo deste vinho está aí. Mais, o segredo da vinificação madeirense não se alia à viticultura mas destaca-se desta surgindo em área definida e como privilégio de certos extractos sócio-económicos intervenientes no processo de circulação do produto acabado.

A documentação coeva setecentista refere-nos que o Funchal era a área, por excelência, de disseminação das adegas ou armazéns, onde tinha lugar o rotineiro e moroso processo de vinificação. Todo o vinho do meio rural e áreas circunvizinhas do Funchal era vendido à bica do lagar, sendo transportado, em mosto, para as adegas existentes no Funchal, onde fermentava e se submetia ao tratamento devido.

O Funchal, feitas as vindimas, adquiria uma nova animação e os seus ares, desde Setembro, estavam bêbados do odor que saía por entre as grades das janelas dos vetustos armazéns. Esta situação prolonga-se por alguns meses, o tempo suficiente para fazer fermentar e envelhecer, prematuramente, o vinho na estufa. Depois, as restantes tarefas, que imprimem ao vinho as características químicas e organolépticas, execu- tam-se, ao longo dos anos, enquanto o vinho envelhece em cascos nas escuras adegas.

A urbe funchalense desde tempos recuados que adquiriu uma nova fisionomia, adequada às suas novas funções, como canteiro de repouso do famoso rubinéctar produzido na ilha; as áreas ribeirinhas da alfândega e porto apinharam-se de complexos vinícolas, compostos por lojas escuras e espaçosas, uma estufa, uma oficina de tanoaria e um pátio interior pol- vilhado de pipas resguardadas por latadas.

Até meados do século XVIII apenas se conhecia o envelhecimento e trato no canteiro e foi a partir de então que se experimentaram os novos processos de vinificação; primeiro com o adicionamento de aguar- dente, depois com a estufagem (1794). Este último processo generalizou-se e, hoje em dia, quase todo o vinho Madeira é submetido à estufagem

18 Vinificação madeirense

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durante três meses, findos os quais permanece três ou quatro anos no casco, até ser engarrafado. O sistema de canteiro apresenta-se como o mais antigo e generalizado em todo o arquipélago. Foi com este que se fez o vinho tão apreciado pelo colonialista europeu.

O vinho depois de fermentado no vasilhame de boca aberta, era transfegado e loteado. Antes disso, seguia-se o processo de purificação, retiradas as borras e as impurezas por meio do uso de goma de peixe, clara de ovo e sangue de bovinos, adicionando-se em seguida aguardente. Mantendo-se por algum tempo o processo contínuo de trato dos vinhos, findo o qual o vinho estava pronto para embarque. Até meados do século XVIII o trato resumia-se a assídua transfega, ao processo de clarificação e ao seu loteamento com o vinho envelhecido; somente a partir desta data se generalizou o processo de adubar os vinhos com aguardente; pri- meiro a de França, depois a da terra.

A estufagem do vinho surge, na tradição insular, como consequência lógica do afamado vinho de roda do século XVIII, isto é, o vinho que como lastro fazia a travessia da zona tropical nos porões das naus e com o calor tropical sofria um envelhecimento prematuro. Assim, a primeira estufa, experimentada em 1794 por Pantaleão Fernandes, surgiu com a finalidade de substituir esta onerosa situação fazendo com que o vinho aquecido artificialmente in loco adquirisse as pro- priedades desses que passavam os trópicos. Os resultados foram de tal modo satisfatórios que, em princípios do século XIX, generalizou-se o uso deste sistema de trato, o único capaz de corresponder à incessante procura de vinho velho. Assim se afirmou o sistema de estufagem do vinho, mantendo-se até a actualidade como uma das principais fases do processo de vinificação, não obstante a conjuntura desfavorável desde o segundo quartel do século XIX.

Os estudos científicos de D. João da Câmara Leme, que de França trouxe o processo de pasteurização do vinho, adaptando-o a região após morosas experiências, sob o designativo de sistema canavial, isto é, o método de «aquecimento rápido e arrefecimento lento, demorado ou não, em recipiente fechado» revolucionaram a vinificação madeirense. O mesmo havia já tentado em 1824 Severiano de Freitas Ferraz, com o invento de um novo sistema de aquecimento do vinho, que mais não será que o resultado dos estudos de Pasteur que a seu tempo pôde receber.

Em termos gerais a vinificação madeirense definia-se pelo uso gene- ralizado do tradicional sistema a que se aliou, em finais do século XIX, a adubagem com aguardentes e o envelhecimento prematuro com o sistema de estufagem. O período da segunda metade do século XVII foi impor- tante para a vinificação madeirense, pois deu-se aí o salto qualitativo do processo com o aparecimento de novas formas de trato do vinho adequadas as solicitações do momento. Ao mesmo tempo, esse momento

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marca o início do desenvolvimento dos estudos eneológicos madeirenses, saltando o processo de vinificação do seu estádio rotineiroltradicional, para um estádio avançado de acordo com os avanços da Eneologia a escala da Europa rança). Em tal processo tiveram uma acção meritória Seve- riano de Freitas Ferraz e D. João da Câmara Leme; este último criando um novo sistema e valorizando a vinificação madeirense com os conhe- cimentos trazidos de França, onde havia permanecido alguns anos.

Na actualidade, a vinificação madeirense procura encontrar-se com os cânones europeus, mantendo-se apenas o processo de envelhecimento prematuro do vinho pela estufa. A tecnologia e as pesquisas laboratoriais constantes conjugam-se para o fabrico de um vinho generoso, genuíno e de alta qualidade.

63. Chegada dor borracheiros.

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64. Armarem de Cossuii. Gordon & C<>

65. Armarem dc Cossarl. Gordon & Co

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claro, aos colonos, aos senhorios ou a comerciantes intermediários. Por isso a colheita da uva era feita sempre com maior cuidado; só depois o vinho ia dos lagares para a s adegas; onde permanecia enquanto fermentava.

Se era sercial, a fermentação durava enquanto havia açúcar no vinho, que por isso, ficava seco e mais alcoólico, e se tornava, depois mais aromático. Se era malvasia ou boal, numa palavra, era vinho que não contivesse fermentos suficientes para desdobrarem todo o açúcar, o vinho ficava doce, menos alcoólico, e não se tornava tão aromático.

Se era vinho Madeira ficava, mais ou menos doce, mais ou menos aromhtico segundo as variedades das uvas que o tinham produzido.

O vinho e ra especialmente notável por sua cor escura que perdia com o tempo.

O vinho clarificava quando os fermentos tinham desdobrado todo o açúcar, ou quando havia mais fermentos em actividade que desdobrado sem o açúcar. A partir de então retiravam-se as borras e os exporta- dores os conduziam ao trato no canteiro.

Os vinhos menos alcoólicos incapazes de manter inertes os fermentos eram submetidos a maiores trata- mentos com clarificações, balde, celha e por vezes a clarificação deveria fazer-se com ovos, goma, leite, sangue, barro.

O sercial, d e todos o mais alcoólico, é também o que requere menos trabalho (. . .).

Mas ao passo que as clarificações e transfegas se iam tornando menos frequentes à medida que os fermentos iam sendo eliminados, o vinho ia perdendo, sem sair do canteiro, o gosto, o sabor, o cheiro e cor de novo, e adquirindo o gosto, sabor, o cheiro e a cor de vinho mais velho; até que quando, passados quatro ou cinco anos, o vinho podia conservar-se, por muito tempo, sem alteração, em vasilha fechada e longe de vinhos mais novos, era considerado pronto para consumo, tendo adquirido as qualidades especiais que o caracterizavam.

Assim o sercial, cor de topázio claro, tornava-se seco, muito alcoólico e muito aromático; o malvasia, também cor de topázio, talvez mais apertada, do que a do sercial, conservara-se menos doce do que o malvasia mas tornara-se um pouco mais alcoólico e menos aromAtico; o boal, de cor semelhante a do sercial, conservara-se menos doce do que o malvasia mas tornara-se um pouco mais alcoólico e aromático; o tinta, era especialmente caracterizado pela sua cor escura que os anos fazia desaparecer; o Madeira, em que encontrava, em grande parte o verdelho e, muitas vezes, o tinta a cor de rubim mais ou menos viva e apre- sentava qualidades um pouco variáveis, segundo as variedades das uvas que nele predominvarn.

(D. Joho DA C~MARA LEME, OS três sistemas de trutamento d o vinho, p. 6)

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Em traços gerais poderemos afirmar a existência de uma faina local com características próprias, diferenciando-se das regiões vitícolas do Con- tinente ou Açores. As condições agroclimáticas salientam e avivam estes traços peculiares; o viticultor madeirense originário do ocidente penin- sular trouxe consigo toda a faina vitícola tradicional, preservada e recriada nas diversas regiões da ilha. Mas o meio fê-lo procurar condições ou soluções adequadas, capazes de conciliarem a actuação dos dois prin- cipais factores de produção: o clima e o sol. A tecnologia da faina sofreu um moroso processo de adaptação, de tal modo que hoje se pode falar da viticultura madeirense, como se fala da duriense ou da açoriana, e da vinificação madeirense.

As mesmas condições agroclirnáticas obrigam-nos a considerar uma multiplicidade de áreas com características próprias que, em termos de viticultura, se definem por áreas heterogéneas e complernen- tares, que conduzem a dominância de uma variedade de castas e conse- quente diversidade de vinhos.

Num solo pobre e bastante acidentado devido à sua formação oro- gráfica a árdua faina de arroteamento e aproveitamento marcaram a psicologia insular, evidenciando-se o apegado amor e veneração do insular a terra; a humanização do «rochedo» foi um processo difícil, de tal modo que a façanha de cabouqueiro, construindo socalcos por todo o lado para erguer as latadas, está sempre presente na paisagem e memória das suas gentes. Tudo, na Madeira, é resultado dessa epopeia humana» que comove o visitante actual, como as autoridades da época. Assim, em 1821 " 0

governador e capitão general Sebastião Xavier Botelho escrevia ao Conde dos Arcos nos seguintes termos: «S. M. choraria de dor se visse com os seus olhos, as fadigas, as penas, que sofrem os habitantes do sul da Madeira para recolherem uma pipa de vinho».

Orlando Ribeiro ", mais tarde, traçou de forma clara a geografia da ilha, destacando o contraste NortelSul, evidenciado pela configuração geográfica e pela actuação do clima, definidor de uma diferente envol-

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57 ARM, CMF, t. 19, fls. 224 V-225 v. 58 AHU, Madeira e Porto Santo, n.' 265.

Viticultura madeirense

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vência geo-humana; uma faixa norte marcada pelos maciços montanhosos de colinas abruptas caindo ao mar (São Vicente, Seixal) entremeados por algumas fajãs (Arco de São Jorge, Ponta Delgada, Fajã da Areia, Porto Moniz), com uma vegetação exuberante e com um clima húmido; uma faixa sul com inclinações suaves, de menor pluviosidade, com um clima seco. Esta diferenciação das vertentes NorteISul é muito importante em termos de definição da área vinícola insular, pois que conduziram ao aparecimento de duas áreas com característica próprias, de que resultará um vinho diferente, conhecido no século XVIII como vinho do norte e do sul.

Definidas as duas áreas vitivinícolas principais poderemos ainda delimitar sub-regiões, com características peculiares, consoante a maior ou menor proximidade do solo, situação definida nas vereações do século XVI e XVII como o vinho das «meias terras para baixo)) e das «meias terras para cima».

A vinha, mercê das condições orográficas e climáticas, estende-se até aos setecentos metros no Sul e trezentos no Norte. Igualmente a distri- buição das diversas espécies da vitis-vinifera - malvasia, sercial, boal, verdelho, tinto, terrantez - obedece a um escalonamento em altitude:

- a malvasia cultiva-se nas zonas baixas junto ao mar, conhe- cidas por fajãs: Fajã dos Padres, Paúl e Jardim do Mar, Arco da Calheta, Madalena e Canhas;

- o boal, desde os quatrocentos metros e nas áreas ribeiri- nhas: Campanário, Ponta do Pargo;

- o verdelho, zonas intermédias, entre os quinhentos e quatrocentos metros, junto ao mar: Ribeira da Janela;

- o sercial, nas zonas altas entre os seiscentos e setecentos metros: Jardim da Serra, no alto do Estreito de Câmara de Lobos, Santo António, Campanário, Ponta do Pargo (Fajã).

A cultura da vinha, em meados do século XVI, absorvia já uma porção considerável da área arroteada da ilha, nomeadamente na região circunvizinha do Funchal, onde encontramos referenciadas onze «latadas» e onze «vinhas». No século seguinte, essa área alarga-se além Funchal: na primeira metade do século temos dezanove vinhas e seis latadas no Funchal, sete vinhas em Câmara de Lobos e seis vinhas e sete latadas na Ponta do Sol, Ribeira Brava, Caniço e Calheta. Só a partir

59 ~ ' j l e de Madère. Étude Géographique, Lisboa, 1940, pp. 62-63.

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da segunda metade deste último século a vinha conquistou, em definitivo, O solo da ilha, substituindo os canaviais do Funchal e zonas limítrofes, ocupando as clareiras entáo abertas no norte: Ponta Delgada, Porto da Cruz, São Vicente.

Os trigais e canaviais davam assim lugar as latadas e balseiras; a vinha tornava-se na cultura exclusiva do colono madeirense, a qual este cede todo o seu engenho e arte. O vinho conquistou o primeiro lugar na actividade econbmica da ilha, mantendo-o por mais de três séculos. O ilhéu, desde o ultimo quartel do século XVI, dedicou-se por exclusivo à cultura, tirando dela o necessário para o seu sustento diário e o suple- mento para manter uma vida de luxo, sumptuosos palácios e igrejas.

Na primeira metade do século XIX a área de vinha atingia 50 % do solo cultivado, sendo em 1845 e 1865 de apenas 19 % (2500 h). Mas, em 1872, com a acção da filoxera esta sofreu uma forte retracção, de tal modo que no último quartel do século apresentava valores muito baixos. A acção de reconversão e o incentivo dado então, na primeira metade do século, fizeram com que esta área aumentasse todavia sem nunca ter atingido o espaço anteriormente perdido, pois que na actualidade ainda representa 8 % da área cultivada (248 km2) e, apenas 2,5 % da superfície total da ilha (782 km2), com particular incidência na faixa sul.

A cultura da vinha na ilha faz-se, desde o século XV, em latadas, armadas sobranceiras aos passeios, terreiros, veredas ou em poios cons- truídos encosta acima a partir do litoral. Entretanto, em algumas áreas do norte da ilha predominou, por muito tempo, a vinha de pé ou as bal- seiras, mas desde o terceiro quartel do século XIX afirmou-se a latada, que hoje vem sendo substituída pela vinha aramada, em locais onde se torna possível a sua mecanização

A faina vitícola estende-se por todo o ano agrícola, obrigando o viti- cultor madeirense a uma acção constante de cuidados. Mas, sem dúvida, o período de maior actividade situa-se na época da vindima, que decorre de Agosto a Outubro. De Janeiro a Julho as tarefas e cuidados assíduos com a vinha surgem espaçadamente, de acordo com o ciclo vegetativo da vinha: em Janeiro poda-se, cava-se e aduba-se; de Maio a Julho sulfa- ta-se, esfolha-se e enxofra-se.

O viticultor madeirense transformou as suas vinhas num jardim e a elas se dedica o ano inteiro, acompanhando passo a passo o evoluir da videira, o florescer, crescimento e amadurecimento do cacho, do qual extrairá o vinho.

Até o terceiro quartel do século XIX a cultura da vinha com as castas europeias atrás referidas fazia-se por produtor directo; desconhe- cia-se então o uso de cavalos de enxertia e da cepa que produzia o vinho afamado se retiravam os bacelos para a renovação e alargamento da vinha.

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Mas em 1872, com a propagação da filoxera, tomou-se necessário substi- tuir estes bacelos por cavalos de enxertia de vinha americana mais resistente. Assim, em todas as áreas infestadas pelo insecto vimos afirmar-se a vinha americana como cavalo para enxertia ou, então, como produtor directo. O ujacquezn, nherbemont~, acaninghamx, uvinho ameri- cano*, substituíram as afamadas castas europeias, tardando a verdadeira reconversão da vinha.

A viticultura madeirense diferencia-se da açoriana e das demais pelas particularidades especificadas, resultantes da influência das condi- ções agroclimáticas. O ilhéu em ambas as partes recebeu o ensinamento rotineiro e tradicional da Terra-Mãe mas de acordo com as possibi- lidades ou impulsos da natureza recriou-o i sua imagem e semelhança.

Com engenho, suor e arte se define a viticultura madeirense faltan- do-lhe apenas, ontem como hoje, a sua adesão plena as inovações e evo- lução dos conhecimentos agrovitícòlas; o viticultor madeirense adquiriu a arte, mas teima em manter-se estanque, averso ao progresso, as inova- ções, mesmo que em seu proveito; são hábitos e tradições legadas pelos avoengos que a ciência hodiema não tem capacidade para destronar.

GOOD GOMPANY ' N O

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Confraria do Vinho da Madeira

A Confraria do Vinho da Madeira foi criada em 1988 com o objectivo de promover e defender a reputação histórica do vinho da Madeira. Aqui retoma-se uma tradição das regiões demarcadas da Europa, todavia esta ideia não é nova quanto ao vinho Madeira, pois em Savanah (EUA) existe um clube de ameri- canos que se reúne todos os anos pelo São Martinho para degustar o Madeira

O Dr. Alberto João Jardim, Presidente do Governo Regional da Madeira, é o Cancelário-mor da confraria, tendo a mesma sede no Instituto do Vinho da Madeira, de que é Presidente o Dr. Constantino Palma, um dos principais animadores desta causa. A confraria, criada em 22 de Abril de 1988, conta no presente momento com 76 associados, pertencentes as mais diversas áreas da vida política e económica madeirense. Todos os anos, pelo São Martinho, os confrades reúnem-se para degustar o vinho novo e honrar e defender o velho.

79. Confradrs na rede da Confraria.

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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Transporte de pipa com «corsa» . 1842

. . . . . . . . . . . . . . . . . . Embarque de pipas com vinho no porto do Funchal 1.' metade do século XX . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Lagar no Estreito de Câmara de Lobos

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Borracheiros no Estreito de Câmara de Lobos

Vindima em Santa Cruz . 1880 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Vindima no Funchal . 1880 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ArmazémdeCossart. Gordon& Co . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Vindima em Câmara de Lobos 1880

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Vindima em Câmara de Lobos

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Corsa Painelde azulejo

Corsa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Armazém de F . F . Ferraz. Lda . Século XIX

Rótuloantigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Armazém de Henriques Lawton & Co . 1880

Rótuloantigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Armazém de Blandy Brotbers no Funchal . 1880

Vindima . Quadro de Max Romer na sala de provas da Madeira Wine Company . 1940 . . . . . . . . . . . Rótuloantigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Cuidados com a vinha . Pormenor do quadro de Max Romer, existente na sala de provas da Madeira

Wine Company . 1940 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Chegadadosborracheiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ArmazémdeCossart, Gordon& Co . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ArmazémdeCossart, Gordon & Co . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Armazém de vinhos velhos de Blandy Brothers . 1880 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Engarrafamento do vinho nos armazéns de F . i? . Ferraz

Engarrafamento do vinho nos armazéns de F . F . Ferraz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Borracheiros na Ribeira dos Socorridos . 1880 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Despejo do mosto dos borrachos

Enchimento dos borrachos demos to . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Malvasia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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Boal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Sercial . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Rótuloantigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . O Cancelário-mor da Confraria apadrinha um novo membro. entregando a tomboladeira . . . . . . . . O Cancelário-mor no momento solene da bênção e admissão de novo confrade . . . . . . . . . . . . . . . . . Confrades na sede da Confraria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

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[APRESENTAÇAO I . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 . AGUARDENTE 15

2 . ALAMBIQUE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

3 . BALDEAÇÃO DO VINHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27

BALSEIRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

BORRACHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

COMERCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . CRISE 43

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . DIREITOS SOBRE OVINHO 49

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IMPOSIÇÃO DO VINHO 53

DIZIMO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 55 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . DIREITOS DE SAIDA E ENTRADA NA ALFÂNDEGA 56

ESTUFAS DE VINHO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

LAGAR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

LATADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . MERCADORES 69

MERCADOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . PROTECCIONISMO 83

RODA. VINHO DE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

VINDIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

VINIFICAÇÃO MADEIRENSE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . VITICULTURA MADEIRENSE 103

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . ADENDA 1 1 1

~ N D I C E DAS ILUSTRAÇ~ES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113

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PROVENIÊNCIA DAS FOTOGRAFIAS

MUSEU DE PHOTOGRAPHIA VICENTES :

Gravuras n.OS 2, 10, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 26, 27, 29. 31, 39, 42, 43, 45, 46, 47, 50, 52, 54, 55, 63, 64, 65, 67, 68, 70, 72.

HENRY VIZETELLY, Facts about Port and Madeira, Londres, 1880 :

Gravuras n.OS 6, 9, 16, 20, 30, 36, 48, 49, 51, 57, 59, 66, 69.

ANDREW PICKEN, Madeira illustrated wilh a description of the island, Londres, 1842 :

Gravuras n.OS 24, 44.

INSTITUTO DO VINHO DA MADEIRA :

Gravuras n.OS 3, 72, 73, 74, 75, 76, 77, 78, 79.

JOSÉ DE SAINZ-TRUEVA :

Gravura n.O 53.

Dr, JOSG PEREIRA DA COSTA ;

Gravuras n . O S 4, 16.

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BARBOSA si XAVIER, A R T E S C R A F I O A S . E D I T O R E S

OUA CAnRIrL l i l S l R l O E C I E I R O i

1111-, 111<1 - I I I I B " l C I I

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