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Rua das Mercês, 8 9000-224– Funchal Telef (+351291)214970 Fax (+351291)223002 Email: [email protected] [email protected] http://www.madeira-edu.pt/ceha/ VIEIRA, Alberto (1989) Povoamento e colonização da Madeira COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO: VIEIRA, Alberto, (1989)"Povoamento e colonização da Madeira" , Portugal no Mundo, direcção de Luís de Albuquerque, vol. I, Lisboa, pp. 162-175CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/1989-portugalnomundo.pdf, data da visita: / / RECOMENDAÇÕES O utilizador pode usar os livros digitais aqui apresentados como fonte das suas próprias obras, usando a norma de referência acima apresentada, assumindo as responsabilidades inerentes ao rigoroso respeito pelas normas do Direito de Autor. O utilizador obriga-se, ainda, a cumprir escrupulosamente a legislação aplicável, nomeadamente, em matéria de criminalidade informática, de direitos de propriedade intelectual e de direitos de propriedade industrial, sendo exclusivamente responsável pela infracção aos comandos aplicáveis.

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COMOREFERENCIARESTETEXTO: Email:[email protected] [email protected] http://www.madeira-edu.pt/ceha/ RuadasMercês,8 9000-224–Funchal VIEIRA,Alberto,(1989)"PovoamentoecolonizaçãodaMadeira",PortugalnoMundo,direcçãode Luís de Albuquerque, vol. I, Lisboa, pp. 162-175CEHA-Biblioteca Digital, disponível em: http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/1989-portugalnomundo.pdf,datadavisita:// Telef(+351291)214970 Fax(+351291)223002

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VIEIRA, Alberto (1989)

Povoamento e colonizaçãoda Madeira

COMO REFERENCIAR ESTE TEXTO:

VIEIRA, Alberto, (1989)"Povoamento e colonização da Madeira", Portugal no Mundo, direcção deLuís de Albuquerque, vol. I, Lisboa, pp. 162-175CEHA-Biblioteca Digital, disponível em:http://www.madeira-edu.pt/Portals/31/CEHA/bdigital/avieira/1989-portugalnomundo.pdf, data da visita: / /

RECOMENDAÇÕESO utilizador pode usar os livros digitais aqui apresentados como fonte das suas próprias obras, usando

a norma de referência acima apresentada, assumindo as responsabilidades inerentes ao rigorosorespeito pelas normas do Direito de Autor. O utilizador obriga-se, ainda, a cumprir escrupulosamente

a legislação aplicável, nomeadamente, em matéria de criminalidade informática, de direitos depropriedade intelectual e de direitos de propriedade industrial, sendo exclusivamente responsável pela

infracção aos comandos aplicáveis.

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Volume I

D;rm(io dc L//iI rlcAlbllf///{'/Ij//c

Povoamento e colonização do Reino de Portu(:a1 • lnício dos descobrimen­(Os marítimos porrugueses • O avanço

no Atlântico

Publicações Alfa

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Povoamento e colonizaçao da Madeira

ALBERTO VIEIRA

À expedição de Tristão Vaz Teixeira e João Gonçalves no mlCIO do século xv sucedeu o povoamento do arquipélago, por iniciativa do infante D. Henrique e dos seus capitães.

As bases institucionais e económicas criadas no século xv e sensivelmente modificadas no primeiro quartel do século XVI tornaram possível um grande sucesso económico da Macieira

através da produção de pastel, açúcar e vinho, produtos que eram posteriormente integrados nos circuitos comerciais europeus

o povoamento e o consequente pro­cesso de valo rização económica da Madeira surgem, no comcx(Q d .. expan­são europeia dos séculos xv e XVI , como o primeiro ensaio de processos, técnicas e produtos que serviram de base à afir­mação dos Portugueses no espaço atlãn­ticO, continental e insular. Tal situação resulta do facto de a Madeira ter sido a primeira área atlântica a merecer o impacte da humanização peninsular. Enquanto nas Canárias tardava a pacifi­C:!~'ão guanche e se esvaneciam as espe­ranças da posse henriquina, na Madeira os cahouqueiros europeus iniciavam um plano de exploração intensiva do solo virgem. Ao empenhamento dos tradicio­nais descobridores juntam-se os interes­ses da coroa, do infante D, Henrique e da comunidade italiana sediada em Por­IUgal. Desta forma , quando nas Canárias se inicia, na década de 70, o processo de colonização das o ito ilhas que compõem o referido arquipélago, deixando para Irás um longo período de lutas sangui­nolentas, e quando nos Açores se inicia

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uma fase de arranque definitivo do seu povoamento com a colabo ração madei· rense, a Madeira surgia já como um importante entreposto de comércio e de apoio à navegação. Essa si tuação terá resultado das condições oferecidas por esta ilha , da conjuntura atlântica de então e do forte empenhamento dos promo tores e principais protagonistas do povoamento. Aqui se lançam na década de 20 as bases sociais e económi­cas daqui lo que será definido como a civilização atlântica, cuja expressão quatrocentista e quinhentista tem como referência a Madeira .

A Madeira tinha a seu favor condições especiais propiciadoras dessa expe riên­cia de povoamento. Ao invés , nos Aço­res , o temor dos sismos e vulcões e, nas Canárias, a p resença autóctone não per­mitiram a rápida ocupação e valorização socioeconÓmica. Desta forma, o empe­nho das gentes e autoridades peninsula­res, aliado ao investimento e experiência italiana, cont ribuiu pa ra que em pouco tempo na Madeira a densa floresta desse

lugar a ex tensas clareiras de arrotea· memo.

Em face do atrás enunciado, torna·se forçoso considerar que a acção lusíada na década de 20 se define por um pro­cesso de po voamento, e nunca coloniza­ção, po is estamos perante uma porção de terra inabitada cuja paisagem foi humanizada apenas com a entrada por­tuguesa . Além disso, a peculiaridade desse processo de ocupação resulta em muito dessa situação de abandono em que se ellCOntrava a ilha, o que permitiu o ensaio de técnicas, produtos e formas de domín io sem qualquer entrave humano. Os resu lt ados desse ensaio foram de tal modo proficuos que o pio· neirismo madeirense terá não s6 um lugar de evidência no contextO da expansão pen insular, mas surgirá tam· bém como pOntO de referência ou modelo pa ra as outras experiências de povoamento que se seguirão.

A maioria dos eruditos madei renses circunscritOs à ilha ignorou esta irrefUlá· vel realidade. Mais uma vez a chamada

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Aspecto da praia de Porto Samo, ilha do arquifJIJlago da Madeira, separada da ponta de São I.ounmço por uma extensão de mar conhecida por ~tra/)essa", cujO primeiro capitão do donatário, Bartolomeu Perestrelo, ficou célebre porque, ao desembarcar, soltou ~f. .. / aquela coelba com seus filhos para fazer criação, os quais em mui breve tempo multiplicaram tanto, que lhe empacharam a terra, de guisa que IUIO podiam semear ne"buma cousa que lha eles "ão estragassem. E é muito para maravilhar, porque acharam que no (1110 seguinte que ali cbegaram, mataram deles muitos, não fazendo porém mÚlgua; por cuja razào deixaram aquela ilha, e passaram-se ii outra da Madeira / ... /" (Crónic:.l dos Feitos da Guiné, Gomes Eanes de Zurara, cap. LXXXIII).

Na página anterior, Ribeira da janela, lIa costa norte da ilha da Madeira . Esta região acidentada, mas fértil. era já habitada em meados do século XVI e pertencia ii capitania do Machico, concedida pelo infame D. flenrique a Tristão Vaz.

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de atenção paniu de fora, e ta! processo tem cativado O empenho de muitos investigadores nacionais e estrangeiros (Virgínia Rau e Borges Macedo, O Açú­car na Madeira I/OS Fins do Século XV, Funchal, 1960, 9). As nossas preocupa­ções historiográficas são caseiras e a nossa atenção tem estado virada para a discussão das datas e nomes dos princi­pais incentivadores e povoadores. Nesse domínio, duas questões teimam, ainda, em monopolizar a atenção dos eruditos e investigadores: a data de descobri­memo, de reconhecimento e de ocupa­ção da ilha e a entidade que oriemou O primeiro batalbào de cabouquciros que nele se fixaram nos primórdios do seu povoamento. Não obstante a existência de provas irrefutáveis que indiciam o seu conhecimento na Amiguidade e a sua divulgação na cartografia do sé­culo XIV, só em princípios do século xv surgiu a necessidade de reconhecer e ocupar estas ilhas. A conjuntura penin­sular, aliada à disputa do arquipélago vizinho das Canárias, tornou esse empe­nhamemo um dos principais imperati­vos da coroa portuguesa e da casa do infante. De acordo com as crónicas qua­trocent istas e quinhentistas, esse pro­cesso ter-se- ia organizado de forma

faseada a partir de 1419j Zurara refe re quatro expedições à ilha antes que O infante ordenasse o envio dos primeiros colonos e clérigos para O arranque do seu aproveitamento. Se tivermos em consideração as condições técnicas e náUlicas das referidas expedições, tere· mos de atribuir quatro anos para o reco­nhecimenw cabal da ilha e para o início da sua ocupação. Todavia, os documen­tos, contrariando algumas versões dos cronistas, anotam a data de 1419 como de início do seu povoamento, enquanto o infante D. Henrique dá conta da sua intervenção a partir de 1425 lo infante D. Henrique , no seu testamento, datado de 1460 (Silva Marques, Descobrimentos Portugueses, I, 580), refere: «comecei a povoar a minha ilha da Madeira avera XXXb anos_o Em sentença de 20 de Fevereiro de 1499 (A. N. T. T., Cabido da Sé do Funchal, maço n. Q I) dá-se conta que .podera bem aver oytenta annos que a dicta ilha era achada pouco mais ou menos e se comesara a povoar_, sendo corroborado em 27 de Julho de 15 19 por acórdão da Câmara do Funchal em que se dá conta do início do povoa­mento há cem anos atrás) . Assim, ao cont rário do que apontam alguns cronis­tas e eruditos, a intervenção do infante

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D Henrique surgir:1 apenas passados seis .1n0S após o início da empresa madei rense, pois, conforme opinião do infame, este só entrou em acção em 1425 (confronte-se Jerónimo Dias Leile. Descobrimento da Ilba da Madeira / I. Coimbra, 1947, 15). O apareci­mento de um capítulo da carla de D Joo1o I de 1426, aliado à opinião de Francisco Alcoforado, Jerónimo Dias l eite e Gaspar Frutuoso, confirma essa iniciativa da coroa no início do povoa­memo da ilha (A. N. T . T. , Provedoria e JlI1Ifa da Real Fazendtl do Funcbal, f 13, pI. 100; Gaspar Frutuoso, Sauda­des da Terra, Ponta Delgada, 1968, 52-53; Jerónimo Dias Leite. oh. cil" 15); \' de Magalhães Godinho, um dos defenso· res da iniciativa régia . anOta a acção de João Monso, vedar da Fazenda (Desco­brimemos Portugueses e a Economitl .I /lwdiaf, Lisboa, 1982, vaI. II, 232). A presença do infante D . Henrique só surge, segundo opini<10 do mesmo hislO­riador em 1425, ou a partir de 1433, com a doaçào régia do senhorio das ilhas da Madeira, PortO SanlO e Desertas (A. R. M., C. M. F" Registo Geral, I. 1, fls. 128 v.o-132). Note-se que na referida carta, ao COntrário do que sucede com a carta das capitanias, não se refere qual· quer intervenção anterior do referido infante. razão peJa qual Fernando Jas­mins Pereira considera o referido acto de D. Duarte como uma doação auten­tica e não confirmação (Alguns Elemen­tos para O Estudo tle História Ecolló­mica tia Madeira ( I. 23'30). No entanto, em 1461, D Afonso v, citando o infante D. Henrique, diz que João Gonçalves Zarco .. fora o primeiro bome que per seu mandado fora proborar " dita ylba. (A. R. M. , C. M. F.. Registo geral, I. I, fls. 128 v.o·132). Tal parece­-nos corroborar a ideia de que desde 1425 O infame D . Henrique teve uma participação activa no povoamento desta ilha. Esta incessante dúvida resulta do facto de ate: à década de 60 ser escassa a documentaçào sobre a Madeira , o que nos obriga a manter a incerteza enquanto não apareçam novos documentos a desvendar O mistério.

A década de 20 é marcada por uma activa intervenção da coroa no lança­mento das bases institucionais e econó­micas da nova sociedade. Os primeiros povoadores recebem o encargo régio de distribuir as terras em consonância com a presença do vedor da Fazenda, Joào Afonso. Numa fase posterior, o infante D. Henrique surge como o principal impulsionador e senhorio das mesmas ilhas. De acordo com a carta de doaçào

de 1430, o mesmo infante recebe o d ireito de usufrulO da rendas, distribui· ção de terras e jurisdiçào no cível e crime, exceptuando-se as penas de morte, talhamento de membro e cunha­gem de moeda (ih idem). Este tipo de doação enquadra-se dentro do tipo de senhorios ex istentes no Reino que foram regulamt:ntados pdas Ordena· ções Afonsinas e Lei Mental (António Manuel Hespanha, História das Institui· ções / . . 1, Coimbra, 1983, 282-301, 32S).

A partir de 1433 ficam legitimados juridicamente a posse e o governo da ilha pelo infante D, Henrique; con forme opinião de João Gonçalves da Câmara, em 1511 (A. N. T, T" C. C. 1,27-52, de 25 de Junho de 1511), a ilha torna-se num -horto do senhor Infante_ que tinha como administradores direclOs os dois principais obreiros do seu reconhe­cimento e ocupação. Enquanto :l doação do senhorio era vitalícia, passando depois a duas \'idas, a da capitania era feita a título hereditário pelo senhorio, mas carecendo sempre de confirmação régia. O capiülo surgia na área de capita­nia como o representante do senhorio e em seu nome exercia -a justiça e dereyto-. Desta forma, a sua intervenção jurisdicional estava limllada ao quadro de competências e jurisdição atribuídas ao senhorio e às prerrogativas por eSte enunciadas. Para dar uma dimensão ins· titucional a essa delegação de poderes. criam-se as capitanias, a definir um espaço territorial e uma determinada lurisdição. Surgem assim as capitanias do Pono Santo (14)i6), Machico (1440) e Funchal (1450), entregues, respectiva-

mente, a Bartolomeu Perestrelo, Tristão Vaz Teixeirn e João Gonçalves Zarco (João Mart ins da Silva Marques, oh. cit., I , 403, 404, 449). A sua concessào em datas desconexas, num período de dez anos. gerou algumas dúvidas sobre a sua importância e modo de doação. Assim, pretende-se que estes instrumentos jurí· dicos surgiram apenas como confirma­ção de uma situação de faclO.

Os referidos povoadores, conhecidos desde então como _capitães do donatá­rio_, recebem o encargo de manter e exercer em nome do donatário, _em jus· tiça c dereylO-, a jurisdição do cível e do crime, nomeação dos funcionários do município, organização e defesa, de dis­tribuir as terras, além do usufruto de direilOS exclusivos sobre certos meios de produção (atafonas, fornos, moi­nhos, serras de água, engenhos), da redí· zima das rendas do senhorio e do mono· pólio da venda do sal.

Se o anterior sistema de governo, esta· belecido em 1433, tínha paralelo no Reino, nomeadamente no Su l de POrtu­gal, com o processo de reconquisla, o mesmo não se poderá dizer com as capi­l3nias, que surgem em 1440 como uma iniciativa inovadora capaz de atender às solicitações do novo meio. A necessi­dade de um maior empenhamento dos principais obreiros do processo, aliada à distância da c:asa senhorial, definiu este peculiar sistema de governo. Desta for­ma, eSte processo inSlilUcional está muilO aquém do feudalismo europeu e pouco concordante com o senhoria· lismo peninsular; é uma experiência nova, fundamentada na dinâmica insti­tucional resultante da reconquista do Sul

ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA MADEIRA (1434-1460)

MONARCA DONATÁRIO

COROA SENHORIO

j 1 AlMOXARIFADO CAPITÃO ----------.~ CONCELHO

1 JUíZES

~ C~

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de ponugal, que marca uma nova era no livre voontade [Arquivo Regional da processo institucional at lântico-europeu Madeira, Câmara Mtmicipa{ do Funchal (vejam-se os trabalhos de Álvaro Rodri- (A. R. M. , C. M. F.), registO geral , t. I , gues de Azevedo, . Anotações_, em Sau- fl s. 272 v.0 -275]. O desenvolvimento da dades da Terra , Funchal , 1873 , estrutura institucional madeirense , em notas xv e XXIV ; Damião Peres , A consonância com a tendência centraliza­Madeira sob os Donatários, Funchal , dora do poder régio , tOrnou obsolelO o 1914, 7-8; Fernando Jasmins Pereira, ob. sistema de senhorio das ilhas. Ao mesmo cit., 30-32; Luís F. R. Thomas, .. Estrutu- tempo, as prerrogativas de facro e de ras quase feudais na expansão POrtu- jure dos capilães foram ce rceadas com o guesa _, in Colóquio Internacional de aparecimento de novas eSlruturas e lIistória da Madeira, Funchal, 1987). administração.

As cartas de doações das capitanias Durante esse período de governo madeirenses serviram de modelo a idên- senhorial, a Madeira conheceu cinco tica si tuação nos Açores, Cabo Verde e donatários , que exerceram uma acção São Tomé. Em 1450, na doação da capi- diversa no seu governo. A documenta­tania da ilha Terceira a Jácome de Bru- ção lOmbada no livro de registo geral da ges, justifica-se a sua jurisdição pelas Câmara do Funchal atesta essa acção capitanias madeirenses (Francisco Fer- (publicado por Francisco de Sousa e reira Drumond, Anais da IIba Terceira, Melo no Arquivo Histórico da Madeira, A. H ., 18S0, I, 447-449; Arquivo dos XV-XVIII, 1972-1974). Do governo de Açores, IV , 207-208). E em 1474, na vinte e sete anos do infante D. Henrique confirmação da compra da capitania da ficaram dois documentos e algumas ilha de São Miguel por Rui Gonçalves da indicações indirectas das suas lembran­Câmara. filho segundo de João Gonçal- (as e regimentos. Esta quase lOtaI lacuna ves Zarco, afirma-se que seja capitão de documentaçào legitimadora da acção como é o seu irmão na ilha da Madeira henriquina COntrasta com a euforia deli­(Arqlli/'o dos Açores, I, 104). berat iva dos seus sucessores, nomeada-

Durante mais de meio século (1433- mente D. Fernando e D. Manuel. Da 1497), o governo das ilhas esteve entre- intervenção destes últimos surgiram os gue à casa do infante , que, por meio dos alicerces da sociedade nascente, com a seus administradores, usufruiu de um consequente regulamemação dos diver­senhorio vitalício regulamentado pelas sos domínios da vida política e social. o rdenações régias. No período de 1470,...l~ Esse relativo menosprezo hierárquico em face da menoridade dos seus donatá- pela regulamentação dos diversos domí­rios, o governo do senhorio correu a nios jurisdicionais do senhorio madei­cargo de D. Beatriz, mãe e tutora dos rense deverá resultar do factO de a ilha mesmos. Em 1495, com a elevação do no período inicial niio necess itar de uma duque D. Manuel ao trono , pretendia-se excessiva regulamentação refreadora do o fim desta experiênc ia de governo impulso povoador. Por outro lado, o senhorial. Assim, em 1497, o mesmo infante encontrava-se empenhado num torna realengo o referido senhoria, processo mais vasto, de conquista das dizendo ser "cousa justa e necesa- Canárias, de expansão e descobrimento rea [ ... 1 e por teer rezam desse mays no litoral africano, sobrando-lhe pouco em nobrecer e aproveitar de noso motO tempo para se empenhar nas coúas da propeo, certa cicnçia poder absoluto e sua ilha . Todavia, as referências indirec-

I ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA MADEIRA (1460-1495)

MONARCA

COROA

1 ALMOXARIFADO

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CAPITÃO

DONATÁRIO

SENHORIO

JUíZES

CONCELHO

tas , que testemunham a sua acção legis­ladora , atestam o seu empenho no rápido avanço do povoamento da ilha por meio de isenções e privilégios aos moradores exa rados no seu foral. O extenso rol de reclamações apresentado em 1461, após a sua mOrte, ao seu suces­sor comprova esse relativo menosprezo e tendência centralizadora da política henriquina.

O infame D. Fernando, ao assumir, em 1460, o governo da casa senhorial do seu lia, herda um pesado fardo polít ico-administrativo. Procurando adequar o governo de ilha à nova con­juntura política e à satisfação das recla­mações dos procuradores enviados ao Reino, este define em AgostO de 1461 uma nova dinâmica institucional, econó­mica e religiosa através dos seus «apon­tamentos e capitolos_ (ibidem, 1. I , fls . 135-224 ; veja-se Jae! Serrão, «O infante D. Fernando c a Madeira , 1461 -1470-, in Das Artes e da História da Madeira, in D. A. I/. M. , 4, 1950, 10-17; Manuel J. Pila Ferreira, «O infante D. Fernando, terceiro senhor do arqui­pélago da Madeira , 1460-1470-, in D_ A. H M. , 33, 1963, 1-22). Os poderes dis­cricionários e os privilégios dos capitães sofrem uma grande machadada mercê da aplicação plena da jurisdição estabe­lecida nas doações, de que se faz uma pública-forma de modo que não possa -entender aalem delle em poer outros foros e a costumes_o Ao mesmo tempo, estabelece-se a necessária vincu lação da jurisdição do capitão às directivas régias e da estrutura municipal, conjugadas com o reforço da intervenção do almo­xarifado. O avanço mais significativo é dado com o município, que se liberta do controlo e intervenção discricionários do capi tão, passando os seus oficiais a ser eleitos entre os homens-bons que fazem parte do rol feito pelo senhorio . Essa autonomia é expressa ainda na con­cessão do selo e da bandeira.

No aspecto económico, os referidos apontamentos anotam a necessidade de adeq uar a orgânica administrativa ao nível do desenvolvimento económico da ilha , de modo que a mesma favoreça a continuidade do processo. Primeiro procura-se uma adequada repartição das águas, tão necessárias à faina açucareira , depois o necessário apoio aos assalaria­dos e pequenos proprietários. No domí­nio comercial , a intervenção fernandina pautar-se-á por uma abertura aos agentes de comércio nacionais e estrangeiros, o que motiva a sua discordância em face da pretensão dos Madeirenses para a expulsão dos judeus e genoveses.

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A década de 60 é marcada em termos económicos pela dominância da produ­ção e comércio do cereal madeirense . Os excedentes cerealfferos da ilha eram canalizados para o Reino e abasteci­mento das praças marroquinas. Estas últimas recebiam anualmente o saco de 1000 moios de trigo madeirense , contrá­rio aos ime resses da burguesia do arqui ­pélago. Daí o empenho manifestad.o pelo senhorio e coroa na sua manuten­ção até que na década de 70 os Açores pudessem preencher a lacuna madei­rense. AS reclamações e a correspon­dente resposta atestam O pouco pro­gresso econó mico da ilha na década de 60. A par destas exigências instituciona is e económicas, surgem outras do domí­nio social que atestam o surtO demográ­fico da ilha; à necessária regulamentação da posse das heranças associa-se a exi­gencia de mais capelães para o serviço religioso. Os primitivos núcleos de povoame nto (Funchal e Machico) ampliam-se e ramificam-se por toda a

o rla costeir,l meridional ; daí a exigência de capelães par,l Câmara de Lobos , Ribeira Brava, Ponta do Sol e Arco da Calheta (A. R. M., C. M. F., I. I , ns . 135-224). Passados cinco anos sobre estas o rientações, o infame envia à ilha o seu o uvido r, Dinis da Grã, com o o bjectivo de to mar conhecimenlO do estado da mesma e desencadear algumas acções (ibidem, I. I , ns . 135-136). Primei ro soluciona as demandas existentes sobre o usufruto das águas e p rocede a uma diStribuição cu idada das mesmas . Depois procede à ele ição dos o fic ia is co nce lhios. Em apOlllame ntos do mesmo ano, o infante atesta o seu empe­nhamemo no desenvolvimemo da cul­tura da cana-de-açúcar (ibidem, I. 1, fls. 226-229). Todavia , mOStra-se cOntr:1.­rio às pretensões dos moradores da ilha quanto a uma redução dos direitOs senho riais; a sua resposta va i no sentido do refo rço da acção do almoxarife nesse domínio. A manutenção dos abusos dos capitães conduziu a uma maior interven-

AspectO da costa de Macbico. Local O',de terão desembarclldo João Gonçall'es 2arco e Tristão Faz, ai foi celebrada uma primeira missa e posteriormente Iw/dada uma capela, da qual nadtl resta

ção do senhorio, no sent ido de minorar essa situação. Assim, tOdos os feilOS pas­sam para a alçada dos juízes ordinários, enquanto em 1470 se o rdena a constru­ção de casa para a càmara e o curral do concelho (ib;dem, t. I , ns . 231-233). Desta forma, o governo fernandino ter­-se-á pautado pelo cercear dos poderes discricionários do capitão e reforço do poder municipal. A parte final da acção

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ESTRUTURA ADMINISTRATIVA DA MADEIRA (1495)

MONARCA CAPITÃO

I I FAZENDA REAL CONCELHO JUSTiÇA

, OUVIDOR

ALFÃNDEGA ALMOXARIFADO

do infante D. Fernando é marcada pela discussão decorrente da afirmação do açúcar na economia madeirense. Aqui discUlc-se a política de comércio, como veremos mais adiante.

A acção da infanta D. Beatriz (1470-1481), em substituição dos seus filhos D. João e D. Diogo, é marcada pela defi­nição do sistema tributár io mercê da criação, em 1477, das Alfândegas de Machico e Funchal; aí se definem medi­das rigorosas para combater o COntra­bando e a fuga à tribUlação do açúcar com o estabelecimento do sistema de estimo dos canaviais. Para O cargo de juiz de alfândega é nomeado Luís de AtOuguia, fidalgo, q ue exercia então as funções de contador na ilha. Todavia, a questão que mais preocupou a inf(lnta era a recusa dos Made irenses ao paga­mento do tributo de I 200 000 reais para as despesas da guerra. A sua inter­cessão junto da coroa foi importante para a reso lução da questão, em 1481, com a concordância régia no desconto da referida quantia do açúcar, que lhe fo ra ante riormeme emprestada pelos lavradores (ibidem , l. I, fls . 153-154v. O).

É com O governo da infanta D. Beatriz que se seme a necessidade de delinear um plano de defesa para a ilha capaz de p roteger os locais das investidas dos co r­sários franceses e castelhanos. Mas o pri­meiro plano de defesa, estabelecido em 1476, fo i letra-mona, perame o desinte­resse manifesto dos seus vizinhos, pelo que s6 no governo manuelino tal plano avançaria (ibidem, l. I , fls. 149- 149 v.O).

Os poucos anos de governo efectivo de D. Diogo (1482-1484) foram marca­dos pelo reforço da acção municipal em

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todo o espaço da capilania do Funchal, com a criação dos juízes pedâneos e alcaides para os lugares de Câmara de Lobos e Ribeira Brava, passando lOda a vida municipal a regular-se pelos regi­mentos de Lisboa (ibidem, l. I, fis. 37 v.o- 139).

Com D. Manuel redobram as exigên­cias governativas do senhorio da ilha; a situação económica, aliada ao contur­hado panorama administrativo, impli­cou uma fone e eficaz imervençào do donatário. Note-se que dois terços da documentação emanada da casa senho­rial para a il ha são de pena manuelina.

A política manuelina , em termos senhoriais e régios , atendeu aos múlti· pIos aspectos da vida económica, social e político-institucional neste findar de século. A situação da safra do açúcar implicava uma intervenção forte e capaz de atender às principais solicitações da sua cultu ra e comérc io. Para além do avanço de medidas adequadas ao debe· lar da crise comercial, avança-se com uma política de arrOteamentO das áreas arborizadas, de modo a não lesar a cul­tura da cana·sacarina, e, para além das limitações impostas à concessão de ter­ras de sesmarias, proíbe-se o uso de queimadas e est ipulam-se medidas de protecçâo das flo restas com a criação do cargo de meirinho das serras (1495). Os aspectos urbanísticos mereceram de igual modo a adequada atenção do senhorio, que promove a construção do Mosteiro de Sama Clara, da Sé e Alfân· dega do Funchal; além disso, é lançado em 1489 um novo direito (imposição do vinho), cujos proventos serão utilizados no nobrecimento da vila. Essa política de enriquecimento do Funchal, em ter·

mos de património constru ído e de construção de cape las em Machico, Santa Cruz e Câmara de Lobos (l485), resultou dos proventos resultantes da opulência açucareira. Finalmente, a sua inte rvenção estende-se também ao poder municipa l, com uma alteração no' sent ido do seu reforço , com a recomen­dação para a construção da casa do con­celho, paço e picota (ibidem, t. I, fIs. 25-25 v .O).

A ocupação e valorizaçào económica da Madeira, nos primórdios da expansão atlântica , vai ao encontro das solicita­ções da conjuntura interna do Reino e do espaço oriental atlântico. Se no pri­meiro caso surge como uma resposta â disputa das Canárias e à busca de um pOnto de apoio para as ope rações do litoral africano, Zu rara faz disso eco ao referir que as embarcações portuguesas trilharam escala obrigatória na Madeira, onde se proviam de .vitualha as ilhas da Madeira , porque havia aí já abastança de mantimentos. (Crónica da Guiné, cap. XXXII).

De acordo com a versão dos cronistas insulares, no começo do Verão de 1420 o monarca ordenou o envio de uma expedição comandada por João Gonçal­ves Zarco para dar início à ocupação da ilha . Acompanhavam-no Tristão Vaz Teixeira, Bartolomeu Perestrelo , alguns homiziados que «querião buscar vida e ventu ra, forão muitos, os mais delles do Algarve . a. Dias Leite, ob. cit., 15-16; Gaspar Frutuoso, oh. cit., 53).

De acordo com o citado capítulo da carta de D. João I, João Gonçalves foi incumbido de proceder à d istribuição de terras conforme o regulamento que lhe fora entregue. Esta versão oficial

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contraria a opinião expressa dos cronis­tas do Re ino e mesmo O próprio infa nte D. Hen rique, que aponta a procedi!ncia henriquina da primeira experiência de povoamentO da ilha U. Dias Leite, ob. cit. , 25-26). Todavia, conforme já rderi­mos anteriormente, é ponto assente que a iniciat iva cabe il coroa, sendo O monarca D. João I a estabelecer a forma inicial de governo e d istribuição das ter­ras. Nesse regimento joanino estabelece­-se uma demarcação social dos agracia­dos com terras de sesmaria. Assim , os vizinhos de mais elevada condição social e possu idores de proventos recebem-nas sem qualquer enca rgo, enquan!O os pobres e humildes que vivem do seu trabalho apenas as recebe­rão mediante condições especiais, só adquirindo as terras que possam arrotear com a obrigatoriedade de as !Ornar am­veis num prazo de dez anos. Com eStas cláusulas favorecia·se a posição fundiá· ria da principal fida lguia que acompa· nhou os primeiros povoadores e contribuía-se para o aparec imento de grandes extensões que mais tarde serão vinculadas.

A partir de 1433, com a doação do senhorio das ilhas ao infante D. Henri· que , esse poder de distribuir lerras é atribuído ao mesmo senhorio, mas _sem prejuyzo de forma do fo ro per nos dado aas ditas ylhas em pane nem em todo nem em alheamento do dito foro ­(A. R. M., C M . F. , registo geral , t. 1, fi. 282), o que comprova mais uma vez que a primeira iniciativa e regu lamento de distribuição de terras coube ao monarca. O infame, fazendo uso destas prerrogativas, delega os seus poderes de distribuição de terras nos capitães (A. N. T. T., Livro das Ilhas, n. 550 v.O). Estes recebem um foral henriquino , que mano tém e confirma as ordenações régias e estipu la que as terras deverão ser distri · buídas apenas por um prazo de cinco anos, findo o qual caduca o direito de posse e a possibilidade de nova conces­são. Confrontadas estas situações com as do monarca, notam-se alterações signifi­cativas no regime de concessão de ter· ras. A pressão do movimento demográ· fico, aliada :'l rarefacção de terras para distribuir, condicionou essa mudança. Dtsla forma caduca a diferenciação soei:!.I dos :!.graciados e ° período conce· dido para as tornar aráveis . Todavia , nas décadas seguin tes, a concessão de terras de sesmaria e a legitimação da sua posse geraram vários conOitOs, que implica­ram a intervenção legislativa do senho· rio Ou o arbítrio do seu ouvidor. Em 1461 , os Madeirenses reclamam contra a

redução do prazo para aproveitamento das terras de sesmaria, dizendo que estas eram _bravas e fragosasas e de muytos arvoredos-o Contudo, o infante D. Fer­nando não abdica do foral henriquino e apenas concede a possibilidade de alar· gamento do prazo mediante análise cir· cunstanciada de cada caso pelo almoxa­rife (A. R. M., C AI. F., registO geral, t. 1, f]s . 204-209). Passados cinco anos, os mesmos v~m reclamar com ra o regime de concess41o de terras de arvoredos e do modo de as esmontar mercê dos seus efei(Qs nefastos para a safra açucareira (ibidem, t. 1, f]s. 135· 138 v. 0). Perante tal reclamação, o senhorio ordena aos capitães e almoxarifes que se cumpram os prazos estabelecidos e que seja inter· dito o uso do fogo. No entanto, em 1483. o capitão de Machico continua a distribuir de sesmarias os mOntes próxi­mos do Funchal, com excessivo pre­juízo para os lavradores do açúcar (ib/­dem, t. I, fls. 249-251). D. Manuel repreende o c:!.pitão de Machico e soli­cita que essas concessões, a serem feitas , se façam na presença do provedor. E,

S~ do Puncbal. edIfíciO construído 110 século XI' sob mandado de O Manuel I e olIde mnda permanecem algumas precIOSidades artísticas dos séculos xv e XVI, como, por exemplo, O tecto de madeira de inf1u~lIcia moçárabe, um cadeiral quatrocentista e o retábulo do altar·mor Elevada d dignidade episcopal pelas màos do papa Ledo X em J 514, desempenhou a partir de então um Imporwnte papel 110 quadro religioso da expansào portuguesa

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Finalmente, em 1485 (ibidem, L I , fl . 51), o mesmo proíbe a distribuição de terras de sesmaria nos momes e arvore­dos do Norte da ilha, para em princfpio do século XVI (150 1 e 1508) proibir a concessão de terras em regime de sesma­ria (ibidem, 1. I, Os. 287-288, 289 v.o-29 1), rorma eficaz de ev itar a subtracção dos mo ntes e arvoredos, tão necessá rios ;l safra do açúcar. Não obstanle, ressalvavam-se as terras que pudessem ser aproveiladas em canaviais e vinhe­dos.

As reclamações e as medidas conse­quentes do senho rio atestam a pressão do movimento demográfico sobre a concessão de terras. Das facilidades da década de 20 enlra-se na década de 60 com medidas limitadas dessas conces­sões como rorma de prese rvar o pascigo de usurruto comum e de apoiar os prin­cipais proprietários de canaviais , cuja explo ração dependia da existência dos rereridos montes e arvoredos. As exor­bitàncias dos capitães, desrespeitando as ordenações régias e senhoriais, conduzi­ram a uma diminuição da área de pas­cigo de usurruto comum e a essas inces­santes reclamações dos Madeirenses. Saliente-se que o p róp rio D. Manuel contraria, em 1492, O regimento de dadas de lerras ao permitir ao capitão do Funchal a distribuição de terras na serra para currais e cultura de cereais e das bermas dOIS ribeiras para a pIa mação de árvores de rrutO (ibidem, I. t , fl. 45 v.O). Po r ou tro lado, no sent ido de ev il ar a exorbít;}nc ia do capitão no retirar das terras doadas , revoga-se lal direito (ibi­dem, I. 1, fl . 293 v. 0). No período de 1433 a 1495 , a concessão de terras de sesmaria era feita pe lo capitão, em nome do donatãrio. A carta deveria ser lavrada pelo esc rivão do almoxarirado, na pre­sença do capilão e do almoxarire . No seu enunciado deveriam constar as con­dições gerais que regulavam esse tipO de concessão, as conrrontações, extensão e qualidade do terreno, capacidade de produção e o tipo de cultura adequado à sua explo ração, bem como o prazo do seu aprovei-lamento. AO colono ou ses­meiro deveria caber o cumprimento do clausulado e, findo o prazo estabele· cido, o colono adquire a posse plena do terreno, podendo entào vende r, doar, .escambar o razer dela e em ela como sua propria coisa_o

São poucas as doações de terras que resistiram ao correr dos tempos e que ficaram a testemunhar e legitimar a posse: do solo arável da ilha. Destas temos notícia de uma de 1457 a Henri­que Alemão (Descobrime1ltos Portugue·

ORIGEM aos HABITANTES DA FREGUESIA DA SE (regl.lo. paroquiai. da 1539.1600)

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ses, organ. de Silva Marques, vol. I,

n."" 356 e 423); nela se especifica que o mesmo rará casa nas lerras concedidas e que as lerras de lavra serão ocupadas em vinhas, can3viais e horl3.

A evolução do movimento demográ­fico madeirense. acompanhada da valo­rização das zonas 3ráveiS com as cultu ras de exportação, conduziu a prorund3s alterações na dist ribuição C posse das lerras , aliás já evidente no regimento henriquino. Os mercados interno c eXlerno condicionaram um maior apro­veitamemo do solo arrOle~vel, tornan­do-se urgente um adequado reajusta­mento da estrutura rundiárla à nova situação. O aparecimcnlo de capitais estrange iros e nacionais conduziu à imensific3ção do arroteamento das ter­ras e provocou alteraçõcs na posse des­sas por meio das transacções pa ra com· pra e aforamento em falio/a LJoão Pedro de Freitas Drumond. Documentos Histórico e Geográficos sobre a Ilha da Madeira (ms. Biblio teca Municipal do Funchal , fls. 15 v.o-17 v.o)). Em conso­nãncia com estas mutações. su rge a afir­mação do sistema de vinculação da terra no reinado de 0 _ Manuel , que ve io dar origem ao contratO de colonia Ooão de SOUS3, .NOlas para a hiSlória da Madeira . Italianos na ilha - Bcnoco Amador-, in Cidade Campo, suplemento do Diário de Notfcias do Funchal de 6 de Maio de 1984). Note-se que em 1494 se genera­liza O aroramento dos canaviais na cap i· tania do Funchal, com a especial inci­dência nas partes do rundo e em Câmar2 de Lobos.

Com a Le i de 9 de Outubro de 1501 põe-se termo à concessão de terras de sesmarias, como rorma de impedi r a diminuiçào do parque flores tal, tão necessário :l laboração do açúcar. A par-

tir deste momentO, toda a aquisição de te rras s6 poderá razer-se por compra ou aforamento em faNola e transmissão por via familiar por meio de herança, sucessão e dote . Enquanto a compra e venda surgem como mecanismos de concent ração da p ropriedade nas mãos da aristocracia e burguesia enriquecidas com os proventos da primeira rase de colonização, o u dos eSlrangciros recém­-chegados, a herança e dote actuam no sentido inverso, conduzindo :l. desinte­gração da grande propriedade. A pri­meira lransacção conhecida data de 1454 e resulta da venda reita por Diogo de Teive a Pedro Gonçalves Barb inhas de umas terras no Funchal por 2000 reais brancos (Descobrimen/os Portu­gueses, vol. I, n.O 404). Em 1498, Rui Gonçalves da Càmar-a vende a sua ses­maria da lombada na Ponta do Sol ajoão Esmeraldo (F. A. Si lva, A Lombada dos Esmeraldos na IIba da Madeira, Fun­chal, 1933). Quanto ao regime de arora­mento , que se generaliza nas últimas décadas do século xv, a primeira acta surge em 1484, quando Constança Rodrigues entrega uma terra em Santa Ca tarina a )0:1:0 da Cunha po r 5000 réis de roro (Descobrimen tos Portugueses, vol. III, n .O 384). Em 1494, esse regime generaliza-se na cultu ra dos canaviais da cap ilania do Funchal , com especial incI­dência nas partes do rundo (11 %) e Càmara de Lobos (31 %).

O povoamentO da ilha, iniciado na década de 20 nos pequenos núcleos do Funchal e Machico, rapidamente alas­trou por toda a costa meridional , sur­gindo novos núcleos em Santa Cruz, Càmara de Lobos, Ribeira Brava, Po nta do Sol e Ca lhela. As condições o rográfi­cas condic ionaram os rumos dessa ocupação do solo madeirense , enquanto a elevada fertil idade do solo e a p ressão do movimento demogr:Hico implicaram esse rápido processo de humanização e valorização socioeconómica da ilha . Aos obreiros e cabouqueiros iniciais segui­ram-se diversas levas de gente para esse arra nque desmesurado da ocupaçãO da ilha . Desse gru po surgem (fima e seis apan iguados da casa do in rante, na sua maioria escudeiros e criados, que adqui­rem uma posição proeminente na din;)­mica administrativa e estrutura rundiã­ria. Enquamo as gentes importantes detinham uma posição desarogada no Reino o u ambicionavam melhor situa­ção noutras paragens do AII ;} nlico, aqui afluíam muitos de inrerio r qualidade ou preteridos da família pelo regime de sucessão vigente. NOle-se que o próprio João Gonçalves Zarco semiu essa situa-

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ç.1o ao salientar juntO da coroa quatro varóes de qualidade para casa rem com as suas filhas; e então o monarca terá enviado Garcia Homem de Sousa, Diogo Cabral e Diogo Afonso de Aguiar (Sau­dades da Terra, 217-218). Na relação dos homens-bons da capitania do Fun­cha l em 147 1, a maioria surgia como escudeiros , sendo reduzido o número de cavaleiros e fidalgos Qoão Pedro de Freitas Drumond , ob. cít.). Todav ia, a partir de fina is do século xv, o usufruto de uma elevada condição social pe los primeiros povoadores e seus descenden­tes , resultante da sua intervenção na estrutura administrativa madeirense , na safra açucareira e na nobilitação régia , cOnlribuiu para a formação dessa nova aristocracia insular , que marca uma posi­ção de destaque no panorama aristocrá­tico nac ional , competindo com a velha aristocracia do Reino nas aventuras béli· cas do Norte de África e Oriente , nas via· gens de exploração do litoral africano e Ocidente (Alberto A. Sarmento, A Ma­deira e as Praças de África , Funchal , 1932).

É comum dizer-se terem sido de pro· \'eniencia algarvia os primeiros e princi · pais povoadores que estiveram na ori· gem da ocupação da ilha. Essa ideia filia·se na tradição algarvia da gesta expansionista e na expressão de Jeró· nimo Dias Leite -muitos do Algarve _ (ob. cit., 16; Gaspar Frutuoso, ob. cit. , 54) ; todavia, essa dedução parece ·nos apreso sada, uma vez que faltam provas que corroborem essa afirmação; numa lista­gem dos primeiros povoadores referi­dos nos documentos e crónicas, a pre­sença no rtenha (64 %) é superio r à algarvia (25 %). Por outrO lado , os regis­tos paroquiais da freguesia da Sé (desde 1539), no período de 1539 a 1600, con­firmam essa ideia , uma vez que os nubenles oriundos de Braga, Viana e Porto representam 50 % do tOtal , enquanto os provenientes de Faro não ultrapassam os 3 % (Luís Francisco de Sousa e Melo, _A imigração da Madeira _, in História e Sociedade, n .O 6, 1979, 39-57); por outro lado , o pretenso de­monstrativismo de Albeno Iria em nada contribuiu para a solução dessa questão (O Algarve e a Madeira no Século XV, Lisboa , 1974 , sep . de Ultramar; confronte·se com a crítica de Fernando J. Pereira em O Algarve e a Madeira, Braga, 1975). Note-se que alguns dos mais eminenles investigadores madei­renses hesitam entre a procedência minhota ou algarvia dos primeiros colo­nos (Fernando Augusto da Silva, -Do começo do povoamento madeirense_,

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in Das Artes e História da Madeira, vo l. VIII, n . o 37, 5; Joe l Serrão, _Na alvo ­rada do mundo atlânt ico_, in Ibidem, vo l. VI , n .O 31 , 196 1,6); Ernesto Gon· çalves , no entanto , é peremptório em apontar a ascendência minhota desses primeiros obreiros do po voamento do arquipélago (-No Minho ao sol de Verão-, in loidem, vo l. IV , n. o 21 , 1955 , 45-46; Fernando Vaz Perei ra, Famílias da Madeira e Porto Santo, vol. I , Fun­chal , s. d ., pp. 224 (n .o 1) e 248 (n .o I»).

Tendo enlfConsideração que o povoa­mento da Madeira é um processo faseado em que intervêm gentes oriun­das dos mais recônditos destinos, e que em todo o Reino surgem gentes empe­nhadas nesta experiência tentadora , é de prever a confluência de várias localida­des do Reino , em especial as áreas ribei­rinhas - Lisboa, Lagos , Aveiro , Porto e Viana - , e de gentes estrangeiras, ades­tradas no arroteamento de terras incul­tas . Se é certo que do Algarve partem muitos dos apaniguados da casa do

infame, que detêm uma função impor­tante no lançamento das bases institu­ciona is do senhorio, não é menos ceno que do Norte de Portugal , nomeada­mente da região de Entre Douro e Minho, provêm os cabouqueiros neces· sários para desbravar a densa noresta e adequar o solo ao lançamento de cu ltu· ras medi terrânicas - cereal , vinha, cana-de-açúcar e pastel ; entretanto, do Mediterrâneo surgem os Italianos, com a sua experiência e o capital necessário para o lançamento da cultura do pastel e açúcar. Contudo, o Norte de Portugal, quer pelo facto de ser a região do País mais densamente povoada, quer pela sua permanente vinculação à economia madeirense , terá exercido uma influên­cia decisiva nesse processo.

O forte impacte desta nova realidade atlânt ica na Península condicionou o seu ráp ido povoamento e valorizaçâo socioeconÓmica. O fluxo emigratÓrio europeu conduziu a uma forte pressão do movimento demográfico madei·

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rense; partindo do reduzido número de colonos que acompanharam os três pro­mOtores da iniciativa na década de 20, contam-se na década de 40 já cento e cinquenta famílias importantes e na década seguinte oitocentas, para em p rincípios do século XVI (1514) se atin­gir uma população de cinco mil habitan­tes. Este impacte demográfico adequa-se ao nível de desenvolv imento econó­mico da ilha e pressiona a evolução da dinâmica institucional e religiosa. A cria­ção dos municípios e das paróquias e a evolução genérica do sistema adminis­trativo e fisca l surgem como os princi­pais aferidores dessa situação galopante da demografia e economia madeirense .

No século XV, o povoamento orienta­-se para o litoral meridional, sendo os locais de fixação definidos por enseadas adequadas à comunicação com o exte­rior e extensas clareiras aptas à faina agrí­cola. Assim, às iniciais capelas e oragos pa ra o serviço religioso no Funchal e Machico juntam-se outras em Santo António, Câmara de Lobos, Ribeira Brava, Ponta do Sol, Arco da Calheta e San ta Cruz. Por outro lado, as dificulda­des de comunicação dos diversos núcleos de povoamento adstritos à capi­tania do Funchal conduziram a uma redefinição da orgânica admi'nistraliva e fiscal. Primeiro su rgem os pedâneos e alcaides dos lugares de Câmara de Lobos e Ribeira Brava e depois a estrutura municipal, a legitimar uma incessante aspiração das gentes das partes do fundo. Todavia, só em princípios do século XVI, com o governo manuelino , sâo atendidas as pretensões dos homens­-bons da referida área, criando-se os municípios da POnta do Sol (IS01) e Calheta (1502).

De acordo com O arrolamento dos homens-bons para servir no concelho

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do Funchal em 1495, as gentes mais importantes encontravam-se sediadas na área da sede concelhia, pOis que 66 % destes pertencia ao Funchal , enquanto os restantes se distribuíam por Câmara de Lobos (16%), Ponta do Sol (II %) e Calheta (6%). Entretanto, nas partes de Machico, o segundo município surgiu apenas em IS I 5 e ficou sediado em Santa Cruz. Toda a costa norte, incluída na capitan ia de Machico, se manteve nos séculos xv a XVIlt vinculada às estruturas de poder sediadas em Machico. Só em 1743 surge aí, em São Vicente, a pri ­meira estrutura de poder municipal em toda essa extensa faixa nortenha. Tal situação tratava não s6 o abandono a que foi votado toda essa extensa área arborizada mercê das dificuldades de acesso, mas também a macrocefalia da estrutura administrativa da cap ital da capitania de Machico.

Em 1508, ao elevar a vila do Funchal a cidade, o monarca referia que a mesma tinha crescido _em muy grande povoa­çom e como bivem nella muytos fidalg­nos cavalJeyros e pessoas homnradas e de grandes fazendas pellas quais e palio gramde trauto da dita ilha esperamos com ajuda de noso Senflor que a dita bilha muytO mays se emnobreça e acre­çente ( ... )_ (A. R. M., C. M. F. , registo geral , t. I , fls. 278 v. 0 -279).

O desenvolvimento da administração religiosa e o da prestaçâo do respectivo serviço nos diversos lugares da ilha são ao mesmo tempo denunc iadores da situação demográfica da ilha . De acordo com a definição do regime de cõngruas na década de todo o século XVI, torna-se possível estabelecer e comparar a man­cha de ocupaçâo humana da ilha. Os principais núcleos de população situam­-se na costa sul do Funchal (Sé, São Pedro e Santa Maria Maior), Machico e

Ribeira Brava. O recenseamentO de 1598 (Arquivo Histórico da Madeira, II , Fun­chal, 1932) esclarece com maior clareza essa situação; nele se verifica que as o ito freguesias da área circunvizinha da cidade do Funchal apresentam 44 % dos fogos e 50 % do número de almas. Além disso, a capi tania do Funchal detém 79 % dos fogos e 82 % das almas. De salientar que tOda a fa ixa norte, ent re o Porto da Cruz e Porto Moniz, surge com 9 % dos fogos e 8 % das almas.

A pa r dessa evolução da orgânica municipal e religiosa resu hame dessa pressão demográfica , a dinâm ica institu­cional madeirense sofre noutrOS domí­nios p ro fundas mu tações, como forma de adaptar os novos condicionalismos do processo socioeconÓmico. Nesse domín io foram importantes as iniciali­vas do senhorio a partir da década de 60: enquanto em 1477 D. Beatriz procura orientar a economia madeirense no sen­tido do mercado externo com a criação de duas alf:l.ndegas, no Funchal e em Machico , D. Manuel desde 1486 dá o impulso decisivo da materialização da estrutura administrativa adequada às novas exigências deste final de século; assim , este últ imo ordenou a construção de uma igreja de casa para a dmara, paço para os tabe liães , alfândega e paço público, cedendo para o efeitO os terre­nos que lhe eram pertença e conhecidos como o -campo do Duque_. Desta forma, o burgo funchalense amplia-se e a malha urbana ganha uma nova estru­tura renascentista.

A exploração económica da ilha orienta-se de acordo com uma política de desenvolvimento económico depen­dente dos interesses do tráfico europeu internacional. A selecção e transplante dos produtos para as novas arroteias far­-se-á, assim, na consonância destes vec­tores do dirigismo económico europeu com as d iferenças e assimetrias deriva­das da eStrutura do solo e do clima. Esses impulsos, em conjunto, actuam como mecanismos virtuais de d istribuição das culturas europeias-mediterrânicas, com­ponentes da dieta alimentar (cereais, vinha) ou resultantes das solicitações das principais praças europeias (açúcar, pas­tei) Ooel Serrão, ob. cit., 4).

Tal situação materiali7..ar-se-á numa tendência bem clara destas áreas para uma exploração económica baseada na monocultura ou dominância de um pro­duto. Contra isso surgirá a heterogenei­dade do espaço insular, que condicio­nará a distribuição destas, dando azo a uma política distributiva ou uma arruma­ção dos principais produtos agrícolas;

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surgem assim áreas de produção para subsistência e troca, procurando definir­-se as condições necessárias à estabili­dade das actividades socioeconómicas. Desta maneira , a afirmação do açúcar na Madeira implica a criação de novas áreas de produção cerealífera, capazes de suprirem esta e outras praças carentes.

De igual modo, a heterogeneidade e a descontinuidade do espaço arável dos arquipélagos das Canárias e dos Açores condicionarão essa distribuição dos pro­dutos e sectores de actividade nas diver­sas ilhas, definida pela dominância des­tes de acordo com as necessidades internas e externas. Assim , as ilhas de Fuerteventura e Tenerife serão vocacio­nadas para atender as necessidades da sua própria subsistência e das ilhas vizi­nhas, enquanto as ilhas de São Miguel , Graciosa, São Jorge, suprirão as carên­cias de Angra , praças africanas e Madeira. Nas ilhas de Tenerife e São Miguel , mercê da actuação hábi l dos governantes ou da disponibilidade de áreas de arroteias, fOi possível conciliar as necessidades de subsistência com a voracidade das solicitações do mercado externo.

Esta situação de interdependência activa uma trama complicada de circui­tos comerciais interinsulares , necessá­rios à manutenção desta tendência monocultural .

O povoamento e exploração do espaço insular filia-se na actividade que domina O mesmo processo e economia insular. O carácter agrário destas socie­dades nascentes é compatível com as necessidades derivadas da subsistência e das solic itações externas. Ambos os sec­tOres alicerçaram o rumo desta econo­mia, defin indo, por um lado, a aposta numa agricultura de subsistência, assente nos componentes da dieta ali ­mentar europeia, e, por oulro lado, a imposição de produtos estranhos capa­zes de activarem o sistema de trocas (V. de M. Godinho, Os Descobrimentos e a Economia Mundial, rr, 232-233).

A est rutura do sector produtivo adaptar-se-á a esta ambiência, podendo definir-se em componentes de dieta ali ­mentar - cereais , vinha, hortas , frutei­ras , gado e derivados - e de troca colo­nial - pastel , cana-de-açúcar . Em consonância com a actividade agrícola, teremos a valorização dos recursos do meio insular que irão integrar a dieta ali­mentar - pesca, silv icultura - e as tro­cas comerciais - urzela, sumagre, madeiras e derivados, como pez.

Oriundos de uma área em que a com­ponente fundamental da alimentação é

definida pelos cereais (trigo, cevada, centeio) , os colonos europeus que povoaram estas ilhas não menosprezam O quantitativo de grão necessário para a sementeira nestas novas frentes de arro­teamento (ibidem, m, 21 7; Joel Serrão, _Sobre ° lrigo das ilhas_, in D . A. H. M ., n.o 2, 1950, 2; Oliveira Marques, Intro­dução à História da Agricultura em Portugal, Lisboa, 1978, 269-254). O fenómeno de ocupação e povoamento das ilhas atlãnticas é, assim, caracteri ­zado pe la transplantação de homens, técnicas , produtos e formas de domín io e poder. Estes serão mo ldados à imagem e semelhança das terras de origem destes colonos. Assim surgem as searas , os vinhedos, as hortas e fruteiras , domina­dos pela casa de palha e, mais tarde, pelas luxuosas vivendas senhoriais.

a Madeira , até à década de 70, a pai­sagem agrícola será dominada pelas sea­ras, decoradas de parreiras e canaviais. A cu ltura cerealífera dominava então a economia madeirense; Fernando Jas­mins Pereira refere , a este propósito, que no período henriquino os ce reais constituíram a base da colonização da ilha (Alguns Elementos f. . ·1, 99) .

Aspecto do Faial, povoação situada na parle setentrional da ilha da Madeira que Se coustituiu como p610 de desen volvimento dessa mesma região, quaudo o povoamento se expandiu para norte, convertendo-se num Centro populacional de relativa importiJncia

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A fenilldade do solo, resuhante das queimadas, fez que esta cultura atingisse níveis de produção espectaculares, que a hislOriografia quatrocentista e qui­nhentista anuncia com assiduidade, notando que se exportava para O Reino e praças africanas (Alberto Iria , art. cil.; Jae! Serrão, arfo cít .). Em meados do século, segundo Cadamosto, a ilha pro­duzia 3000 maios de lrigo, que excedia em mais de 65 % as necessidades da parca população (_Navegação de Lu ís CadamostO_, in A Madeira Vis/a por Estrangeiros, Funchal, 1981, 36). Esse excedente, avaliado em ce rca de dois terços da produção, era exportado para o Reino e, segundo os cronistas, vendia­-se ao preço de 4 reais (O Relato de Diogo Gomes, Bole/im da Sociedade de Geografia, n.O 5, 291-292; Jerónimo Dias Leite , ob. cit., 180-181). Desse lotaI, desde 146 1, 1000 moias destina­vam-se ao saco da Guiné (A. R. M., C. M . F., registo geral , I , 205-206, 3 de AgoStO) .

Não obstan te, a partir da década de 60, com a valo ri zação da produção açu· careira, as searas diminuíram em superfí­cie e a produção ce realífera passou a ser deficitária. E, a partir de 1466, a ilha pre­cisava de importar trigo de fora para o sustemo dos seus vizinhos, sendo, por­tanto, impossível manter as esdpulas estabelecidas (ibidem, 226-299 v. °,7 de Novembro). Aliás, em 1479 referia·se que essa produção dava apenas para quatro meses. Esta última situação deri­vava da acção dominadora dos cana­viais , aliada ao rápido esgotamento do solo e inadequação da cultura, resultante de uma exploração inte nsiva, sem recurso a qualquer técnica de arro· teamento.

O agravamento do défice cerealífero

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VINHAS E LATADAS NA MADEIRA

nas décadas de 70 e 80, que conduziu ao alastramentO da fome , em 1485 , surgirá como a principal preocupação das autO­ridades locais e cent rais . Primeiro procura-se colmatar essa falta inicial com o recurso à Berberia, POrtO, Setú­bal , Salonica; depois foi necessário defi· nir uma área produlOra capaz de suprir as necessidades dos Madeirenses. Assim sucedeu, desde 1508, com a definição dos Açores como principal área cerealí­fera do Atlântico português, actuando como o ce leiro de provimento da Madeira e substitutivo desta no fornec i· mento às praças africanas.

A Madeira , que se havia afirmado, no período henriquino, como um impor­tante mercado de fornecimento de trigo , passará, no governo fernandino, à situa· ção de compradora, adquirindo mais de metade do seu consumo nas ilhas vizi­nhas: Açores e Canárias.

A crise cerealífera madeirense surge em consonânci. com a afirmação da mesma cultura no solo açoriano. Aliás , Joel Serrào refere-nos que a sua valoriza· ção açoriana resulta dessa situação (art. cil. , 5-6). O rápido incentivo deste arqui · pélago nas décadas de 60 e 70 conduziu a igual desenvolvimento da cultu ra cerealífe ra , de modo que esta, em finais do século, se .firm.va como a principal área produtora de trigo do Novo Mundo (veja-se o nosso estudo . A questão cerealífera nos Açores-, in Arquipélaso, Ciências Humanas, série _História e Filo· sofia_, I , Ponta Delgada, 1985).

Os cabouqueiros peninsulares trans· portaram conjuntamente com os pou­cos grãos de cereal alguns bacelas das boas cepas existentes no Reino, de modo a poderem dispor do precioso rubin~cta r para o ritual cristão e ali­mento diário . A videira adaptou-se com

facilidade ao solo insular e conquistou uma posição de valor na economia insular.

Cadamosto , que em meados do século xv visitou a Madeira , ficou deslumbrado com o rápido crescimento desta cultura, aduzindo que a ilha -tem vinhos , muitís· simo bons, se se cons iderar que a ilha é habitada há pouco tempo são em tanta quantidade, que chegam para os da ilha e se exportam muitos deles - (ob. cit" 37).

A cu ltura da vinha na M.deira absor­via já nessa altura uma porção considerá­vel da área arroteada da ilha e, de modo especial , a zona ribeirinha do Funchal, onde se nos deparam doze vinhas e treze latadas. Além·Funchal, na área entre a Ribeira Brava e Ponta do Sol, encontra· mos apenas oito latadas (V. Rau , O Açú­car da Madeira f. . . }' 66·74; A. R. M., Misericórdia do Funchal, n .... 40, 43, 694 e 710). Na primeif2 metade do século seguinte esta cultura aumenta em extensão e import:1ncia , alargando-se a novas áreas, como C:1mara de Lobos, Caniço e Ribeira Brava. A partir de mea­dos do mesmo século, esta conquista em definitivo O solo madeirense , substi­tuindo os canaviais e alargando-se às cla­reiras da veneme norte, de modo que em finais do século esta existia com abundância em todos os núcleos de povoamento.

Os trigais e canaviais davam assim lugar às latadas e balseiras , a vinha tornava·se na cultura exclusiva do colono madeirense, à qual dedica toda a sua acção e engenho. O vinho adquire o primeiro lugar na economia madeiren­se, mamendo-se por cerca de três sé­culos.

A evolução da si tuação vitivinícola madeirense é apresentada de modo exemplar por alguns visitantes da ilha nesse século. Assim, em 1547, Hans Standen definia a economia da ilha pelo binómio vinho/açúcar, enquanto em Maio desse ano a vereação funchalense decidia o preço do vinho, uma vez que _nesta ilha as mais pessoas della vivem de vinhos- (A. R. M., C. M. F., n.O 1380, fi . 44). Esta última situaçào surge refor­çada em meados do século, e isto de tal modo que na década de 70 o vinho se apresentará como O principal produlO de exportação (V. de M. Godinho, ob. cit., [li, 224). Em 1583, T. Nichols refe­ria que _Ia producci6n principal de este país es una gran cantidad de vino excep­cionalmente bueno, que se lIeva a muchos lugares_ (Descripci6" e Historia de las islas Cana rias, Santa Cruz de Tenerife, 1978, 226). E, em 1590, Tor-

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rbni dava cOnla da abundância de vinhos na ilha, referindo -que superou en mucho lo que en su tiempo havia visto Alvise da Mosto- (Alejandro Ciora­nescu, Thomas N icho/as { ... j, La L:lguna, 1963, 122). A partir desta pri­meira iniciativa de povoamenlo e valori­zação socioeconómica de uma ~ rea do novo espaço insular avança o processo de ocupação do Atlânt ico. A experiência madeirense serve ao mesmo tempo de alento e modelo para idênlicas in iciati-

vas e o Madeirense surge em muitas delas como um e1emenlO reanimador do seu arranque , primeiro na ocupação e povoamenlO da ilha de São Miguel , desde 1474, depois nas Canárias, São Tomé e Brasil. Para essas paragens, o Madeirense levou a experiência de mais de meio século de fa ina agrícola e a necessária esperança do seu êxito. Desta forma , o Made irense e a sua ilha estão ligados ao processo de ocupação do Novo Mundo at1ânlico.

Ponta de São Lourenço. Situada lia região leste da ilha da Madeira avistando o mar. mar por onde chegaram os primeiros povoadores e donde partiu uma experil1ncia de organização socioecon6mica e administrativa que alcançou as longrnquas paragens que os Portugueses colonizaram. a ponta de São Lourenço cOflstilui um espectáculo de rara beleza. digna da Pérola do Alfãmico.

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Consequências do povoamento e o ciclo do açúcar na Madeira

nos séculos XV e XVI

ALBERTO VIEIRA

A t ransplantação da cultura da cana-de-açúcar para a ilha da Madeira nos primórdios do século xv e. o seu grande sucesso a partir das últimas décadas do mesmo século e no seguinte

marcaram profundamente a vida social e económica do arquipélago e de todo o espaço atlântico envolvido na rede de relaçôes decorrentes da comercialização do «ouro branco».

O desenvolvimento da cultura sacarina na ilha da Madeira, tendo desempenhado um papel importante na economia portuguesa seiscentista, constituiu um incentivo e uma fonte de

experiência de incalculável valor no quadro da expansão europeia, permitindo o sucesso desta cultura nas mais longínquas regiões, nomeadamente as Antilhas, a ilha de São Tomé e o Brasil

Do .... çuqu .. r. (lU néctllr na iactanda. Por Comid~ de Jo\'c Saborm .. Ter:! por á~oa ... I~es, m:.ü ... lhull(!lInlIJ . Que a [ndta. que hé por cllc Iam formoza. O melhor. & m:lis puro na substancia, De toda Europa . insignc, & poderosa Po rquem crcscendo será de dia cm dia, Na substancia, no trato & mcrcanci:l

(Manuel Thom:lS. InslI/m/a, Amberc~. 16Y5. x. 81)

Manuel Thoma ... , próximo da época áurea da safra açucarei ra madeirense, dá­-nos conta, neStes versos do seu poema, da dinâmica do açúcar na Madeira nos séculos xv e XVI; si lUa a sua remota filia­ção no Oriente, ao mesmo tempo que dá conta da sua vu lgarização no Ocideme, mercê da sua transplantação para o novo espaço atlàmico, onde veio enobrecer a ilha e as suas gentes. De acordo com esta perspectiva p rocurar·se-á defini r , ainda que de modo sucinto, o ciclo do açúcar na Madeira nos séculos xv e XVI, Tal análise salienta-se no contexto da eco­nomia açucareira atlântica mercê do faclO de a Madeira ter sido a primeira experiência desta cultura fora da Europa

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mediterrânica, que, depois, pernll llu o seu alargamento aos Açores, Canárias, São Tomé, Brasil e Antilhas.

O açúcar e o vinho surgem na econo­mia madeirense como produtOs dom!· Ilantes, catalisadores da animaç::io ~ocioeconómica das gentes insulares. Tais produtos surgem, em simultâneo, como factores de enriquecimento e debilitação dos precários mecanismos da est rutura económica da ilha , mercê da definição de uma forte dependênc ia em relação ao mercado europeu, que impõe o produlO, financia :1 sua cuhura e controla o seu comércio e consumo. Partindo desle pomo de vista, Fernand Braudel definiu em 1949 a economia do Mediterrâneo atlântico como um regime produtivo de monocultura (Fernand Braudel , La Mediterraneé el le monde mediterralléen f. . /, vol. I , Paris , 1949, 123). Todavia, tal caracterização da ambiência económica insular mere­ceu a refutação de Orlando Ribei ro, no que concerne à Madeira, e de Elias Serra Ráfols, quanto às Canárias (Orlando

Ribeiro, L 'Ile de Madere f . .. j, Lisboa, 1949, 67; Elias Serra Ráfols , .. EI gofio nuestro de cada día _, in Bstlidios Cana­rios. XIV-XV, 1969-1970, 97-99). Na década de 60, a partir das análises de Frédéric Mauro e Vito rino de Magalhães Godinho, passou a definir-se a econo­mia insular por um regime de produtos dominantes, e não de monocultura (como o entendeu Victor Morales Le1.­cano. Les relaciones mercantiles entre II/R'ale'Ta y los archipiélagos atlallli­cos ibéricos. La Laguna, 1970, 32-36) Desta forma , a definição de ciclo de açú­car deverá ser entendida apenas como o desenvolvimento dominante, e não exclusivo, da cultura da cana que cata­lisa o movimento da exportação (Frédé­rie Mauro, Le Portugal et f'Atlanlique au XVI" siêcle, Paris, 1960, 231, e .. Conjoncture économique et sct ructure socia le en Amérique latine depu is I'épo­que coloniale., in /lommage à Ernest Labrousse, Paris, 1974, 238-240; VilO­rino de Magalhães Godinho, . A divisão da História de Po nugal em períodos., in

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Ensaios, II, 2," ccl. , 1978, 12- 14). No entamo, tal retrato estará sempre dis­tante da policromia das condições em que vivem a açucareira b rasileira e anti­lhana, sendo impossível a definiçáo ele uma sociologia do açúcar Oll de uma civilização açucareira com fortes impli cações ambientais e ;lrquilcct6nicas (Gil­berto Freire, .Contribuiçào brasileira para uma sociologia do açúcar_, in Sociologia do Açúcar, Recife , 1971, 9-12)

Cultura, produção e cris~

A Europa dlslribui os produlOs de cul­tivo pelas áreas adequadas e assegurn as condições necessárias ã sua implamação e ao seu escoamento e comércio. Dentro destes pammelros. surgem a cana-de­-açúcar e o pastel, que se alargam a IOdo o espaço insular :ulâll1ico. Os incentivos da coroa e municfpios, aliados à sua ele­vada valoração pdos agentes europeu!>, actuaram como mecanismo de desen­volv imento e expans:lo desta~ culturas no mundo insular

A cana-de-açúcar, pelo seu alto valor

D económ ico no me rC3do europeu­-mediterr5nico, foi um dos p rimeiros e principais produtos que a Europ:t legou e impós às n~)\':I~ :ireas de Ol'Up:t(;:io: p ri ­meiro chegou à Madeira e (Ia í passou para os Açores e Canárias

A c:ma-de-a<;úcar, na sua p rimeira experiencia além-Europa, (:videnciou as suas possibilidades de dc::.cnvolvimelHo fora do habitai mediterr:inico Esta evi­dencia c:Halisou as ;ucnçõcs do capnal estrangeiro e nacional. que aposlOu no c rescimento e promoç:1o desta cultura na ilha. Só assim se poderá compreender o arranque rápido da mesma Esta, que nos primórdios da ocupação do solo insular se apre::'Cnl3Va como uma cultura subsidiária, surge 3 p3nir das últimas décadas do século x\- como o produto dominante, siluação que :;.<: m:lIlterá até à primeira metade do século XVI.

A cana-sacarina, usufruindo do apoio e protecção do senhorio e da coroa, conqu ista o espaço arroteado das searas, expandindo-se a IOdo o solo arável da ilha. Aí poderemos di!itinguír duas áreas:

• A vertente meridiona l (de Machico à Calheta), com um clima queme e abri-

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A Europa e o oceano Alfdnlico (carta atribu ída a Diogo Nomem, datada de 1570 e existellte '10 Musell Brird"ico),

gada dos alísios, onde os canaViaiS atingem os 400 m de altitude;

• O Nordeste, dominado pelas planta­ções da cap itania de Machico (POrto da Cruz e Faial até Santana), solo em que as condições mesológicas não permitem a sua cultura além dos 200 m, nem uma produção idêntica à primeira área (Orlando Ribei ro, ob. cir , 60-62; VilQrino de:: Magalhães Godinho. Os Descobrimentos e (I Eco~ flomitl MlWditll . vol. ''' . Lisboa, 1983. 80-81).

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PROOUÇÃO DE AÇÚCAR NA MADEIRA (1520)

CAPITANIA 00 MACHICO

~ .. iJI" po",a da Oliveira

CAPITANIA DO rUI'~t1AL • Comarca

Cap"ania D,y,yo de Zalco e Tri.1Io OlVIdo 00 ln!. n!.

.' ., DIVlsâo das comarcas

A capitania do Funchal agregav:! no seu perímet ro as melhores lerras para a produção do açúcar, ocupando a quase (OIalidade do espaço da vertente meri­d ional. À capilania de Machico restava apenas uma reduzida parcela desssa área e IOdo um vasto espaço acidentado impróprio para a cultura. Assim, em I '-f9'-l , do açúcar produzido na ilha, ape­nas 20 % ad vêm da capitania de Machico e o sobrante da capitania do Funchal. Em I ;20, a primeira at inge 25 % (Virgí­nia Rau e Borges Macedo. O Açúcar l1a Madeira lias Fins do Séwlo XV, Fun­chal, 1962, 15; V. de r .. 1. Godinho, ibi­dem, 80; Fernando jasmins Pereira, O A~'lkar MadeireI/se f I, Lisboa, 1969, 95).

Fernando jasmins Pereira, numa aná­lise comparada da produção das duas capitanias entre 1498 e 1537, discorda da relação até então estabelecida, pois, de acordo com a sua análise , a razão situa·se em <+ : I para os primeiros dec<: · nios do século X\I, descendo entre 1521 -1524 para 3:1 e recuperando na segunda metade do decénio para 4: 1 (F.J. Pereira, ibidem, 100·101; V. Rau, ibidem, 14),

Na capitania do Funchal, os canaviais distribuem-se de modo irregular, de acordo com as condições mesológicas da área. Assim, em 1494, a maior safra si(uava-se na partes do fundo, englo­bando as comarcas da Ribeira Brava, Ponta do Sol e Calheta, com 64 %, enquantO O Funchal e Câmara de Lobos tinham apenas 16 % (v. Rau , ibidem, 15; v. de M. Godinho, ibidem, 80). Em 1520, não obslante uma ligeira altera­ção, a diferença mantém-se, pois a pri ­meira surge com ~, enquantO a

segunda apresenta 25 %, valor idênt ico ao total da capitania de J\lachico, com 25% (F.J. Pereira, ibidem, 95:1 155).

Numa anál ise em separado das diver· sas comarcas da capitani:l do Funchal \'erifica-se que a comarca do Funchal domina essa produç::io, com .~2.82 'ru. seguindo-se a Calheta, com 27,34 'ro. AS comarcas de Ribeira Brava e Ponta do Sol surgem numa posição secundária, respeclivamentecom 20,28% e 19,56% (idem, ibidem , 9'); segundo razão~ do hacharel Bartolomeu Lopes de 19t"l , Arquivo Nacional da Torrc do Tombo, (:orpo Cronológico. II, 8ó, I ~ I)

O conhecimento do sistema fundiário na Madeira nos s~culos xv e X\'l não pode ser dissociado da estrutura econó­mica insular, assente , neste momento, na dominància da cultura d:l cana·de­açúcar. As técnicas e os produtos, em conjuga~'ão com as condi~'ões mesológi­e is e sociodcmográficas, definir:lm esse SIStema, DeSle modo, o estudo do regime da propriedade na Madeira entre meados do século X\' e meados do sé· culo XVI deverá incidir fundamental ­mente neste produto, tal como a análise para o período subsequente deverá desviar-se obrigatoriamente para o outro produto dominante: o vinho. Assim o entenderam Virgínia Rau e Jorge de Macedo, na década de 60, ao fazerem inc idir a sua análise no livro de estimas da capitania do Funchal de 1494.

A partir daí ficou definido que a cul­lUfa dos canaviais se fazia em regime de pequena e média propriedade, sistema que ficava muito aquém das plantações brasilei ras. O engenho madeirense não adquire a complexidade e dimensão do equivalente brasileiro. Não obstante, a

situação nâo se manteve esranque no solo madei rense, pois a evolução acele­rada da referida cultu ra e o seu rápido declínio na primeira metade do sé­(.-ulo XVI definiram uma nova dinâmica para o regime de posse e cultivo dos canaviais. Os livros dos quartOS e quin­tos disponíveis para os anos de 1509 a 1537 ass im o retratam (veja-se nosso estudo ~O regime de propr iedade na Madeira, O caso do açúcar , 1230-1537-, in Colóquio Inlen/tlciollaJ de lIistória da Madeira , Funchal, 1987).

A grande propriedade, q uase inexis­tente em 1494, surge de modo evidente na primeira metade do século XVI, circunscrevendo-se às comarcas da Calheta e Ribeira Brava, área definida em I '19<+ como as partes do fundo. Aí encontramos vinte e dois proprietários com mais de 2000 arrobas, com 36,64 % da produção. Estes tem um quantitativo de produção duas vezes superior ao dos seus parceiros de 1494 , chegando mesmo a atingir isoladamente 27,90% da comarca ou 7,96% da capitania. Idemica é a situação dos proprietários com valor entre 1000 e 2000 arrobas, onde os primeiros atingem 27,90% da produção da capitan ia e os segundos apenas 9,95 %.

A situação torna-se mais explícita se atendermos à posição destes na ordem dos proprietários. Assim, em 1494, os vinte principais produzem no Funchal metade do quantita t ivo da zona, enquanto na::. partes do fundo atingem metade da capitania. No período subse­quente, apenas os cinco principais ultra­passam este valor, chegando a atingir 90,45 % na Calheta em 1534 .

Perante esta evidencia, parece-nos ponto assente que a primeira metade do século XVI é pautada pela afirmação da gr:mde propried:lde, a qual se consolida em pleno nas comarcas das parles do fundo. Na comarca do Funchal e na capitania de Machico afirma-se, respecti­vamente , a média e pequena proprie­dade. Note-se que o número de proprie­tários com menos de 100 arrobas é n:duzidíssimo na capitania do Funchal (-1.8<+ %), e nomC3damente nas comarcas das parles do fundo (com valores entre 0,82 % e os 4,53 %), enquanto na capita­nia de Machico atinge mais de metade (53.36%)

Deste modo , podemos também con­cluir que, desde finais do sécu lo xv, é dominante a tendência concentrado­nista dos canaviais. Esta situação resulta da evolução do sistema de propriedade, desde essa data, com a criação de vín­culos e cape/as.

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214 CEIiA ~ .. :=.":,' ~:::.:

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A crise, como vimos, conduziu apenas a uma redução do número de canavia is e consequente valor de produção, afec­tmdo de modo especial o pequeno pro­prietário. O endividamento de muitos e a consequente penhora levaram à sua transferência para as màos do grande proprietário: aristocrata, funcionário ou mercador. Essa conjuntura conduzir;í nas comarcas da Ribeira Brava e Calheta ao reforço da grande propriedade. enquanto no Funchal e Pom:1 do Sol terá um efeito contrário.

O estatuto social do grupo possideme condicionou de igual modo esta tendên­cia concentrac ion ista. O funcionalismo régio e local, o estrangeiro - mercador ou n:lo - , dispunham de uma n13ior c lpacidade de manobra no apertado quadro da sociedade insul .. r. Estes sur­gem. de um modo geral , C0l110 os gr:m­des proprietários das diversas comarcas; na verdade. represemam 65,90% dos proprietários com mais de 1000 arrobas, produzindo 23.90% do açúcar do período em anál ise.

Em termos ger:lis. podemos afirm;lr que a cultura de cana-de-açúcar benefi ­Cij\':l apenas um reduzido grupo da população madeirense. Nesse grupo merece especial referenc ia a aristocracia tcrratenente e a burgues ia. enriquecidas com o comércio do ;lçúcar, com os con­trato~ de arrendamento e no exercício de funções na administraç;10 municipal e régi:l. A situação privilegi:td:1 de que goz;l\'am na sociedade insular contri­buiu para o reforço da sua posição na estrutura fundi:íria. Será na confluência da produção, do comércio e d:l regula ­mentação deste produto, ao nível 10c:!1 e centr:ll. que surge e se :tfirma o grupo possidente.

O engenho, estrutura industrial com­pkx.l, está intimamente relacionado com a produção e sistema fundiário, destacando-se como o principal pólo de anima\'ão da safr:! a\'ucarei ra. O enge­nho simboliza não só o sistema de moa­gem e laboração do açúcar e deri\'ados, ma" I.lmhém a complexidade das instala­\'ôes sucedâneas ou de apoio, como C:lS:! da caldeira, de purgar, arm:!zéns, mora­dias e capela (o engenho madeirense não adquire a dimensão socioarquiteC!ónica do correspondente brasileiro, pejo que se torna anacrónica a definição de uma cidade do açúcar no Funchal). Era um:! infra-estrutura complexa que implicav:! um elevado investimento de capital [em 15-1. Simão Fernandes Sequeira, c:!m:!­ceiro da rainha, recebeu 9200 réis de empréstimo da Fazenda Real para reparo do engenho da mesma rainha siro na

Lombada da Calheta (Arquivo Histórico da Mculeircl, XIV. 1964-19()(5, 56). Nas Canárias, em La Orotava (Tenerife), a construção do engenho de Alonso Fer­nández Lugo custou 1337.924 marave­dis (Fernando Gabrie l Martín Rodríguez, Arquitectura doméstica amaria. Santa Cru z de Tenerife , 1975, 298-304)1.

No início, a safra do açúcar estava entregue a rudimentares técnicas , usando-se apenas a alçaprema. que poderia ser utilizada em simultâneo na l:Ihoraçào do vinho Toda\' ia . o aumento da produção inviabilizou tal processo, dando origem a novos inven­toS Ou à sua importação do espaço medi­terrânico. Desta forma surge a moenda por tr<lcçãO :lIlimal e, em 1-+52, o pri ­meiro engenho de água de Diogo de Teive, que veio re\"()lucionar o processo de labor:lção do açúcar (Arquivo Regio­nal da Madeira, AR:-'l, Càmara Jlllnici­paI do Funcbal. ClIF. registo geral, t. I,

n. 152 \,.0). Segundo Da\'id F. Gouveia. este seria um invento madeirense, exe­cutado por Diogo de Teive. negando d~Ma forma a origem ... icili:.na ou :tmi­lhana desta inovaç'io da tecnologia açu­cm:ira ( ... O açúClr da i\lad~ir ... A manufac­tu ra açucareir,. madeirense, 1420- 1550., in Atlântico. n .o 4. 1985. 267-269). A partir de me .. dos do século X\ coe xis­It.:ll1 na ilha as alç:lpremas, trapiches de besta (' os engenhos de águ:l. definindo cad:. qual uma dimensão diversa da p ro­duçl0 e dos seu:, propriet:irios (AR~l .

CIIF. registo gt.:ra1. t. I. n 216. can .. régia de 1- de Ago~to de 1468). A ele­vada rendibilidade do engenho, asso­ciada às condiçõcs orográficas e existên­cia de abundantes mananciais de água. conduziria à sua generaliza.ção a panir da déclda de 60.

Em torno do engenho reúne-se Ulll;l

numerosa mão-de-obra assalariada ou escrava que executa diversas tarefas: c:!r­pinteiros, mestres de açúcar, purgado­res , refinadores, escumeiros, almocre­ves, canavieiros, feitores, etc. A todos é exigi<lo o máximo dos seus conheci­nH:nlOS técnicos para que o produto resultante da safra venh<l a surgi r no mncado com :1 qualidade exigida pelo consumidor europeu. A coroa e o muni­cípio intervêm, regulamentando exausti­vamente as tarefas e sujeitando os ofí­cios em causa a um exame e juramento anual em vereação. Desta forma, os diversos regimentOs do senhorio e coroa. as posturas, retratam-nos essa azáfama do engenho (Alberto Vieira, . Introdução ao estudo do direito local insular. As pOStur<lS da Madeira, Açores e Canárias nos séculos XVI e XVII., in

VII Coloqllio de Histor ia Cana d o­-Americalla, Las Palmas, 1986).

A existência de inúmeros cursos de águ:t na ilha e a disponibilidade de exce­lentes madei ra~ d<l c<lpit<lni .. de Machico contribuíram para o rápido desenvolv i­mento da [ecnologi:l do açúcar. Assim, em 1498, vinte e OilO anos após a cons­trução do p rimeiro engenho de água, existiam n:l ilha cerca de oi tenta mestres de engenho, o que poderá equivaler a igual número de engenhos (ARM, CMF. registo geral, I. I, ns. 1/2-179. ca rl a do duque de 21 de Junho de 1493). Além disso, conhecem-se alguns mestres de fazer engenho, como o alemão Armão Álvares e André Lourenço de Santa Cruz. que cOntribllír;IITI em muitO para o aumento do parque industrial madei­rense (Sousa Vite rbo. "Artes industriais e indú ... trias portugueS:l~. A indústri:l saC:l­rina_, in Instituto, vaI. 55, 1908, 409 e 0.496). Note-se que em finais do sé­culo XV I, em plen<l crise açuca reira, coe­xistem na ilha trima e cinco engenhos, disseminados peta veneme merid ional d;1 ilh<l (Gaspar Frutuoso. Saudades da Terra . passim). Dessas complexas enge­nhocas apenas ficou refe rênci:1 em um inventário de 1230 de António Teixeira (Alberto Anur Sarmento, .. ApOntamen­tOS históricos de Machico-, in Das Artes e da História da .\Iadei ra, vol. I, n.o I . 1923.8-9). De acordo com o número de caldeiras (quatro) e formas (novecentas) referenciada~ no dito inventário, poder­- ~t:-<Í est imar a produção semanal deste engenho em cento e trinta pães de açú­car, o equivalente a 400 ou 230 arrobas, podendo moer numa safra mais de 2300 arrobas (David F. Gouveia, an. ciL). O engenho brasileiro e antilhano produzia cm igual período mais de duzenlOS pães (André J0:10 Antonil , Cultura e Opulên­cia do Brasi l ( ... / . LiSbo:l, 1711; Ileory Koster, Viagells ao Nordeste do Brasil, Recife , 1978,349-423).

O incentivo à produção açucareira, na i\ladeira e nas Canárias, derivava das facilidades do seu rápido escoamento e igu:tlmente d:l criaç:lo de condições para o normal andamento das tarefas agríco­l:!~ e laboraç:1o dos engenhos. Por isso foram regulamentados o uso das águas, a construção de levadas, o corte e t rans­porte da lenha e repa ro dos engenhos (ARM, CAlF, Livro de Posturas, fls.68-71; Álva ro Rodr igues de Azevedo, _AnOta\'ões., in Saudades da Terra. Funchal , 1873,436-471 e 673; Fernando AugustO da Silva, Elucidário Madei­rense, Funcha l , 1940-1945, 24-25 e 242-243).

Definido o proprietário, o regime de

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ENGENHOS DO AÇÚCAR (C. 1590)

.~ . ' . ' • • Paul (10 Ma,

Ja'Qom (10 M., c:.... . .. UC:O <li c.1heta

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exploração e o produto adequado ao solo e às necessidades do momento, não estava ainda concluída a intervenção das autoridades, uma vez quc estas preten­dem não s6 assegurar :1 sua manutenção. mas também a qualidade e preços con­dignos.

A defesa e manutenção da qualidade do produto colhido no solo insular é uma das constantes da aClUação das autoridades régias e 10Glis, atingindo especialmente os produtos da exporta· çào; o vinho, o pastel e o açúcar . Esta· vam definidos para todos, por regimen· tOS específicos, as tarefa') de cu ltivo, cuidado e laboração final do produto, de modo que este se apresentasse nas condições e quantidades necessárias para a sua comercialização. Assim , par:I O pastel aparece nos Açores o regimento de 1536, em que se estabeleciam normas para a sua cultura e laboração, ao mesmo tempo que se criavam alealdadores para assegurar O seu cumprimento. Idêmica é a situação na Madeir:1 e nas Canárias com o aç(lcar, que é alvo de constantes regu · lamentações e de um com rolo assíduo dos aleadores, para esse fim eleitos em vereação (Fernando Jasmins Pereira, Algul/s Elementos / j, 107-1 15 e 129-138; Maria do Carmo Jasmins Pereira Rodrigues , O Açúcar na Ilha da Madeira no Século XVI, 38-46). Deste modo, o monarca D. Manuel , par:1 garamir a boa qualidade do açúcar madeirense de exportação e assegurar o seu crédilO no mercado europeu, orde­nara, em 1485, que todo o mestre de açúcar deveria ser examinado e aproo vado por três homens·bons, ao mesmo tempo que estipulava a obrigalOriedadc de uma vistoria qualilativa ao açúcar, após a sua laboração, por oficiais com· petentes: os alealdadores (ARM, CMF, regislo geral, t. I , ns. 219, 185 v.o-187; F. J. Pereira, ibidem, 134- 137).

216

Para eSla rápida progressão da econo­mia madeirense em muilO contribuiu a intervenção dos senhorios e monarcas e o investimemo de capital estrangeiro, nomeadamente genovês (Gaspar Fru­tuoso , ob. cit., 110; Charles Verlinden, _Les débuts de la production ct l'expor­lation du sucrc à l\Iaderc. Que! róle y joyerenl les ilaliens?-, in Studi III memo­ria de Luigi dei Pane, 1982,301·310, e Les origines de la cil'ilisation atlami­que, Neuchàtcl, 1966, 169). O infante D. Henrique (Gaspar Fru(Uoso, ibidem, 6-1 e 146; Pila Ferreira, O Arquipélago da ,1/(ldeirtl , Terra do Senhor ln/ante de /420 a 1460. Funchal, 1959, 23; Duarte Leite, Hlst6ria dos Descobrimen­tos, I , Lisboa, 1959, 422-454; Amorim Parreira, _História do açtkar em Pariu ­gal_. in Aliais da junta do Ultramar, \'01 \ II, Li sboa , 1952, 22·25) surge como O promotor e principal financia­dor da implantação da cana-de·açúcar na Ilha, enquamo os seus sucessores no senhorio não negaram o seu apoio a tão oportuna iniciativa (F. J. Pereira , Alguns Elementos /. j, lOS-II 5, e 130- 160). Desles saliema·se a intervenção de D . l\lanuel, quando senhor e rei, que foi decisiva para a afirmação plena da cul­tura do açúcar na ilha e para a sua plena afirmação no mercado nórdico. Pri­meiro, pelo regimemo de 1485, obrigou a uma maior especialização e empenha­menlO dos ofíC iOS ligados à labo ração do açúcar, tornando obrigal6rio o exame e preslação anual de juramentO na câmara Depois estabeleceu uma política de fis­calização da qualidade do açúcar labo· rado por meio dos aba Ida me mos. E, finalmente , numa tentaliva para debelar a estagnação do comércio e de uma maior rendibilização dos cana"iais, eSla­beleceria, em 1482, normas para a sua venda c exportação, que culminaram em 1498 com O contingemamento da pro·

duçãO e export<lçàO de açúcar para as praças nórdicas e medilerrânicas (idem, ibidem , t 30-160) .

Criadas as condições a nível imerno, por meio do incentivo ao investimento de capitais nacionais e eSlrangeiros na cultura da cana sacarina e comércio dos seus derivados, do apoio do senhorio, da coroa e da adminislração local, a cul· (Ura estava em condições de progredir e de se tornar, por algum tempo, no pro­duto dominante da economia madei· rense . O incentivo externo, bem como a mcessanle procura do consumidor mediterrânico e nórdico, aceleraram a sua expansão. Tudo isto explica o rápido movimenlO ascendenle , tal como () percurso inverso

A fase ascendente, que po derá situar· -se emre 1450 e 1506, não obstante 2

situação depressionária de 1497- 1499, é marcada por um crescimento acelerado que entre 1454 c 1472 se situava na ordem dos 240 % e no período subse­quente, ate:: 1493, em 1430%, istO é, uma média anual de 13,,3 % no primeiro caso e de 68 % no segundo. No período seguinle, após o colapso de 1497- 1499, a recuperação é de lal modo rápida que em 1500· ' 50 I o c rescimento é de I 10 % e cm 1502- 1503 de 205 %. Esta forte aceleração do ritmo de crescimento nos primeiros anos do século XVI irá marca r um máximo, atingido em 1506, seguido de um rápido declínio nos anos imedia· lOS. E iSIO de tal modo que em quatro ,mos se atinge um valor inferior ao do início do século. A situação agrava-se nas duas décadas seguintes, baixando a p rodução na capitania do Funchal 60 % entre 1226 e 1537 Na capilania de Machico, a quebra (: lenta, sendo si nó-

Aspecto da cidade do FUlIclJal. Situada Iluma região privilegiada da ilha da Madeira, a cidade do Funchal ostenta 1105 1IOSSOS dias algulIs ediflcios de rara beteza, nomeadame" te a Sé e a Alfândega, si"ais de uma riqueza que af aflufa com abu"dâncül 1IOS sécutos xv e XI'I

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nimo do depauperamento do solo e da crescente desafeição do mesmo à cul­tura. Mas a partir de 1521 a tendência descellclente é global e acentuada, de tal modo que a produção do nm do pri­meiro quartel do século se situava a um niveI pouco superior ao registado em 1·.-0 (idem, ibidem, 103 · 1'58) .

Na década de 30 consumava-se em pleno a crise da economia açucareira e o ilhéu viu-se na necessidade de ab.mdo­nar os canaviais ou de os substituir pelos vinhedos, o que sucedeu de modo evi-

dente a parlir de meados do século XVt A histOriografia tradicional vem apre­sem ando múltipl:ls explicações para esta crise, assentes fundamentalmente na actuação de factores externos. No entanto, Fernando Jasmins Pereira, com o seu estudo sobre o açúcar madeirense, contraria essa opinião, fazendo assentar a crise cm delermin:mtes condições eco­lógicas e socioeconómica'i da ilha, defi­nindo como pnmordial o primeiro f,le­tOr: _, I a decadência da produção madeirense é, primordialmente, moti-

"ada por um empobrecimento dos solos que, dada a limitação da superfície apro­veitável na cultura, vai reduzindo inexo­r:lvelmente a capacidade produtiva­(idem, ibidem, 150).

Deste modo, a crise d:1 economia açu­careira madeirense nào se explica ape­nas pela concorrcncia do açúcar das Canárias, Brasil , Antilhas e São Tomé, mas, acima de tudo, pela conjugação de vários faclorc~ de ordem interna: a carencia de aduhagem, a desafeição do ... 010 ii cullura e as alie rações climáticas.

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A concorrencia do açúcar das restantes áreas prodUloras do At lântico, a peste (em 1526) e a falta de mão-de--ob ra ape­nas vieram agravar a situação da crise do açúcar madeirense.

Esta ambiência de crise da década de 30 conduziu ao pau latino abandono dos canaviais ou à sua subst ituição pelo vinho de malvasia A economia madei­rense passa por profundas alterações estruturais que marca rão O devir socioe­conómico nos séculos XVII a XIX. Se em 1547, segundo Hans Standen, a econo­mia da ilha assentava ainda no binómio açúcar/v inho, em 1575 Duarte Lopes colocava apenas este último p rodutO em ev idencia, o que é a prova concludente do quase total abandono da cana saca­rina (V. de M. Godinho, ob. cil" vol. III,

244). Não obstame, a conjuntura COntur­bada das plamaçõcs b rasileiras, a partir da década de 80, conduziu ao renascer desta cultura no solo madeirense e ao aumemo da sua procura no mercado europeu, o que provocou uma vaga altista dos preços no período de 158 1-1587. No en tanto, a manutençào da con­correncia e comrabando do açúcar bra­sileiro na ilha na década de 90 e princí· p ios do século X\'II implicou novo golpe na sa fra açucareira m<ldeirense (Alberto Vieira et afia, -O município do Funch'll , 1550-1650., in Colóquio Intcr­nacional de História da A!tldeira, Fun­chal , 1987). Mas o ass<l l tO holandês em 1627 aos principais pOrtos brasileiros e a consequeme ocupação de Pernam­buco, no período de 1630-1650, reavi ­vou a esperança de um renascer da époc<l áurea da safra açucareira. Note-se que os oitO engenhos ex istentes em 1610 se to rnaram insuficientes em 1625 e 1648 para a referida safra, sendo assim necessária a reconstrução de alguns anti­gos engenhos (F. Mauro, ob. cit., 186-189). Fo i uma recuperação efémera, pois em 1657, com a liberlação de Pernam· buco, obra do madeirense João Fernan­des Vieira, o açúcar da Madeira encerra de vez o seu ciclo na ilha. A partir de então, o açúcar desaparece do conjunto de mercadorias que suportam a troca externa da ilha e só conseguir~ ser o amparo e fonte de riqueza do Madei ­rense em meados do século XIX, com a crise da produção e comércio do vinho e o advento da revo lução industrial na safra do açúcar .

Administração c dir~itos

O desmesurado empenhamento do senhorio e da coroa no apoio e no finan-

ciamento desta cultura resultava não só da sua importância na economia da ilha, mas também dos elevados réditos que dele se arrecadavam, com as múltip las imposições fisca is. Essa elevada quantia, resultante da tributação do açúcar , ser­via para a coroa, no século XVI, custear as despesas do monarC<l e da casa real e ainda as d ívidas aos mercadores estran­geiros e o soldo dos funcion~rios do almoxarifado da ilha: restava uma soma avultada de açúcar para O comércio directo por meio dos fe ito res na Flan­dres. ou para a venda a contrato aos mercadores nacionais ou estrangeiros. No período de 150 I a I 5.~ 7, as despesas comabilizadas rondaram 2,8 % (67601000), sobrando 467 293 arrobas, no valor de 233646S500 (conforme F. J. Pereira , O Aç/ícar MadeireI/se f . .. l, 79-83, ao preço médio de 500 réis por arroba). A dimensão desta volumosa receita terá condicionado a política intervencionista do senhorio e da coroa, ao mesmo tempo que contribuiu para um maior empenhamento da eStrutura administ raliva na cu llura açucareira. Se contabilizarmos a documentação oficial no período de 1452 a 15 17, verifica-se que 20 % dela incide sobre o açúcar , sendo mais de "5 % subscrita por D. ~lanuel, quando duque e rei, o que mostra o enorm e empenhamento deste monarca na promoção da cultu ra da cana sacarina e a situação caótica em que herdou o governo dos negócios do açú­car da ilha. Essa intervenção manuelina incide, preferencialmente, no comércio (32 %) c na defesa da qualidade do açú­car laborado (10 %) (vejam-se documen· tos ln Arquivo I/istórico da Macleim, vols. XV-XVIII, 1972- 1974).

A fiscalidade surge, assim, como uma dominante na intervenção das autorida­des do Reino, que por meio de diversos regimentos e lembranças definem o quantitativo a cobrar e a forma de o arre­cadar. Enquanto na alfândega o quamita­ti vo se fixou (dízima de saida), o tributo que onerava os produwres foi va ri~vel ,

de acordo com O desenvolvimento da cultura na ilha. Efectivamente, no inicio o infante estabelecera o pagamento de um meio do açúcar laborado nas alça­p remas da ilha que lhe pertenciam, e, com a permissão da construçào de enge­nhos particulares, estes passaram a pagar 1,5 arrobas mensais, enquanto as moen­das, a água e tracçào animal pagavam um terço do açúcar laborado. Em 146 1, com o infante D. Fernando, uniformizou-se o direitO a arrecadar, ficando em apenas um terço , que, de acordo com o regi­mento de 1467, terá uma arrecadação

mais eficaz (A RM , CMF, registo geral, 1. I , n. 226-229 v .O). A partir de então, o açúcar a arrecadar passará a ser um quarto da produção, calculada através do estimo antecipado fcito por dois árbi­trOS eleitos em vereação.

O agra vo manifestado pelos Madeiren· ses, em consonãncia com a conjuntura conturbada de finais do sécu lo X\', for­çou D. Manuel a repensar o sistema de tributação do açúcar. Com efeito, em 1507, os Madeirenses solicitaram um estudo sobre a melhor fo rma de lançar e arrecadar O mesmo direitO. Correspon­dendo a essa soliCi tação, o monarca esti­pulou o lançamento de apenas um quinto da produção, a vigo rar desde IS 16, e definiu uma forma adequada de arrecadação, com a criação do almoxari­fado do açúcar e de diversas comarcas na ilha (F. J. Pereira , A/guns Elementos f .. l, 179- 180, e O AÇ/icar Madeirense I .. j. 55-58).

A forma de arrecadação de fin ida em 1167 por D. Fernando mantinha-se em vigor , nela se estabelecendo que o açú­ca r a tributar seria resultado do dJculo feito por dois homens· bons, eleitos trie· nalmente em vereação, que percorriam os canaviais da ilha, apo ntando O seu est imo num livro próprio (dos estimas elabo rados apenas se preservou O de 1 ... 94, estudado por V . Rau). O tributo era depois arrecadado no engenho na altura da safra. Com D. Manuel, em 1485, estabeleceu·se uma nova opera­ção de vistoria dos açúcares: os alealda­mentos; por esta via pretendia-se con· frontar o quantitativo produzido com o ~cu estimo e verifica r a qualidade do produto final ; os alealdadores eram elei­tos anualmente em vereação (A RM , CMF, t. I, n. 219-221 v .O).

Concluída a ava liação e vistoria da qualidade do açúcar, procedia-se ~ sua recolha, que poderia ser feita mediante cobrança directa ou arrendamento. No primei ro caso, tal encargo estava ent re­gue ao almoxarifado, que com D. Manuel assumir ia urna es trutura diversa com a c riação de cinco comarcas nele integradas; o almoxari fado estava localizado no Funchal (alguns dos referi­dos livros foram estudados por nós no estudo sobre -O regime de propriedade na Madeira [ ... )_). Os arrendamentos, que se realizavam triena lmente, foram de vida efémera , mercê dos prejuizos de vulto acumulados pelo almoxarifado e pelos arrendatários entre 1506 e 1518. No cuno período da sua vigência, os cOntratos foram dominados por merca­dores Ou sociedades comerciais estran­geiras, nomeadamente italianos (F. j.

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Ar,ooas 200"'"

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I\:rcira. () A~IIC{(r ,lIcuh'!n'lw! I f. 62-66)_

Comé rcio: r otas e mer cados

o comi: rcio Lia ;I,-(,clr m()~tr;l-se no mercado madeirense dos .. écu l()~ X\ l'

X\ I como o prindp"l ;mim:ldo r da ... tro­cas com o mercado europeu. Durante mais de um século, a riqueza da ilha e O fornecimento de bens :.llimentarcs e anc­f:letos dependeram do comércio deste produto. Toda\'ia. durante esse período. a SU;I \'end:J e \'alor h:Jvi:Jm de so frer di\'ersas \·:triaç·ôc:-. conscqucnda.. ll:l os<.;i1ação do mercado con ... umidor e d:1 concorrência de outrOS mercados insu­lares e dos mercados americanos,

O regime do comércio do 3çúcar m;ldeirense n os século .. X\ e X\'I. segundo opini :io de Vitorino de Mag:l­Ih:ics Godinho. «\'ai osci lar entre ;t liber­dade fortemenlc restringiLla pela mler­\'cnç:1o quer da co roa quer do~ poderosos grupos capi tali stas, de um lado. e o monopólio global, primeiro, posterio rmente um conjunto de mono­pólíos ("ada qual e:m relaç;10 com uma escápu la de Olllra band" . (00 di .. vol. 1\, 87). Deste modo, o comércio Jpt:nas se mame"e em regime livre ate: I "169. ano cm que :I baixa do preço veio condicionar a imervenção do senho rio. que estipulou o exclusivo do seu comér­cio aos mercadores de Lisboa (ARM , CMF. registo geral, t . I, fl s. 1- 1 v .o. Alcochete, 14 deJulho de 1469, cana do infante sobre o trato do açúcar, in A. ri M. , xv, 4; -47; ioidcm, fIs, I v .0-2 v. o, 25 de Se tembro de 1 ... 69, cana dos rege­dores do Funchal, in A. H. M ., X\', 47-49; ibidem, Os, 5 v.0-6, Lisboa, 16 de Outubro de 1478, cana régia sobre trato do açúcar, in A , II, .\1., xv, 57: ErneslO

PRODUÇÃO DE AÇÚCAR NA MADEIRA

Gon\;;tln:s. -Jo;jo Gome: .. tia Ilha». in li /I .11 , X\, -10--1 - ; idem. «.10:10 Afonso do Estrei to_. in I) A /I .II. n O I~. 19~-1. -4 -8) O i\.1:H.kircnsl:. habituado a negociar com estrangeiros. reagiu vee­mentemente contr;\ essa decisão. pelo que o infante D. Ft;'rnando ... entindo em risco as suas possibilidade .. , arrematou em I <;- 1 tOdo () açúcar a uma compa­nhia formada por "icente Gil. Álvaro F ... tt:\'e .. , Baplhla l.omt:lim . Fr:mci.::co <::11\"0 (' J\lartim Ane.., Boa "iagem (A H:vt . C.\lF, n.O 1296. fIs.:W vO-3 1 \' 0. 11 e 28 de Outubro de 1-4 7 1. ibidem. n .O 1296. fl . • 1. 12 de Fc\'(;rClro de I LI""'7 2~ ibidem , n." 11%. fl ... 52 \, .°_5:'\. I - de AgOSIO de 1-4 -1). Dessa decisão rt.':o>uhou um conflito aceso t.'lllrt' a vere:1 1,';10 e os referido .. contr:H:ldores (Fer­n;lndo Ja:-mins Perei!';!. oh (ii, 1+ 1-152).

Pa!isados \'inte: c um anos, a ilha debatia-se aind;t com uma conjuntu ra difícil quantO ao comércio açucareiro. pelo 4ue a coroa retornou, em 1-188 e 1-4<)') ,:1 pretensão do M.'U monopólio; no l'tH:lI1to, apena~ cOl1'!eguiu impor um conjunto de medidas regut:lmentador:l!'o da cultura, safra e comércio, que foram tomadas em 1490 e 1-196. Esta política, definida no sent ido de defesa do rendi­mento do açúcar, iria .. aldar-se mais uma vez num fracasso, pelo que em 1498 se tentOllum3 nO\'a solução. com o estabe­lecimento de um continge nte de 120000 arrobas p.if<1 exportação. parti­lhadas por diversas escápulas europeias (idem, ibt'dem. 152-159)

Estabilizada a produção e definidos os mercados de comércio do açúcar, a eco­nomia madeirense não necessitava dessa rigo rosa regulamentação, peJo que, em 1499, o monarca revogou algumas das p rerrogativas estipuladas no ano ante­rior; até 1508, no entanto, manteve-se °

regime de cOnt r:l.to para :1 sua venda, pois só ne.::sa data fOi revogada toda a legislação amerior, ac tivando-se o regime de liberdade comercia l (ARM, (.". IIF , registo geral, I. I, OS. 508 v. Q -309, ~in lr":t. - e 8 de AgoslO de 1508, alvará régio. in A 1-1 .H . \;\"111. 50}' -50-4), Assim () definia o foral da capitania do Funchal , em I ') I '), ao enunciar que; -Os dilas :Içúcares se poderào ca rregar para o Levante e Poente e pera tOdas oUtras panes que os mercado res e pessoas que os carregarem :.lprouver sem lhe isso ser pmto embargo :tlgum. (Âlv:lfo Rodri­gues de Azevedo, . AnOl"~·õcS •. in Sa l/ ­dades da Terra , Funchal , 1873, 501).

O estabelecimento das escápulas em 1 '"1:98 definia de modo preciso o mer­cado consumidor do açúcar madeirense, que se ci rc unscn:da a tres áreas distin­ta:- : o Reino . a Europa nórdica e a medi­tt:rninic:l , A~ praça~ do mar do None domin:I\'"m l'SSC ('omérelo. recebendo mais de metade das referidas escápulas, Aqui e\'idenciavam-se as praças circuns­Crit:l '> ;j Flandres, enquanto no Mediler­r:ineo a posição cimeira era a de Veneza, L'onjuntamente com ;ls praças levantinas de Quios e Constantinopla.

Se compaf:lrmo~ as escápulas com o ;1~'ÚClf consignado às diversas praças europeias no período de 1490 a 1550, ve-se que o roteiro não estava muito aquém da realidade . AS únicas diferen­~'as relevantes na equivalência surgi ram nas praças da Turquia, Fr;lnça e Itália, sendo de salientar nesta última um reforço acentuado da sua posição; mas esta difcrençl. (2 1,50 %) poderá resultar da aC1uação das cidades italianas como cenlros de redistribuiçào no mercado levantino e francês; note-se que os lIalia­nos detinham mais de dois terços das arrobas de açúcar transaccionadas nesse período,

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Tecto da Casa da Alfândega do Funchal Símbolo da rIqueza que aflura à Ilha da Madeira e dos Ixme/íc;os que a COrotl portuguesa ar recolhia, O tectO mlld~)ár da Casa da Alfândega do Ffmcbal (lpresen/tl -se COmo um d os mais belos exempl(lr(!s da (Ir/e mtmll(!/i"a na referid(l i/h(l

Os dados di<;ponl\'e io; para o comt:rcio tlo ,Içúcar na MJtlt:lra, e nesse Ixríodo, evidenciam a constància dos rnt:rcados namengo e italiano. O Reino, circuns­crito aos pOrtOS de llsboa e Vi:lIla do Castelo, aparece em terceIro lugar, ape­na!) com 9, <;6 % NOle-se que o pOrtO de Viana do Ca!)tclo adquiriu, desde 1 S 11 , imporl;lncia <!c relevo no comércio do :u;;úC:lr com o Reino e daí COIll Castela e com a Europa nórdica. No períOdO de 158 1 a 1587, Vi"na é o único pono do Reino mencionado nas exportações de açúcar , mantendo lá um:l posição infe­rior a 1490- 1550 Uoel Serrão, -Nota

o.;obre o comércio do 'lc.·ll(·;,r entre Viana tio Castelo e FUI1<.:h:11 I J-, ln Rel"lsta dI' I:"amomla, IH . .!()l).,! I.! )

Essa func.-ào redl<;lrihuidor:1 do~ por­tOs .. norte do Douro fica endenciada entre I 'i:~5 e 15<;0, pOIS. d:IS cinquéllla e <;ei,> embarcações elll r:ld:l" no porto de Antuérpia com açúcar da ~L1ddr:1. dez .. ,>­.. d<i .. :10 do ~ortt.: t.: aptll,l'> uma de Li'> 110 •• N,IS pnmeira ... <;0 % ";10 pro\·tnll;n-11..'" de Vila do Comlt.:, .'" 1 'x, do Porlo t:

19 % de Viana do Castelo (Virgini:l Rau, ti E_\ploraçâo e (j Comércto de Sal em ~·ettilJal. Llsbo:l. 19<) 1, m;lpas I a 1\);

ali,h, em 150S. o monaa:a <.:omidera\"J que os naturaio; lks .. ;t região tinham muilO proveito no comcr<:io do açlicar (I:! ilha (ARM, (.\11 rq~I'>1O geral. t I,

n .. 301-,~OI v 0. Li .. ho;l, l'i de \Iar~·() de 1505, carta régia. in A H,\/ XVII, -453-'45-4). Em 1538, tal comérCIO cr:l assegu rado por um numeroso grupo de merca dorcs dessa pron:nlcncia. entre os quais se di':;llnguiam Ain:: .. Dias. Baltasar ROiz, Diogo Álvare ... ,\Iollllnho e Joham de Azevedo (Càndido A O Sanws, () CCII

_\ ltol da Mitra do Porto / j, Pono, 19-3,345-350).

Para :IS t ransac~'õcs com o mundo mediterrànico exiStiam 31guns entft::pos­tOs , nomeadamente em Cádh e Barce· lona , estas cidades aparecem , no periodo de 1493 a 15.'" -, como pontos de apoio ao comércio com Génova,

Constantinopla, QUlOS e Agua.:; ~·Iorta .. (Domenico Geoffré, Documentl sulle refazio"i Jra Gel/ol'a ed ii Portogallo (fl'l I <193 ai 1539, Roma, 1961, 18-20, 266·26-5, 268-rO, 2"·.,?-9. 28+265, 290-l91 e .~09,:HO; José Maria Madurell Marimón. an cit., t86-· t8' , '49,"'··'9-1 .. 9"'-.. 99, SOI·S02, S.2I-'i2.! c S6.i-<;(H)

A ordenança de 1198 11Oio determi nava apenas O contingente das diversas escápu las, mas também :t forma de comercialização A coroa, para dar maior facilidade no seu escoamento, monopoliza as cscápulao; de Rom:. e V~nt'za, lO 000 arrobas da ... de Flandres c .'\000 das de Inglatcrra, num [olal de 10000 .urobas. o equi\;llcntc a 5.'" % do [ol al. A estt: açúcar juntava-se o qU:llllit:l' I IVO do quinto ou quarto e d:1 dí~ima de cxponaç:1o, que o rei carreg..v:l por meio de COntrato c'i[abelecido com as grande .... companhia .. nacion:lIs e interna­cionai~ O rendllllentO do ... dlfC: IIO" era L'xportJdo par;l Flandres c para \'enez.I, Icndo est:I ... c id:u.k'" n:cchido. entre It95 c 1526, respect,,·amente 160 000 e 26000 arrobas (Fernando )" .. nllo, Pereira. O Açúcar .l/adelre"se / /, -8-92, \'irorino de Magalhãe ... Godmho, ob Clt., \01 1\. 84 ·9.:\)

A ~Iade i ra atraiu a pnmeira vag:' de merudores for:,!)tc iro ... mt.'rcc d" priori d:lde na ocupaç:io e exploraç;io do ;I(,:li

car. Só o impediam a.s ordenança.,> limita­tivas ela sua residenci:. na ilha , resultantes d:1 sua dpid:1 fixaç:1o c do ... eu domín io dos circuitos romerciais madeirt:nses

Em mcados do o.;éculo X\ .• 1 COro:1 f:Kuha\"a a ('ntrada t.: fixação de it:, li;lIlo.o.;, IbmL'ngos, fr;lIKe .. c~ e hretÔe.,>. por meio de privilégio.. especiai ... , como forma de assegurar um mercado euro­pell para o açuc:u (Alberto \'ieira, () Comércio Interillsular II()S Séculos XV e XI 'I , Funchal , 198""'): ma,> a sua rápida mnUenCi:1 foi lesiva para os mercadores nacionais c par:l J COro:l, pelo que se tor nou necessário Impedir que eles pudes .,cm -as)' soltamenle tratar todos_ (ARM, C \lF, registO gerai, I. I. ns. 5 v. n ·6, lis­boa, 6 de Outubro de 1 .,71, carta regia sobre o traUlO do '1~·úC<ir, in A. li .11 , ", .:;-; ,bidem, fls . 1<,8·1 ,8 v.o, Beja, r; de Mar~:o de I f"'.", , C:Ut:1 d,l II1f;lnta D. Bcatri~ acerca dos estrangeiros, in II ,., ,\I., xv, 6H): por hso, O "cnhorio ordenou a proibição da SU:l permanência na ilha como vizinhos (idem, Ibulem). A questão foi levada às Cones de Coimbra de 1't72- 14'3edeÉvorat:m 146l.recla­m:lI1do a burguesia do Reino contra o monopólio dos mercadores genoveses e Judeus no comercio do Jc.·úcar: pam isso

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A MADEIRA E O COMÉRCIO . -._"'~ --~ --

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propunha·sc a ~ua exp lora<,::io nes~c me~mo tc mpo que lhes lIuc rdita\'a a t::conomia madeirense, afugemando os mesmo regime , mas a panir de Lisboa rcn:nda no mcrC<ldo 10CII (ARM , C \lF. mercadores. pelo que revogou as inler-(esla situação surge no senhorio do n .O 1298, n.37. 22 de Dezembro de diçôcs :lmerio rmclHe IInpOSlas (ARM , infante D . Fernando Veja-se Manuel 1 .. 85; n, 68 \" .0, I" de Ab ril de [ .. 86, c CMF. regislO geral, t. I , fls. 291 v.o-292, Ju\'eml de Pita Ferreira, ibldem, 22: Joel O 8"'" \' o, 7 de Junho de 1 .. 86). A Lisbo a. 22 de Março de 1498. ln A. H. Serrão. -O infante D, Fernando e a Càm:mt, por seu rurno, hascada nestas ,li., X\lI, 369 Veja,se Álvaro Rodrigues Madeira ( 1-161- 1-."0) I 1-, in D A ordenações c no dc .... cjo expresso dos de Azevedo, -AnOtações-, in S(wdtldes 1/ ,\1" n .o '4 (19.,0), I ')-I~; fo.'blria José seus moradores. ordenou a saída desses fifi Tf""I"a. Funchal. 18~3 , 681-682). As Pi me lHa Ferro Tavares, Os jlldells em e ... trangdros ale· !->Clclllhro de 1480, no fac ilidades concedidas à estada destes Portugal 1/0 Século XV, Lisboa, [982. que foi impeditl:1 pelo ~enhorio (ARt\1. :,gcntes forastl.'iro .... conduzirão à assidui-279-280: V . Rau , O Açlícar na ,\fadeirCl CMF, regislo geral, I I. fls 292-29.~, Lis- dadc da sua frequência nesta praça, bem f.. /. 29·30, e TlJe Seulement of boa, - de Agosto de 1'186). Somente em como ii sua fixação e intervenção de Madeira "'ld tlJe sugar Cal/C planta- 1489 se reconheceu a utilidade d;t sua modo acentuado na eSlrutura fundiária e tiOIlS, W ., 196"1. 8-9: 11. Gama B:uros, pre!ien\'a na rcfcril!;t ilha, ordenando :tdm inistrativa (A[herlo Vieira , -O História da Admillistraçáu Pública em 1), João \I a D. t\lanucl. emão duque de regime de pro priedade na Madeira Portugal, x. 1 '1 9~ 1 .,'); Fernando Beja, que os estrangdros fos~cm consi- I 1_, já citado) AuguSIO da Silv:l. _Estr:lngeiroso, in F/II (lt:rado~ com o . n:ltur;JCS t:" \'izinho .... de A comunidade de mercadores eSlran-cidário MadeireI/se, t (1940), 419-42 1; 1l0 ...... 0s regnos- (ANTT, Gan'tas. x\. ')- ge lros n;l Madeira eSlava dominada pela Charles Verlinden, _Les débuls de la pro- 8, Évora, 22 de Dezembro de 1489, prcs(:nça italiana. seguida de namengos ductiOIl et expon:nion du sucre à sumariado in As Gm'etas da Torre do e franceses ; lOdos surgem aí atraídos Madere. Quel róle }' jouerent les ita Tombo. IV. Lisbo a, 196 .. . 169- 1 ""'O) pelo tão solicitado ouro branco. Bens., in Studi iII Memoria de Luigi dei Os probJema5 do mercado açucareiro Os lIa[ian05. e em especial os Florenti-Plme. Roma. 1982. 30 1-3 10). 113 década de 90 conduziram ao ressurgi- nos e Genoveses. conseguiram. desde

O monarca, t:ompromelido com essa menta desta polílica xenófoba Os meados do século xv, implantar-se na posiç:lo vantaj osa dos estrangei ros, a estrangeiros passam :l dispor de três ou Madeira como os principais agentes do partir dos privilégios concedidos, qU:Hro meses, entre Abril e meados de comércio do açúcar, alargando depois a aCluou de modo :tmbíguo. procurando Setembro, para comerciar os seus pro· <;ua aCluação ao domínio fundiário, por salvaguardar 05 compromissos anterior- dUIOS, não podendo recorrer a loja e a meio da compra e de laços malrimoniais mente assumidos e alender às solicila- feitor (H . Gama Barros, ibidem, x, 155: (V irgínia Rau comenta, a propósito: -E çôes dos moradores do Reino. Para Fernando Jasmins Pereira . Alguns Ele- uma vez que os Italianos se afe rraram ao tamo. estabeleceu limitações à residên- lIIelllOS ptlra o EstLlflo da }Ust6ria Eco- comércio da exportação do açúcar da da dos estr.mgciros, fazendo-a depen- lIómiw da Madeira { /, 139-162: Madeira. servidos por lima vasla rede der de licenças especi:ti~ (H. Gama Bar- ARM, CMF, regISto geral. t. t. comercial e fin:lI1ceira disposta sobre TOS, ibidem, x, 152-IS3; ibidem, 330: Os 262 v,0·269 \" 0, Torres Vedras, 12 Ioda a Europa, fácil lhes foi também V. Rau. O Açúcar lia Aladeim f. ./' de Outubro de 1496, in A. H. M .. XVII, penetr:lrem com o tempo na posse de p.26. nOla 27; Monllmenta I-/enricina, .350-358, e n .O 1302, fls . 83-83 \,.0,26 terras e lransformarem-se então em pro-xv , Coimbra , 197'4, 87-89). Quanto à de Novembro de 1496), Somente em dutores e proprietários da ilha da Madei ­Madeira, definiu a impossibi lidade da 1"93 D . Manuel reconheceu o prejuízo ra ( .. I A Madeira terá sido para os Italia-sua vizinhança sem licença sua, ao que as referidas medidas causavam à nos, em grande pane, a ilha de granri~

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COMERCIO 00 AÇUCAR DA MADEIRA (1490·1550)

(em arrobas)

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comércio de exportação do açúcar durante a segunda melade do século x\ e primeira met:lde do século '>;\1; até lO advento e tempo da grande exportaç:io do açúcar do Brasil em meados deste último século», ibidem, 32), Na déclda de '0, median'te o COntratO estabelecido com o senhorio da ilha, detinham já uma posição maioritária na soci('dade criada para o efeito, sendo representados por Baptista Lomellinl , Francisco Calvo c Micer Leão (sobre a presença Italiana na Madeira, veja-se Charles Verlinden, ob cil: ~1. do Rosário, Genoveses lia l/ist6 ria de Portugal, Lisboa, 1977; Prospero Peragallo, Celllli iII torno aI/tI colonia itaUana in Porlogallo - uei secoU XII', .\ I e XI'" Génova, 1882, Domenico Geoffré, _Le relazioni fra genov:! e Madera nel I decenio dei secolo X\'I_, in Studi COlombitmi, III , Géno\'a, 1952 , 435·483; Carlos Passos, -Relações histó­ricas luso-italianas», in Anais da Acade­mia Portuguesa de História. 2. 1 série. \'[], Lisboa, 1856, 143-240; . lIalianos na Madeira., in A. H. M. , v (1937), 63-67; Jacques lIeersm , Gêlles (1/1 XI-<' siecle, Paris , 1977, 335; Virgínia Rau, -Uma família de mercadores italianos em Por­tugal no século XV· OS Comellini., in Estudos de História. I, Lisboa, 1968,33·

222

36). No último quartel do século vem juntar-se·lhes Cristóvão Colombo, João António Cesan:. B~lrtolomeu Marchio ni , Jerónimo Sernigl e Luís Doria. A eSIC' grupo inicial seguiu-se, em princípios do séculO XVI, Outro grupo mais numeroso, que alicerçou a comunidade italiana resi­dente, distinguindo-se Lourenço Catta­neo, João Rodrigues Castigliano, Chirio C~lttano, Sebastião Centurione, Luca Sal­vago. Giovanni e Lucano Spinola

Os mercadores-banqueiros de Flo­rença salientam-se nas transacções comerciais e financeiras do açúcar madeirense no mercado europeu. A par­tir de Lisboa, onde adquirem urna posi­ç:io privilegiada junto da coroa, mantem c dominam um:1 extensa rede de negó­dO!. que abrange :1 Madeira e as princi­pais praças europeias. Primeiro conse­guem da fazenda real o quase exclusivo do comércio do açúcar; depois apoderam-se do ,I~'úcar em comércio, com o exclusivo dos cont ingentes eSla­bdccidos pdl coroa em 1'+98 (Virginia Rau. O AçlÍcar 'UI '\/tuleim [ . I, 29). A..,..,im tc::remos ll:trtolol1lt'u Marchioni. Lucas Giraldi e Benedito Morelli com uma intervenç:10 muito clara no trato do :tçúcar na primeira melade do sé· culo X\"I (Fernando Jasmins Pereira, O Açúcar .l1adeirense de 1500 a 153-I j. 61-6';), A m:mutenção dessa rede de nt:gócios fal.Ll -..,c por meio da Inter· \'cnç;io directa uc..,tc<; mercadores e por meio de procuradores ou agentes subes­tabelecidos . Benedito Morelli, cm 1509-11 I O, tinha na ilha como seus agentes para O recebimelllo do açúcar dos quar toS Simão Accialuolli, João de Augusla. Benoco Amador . Cristóvão Bocollo e Amónio Leonardo (idem. Ibidem. 61-91, (' Os Estrangeiros lia ,\ladeira. 88, 1 1)-11- e 125-128); March ioni. em 1507-1509, fazia-se representar em operações de identica índole por Feducho Lama­roto (idem , Os Estrtlllgeiros na ,\!a(/C!ira , 19,27,60, 105, pass/tn); João Francisco Affait:lli. cremones, agente cm Lisboa de urna das mais Importantes companhias comerciaIS da época, leve uma participação activa nesse comércio entre 1502 e 1526, por meio de contra­tos de compra e venda dos açúcares dos direitos reais (1516-1518. 1520-152 1 e 1529) e pagamentos em açúcar a trOCO de pimenta (idem, ibidem. 111-118). O mesmo mercador actuava quer cm sociedade com Jerónimo Sernigi, João Jaconde. Francisco Corvinelli e Janim Bicudo, quer isoladamente, tendo para O efeito como feitores e procuradores, na ilha, Gabriel Affaitati. Luca António, Cristóvão Bocollo, Capela de Capellani.

NAVIOS PORTUGUESES COM AÇUCAR PARA ANVERS (ANTUERPIA) (1536·1550)

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JOão Dias, Jo:1o Gonc;:llves. Macia Manard! e Maffei Rogell ,

A penetração deste grupo de merca­dores na sociedade madeirense foi muito acentuada (idem, ibidem. 22-26). O usufruto de privilégiOS reais e o ímer­-relacionamento familiar conduziram ã sua plena inserç:io na aristOcracia terra­tenente e administr'lIiva. N:l sua maioria, apresentam-se como proprietários e mercadores de :l~'úC:lr, instalam-se nas terras de melhor e maior produção e, por meio de compr<l e laços matrimo­niais. tOrnam-se nos maIS Importantes proprietários de canaviais: a.!.Sim sucede com Rafael C~lttano. Lub Doria. João E.,meraldo. João c Jorge Lomelino, João Rodrigues Castelhano, Lucas Salvago, (,io\';mni Spinola, Jo;io Ando. João Flo­rença , Simão AcciaiuolJi e Benoco AmaLOri.

A ')ua intervenção na estrutura admi­nistratl\'a madeirense abrange os domí­nios mais elementares do governo. como a vereação e repanições da F37enda, que incidi:lm sobre a economia :!<; u(;lft: ira; surgem, <lSSlIn , como almo­xarifes e provedores da Fazenda: têm ainda uma imervençào notável na arre­cad:lção dos direitos reais , ap:uecendo também como rendeiros .

Tal como os Italianos, os Franceses e Flamengos aparecem n<l ilha. desde finais do século xv, atraídos pelo ren­doso comércio do açúcar; mas estes não se enraízam na sociedade insular e mano tem a sua condição errante; O seu inte­resse é única e exclusivamente a aquisi· ~::io do açúcar a troco dos seus artefactos. alheando-se das realidades produtiva c adminiStrativa. Os Franceses evidenciam-se pela . .., ~uas operações de troca em torno do a~'úca r (20,25 %), enquanto os Flamengos mantem uma posição subalterna. participando do

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grupo interveniente no mercado madei­rense. Os Flamengos aliam a Madeira à rede de negócios das Canárias, que surge como ramificação das praças nórdicas e andaluzas: apesar da condição de estan­tes, ficaram limitados o seu apareci­mento e o seu rast ro na sociedade madeirense, pelo que se torna impossí­vel avalia r da sua importância.

Os mercadores franceses tem uma presença muiw act iva no comércio do açúcar da Madeira na primeira metade do século XVI. Eles surgem com fre­quencia nas comarcas do Funchal, Pont:1 do Sol, Ribeira Brava e Calheta, onde adquirem grandes quantidades de açú­car, que transportam em embarcações suas; nesse tratO ev idenciaram-se mestre António, Archelem António Coyros. Antón io Cara das e Francisco Lido (idem. ibidem, 23).

As escápulas, até 1504, e o produw dos direitos reais eram canalizados para o mercado europeu quer por ca rregação directa, quer por negócio livre ou a troco de pimenta (idem, ibidem, 82-8."1) Esse açúcar era arrendado por mercado­res ou sociedades comercia is sediados cm Lisboa, sendo de pôr em evidência ;1 actuação dos mercadores italianos, como João Francisco Affaitati e Lucas Salvago (idem, ibidem, 80).

As operações comerciais em torno do açúcar, no período de 150 I a 1504, esta­vam cent ralizadas em mercado res ou sociedades comerciais que, a partir de Lisboa, controlavam esse trato por meio de um sistema complicado de feitores ou procuradores. A sua intervenção, que se apresentou dominante nos três pri­meiros decénios do século, so freu um decréscimo acentuado na última década. ESla situação atesta que os mercadores estrangeiros, em face da instabilidade do mercado açucareiro madeirense nos pri­mei ros trinta anos, abandonaram o seu comércio, fazendo-o substituir pelo canário ou pelo americano.

A comunidade italiana tinha na sua mão a quase totalidade do comércio do açúcar com as principais praças euro­peias; seguiam-se-lhe os grupos dos por­tugueses e dos castelhanos; os mercado­res nórdicos, não obstante a posição p rivilegiada dos seus mercados no comércio do açúcar madeirense, não se apresentaram em força nestas opera­ções, pois constituíam apenas 4,72 % do tOla L Tal situação mostra, mais uma vez, que essa rOIa se mantinha na mão dos Portugueses, nomeadamente oriundos do litoral norte, e que esse comércio estava organizado pela feitoria portu­guesa da Flandres.

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PREÇO DO AÇÚCAR MADEIRENSE

NO MERCADO EUROPEU

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No.') quatro decénio,> em análise verifica-se que os Italianos dctiveram o exclusivo do comércio na primeira década e uma posição dominame nas dlla~ seguintes, sendo substitu ídos pelos Portugueses na década de 30. Este decréscimo ita liano é compensado pelo reforço das posições portuguesa, caste­lhana e francesa.

No grupo dos mercadores estrangei­ros nota-se uma tendência concentracio­nista, pois apenas os çiJ1eo principais detem 70,61 % do açúcar transaccio­nado. Além disso, todos eles apresentam valores de transacções superiores a 10000 arrobas, enquanto en tre os nacionais apenas um excede esse número. Aliás, a média de ambos os gru­pos é esclarecedora: nacionais, 141,9 arrobas; estrangeiros, 'i07 4,5 arrobas.

João Francisco Affailati. mercador cre­monês de família nobre, chefe da sucur­sal em Lisboa da companhia Affaitati, uma das mais importantes dessa p raça, surge no período de 1502 a 1529 como o principal activador do comércio do açúcar madeirense, tendo transaccio­nado se te vezes mais açúcar do que todos os portugueses. Durante esse curto período, arrematou, em 1502, as escápulas de Águas Mortas, Liame, Roma e Veneza; conjuntamente com Jerónimo Sernigi, João Jaconde e Fran­cisco Corvinelli, arrematou a venda do

,I<:úcar dos direitos (1512~ 1518, 1520-1521 e 1529) e actuou em operações dh'ersas de compra direcla de açúcar e de troca deste por pimenta ou d ívidas (idem, ibidem, 78-92).

Para manter eSla amplitude das opera­~'ões comerciais na ilha contava com um grande grupo de feitores ou procurado­res: Gabriel Affai tati, Luca Antonio, Cris­tó\';io Bocollo, t\ l atia Manardi, Capella de Capellani , João Dias, João Gonçalvcs e Mafei Rogell; por ou tro lado, aceitou procuração de Garcia Pimentel, Pedro Afonso de Aguiar e João Rodrigues de Noronha. Note-se que o grupo in icial é na sua maioria formado por italianos ligados ao comércio do açúcar e que os segundos pertencem a algumas famíl ias mais influentes da ilha

A rede de negócios funchalense em torno do trato do açúcar foi criada e incentivada pelo mercador est rangeiro, alemão ou italiano, que aí aponou depois da reconfortante e vantajosa escala em Lisboa e dominou as princi­pais sociedades intervenientes no comércio açucareiro, não obstante ter morada fixa em Lisboa, Flandres ou Génova (ANTT , Corpo Cronológico, ti,

maços 7, 12 , 13, 18,68,84,88,92, 133 e 162; III, 2 e 7; F. J. Pereira, ibidem, 83--86); o seu domínio atinge não só as sociedades cr iadas no exterio r com intervenção na ilha, mas também o grupo de agentes ou feitores e procura­dores substabelecidos no Funchal. A escolha destes é criteriosa; primei ro os familiares, depois os com patrícios enrai­zados na sociedade e só depois os madeirenses ou nacionais.

As principais casas imervenientes no traIO açucareiro madeirense, sob esta forma, podem ser definidos de acordo com o número de representantes, colocando-se então em ev idência Bap· tista Morelli, B. Marchioni, Welser, Claaes, Charles Correa, Pero de Ayala e Pera de Mimença.

Os Welsers e Claaes intervêm na praça do Funchal por intermédio de agentes estabelecidos em Lisboa, respectiva· mente Lucas Rem e Erasmo Esquel , que aí subslabelecem feitores. O primeiro tinha como seus interlocutores no Fun­chal, em princípios do século XVI, João de Augusta, Bano Broxone, Jorge Emdorfor, Jácome Ho lzbuck, Leo Ravenspurger e Hans Schonid. Os pro­dutOres e feitores, na sua cond ição de interlocutores dos mercadores euro­peus, nào se ligam a uma única socie­dade, mas distribuem a sua acção por um grupo variado de societários. E eSles, por sua vez. não se prendem ape-

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nas a um representallle , pois fazem dis· tribuir os seus poderes por um número r:lzo.lvd de feilOn:s e procurado res; na primeira situação evidencia-se Benoco Amat ori, que representava n. l\lar ­chioni, BM {\Iorelli, Álvaro Pimcntel c Jerónimo Sernigi ; c.: na segunda, João Franci!lco AffailatL que entre I SOO e 1)19 esla\'a representado por Gabriel Affall at i , Luca AntOnio , Cri stóv:io 13ocollo, Capei la de Capellani , Jo:io Dia ... João Gonçalves, Matia Manardi , {\Iafei Rogell e Lucas Giraldi.

Na Madei ra , a dominància de cu ltura da cana·sacarina, até à primeira metade do século XVI, fará que o açúc:u sej;1 l11i ­lizado como meio de pagamento no mercado local e internacional ; er:1 usado n:io só no pagamento de soldada ... c de serviços de lav ra e sa fra açucareira. mas lambém para pagamento do trigo e cnada imponados nos Açores. A coroa, por vezes, servia-se dos seus réditos para fazer os pagamentos em pimenta da Casa d,l fndia , das despesas da coroa e das comendas (V. Rau , ob. cil . 29) .

O lavrador e o propriel :írio do enge· nho serviam-se usualmellle do produto da sua safra para o pagamento da mão­-de·obra assalariado de que necessi la­vam Entre t 509 e 1537 há referência a diversos pagamentos em açlícar por ser­viços prestados na lavoura e na labora­ção do engenho e, mesmo, na compra de qualquer manufaclUra ou p rest:u;:io de serviço artesanal. Os pagamelllos aos serviços da safra do açúcar atingem 3 1,4 1 %, sendo 16,62% no cultivo e apanha da cana; os outros serviços eram dominados pelos sapa teiros (27,62 %) e ferreiros (24,48%).

224

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A'> obrig;I~'õc,> do pagamt:nto do trigo açoriano com açúcar surgem apenas entre I S09 e I '; 19; no global , temos 'i3.3'i% em mocd:! e 56,86% em açúcar (F. J. Pereira , () Açúcar ,\fadeirense I j. 6 1-9 1). ;\leste curto período dt: dez ano<; movimelllaram se 9 ... 6 . .:; arro­IXI'> de 'H;úcar em trou de.: 23).) moio'> de trigo, o que perfal uma média de I arroba.<, de açúca r po r moio de trigo, avaliado em cerca de I SOOO.

Esta dominante d:1 economia e da.<; finança<; insulares n:io era adequada ao desenvolvimento tio comércio externo tio mercado insul:lr. \' isto que. para além de entorpecer o'> ('i rcuit o<; de troca e de prejudicar o~ in~lIlarc., e o ... eMrange iro~.

conduzia à paulatina subordinação des­tas áreas ao mercado r europeu, que apa­recia em condições vantajosas com as suas manufacturas. O ilhéu . ca rente des, tas e perante a penllria da moeda, era obrigado a recorrer à venda antecipada (' às hipotecas ou empréstimos.

Expansão

o elevado rendimentO da p ro dução açucareira madeiren .. e e a sua incessante procura no mercado europeu condicio­naram a sua expansão no Atlãntico. Rui Gonçalves da Câmara deu o exemplo. em 1472, ao assoc i:lr às sua~ bagagens na viagem para oc idente as primeiras socas de cana para a ilha de São Miguel , donde se expandiu à Terceira e Santa Maria (ANTT, Corpo Cronológico, ri, 5, 21 , 33, 36-38, 41-43, 46, 79 e 185). Mas , merce das cond ições mesológicas desfa­voráveis, esta experiência saldou-se num

frJcas~o. tendo aquele madeirense de se contentar com a recordação dos seus extensos canaviais na Lo mbada da Ponta do Sol. Note-se que aí a cultura nunca atingiu mais do que um terço da produ­<;:io madeirense (Gasp:lr Frutuoso, Sau­dtules dtl Terra. liv. 1\, vol 11 ,59 e 209-2 12; V. de {\1. Godinho, ob cit. , rv. 198j; F Carrdro da COSI:!. _A cultu ra da cana-de-açúcar nos Açores . Algumas nOlas para a sua história_, in Boletim da Comissâo Reguladora do Comércio de Cereais dos Açores, n ° 10, 19'19, 15-31 ).

Nas Canárias, IOd,lv ia , mercê da ,lcç:10 do governador D. Pedro de Vera , :1 experiência com cana madeirense vin­gou A interven~'à{) d" mão-de-obra especializada da Madeira contribuiu para que as ilhas Canárias assumi~5em uma posição de peso no comércio do açúcar no século X\- I , pondo cm causa a posi­ção confortável do mercado madeirense (ANTT, I. ° 3 IJ Mal/uel. n_ 28, alvará de 10 dt: Julho de 1 <; I O, in Arquil 'o dos ""()res, rir , 200-2(1 ). O CUltLVO d;1 cana expandia-se pelas ilhas de Gran Cana ria , Tenerife , La Palma e La Gomera, mercê do financiamento do capital genovês e da experiência lusíada no delineamento do ~i,>tcma de regadio. cultura, constru­~';io c laboração dos engenhos (Maria Luísa Fabrellas, - La producción de azú­ca r en Tenerifc_, in Rel"ista de J---listória . n.o 100, 1952, '1 54-475; Guilhermino C:lmacho" Pérez Galdós, . EI cultivo de la cana de 'azúcar y la industria azucarera en Gran Cana ria ( I) I 0- 1535)-, in Anlla­rio de I:'stlldios Atlâl/ticos, n.O 7, 1961, _\)-38).

A intt:rvençào madeirense- não ficou :Jlhcia à promoção da cultura em São To mé e Princípc e no Brasil , onde apare­ce ram. nomeadamente nesta última área , gentes da ilha, como carpinteiros, mestres de engen ho, purgadores e mesmo proprietários de engenho IA, Sarmento , O Primeiro Açúcar I/a .\fadeira, Funchal , 19-1), ';9 e 66-71; A Amorim Parreira , 01, cll., 55-68; DenUI/­ciações e Confissões de Pernambuco (1593-1595), Recife, 1984,2 10, e intro­dução de José Antonio Gonçalves de Melo ) To da\' ia , esta expansão deu-se sob o olhar atento d:t coroa, que autori­zou e promoveu a deslocação desses téc­nicos e das necessárias socas de cana. Nt.:ste sentido. no século x\-r, enquanto se proibia a ida de mestres de fazer enge­nhos para trabalhar na terra dos Mouros, promovia-se a su:t sa lda para o Brasil (ARM, CMF, registo geral, t. I, n. 372 \'.0, carta régia dt:: 19 de Janeiro de 1537).

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